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UNICURITIBA CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA NEUSA MARIA CARTA WINTER POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE CURITIBA 2014

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Page 1: UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA · empresarial, em consonância com a Constituição Federal. Nesse tópico, será analisada a sustentabilidade e as crises na empresa,

UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

NEUSA MARIA CARTA WINTER

POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE

DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION

PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE

CURITIBA 2014

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NEUSA MARIA CARTA WINTER

POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE

DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION

PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira.

CURITIBA 2014

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NEUSA MARIA CARTA WINTER

POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE

DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.

_______________________________________

Presidente: Doutor Francisco Cardozo Oliveira

_______________________________________

Doutora Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr

_______________________________________

Doutor Clayton Reis

Curitiba, 12 de Maio de 2014.

Page 4: UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA · empresarial, em consonância com a Constituição Federal. Nesse tópico, será analisada a sustentabilidade e as crises na empresa,

A minha filha, ANDRESSA HELENA, razão da minha caminhada.

A meus pais, NEUMAR e EDGAR, meu porto seguro.

A minha irmã, TERESA CRISTINA, o meu carinho.

Ao ABRÃO, meu marido, pela compreensão.

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AGRADECIMENTOS

Ao eminente professor, Dr. Francisco Cardozo Oliveira, orientador atento e

presente, cujos conhecimentos e elucidações conduziram-me ao aprofundamento da

pesquisa científica necessária para tornar efetivo este trabalho, os mais profundos

agradecimentos.

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RESUMO

Esta dissertação analisa o instituto de recuperação judicial, com base na lei de falência e recuperação (Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005). O Texto analisa o princípio da função social da empresa, que prevê a oportunidade de uma sociedade empresária que passou ou esteja passando por uma crise econômico-financeira, poder vir a se recuperar e voltar a competir no mercado. Por meio do tema desenvolvido, pretende-se averiguar se a concessão de crédito para empresas em recuperação é um instrumento para a efetiva função social e sustentabilidade, fazendo com que ela permaneça com o seu negócio propriamente dito. Com efeito, quer no âmbito judicial, quer no âmbito extrajudicial, a lei, com arrimo na Constituição Federal, busca conceder mecanismos jurídico-econômicos para a tentativa de soerguimento da empresa em crise que merece, por assim dizer, os remédios previstos no diploma legal em análise. Será abordado, também, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o novo modelo de mercado adotado pela nova lei de recuperação judicial.

Palavras-chave: Recuperação Judicial. Sustentabilidade. Função Social da Empresa.

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ABSTRACT

This dissertation analyzes the institute bankruptcy, based on the law of insolvency and recovery (Law 11.101, of February 9, 2005). The text analyze the principle of the social function of the company, which provides the opportunity for an entrepreneurial company that has or is going through an economic and financial crisis, can recover and return to compete in the market. Through the theme developed, is intended to determine whether the granting of credit to businesses is a recovery tool for effective social function and sustainability, making remain the same with your business itself. Indeed, whether in the judicial or extrajudicial under the law, with breadwinner in the Federal Constitution, seeks to grant legal and economic mechanisms to attempt to uplift the company's crisis deserves, so to speak, the remedies provided for in statute analyzed. It will be also addressed the constitutional principle of human dignity and the new market model adopted by the new bankruptcy law.

Keywords: Judicial Restructuring. Sustainability. Social function of the company.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9

2 FUNDAMENTOS INSTITUCIONAIS DA EMPRESA ..................................... 12

2.1 HISTÓRICO DA EMPRESA ........................................................................... 12

2.2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EMPRESA ................................................. 15

2.3 A EMPRESA NA ATUALIDADE: OS NOVOS PARADIGMAS DA EMPRESA

EM FACE DO NOVO CÓDIGO CIVIL ............................................................ 21

2.4 O NOVO CÓDIGO CIVIL: OS BENS DA EMPRESA E DO EMPRESÁRIO ... 25

3 A FUNÇÃO DO SISTEMA DE CRÉDITO NA ECONOMIA DE MERCADO ... 31

3.1 A ORDEM ECONÔMICO-CONSTITUCIONAL ............................................... 33

3.2 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E O

MERCADO DE CRÉDITO .............................................................................. 39

3.3 A IMPORTÂNCIA DO CRÉDITO PARA A ECONOMIA DE MERCADO......... 45

3.4 AS GARANTIAS DE CRÉDITO ...................................................................... 48

4 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A REGULAÇÃO DOS

DIREITOS DOS CREDORES ........................................................................ 58

4.1 MUDANÇA DE PARADIGMA DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL .......................................... 58

4.2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A CORRELAÇÃO COM A LEI

11.101/2005 E A PROTEÇÃO DO MERCADO DE CRÉDITO ....................... 69

4.3 PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS FORMAIS DA NOVA LEI DE

RECUPERAÇÃO JUDICIAL ........................................................................... 74

4.4 ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ............. 79

5 A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO CRÉDITO NA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL: FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E SUSTENTABILIDADE

EMPRESARIAL ............................................................................................. 88

5.1 A SUSTENTABILIDADE E AS CRISES NA EMPRESA ................................. 88

5.2 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA .................................................................. 95

5.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana Preservada pela Manutenção do Crédito da

Empresa ........................................................................................................ 98

5.3 REFLEXOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS NO MERCADO

E NO SISTEMA DE CRÉDITO ..................................................................... 104

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5.4 AS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS EM FACE DA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL ..................................................................................................... 105

6 CONCLUSÃO .............................................................................................. 113

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 117

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1 INTRODUÇÃO

Na economia contemporânea, é inegável o papel de destaque mundial

alcançado pelas empresas. Isso se deve especialmente por força da adoção maciça

do regime capitalista, com seu modelo econômico de livre mercado, pelo surgimento

de novas práticas comerciais, assim como por força do avanço tecnológico e do

advento do fenômeno globalizante.

Diante dessa conjuntura, houve a necessidade, no ordenamento jurídico

brasileiro, de revisão de conceitos, institutos e teorias, o que culminou na valorização

da atividade empresarial, na atual estrutura econômico-jurídica, por meio da adoção

da teoria da empresa, colocando-a como foco do Direito Comercial Brasileiro e no

Código Civil Brasileiro. Assim, reconhece-se o papel da empresa como mola

propulsora da economia dos Estados, já que promove a circulação de riquezas,

oportuniza empregos e pagamento de tributos, oferece mercadorias e serviços à

população, além de proporcionar a concorrência, gerando conveniências aos

consumidores, à sociedade e ao Estado, seja de forma direta ou não, fomentando,

demais disso, a inovação tecnológica.

Surge, enfim, a ideia de função social da empresa, em decorrência do

princípio da dignidade humana. Nesse sentido, deve-se entender por função social a

obtenção de um resultado das atividades humanas em prol da coletividade. A ideia

de atividade empresária transcende a expectativa de lucro e passa, agora, a se

justificar à medida que, também, traz retornos positivos à sociedade.

Essas conclusões são facilmente extraídas do texto constitucional em

diversas passagens, como, por exemplo, no inciso XXIII do art. 5º, da CF/1988, que

fixa o dever do empresário de observar a função social; no art. 170 da CF/1988, que

coloca a valorização do trabalho humano como fundamento e a dignidade como

finalidade da ordem econômica, a qual deverá atender aos ditames da justiça social.

Portanto, nessa dissertação, serão abordados temas, a partir da função do

sistema de crédito na economia de mercado, o instituto da recuperação judicial e a

regulação dos direitos dos credores e a importância da manutenção do crédito na

recuperação judicial: função social da empresa e sustentabilidade empresarial.

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A presente dissertação está dividida em quatro capítulos, além da introdução

e conclusão, tratando, o primeiro capítulo, dos fundamentos institucionais da

empresa. Nesse capítulo, será feita uma abordagem do histórico da empresa, além

da evolução do conceito de empresa. Em seguida, será analisada a empresa na

atualidade, de acordo com os novos paradigmas da empresa, em face do novo

Código Civil.

No segundo capítulo, será abordada a função do sistema de crédito na

economia de mercado. Nesse capítulo, analisa-se a ordem econômico-

constitucional, onde se rompe o modelo positivista, em que o direito era visto como

um mero reprodutor da realidade, para dar lugar a uma Constituição marcadamente

principiológica, compromissada com a transformação social. Em seguida, embasado

na principiologia de índole democrática, marcada pela primazia da dignidade

humana, será analisado o art.170 e seguintes da Constituição Federal, que trata da

ordem econômica e financeira, disciplinando os princípios gerais da atividade

econômica. Ainda, será analisada a importância do crédito para a economia de

mercado e suas garantias de crédito.

No terceiro capítulo, será abordado o instituto da recuperação judicial da

empresa e a regulação dos direitos dos credores, com as alterações dadas pela Lei

11.105/2005, desde a sua formação até o momento da crise e dos problemas

estruturais relacionados às empresas e aos sócios ou acionistas. A presente

dissertação fará uma incursão no direito comparado, através da análise do

Bankruptcy Code, que trata da reorganização judicial nos Estados Unidos da

América, apresentando um histórico da origem da lei de recuperação judicial, com

base na legislação norte-americana e a mudança de paradigma da lei de

recuperação judicial, com ênfase na manutenção da atividade empresarial e os

aspectos jurisprudenciais da referida lei.

No quarto e último capítulo, será abordada a importância da manutenção do

crédito na recuperação judicial como função social da empresa e sustentabilidade

empresarial, em consonância com a Constituição Federal. Nesse tópico, será

analisada a sustentabilidade e as crises na empresa, bem como a função social da

empresa, propriamente dita. Em seguida, será analisada a dignidade da pessoa

humana, preservada pela manutenção do crédito da empresa e, finalmente, quais os

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reflexos da recuperação judicial de empresas no mercado e no sistema de crédito e

as tendências jurisprudenciais, em face da recuperação judicial.

A presente dissertação analisa a atividade empresarial, com enfoque no texto

constitucional: inclusão e sustentabilidade, apontando, ao mesmo tempo, a

fragilidade da Lei 11.101/2005 e um caminho para que a empresa supere a crise.

Por fim, o trabalho pauta-se no método dialético de pesquisa, por meio do

qual pretende-se discutir e debater o tema proposto por uma moldura analítico-

crítica.

O desenvolvimento da pesquisa será realizado por meio da técnica de

utilização de pesquisa bibliográfica em doutrina, legislação e jurisprudência. Por fim,

o método de procedimento a ser adotado será a exploração dos itens acima

referidos, sobretudo trançando-se comparativos científicos, doutrinários e possíveis

casos judiciais atinentes à problemática.

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2 FUNDAMENTOS INSTITUCIONAIS DA EMPRESA

2.1 HISTÓRICO DA EMPRESA

Para falar de empresa, é necessário fazer uma análise de alguns aspectos

relacionados à história do próprio direito comercial, para que se delineie o contexto

em que aquela passou a ter um sentido jurídico.

As primeiras manifestações de regras de cunho comercial datam de 1850 e

1750 a.C., com o Código de Manu, na Índia, e o Código de Hamurabi, na Babilônia.

Nos séculos XVI e XV a.C., os fenícios eram os responsáveis pela intermediação de

produtos entre a Ásia e o Mediterrâneo, onde estavam os gregos, denominados

“empório do comércio europeu ocidental” por Waldemar Ferreira1, pela intensidade

de sua atividade comercial.

Em razão desse comércio, surgem as normas costumeiras marítimas de

índole internacional.

Os romanos, embora não possuíssem uma legislação comercial específica,

contribuíram com o direito comercial, através do costume da escrituração doméstica

difundido em todas as casas, o que deu origem aos livros comerciais; as regras

sobre contratos e obrigações, que deram alicerce às transações mercantis; os

institutos da falência e da ação pauliana; o comércio sendo realizado pelos escravos

em nome de seus senhores, o que deu origem à representação comercial.

No século IX, já Idade Média, com o domínio muçulmano nos mares, a

Europa se vê isolada e o comércio passa a ser feito internamente, em terra, para

garantir sua segurança. Surgem as grandes feiras. É a partir desse momento que o

direito comercial começa a se formar. Na Idade Média, surgem as corporações de

ofício, entre elas, as de mercadores. Esses profissionais criaram um direito ágil, vivo

e sagaz em suas corporações, que foi o contraponto do direito romano-canônico,

1FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1960, p. 33, v.1.

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formal e solene, absoluto, até então.2

As pendências entre eles eram solucionadas internamente, por cônsules

eleitos, que utilizavam, nas suas decisões, os usos e costumes, a equidade e o

contido em seus estatutos, sem grandes formalidades. Foram os ancestrais dos

Tribunais de Comércio.

Os cônsules acabavam por atuar, também, legislativamente, criando normas

com seus julgados. Como estas normas eram mais favoráveis aos mercadores, por

atentarem para a natureza específica de sua profissão, necessário foi estabelecer e

determinar quem realmente seria profissional do comércio. O critério utilizado era a

matrícula na corporação. Se o indivíduo estava nela matriculado, poderia ter suas

questões apreciadas, conforme as regras especiais. É o chamado período subjetivo

do direito comercial (séculos XII a XVIII).

Com o enfraquecimento das corporações de ofício em França, no século XVI,

que foram perdendo espaço de decisão para os tribunais do Estado, os usos e

costumes ainda continuaram a ser aplicados na solução de conflitos atinentes aos

comerciantes.

Quando as corporações se extinguiram, o direito comercial já estava

sedimentado. Sendo, contudo, um direito especial, deveria continuar a ter seu

alcance limitado aos profissionais da área. Nesta fase, era perceptível que nem toda

a atividade comercial era praticada por profissionais do comércio, já que alguns

institutos, originalmente comerciais, tiveram seu uso generalizado, como a letra de

câmbio, por exemplo. Como o critério subjetivo já não mais poderia ser utilizado,

surgiu a teoria dos atos de comércio, mais objetiva, atendendo ao princípio da

igualdade, um dos característicos da Revolução Francesa, como critério de

caracterização dos destinatários das normas reguladoras da atividade mercantil.

Pela teoria dos atos de comércio, surgida em 1807, com o Código

Napoleônico, “o direito comercial deixou de ser apenas o direito de uma certa

categoria de profissionais, organizados em corporações próprias, para se tornar a

disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por

2BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 14.

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qualquer cidadão.”3

É o período objetivo dos atos de comércio, no qual floresceram legislações

importantes, como o já citado Código Comercial da França (1807) e suas derivações

na Espanha (1829), Portugal (1833), Brasil (1850) e Itália (1865). A Alemanha e os

países da common law não se perfilharam a ela.

O Código Comercial Brasileiro, como derivação do Código Comercial

Francês, centrou sua regulamentação nos atos de comércio – embora não

mencionasse esta expressão – para delimitar a matéria de sua competência, a ser

conhecida pelos Tribunais do Comércio.

Mesmo com a extinção da jurisdição especial no Brasil, em 1875, a

caracterização do comerciante continuou sendo importante para a aplicação de

dispositivos específicos, em razão da especialidade da atividade, como as falências

e concordatas, a locação comercial, a validade probatória da escrituração comercial

regular.

Todavia, como evidente, a atividade econômica é dinâmica e inovadora. A

classificação de um ato como de comércio decorre da lei, ou seja, tem um caráter

positivista, e a lei, como visto, não conseguiu acompanhar as inovações surgidas, ao

longo do tempo.

Assim sendo, a teoria dos atos de comércio foi se tornando obsoleta para

determinar a qualidade de comerciante, já que não houve uma conceituação

genérica de ato de comércio.

O comércio tem sido uma das atividades humanas mais dinâmicas de que se

tem notícia. Seus modos, costumes e legislação vão se modificando, para

acompanhar as inovações tecnológicas e as necessidades da sociedade.

O comércio, no sentido jurídico, então, deixou de ser considerado de modo

estrito, ou seja, apenas como o ato de intermediar a compra e venda, entre produtor

e consumidor – atacado e varejo.

3COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 12, v. 3.

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A teoria dos atos de comércio, não se mostrando capaz de atender ao

dinamismo social, outro critério de qualificação do comerciante teve que ser

introduzido.

Este novo critério foi denominado teoria da empresa e surgiu na Itália, em

1942, com seu novo Código Civil, que unificou a regulamentação da atividade

privada.

Subjetivo, porque é impossível separar a atividade de seu agente. Tanto

assim que o Código Civil italiano, como salientado, bem como o novo Código Civil

pátrio, não conceituam a empresa, mas o empresário. As regras serão aplicadas ao

sujeito de direito: esse sujeito é o empresário ou a sociedade empresária.

Mesmo antes da aprovação do Código Civil, o direito brasileiro, através da

doutrina e da jurisprudência, vinha atualizando o direito comercial, para aproximá-lo

da teoria da empresa.4 Este pensamento chegou a influenciar, mais recentemente,

também, alguns diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor, art. 3º,

que igualou, na figura de fornecedor, qualquer empresa, mesmo que a atividade

fosse civil. Bem assim, a lei de locação (Lei 8.245/92) estendeu às indústrias e às

sociedades civis com fins lucrativos o benefício da renovação compulsória que era

reconhecido aos comerciantes (art. 51, § 4º).

2.2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EMPRESA

O estudo das empresas, no Brasil, recentemente, converteu-se em foco de

atenção para os historiadores. Observa-se a emergência das empresas como objeto

de estudos primeiramente entre sociólogos, antropólogos, psicólogos e economistas.

Para os historiadores brasileiros, a empresa ainda é objeto novo. A distância

em relação ao objeto pode ser motivado por preconceito, por dificuldade de acesso

às fontes ou em razão de eventuais restrições a sua exploração.

4Apenas a citada lei 4.137/62 havia se ocupado de precisar o que se consideraria empresa, para os

seus fins. A lei 8.934/94, do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, já utilizou a expressão empresa em sua denominação.

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A questão da conservação das fontes é outro ponto importante. Inclusive, por

uma característica do próprio empreendedor, a conservação de documentos e a

preocupação em organizar a memória institucional do negócio não ocupam sua

atenção voltada para a busca de resultados práticos de sua empresa. A questão da

memória vai surgindo à medida que algumas empresas atingem um determinado

porte em seus negócios, instalações e número de empregados, e passam a

estabelecer uma maior interlocução com a comunidade, na qual estão inseridas. A

conservação e a divulgação da memória empresarial representam, também, um

processo de diálogo da empresa com sua comunidade.

Em termos de Brasil, abordar a história de empresas apresenta duas

dificuldades fundamentais. Em primeiro lugar, a própria ausência de empresas: em

meados do século XIX, contavam-se uma dezena. Em segundo, a tradição colonial

de um patrimonialismo rentista, sob o qual os senhores do Brasil buscavam para si

uma posição sob as rendas da coroa. Numa visão panorâmica, a partir da qual a

monocultura exportadora e o regime escravista representavam a atividade

econômica, nos tempos da colônia e do império, observar a atividade empresarial

requer atenção.

Numa época em que não existiam empresas, as famílias eram as unidades

produtivas; por conseguinte, de suas práticas e costumes dependia a atividade

econômica.

Casamentos estabeleciam novos núcleos produtivos, o dote da noiva poderia

representar um adiantamento de recursos para o início de um novo negócio e,

naturalmente, a noção contratual subjacente ao matrimônio representava também o

compromisso assumido, em perspectiva econômica. Parcelamento de terras e o

adiantamento de mercadorias representavam o capital inicial, para um novo negócio.

Em relação às novas gerações, eram favorecidos aqueles que se dispunham

a ampliar as propriedades da família, buscando novas terras, na fronteira selvagem.

Esses eram favorecidos, em detrimento de outros que optassem por uma vida mais

confortável, na localidade onde a família já estava instalada.

Nesta colônia de grandes proprietários senhores de escravos, viviam, em

grande número, homens livres. Dedicavam-se à pecuária, ao comércio e à

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agricultura.

Em termos de evolução empresarial, convém destacar que em se tratando de

produção mercantil agroexportadora, o Brasil não só supera largamente Portugal,

como se equipara aos Estados Unidos. O problema reside na transição para a era

industrial.

Se, na transição para o século XIX, o Brasil podia equiparar-se aos Estados

Unidos, e talvez fosse a maior economia das Américas, já, na passagem para o

século XX, o Brasil apresenta uma economia quinze vezes menor do que a norte-

americana.

Segundo Caldeira “foi justamente na transição do capitalismo mercantil para o

capitalismo industrial que o Brasil falhou”5. Paradoxalmente, mesmo sob o regime

escravista e um governo imperial, a constituição de 1824 criava espaço para o setor

privado da economia. Essa nova etapa do desenvolvimento econômico necessitava

de uma realidade contratual estável e de um sistema de crédito que permitisse uma

circulação de moeda mais rápida e em maiores volumes. A acumulação de capital já

havia ocorrido, na economia mercantil da ex-colônia. Contudo, o governo imperial,

absoluto, endividou o país com as reparações oriundas da independência, gerou

sucessivos déficits governamentais que, como consequência, o levaram a aviltar a

moeda, gerar inflação e modificar contratos. D. Pedro I manteve a tradição familiar

de celebrar tratados comerciais que prejudicavam o país, reduzindo, ainda mais,

suas rendas.

No período em que os Estados Unidos assumem o posto de primeira

economia industrial do mundo, na segunda metade do século XIX, surge uma nova

oportunidade para a economia brasileira. O fim do tráfico de escravos deixou livre

uma grande soma de capitais a serem reinvestidos na economia. É nesse momento

que surge o empreendedor, Irineu Evangelista de Souza. Ele refunda o Banco do

Brasil, o primeiro levado à falência por D. Pedro I, constrói ferrovias, fundições,

companhias de navegação e estaleiros. Capta recursos tanto no mercado nacional

quanto estrangeiro. Seu patrão e mestre nos negócios e depois correspondente na

Inglaterra, o escocês Richard Carruthers, lhe garantia acesso à city londrina e à

5CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009, p. 46.

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capitais disponíveis para investimentos industriais e em infraestrutura.

O que faltava ao Barão de Mauá era um ambiente institucional, ou, como

referimos anteriormente, uma ética empreendedora produtiva. Por volta de 1853, o

Partido Conservador, tendo à frente o Visconde de Itaboraí, inicia intenso movimento

para estatizar o novo Banco do Brasil. Daí em diante, os negócios de Mauá declinam

e de forma dramática passam a depender de favores e da discricionariedade do

Imperador.

A modernização, ainda que conservadora, só viria com a República. E o

impulso definitivo à industrialização teria de esperar até 1930. Esses 80 anos de

paralisia conservadora dimensionam a distância que pode ser observada,

comparando-se as páginas de Morris com as de Caldeira. E, justificadamente,

explicam o encantamento de Nabuco com os vizinhos do norte. Iniciada, nos anos

30 do século XX, a industrialização brasileira e seus pioneiros merecem alguma

qualificação. Em virtude do vínculo da industrialização com a lavoura cafeeira, à

época principal fonte de receita do país, alguns pesquisadores buscaram identificar

vínculos mais profundos, em relação à origem dos empresários e dos capitais que

deram origem às indústrias, nesta época.

Bresser Pereira6 dedica-se a pesquisar sobre essas origens, também fazendo

referência às pesquisas de Fernando Henrique Cardoso e Wilson Suzigan,

concluindo que os empresários responsáveis pelo início da industrialização brasileira

eram, em sua maioria, os imigrantes e seus descendentes. Além disso, sua extração

social era, predominantemente, de classe média e os fundos utilizados para o

investimento inicial nas empresas eram fruto de poupança pessoal e/ou familiar.

Considerando que a ordem imperial fora um empecilho ao florescimento

industrial brasileiro ainda no século XIX, devemos, consequentemente, ponderar

sobre a reorganização republicana brasileira que ensejou o desenvolvimento da

indústria nacional.

De que forma essa nova ordem política se relaciona com o empresariado?

6BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Empresário, suas origens e as interpretações do Brasil. In:

MARANHÃO, Ricardo. História de empresas e desenvolvimento econômico. São Paulo, SP:

Hucitec, 2002, p. 98.

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Importante destacar preliminarmente que a crise dos anos 30 do século XX

coloca em xeque à ordem primário-exportadora das oligarquias. Por consequência

as restrições ao comércio internacional e a escassez de divisas também

impulsionam o país no sentido da substituição de importações, via o

desenvolvimento da indústria nacional. Este modelo, denominado Plano de

Substituição de Importações, será coordenado pelo Estado, sob a orientação do

próprio executivo.

Ao analisar a relação entre Estado e empresariado, é importante estabelecer

quais são os principais paradigmas explicativos que permitem entender tal relação.

O paradigma pluralista é o que estabelece que o Estado não é um ator em si

mesmo. Reage, em resposta às pressões do mercado. Aqui, os empresários tendem

a expressar suas demandas, a partir de grupos de interesse dotados de recursos de

poder diferenciados.

A perspectiva marxista estabelece que à burguesia, pelo seu papel

protagônico no sistema capitalista, caberia um papel decisivo, na sua ascendência

sobre o Estado. No caso brasileiro, particularmente, a burguesia foi tratada como um

ator passivo, fraco e incapaz de fazer prevalecer um projeto hegemônico. Por essa

característica, ter-se-iam fortalecido as tendências autoritárias pela ação dos

militares. Dessa forma, o Estado, mesmo na ausência de um empresariado forte e

politicamente ativo, teria tido êxito na instauração de uma ordem burguesa. A

instrumentalidade do Estado é levada ao extremo à medida que o mesmo é

submetido à lógica do capital.

A vertente elitista toma algumas manifestações de caráter populista, nas

relações da sociedade civil. O poder seria controlado por um círculo restrito que teria

substituído, após a Revolução de 30, o monopólio das elites agrárias.

Em relação a esses três paradigmas, Diniz refere que:

[...] configurando de fato um modelo híbrido que combina traços dos padrões clientelistas, pluralista e corporativista e até mesmo práticas de rent seeking, tornam-se claras as deficiências de cada um dos paradigmas referidos, tomados isoladamente, em dar conta dessa complexidade. Se nenhum deles esgota as diferentes modalidades de acesso ao Estado, isso não invalida, porém, o fato de que cada uma das matrizes teóricas discutidas aponte para dimensões da realidade que efetivamente vieram a

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20

coexistir ao longo das últimas décadas.7

Conforme a evolução da industrialização e do projeto de desenvolvimento

nacional, observou-se que, no contexto das reformas político-institucionais da

década de 30, abriram-se canais para a representação dos interesses empresariais

de segmentos variados, no interior do aparelho do Estado.

Em momento posterior, na década de 50, com o amadurecimento das

propostas do empresariado, um projeto industrializante veio a compor a matriz

ideológica do governo JK. A criação de diversos grupos executivos reforçou a

tendência da representação empresarial, no interior do Estado.

A instauração do regime militar aprofundou o capitalismo brasileiro, contando

com substancial apoio do empresariado. O primeiro momento, marcado por uma

forte representação política e ajustes econômicos de viés ortodoxo com efeitos

recessivos sobre a atividade industrial, foi sucedido pelo dito “milagre econômico”.

Esse momento representa um avanço na capacidade organizacional do

empresariado brasileiro e oportunizou o surgimento de um segmento moderno e

bem articulado com esferas decisórias governamentais, na área de política

econômica.

