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UNIBAN UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
GLORIA MARIA ALVES RAMOS
UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO PEDRO II
(1984 – 2009)
São Paulo 2012
R143h Ramos, Glória Maria Alves
Uma história da matemática nas séries iniciais do Colégio Pedro II (1984 –
2009). /Glória Maria Alves Ramos. - São Paulo, 2012.
212 f.: il.; 30 cm.
Tese (Doutorado - Área de concentração; História da matemática) –
Universidade Bandeirante de São Paulo / Anhanguera Educacional. Programa
de Pós-Graduação em Educação Matemática.
Orientação: Professor Dr. Ubiratan D’Ambrosio
1. Educação matemática. 2. História da Educação matemática. 3. Ensino
primário I. Título.
CDD: 372.7
GLORIA MARIA ALVES RAMOS
UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO PEDRO II
(1984 – 2009)
Tese apresentada como exigência parcial à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN, para obtenção de título de Doutor em Educação Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio.
São Paulo 2012
FOLHA DE APROVAÇÃO
RAMOS, Gloria Maria Alves.
UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO
COLÉGIO PEDRO II (1984 – 2009)
Tese apresentada no Programa de Pós Graduação
em Educação Matemática da
Universidade Bandeirantes de São Paulo
para a obtenção do Título de Doutor(a)
em Educação Matemática.
Aprovada em: .......... / ......... / .........
Banca Examinadora
Prof. Dr................................................ Instituição .................................................
Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................
Prof. Dr................................................ Instituição .................................................
Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................
Prof. Dr................................................ Instituição .................................................
Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................
Prof. Dr................................................ Instituição .................................................
Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................
Prof. Dr................................................ Instituição .................................................
Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a OLODUMARÊ e Meus Ancestrais Benditos por chegar aqui e poder compartilhar essa data querida com gente igualmente querida.
Daria uma outra tese, com muitos capítulos de história e muitas referências guardadas em muitos anos de amizade, o que teria para escrever aqui para a minha Amiga, Irmã, Companheira, Parceira e Cúmplice, Alma Irmanada nessa vida e na outra <DENISE MEDINA>.
Denise, de tão amiga que foi, é e será para sempre, que nossa amizade é carregada em nosso DNA.
Nossas Mães se tocam, Nossas filhas também carregam esse gene da amizade.
Essa amizade é tão transcendente, que sua família, mãe, marido, filho e filha, sogro, tias e outros agregados podem ser incluídos neste abraço de gratidão.
Janete, Marcos, Isabela e Lucas, esse título que me honra e me enche de orgulho e engrandece a mim e a minha família, é Nosso. Eu o devo muito a vocês que me acolheram e me fortaleceram nesses quatro anos dessa dura e importante jornada.
À Professora Diva Noronha pela sua acolhida e oportunidade de fazer um encantador resgate desta rica história que é razão dessa narrativa.
Aos Amigos e Amigas, Colegas dessa “viagem”. Obrigado a vocês por fazerem-na comigo acreditando e fortalecendo cada um dos meus passos. Obrigado por participarem de uma parte tão importante da minha vida.
Olhando daqui, agora, passou relativamente rápido, mas cada viagem foi intensa.
Obrigado a Todos e Todas. À Beth Monteiro, Beatriz Boclin, Vera Cabana e Geraldo Vieira, colegas do CP II que me receberam no NUDOM sempre com muita atenção e gentileza, colaborando para o sucesso de muitas teses.
Aos Querido(a)s Mestres da Uniban que também me acolheram com calor e simpatia.
Aos funcionário(a)s pela atenção e cuidado.
Por fim à Minha Família. Filhos, Filha,
À Mãe e Irmãs com quem eu dividi, entreguei, confiei meus bens mais preciosos, pelos quais tudo isso valeu muito a pena. E eu só, humildemente porém orgulhosamente, agradeço às Minhas Crianças pela força e compreensão.
A banca que muito me honrou com sua preciosa disponibilidade, atenção e valorosas contribuições.
A Todos e Todas pelo respeito e fortalecimento nessa viagem tensa e intensa para um elevado patamar da minha trajetória profissional: “Tornar-se Doutora”.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho às Mulheres, Afrodescendentes, Mães, Amigas, Companheiras que por quaisquer motivos ainda não alcançaram a zona de conforto. É também por Nós que eu empenho minha Energia, Força, Luz Fé! E por isso eu também luto.
In Memorian
Em memória de Juçara Roque Carrapateiro, Colega da primeira turma
de Professoras do Pedrinho, uma das criadoras do SOE, atual SESOP, que sempre brincava conosco dizendo: “Piaget mandou lembranças.”
RESUMO
RAMOS, G. M. A. Uma história do ensino da matemática nas séries iniciais do
Colégio Pedro II (1984 – 2009). 218f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-
Graduação em Educação Matemática, Universidade Bandeirantes de São Paulo,
São Paulo, 2012.
Esse estudo pretende apresentar para apreciação uma história sobre o processo de
construção e implantação da proposta de ensino de Matemática nas séries iniciais
do Colégio Pedro II no período compreendido entre 1984 e 2009, no marco de seus
25 anos. Traça também a trajetória de construção do 1º segmento e de sua proposta
inovadora para o Colégio que inaugurava as séries iniciais, bem como a formação
das professoras, trazendo a tona suas lutas de representação. Para tanto opta por
produzir uma narrativa que ajude compreender algumas indagações, a saber: o que
representou a proposta do ensino para Matemática no 1º segmento do Colégio
Pedro II, os seus efeitos sobre o Colégio e o impacto na criação do 1º segmento?;
qual a abordagem dada ao ensino das atividades de Matemática lecionadas nos
Pedrinhos, suas possibilidades e as principais influências teórico metodológicas,
desmembrando a proposta em três partes: onde foram feitas, por quem foram feitas,
como foram feitas além de buscar compreender os efeitos dessa produção. Aliado a
isso pretende-se identificar e destacar como foi feita a proposta curricular
recuperando as principais influências que incidiram sobre ela entre as quais as
contribuições da equipe do Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro
na elaboração, organização e execução do guia de orientação curricular, que foi a
base da proposta de formação em serviço das professoras do 1º segmento do CP II,