O fim do milagre, uma nova etapa de centralização político-econômica, no

executivo e um estatismo revigorado, marcaram o governo Geisel. Segundo Diniz, “a

insatisfação crescente do empresariado manifestou-se por meio da campanha contra

estatização da economia, culminando com a retirada de apoio, por parte das elites

industriais, ao regime autoritário.”8

Com a redemocratização, o Congresso volta a ter seu papel institucional

revalorizado. É no seu âmbito, que, através do lobby, o empresariado passará a

buscar representação, na defesa dos seus interesses. Tanto pela eleição direta de

empresários, quanto pela eleição de políticos, em defesa de seus interesses, e da

utilização de lobistas profissionais, faz-se a atuação política do empresariado.

7DINIZ, Eli. Boschi, Renato. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no

Brasil. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2004, p. 49. 8Ibid., 2004, p. 50.

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21

No breve período do governo Collor, observa-se uma retração do espaço para

a interlocução junto ao executivo. Posteriormente, esse espaço também volta a ser

recuperado.

Com a redemocratização, a abertura econômica e a globalização, fica

estabelecida a proeminência das forças de mercado. E diante delas, o empresariado

é um ator mais hábil do que o Estado. O processo de privatizações e de retração da

máquina estatal gera espaços e oportunidades para a ampliação das atividades

empresariais e consolidação da sua participação no debate político-econômico sobre

os caminhos e estratégias e serem seguidas pelo país.

Também neste momento se estabelece, sob o enfoque da globalização, um

debate paradoxal, em relação a oportunidades e ameaças. Fusões e aquisições

redefinem o perfil de diversos setores da economia nacional. Neste processo de

abertura, a própria reintegração do país ao fluxo internacional de capitais é um

elemento que fortalece a burguesia nacional. A abertura do mercado internacional

também gera a oportunidade para as empresas brasileiras buscarem no exterior a

ampliação de suas atividades.

2.3 A EMPRESA NA ATUALIDADE: OS NOVOS PARADIGMAS DA EMPRESA

EM FACE DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Com a nova ordem instalada a partir da vigência do novo Código Civil (Lei

10.406/02), algumas mudanças foram introduzidas no cenário jurídico nacional.

A par disso, uma porção significativa da legislação comercial foi levada para o

bojo do Código Civil, sob o título “Direito de Empresa”, revogando-se a parte primeira

do Código Comercial.

Tal inovação se desdobra em várias outras, subsequentes: a limitação parcial

da autonomia legislativa do direito comercial, a unificação de obrigações civis e

empresariais, a adoção da teoria da empresa, a aplicação da diretriz filosófica do

novo código a questões de direito comercial, entre outras.

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22

A preocupação central refere-se ao tratamento jurídico-judicial que se dará às

obrigações tipicamente comerciais, a partir de agora. Assim, as obrigações

assumidas pelos empresários devem, pelo comando axiológico do novo código, ser

tratadas da mesma forma que as obrigações civis. Esta é a conclusão a que se

chega, pela simples interpretação jurídica, que é o supedâneo para se chegar à

norma de decisão9 no caso concreto.

Porém, na aplicação da norma, há que se levar em consideração,

obviamente, como premissa menor, o fato e sua consequência jurídica. O que se

mostra alarmante, então, é tratar igualmente fatos de natureza civil e fatos de

natureza empresarial.

Faz-se necessário conhecer o tripé axiológico do novo código e discorrer

sobre a natureza do direito de empresa.

Com o novo Código Civil, pretendeu-se introduzir uma nova ordem valorativa,

norteada por novos princípios axiológicos. Dentre eles, o princípio da socialidade, o

princípio da eticidade e o princípio da operabilidade.

O princípio da socialidade se revela como a prevalência dos valores coletivos

sobre o individual. Ademais, a própria Lei de Introdução ao Código Civil, datada de

1942, é clara em determinar que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais

a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Desse modo, a orientação para

a socialidade já estava presente entre nós.

A Constituição Federal conduz também a uma conclusão semelhante: todos

os atores sociais devem dar sua contribuição para o atingimento dos objetivos da

República.

Entretanto, não há que se confundir a busca da construção de uma sociedade

mais justa com os superados valores do socialismo ortodoxo, alimentando ódios

entre classes. Socialidade não significa igualdade.

O princípio da eticidade, referindo-se aos valores éticos, por se prestarem à

9GRAU, Eros Roberto. Equidade, Razoabilidade e Proporcionalidade. Revista do Advogado. São

Paulo: AASP, ano XXIV, n. 78, p. 27-30, set. 2004.

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apreciação da conduta humana estabelecendo o que é bom, reforça-se na boa-fé.

Este o veio da eticidade no novo código. Segundo Jacy de Souza Mendonça:

[...] o negócio jurídico só se aperfeiçoa e só é legalmente protegido se resultar não apenas de uma vontade isenta dos vícios do consentimento, que já conhecíamos do código anterior, mas se, além disso, estiver motivada, movida, impulsionada pela boa-fé. Caso contrário, haverá sempre uma sanção, uma punição para quem procedeu de má-fé.

10

A operabilidade é o princípio que tem por missão possibilitar o largo exercício

de ambos os outros princípios, porque, para atingir-se o comando da socialidade e

da eticidade, o juiz poderá lançar mão de maior discricionariedade, na intenção de

conferir efetividade ou concretude à decisão.

Assim, há dois sistemas utilizados para decidir-se um conflito de interesse.

Num, a decisão judicial se condiciona à prévia dicção do dispositivo legal, ou seja, o

texto legal condiciona a resolução judicial. No outro, se permite a livre edição do

direito pelo juiz, ou seja, o juiz pode livremente declarar qual é o direito.

Para abordar direito de empresa, é preciso, antes de tudo, definir-se o que

seja empresa. A doutrina, por sua vez, busca um conceito unitário, que alie os

aspectos econômico e jurídico.

Sob o ponto de vista econômico, a empresa é considerada como uma

combinação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um

resultado econômico, encadeada por uma ação organizadora, ou seja, toda

organização econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou serviços,

tendo, como objetivo, o lucro.

Como visto, com o advento do novo Código Civil, cuja intenção foi unificar o

direito das obrigações, muitas das questões relativas ao direito comercial foram

reguladas neste novo diploma legal, revogando-se a Parte I do Código Comercial

Brasileiro, para abranger todo tipo de atividade negocial e não apenas a mercantil.

Tanto, que, o livro II, originalmente intitulado “da atividade negocial” no projeto do

Código, trata do “direito de empresa”.

10

MENDONÇA, Jacy de Souza. Princípios e Diretrizes do Novo Código Civil. In: Malheiros, Antonio Carlos. et al. Inovações do Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 17.

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24

O Código Civil regula, agora, parte das matérias abrangidas pelo direito

empresarial, mas não inseriu um conceito de empresa. Baseia-se na definição do

empresário, para a aplicação da tutela jurídica apropriada. Adotando o Código,

formalmente, a teoria da empresa, pelo conceito de empresário, chega-se ao que a

lei considera empresa: a atividade econômica organizada para a produção ou a

circulação de bens ou serviços. A lei, considerando a empresa como atividade,

harmoniza-se com a visão do atual estágio da doutrina, em relação ao assunto.

Embora muito do direito empresarial esteja regulado pelo Código Civil, ele

não esgota a matéria. Ficam excluídas, as falências e recuperação de empresas,

que é objeto desta dissertação, as sociedades anônimas, marcas e patentes,

concorrência, títulos de crédito, comércio marítimo, entre outros assuntos, o que dá

espaço a uma autonomia legislativa, ainda que não absoluta.

Se se elabora um código inteiramente novo e nele não se esgotam os

assuntos relativos a uma disciplina, percebe-se, logo, que não é a intenção do

legislador retirar sua autonomia. No nosso sistema atual, veja-se, ainda, a situação

dos títulos de crédito: o Código novo ocupou-se do assunto, sem esgotá-lo e, mais,

ressalvando a aplicação da legislação especial, quando em conflito com o Código

(art. 903).

O que ocorreu entre o direito civil e o empresarial foi a união do direito das

obrigações, num mesmo diploma legal.

Com a adoção da teoria da empresa, o direito comercial se amplia, para tratar

de toda atividade empresarial, abrangendo, também, a indústria, os transportes, os

seguros, os bancos, as bolsas de valores, os serviços.

A atividade empresarial se caracteriza pela reunião de três fatores:

habitualidade no exercício de negócio dedicado à produção ou circulação de bens

ou serviços; o objetivo do lucro e a organização ou estrutura organizacional da

atividade. Podem ficar de fora as atividades rurais, do setor extrativo (mineral,

vegetal ou animal), a agricultura e a pecuária, desde que não exploradas na forma

de empresas, o que é facultativo.

Enfim, como bem coloca Waldírio Bulgarelli,

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25

“Parece ter ficado claro e suficientemente demonstrado, durante todas as discussões que há tantos anos se travam, em relação à autonomia do Direito Comercial, que a unificação das obrigações não abalou [...],”

11 a

existência independente deste ramo do direito. De outro modo, com similar modificação legislativa ocorrida na Itália de 1942, já não mais subsistiria o diritto commercialle

12.

E isso não se deu em razão do respeito à natureza das obrigações

comerciais.

Assim, pode-se conceituar empresa como sendo atividade, cuja marca

essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou

serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de

trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia).

Assim, se houver continuidade de negócios, há, indubitavelmente, operação

de um negócio, embora não exista empresa (no sentido de atividade, tal como se

pode extrair da concepção adotada pelo Código Civil).

Finalmente, observa-se, conforme se extrai da leitura do art. 966 do Código

Civil, que a lei civil brasileira não define a empresa, mas sim o empresário. Por

conseguinte, optou-se por uma sistematização do direito de empresa que coloca em

evidência a figura do empresário, ao tomá-lo como elemento definidor do exercício

da atividade econômica organizada.

2.4 O NOVO CÓDIGO CIVIL: OS BENS DA EMPRESA E DO EMPRESÁRIO

O Código Civil de 2002 traz a definição de estabelecimento comercial, em seu

art. 1.142, da seguinte maneira: “Considera-se estabelecimento todo complexo de

11

BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 15. 12

“A demonstração inequívoca de que não se confunde, senão por desinformação ou má-fé, as autonomias legislativa e didática do direito comercial encontra-se numa breve pesquisa à questão na Itália e Suíça. Como sabido, são estes os dois países de tradição jurídica romana cujo direito privado, antes do Brasil, foi legislativamente unificado. Em nenhum deles, o Direito Comercial deixou de existir como disciplina universitária independente [...] Pois bem, transcorridos já cerca de 60 anos, o direito comercial continua a ser ministrado, nas Universidades da Itália, por docentes especializados e de forma autônoma. A ninguém ocorre a descabida ideia de que os civilistas poderiam ou deveriam ampliar seus estudos, tão só em razão da alternativa adotada pela lei em 1942..” In: COELHO, Fábio Ulhoa. A Lei e o Ensino..., p. 4-5.

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bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade

empresária”.

Apesar das diversas correntes doutrinárias sobre a natureza jurídica do

estabelecimento, o entendimento doutrinário preponderante é de que o

estabelecimento consiste em um conjunto de bens heterogêneos (móveis, imóveis,

materiais ou imateriais), organizados para o exercício produtivo de determinada

atividade.13A interação dessa coletividade de bens, aplicados na atividade

empresarial, caracteriza o estabelecimento, que adquire um valor próprio,

necessariamente maior do que meramente os bens individualmente considerados.

Esse sobrevalor é característica essencial do estabelecimento (aviamento).

De sua natureza jurídica, de acordo com a doutrina majoritária, pode-se

resumir que: (i) o estabelecimento comercial não é sujeito de direitos; (ii) o

estabelecimento comercial é uma coisa; (iii) o estabelecimento integra o patrimônio

da pessoa (física ou jurídica) que o detém.14

Em outras palavras, o estabelecimento, entendido como um conjunto de bens

e direitos (passivos e obrigações também, conforme veremos posteriormente), pode

ser objeto de contratos autônomos, como se o conjunto de bens e direitos fosse uma

coisa só, um único bem.

No entanto, nada impede que uma parte dos bens que compõem essa

universalidade possa sofrer alterações em sua composição, sem que o conjunto

deixe necessariamente de caracterizar o estabelecimento. Isso porque o

estabelecimento é ainda entendido como uma universalidade de fato, nos termos do

Artigo 90 do Código Civil15, permitindo, dessa forma, que os bens que o compõem

sejam separados do todo, passando a fazer parte de relações jurídicas

independentes.

O importante a ser considerado nessa eventual separação de bens é que a

13

CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código de Processo Civil: Parte Especial do Direito da

Empresa. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 13, p. 616. 14

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 66. 15

Art. 90 do Código Civil. “Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias”.

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retirada de alguns desses bens não irá necessariamente descaracterizar o

estabelecimento como tal, dependendo do que podemos chamar de “grau de

essencialidade” de determinados bens (e direitos) que compõem cada tipo de

estabelecimento.

As particularidades que envolvem a atividade empresarial demonstram os

inconvenientes da regulação do direito de empresa pelo Código Civil, ainda que seja

uma técnica possível, devido à unificação do sistema das obrigações, já que, muitas

vezes, não atenta para as características que revestem as obrigações mercantis16 e

pode, com isso, trazer desvantagens econômicas que terão reflexos negativos para

a sociedade.

O direito empresarial vem sendo construído ao longo do tempo, de acordo

com os ditames dos fatos que se propõe a regular17, como qualquer outro ramo do

Direito. Embora o Direito seja uno, acaba se subdividindo em vários ramos

autônomos, como ressaltado, em especial, pelas especificidades de cada campo da

vida humana e social. Daí, a importância do critério científico de autonomia de uma

área do direito.

O método utilizado pelo direito empresarial é o indutivo, ou seja, aquele que

observa as partes para construir o todo; aquele que se constrói observando-se

objetos de uma mesma classe. Isso se explica pela necessidade de regular atos que

sofrem constante e rápida evolução, como afirma Waldírio Bulgarelli:

Destinado a reger relações econômicas decorrentes do mercado, tendo um substrato econômico acentuado, o direito comercial se apresenta com características que o distanciam do direito civil, que é o ramo que com ele comparte o âmbito das relações do direito privado. [...] apresenta-se o direito comercial com um método próprio e característico, ou seja, o método indutivo, que parte da observação da realidade (fatos econômicos), chegando por via dela aos princípios gerais. Portanto, acompanha a vida econômica, surpreendendo-lhe a dinâmica, e daí configurando as categorias

16

Tanto não podem ser tratadas de maneira única as obrigações civis e as empresariais, que o regime de insolvência é distinto dependendo da natureza da atividade ou ato do devedor. No caso do empresário, aplica-se-lhe o regime de falências. 17

“As normas do direito comercial sempre foram criadas (em quase sua totalidade) a partir dos costumes, razão pela qual observamos um desenvolvimento célere e bem mais próximo da realidade no direito empresarial. A Lex Mercatoria é exemplo típico da influência decisiva dos usos e costumes oriundos dos mais diversos setores do comércio e que se tornam uma prática geral e constante na grande maioria dos mercados.”

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28

Jurídicas correspondentes.18

Por isso, o direito empresarial tem características marcantes, as quais não

podem ser desconsideradas pelos agentes do direito. Senão, vejamos: o dinamismo

e a agilidade, para acompanhar o movimento das relações econômicas, já que os

atos empresariais não podem ficar à mercê de avanços jurídicos para se concretizar;

o internacionalismo e a inovação, pois sofre influências dos mercados e se realiza

entre povos, adota institutos e convenções internacionais, para não ver a economia

nacional suplantada por outras e para uniformizar seus padrões de realização,

acompanhando os progressos tecnológicos que estimulam sua continuada

renovação; a onerosidade, pois o objeto do direito empresarial é a atividade que

sempre busca lucro; a massificação, pois seus atos se realizam, potencialmente, em

larga e ampla escala, em nível de mercado e não dirigidos a indivíduos

determinados; a instrumentalidade, pois o direito empresarial se presta a dar forma

jurídica à realização de negócios e relações comerciais, o que deve se concretizar,

por sua natureza, sem excesso de formalismos.

Assim, os elementos identificadores justificam a prudência criteriosa da

aplicação dos princípios da lei civil às obrigações mercantis, posto que o direito de

empresa tem, ele mesmo, princípios a serem observados e que, ao lado das

características já elencadas, reforçam sua autonomia. A propriedade, no direito

empresarial, tem sentido diverso do que o consagrado pelo direito civil. Aqui, a

propriedade é vista de modo dinâmico, com caráter empresarial, já que controla

instrumentos de produção e geração de riquezas. Para o direito empresarial, a

propriedade é um meio, um instrumento de geração de riquezas e não uma

finalidade em si mesma, para os seus detentores.

Existe, também, no direito empresarial, uma preocupação em proteger a

aparência, com a finalidade de se garantir e assegurar a atividade mercantil e a

higidez do mercado, abrigando a boa-fé. Por conta do princípio da aparência, a

solidariedade passiva entre os sócios é regra, desenvolvendo-se teorias como a

desconsideração da personalidade jurídica, ultra vires societatis e insider trading.

Percebe-se que tal princípio tenciona dar segurança às relações comerciais.

18

BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 16.

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29

Reforçando a segurança jurídica e procurando simplificar o relacionamento

econômico, surge a uniformização das normas comerciais, devido ao seu caráter

internacionalista.

Também as fontes que alimentam o direito empresarial lhe são peculiares,

dividindo-se em históricas, materiais e formais.

As fontes materiais são os elementos que concorrem para a criação das leis

de cunho empresarial, que determinam as especificidades deste ramo jurídico.

Podemos citar os usos e a prática da atividade empresarial, que são a matéria a ser

regulada por esse ramo do direito, em todas as suas nuanças. Em suma: o fato

econômico.

As fontes formais são a manifestação positiva da norma jurídica empresarial.

São as leis e as convenções entre as partes. Assim, hierarquicamente, vem, em

primeiro lugar, a Constituição, seguida pelos Códigos Civil e Comercial e de toda a

legislação esparsa que regula a matéria (lei das sociedades anônimas, lei de

falências, lei do cheque, Lei Uniforme de Genebra, a lei civil em relação aos

contratos e obrigações, os contratos mercantis, marcas e patentes etc.) São as

chamadas fontes primárias.

Integram as fontes secundárias os usos e costumes, as leis civis, penais,

administrativas etc., aplicadas subsidiariamente, a jurisprudência, a doutrina, a

analogia, a equidade, os princípios gerais de direito. Ressalve-se que há

entendimentos que não consideram a jurisprudência e a doutrina como fontes de

direito nos sistemas de civil law.19

Sobre os usos e costumes comerciais, é bom frisar que são práticas de uso

público, reiterado em matéria comercial, que acabam sendo acatadas como lei, entre

os participantes dos negócios. Caracterizam-se pela prática repetida e contínua e

19

“A enumeração legal exclui assim outras fontes apontadas pelos autores, como a doutrina e a jurisprudência. Em relação à doutrina, que serve como elemento valioso para o estudo, portanto, para a própria evolução do direito, não constitui, evidentemente, uma fonte formal do direito. Já em relação à jurisprudência, tendo J.X. Carvalho de Mendonça sustentado que ela constitui fonte subsidiária do direito, tem-se criticado essa posição, pela demonstração de que, sendo a jurisprudência mera reiteração dos julgados num sentido determinado, a função do juiz não é criar, mas, sim, aplicar a norma jurídica nos casos concretos.” BULGARELLI, Waldírio, Direito..., p. 80-81. Ricardo Negrão, em sua obra Manual de Direito Comercial e de Empresa, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11-20, sequer menciona a doutrina e jurisprudência, quando trata das fontes do direito comercial.

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pela compreensão uniforme entre os comerciantes, não contrariando a lei, podendo

ser assentados pelo Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

Não se pode olvidar, ainda, da Lex Mercatoria20, e suas diretrizes lançadas no

comércio internacional e com as quais o Brasil deve estar em sintonia, se desejar

participar deste tipo de relação econômica.

Pelas exigências dos fatos econômicos, que deram ao direito de empresa

suas características próprias, erigindo princípios e elegendo o método indutivo é que

o direito comercial pode evoluir para o que, hoje, pode-se chamar de direito

empresarial. Essa evolução natural reflete, claramente, suas características de

dinamismo, flexibilidade e instrumentalidade. Sua autonomia não resulta, portanto, à

evidência, de simples razões históricas e, sim, da necessária adequação do fato

social.

Percebe-se que o favorecimento da exploração empresarial se justifica nos

mesmos motivos que legitimam o princípio da preservação da empresa, posto que,

do contrário, os riscos da atividade empresarial21 seriam insuportáveis para todos

quantos se aventurassem a empresariar.

20

“O comércio internacional tem uma série de regras jurídicas próprias, que são comumente chamadas de lex mercatoria. Essas regras não são regras oriundas do direito interno dos vários países [...] A lex mercatoria não tem sido considerada como um ordenamento supranacional, a derrogar o direito interno dos países. [...] A lex mercatoria, assim, nada mais é do que um conjunto de regras específicas a regular os contratos comerciais. Essas regras estão baseadas, em certa medida, nas próprias cláusulas dos contratos, ou seja, no princípio da autonomia da vontade como fonte criadora de direitos e obrigações. Portanto, [...] pode ser considerada uma aglomeração coerente de normas, dotadas de juridicidade para resolver questões jurídicas decorrentes de casos concretos, no âmbito do comércio internacional, com eficácia e coercitividade.” SILVA, Bruno Mattos e. Conflito Entre Leis e Tratados Internacionais no Direito Privado e no Direito Tributário. Disponível em:<http://www.brunosilva.adv.br/dir-int32.html>.Acesso em 6 jan. 2014. 21

Os riscos da atividade empresarial podem ser divididos em dois tipos: os decorrentes do exercício da atividade e os relativos ao comprometimento do patrimônio de seus titulares. Toda atividade empresarial é uma atividade de risco. Tanto isso é verdade, que todos os sistemas jurídicos do mundo têm algum tipo de regulação falimentar. Quando alguém pretende iniciar uma empresa, necessita de meios materiais mais ou menos vultosos, dependendo do ramo de atividade a ser desenvolvido e do porte do empreendimento. O risco está no insucesso da empresa e na perda do investimento, de toda ordem, feito.

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31

3 A FUNÇÃO DO SISTEMA DE CRÉDITO NA ECONOMIA DE MERCADO

Este capítulo tratará de questões relacionadas à ordem econômica

estabelecida pela Constituição, analisando também alguns aspectos inerentes ao

papel da empresa e os sistemas de crédito na economia de mercado.

O consumo e o crédito são tratados de forma sistemática por Cláudia Lima

Marques, a qual tomamos, neste momento, como marco regulatório. Para a

Professora, o consumo e o crédito são duas faces da mesma moeda, pois, havendo

crédito, há consumo, aumentando a produção e gerando mais emprego, aquecendo

o mercado para o consumo. Com isso, o endividamento, embora seja um fato

individual, traz consequências sociais e sistêmicas, uma vez que a economia de

mercado é, por natureza, uma economia de endividamento, ao invés de uma

economia de poupança.

Deste modo, a autora salienta o desequilíbrio instaurado:

O consumidor não paga o crédito, não consome mais, cai no inadimplemento individual (ou insolvência civil), seu nome vai para os bancos de dados negativos [...] aqui a dívida vira um problema dele e de sua família, sua culpa ou fracasso [...]. Então, a soma de diversos consumidores endividados desencadeia parte da crise social, fazendo com que as taxas de inadimplemento subam, juntamente com os juros, os preços, a insolvência, além da falta de confiança, gerando uma reação em cadeia.

22

Segundo a autora, “o maior instrumento de prevenção do superendividamento

dos consumidores é a informação, haja vista a falta de esclarecimento ao leigo sobre

os riscos do crédito e o comprometimento de sua renda”.

Isso se deve à instauração de uma política educacional que condiciona as

pessoas, desde crianças, a serem grandes consumidoras em potencial, pois, como

explica Sérgio Campos Gonçalves, trata-se do conceito de “capital humano”, que

prescreve que cada pessoa é um trabalhador e consumidor em potencial, sendo, em

função destas qualidades, que é projetado o sistema da produção. “O mesmo ocorre

22

MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, São

Paulo, a. 19, n. 75, p. 13-17, 28 e 29.

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32

com as políticas educacionais: a formação do indivíduo é direcionada para formar

um trabalhador-consumidor em potencial.”23

Sobre a sociedade de consumo, David Orr indica as causas determinantes do

surgimento da sociedade de consumo:

O surgimento da sociedade de consumo resultou da convergência de quatro forças: um conjunto de ideias que afirmam que a Terra existe para o nosso usufruto; a ascensão do capitalismo moderno; a aptidão tecnológica; e o extraordinário acúmulo de riquezas pela América do Norte, onde o modelo de consumo massificado lançou raízes pela primeira vez.

24

Com isso, nosso comportamento consumista também resulta da propaganda sedutora e do aprisionamento pelo crédito fácil, assim como pela ignorância sobre as substâncias perigosas do que consumimos, desintegração da comunidade, indiferença pelo futuro, corrupção política e atrofia de meios alternativos de subsistência.

25

Neste sentido, explica Annie Leonard que:

O consumo representa o ato de adquirir e utilizar bens e serviços com a finalidade de atender as necessidades, mas o consumismo se refere à tentativa de satisfazer carências emocionais e sociais através das compras e da atribuição do valor pessoal pelo que se possui. Há ainda o que a autora chama de superconsumismo, sendo este a utilização de recursos além do que o planeta pode suprir.

26

Uma pesquisa realizada pela Global Footprint Network (CFN) revelou que atualmente o mundo consome os recursos produzidos pelo equivalente a 1,4 Terra por ano. Isto significa anualmente que o planeta precisaria de um ano e quatro meses para se recuperar do que é anualmente consumido, ou seja, corresponde a um planeta 40% maior do que o planeta Terra. Estes fatores dizem respeito ao superconsumismo praticado pelos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Canadá e os países da União Europeia. Entretanto, os países em desenvolvimento tendem a praticá-lo na medida em que a classe consumidora aumenta, tornando a situação mais grave.

27

23

GONÇALVES, Sérgio Campos. Cultura e sociedade de consumo: um olhar em retrospecto. 2008, p. 20-21. Disponível em:<http://unesp.academia.edu/scg/Papers/449511/Cultura_e_Sociedade_de_ _Consumo_um_olhar_em_retrospecto>. Acesso em 4 fev. 2014. 24

ORR, David W. The ecology of giving and consuming. In: Rosenblatt, Roger (org.). Consuming desires: consumption, culture and the pursuit of happiness. Washington D. C.: Island Press, 1999, p. 141 apud Leonard, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 169. 25

Ibid., 2011, p. 169 26

LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.159-169. 27

Id., 2011, p. 166-167.

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33

Este fenômeno demonstra o consumo sendo praticado sem a devida

responsabilidade social, colocando em prática a lógica capitalista que, para gerar

maior movimento e circulação de riquezas, promove a exclusão de todos para que,

em seguida, haja a inclusão.

3.1 A ORDEM ECONÔMICO-CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988, que inaugurou o Estado brasileiro

contemporâneo, rompeu com a realidade pátria até então vigente. Em seu interior,

trouxe um vasto catálogo de direitos individuais e sociais, alvejando realizar o

princípio da dignidade humana, detentor de caráter normativo e vinculador da

atividade do Estado e das relações jurídicas privadas. Diz-se que este diploma,

configurador de um novo paradigma nacional, tem caráter prospectivo, já que se

preocupa não apenas em disciplinar os até e fatos presentes, mas também em

construir um futuro melhor para os que vivem sob sua égide.

Rompe-se com o modelo positivista até então reinante, em que o direito era

encarado como um mero reprodutor da realidade que o cercava, para dar lugar a

uma Constituição marcadamente principiológica, compromissada com a

transformação social, e com potencial para tanto.

Surgem, neste sentido, discussões sobre o papel do Poder Judiciário e da

justiça constitucional, em relação ao novo trato conferido aos direitos e princípios,

após o advento da Constituição de 1988, uma vez que, a partir de então,

compromissos ético-comunitários passaram a ser cobrados de modo incisivo. Isso

porque a compreensão de um Estado Democrático de Direito não pode estar

desarticulada da noção de efetivação de direitos fundamentais, tais como justiça

social e igualdade, proclamados desde a modernidade. No entanto, a partir do

momento em que os princípios ganham uma forma privilegiada no texto

constitucional, passando a ser reconhecido seu caráter normativo, começam a ser

interpretados como instrumentos de ação estatal, conferindo, deste modo, conteúdo

material às Constituições.

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34

A presença do ideal de Estado Social evidencia-se pela positivação dos

direitos fundamentais, especialmente os de cunho valorativo – assentado na

valorização do trabalho humano – cultural e econômico. Assim, surge um novo papel

para o Poder Judiciário, que passa a fazer parte da arena política, no momento em

que se torna alternativa para a efetivação destes direitos básicos e essenciais à

concretização da dignidade humana. Neste contexto, é imperioso o desenvolvimento

de uma consciência a respeito dos fundamentos, valores e objetivos que compõem a

essência da Constituição, traduzidos na forma de regras e princípios.

Distante da configuração do paradigma do Estado Democrático de Direito,

ventilado no início do texto constitucional, surge a necessidade de uma nova

hermenêutica, adequada a trabalhar com o ideário que o compõe, a fim de

concretizar o referido modelo pretendido pelo texto constitucional, que pressupõe a

capacidade de compreensão do ser humano, em face de sua complexidade. Isso,

porquantotraz ele um novo conceito e novos recursos de hermenêutica que

colaboram com uma visão interpretativa, na edificação de uma teoria constitucional

que reafirma e renova o valor da Constituição, enquanto congregadora dos valores

fundamentais da convivência humana.

Por sua vez, o novo Código Civil busca se adequar ao que preconiza a

Constituição, em que pese o caráter estritamente patrimonialista que sempre teve o

direito privado. Desta forma, conceitos como socialidade, coletividade, eticidade e

dignidade passam a ser evidentemente reconhecidos pela legislação civil, para,

enfim, seguir os ditames recomendados pela lei magna.

Como pontifica Gilmar Ferreira Mendes:

A regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento histórico relativamente recente, associado que está à passagem do Estado Liberal ao Estado Social, como fenômeno da socialização do sistema capitalista de produção, nos albores do século vinte, marcando a transição do liberalismo ao intervencionismo estatal.

28

Com o advento da Constituição brasileira de 1988, símbolo do processo de

redemocratização político-social brasileira, a ordem econômica passou a merecer

28

FERREIRA FILHO, M.G. Curso de Direito Constitucional. 32. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 42.

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35

um novo tratamento, mais consentâneo com a reafirmação dos direitos fundamentais

dos cidadãos.

Como bem refere José Afonso da Silva:

As normas integrantes da ordem constitucional econômica adquiriram grande importância, buscando atribuir fins ao Estado, esvaziado pelo liberalismo econômico. Essa característica teleológica conferiu-lhes relevância e função de princípios gerais de toda a ordem jurídica, tendente a instaurar um regime de democracia substancial, ao determinarem a realização de fins sociais, através da atuação de programas de intervenção na ordem econômica, com vistas à realização da justiça social.

29

Certamente, o papel do Estado brasileiro na ordem econômica da

Constituição Federal vigente não pode ser compreendido sem a interpretação lógico-

sistemática de outros relevantes comandos constitucionais, tais como o art. 1º, que

estabelece constituir-se a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de

Direito, tendo, como fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o art. 3º, que arrola, dentre

os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a

erradicação da pobreza e a marginalização, bem como a redução das desigualdades

sociais e regionais.

De todos esses princípios fundamentais, sobreleva a dignidade da pessoa

humana, pois, como ressalta André Ramos Tavares:

A ordem econômica pode ser vislumbrada como a projeção dessa relevante norma constitucional, já que a dignidade da pessoa humana ou a existência digna tem, por óbvio, implicações econômicas, pelo que a liberdade e a igualdade caminham com a dignidade, resguardando-se a todos agentes sociais as condições materiais mínimas de subsistência.

30

Embasado nessa principiologia de índole democrática, marcada pela primazia

da dignidade da pessoa humana, previu o Legislador Constituinte de 1988, no Título

VII, arts. 170 a 192, a ordem econômica e financeira, disciplinando os princípios

29

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 82. 30

TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional: de acordo com a Emenda Constitucional n.

52/2006. 4. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 43.

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36

gerais da atividade econômica, a política urbana, a política agrícola, fundiária e a

reforma agrária, bem como as normas que regem o sistema financeiro nacional.

Como inovações da Constituição Federal de 1988 no campo da principiologia

da ordem constitucional econômica, merecem destaque, pela estreita conexão com

a tutela da dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor, a defesa do meio

ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno

emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, princípios

esses não mencionados expressamente na Constituição brasileira de 1946.

De outro lado, no art. 172, a Carta Magna de 1988, estabelece que a lei

disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro,

incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros, assim como, no art.

173, ressalva-se que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só

será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a

relevante interesse coletivo, não podendo as empresas públicas e as sociedades de

economia mista gozarem de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado,

prevendo-se, ainda, que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à

dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos

lucros.

Como bem salienta Alexandre de Moraes:

Apesar de o texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada de mercado, autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, sempre com observância aos princípios constitucionais da ordem econômica.

31

Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, por outro

lado, a primazia da pessoa humana sobre o Estado. A consagração do princípio

importa no reconhecimento de que a pessoa é o fim, e o Estado não mais do que um

meio para a garantia e promoção dos seus direitos fundamentais.

Ingo Sarlet, com relação à “dignidade da pessoa humana”, entende o

31

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 32.

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37

seguinte:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

32

Transportando o princípio da dignidade da pessoa humana para o ambiente

específico da recuperação judicial, deve-se observar o art. 54 e seu § único, da Lei

11.101/2005, que estabelece que cabe ao ente recuperando (empresa ou

empresário) elaborar seu plano de soerguimento, e que não poderá prever prazo

superior a um ano para liquidação dos créditos trabalhistas ou mesmo os

decorrentes de acidentes de trabalho, vencidos até a data do pleito da recuperação

judicial. Ainda, o plano não poderá prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o

pagamento, até o teto de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de

natureza salarial, vencidos nos três meses imediatamente (anteriores ao pedido de

recuperação em juízo).

Analisa-se um caso de recuperação judicial no Brasil, que não observou o art.

54 da lei, trazendo grande repercussão: o da VARIG – Viação Aérea Rio-Grandense,

que sofreu várias crises financeiras, em virtude de planos econômicos editados pelo

governo federal, por exemplo, em 1986, tendo, em seguida, prejuízos financeiros

diretos, em virtude da alta do preço do petróleo, que decorreu justamente da Guerra

do Golfo, em 1991, e, finalmente, no ano de 1993, ingressou em um primeiro

processo de reestruturação, passando, inclusive, a ter compartilhamento de vôos

com uma de suas concorrentes diretas, a TAM (Transporte Aéreos Marília).

Em 17 de junho de 2005, logo após a vigência da Lei 11.101/2005, a empresa

aérea pediu a recuperação judicial, sendo que deixou de cumprir o art. 54 do mesmo

diploma legal. Alguns executivos de alto escalão, receberam, a título de

adiantamento de verbas rescisórias, mais de um milhão de reais, sendo que mais de

32

SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais: na Constituição Federal

de 1988. 4. ed., ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 72.

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38

oito mil funcionários não tiveram igual regalia, benesse essa totalmente ao arrepio

da lei.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, analisando sob a égide

do artigo 54, poderá ser violado, caso inexista o cumprimento das obrigações

assumidas pela entidade recuperanda.

A respeito ainda do princípio fundamental, Eros Roberto Grau esclarece que

“embora assuma correção como direito individual, a dignidade da pessoa humana,

enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos

direitos humanos”.33 Assim, mesmo na seara da atividade econômica, aí incluído o

processo de reorganização judicial previsto na Lei 11.101/2005, verifica-se que,

antes mesmo da necessidade de buscar a preservação da empresa, caberá ao

hermeneuta perceber que o princípio está no topo de toda a hierarquia dos

princípios fundamentais.

Ao examinar o art. 170 da Carta Magna, sustenta Eros Grau:

Que se trata de uma proposta principiológica de conciliação dialética entre diversos elementos sócioideológicos, ora sinalizando para o capitalismo e a configuração de um Estado liberal, ora apontando uma opção pelo socialismo e pela organização de um Estado intervencionista, a revelar um compromisso entre as forças políticas liberais e as reivindicações populares de justiça social no mercado capitalista.

34

Ainda, o texto constitucional, ao consagrar a dignidade da pessoa humana,

tanto no art. 1º, quanto no art. 170, caput, está a demonstrar a relevância sobre os

demais princípios.

Segundo Ingo Sarlet:

A dignidade da pessoa humana é tarefa do Estado, cabendo a este criar condições mínimas necessárias a fim de que possam as pessoas viver com bem-estar, direito esse ínsito a todo ser humano Cabe a ele, esse mesmo Estado, a implementação de mecanismos próprios a fim de que sejam concretizados os direitos sociais estampados na Constituição Federal de 1988, que carece de efetividade. Tais aspectos, sem dúvida, refletem

33

Grau, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 59. 34

Idem, p. 60.

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39

também na recuperação judicial, que tenha a presença do Estado-juiz.35

De fato, estando a dignidade humana em patamar superior em relação aos

demais princípios constantes da Constituição Federal, também deve ser observada

na seara do processo de recuperação judicial, onde existem credores trabalhistas e

há interesse da sociedade quanto à resolução da crise vivenciada pela empresa ou

empresário.

3.2 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E O

MERCADO DE CRÉDITO

Após a segunda revolução industrial (1870 – 1914), as relações de produção

de bens, serviços e de comércio se profissionalizaram, passando a ser organizados

e praticados em grande escala por entes (empresas) de grande porte. Segundo

Fábio Ulhoa Coelho “os bens e serviços que homens e mulheres necessitam ou

desejam para viver (isto é, vestir, alimentar-se, dormir, divertir-se etc.) são

produzidos em organizações econômicas especializadas.”36

Percebe-se, examinando-se a doutrina, que a teoria de atos de comércio,

carece de conceitos e, consequentemente, era insuficiente para servir de base para

as normas, cujo escopo é regular essas importantes atividades econômicas. Por

isso, surgiu, em 1942, na Itália, a teoria da empresa. Segundo essa teoria, o âmbito

de incidência do Direito Comercial é alargado, abarcando aquelas atividades antes

excluídas da regulação comercial, a saber, a prestação de serviços e as atividades

ligadas à terra. Segundo Gladston Mamede:

O desafio teórico passou a ser a definição do que seja a empresa. O legislador brasileiro não se ocupou minuciosamente disso, resumindo-se a afirmar que empresários e sociedades empresárias são aqueles que exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a

35

SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais: na Constituição Federal

de 1988, 4. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 115. 36

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 71.

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40

produção ou circulação de bens ou de serviços.37

Da definição de empresário, adotada pelo art. 966 do Código Civil, extraem-se

os elementos vitais para sua caracterização jurídica, a saber: profissionalismo,

atividade, fim econômico, organização e produção de bens e serviços.

O profissionalismo se desdobra em três elementos: habitualidade (não

eventualidade), pessoalidade (atividade é exercida pelo empresário ou por prepostos

ou funcionários) e monopólio das informações sobre o produto ou serviços (domínio

da tecnologia utilizada).

A atividade consiste na produção ou circulação de bens e serviços; portanto,

ao contrário do que se ouve no cotidiano, a empresa é essa atividade, não se

confundindo com o empresário. Este, por sua vez, é o que explora a atividade; o fim

econômico aponta no sentido de ser a atividade econômica aquela que objetiva a

obtenção de lucro; a organização é a estrutura, a constituição que dá suporte à

atividade econômica; assim, empresa é atividade organizada pelo empresário, pois

este administra os fatores de produção, a saber, capital, mão de obra, insumos e

tecnologia, dominando o monopólio das informações sobre os bens ou serviços,

objetos de sua atividade econômica.

Por fim, a produção de bens e serviços consiste na atividade industrial

(fabricação de produtos ou mercadorias) e na prestação de serviços. E a circulação

de bens e serviços é a atividade de intermediação no escoamento de mercadorias,

ou seja, o comércio em si. Os bens ou serviços, excluindo-se as discussões acerca

do comércio eletrônico, consistem em dizer que bens são corpóreos, enquanto

serviços implicam na obrigação de fazer.

No entanto, é importante ressaltar que o art. 966 do Código Civil Brasileiro, no

seu parágrafo único, não considera como empresários aqueles que exercem

atividades econômicas civis, como, por exemplo, advogados, engenheiros, médicos,

arquitetos, escritores, artistas plásticos, entre outros, mesmo que para tanto conte

com ajuda de empregados, prepostos ou colaboradores.

Assim, tem-se que, apenas, constituem empresárias as atividades

econômicas organizadas que dependem de fatores de produção. Dessa forma,

37

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 51.

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41

conforme leciona Ricardo Negrão:

Empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, excluída a profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística (conceito baseado no art. 966 do Código Civil de 2002).

38

Destarte, o principal objetivo do surgimento da empresa consiste na

necessidade que se viu em fazer uma separação entre os bens do empresário que

explora a atividade econômica e os bens do empreendedor, pois a confusão

patrimonial gerava problemas de gerenciamento, além de que trazia insegurança

jurídica para o empreendedor, inibindo-o de assumir os riscos de empreender, pois

no caso de sucumbir o novo negócio, teria atingido seu patrimônio de forma injusta,

afrontando a sua dignidade e de sua família.

Além disso, é importante destacar o conceito de estabelecimento comercial,

ou, como diria Fran Martins, “fundo de comércio, consistindo em todo complexo de

bens organizado, para que o empresário ou a sociedade empresária possam exercer

sua atividade econômica”39. O estabelecimento empresarial é formado por bens

corpóreos e incorpóreos, Ainda segundo os ensinamentos de Fábio Ulhoa “o

estabelecimento empresarial é composto por bens corpóreos – como as

mercadorias, instalações, equipamentos, utensílios, veículos etc. – e por bens

incorpóreos – assim as marcas, patentes, direitos, ponto etc.”40

Assim, conclui-se que, empresa é atividade econômica organizada para

produção ou circulação de bens ou serviços; não se confunde, portanto, com

empresário, estabelecimento e empreendedor, pois, empresário é o sujeito de direito

que explora a atividade em questão, estabelecimento empresarial é o conjunto de

bens corpóreos e incorpóreos usados para praticar empresa, já o empreendedor é

aquela pessoa que é proprietária da empresa, que faz o empreendimento.

Sociedade empresária, por sua vez, é a pessoa jurídica que explora uma

empresa. A própria sociedade é titular da atividade econômica. O termo é diferente

de sociedade empresarial, que designa uma sociedade de empresários. No caso em

questão, a pessoa jurídica é o agente econômico organizador da empresa. É

38

NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial: estudo unificado. 4. ed, Saraiva, 2013, p. 51. 39

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 46. 40

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 82.

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42

incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como os titulares da

empresa, porque essa qualidade é a da pessoa jurídica, e não de seus membros,

como se infere das letras de Fran Martins:

Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente do acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram.

41

Diante de tal observação deste ilustre doutrinador, fica claro que a intenção

da personificação da sociedade como pessoa jurídica é justamente separar os bens

dos sócios dos bens da sociedade empresária. Além disso, sociedade empresária é

um conceito mais amplo que sociedade comercial, pois abarca uma das maneiras de

organizar, a partir de investimentos comuns de mais de um agente, a atividade

econômica de produção ou circulação de bens e serviços. Sociedade empresária é,

por sua vez, segundo Fábio Ulhoa:

Assentadas essas premissas, a sociedade empresária pode ser conceituada como a pessoa jurídica de Direito Privado não estatal, que explora empresarialmente seu objetivo social ou a forma de sociedade por ações.

42

Vale dizer que, em se tratando de sociedade empresária, aduz a existência de

um contrato social, no qualencontram-se o fim econômico da sociedade e seu

objetivo; nesse sentido, preceitua Mamede:

É próprio do contrato de sociedade o seu fim econômico, seu objetivo de produzir vantagens que, partilhadas entre os contratantes, serão por eles apropriadas; é distinto, portanto, da associação, pois nessa se visa à produção de riqueza partilhável e apropriável. Essa finalidade – ou objetivo genérico – da contratação pode concretizar-se com qualquer objeto específico, desde que lícito e moral.

43

A sociedade empresária representa a aglutinação de esforços dos agentes

sociais, ao lado do estado e da sociedade civil, interessados nos lucros que uma

atividade econômica complexa, de grande porte, que exige muitos investimentos e

41

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 47. 42

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 83. 43

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 53.

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43

diferentes capacitações, promete propiciar. É a sociedade empresária que explora

uma empresa, ou seja, desenvolve atividade econômica de produção ou circulação

de bens e serviços, normalmente sob a forma de sociedade limitada ou sociedade

anônima, existindo principalmente para que haja separação patrimonial da

sociedade empresária, em relação ao patrimônio particular dos sócios.

Dessa forma, as crises empresariais podem decorrer de vários fatores, desde

problemas de gestão, questões relacionadas à inserção no mercado, até os efeitos

de crises econômicas, que atingem todo o sistema da economia de mercado. Não é

incomum que esses fatores interligados contribuam para conduzir a empresa à crise.

Na realidade brasileira, dominada por pequenas e médias empresas, também não é

incomum que as crises empresariais ocorram, em razão de uma espécie de

subcapitalização e do correspondente excesso de financiamento da atividade

empresarial, por meio de linhas de crédito de custo elevado.

A necessidade de financiamento da atividade empresarial pode desempenhar

papel relevante, na prevenção e no desencadeamento de crises empresariais. Na

economia capitalista, o papel do sistema de crédito é o de fornecer recursos

financeiros para alavancar a atividade empresarial. Para o desenvolvimento da

atividade empresarial, podem ser utilizadas diferentes fontes de crédito, com

variados graus de risco. Em determinado contexto, pode revelar-se interessante o

financiamento junto a fornecedores de matérias-primas e serviços. A aquisição de

produtos e serviços no mercado, com prazos condizentes ao ciclo de produção ou

de comercialização, constitui uma fonte de financiamento de risco e custos

reduzidos.

Uma outra fonte de financiamento de custo relativamente baixo é o mercado

de ações. Para aquelas empresas capazes de articular um sistema de governança e

de transparência, lançar ações no mercado pode se revelar interessante para o

financiamento de projetos empresariais de longo prazo que exigem uma soma

considerável de capital. Por fim, a busca de financiamento junto ao sistema de

crédito pode ser vantajosa, desde que obtidos os recursos, mediante taxas de juros

reduzidas, o que somente acaba sendo possível, em empréstimos de longo prazo. O

risco de endividamento aumenta, à medida que a empresa necessita de

financiamento de curto prazo, direcionado para o complemento de fluxo de caixa e

não para o desenvolvimento de projetos ou da própria atividade industrial ou

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44

mercantil.

Ao longo do desenvolvimento histórico da economia de mercado, o

pressuposto do funcionamento do sistema de crédito foi de dar suporte à atividade

empresarial de produção de bens e serviços. Contudo, com a consolidação do

neoliberalismo e da globalização financeira, o fluxo de financeirização da economia

se sobrepôs à atividade empresarial propriamente dita. A crise de 2008/2009, que

ainda produz efeitos e que atingiu os mercados da Europa e dos Estados Unidos,

com reflexos na economia brasileira, resulta, de certo modo, desse paradoxo de

prevalência da financeirização sobre produção de bens e serviços que, de certo

modo, reorienta o capitalismo. Pode-se dizer, inclusive, que a atual crise econômica

mundial se origina do modo como articulado o sistema de crédito. Sobre essa

questão Luiz Gonzaga Belluzo afirma que,

Na esteira da liberalização das constas de capital e da desregulamentação, as grandes instituições construíram uma teia de relações “internacionalizadas” de débito-crédito entre bancos de depósito, bancos de investimento e investidores institucionais. O avanço dessas inter-relações foi respaldado pela expansão do mercado interbancário global e pelo aperfeiçoamento dos sistemas de pagamento. Os bancos de investimento e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seus passivos no “mercados atacadistas de dinheiro” (wholesale Money markets), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias. Não por acaso, nos anos 2000, a dívida intrafinanceira como proporção do PIB norte-americano cresceu mais rapidamente que o endividamento das famílias e das empresas. A “endogeinização” da criação monetária mediante a expansão do crédito chegou à perfeição em suas relações com o crescimento do estoque de quase-moedas abrigado nos Money markets funds. Esses fenômenos correspondem ao que Marx designou “controle privado da riqueza social”, fenômeno que se realiza no movimento de expansão do sistema capitalista. Eliminada a separação de funções entre os bancos comerciais, de investimento, seguradoras e associações encarregadas de empréstimos hipotecários, os grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras prudenciais, promovendo o processo de originar e distribuir, impulsionando a securitização dos créditos e a alavancagem das posições financiada pelos mercados monetários. Foi esse sistema financeiro norte-americanizado que promoveu a ampliação do crédito ao consumo e a consequente “liberação” desse componente do gasto das restrições impostas às famílias pela evolução da renda corrente. Esse fenômeno aproximou a dinâmica do consumo da forma de financiamento do gasto que sustenta a expansão do investimento, adicionando combustível à instabilidade financeira.

44

Como se observa, a desregulamentação dos mercados financeiros e a

44

BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora UNESP, 2013,

p.141.

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45

ampliação do crédito ao consumo não se mostrou sustentável ao longo do tempo e a

instabilidade resultante exigiu a inversão de fundos públicos para salvar o sistema

de crédito do colapso, com resultados imprevisíveis para o conjunto da economia de

mercado mundializada. O resultado da crise é a queda de investimentos na atividade

empresarial que dificulta a retomada do crescimento econômico nos países

desenvolvidos e nas economias periféricas como no caso do Brasil.

A redução de investimentos repercute de forma direta na atividade

empresarial e pode impedir o incremento de produção ou, na pior das hipóteses,

conduzir a crises que podem desaguar na recuperação judicial.

As crises empresariais também podem decorrer do modo como configurada a

inserção no mercado, em um determinado contexto.

3.3 A IMPORTÂNCIA DO CRÉDITO PARA A ECONOMIA DE MERCADO

O maior instrumento de prevenção do superendividamento dos consumidores

é a informação, haja vista a falta de esclarecimento ao leigo sobre os riscos do

crédito e o comprometimento de sua renda. Mediante esta consideração, podemos

perceber, na sociedade de consumo, uma sociedade formada por pessoas, em sua

maioria, leigas, pouco informadas e conscientes de seus atos, se tratando de atos

mais impulsionados pela emoção do que frutos de um planejamento. Isto se deve à

instauração de uma política educacional que condiciona as pessoas, desde crianças,

a serem grandes consumidores em potencial, pois, como explica Sérgio Campos

Gonçalves, trata-se do conceito de “capitalismo humano”, que prescreve que cada

pessoa é um trabalhador e consumidor em potencial, sendo em função destas

qualidades que é projetado o sistema da produção.

O consumo representa o ato de adquirir e utilizar bens e serviços com a

finalidade de atender às necessidades, mas o consumismo se refere à tentativa de

satisfazer carências emocionais e sociais, mediante as compras e a atribuição do

valor pessoal pelo que se possui.

Dessa forma, o Brasil gira em função do “crédito”. Constantemente, periódicos

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46

apontam que um dos grandes problemas da economia é a excessiva oferta de

crédito e a impossibilidade de pagar por ele, o que gera um grande desfalque

financeiro.

Se fosse realizada uma pesquisa acerca de como são efetuados os

pagamentos das compras dos produtos e serviços de todo o tipo, certamente o

resultado apontaria que eles são feitos, em sua maioria, a crédito.

Nesse ponto entra a figura dos “juros”, que é o percentual cobrado pelo banco

que emprestou dinheiro, pelo empréstimo e pelo tempo em que o indivíduo

permaneceu com o dinheiro.

É evidente o caráter contraditório nas situações em que os créditos são

solicitados na instituição financeira da qual a pessoa é cliente e na qual deposita seu

dinheiro.

Ademais, a impossibilidade de iniciar uma atividade em razão da ausência de

capital faz com que os empresários busquem a solução de seus problemas em

empréstimos e no pagamento de títulos de crédito, o que, em um primeiro momento,

resolve o conflito, mas que na realidade apenas posterga o cumprimento de uma

obrigação, que acaba se tornando cada vez mais onerosa.

Gastaldi conceitua que “crédito significa confiança e constitui um alargamento

da troca; a troca e o crédito, por sua vez, constituem as partes essenciais da

circulação de riquezas” 45 e completa, ensinando que:

Temos, assim, que o crédito é uma modalidade de troca pelo qual um dos contratantes aceita ceder um bem por uma contraprestação correspondente ao seu valor no futuro. A definição do crédito pode repousar em ponto de vista da relação econômica que o fenômeno envolve (definição objetiva) ou,

então, do ponto de vista das pessoas contratantes (definição subjetiva).46

O crédito pode ser analisado tanto do ponto de vista econômico da relação

que envolve quanto pelo ponto de vista subjetivo, que avalia as pessoas que estão

envolvidas em tal relação.

45

GASTALDI, J. P. Elementos da economia política. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 281. 46

Ibid., 1999, p. 282.

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47

Ademais, constata-se que a parte que concede o crédito cumpre sua parte no

contrato e só receberá a contraprestação no futuro e não concomitantemente, como

lembra novamente o J. P. Gastaldi:

Na troca de mercadoria por mercadoria (economia natural) e na troca de mercadoria por moeda (compra e venda), a prestação e a contraprestação são simultâneas, tendo por objeto bens presentes. Na venda a crédito, ao contrário, existe um determinado lapso de tempo, que se intercala entre o início ou a formação do contrato e o seu término ou cumprimento. Um dos contratantes se priva, temporariamente, de certa quantidade de dinheiro ou de bens de troca de uma promessa de reembolso ou recebimento do equivalente em época aprazada. Realiza-se, assim, a troca de um valor presente, contra a promessa de um valor futuro.

47

A última parte do parágrafo citado revela a essência do contrato de venda a

crédito, que se caracteriza por uma contraprestação em momento posterior ao da

prestação. Para compensar a demora em receber a contraprestação, são cobrados

os juros, que aumentam os valores devidos.

De um lado, o crédito permite maior movimentação na economia, sem que

haja um aumento significativo da moeda em circulação. De outro, se concedido de

forma muito aberta, enseja o aumento do poder aquisitivo, que caracteriza maior

procura pelos produtos, e, portanto, aumento de preço. E, ainda de outro lado,

embora o poder aquisitivo tenha sido aumentado, a ausência de dinheiro em espécie

em circulação torna restrita a aquisição de determinados produtos, o que

desequilibra a lei da oferta e da procura, uma vez que diminui a procura e, para

facilitar a venda, baixa-se o preço.

Assim, o crédito se faz importante, tanto na fase pré-recuperação, em que

ainda não há aquela preocupação de cumprimento necessário das obrigações,

quanto na pós-recuperação, tendo em vista que, se a atividade empresarial for

mantida, serão necessárias, ainda que com restrições, as vendas a crédito.

Uma das maiores preocupações, portanto, demonstradas pela Lei de

Falências e Recuperação de Empresas é procurar manter a oferta do crédito e a

confiança dos credores naquela atividade, a fim de que acreditem em sua

recuperação e voltem a fornecer seus produtos e serviços para seu regular

47

GASTALDI, J. P. Elementos da economia política. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 282.

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48

desenvolver.

Desse modo, a função social da empresa revela essencial importância à

recuperação das grandes empresas, visto que, se for entendida como um valor a ser

buscado por todos, justifica o esforço comum em auxiliar a manutenção da atividade

e, em algumas vezes, até mesmo, abdicar de exercer seu direito de crédito em sua

totalidade, mas sobrepor o interesse geral ao interesse de um indivíduo.

Ora, se de um lado se busca efetivamente o lucro, consequência natural

daqueles que se reúnem em sociedade mercantil e que ingressam no mercado

competitivo, por intermédio da empresa, por exemplo, por outro, é de se valorizar o

trabalho daquele que colabora de forma decisiva para o bom desempenho daquela

da qual faz parte. Nessa linha de pensamento, somente haverá renovação da

empresa, desde que se valorize o trabalho humano, Nelson Abrão esclarece que

“essa renovação da empresa precisa ocorrer da forma mais ampla possível,

abrangendo todos aqueles que estão atrelados à entidade recuperanda”.

3.4 AS GARANTIAS DE CRÉDITO

A garantia surge sempre ligada à concessão de crédito e constitui um

instrumento de tutela do direito do credor à realização da prestação.

Segundo Sousa Franco, o crédito “faculta a expansão da economia, ajudando

a realizar o pleno emprego [...] e o desenvolvimento econômico”.48

Não basta, no entanto, que sejam admitidas as garantias; é necessário que

aquelas que o ordenamento tipifica e aquelas cuja citação permita por via da

autonomia privada possam ser de fácil constituição e funcionem de forma rápida,

eficaz e pouco onerosa.

O que significa que não se devem impor processos longos e dispendiosos

para a sua realização, para além do indispensável à proteção do interesse do

48

FRANCO, Antônio Sousa. Crédito – Econ., in Verbo, Enciclopédia Luso-brasileira de cultura, v.

6, p. 304.

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49

garante, na eventualidade de incumprimento. Além disso, o credor terá que estar

tutelado do principal risco contra o qual a garantia o deve pôr a coberto: a

insolvência do devedor. É que, se assim for, criam-se os riscos adicionais, a ter em

conta na concessão (ou não) do crédito, ou custos suplementares, que serão

também adicionados ao custo do próprio crédito, ou, de uma forma mais clara, à

taxa de juros cobrada.

A existência de garantias que propiciem, em caso do não cumprimento, e

principalmente na insolvência, a rápida e menos onerosa obtenção pelo credor do

montante da dívida, permitem a maior obtenção de crédito, a um custo menor.

Traçando um paralelo com o direito das garantias, de Portugal, Luiz Miguel

Pestana de Vasconcelos divide as garantias especiais em dois grupos: garantias

pessoais e garantias reais.

As primeiras proporcionam um alargamento quantitativo da massa de bens

sobre a qual o credor poderá satisfazer o seu crédito, através da responsabilização

de um patrimônio pertencente a outrem (o garante), que se obriga face ao credor. É

o caso típico da fiança. As garantias podem ser típicas ou atípicas e podem ainda

ser acessórias ou autônomas, de acordo com a sua dependência ou não do crédito

garantido.

O segundo grupo consistiria num reforço qualitativo sobre um ou algum dos

bens do próprio devedor, que se traduz numa preferência concedida ao credor

beneficiário, na satisfação pelo valor deles.

A doutrina de Portugal identifica estes casos de reforço qualitativo como os

direitos reais de garantia, ou então com figuras que, não sendo direitos reais,

proporcionam uma preferência a certos créditos, por alguns bens integrados no

patrimônio do devedor. Exemplos do primeiro caso são a hipoteca, o penhor, o

direito de retenção, os privilégios creditórios especiais; no segundo grupo, temos os

privilégios creditórios gerais.

Frise-se que uma garantia especial pode, ao mesmo tempo, proporcionar um

alargamento quantitativo e qualitativo do conjunto de bens responsáveis. Tal

acontece sempre que um terceiro constituir uma garantia real sobre um bem

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50

integrado no seu patrimônio.

A doutrina tradicional sujeita-se a três criticas: é incompleta, mesmo dentro

dos quadros estritos; não inclui dentre as garantias outras figuras que

desempenhem esse papel com grande relevância no tráfego comercial; e,

acantonada numa perspectiva civilista, não leva em conta, quer o regime da ação

executiva, quer o que é mais relevante, a disciplina insolvencial das figuras que

identifica como garantias especiais e das que não identifica como tal.

Assim, o estudo das garantias não se pode limitar ao seu regime civil, mas

deve englobar, também, segundo Luiz Miguel Pestana de Vasconcelos, as

disciplinas executivas e insolvências de cada uma das figuras.

No Brasil, a partir da metade do século XX, algumas inovações abriram

margem para se criar uma classificação dual das garantias. Pela visão de Fábio

Ulhoa Coelho, estas se dividem em “direitos reais de garantia” e em “direitos reais

em garantia”.49

No primeiro tipo, enquadram-se as tradicionais hipoteca, penhor e anticrese,

em que o bem ofertado em garantia da dívida permanece no patrimônio do devedor.

Nessas três situações, o credor detém apenas um privilégio sobre um ou mais bens

específicos do devedor. Essa preferência se traduz, via de regra, no pagamento da

dívida, conforme as forças da garantia, independentemente da existência de créditos

dotados de garantia genérica, baseada na variabilidade do patrimônio do devedor.

Diferentemente, a segundo categoria vai além de uma simples preferência,

eis que o credor se eleva à categoria de proprietário, decorrendo daí a possibilidade

do exercício de ações, tais como a busca e apreensão, para se alcançar a eficácia

da garantia. A sua efetivação não se dá por meio da expropriação judicial, como

acontece no primeiro tipo, mas pela consolidação da propriedade no patrimônio do

credor, o que viabiliza até mesmo a venda extrajudicial do bem para satisfação do

crédito. Podem ser enquadrados nesta classe o arrendamento mercantil e a

alienação fiduciária.

49

COELHO, Fábio Ulhoa. A Trava Bancária. Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009,

p. 62.

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51

Quanto a este último tipo de garantia, cabe ressaltar ainda que a Lei

10.931/2004 passou a permitir a alienação fiduciária de bens móveis fungíveis.

Diante da nova disposição legal, passou a ser comum a cessão fiduciária de créditos

ou de recebíveis, conforme a terminologia empregada na rotina dos negócios

bancários. No entanto, vale lembrar que a lei determinou o registro do contrato no

cartório de títulos e documentos do domicílio do devedor.50

Para a jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça de São Paulo, o

registro trata-se de requisito constitutivo da garantia, não sendo apenas um requisito

de eficácia perante terceiros.51

Com a edição da Lei 11.101/2005, o ordenamento brasileiro testemunhou a

revogação da concordata do Decreto-Lei 7.661/1945. Por esse instrumento, o

comerciante que cumprisse determinados requisitos poderia impor uma moratória de

até dois anos aos credores quirografários. O legislador assumia que o alívio

proporcionado pelo adiamento automático das dívidas criaria as condições para

afastar a crise comercial. No entanto, a postergação forçada do vencimento tendia a

ressentir os parceiros comerciais e, muitas vezes, servia apenas como instrumento

protelatório da falência. Destaca-se, ainda, que o remédio não abrigava o

comerciante contra a cobrança de créditos trabalhistas, nem de créditos abarcados

por garantias reais.

Entrando em vigor as normas de recuperação judicial, verificou-se certa

reviravolta no regime de proteção ao empresário em crise. Em primeiro lugar, a

moratória impositiva teve seu período reduzido para 180 dias. Essa redução se deve

ao fato de que o legislador não observou nessa ferramenta uma efetiva resposta

para a crise do devedor. Conforme o desenho normativo da recuperação judicial, a

proteção temporária de curto prazo serve à constituição de um ambiente favorável à

negociação coletiva com os credores. Por um lado, o patrimônio do devedor comum

50

CARVALHO, Ernesto Antunes de. Cessão Fiduciária de Direitos e Títulos de Crédito (Recebíveis). Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 56. 51

No caso em exame, verifica-se que o contrato de cessão fiduciária de crédito não foi levado ao Registro de Títulos e Documentos, conforme exige o parágrafo 1º do art. 1.361, do Código Civil para a constituição da propriedade fiduciária. Neste sentido, há diversos precedentes da câmara especializada que não consideram constituída a cessão fiduciária de crédito ou recebíveis, quando o respectivo instrumento do contrato não é registrado na forma do Código Civil. (TJSP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Agravo de Instrumento nº 994.09.275945-8, Rel. Des. Pereira Calças, julgado em 04/05/2010).

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52

fica protegido de iniciativas individuais de execução e, por outro, a extensão

temporal da blindagem não se caracteriza como excesso de favorecimento.

Formado o ambiente de negociação, o próximo passo seria a aprovação pela

assembleia geral de credores de um plano confiável de reestruturação das dívidas,

podendo até mesmo abranger vencimentos de longo prazo. Nesse sentido, o

adiamento forçado tem função intermediária, sendo o plano de recuperação e sua

efetiva execução o objetivo final do processo. É de se notar, portanto, que, uma vez

expirada a blindagem de 180 dias, a tábua de salvação do devedor será a

reformulação do passivo alcançada por meio da negociação com a assembleia geral

de credores. E essa tábua só será efetivamente salvadora se contiver condições

renegociadas que se aproximem da capacidade de pagamento do devedor. Se o

plano não alterar as condições de exigibilidade de certo crédito, vale lembrar, sua

execução pode prosseguir do ponto em que parou no processamento da

recuperação judicial.52

Cabe destacar, como segunda diferença em relação à concordata, que a

recuperação judicial passou a proteger o empresário contra a execução dos créditos

trabalhistas e dos créditos com garantia real. No entanto, com relação a estes

últimos, o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005 excepcionou os créditos derivados de

alienação fiduciária e arrendamento mercantil, criando uma categoria privilegiada de

credores. É nessa dimensão que se torna clara a importância da distinção

trabalhada por Fábio Ulhoa Coelho entre “direitos reais de garantia” e “direitos reais

em garantia”.

Destaca-se que as entidades financeiras não têm à sua disposição apenas a

hipoteca e o penhor como instrumentos de garantia. O proprietário fiduciário, por

exemplo, pode lançar mão da medida de busca e apreensão do bem alienado em

garantia, independentemente de ter sido constituída a blindagem de 180 dias. A

essa regra, contudo, o legislador resguardou aquelas situações em que o bem dado

em garantia se trata de elemento essencial para continuidade da empresa. Durante

a vigência da proteção temporária, os bens considerados essenciais não podem ser

retirados dos estabelecimentos do devedor em recuperação judicial. Frise-se que a

52

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 5.

ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 38-39.

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53

ressalva dura apenas pelo período da proteção inicial.

Afora tais considerações sobre os “direitos reais em garantia”, ainda é de se

acrescentar que a concessão da recuperação judicial, após a aprovação do plano

em assembleia geral de credores, não afasta, por si só, as condições aventadas

originalmente num contrato de alienação fiduciária ou de arrendamento mercantil.

Em outras palavras, o devedor alcança a preservação dos bens essenciais à

atividade produtiva no primeiro estágio da recuperação judicial, mas esse efeito não

se prolonga. Para que houvesse a extensão da blindagem no caso particular, seria

necessária uma negociação individual com o credor fiduciário.

Em realidade, trata-se de praxe e necessidade no mercado a obtenção de

crédito por empresas e empresários junto a instituições financeiras, durante o

desempenho da atividade empresarial, fato que não está necessariamente ligado a

uma situação de instabilidade.

A garantia pode estar associada ao maior risco de crédito. Antes de conceder

crédito, as instituições financeiras analisam a capacidade de pagamento do

solicitante, levando-se em conta seu fluxo de caixa, suas experiências de crédito

anteriores, de sua situação cadastral, sua capacidade de gerar receitas para cumprir

seus compromissos financeiros, entre outras variáveis.

Adicionalmente, essas instituições também solicitam, na maioria dos tipos de

empréstimos, garantias suplementares aos solicitantes de crédito, visando se

garantir para uma futura perda da capacidade de pagamento dos mesmos.

Esse procedimento cria mecanismos de proteção da liquidez da instituição,

uma vez que somente os recursos próprios não seriam suficientes para atender às

necessidades de crédito dos futuros solicitantes.

Via de regra, para financiar a aquisição de bens, o próprio bem financiado é

dado em garantia, porém, se este não possuir boa liquidez, as instituições solicitam

garantias complementares.

Convém salientar que toda garantia é acessória de uma obrigação principal e

que, portanto, com a extinção da obrigação principal a garantia deixa de existir. Por

outro lado, a garantia se prende somente à obrigação garantida, não podendo, por

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ato unilateral do credor, se estender a outra obrigação, ainda que as partes sejam as

mesmas. A garantia pode ser pessoal ou fidejussória (aval ou fiança) ou real (letra

de câmbio, nota promissória, penhor mercantil, penhor cedular, caução de títulos de

crédito).

Dentre tais garantias encontra-se o aval, espécie de declaração cambiária,

sendo usual, quando se trata de sociedade empresária tomadora de empréstimo, a

prestação dessa garantia pelos próprios sócios da empresa.

Diante de uma situação de crise, as empresas veem, na recuperação judicial,

a possibilidade de equacionar as dívidas, impulsionar a atividade e pagar seus

credores, especialmente as instituições financeiras, tendo em vista que, geralmente,

sobre os contratos com elas firmados incidem encargos maiores do que outras

dívidas.

É possível vislumbrar na recuperação a obtenção de descontos significativos,

bem como prazos maiores de pagamento (configurando as duas mais usuais

propostas do plano de recuperação, conforme artigo 50, da Lei 11.101/2005). Além

disso, com a recuperação, é possível promover a organização de todas as dívidas

ou parte delas e obter uma discussão aberta e conjunta com todos esses credores.

Contudo, mesmo diante do adequado processamento da recuperação judicial

e aprovação do plano de recuperação pelos credores, as instituições financeiras têm

buscado outros meios para persecução de seus créditos, vez que, na maioria das

vezes, o plano implica em redução de valores e dilação de prazos. Na busca desse

objetivo, tais instituições têm se utilizado da execução singular face ao avalista.

Essa situação tem gerado inúmeros conflitos, pois na visão das instituições

financeiras nada obsta a persecução do crédito face ao avalista, tendo em vista que

este seria um coobrigado solidário. Em contrapartida, os avalistas argumentam que,

com a aprovação do plano de recuperação, a dívida principal sofreria novação

(artigo 59, da Lei 11.101/2005), cujos efeitos devem ser estendidos aos coobrigados.

No Superior Tribunal de Justiça ainda não é possível identificar uma

tendência, mas sim um equilíbrio em ambos os posicionamentos.

No caso abaixo, por exemplo, identifica-se o argumento da autonomia do aval

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para justificar a não extensão dos efeitos da novação ao avalista:

RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - QUESTÃO DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO FALIMENTAR - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ - PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA EMPRESA COEXECUTADA - POSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA -AUTONOMIA - PROSSEGUIMENTO - EXECUÇÃO - AVALISTAS - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTECONHECIDO E IMPROVIDO. I - Não há omissão no aresto a quo, no qual se examinou os temas relevantes para deslinde da controvérsia, ainda que o resultado não tenha sido favorável à parte recorrente. II - O tema atinente à competência absoluta do Juízo Falimentar não foi objeto de deliberação, sequer implícita, na Instância a quo, o que convoca o óbice da Súmula n. 211/STJ. III - O deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial à empresa co-executada, à luz do art. 6º, da Lei de Falências, não autoriza a suspensão da execução em relação a seus avalistas, por força da autonomia da obrigação cambiária. IV - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (REsp 1095352/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 25/11/2010).

De outro lado, tem-se um julgado contrário, no qual é entendido pela

impossibilidade de persecução do crédito face ao avalista, sob o argumento de que

esse procedimento não seria consentâneo com a Recuperação Judicial

(impossibilidade de se ajuizar execuções individuais). Veja-se:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIADE MÉRITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. SUSPENSÃO. I. Há entendimento nesta Corte de que não se mostra consentâneo coma recuperação judicial o prosseguimento de execuções individuais, devendo estas ser suspensas e pagos os créditos de acordo com o plano de recuperação homologado em juízo. II. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1297876/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2010, Dje 29/11/2010).

Por conta disso, verifica-se que a controvérsia está ainda distante de

encontrar um posicionamento pacífico acerca da possibilidade ou não de

persecução do crédito diante do avalista, contudo já é possível vislumbrar uma

tendência relevante para a primeira hipótese.

Algumas empresas, a fim de evitar qualquer discussão quanto isso, passaram

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a adotar a cautela de prever a exclusão da garantia no Plano de Recuperação,

circunstância que vem encontrando respaldo na jurisprudência:

Ementa: Recuperação judicial. Agravo de instrumento. Plano de recuperação judicial aprovado que contém cláusula que estende os efeitos da novação aos coobrigados, devedores solidários, fiadores e avalistas. A novação prevista como efeito da recuperação judicial não tem a mesma natureza jurídica da novação disciplinada pelo Código Civil. Pretensão da recuperanda de validade e eficácia da cláusula ato dos avalistas, fiadores e coobrigados. Validade e eficácia da cláusula em face dos credores que expressamente aprovaram o plano, por se tratar de direito disponível, que ao assim votarem, renunciam ao direito de executar fiadores/avalistas durante o prazo bienal da "supervisão judicial". Ineficácia da cláusula extensiva da novação aos coobrigados pessoais (fiadores/avalistas) em relação aos credores presentes à Assembleia-Geral que se abstiveram de votar, bem como aos ausentes do conclave assemblear. Evidente ineficácia da cláusula no que se refere aos credores que votaram contra o plano e, "a fortiori", aos credores que formularam objeção relacionada com a ilegalidade da cláusula extensiva da novação. Decisão mantida. Agravo desprovido. (Agravo 0196402-74.2011.8.26.0000 - Câmara Reservada à Falência e Recuperação – Des. Relator Pereira Calças – Julgado em 20.09.2011).

Sabidamente, a Recuperação Judicial tem por objetivo equalizar as dívidas da

Recuperanda, mediante a possibilidade de propostas diferenciadas de pagamento

em relação a valores e a prazo. Portanto, na Recuperação Judicial, dá-se à

Recuperanda a possibilidade de renegociar suas dívidas diante de seus credores,

porém obrigatoriamente preservando certa isonomia entre eles. Isso tem por

finalidade preservar a empresa, uma entidade geradora de empregos e cumpridora

de sua função social.

Para alguns, o pagamento da dívida pelo avalista teria como efeito a sub-

rogação, contudo este termo é bastante criticado em razão da independência e

autonomia do aval.

Segundo Pontes de Miranda:53

O avalista que paga adquire direito cambiário próprio e autônomo. O avalista, que paga, torna-se possuidor, e como possuidor vai contra os outros coobrigados. Passa-se o mesmo com o endossante que paga ou com o sacador. Os direitos, pretensões, ações e exceções que o avalista adquire são os direitos, pretensões, ações e exceções que teria o avalizado. [...] O avalista, pagando, faz-se credor. Não tem contra qualquer dos

53

CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação Fiduciária de bem móvel: responsabilidade do avalista.

Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 58.

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57

obrigados cambiários ações que não sejam cambiárias. (apud CANUTO 2003,75).

De qualquer modo, o avalista terá direito de buscar os valores despendidos

contra a avalizada, no caso uma empresa em Recuperação Judicial.

Como observado neste capítulo, as instituições financeiras contemplam

garantias suficientes para restringir os efeitos do inadimplemento. Cabe frisar, ainda,

que a solução para os problemas, decorrentes da recuperação judicial, podem ser

minorados pela engenharia de garantias quando da celebração dos contratos

bancários.

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58

4 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A REGULAÇÃO DOS

DIREITOS DOS CREDORES

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de

crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte

produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,

promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à

atividade econômica.

No Direito brasileiro, a Lei 11.101/2005 modificou expressivamente o enfoque

do tratamento do empresário em crise, dando destaque, efetivamente, ao tratamento

da crise das empresas e levando em consideração o centro múltiplo de interesses

que esta representa: “do empresário, dos empregados, dos sócios capitalistas, dos

credores, do fisco, da região, do mercado em geral.”54

Essa percepção provocou inegável deslocamento da análise do Direito da

crise das empresas, que passou de uma feição meramente privada para um caráter

publicístico, trazendo a empresa, centro da atividade produtiva, para o cerne de

tutela do ordenamento jurídico, ao se buscar disciplina para a manutenção da

atividade produtiva, dos postos de trabalho e da preservação da concorrência

saudável do mercado.

4.1 MUDANÇA DE PARADIGMA DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Os Estados Unidos da América foi o primeiro país a tratar de falência, ainda

no ano de 1800. Assim, o texto normativo brasileiro que trata da falência e da

recuperação de empresas e empresários, tem sua base teórica respaldada na

legislação americana.

54

COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos jurídicos da macroempresa. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1970, p. 102.

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59

No direito norte-americano, o sistema falimentar é regulamentado, quanto ao

direito substantivo, pelo Bankruptcy Code, que é um diploma de lei federal,

composto por quinze capítulos, onde nele se mantém a aplicação de determinadas

regras estaduais, pertinentes às relações de crédito entre o devedor e seus

credores.55

Quanto ao procedimento, são utilizadas as regras editadas pelo Bankruptcy

Rulles promulgadas pela United States Supreme Court, e não aquelas do Federal

Rules of Civil Procedure. As regras procedimentais aplicáveis ao direito concursal

são divididas em dez partes, sendo cada uma delas relativa a um estágio específico

do procedimento.

As soluções propostas pelo direito norte-americano para a crise do devedor

são: liquidação (liquidation) ou reorganização (reorganization),56 e são aplicáveis a

todos os devedores, indivíduos e sociedades, empresárias ou não, elencadas nos

capítulos 7 (Chapter 7) e capítulo 11 (Chapter 11), respectivamente. Os demais

capítulos disciplinam métodos de reabilitação.

Com o ajuizamento de qualquer procedimento concursal, forma-se,

automaticamente, o “bankrupt estate”57, que compreende todos os direitos e bens do

devedor existentes até o momento do ajuizamento, exceto aqueles que, por lei,

sejam considerados impenhoráveis. Esse é um conceito de grande importância no

direito concursal norte-americano, pois o property of the estate passa a sujeitar-se a

regras de supervisão e limitações de administração pelo devedor, nos

55

Os Estados Unidos possuem um sistema federativo de governo, conforme previsto pela Constituição que outorga poderes específicos de organização ao Governo Federal. Entretanto, os poderes não delegados ao Governo Federal ficam, residualmente, sob a autoridade de cada Estado. Assim, cada um dos cinquenta estados do país tem sua própria constituição, estrutura de governo, códigos legais e sistema judiciário próprios. As relações ordinárias de cobrança entre credor e devedor são regidas por lei estadual (MARTIN, Nathalie, TAMA, Ocean. Inside Bankruptcy law:

what matters and why. New York: Wolthers Kluwer, Aspen Publishers, 2008, p. 11). 56

EPSTEIN, David G. Bankruptcy and related law in a nutshell. 7th

ed. Dallas: Thomson West,

2005, p. 124. 57

“The bankrupt estate is a new legal entity, separated from de debtor”. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4

th ed. New York: Aspen Publishers, 2006, p. 281). Em tradução livre: A massa

constitui uma nova personalidade, que é distinta da do devedor. Tanto assim que no Chapter 7, os bens que venham a ser adquiridos depois do ajuizamento do procedimento concursal de uma pessoa física não integram a massa; já nos procedimentos de Chapters 12 e 13, dada a própria natureza de tais procedimentos, as receitas posteriores ao ajuizamento integrarão a massa até a conclusão do processo. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4

th ed. New York: Aspen Publishers,

2006, p. 281-283).

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60

procedimentos reorganizatórios e, na liquidação, será arrecadado e alienado para

pagamento dos credores.

Assim, na liquidação (Chapter 7 – liquidation), nomeia-se um trustee58, cuja

atuação é obrigatória neste procedimento, que tem como deveres localizar e tomar

posse dos bens e ativos que integram a massa falida, convertê-los em dinheiro e

efetuar o pagamento aos credores, na ordem de preferência definida no Bankruptcy

Code. Todos os bens penhoráveis do devedor ficarão sujeitos aos efeitos do

procedimento e, em determinadas hipóteses, o devedor pessoa física poderá, ao

final do procedimento, ser beneficiado pela discharge, ou seja, pela liberação dos

débitos preexistentes.

Este procedimento é utilizado tanto para pessoas físicas, que resulta da

liberação dos débitos preexistentes (discharge) quanto para pessoas jurídicas, mas,

nesse caso, com finalidade estritamente liquidatória, ou seja, de venda do patrimônio

ativo para pagamento dos credores com o produto resultante.

O sistema norte-americano também prestigia, como no Direito brasileiro, a

solução de afastamento do devedor e alienação do estabelecimento. Por sua vez, a

fase de liquidação (Chapter 7) é reservada, residualmente, para as hipóteses em

que nem o saneamento do devedor nem a cessão do estabelecimento para terceiros

seja possível ou conveniente.

A reabilitação ou reorganização do devedor, dar-se-á no Chapter 11, e, por

essa razão, os credores geralmente vislumbram a possibilidade e capacidade de

ganhos futuros do negócio. Por isso, o devedor, em regra, mantém a posse e a

administração de seus bens, em um procedimento no qual se perfaz o pagamento

dos credores, por meio de um plano aprovado em juízo.

Assim, o plano é o principal foco do procedimento, pois determinará como os

credores serão pagos e qual será o tratamento que receberão. No plano, eles são

58

O trustee é o representante nomeado para defender e representar os interesses da property of the state (section 323, BC). Pode ser pessoa física ou jurídica e, necessariamente, deve ser pessoa desinteressada (desinterested person), o que exclui: (i) credores, sócios ou pessoas relacionadas ao devedor (“insiders”); (ii) diretores, gerentes ou empregados do devedor nos últimos dois anos anteriores ao início do procedimento concursal, (iii) investment bankers ou seus empregados, ou (iv) qualquer pessoa que possua algum interesse material conflitantes com a massa, alguns credores ou sócios da devedores, conforme Bankruptcy Code § 101(14).

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61

divididos em diferentes classes, de acordo com a similaridade do direito que

ostentem. O plano poderá ser apresentado pelo devedor, que possui legitimidade

exclusiva para fazê-lo, no prazo de 120 dias. Para tanto, e após esse período inicial,

os credores passam a ter legitimidade de apresentar planos. Em seguida, o plano é

apresentado, e antes da votação, os credores deverão receber o “disclosure

statement”, que consiste em um resumo das condições da proposta, contendo a

“adequate information”59, para que possam votar.

Contudo, na hipótese de rejeição do plano por uma das classes de credores,

o Direito norte-americano prevê a possibildiade de cram-down60, desde que não seja

outorgado tratamento discriminatório (unfair discrimination) à classe dissidente.

Assim, “o sistema concursal norte-americano conta com variados

instrumentos voltados a estabelecer equilíbrio entre as partes interessadas na

solução da crise empresarial”. Logo, ainda que o Direito norte-americano tenha

adotado um sistema dualista, que individualiza os procedimentos liquidatórios e

reorganizatórios, difere do sistema brasileiro, onde a solução de alienação dos

estabelecimentos em bloco ou do negócio em marcha como um todo consiste em

uma modalidade reorganizatória.

A Lei 11.101/2005 foi promulgada numa conjuntura social e econômica na

qual já se mostrava urgente a substituição do Decreto Lei 7661/1945. De fato, a

antiga lei falimentar pertencia ao contexto pós-II Guerra Mundial, em que a economia

brasileira ainda se encontrava em uma fase embrionária de industrialização e as

relações empresariais e creditícias se mostravam bem mais simplificadas que nos

dias atuais.

Com o decorrer dos anos e a crescente modernização da atividade industrial

no País, os arranjos contratuais e empresariais tornaram-se mais arrojados e as

garantias tradicionais, como a hipoteca e o penhor, foram substituídas por

contrapartidas como a alienação fiduciária em garantia e a securitização de

59

CEREZETTI, Sheila Cristina Neder. O papel dos credores no Bankruptcy Code. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. v. 151-152, p. 164-186, jan-dez 2009. 60

Essa voltada às relações horizontais entre os credores. Essa regra prevê o nível mínimo de tratamento que deve ser outorgado aos credores. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4

th

ed. New York: Aspen Publishers, 2006, p. 513).

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62

recebíveis, mais condizentes com o porte das operações financeiras que passaram a

ser realizadas e com a intangibilidade de ativos que começou a caracterizar certas

atividades.

Nesse contexto, a Lei 11.101/2005 criou a recuperação judicial de empresas

e, em conjunto com ela, trouxe duas características marcantes em relação à antiga

concordata, as quais deixam claro o intuito de fazer com que as empresas viáveis

realmente sejam recuperadas através de instituto adequado à complexidade que

permeia a atividade empresarial e ao contexto econômico e social em que está

inserida.

A primeira das características é que a recuperação judicial inclui todos os

créditos existentes contra o devedor na data do pedido, exceto os que são excluídos

pela própria Lei 11.101/2005, e permite que o empresário utilize os mais diversos

meios de recuperação que forem lícitos, como a venda de ativos, a mudança no

quadro de administradores, a alteração do controle societário, o trespasse ou

arrendamento de estabelecimentos e até mesmo a permissão para que os credores

tenham direito a eleger administradores separadamente e vetar matérias

relacionadas ao plano de recuperação. A concordata, em contrapartida, somente

incluía os credores quirografários e apenas permitia um prolongamento no prazo de

pagamento dos débitos.

A segunda característica é que o plano de recuperação apresentado será

aprovado ou rejeitado pelo conjunto de credores a ele submetidos. Essa

peculiaridade da Lei 11.101/2005 demonstra que, não obstante se tenha elaborado

um arcabouço legal amplo e condizente com a complexidade das relações

empresariais modernas para proporcionar uma possibilidade concreta de que a

atividade empresária em crise se recupere, não são parâmetros jurídicos que

determinarão a viabilidade da recuperação, e sim o próprio mercado. Na concordata,

ao contrário, era o juiz que decidia se esta seria ou não concedida, com base em

parâmetros jurídicos preestabelecidos.

As características atribuídas ao instituto da recuperação judicial nos permitem

elaborar duas premissas. A primeira delas é que o direito brasileiro concede amplas

possibilidades para que as atividades em crise se recuperem, não cabendo à lei

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63

estabelecer limites para os meios de reestruturação a ser utilizados. A segunda é

que apenas as empresas viáveis devem ser recuperadas, e também não é o direito

que determina os parâmetros desta viabilidade, mas sim o conjunto de credores.

A partir da última premissa, tem-se que a Lei 11.101/2005, no que diz respeito

à recuperação judicial, pretende conferir segurança ao mercado de crédito,

excluindo do concurso certos créditos – por serem dotados de características que

não aderem a um regime falimentar, ainda que vise a reestruturação da empresa – e

determinando que são os credores que decidirão acerca da viabilidade ou

inviabilidade da atividade empresária, ainda que tenha permitido que seus créditos

se submetessem ao plano de recuperação.

É importante ter em mente que a aplicação eficiente da Lei 11.101/2005 não

diz respeito à efetiva reestruturação de uma empresa submetida à recuperação

judicial enquanto unidade de produção isolada, mas ao respeito dos valores contidos

no diploma legal, que visam à manutenção do mercado de crédito como um todo.

A Lei de Falências, que permaneceu em vigor por quase sessenta anos,

revogada pela Lei 11.101/2005, sempre foi considerada exemplo de ordem, no que

tange à distribuição sistemática dos assuntos nela tratados. Esta ordem quase

perfeita das ideias não foi repetida na nova legislação.

Nesse diapasão, sai a concordata preventiva e suspensiva. Renova-se a

falência, pondo de lado velhos defeitos, e adequando-se às necessidades

econômicas dos tempos de hoje. Atualiza-se a disciplina jurídica das empresas em

crise, com a recuperação judicial e a extrajudicial. O legislador, logo no art. 1º da Lei

de Recuperação de Empresas (LRE), enumera os institutos, introduzindo-os no

ordenamento jurídico brasileiro.

A nova Lei 11.101/2005 apresenta três fases no processo de recuperação

judicial bem distintas.

Na primeira, que se pode chamar de “fase postulatória”, o empresário

individual ou a sociedade empresária em crise apresenta seu requerimento do

benefício. Ela se inicia com a petição inicial da recuperação judicial e se encerra com

o despacho judicial mandando processar o pedido (art. 52).

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64

Na segunda fase, a que se pode referir como “deliberativa”, após a verificação

do crédito (arts. 7º a 20), discute-se e aprova-se um plano de reorganização (art.

53). Tem início com o despacho, que manda processar a recuperação judicial, e se

conclui com a decisão concessiva do benefício (art. 58).

A terceira e última etapa do processo, chamada de “fase de execução”,

compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a

decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de

encerramento do processo (art. 63).

A recuperação judicial, diz expressamente o art. 47, da LRE, “tem por objetivo

viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor”61. Ou

seja, dá o respaldo jurídico para que a empresa em dificuldade, se puder ser

recuperada, volte a participar ativamente do mercado. O sistema é flexível e permite

o encontro de solução própria para cada caso.

Poderá o devedor, no entanto, preferir negociações diretas com seus

credores, independentemente das regras processuais e materiais aplicáveis à opção

acima referida, desde que também preencha os requisitos legais exigíveis para

impetrar aquela medida. Fica-lhe aberto o caminho para propor aos credores o plano

de recuperação extrajudicial, com a possibilidade de vir a requerer sua homologação

judicial. Essa espécie de recuperação não impedirá, ainda, a “realização de outras

modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores”.

E, finalmente, a falência. Uma falência renovada, com a meta de ser mais ágil

e eficaz. Pode ser a solução para as empresas economicamente inviáveis. Ainda

assim, no entanto, o objetivo, por expressa previsão legal, é “preservar e otimizar a

utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis”,

atendendo-se “aos princípios da celeridade e da economia processual”.

Desse modo, os ativos serão alienados desde logo, e se irá dar, na alienação,

preferência à venda dos bens em conjunto (a começar pela transferência dos

estabelecimentos em bloco), sendo vendidos individualmente apenas como última

alternativa.

61

LRE – Lei de Recuperação de Empresas. Lei nº 11.101/2005 de 09 de Fevereiro de 2005.

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65

É necessário observar que a Lei de Recuperação e Falências tem natureza

tanto adjetiva quanto substantiva. Embora se aplique o Código de Processo Civil, no

que couber (art. 189 da Lei 11.101/2005), o Código Penal no que se refere à

prescrição (art. 182) e o Código de Processo Penal, para os procedimentos penais

(art. 185), traz ela uma série de determinações de natureza processual. Por outro

lado, traz também diversas normas de natureza substantiva, de direito material.

Trata-se, assim, de lei de natureza mista, processual e material ao mesmo tempo.

A Lei 11.101/05, abstraídas as questões que envolvem o modo como foi

elaborada e a quem, de fato, foi direcionada, veio apresentar um certo avanço no

que diz ao tratamento da crise da empresa e do empresário no país, representando

um avanço legislativo.

Ainda se ressente o país de um valor bem maior, que é justamente o valor

ético, a ética da empresa, que deve se sobrepor, sem qualquer dúvida, aos

interesses pessoais dos proprietários de empresas. Enquanto as empresas visarem

somente o lucro, sem olhar para outros aspectos que envolvem a atividade

organizada, e correndo riscos para que o faturamento só aumente, certamente que

inexistirá lei no ordenamento jurídico capaz de dar sustentação a uma empresa em

crise, não raramente irremediável.

Toda a atividade empresarial presume uma série de microssistemas que, por

sua vez, são formados por diversos mecanismos indispensáveis para o perfeito

funcionamento da atividade.

Assim, a empresa começa a demonstrar sinais de insolvência, quando

algumas de suas áreas não vão tão bem quanto antes e surgem as causas de uma

possível insolvência.

Desse modo, o aspecto mais importante da recuperação da empresa, para

que ela seja eficaz, é saber como recuperá-la e manter a fonte produtora em

exercício.

A Lei de Falências e Recuperação Judicial possibilita os meios que devem ser

utilizados para que a crise em que se encontra a empresa seja sanada.

Nesse sentido, o art. 50, da Lei 11.101/2005 traz um texto inovador e de suma

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66

importância para a realização do objetivo: ele elenca alguns meios de recuperação

judicial, o que retrata que a Lei não apenas se preocupa com a recuperação da

empresa, mas dá exemplos de o que pode ser feito para que a recuperação, de fato,

seja alcançada.

Este artigo contempla lista exemplificativa dos meios de recuperação da

atividade econômica. Nela, encontram-se instrumentos financeiros, administrativos e

jurídicos que normalmente são empregados na superação de crises em empresas. O

empresário individual ou os administradores da sociedade empresária interessada

em pleitear o benefício em juízo devem analisar se, entre os meios indicados, há um

ou mais que possam mostrar-se eficazes, no reerguimento da atividade econômica.

A lista legal compreende a dilação do prazo ou revisão das condições de

pagamento. Nela, o devedor tem a oportunidade de se reestruturar, porque disporá,

por algum tempo, de mais recursos em caixa. Entre as hipóteses da revisão das

condições de pagamento como meio de recuperação, inclui-se a substituição de

garantias, como modalidade específica de renegociação de crédito.

Por sua vez, as operações societárias (cisão, incorporação, fusão,

transformação), além da constituição de subsidiária integral e venda de quotas ou

ações, representam instrumentos jurídicos que, por si sós, não estão aptos a

propiciar a recuperação da empresa em crise. É necessário contextualizá-las num

plano econômico que mostre como sua efetivação poderá acarretar as condições

para o reerguimento da atividade.

A alteração do controle societário pode ser total ou parcial: no primeiro caso,

opera-se a venda do poder de controle, enquanto no segundo, a admissão de novo

sócio no bloco controlador; reestruturação da administração, através da substituição

de alguns ou todos os administradores, como medida necessária em qualquer

recuperação de empresa; concessão de direitos societários extrapatrimoniais aos

credores, com o intuito de admitir um grau mínimo de ingerência aos credores na

administração da sociedade empresária em recuperação, visando garantir-lhes que

se tentarão realizar os objetivos explicitados no plano de reorganização.

No mesmo art. 50, há a possibilidade de reestruturação do capital, como

forma de ingresso de recursos, possibilitando ampliar a competitividade da

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67

sociedade devedora, contornando a crise econômica.

Outro meio de recuperação judicial tratado neste capítulo é a transferência ou

arrendamento do estabelecimento, importando a mudança na titularidade ou na

direção do estabelecimento empresarial da sociedade empresária em crise.

A renegociação das obrigações ou do passivo trabalhista, onde, por meio do

contrato coletivo de trabalho, podem fazer constar inclusive a redução de salários e

mudanças na jornada de trabalho dos empregados da sociedade empresária em

crise.

Dentre outros meios de recuperação judicial tratados no art. 50, da Lei

11.101/2005, são: a dação em pagamento ou novação, onde um ou mais credores

concordam em receber bem diverso do contratado, como meio de solução da

obrigação ativa que titularizam; a constituição de sociedade de credores,

entendendo ser medida apta a recuperar a empresa; a realização parcial do ativo,

com a venda de bens do patrimônio da sociedade devedora, como medida

importante na obtenção dos recursos necessários ao patrocínio da recuperação

judicial; a equalização de encargos financeiros, onde bancos e empresas de fomento

mercantil padronizam os encargos financeiros de seus créditos, ajustando-se ao

menor dos praticados no mercado.

Por fim, o usufruto de empresa, como medida destinada a transferir a direção

da atividade econômica em crise; a administração compartilhada; a emissão de

valores mobiliários, através da emissão de debêntures ou outros valores mobiliários,

instrumentos de captação de recursos que podem ser admitidos na negociação no

mercado de capitais; a adjudicação de bens, cujo objeto é adjudicar em pagamento

dos créditos titularizados perante a sociedade empresária devedora, bens do ativo

dessa, os quais lhe devem ter sido previamente transferidos, a título de

integralização de capital social ou venda; os financiamentos garantidos por caução

de títulos, onde a lei estabelece um mecanismo destinado a viabilizar a continuidade

da circulação do crédito, e a alienação de bem gravado, como medida de

recuperação da empresa.

Evidencie-se que o rol enumerado é exemplificativo. O legislador demonstrou

sua intenção de auxiliar toda a equipe envolvida, na recuperação a encontrar uma

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68

ou mais formas de se chegar ao objetivo final, não que seja efetivamente necessário

que se utilize um dos meios propostos por lei. Assim, como se trata de lista

exemplificativa, outros meios de recuperação da empresa em crise podem ser

examinados e considerados, no plano de recuperação. Normalmente, os planos

deverão combinar dois ou mais meios, tendo em vista a complexidade que cerca as

recuperações empresariais.

Alguns dos meios de recuperação da empresa são de caráter não financeiro,

os quais representam mudança no quadro societário e na administração da

sociedade, como as operações societárias, a alteração de controle societário, a

reestrutura da administração, a concessão de direitos societários extrapatrimoniais

aos credores, a transferência ou arrendamento do estabelecimento, a constituição

de sociedade de credores, usufruto de empresa e administração compartilhada.

Outros demonstram características essencialmente relacionadas ao capital,

como dilação de prazo ou revisão das condições de pagamentos, reestruturação do

capital, renegociação das obrigações ou do passivo trabalhista, dação em

pagamento ou novação, realização parcial do ativo, equalização de encargos

financeiros, emissão de valores mobiliários e financiamentos garantidos por caução

de títulos.

A exemplo do que ocorre na falência, também no processo de recuperação

judicial é necessário proceder-se à verificação dos créditos. Mas o objetivo dessa

medida é limitado à legitimação para participar da Assembleia de Credores, diverso

do da falência que era condição para a apuração do passivo a ser satisfeito na

execução concursal.

O plano de recuperação apresentado pelo devedor, no prazo de 60 (sessenta)

dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial,

conforme prevê o art. 53, é que dará as diretrizes acerca dos caminhos que serão

utilizados para recuperar a empresa. Nesse sentido, é imprescindível que apresente

propostas concretas, passíveis de realização.

Fábio Ulhoa Coelho entende que o plano é “a peça mais importante do

processo” e que “depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos

associados ao instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e o

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69

cumprimento de sua função social.”62

Em princípio, todos os credores anteriores ao pedido de recuperação judicial

estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação aprovado em juízo. Não pode,

porém, a lei ignorar a hipótese de revisão do plano de recuperação, sempre que a

condição econômico-financeira do devedor passar por considerável mudança.

O art. 73 da Lei 11.101/2005 enumera as hipóteses em que o juiz decretará a

falência, durante o processo de recuperação judicial. Assim, no direito brasileiro,

abstraída a hipótese de desistência, não há terceira alternativa: quem requer o

benefício da recuperação judicial ou o obtém e cumpre ou terá sua falência

decretada.

Pressupõe-se que o devedor, ao solicitar a recuperação judicial, está

admitindo sua crise econômica, financeira ou patrimonial. Está, a rigor, assumindo

sua condição pré-falimentar. Se assim é, se não obtiver a recuperação judicial ou

não a cumprir, deve-se instaurar a execução concursal, em atenção aos direitos dos

seus credores.

4.2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A CORRELAÇÃO COM A LEI

11.101/2005 E A PROTEÇÃO DO MERCADO DE CRÉDITO

A análise econômica da legislação deriva da escola denominada Law and

Economics, desenvolvida na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, tendo

ganhado força na década de 1960.

Surgem então um debate entre Direito e Economia, o qual foi iniciado por

Ronald Harry Coase, a partir da publicação do artigo The Nature of the Firm em

193763. Foi com a publicação de The Problem of Social Cost, do mesmo autor, no

entanto, em 1960, que as discussões ganharam impulso. Além de Coase, Richard

Posner, com Economic Analysis of Law, e Guido Calabresi, com The Cost of

62

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 9. ed.

São Paulo: Saraiva, 2013, p. 219. 63

COASE, Ronald. The firm, the market and the law. Chicago: The University of Chicago Press,

1988, p.113.

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70

Accidents contribuíram para o início do movimento Law and Economics.64

Chamada de Direito e Economia ou Análise Econômica do Direito no Brasil,

esta escola examina a ciência jurídica, a partir da utilização de conceitos

emprestados da ciência econômica, que passa a utilizar institutos jurídicos, no

estudo do comportamento dos agentes econômicos.65

A interdisciplinaridade entre Direito e Economia permite ao jurista enxergar a

lei não apenas no seu aspecto de alcançar a justiça, mas como incentivo para

buscar novos comportamentos.66 Essa é a força das modernas técnicas de

hermenêutica que permitem, inclusive, a mudança da lei sem necessidade de

modificação da lei.

Estudar a eficiência legislativa consiste em analisar quais são os incentivos

trazidos por determinada lei e verificar se estão sendo obtidos os comportamentos

pretendidos, necessários para que se alcance um determinado objetivo,

constituindo, portanto, importante elemento, uma vez que o arcabouço legal pode

facilitar ou dificultar investimentos empresariais e influenciar os preços e as

variações de taxas de juros.

Guiomar Theresinha Estrella Faria remete ao entendimento de eficiência, nos

moldes do pensamento de Richard Posner, ao conceituá-la como:

Resultado da maximização do valor, obtido na exploração dos recursos necessários à satisfação das necessidades econômicas do homem, medido (o valor) pela agregada intenção do consumidor de pagar pelos mesmos bens. Ou seja, há eficiência quando se atinge o valor máximo proposto pelo vendedor, comparado ao valor máximo que se tem intenção de pagar – havendo, portanto, ganhos para ambas as partes.

67

Ainda, Phillip Gil França destaca que a:

Eficiência transforma-se em valor social máximo, equivalendo-se ao sentido

64

SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Decio. SZTAJN, Rachel (org.). Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74. 65

ZYLBERSZTAJN, Decio. SZTAJN, Rachel (org.). Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier,

2005, p. 3. 66

COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco

Araújo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p.33. 67

FARIA, Guiomar Theresinha Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 1994, p. 37.

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71

de justiça. Baseia esta conclusão, claramente, em Posner que, em toda sua obra, propugna pela reforma do ordenamento jurídico com vistas à obtenção da eficiência econômica e mostra-se convicto de que a teoria econômica pode explicar um vasto número de fenômenos não necessariamente mercadológicos, trazendo, deste modo, contribuições à ciência jurídica na composição dos problemas alocativo e normativo.

68

Ainda, Phillip Gil França ressalta:

Os precursores destes raciocínios propõem a aplicação do instrumental da microeconomia clássica na formulação de políticas legislativas, na avaliação do custo do Direito e no seu impacto sobre os indivíduos, e, principalmente, na busca da exegese mais eficiente da lei, a fim de orientar sua aplicação jurisprudencial tendo por norte a eficiência. Neste sentido, mais do que uma retórica jurídica utilitarista, esta forma de interpretação estabelece uma concepção sobre a natureza das normas jurídicas, bem como de seu papel no meio social, enfocando a eficiência econômica como método de obtenção da justiça.

69

Para Flávio Galdino:

A eficiência econômica é obtida ou verificada através da aplicação do critério de Pareto (também chamada “otimalidade de Pareto”). Segundo este critério, uma distribuição de recursos é eficiente se for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa. Nesta última assertiva, a expressão utilidade pode ser tomada no sentido de bem-estar (daí falar-se também em welfarismo – welfarism).

70

Assim sendo, a compreensão do ótimo de Pareto e a transcendência de suas

possíveis limitações podem levar, por fim, a demonstrar as similaridades da

Economia e do Direito.

Alguns autores entendem que a Economia tem procurado instrumentos que

permitam responder a estas questões sem que os valores pessoais de quem aprecia

a situação interfiram no julgamento.

Para Amartya Sen:

A expressão “eficiência econômica” não é, por completo, apropriada para denominar a otimalidade, pois esta concerne exclusivamente à eficiência no

68

FRANÇA, Phillip Gil. Breves reflexões sobre o Direito, a Economia e a atividade regulatória do Estado. Revista Zênite de Direito Administrativo e LRF. Curitiba: Zênite, a. 4, n. 71, p. 99, jun. 2007. 69

Id., 2007, p. 998. 70

GALDINO, Flavio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores.

Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 242.

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72

espaço das utilidades, deixando-se de lado as considerações distributivas relativas à utilidade. Percebe-se aqui, então, um legado da tradição utilitarista.

71

Revela-se importante também considerar se os critérios de justiça no contrato

podem ser substituídos por critérios de eficiência e racionalidade na alocação de

recursos. Ou, por outro lado, se a questão da justiça do contrato poderia deslocar

para o âmbito econômico a necessidade de a atividade econômica ela própria

perseguir, para além de critérios de eficiência, finalidades ou valores, por exemplo,

de justiça social. Indagação dessa ordem colocaria em causa uma premissa básica,

para uma visão analítica do direito que, de certo modo, aproxima-se do pensamento

da análise econômica do direito, que é a da separação entre fatos e valores e que

resulta fundamental para o problema em torno da funcionalização dos contratos.

Conforme escreve Ulrich Beck:

Um outro aspecto a considerar é o de que a análise econômica do direito, que se articula em torno da premissa de eficiência na alocação de recursos, tem em perspectiva uma noção de risco empresarial ou de mercado que incumbiria ao direito minimizar; o problema, contudo, pode ser o de o risco não se situar apenas no âmbito da empresa ou do mercado, mas de caracterizar a própria configuração da sociedade, de tal modo que uma racionalização em torno da eliminação de riscos poderia colocar em xeque a própria racionalidade socioeconômica.

72

Tem-se então que a questão do alcance da análise econômica do direito, para

o efeito de fundamentação dogmática da função social do contrato, deve considerar

pelo menos duas variáveis: no campo econômico, a possibilidade de assegurar

eficiência ou, pelo menos, garantir a regulação dos mercados e, no campo jurídico,

dar conta da relação entre fato e valor para o efeito de viabilizar a atividade

econômica.

Fazendo uma análise econômica do instituto jurídico de recuperação judicial,

a introdução da Lei 11.101/2005, revogou o antigo Decreto-Lei 7.661/1945, voltando-

se a aspectos outros do que o antigo regulamento, sobretudo retirando o foco do

processo falimentar da figura do devedor, passando a analisar, com mais

71

SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 47-48. 72

BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidade. Barcelona: Paidós, 1998.

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73

profundidade, a atividade econômica desenvolvida pelo empresário em crise e sua

possibilidade ou não de recuperação, objetivando propiciar um mercado de crédito

ativo a custos baixos.

Assim, para que a atividade empresarial se desenvolvesse, passando a ser

uma economia moderna, a partir da revolução industrial do final do século XIX e do

desenvolvimento do capitalismo financeiro, tornaram-se necessários grandes

volumes de capital, conforme afirma Tullio Ascarelli, a ser “uma economia creditória,

essencialmente baseada no crédito”.73

Considerando que a própria existência da empresa e do empresário depende

do crédito, pode-se afirmar, então, que “é sobre a tutela do crédito, da sua

circulação, que se estruturam as leis que dispõem sobre a permanência, ou não, do

comerciante ou empresário, em face da crise da atividade”.74 O objetivo final de uma

lei falimentar, portanto, é proteger o mercado de crédito.

Desde a fase legislativa – em sua exposição de motivos –, o projeto de lei que

culminou por dar origem à mencionada Lei 11.101/2005 já trazia, como princípios

norteadores do diploma legal a preservação da empresa, a recuperação apenas das

sociedades e empresários economicamente viáveis, a redução do custo do crédito

no Brasil, a celeridade e a eficiência dos processos judiciais, a segurança jurídica e a

participação ativa dos credores, na falência e na recuperação judicial.

O relatório que ficou conhecido como exposição de motivos da Lei

11.101/2005 deixa claro, ainda, que sua elaboração foi contextualizada com a

complexidade que as atividades empresariais e as relações contratuais adquiriram,

ao longo do tempo. O Decreto-Lei 7661/1945 havia sido editado em fase de

estabilidade e forte regulação na economia brasileira.

De um ponto de vista macroeconômico, as moedas passaram a apresentar

flutuações consideráveis, em curtos interregnos temporais, a movimentação de

capitais, a nível internacional, passou a ser significativa e o FMI, embora ainda

exista, teve sua importância diminuída.

73

ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Mizuno, 2003, p. 32. 74

FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise:

comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 1.

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74

Por sua vez, em relação a aspectos microeconômicos, os arranjos societários

tornaram-se cada vez mais complexos, com a formação de aglomerados

decorrentes de sucessivas fusões e aquisições, os ativos tangíveis passaram ser

dispensados em certas atividades, que podem ser caracterizadas apenas como

centros de decisões de negócios ou de desenvolvimento de tecnologia, e relações

contratuais mais fluidas que o direito de propriedade começaram a florescer, o que

ocasionou a proliferação de diferentes formas de garantia.

Assim, uma única atuação do Poder Judiciário destoante dos objetivos da Lei

11.101/2005, ainda que supostamente fundada na redistribuição, pode servir de

precedente para que agentes, envolvidos na recuperação judicial, se comportem de

modo a desvirtuar o instituto, buscando a satisfação de interesses individuais.

Cooter e Ullen explicam que:

Os economistas são especialistas em dois valores relacionados à definição de políticas públicas – a eficiência e a distribuição. A resolução da maioria das disputas jurídicas – como, por exemplo, se o réu precisa pagar ressarcimento de danos ou se ele tem de desistir de uma atividade específica - tem valor monetário. O valor monetário que está em jogo é o risco na disputa. Decidir um litígio jurídico quase sempre implica alocar o risco entre as partes. A decisão a respeito de quanto do risco cada parte recebe cria um incentivo para o comportamento futuro, não só das partes específicas envolvidas nessa disputa, mas de todas as outras que estiverem numa situação semelhante.

75

Os autores fizeram a ressalva no final, uma vez que utilizaram como dado de

pesquisa o relatório "Doing business in 2005", também do Banco Mundial, em

coautoria com a Corporação Financeira Internacional e a Oxford University Press.

4.3 PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS FORMAIS DA NOVA LEI DE

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Segundo o artigo 48 da Lei 11.101/2005, estão credenciados a requerer a

recuperação judicial aqueles que estão expostos a ter sua falência decretada, ou

75

COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco

Araújo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 30.

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75

seja, sociedades empresárias e o próprio empresário. Frise-que que no artigo 1º da

lei o legislador deixa explícito que sociedades empresárias e empresário individual

em dificuldades financeiras ou insolventes serão tratados por “devedor” em todo

diploma legal.

Com relação aos legitimados Fábio Ulhoa Coelho afirma:

[...] a recuperação judicial tem lugar apensar se o titular da empresa quiser. Se credores, trabalhadores, sindicatos ou órgão governamental tiverem um plano para a reorganização da atividade econômica em estado pré-falencial, não poderão dar inicio ao processo de recuperação judicial.[...].

76

Além do rol de legitimados para pleitear recuperação judicial, existem certos

requisitos para tal feito. O art. 48 da Lei e a doutrina nacional dividem os requisitos

em quatro pontos.

Dessa forma, o primeiro requisito pressupõe que a empresa não pode estar

falida, à medida que a recuperação judicial é instrumento utilizado para os

devedores que se encontram em situação ainda passível de reestruturação de seu

status quo ante; o segundo requisito se refere ao tempo mínimo da exploração

comercial, ou seja, pode-se requerer recuperação somente aquelas empresas ou

empresários registrados na junta comercial (art. 967, CC) a pelo menos dois anos.

O terceiro requisito trata-se de um critério temporal. De acordo com ele, não

se concede recuperação judicial a devedores que tenham conseguido a mesma

recuperação há menos de cinco anos. Por fim, o último requisito trata dos crimes

falimentares. Segundo ele, nenhum dos sócios ou administradores da empresa

podem ter sido condenado pela prática de crime falimentar.

A Lei 11.101/2005 contém alguns dispositivos que entram em conflito com os

ditames da Constituição Federal de 1988. Podemos citar alguns dispositivos legais,

reputados unilateralmente como relevantes, para demonstrar a referida colidência

frontal com o que expressa a Carta Política.

O hermeneuta ainda se vê atrelado ao conteúdo do texto normativo ditado

76

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9. ed.

São Paulo: Saraiva, 2013, p. 168.

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76

pelo Estado, como se a lei fosse a única fonte absoluta do direito posto. O direito

está acima da lei e do próprio Estado, sendo pura linguagem e produz sentido.

Portanto, o hermeneuta deve perceber, que a Lei 11.101/05 contém falhas e

inconstitucionalidades, não cabendo, principalmente ao intérprete autêntico

simplesmente aplicar a lei ao caso concreto.

Paulo Roberto Nalin salienta que “a Constituição Federal ocupa,

invariavelmente, a posição maior em relação ao Código Civil, por exemplo”77. A

mesma posição é adotada, em relação a todas as leis infraconstitucionais, inclusive

a Lei 11.101/2005.

Porém, o art. 1º da Lei 11.101/2005 afasta totalmente a aplicabilidade do novo

modelo legal (sociedade simples), apenas se referindo a empresário e sociedade

empresária. A sociedade simples, portanto, não poderia, a princípio, se valer do

favor legal – recuperação judicial de empresa, conforme lei de 2005. Segundo esta

mesma lei, somente o agente econômico está sujeito aos ditames legais em foco,

sendo certo que, se a sociedade simples não consta daquele rol que estabelece

quais entidades poder-se-ão valer da lei, e, por outro lado, também não consta

daquele excludente, nota-se, sem muito esforço, que o legislador optou por não

permitir que a simples se valha da Lei 11.101/2005. As entidades não previstas na

lei, como a simples, deverão, assim, observar o regramento específico do Código de

Processo Civil (insolvência, conforme art. 748), sendo que o art. 786 de tal diploma

faz expressa referência às sociedades civis, qualquer que seja sua forma.

Frise-se que tal regramento quase nunca é aplicável, na prática. Por outro

lado, as instituições financeiras estão sujeitas ao regramento previsto na Lei

6.024/74, a princípio, e poderá a liquidação extrajudicial ser transformada de forma

efetiva em processo falimentar, bastando que o liquidante entenda que caso é de

pedir judicialmente a decretação da falência e assim proceder. Então, poder-se-ia

chegar a uma primeira conclusão: às sociedades simples não seria dado o direito de

requerer a recuperação judicial, por expressa vedação do art. 1º da nova lei. Logo,

não se vê como dar tratamento diferenciado à sociedade simples, quando o tema é

77

NALIN, Paulo Roberto R. (Org.). Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e os contratos. In: NALIN, P. R. R. (Org.). Contrato & Sociedade: princípios de direito contratual. 1. ed. 2.

tir. Curitiba: Juruá, 2006. v. 1, p. 11-24.

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77

recuperação judicial.

Todavia, acima da Lei 11.101/2005 está a Constituição da República, a qual

contém princípios constitucionais importantes, devendo ser observados pelo

exegeta. Por exemplo, os princípios da proporcionalidade (art. 5º, §2º); da

preservação da empresa e da função social, dentre outros de igual relevância para o

exame da matéria.

Ressalte-se, que a ideia primordial da Lei 11.101/2005 é, em conformidade

com o art. 47, viabilizar a superação da crise, a princípio, momentânea. Caso os

meios colocados à disposição do devedor não surtam os efeitos almejados, aí, sim,

poder-se-á falar em falência, aí, sim, haverá a retirada compulsória do mercado.

Este é o norte. Mais uma vez insiste-se que primeiro tenta-se a recuperação e

depois se observa o regramento próprio da falência, bem mais célere.

Argumenta-se, para fins específicos de aplicação da Lei de 11.101/2005, se

haveria distinção entre sociedade empresária e sociedade simples. Não se entende

o porquê de somente aquela estar protegida pelo novo texto legal. E mais ainda:

tendo a sociedade simples relevância no âmbito do direito empresarial, muito

embora não desempenhe atividade econômica organizada, não poderá ser tratada

de forma diversa. A sociedade simples, muito embora tenha seus atos constitutivos

registrados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas de fato tenha algum dos

atributos elencados no art. 966 do Código Civil, a habitualidade, por exemplo, não

poderia se valer da Lei 11.101/2005.

Outro dispositivo legal inquinado de inconstitucionalidade é o art. 192, §1º da

Lei de 2005. Em linhas gerais, estabelece que fica vedada a possibilidade de

concessão de concordata suspensiva nos processos falimentares que tramitam sob

a égide da lei falencial de 1945, podendo o Síndico promover a alienação dos bens

da massa falida, assim que concluída a arrecadação, independentemente da

formação do quadro geral de credores e a conclusão do inquérito judicial.

A lei falimentar de 2005 tratou universos jurídicos complemente diferentes de

forma igual, a exemplo do instituto da concordata suspensiva. Além disso,

estabeleceu, nesses mesmos processos iniciados antes de junho de 2005, que

poderá ser promovida a alienação imediata de ativos, independentemente da

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78

formação de quadro geral de credores.

Considerando os novos ditames legais, o regramento jurídico começa por

alterar a nomenclatura dos institutos falenciais. Sai do sistema jurídico, a princípio, a

concordata (suspensiva da falência, ou preventiva) e entra a recuperação (judicial,

extrajudicial ou aquela destinada às microempresas ou empresas de pequeno

porte), para os que buscarem a tutela estatal para a tentativa do soerguimento e

para aqueles que são retirados do mercado, a contar de junho de 2005, quando

entrou em vigência a Lei 11.105/200578. Pela lei falimentar, inexiste a possibilidade

de se conceder a concordata suspensiva na seara falimentar que tem como trilho

justamente a antiga lei de 1945. Tal instituto, também, não foi recepcionado pela Lei

11.101/2005.

Fábio Ulhoa Coelho, bem esclarece:

Um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia absoluta de reerguimento da empresa em crise. Fatores macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado em causa ou mesmo imperícia na sua execução podem compreender a reorganização pretendida. Mas um plano ruim é garantia absoluta de fracasso da recuperação judicial.

79

A condição fundamental para que a nova medida de recuperação da empresa

seja efetiva e atinja os objetivos pretendidos – inclusive a contribuição na luta contra

o aumento do desemprego – é a seriedade e consistência do plano de

reorganização.

O crédito, na sociedade atual, representa a efetiva possibilidade de os

variados atores sociais participarem do processo econômico, porque se permite o

fomento da produção e do consumo, ou seja, dá vida à circulação econômica de

bens e serviços.

A recuperação judicial deve ser compreendida como um efetivo mecanismo

de tutela de preservação da atividade empresarial, permitindo que a sua função

econômico-social seja assegurada e mantida. Por outro lado, os bancos podem

78

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Dispõe sobre a lei de falência e recuperação judicial e extrajudicial. Coletânea de Legislação. São Paulo: Saraiva, 2007. 79

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas:

(Lei nº 11.101, de 09.02.2005). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 220.

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79

encontrar mecanismos eficientes para a recuperação de seus créditos. Assim, por

exemplo, é o caso da propriedade fiduciária, resultante da alienação fiduciária em

garantia, que consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade

resolúvel, em se tratando de bens móveis infungíveis (art. 1361, do Código Civil –

CC), ou de bens imóveis (art. 22 e ss., da Lei 9514/97, Lei da Propriedade Fiduciária

– LPF). Ditos créditos, hoje, não se submetem à recuperação (art. 49, § 2°, da LRF),

para se proteger de forma mais eficiente a recuperação pelos bancos de seus

créditos. Essa medida visa ampliar as possibilidades de o agente financeiro reaver

seu crédito.

A ordem econômica deve estar atenta para um capitalismo que preza, sim,

pela elevada capacidade de criar, dominar e transformar a natureza e que, por

conseguinte, desperta para uma diversidade de desejos do empreendedor e do

consumidor. No entanto, a escassez do crédito, promove a rediscussão de variados

assuntos, tais como, a estabilidade do sistema financeiro, a proteção do devedor, a

importância de mecanismos eficientes, para que ele seja recuperado, diante das

situações de inadimplência, entre outras circunstâncias.

As restrições ao crédito para operações comerciais e para o consumo devem

ser sopesadas. Se por um lado, a empresa produz riquezas materiais, por outro

lado, o banco promove a estabilidade, a confiança, a fim de que o desenvolvimento

econômico ocorra. Estes aspectos devem ser considerados, no momento de uma

análise jurídica para a realização e a recuperação do crédito, num ambiente de crise.

Ainda, sustentabilidade e crise são vocábulos conflitantes, paralelas que

jamais encontrar-se-ão, em se tratando do exame detido e coerente da Lei

11.105/2005. Impende destacar que a empresa deve ser socialmente responsável,

contribuindo para o crescimento da economia, mas também zelando pela qualidade

de vida da comunidade na qual se insere.

4.4 ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Como já visto, a recuperação judicial trata da possibilidade de reestruturação

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80

das empresas economicamente viáveis que passem por dificuldades momentâneas,

mantendo os empregos e os pagamentos aos credores.

Um dos méritos apontados nessa legislação falimentar é a prioridade dada à

manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao acabar com a

concordata e criar as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, a nova lei

aumenta a abrangência e a flexibilidade nos processos de recuperação de

empresas, mediante o desenho de alternativas para o enfrentamento das

dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora.

Pela Lei 11.101/2005, o envolvimento direto do Judiciário é precedido de uma

tentativa de negociação informal entre devedor e credores, por meio de uma

proposta de recuperação apresentada pelo devedor a uma assembleia de credores.

É o que a lei define como negociação extrajudicial.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância da

Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais, vem julgando vários

processos, estabelecendo a correta interpretação sobre questões que tratam do

processo de recuperação judicial, propriamente dito, e, inclusive, a possibilidade de

ser requerida a desconsideração da personalidade jurídica.

Para o STJ, o juízo responsável pela recuperação judicial detém a

competência para dirimir todas as questões relacionadas, direta ou indiretamente,

com tal procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à alienação judicial

conjunta ou separada de ativos da empresa recuperanda, diante do que estabelece

a Lei 11.101/2005.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, com a edição da Lei

11.101/2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, “é

competente o respectivo juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como

alienação de ativos e pagamentos de credores, que envolvam créditos apurados em

outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição

de bens do devedor”.

Assim, após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da

recuperação judicial a correspondente habilitação, de modo a não transgredir os

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81

princípios norteadores do instituto e as formalidades legais do procedimento, nem

desvirtuar o propósito contido no art. 47 da Lei 11.101/2005.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido,

reiteradamente, a incompatibilidade da adoção de atos de execução de julgados em

outros juízos, notadamente na esfera trabalhista, de forma simultânea ao curso de

processo de reorganização judicial da empresa devedora.

Em recente julgamento de recurso especial, o STJ aplicou o entendimento de

que a desconsideração da personalidade jurídica é técnica consistente, não na

ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na

ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – ineficácia do contrato ou estatuto

social da empresa –, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos.

A decisão levou em conta diferenças essenciais entre a desconsideração e

dois outros institutos, a ação revocatória falencial e a ação pauliana. A primeira visa

ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito,

e a segunda, à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos

os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, com o objetivo de devolver

à massa falida ou insolvente os bens necessários ao adimplemento dos credores.

Segundo João Otávio de Noronha, no processo falimentar, “não há como a

desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas

pela sociedade antes da saída dos sócios”.

E acrescentou:

Reconhecendo [...] que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a massa falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores, na ordem de preferência imposta pela lei.

80

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a última

80

NORONHA, João Otávio de. Sala de Notícias: STJ e a Lei de Falências: como o tribunal vem decidindo questões de empresas em estado de crise econômico-financeira, 18/12/2011.

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82

palavra em processo sobre blindagem de empresa em recuperação judicial é do

Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão foi analisada pela 1ª Turma que, por

unanimidade, negou provimento a um recurso contra decisão da 2ª Seção do STJ,

de dezembro de 2011. Na ocasião, os ministros decidiram que a suspensão de

ações e execuções contra uma companhia em recuperação deve valer a partir da

data em que o juiz deferiu o pedido, e não do dia em que foi ajuizado o processo.

Por entender que o processo não envolve questões constitucionais, os

ministros da 1ª Turma do STF rejeitaram recurso (agravo regimental) da

Agropecuária Vale do Araguaia, que pertence ao empresário Wagner Canhedo, e

não entraram no mérito. O relator foi o ministro Dias Toffoli. O ex-controlador da

Vasp tentava novamente reverter a perda da Fazenda Piratininga para os ex-

funcionários da companhia aérea.

Na época da decisão do STJ, os advogados que atuam em recuperação

judicial ressaltaram que esse entendimento, predominante na Corte, seria prejudicial

às empresas. Apesar de os artigos 6 e 52 da Lei 11.101/2005, que trata da

Recuperação Judicial, estabelecerem a suspensão das execuções e cobranças, a

partir da aceitação do pedido pelo juiz, o art. 49 da mesma lei dá margem a outra

interpretação. Nesse último dispositivo, a norma diz que estão sujeitos à

recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não

vencidos.

Em outro caso examinado pela 28ª Câmara de Direito Privado do mesmo

tribunal, os magistrados contrastam a noção de essencialidade com a de utilidade.81

Relata-se sobre arrendamento mercantil de caminhão, em favor de sociedade

empresária, cujo objeto social abarca indústria, comércio, importação e exportação

de lubrificantes, estabilizantes, desmoldantes, estearatos e ceras em geral. A

manutenção do caminhão configura-se em aspecto da organização administrativa da

empresa, permitindo-se a realização de entregas a clientes ou transporte de insumos

entre as unidades produtivas. Nenhuma dessas atividades se enquadra diretamente

no objeto social da empresa. Nesse sentido, considera a Câmara que o bem

arrendado é apenas útil às atividades finalísticas da recuperanda, não incidindo a

81

TJSP, 28ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.10.031940-0, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, julgado em 27/04/2010.

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83

ressalva final do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005.

No Agravo de Instrumento nº 990.09.325897-8, discute-se um caso em que

sociedade empresária do ramo de turismo e fretamento, a despeito de estar sob o

manto da blindagem conferida pelo processamento da recuperação judicial, teve um

dos seus veículos apreendidos por decisão de primeira instância82. A busca e

apreensão se deram, em razão do inadimplemento de dívida garantida por alienação

fiduciária. Conforme visto, as ações do proprietário fiduciário não se submetem à

blindagem recuperacional, mas o mesmo dispositivo que privilegia esse tipo de

credor subtrai a ele a prerrogativa de retirar bens essenciais à atividade da empresa

em recuperação, pelo prazo da própria blindagem (180 dias). Nesse sentido, verifica-

se que o credor proprietário apenas pode se servir do seu privilégio, se não houver

essencialidade do bem.

O relator do agravo, Desembargador Fernando Melo Bueno Filho, concluiu

que o veículo automotor apreendido se tratava de um instrumento relevante para a

continuidade da atividade da recuperanda (fretamento e turismo), o que evidencia o

erro cometido pela primeira instância, na expedição da ordem de busca e

apreensão.

Até esse ponto, o voto não traz nenhuma polêmica, mas interessa a

observação adicional que acompanhou o provimento do recurso. Mesmo não sendo

objeto direto do agravo, o relator verifica que houve o decurso do prazo de 180 dias

da blindagem, no caso concreto. Já que a lei assegura ao devedor a permanência

dos bens essenciais somente no referido período protetivo, resolveu-se cassar a

liminar dada em segunda instância, permitindo que o agravado prosseguisse com a

busca e apreensão.

Em combate à observação, o voto vencido do Desembargador Manoel Justino

Bezerra Filho aduz que, no momento do julgamento, não se conhecia o estado do

processo, “pois nada comprova nestes autos que não tenha sido já deferida a

recuperação ou eventualmente os autos estejam em situação totalmente diversa,

considerando que em 10.02.2010 terminaria o prazo de 180 dias”. Tendo em vista

82

TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.09.325897-8, Rel. Des. Melo Bueno, julgado em 24/05/2010.

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84

que a lei não estende a blindagem do devedor para além do prazo, mesmo que haja

a concessão da recuperação, o argumento dissidente tende a perder sua força.

Quando se concede judicialmente a recuperação, pressupõe-se que houve a

aprovação de um plano de reestruturação de dívidas negociado no prazo da

blindagem, extinguindo-se total ou parcialmente os créditos habilitados no processo.

No entanto, como o crédito garantido por alienação fiduciária está excepcionado

desse efeito (art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005), a princípio, não se poderia admitir

que houvesse alguma relevância no fato de haver, ou não, a concessão da

recuperação. Para que fosse obstado o prosseguimento da ação, o crédito garantido

em alienação fiduciária deveria ser extinto por outra forma (pagamento ou novação

individualmente negociados, por exemplo), o que poderia ser analisado em primeira

instância, mediante provocação da parte interessada.

Nota-se que outro acórdão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, por

unanimidade, reafirma a irrelevância da concessão da recuperação judicial como

elemento que possa estender a proteção contra a busca e apreensão de bem

alienado fiduciariamente.83

Por fim, é interessante notar a crítica do Desembargador Manoel Justino

Bezerra Filho à disposição legal, que favorece o capital financeiro, em detrimento da

viabilidade de eventual plano de recuperação84. No Agravo de Instrumento nº

990.10.081618-7, o colegiado debruçou-se sobre decisão de primeira instância que

indeferia busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, ainda que já

houvesse transcorrido o prazo de 180 dias.

Embora o voto condutor tenha se direcionado para a reforma da decisão

recorrida, observa-se, da parte do relator, a manifestação de contrariedade às

83

A agravante tinha, pois (como se estabeleceu na decisão de fl. 134 que concedeu a suspensividade requerida), direito de permanecer com os bens alienados fiduciariamente, enquanto durasse o prazo de 180 de suspensão, a que se refere o § 4º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005. Esse prazo já escoou. O direito da agravante foi preservado. Diante do exposto, dou provimento ao recurso para ratificar a decisão de fl. 134, que permitiu à agravante permanecer com os bens alienados fiduciariamente enquanto durasse o prazo de 180 dias, previsto no § 4º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005. Esclareço que esse prazo já terminou e que, portanto, os efeitos da medida concedida por este relator, à fl. 134, já cessaram (TJSP, 29ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 992.09.079719-0, Rel. Des. Luís de Carvalho, julgado em 17/03/2010). 84

TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.10.081618-7, Rel. Des. Manoel Justino de Bezerra Filho, julgado em 24/05/2010.

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85

disposições legais, como se houvesse uma espécie de incoerência interna na lei de

recuperação85. De um lado, a lei sujeita credores quirografários e trabalhistas a

participar dos custos da recuperação empresarial, alavancada pelo princípio da

preservação da empresa. Por outro lado, fornece um atalho para credores de

financiamentos bancários passarem ao largo da turbulência sob o fundamento da

política econômica de redução dos juros, o que vem sendo questionado por alguns

autores.86

No Agravo de Instrumento nº 990.09.363923-8, o colegiado examina a

validade de alienação fiduciária de sacas de milho, dadas por sociedade avícola, no

intuito de assegurar crédito, no valor de R$ 960.000,00. Em especial, a devedora

encontra-se em recuperação judicial e a discussão gira em torno da validade do

negócio que alienou bens em garantia, perpassando pela noção de essencialidade.87

No entendimento do relator vencido, Desembargador Carlos Alberto Garbi, o

problema se resolve, sem se recorrer aos dispositivos da Lei 11.101/2005. Para ele,

trata-se de invalidade da alienação fiduciária, tendo em vista que o objeto da

garantia cuidava-se “de coisa móvel fungível, de utilização e consumo do devedor”,

sendo “forçoso reconhecer que o credor não tem de fato uma garantia ou direito real

sobre a coisa a legitimar a busca e apreensão, limitando-se o seu direito a um

crédito de sacas de milho”.

Complementa o raciocínio, afirmando que o caso não se trata de execução de

garantia, mas sim de uma simples dívida. Observa, enfim, que o credor não teria “as

prerrogativas do direito real, especialmente a sequela”.

Apesar de reconhecer que a alienação fiduciária pode recair sobre bens

fungíveis, sobretudo após a edição da Lei 10.931/2004, o relator recusa a validade

do negócio, quando o objeto da garantia incide sobre bens de “utilização e consumo

do devedor”, o que acaba descaracterizando o direito de propriedade e seus

85

Pode-se – e deve-se – criticar a disposição legal, que ao que parece preocupou-se mais com o favorecimento ao capital financeiro do que propriamente com a possibilidade de recuperação da sociedade empresarial; no entanto, a lei está posta e, pelo menos por ora e nestes autos, não se vislumbra possibilidade de decisão diversa. 86

KATUDJIAN, Elias. Pela (re)inclusão dos créditos excluídos da recuperação. Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 50. 87

TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.09.363923-8, Rel. Des. Viana Cotrim, julgado em 28/04/2010.

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86

pressupostos, como o direito de sequela. Por essa visão, se o milho se constitui em

insumo na atividade de criação de aves, não se pode conceber que possa ser

alienado em garantia, uma vez que será usado no ciclo produtivo do devedor.88

Em sentido contrário, o relator designado, Desembargador Vianna Cotrim,

pondera pela validade do negócio. Conforme evidenciado pelo voto vencedor, a

sociedade devedora subscreveu documento em que os sócios declaravam a

intenção de alienar as sacas de milho, afirmando que “os bens dados em garantia

estão dentro do prazo de validade e não estão incorporados ao ativo permanente da

empresa”.

É interessante notar que bens do ativo circulante são destinados ao consumo

ou à comercialização, não sendo compatíveis com a preservação no estoque, sob

pena de se criar entraves inviabilizadores da atividade empresarial. Dessa maneira,

soa incoerente a afirmação de um direito de propriedade sobre um bem que pode

ser consumido ou negociado com terceiros, sem haver o direito de sequela,

conforme destacou o voto vencido.

Por outro lado, o entendimento prevalecente observa a necessidade de se

aplicar o princípio da boa-fé objetiva no cumprimento dos contratos, destacando que

o recurso “quer principalmente, que se aplique o prazo suspensivo de 180 dias das

ações e execuções previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005”. Ao fazê-lo, o

devedor reconhece a validade do negócio de alienação fiduciária, reforçando o teor

da cláusula contratual de alienação fiduciária.

Contra esse entendimento, a divergência expõe que o desequilíbrio entre

instituições financeiras e tomadores de crédito é um traço evidente das relações de

mercado modernas. Diante do caráter adesivo das disposições contratuais, a boa-fé

objetiva não poderia ser usada em favor do credor bancário.

88

É de se destacar os seguintes trechos do voto ora referido: Para a validade da garantia, é imprescindível que o bem não tenha destinação específica e prioritária no desenvolvimento e na manutenção da empresa. O bem não pode ter afetação, ou seja, não pode estar vinculado de maneira direta e imediata à atividade essencial da empresa, como acontece no caso dos autos. [...] O defeito, portanto, não está propriamente na fungibilidade dos bens, mas na sua essencialidade ao negócio desenvolvido, pois a garantia nesses casos passa a recair sobre a própria pessoa do devedor, uma vez que a busca e apreensão importa na extinção do devedor. Cuida-se do que Teresa Negreiros chamou de “paradigma da essencialidade” (Teoria do Contrato, ed. Renovar, 2002), aplicado à pessoa jurídica. O credor, ao ter em garantia bem essencial, passa a ter o poder de vida e morte sobre o devedor.

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87

Como se pode notar do debate empreendido neste agravo, verifica-se que o

tema da essencialidade pode extrapolar os contornos da recuperação judicial. Se o

entendimento esposado pelo voto vencido pudesse se converter em jurisprudência

dominante algum dia, os bancos, em qualquer caso, não poderiam contar com bens

essenciais à atividade empresarial como fonte de garantia.

Por outro lado, o próprio Ministério Público paulista reconhece a validade da

oferta de garantia pactuada sob condições semelhantes às relatadas no acórdão

examinado. O voto vencedor no Agravo de Instrumento nº 990.10.005043-5 acolheu

integralmente o parecer ministerial que ressaltava que a recuperanda “ofereceu bens

de sua fabricação (jogos de jantar, chá e café, açucareiros, bules, cafeteiras, leiteira,

xícaras de café – fls. 241), como garantia da dívida a que se obrigou”. Na visão do

parquet, o argumento de que esses bens integram os estoques, afastando a

validade da garantia, seria uma forma da devedora alegar sua própria torpeza, o que

é defeso pelo ordenamento jurídico.89

89

TJSP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Agravo de Instrumento nº 990.10.005043-5, Rel. Des. Romeu Ricupero, julgado em 01/06/2010.

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88

5 A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO CRÉDITO NA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL: FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E SUSTENTABILIDADE

EMPRESARIAL

Neste capítulo, será analisado o papel da Lei de Recuperação de Empresas

(Lei 11.101/2005), a sustentabilidade, a função social e a segurança jurídica, em

relação à empresa em crise, bem como as crises nas quais tal entidade poderá estar

mergulhada.

A recuperação judicial objetiva a superação da crise empresarial, permitindo a

continuidade da atividade econômica para evitar a falência, tendo por finalidade, nos

termos do art. 47 da Lei 11.101/2005, a manutenção da fonte produtora, do emprego

dos trabalhadores e do interesse dos credores no intuito de promover a preservação

da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A Lei 11.101/2005 apresenta dispositivos legais que exigem a aplicação

ajustada pela doutrina e pela jurisprudência para o efetivo atendimento à finalidade

prevista em seu art. 47, de forma a assegurar os fins previstos para a recuperação

judicial, em especial a preservação da empresa e os seus fins sociais. Nesse

contexto, o direito do credor deve ser compreendido no âmbito da recuperação

judicial, analisando-se os demais fatores envolvidos, não parecendo adequada a

interpretação literal e isolada de qualquer dispositivo da Lei 11.101/2005.

5.1 A SUSTENTABILIDADE E AS CRISES NA EMPRESA

Com o objetivo de evitar a crise definitiva irreversível e que só terá como

caminho a falência, o proprietário deve se precaver, e observar se se fazem

presentes alguns indícios de crise que podem ocorrer. O empresário, segundo J.

Lobo:

[…] pode e deve, a partir dos primeiros sinais de perigo, preparar-se para ajuizar a ação de recuperação judicial e propô-la a tempo e hora, evitando

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89

que se aproxime célere o estado pré-falimentar ou falir de seus negócios e a debacle de sua empresa.

90

Há alguns sinais de alerta para o empresário (controlador, diretor,

administrador, sócio ou acionista) e também para os seus credores, em relação à

eventual crise da empresa que está por acontecer. Primeiramente, cabe pôr em

relevo o fato de que os proprietários devem ter ampla visão a respeito da crise. A

efetiva resolução dos problemas pode ser caseira, estando as medidas a serem

tomadas ao efetivo alcance da mão do proprietário. Assim, Jorge Queiroz adverte:

[...] é inquestionável a necessidade de agir preventivamente e estar atento aos sinais de alerta, pedindo ajuda em tempo hábil, uma vez que é a alternativa mais eficaz e econômica. Um dos maiores pecados capitais dos empresários é pedir ajuda quando já é tarde demais.

91

A experiência brasileira demonstra que recuperações na esfera judicial não

são muito animadoras. Apesar dos avanços introduzidos com a Lei 11.101/2005 esta

corresponde a um instrumento jurídico de intenções; sua eficácia irá depender dos

operadores da justiça e do direito, além das partes envolvidas. Sua eficácia

demandará, sem dúvida, uma mudança cultural, na linha até aqui exposta.

O empresário precisa ter uma posição, por assim dizer, eminentemente

preventiva, cercando-se de profissionais habilidosos, a fim de detectar eventual crise

e não permitir que tome proporções irremediáveis, fato que, inexoravelmente, ocorre,

em relação às empresas nacionais. Com efeito, uma boa gestão da empresa é

imprescindível para evitar a crise e, sendo o caso, pedir a tutela estatal a tempo de

acudir a atividade desenvolvida. Caso a empresa não tenha uma visão estratégica,

certamente deixará de adotar a palavra aperfeiçoamento. Os proprietários, desde o

momento em que assumem as responsabilidades inerentes ao negócio, também

devem ter em mente o princípio da escassez e da necessidade; devem ter ciência de

que crises poderão surgir ao longo do percurso e somente serão mantidos no

mercado concorrente, caso se utilizem de estratégias comerciais, não raras vezes

preventivas.

90

LOBO, J. A Empresa: Novo Instituto Jurídico. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 795, a. 91, jan. 2002, p. 81-93. 91

QUEIROZ, J. Prevenção de Crises e Recuperação de Empresas. In: OLIVEIRA, F.B. de (Org.). Recuperação de Empresa: uma múltipla visão da nova lei. São Paulo: Pearson Education do Brasil,

2006, p. 8-20.

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90

Grande parte das empresas tem um momento de inequívoca subida no

mercado, e permanecem em tal situação por um determinado momento, e tal lapso

temporal dependerá muito da habilidade dos empresários.

Faz-se necessário a busca por estratégias positivas e éticas, a fim de manter

a empresa no mercado, não olvidando do princípio da dignidade humana,

valorizando, também, o trabalho humano, não deixando de produzir com qualidade e

prestar serviços que estejam com os padrões exigidos.

Por outro lado, caso a crise apareça, deverá o administrador ter uma ampla e

completa visão a respeito da situação econômico-financeira da entidade, para

buscar, ainda quando há tempo, sair dessa crise.

Ao perceber, por exemplo, que seus ativos não obtêm razoável preço no

mercado, ou que a clientela se afasta, poderá o devedor tomar medidas enérgicas, a

fim de mitigar os prejuízos advindos. Ainda, verificando que a empresa está se

descapitalizando, sendo obrigada a vender bens do ativo permanente, ou mesmo

sendo obrigada a, reiteradamente, solicitar empréstimos bancários, a juros elevados,

também é um efetivo sinal de crise.

Em todas as situações que possam afetar o regular andamento da atividade

econômica, o empresário deverá agir com ética, ter uma conduta reta e pensar que

todas as empresas, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, prestarão

suas contas à sociedade organizada, se estiver, efetivamente, instalada em um

regime democrático. Há crises anunciadas, previsíveis (e o exemplo concreto é a

crise internacional, que acaba chegando ao país) e também há crises imprevisíveis

(até anos atrás, poder-se-ia argumentar em torno da estabilidade da moeda norte-

americana em relação à brasileira, mas não mais se permite pensar desta forma),

como a quebra de importante maquinário, imprescindível à realização de

determinada atividade.

Para tanto, a empresa deve estar minimamente preparada para enfrentar os

problemas. Prever a crise e montar planos de administração e reestruturação são

medidas que se impõem àqueles que se aventuram como empreendedores, no

mercado globalizado e competitivo.

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91

Quanto ao universo de credores, estes também poderão detectar a crise, e

alertar o devedor quanto aos rumos dos negócios. Quando este, por exemplo, aliena

ativos e ainda mantém a plena posse; quando existem sucessivas entradas e saídas

de sócios do contrato social, sem que se confira o efetivo pagamento das quotas

sociais; quando a empresa devedora contrai sucessivos empréstimos bancários, ou

mesmo quando entrega valores aos administradores também a título de empréstimo;

quando os credores detectam que os balanços contábeis do devedor não expressam

a realidade da empresa; quando os próprios credores começam a questionar a

postura da empresa, dentre outras hipóteses. Nesses casos, a empresa poderá

estar em crise, propriamente dita, competindo ao próprio mercado auxiliá-la, quando

possível.

A solução de mercado, portanto, poderá ser a mais correta e consentânea

com a realidade, especialmente quando o credor detectar a crise do devedor, na

justa medida em que o favor legal não pode ser requerido, senão pela própria

empresa ou empresário.

Portanto, a crise da empresa, importa, e muito, a toda a sociedade brasileira,

pois os reflexos de tal crise trazem efeitos bastante deletérios a todas as pessoas,

inclusive aos cidadãos consumidores e aos trabalhadores. Mas também existe

preocupação, quando a entidade atravessa momento delicado e sua crise ainda tem

alguma salvação, via Estado.

Em ocorrendo o pedido de recuperação judicial, certamente, é porque a

empresa passa por uma determinada crise financeira, por exemplo, e não dispõe de

recursos financeiros suficientes para honrar dívidas livres e anteriormente assumidas

pelo devedor. A crise financeira pode decorrer da ausência de liquidez da empresa

deficitária para honrar os compromissos.

Em resumo, o fato de a empresa não dispor de numerário suficiente para

depositar em juízo, quando se tratava de pedido de falência formulado pelo

legitimado, era sinal de que a crise financeira estava mais do que patente. Esta crise

levava o devedor a ter intransponíveis dificuldades de honrar as obrigações

livremente assumidas, criando risco, efetivo, de ser decreta a falência, ainda mais

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92

quando inexistia qualquer limitador numérico, quando se tratava de dívida líquida e

impaga a tempo e modo devidos.

Mas, analisando a situação de forma bastante prática, dificilmente uma

empresa em crise conseguirá honrar as dívidas pré-existentes, e, entregando ao

banco duplicatas para cobrança, certamente que sofrerá efeitos talvez deletérios.

Caso ingresse em processo de recuperação judicial, dificilmente o banco entregará

em juízo qualquer título de crédito e continuará descontando normalmente as

cártulas. Aliás, no mundo da tecnologia, não mais se fala em duplicata física.

As operações bancárias, quase que na sua totalidade, são online e inexistem

papéis para desconto, considerando a dinâmica do mercado financeiro.

Pior ainda, será o caso quando tratar de empresa em crise que assume

financiamento bancário, entregando ao banco determinado bem móvel para

garantia.

Nesse passo, dificilmente poder-se-á falar na implantação de mecanismos

jurídico-econômicos, em sede de reorganização judicial da empresa, se

determinados credores são, a bem da verdade, deixados de lado, e trafegam em via

livre para a busca dos bens que lhes foram entregues, em garantia, pelo devedor. Já

aí é possível vislumbrar um certo desequilíbrio entre tais credores e outros que não

detêm, muitas vezes, qualquer garantia fiduciária em mãos, bastando citar como

mero, mas efetivo exemplo, o caso do trabalhador de chão de fábrica.

A queda de faturamento da empresa pode ocorrer em consequência da

retração de vendas ou prestação de serviços, considerando até e principalmente a

concorrência, inclusive com produtos chineses. No âmbito das grandes corporações,

também pode ocorrer a diminuição de pedidos relativos a produtos que o mercado

não mais deseja consumir, e isso também gera a crise econômica.

Novamente, segundo Francisco Cardozo Oliveira, as crises econômicas e

sociais:

No modelo de economia capitalista, resultam antes do descontrole das decisões tomadas no âmbito da atividade empresarial, do que propriamente de uma política essencialmente estatal, tomada a ideia de estatal na forma de interesse do Estado ou da sociedade globalmente considerada, até

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93

porque a dinâmica de acumulação de capital praticamente não deixa esfera social autônoma. A tendência é a de reduzir a socialidade à forma mercadoria.

92

Entende-se que, dificilmente, uma empresa, que atravessa crise, terá

condições de manter-se no mercado, cumprindo fielmente com suas obrigações,

observando o plano de recuperação judicial e ainda com sustentabilidade.

Crê-se que uma empresa em crise, esteja ou não sob o processo de

recuperação judicial, previsto na Lei 11.101/2005, dificilmente conseguirá reunir

forças econômico-financeiras para se manter no mercado de forma sustentável, e

certamente alguém pagará a conta pela mantença de tal empresa em tal mercado,

mantença essa que será levada a efeito de forma deficitária.

A Lei 11.101/2005 se tornou mais rigorosa em relação aos requisitos para que

o devedor possa requerer os benefícios da recuperação judicial. Além de tais

requisitos, devidamente expressos nos artigos 48 e 51, poderão ainda ser

considerados outros, que aqui são rotulados como éticos, e caso o intérprete

considere como válidos, todos aqueles elencados, no decorrer da presente

dissertação. Então, percebe-se que não será toda e qualquer empresa em crise que

poderá valer-se da recuperação judicial, caso se observe não somente a lei, mas

toda a atividade econômica exercitada pela entidade.

O fato é que a lei impõe sérias obrigações ao devedor em crise, e agora já

ultrapassando, por assim dizer, a fase pré-reorganizacional. Caso o juiz determine o

processamento da recuperação judicial, o devedor estará compelido a cumprir

determinadas obrigações, e dificilmente terá fôlego para observar todas as demais

que giram em sua contabilidade.

O plano de recuperação, caso seja sério, consistente e devidamente

consentâneo com a realidade, é o mais importante documento pós-reorganização.

Dele constará quais são as pretensões da empresa para fins de reorganização. A

empresa terá um olho na sua atividade diária e outro naquilo que se comprometeu

perante o juiz da causa. Há um detalhe deveras importante, e que cabe ser aqui

92

OLIVEIRA. F. C. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD, J.; TONIN, M.M. (Coord.). Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004,

p. 113-126.

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94

ressaltado. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, não poderá o

devedor, de forma alguma (em tese) alienar ou onerar seu patrimônio, ou mesmo

direitos de seu ativo permanente, sob pena de falência (também em tese).

Evidente que a interpretação sistemática do artigo 66 da lei leva a uma

conclusão indelével: pode ocorrer a venda de ativos, caso o comitê de credores

fique a par e concorde, isso quando houver o comitê. Em caso negativo, o fato deve

ser considerado pelo administrador judicial e decidido pelo juiz. Isso, sem dúvida

alguma, se resume em problema para a empresa em crise, que não poderá valer-se

do patrimônio existente, já que nada mais é do que a garantia de todos os credores.

Não se concebe, assim, a ideia de que a empresa em crise terá condições

salutares de cumprir suas obrigações diárias; honrar os compromissos assumidos

com credores posteriores ao favor legal; cumprir com todas as obrigações

assumidas no plano e ainda ter sustentabilidade. São situações que dificilmente

chegarão a um mesmo ponto, de modo que a empresa tem o poder-dever de evitar a

crise, buscando manter-se no mercado competitivo de uma forma tendente a cumprir

seu objeto social.

Denota-se que as empresas que concedem créditos para sociedades

empresárias em recuperação judicial possuem crédito extraconcursal, ou seja, caso

a sociedade empresária em recuperação judicial venha a falir, por desrespeito às

exigências legais, quem concedeu crédito para sociedade empresária em

recuperação judicial será credor extraconcursal. A maioria das instituições

financeiras não sabe desta disposição legal e outros, que sabem, negam-se a

conceder crédito da mesma forma, em face dos aspectos acima citados, como o

risco mercantil e o medo de não ter seu crédito satisfeito por circunstâncias adversas

aos requisitos legais.

O mercado, apesar de toda a estrutura que o reveste, ainda não se

sensibilizou pelo instituto da recuperação judicial, vendo neste a ideia antiga da

concordata, onde a fraude era visível e degenerativa, cominando em uma desilusão

hipotética empregada ao novo instituto.

Deve-se amplamente divulgar o instituto da recuperação judicial no Brasil às

inúmeras sociedades empresárias que vêm a encerrar suas atividades empresárias,

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95

ou por não conhecerem o instituto em tela, ou por respaldo à nova Lei 11.101/2005 e

seus objetivos.

5.2 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A Constituição Federal de 1988 não pode ser considerada como o primeiro

texto a tratar da função social. De fato, consoante adverte Gustavo Tepedino, “o art.

147 da Carta Política de 1946 já estabelecia que o uso da propriedade seria

condicionado ao bem-estar social”93. E o mesmo autor ainda assevera que: “a

Emenda Constitucional de 1969, em seu art. 160, III, também dispunha que a ordem

econômica e social tinha por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça

social, com base em princípios, dentre os quais o da função social da propriedade”.94

De fato, consoante bem esclarece Tepedino:

A rigor, foi a norma constitucional de 1946 que expressou, pela primeira vez, a preocupação com a função social da propriedade, na esteira de copiosa legislação intervencionista que caracterizou os primeiros passos do Estado assistencialista e da socialização do direito civil.

95

A Constituição Federal de 1988, de fato, enfatizou ainda mais o aspecto

relativo à função social da propriedade. Ainda, o Código Civil de 2002 também

dispôs a respeito da função social da empresa, especialmente em seu artigo 1228.

Prevendo que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as

suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o que estabelece a lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada

a poluição do ar e das águas.

Diante de tais aspectos, cabem algumas ponderações a respeito dos

palpitantes temas condizentes com a sustentabilidade e a função social da

propriedade.

93

TEPEDINO, G. Tema de Direito Civil. 3. ed. ver. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 306. 94

Ibid., 2004, p. 323. 95

Id., 2004, p. 324.

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96

O desenvolvimento sustentável de uma empresa tem ligação direta com uma

postura séria, ética e moral, perante a coletividade, o meio ambiente e o próprio

Estado, em última instância. E nesse passo, adverte Francisco Cardozo Oliveira:

Existe, portanto, um compromisso ético-social da empresa com a comunidade que precisa ser mensurado pela contabilidade e traduzido nas taxas de lucros esperados pelos investidores. Este compromisso ético-social, na linha dos interesses não proprietários envolve diretamente consumidores e trabalhadores e, de forma mais ampla, os membros da comunidade em geral.

96

Contudo, para falar em sustentabilidade da empresa se torna necessário,

antes, verificar se está ela cumprindo suas obrigações de forma ética e moral,

contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da sociedade de pessoas na

qual se insere. A sustentabilidade tem, pois, relação direta e visceral com o

cumprimento do objeto social da empresa, que, procurando manter-se no mercado,

também busca reproduzir-se com responsabilidade social.

Contanto que a empresa cumpra, na medida do possível, com sua

responsabilidade social, buscando, por exemplo, a verdadeira inclusão social dos

menos favorecidos, contribuindo para a erradicação senão total pelo menos de

forma parcial, da pobreza e da marginalização do ser humano, a teor do art. 3º,

inciso III da Constituição Federal; não aguilhoe o ecossistema e ainda contribua para

o crescimento da nação, certamente que obterá sucesso nos seus negócios e ao

mesmo tempo contribuirá para o desenvolvimento social-econômico do Brasil.

O tema condizente com a função social não é uníssono, pelo menos na

doutrina nacional. De um lado, os pensadores esposam o entendimento de que

existe a função social da empresa, embasando seus assertos justamente na

Constituição Federal, quando trata da função social da propriedade; e de outro lado,

há pensadores que entendem que em função social da empresa não se pode falar,

no rigor da terminologia adotada. O presente escrito se presta a apresentar, mesmo

que de forma resumida, as linhas de argumentação, sem estabelecer qualquer

diretriz quanto a um posicionamento preciso, em relação à função social da

96

OLIVEIRA. F. C. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD, J.; TONIN, M.M. (Coord.). Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004,

p. 113-126.

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97

empresa.

Para Francisco Cardozo Oliveira:

Ainda que seja controvertida a possibilidade de se pensar a funcionalização da atividade empresarial, não deixa de ser viável, do ponto de vista jurídico, conceber a ideia de que a empresa, que é forma de exercício do direito de propriedade, carrega da propriedade elementos de função social. Esta funcionalização se manifesta através da responsabilidade social da empresa pela redução das desigualdades.

Acrescenta, ainda:

A ideia de função social contempla uma atividade por parte do proprietário tendente a concretizar, na realidade social e histórica, determinando objetivo homogeinizador, integrado à ordem jurídica, que qualifica o modo de apropriação de bens, notadamente, de bens de produção. A função social, todavia, é mais ampla que a função econômica. A funcionalização inscreve na concretude das relações sociais e de produção uma dinâmica que busca realizar objetivos de justiça social. O conteúdo finalístico do direito de propriedade e da posse obriga o proprietário e o possuidor na relação social e jurídica concreta com os não proprietários e os não possuidores.

97

Muito embora não exista consenso a respeito da função social da empresa, e

independente do rótulo que se queria apresentar, entende-se que ela, por ser

fundamental à economia e à própria sociedade como um todo, tem papel relevante

no seio da comunidade na qual se insere e sua atividade produtiva interessa ao

país. Logo, afastar pura e simplesmente tal fato, aí sim é fechar os olhos a uma

realidade mais palpitante. Não obstante o fato que o mundo vive, em pleno século

XXI, uma era de economia globalizada, é imperioso destacar que a empresa

capitalista deve procurar, sim, o lucro, pois é ínsito à atividade econômica, mas

também deve procurar se reproduzir, buscando a perenidade, mas também com um

olhar no princípio da dignidade humana.

Desta forma, a empresa passará não só a ser uma entidade importante como

também desenvolverá uma atividade compatível com o que é buscado pela própria

Constituição Brasileira, ou seja, terá um enfoque também em relação ao social.

Ressalta-se que as finalidades de função social do contrato, não dizem

97

OLIVEIRA. F. C. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p. 243-244.

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98

respeito a simples minimização de riscos empresariais e de mercado; a associação

entre finalidades de função social e variáveis de riscos precisa considerar que,

conforme assinala Ulrich Beck, “nas sociedades industrializadas os riscos são

produzidos e o problema está no modo como são repartidos os problemas e os

conflitos disso derivados”. Nesse contexto, o papel do direito acaba sendo o de

encontrar meios para enfrentar os problemas decorrentes do risco produzido, o que

não significa, obviamente, assumir o risco como paradigma para a concretização de

ideais de justiça; neste aspecto, ao invés do risco, o elemento determinante deve ser

o solidarismo, nos termos do que está disposto na Constituição da República.

Para Francisco Cardozo Oliveira e Ligia Neves da Silva:

O alcance do princípio da função social do contrato deve ser objetivamente mensurado em torno de duas finalidades: a de assegurar acesso a posições proprietárias, tendo em conta a redução de desigualdades sociais que está na base do princípio de solidariedade inscrito no texto da Constituição, e o de resgatar o papel do trabalho na construção da socialidade.

98

Assim, no plano jurídico, pela tutela das finalidades de função social do

contrato, será possível resgatar o valor e a valorização do trabalho, em

conformidade com o disposto no inc. IV do art. 1º e do art. 170, caput, da

Constituição da República.

5.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana Preservada pela Manutenção do Crédito da

Empresa

A expressão dignidade da pessoa humana está relacionada com valores

humanos, que levam em consideração um tratamento de igualdade, humanitário,

visando a erradicação de desigualdades sociais. Nos dizeres de Luiz Roberto

Barroso, no prefácio da obra de Ana Paula de Barcellos:

A dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um

98

SILVA, Ligia Neves e OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Possibilidades de uma análise econômica do princípio da função social do contrato: trocas, acesso às posições proprietárias e ao trabalho. Direitos Fundamentais & Justiça. Rio Grande do Sul: HS. Editora, a. 5, n. 16, p. 182-203, jul./set 2011.

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99

respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ela representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.

99

A previsão está no art. 1º da Constituição Federal100, que prevê que a

República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem

como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa

humana.” A disposição é expressa e efetivamente demonstra a preocupação do

legislador em cuidar da matéria, colocando a questão como um dos fundamentos do

Estado Democrático de Direito, sem se olvidar que, quando da promulgação da

Constituição Federal de 1988, o país passava a respirar ares democráticos, após

mais de duas décadas vivendo sob a égide do regime ditatorial.

Segundo Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr:

A dignidade da pessoa humana é considerada base de nosso regime jurídico, tendo o legislador constitucional conferido o status de fundamento do Estado brasileiro. Disso decorre que a sua observância deve ser geral e irrestrita. Associada à dignidade da pessoa humana está o respeito aos direitos subjetivos do indivíduo, que permeia valores que representam os sentimentos mais internos, os direitos fundamentais, direitos estes que se espalham em nossa legislação. A própria Constituição Federal tutela diversos direitos, com princípios que devem ser observados.

Para analisar o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado como

o princípio mais importante da Constituição Federal de 1988, faz-se necessário

traçar um paralelo entre valor, princípio e regra constitucional.

Assim, Ronald Dworkin divide a norma em duas espécies: regras e princípios.

Entende os princípios como espécies de normas que não expressam diretamente a

direção a ser tomada e que se aplicam, conforme uma dimensão de peso ou

relevância – em caso de conflito – sendo o preponderante aplicado, ao contrário das

99

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. São Paulo: ed. Renovar, 2002, prefácio. 100

SÉLLOS-KNOERR, Viviane Coêlho de; OLIVEIRA, Eloete Camilli (Coord.). Dignidade humana e organização social: coletânea 4. Título independente. 1. ed. Curitiba: Clássica Editora, 2013. ISBN

978-85-99651-71-1, p. 305.

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100

regras, que são aplicadas disjuntivamente, na base do tudo ou nada.

Assim, para Dworkin, há duas distinções básicas. A primeira é lógica.

Segundo ele:

Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.

101

Isto quer dizer que, se duas regras entram em conflito, uma delas não será

válida. Elas se aplicam na base do tudo ou nada, e a definição de qual a regra a ser

aplicada não se encontra nela, mas sim no próprio sistema jurídico (hierarquia,

especialidade ou posteridade da regra prevalecente).

De outro lado, em casos difíceis, nos quais não há regra para solucionar a

questão ou, havendo, conflitam entre si, o juiz não pode decidir com base em sua

discricionariedade, como queriam os positivistas (incluindo Kelsen), mas sim nos

princípios. E estes funcionam de maneira diferente. Primeiramente, não se prevê

uma consequência específica quando de sua aplicação, mas serão o fundamento

para a decisão judicial em concreto que se tomar, seja ela qual for, especificamente.

E possuem uma dimensão de peso que as regras não possuem.

Assim, quando dois princípios colidem, ambos são levados em consideração,

como válidos, para se chegar ao preponderante, conforme o peso de cada um

naquela situação.

Robert Alexy concorda com Dworkin em que, tanto as regras, quanto os

princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Porém, enquanto

Dworkin afirma que os princípios são, no caso concreto, levados em conta apenas

como razão que se inclina a uma ou outra direção, para ele os princípios:

Son normas que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de optimizacion, que están

101

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 24.

Tradução livre: “As regras são aplicáveis de uma maneira tudo ou nada. Se a situação estipulada na regra se der, então essa regra é válida, e neste caso a resposta fornecida precisa ser aceita, ou não, e neste caso não contribuiria em nada para a decisão”.

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101

caracterizados poel hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de sucumplimiento no sólo depende de las possibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.

102

Assim, os princípios, como mandados de otimização, se aplicariam da melhor

maneira possível, ainda que em diferentes graus.

Já a diferença entre regra e princípio é qualitativa, e não de grau (maior ou

menor generalidade).

A solução em um conflito de regras pode ser estabelecida de duas maneiras:

a) declarando inválida uma das regras ou b) introduzindo, em uma das regras, uma

cláusula de exceção, que elimina o conflito. Ou seja, o conflito de regras se dá na

dimensão da validade; o conflito de princípios se resolve com base no valor

preponderante.

Ambos os institutos se complementam, no sistema do Direito. Os princípios,

porque – em razão de sua maior abertura – conferem uma plasticidade maior ao

sistema jurídico e à Constituição, como topos normativos, facilitando-lhe a adaptação

às mudanças sociais. Ademais, porque trazem forte carga valorativa, nutrem o

ordenamento com conteúdos éticos – reconhecidamente, hoje, essenciais. Por outro

lado, as regras asseguram maior segurança e estabilidade à ordem jurídica,

principalmente em uma sociedade de riscos, onde o que é verdade hoje já não se

garante mais amanhã, numa curva geométrica de aceleração dos acontecimentos.

Princípios sem regras geram insegurança e incerteza. Regras sem princípios

ocasionam um inaceitável engessamento diante da realidade social.

Alexy explica que existem três grupos de conceitos práticos: deontológicos,

axiológicos e antropológicos. Os deontológicos são mandados de proibição ou

atribuição de um direito a alguém (um dever-ser). Os conceitos axiológicos se

102

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de estúdios

constitucionales, 1997, p. 83. “São normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos” (Op. cit., p. 86).

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102

caracterizam não por expressar o que deve ser, mas sim o que é bom. Assim,

utilizam-se os conceitos axiológicos quando se considera algo sob o prisma do belo,

do democrático, do social ou do Estado de Direito, por exemplo. Já os conceitos

antropológicos são os de vontade, interesse, necessidade, decisão e ação.

Os princípios são ordens de um determinado tipo, mandados de otimização,

pertencendo ao mundo deontológico. Já os valores constituem uma relação entre

um ou vários critérios, estabelecendo, tão somente, o preferível. Assim, o que é, no

modelo dos valores, bom, é o no modelo dos princípios, devido. Portanto, o primeiro

enunciado é deontológico; o segundo, axiológico; e o terceiro, antropológico.

À vista de Jügen Habermas:

As normas possuem um sentido deontológico (que comportamento se deve adotar). Os valores, teleológico (o que melhor de se buscar) e axiológico (o que é bom). As normas, quando válidas, obrigam seus destinatários, sem exceção. Os valores devem ser vistos como preferências compartilhadas intersubjetivamente. Os valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas, podendo ser realizadas ou não. As normas são binárias, válidas ou inválidas que, em via geral, só aceitam uma resposta sim ou não, ou uma abstenção.

103

Por fim, podemos concluir que, no Direito, os princípios podem conter valores;

mas o inverso não ocorre, visto que os princípios possuem um plus, que é a

dimensão prática do dever-ser, e é exatamente esta que se leva em consideração,

no estudo das normas jurídicas.

O ministro Gilmar Mendes também dispõe sobre princípios e regras de direito

ao afirmar:

Das mais relevantes para a prática do Direito, sobretudo em âmbito constitucional, essa distinção tem como base a estrutura normativo-material dos preceitos que integram a parte dogmática das constituições, com enormes reflexos na sua interpretação e aplicação. [...] Se, por outro lado, adotarmos o critério de Ronald Dworkin, diremos que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e que decorre dos respectivos modos de aplicação.

104

Os princípios transcendem o viés eminentemente ideológico, objetivam a sua

103

HABERMAS, Jügen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1, p. 316-317. 104

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional, 2010, p. 125.

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103

aplicação no mundo real, ou seja, correspondem a uma necessidade e a uma

possibilidade, os quais permitem ao operador do direito a correta integração da

norma jurídica com a realidade.

Assim, dentre os postulados basilares e considerado o princípio mais

importante da Constituição Federal de 1988, o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, responsável pela valorização do homem, pode ser definido, como delimitou

Carlyle Popp como:

Toda a razão da existência da sociedade, da organização do Estado, das preocupações com toda a gama de direitos e deveres, inclusive nos chamados direitos difusos, com a proteção do meio ambiente, resume-se na pessoa humana. É por causa dela que todas estas relações têm alguma razão de ser.

105

O princípio da dignidade da pessoa humana deve nortear o operador do

direito na formulação da legislação constitucional ou infraconstitucional. O bem-estar

do homem, como defende Popp, é base hermenêutica para todo o ordenamento

jurídico e para todas as ações estatais:

Dignidade da pessoa humana não indica somente um dever do Estado, um conteúdo social-programático, mas sim, um norte interpretativo de todo o sistema jurídico, constitucional ou infraconstitucional. Em resumo, não é suficiente para um Estado Democrático de Direito somente ratificar o direito do homem de ser humanidade.

106

Com efeito, as atividades do Estado justificam-se e são legitimadas na

medida em que beneficiam a pessoa humana. O Direito Econômico, os Direitos

Sociais, Políticos, Empresariais, dentre outras vertentes do Direito Positivo, existem,

como explica Jose Afonso da Silva, com a finalidade de proporcionar ao homem e

consequentemente a coletividade, o seu bem-estar.

Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo

105

POPP, Carlyle. Liberdade Negocial e Dignidade da Pessoa Humana; Aspectos Relevantes. In: Nalin, P. R. R.; VIANA, G. B. (Coord.). Direito em Movimento: por Popp & Nalin Advogados. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 62. 106

POPP, C. Liberdade Negocial e Dignidade da Pessoa humana; Aspectos Relevantes. In: Nalin, P. R. R.; VIANA, G. B. (Coord.). Direito em Movimento: por Popp & Nalin Advogados. 2. ed. Curitiba:

Juruá, 2007, p. 64.

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104

para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.

107

Materialmente, a eficácia do Princípio da Dignidade do Homem é o melhor

indicador de justiça.

Diante deste norte principiológico, a Lei 11.101.2005, visando o estímulo à

economia, a manutenção da fonte produtora, a manutenção do pleno emprego (art.

47), apresenta à sociedade uma alternativa à falência empresarial, a recuperação

judicial das empresas.

5.3 REFLEXOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS NO MERCADO

E NO SISTEMA DE CRÉDITO

Reerguer uma sociedade empresária que vem enfrentando dificuldades

financeiras, e que ainda não conseguiu aplicar os seus reais objetivos, que ensejam

a função social da empresa, o bem social coletivo e adequada concorrência

mercantil, mesmo tendo conhecimento de que a Lei 11.101/2005 apresenta muitas

falhas quanto ao instituto da recuperação judicial, onde, por diversas razões, não

tem chamado a atenção do mercado e demais empresas, gera, como consequência,

a retração do mercado em negar crédito para empresas, em benefício deste instituto.

A empresa que enfrenta dificuldades financeiras pode-se restabelecer, se

houver uma solução de mercado, ou seja, as empresas tendem a recuperar-se por

iniciativa de investidores e empreendedores, que identifiquem nelas, apesar do

estado crítico, uma alternativa de investimento que seja atrativo.

Para que se possa identificar uma empresa viável, faz-se mister diagnosticar

a viabilidade da empresa, por meio de pressupostos, indagando-se: existe um plano

de recuperação? Quais os critérios que devem ser eleitos para sua avaliação? Essa

avaliação autoriza a expectativa de êxito do plano? Como custodiar sua

107

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. Edição. São Paulo:

Malheiros, 2005, p. 105.

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105

concretização?

Há parâmetros objetivos para aferição da viabilidade de recuperação

empresarial. São os verdadeiros pressupostos, embora não declarados

expressamente na ação de recuperação judicial, mas são fatores que necessitam

estar presentes, para que a recuperação seja vista como recomendável.

Portanto, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação

judicial, Assim, a empresa deve demonstrar que reúne condições de observar os

planos de reorganização e estas condições serão aferidas, no decorrer do processo

de recuperação judicial.

Como exemplo, temos o processo de recuperação judicial da VARIG, em

trâmite, perante à 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde em junho/2005 a

justiça brasileira deferiu o pedido de recuperação judicial. Com essa decisão, a

empresa teve seus bens protegidos de ações judiciais por 180 dias, dispondo de um

prazo de 60 dias para apresentar um plano de viabilidade e de recuperação a seus

credores. Em dezembro/2005, foi concedida a recuperação judicial, cumpridas as

exigências legais, conforme decisão do Juiz Luiz Roberto Ayoub, nos termos do art.

58, da Lei 11.101/2005.

5.4 AS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS EM FACE DA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL

Com o advento da Lei 11.101/2005, as inovações já trazidas pela legislação

pátria enfrentam inúmeras polêmicas.

Verificam-se, principalmente, na jurisprudência de alguns Tribunais,

confusões acerca do instituto da cessão fiduciária com a do credor de crédito

pignoratício.

Neste capítulo, serão analisadas algumas decisões divergentes dos nossos

tribunais acerca da matéria, com alguns desdobramentos e implicações da não

submissão dos créditos oriundos de cessão ou alienação fiduciária aos efeitos da

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106

recuperação judicial.

Assim, mostra-se fundamental, primeiramente, a distinção dos institutos de

direito, ou seja, não se deve confundir a cessão fiduciária com qualquer outro, a

exemplo de um crédito pignoratício. Com esses elementos, as premissas

necessárias para a conclusão do julgador o levarão a conclusões seguras ao

enfrentar a matéria.

Outra polêmica que merece destaque foi a inovação que opinou pela exclusão

da recuperação judicial dos créditos cedidos fiduciariamente pelo recuperando, por

força do disposto no art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005.

A esse respeito, a partir desse entendimento destoante, posicionou-se o

Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Direito empresarial. Recuperação judicial de empresa. Credor que se apresenta como proprietário fiduciário mas, na verdade, é credor pignoratício. Sujeição dos créditos garantidos por penhor ao processo de recuperação. Legitimidade da decisão judicial que autoriza o levantamento de metade dos recebíveis, liberando tais verbas do mecanismo conhecido como "trava bancária". Aplicação dos princípios da preservação da empresa e da função social do contrato. Recurso a que se nega provimento. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 2009.002.01890 – Relator(a): Exmo. Des. Alexandre Câmara – Data do Julgamento 18/02/2009).

Portanto, a postura de sujeitar parte do crédito cedido fiduciariamente aos

efeitos da recuperação judicial revela ser essa decisão conflitante aos anseios

colocados pela Lei 11.101/2005 pois, ao contrário, busca a dita lei fomentar o

crédito, propiciar melhores condições e negociações calcadas na segurança jurídica,

para a verdadeira viabilização do mercado de crédito, bem como da empresa – não

apenas o da recuperanda mas de todas aquelas, mesmo não estando em processo

de recuperação judicial.

Referida decisão, via de regra, pode inviabilizar o soerguimento de uma

sociedade empresária, propósito precípuo da nova lei de recuperação judicial.

A Lei 11.101/2005 foi inserida no nosso ordenamento, em substituição à Lei

de Falências e Concordatas (Decreto-Lei 7.661/1945). Com o seu advento, observa-

se a nítida intenção do legislador em oferecer ao ordenamento jurídico resposta

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107

efetiva e eficaz, não apenas ao adimplemento dos créditos das empresas em

dificuldades financeiras, como também à viabilidade do prosseguimento da

atividade, empresarial em momentos de dificuldades.

Mostra-se evidente objetivo do legislador em buscar novas possibilidades

para as empresas em dificuldade econômica. E nisso buscou a Lei 11.101/2005, em

diversos de seus dispositivos, dentre os quais se podem exemplificar: a instituição

da recuperação extrajudicial e da judicial; a alteração da classificação dos créditos

na falência; e, por fim, a não sujeição à recuperação judicial dos créditos existentes

na data do pedido, tratando-se o credor titular da posição de proprietário fiduciário

de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente

vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de

irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de

proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.

Assim, verifica-se que, com o não atingimento dos efeitos da recuperação dos

créditos decorrentes de cessão ou alienação fiduciária, abrem-se à empresa

recuperanda novas possibilidades de negócios para viabilizar a realização da sua

atividade fim, além de respeitar a disposição da propriedade fiduciária, uma vez que

os créditos cedidos fiduciariamente representarão um elemento a mais de garantia,

no oferecimento ao mercado para o financiamento da atividade empresarial.

Ademais, revela-se claro o intuito da lei que traz consigo o princípio da

segurança jurídica ao trazer à recuperação judicial tão somente os bens da empresa

devedora, daí a necessidade de se excluir os créditos e bens cedidos

fiduciariamente. Talvez, por essa razão, de modo a não reconhecer referida

distinção, é que também existem opiniões destoantes acerca da disposição contida

no art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005, conforme Bezerra Filho:

[...] ponto que mais diretamente contribuiu para que a Lei deixasse de ser conhecida como "lei de recuperação de empresas" e passasse a ser conhecida como "lei de recuperação do crédito bancário" ou "crédito financeiro", ao estabelecer que tais bens não são atingidos pelos efeitos da recuperação judicial.

108

108

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 9. ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 145.

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108

Também, atente-se ao fato de que a recuperação judicial não deve atingir

propriedade de terceiro, inclusive aquela cedida fiduciariamente.

Em consonância com referido entendimento, verifica-se que o Egrégio

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná vem adotando entendimento diferente do

julgado acima, transcrito do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no

sentido de reconhecer a exclusão dos créditos oriundos de cessão fiduciária aos

efeitos da recuperação judicial, em função do reconhecimento da propriedade

fiduciária – ademais, espera ser esse o entendimento a ser pacificado pelos

Tribunais Superiores:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS - RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO - PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO REPELIDA - CRÉDITO QUE NÃO SE SUBMETE AO PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 49, § 3º DA LEI Nº 11.101/2005 - RETENÇÃO DOS VALORES PELO CESSIONÁRIO NO PERCENTUAL PACTUADO - POSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. 1. [...]. 2. O crédito garantido por negócio fiduciário, especificamente, cessão fiduciária de direitos creditórios não se submete ao procedimento de recuperação judicial da empresa devedora, por expressa previsão legal (art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/05). 3. Recurso conhecido e provido." (PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de Instrumento nº 0472508-8 – Relator(a) Exmo. Dês. Ruy Muggiati – Data do Julgamento 27/08/2008).

Portanto, por força de disposição legal, o crédito de terceiro não deverá

submeter-se aos efeitos da recuperação judicial e, considerando o crédito cedido

fiduciariamente ser de propriedade do cessionário fiduciário, os créditos objeto de

cessão fiduciária não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial, por força

do art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005, podendo, novamente, invialibizar o soerguimento

de uma sociedade empresária.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o crédito garantido por cessão

fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial, conforme abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. Conforme a jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial, uma vez que possui a mesma natureza de

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propriedade fiduciária, podendo o credor valer-se da chamada trava bancária. 2. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1326851 MT 2012/0115252-5, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/11/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2013, undefined).

Outra decisão, a seguir, do Superior Tribunal de Justiça, referente ao

arrendamento mercantil, relacionado à recuperação judicial:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS RESULTANTES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO À RECUPERAÇÃO. 1. Interpretando o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, a jurisprudência entende que os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária - inclusive os resultantes de cessão fiduciária - não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1181533/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 10/12/2013).

Com essa decisão, o Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que crédito

garantido por alienação fiduciária não deve fazer parte do Plano de Recuperação

Judicial, mas sua liquidação deverá ser sindicada pelo Juízo da Recuperação.

Isso porque se deve harmonizar a situação da empresa em crise e as

garantias do credor fiduciário, de modo que os valores recebíveis mediante o

instrumento de cessão fiduciária não sejam simplesmente diluídos para o pagamento

dos outros credores submetidos ao plano, tampouco liquidados extrajudicialmente

pelo credor fiduciário, na satisfação do próprio crédito, sem a interferência judicial.

Assim, os valores deverão ser depositados em conta vinculada ao Juízo da

Recuperação, os quais não serão rateados para o pagamento dos demais credores

e o credor fiduciário deverá pleitear ao Juízo o levantamento dos valores, ocasião

em que será decidida, de forma fundamentada, sua essencialidade ou não, no todo

ou em parte, ao funcionamento da empresa. No caso de os valores depositados não

se mostrarem essenciais ao funcionamento da empresa, deverá ser deferido o

levantamento em benefício do credor fiduciário.

Por fim, outra decisão que merece apontamento com relação aos efeitos da

recuperação judicial e os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente

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como garantia de contrato de abertura de crédito, na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei

4.728/1965, é analisada pela Ministra Maria Isabel Gallotti, em REsp 1.263.500-ES.

A Lei 11.101/2005 estabelece, como regra geral, que estão sujeitos à

recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não

vencidos (art. 49, caput).

Todavia, há alguns créditos que, embora anteriores ao pedido de recuperação

judicial, não se sujeitam aos seus efeitos. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei

11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis

não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, de acordo com o art.

83 do CC/2002, consideram-se móveis, para os efeitos legais, os direitos pessoais

de caráter patrimonial e as respectivas ações.

O § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, após estabelecer a regra de que o

credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis “não se

submeterá aos efeitos da recuperação judicial”, estabelece que “prevalecerão os

direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a

legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a

que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do

devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. Isso, contudo,

não permite inferir que, não sendo o título de crédito “coisa corpórea”, à respectiva

cessão fiduciária não se aplicaria a regra da exclusão do titular de direito fiduciário

do regime de recuperação.

Com efeito, a explicitação contida na oração “prevalecerão os direitos de

propriedade sobre a coisa” tem como escopo deixar claro que, no caso de bens

corpóreos, estes poderão ser retomados pelo credor para a execução da garantia,

salvo em se tratando de bens de capital essenciais à atividade empresarial, hipótese

em que a lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante o qual é vedada a sua

retirada do estabelecimento do devedor.

Assim, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de

bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente

vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de

irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de

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proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se

submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de

propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação

respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se

refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do

devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Portanto, em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, devem ser

excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos que possuem garantia de

cessão fiduciária.

Conforme anteriormente observado, os Tribunais de Justiça do Estado de São

Paulo e do Paraná se posicionam no sentido de que os créditos previstos no § 3º, do

artigo 49 da Lei 11.101/2005, estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial.

Não obstante os entendimentos, o Superior Tribunal de Justiça, em

julgamento inédito, reconheceu a existência de interesse público na preservação da

atividade empresarial, limitando, ainda que provisoriamente, os direitos e garantias

previstos no § 3º do artigo 49 da nova lei de recuperação judicial.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. 1. Em regra, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos da recuperação judicial, consoante disciplina o art. 49, §3º, da Lei 11.101/05. 2. Na hipótese, porém, há peculiaridade que recomenda excepcionar a regra. É que o imóvel alienado fiduciariamente, objeto da ação de imissão de posse movida pelo credor ou proprietário fiduciário, é aquele em que situada a própria planta industrial da sociedade empresária sob recuperação judicial, mostrando-se indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, sob pena de inviabilização da empresa e dos empregos ali gerados. 3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreensão de bem móvel referente à alienação fiduciária, a jurisprudência desta Corte admite flexibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fiduciante " bem necessário à atividade produtiva do réu" (v. REsp 250.190-SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002). 4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo empregado em benefício da coletividade, cumprindo sua função social (CF, artigos. 5º, XXIV, e 170, III), não significa, porém, que o imóvel não possa ser entregue oportunamente ao credor fiduciário, mas sim que, em

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atendimento ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da Lei 11.101/05), caberá ao Juízo da Recuperação Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente avaliação própria dessa instância ordinária. 5. Em exame de conflito de competência pode este Superior Tribunal de Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante e o suscitado. Precedentes. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível de Itaquaquecetuba - SP, onde é processada a recuperação judicial da sociedade empresária.– sem destaques no original.

Analisando os julgados trazidos nesse estudo, infere-se que a tendência

manifestada pela jurisprudência é no sentido de aplicar literalmente o artigo 49, §3º,

da LRF, de modo que o bem essencial à atividade empresarial ofertado como

garantia de suas dívidas deve permanecer na posse da recuperanda apenas no

período de 180 (cento e oitenta) dias, como estabelece o artigo 6º, § 4º, da LRF.

No entanto, não deve ser descartada a possibilidade de afastamento da regra

de exclusão prevista no artigo 49 da LRF, para fins de prevalecer os princípios da

preservação da empresa e função social da propriedade, haja vista a relevância da

atividade empresarial na manutenção da produção e circulação de bens e serviços,

na criação de empregos, na geração de tributos e na contribuição para o

desenvolvimento econômico e social do país.

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6 CONCLUSÃO

Este trabalho pretendeu averiguar se a concessão de crédito para empresas

em recuperação é um instrumento para a efetiva função social e sustentabilidade,

permitindo-lhe permanecer em atividade.

A regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento

histórico relativamente recente, associado que está à passagem do Estado Liberal

ao Estado Social, como fenômeno da socialização do sistema capitalista de

produção, nos albores do século vinte, marcando a transição do liberalismo ao

intervencionismo estatal.

Tem-se, então, que a questão do alcance da análise econômica do direito,

para o efeito de fundamentação dogmática da função social do contrato, deve

considerar pelo menos duas variáveis: no campo econômico, a possibilidade de

assegurar eficiência ou, pelo menos, garantir a regulação dos mercados e, no campo

jurídico, dar conta da relação entre fato e valor para o efeito de viabilizar a atividade

econômica.

Diante do que foi analisado no presente estudo, o desenvolvimento

sustentável de uma empresa tem ligação direta com uma postura séria, ética e

moral, perante a coletividade, o meio ambiente e o próprio Estado, em última

instância.

Da mesma forma, o alcance do princípio da função social do contrato deve

ser mensurado em torno de duas finalidades: a de assegurar acesso a posições

proprietárias, face à redução de desigualdades sociais, e o de resgatar o papel do

trabalho, na construção da sociabilidade.

Uma das maiores preocupações demonstradas pela Lei 11.101/2005 foi

procurar manter a oferta do crédito e a confiança dos credores naquela atividade, a

fim de que acreditem em sua recuperação e voltem a fornecer seus produtos e

serviços para seu regular desenvolver.

Sabidamente, a Recuperação Judicial teve por objetivo equalizar as dívidas

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da Recuperanda, mediante a possibilidade de propostas diferenciadas de

pagamento, em relação a valores e a prazo.

Portanto, na Recuperação Judicial, dá-se à Recuperanda a possibilidade de

renegociar suas dívidas diante de seus credores, porém, obrigatoriamente,

preservando certa isonomia entre eles. Isso tem por finalidade preservar a empresa,

uma entidade geradora de empregos e cumpridora de sua função social.

No direito norte-americano, primeiro país a tratar de falência, o sistema

falimentar foi regulamentado, quanto ao direito substantivo, pelo Bankruptcy Code,

que é um diploma de lei federal, composto por quinze capítulos, onde nele se

mantém a aplicação de determinadas regras estaduais, pertinentes às relações de

crédito entre o devedor e seus credores.

Assim, o sistema concursal norte-americano conta com variados instrumentos

voltados a estabelecer equilíbrio entre as partes interessadas na solução da crise

empresarial.

Por sua vez, o texto normativo brasileiro que trata da falência e da

recuperação de empresas e empresários, tem sua base teórica respaldada na

legislação americana. Contudo, ainda que o Direito norte-americano tenha adotado

um sistema dualista, que individualiza os procedimentos liquidatórios e

reorganizatórios, difere do sistema brasileiro, onde a solução de alienação dos

estabelecimentos em bloco ou do negócio em marcha como um todo consiste em

uma modalidade reorganizatória.

Um dos grandes obstáculos enfrentados no mercado econômico-financeiro

acerca da recuperação judicial refere-se ao paradigma da antiga concordata, entrave

da recuperação judicial de sociedades empresárias que possuem amplas condições

de ressurgirem no mercado; porém, a falsa ideia do risco de mercado, ou seja, a

insegurança de não recebimento dos créditos, em face da instabilidade do mercado

econômico, faz com que dificulte ainda mais a recuperação judicial de uma

sociedade empresária em recuperação judicial.

Convém ressaltar, ainda, que este conceito advém da falta de conhecimento

da Lei de Recuperação de Empresas e seus objetivos e também da obscuridade de

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muitos pontos não esclarecidos pela Lei 11.101/2005.

Com relação ao instituto da recuperação judicial, é notável que muitas

sociedades empresárias ainda não assimilaram os objetivos almejados pela Lei

11.101/2005, sendo que muitas dessas desconhecem o referido instituto de maneira

ampla. Insta salientar, ainda, que o mercado se nega a conceder crédito para uma

sociedade empresária em recuperação judicial, alegando o risco de mercado, risco

em não ter seu crédito satisfeito, medo que a empresa em recuperação judicial

possa vir a falir e não ter a satisfação de seu crédito realizada.

Ressalta-se que as empresas que concedem créditos para sociedades

empresárias em recuperação judicial possuem crédito extraconcursal, ou seja, caso

a sociedade empresária em recuperação judicial venha a falir, por desrespeito às

exigências legais, quem concedeu crédito para sociedade empresária em

recuperação judicial será credor extraconcursal. A maioria das empresas não sabe

desta disposição legal e outras, que sabem, negam-se a conceder crédito da mesma

forma, em face dos aspectos acima citados, como o risco mercantil e o receio de não

ter seu crédito satisfeito, por circunstâncias adversas aos requisitos legais.

Esta monografia teve por objetivo estudar a eficiência da recuperação judicial,

sob o ponto de vista da segurança jurídica, que a Lei 11.101/2005 objetivou

conceder às relações de crédito, a partir da criação deste instituto.

Do ponto de vista teórico, a recuperação judicial é capaz de gerar os

incentivos adequados, para que se alcancem os objetivos da legislação falimentar.

Do ponto de vista empírico, contudo, a aplicação da Lei 11.101/2005, por parte do

Poder Judiciário, nem sempre se mostrou eficiente.

O parâmetro que a lei utiliza, na regra geral, para descobrir se uma atividade

empresária é viável ou inviável, é verificar se os credores submetidos à recuperação

judicial acreditam no sucesso do plano de reestruturação do empresário.

Como os credores submetidos ao regime da recuperação judicial encontram-

se em situação de incerteza, durante a tramitação do processo, já que o empresário

pode propor qualquer tipo de mudança lícita ao pagamento dos créditos, e o plano

não será aprovado mediante a concordância individual de cada credor submetido,

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mas sim com a aceitação da maioria, estabelecer um prazo certo e improrrogável

para que a prescrição, ações e execuções fiquem suspensas é uma garantia mínima

de segurança concedida aos credores de que a tramitação da recuperação judicial

tem data para acabar.

A prorrogação do prazo de suspensão da prescrição, ações e execuções abre

uma porta para que o processamento da recuperação judicial não tenha fim. Este

instituto, no entanto, foi elaborado para ter tramitação de curta duração, sob pena de

seus objetivos se esvaírem. As obrigações assumidas, no plano de recuperação,

podem durar por anos, se os credores assim concordarem, mas a tramitação do

processo não foi feita para demorar.

Pode-se falar que a Lei 11.101/2005 trouxe os incentivos necessários para

que se atinja o objetivo de preservar a empresa, ao mesmo tempo que se confere

uma segurança jurídica mínima ao mercado de crédito.

Por fim, a recuperação judicial foi criada com o objetivo de viabilizar a

superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a

manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos

credores promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o

estímulo à atividade econômica.

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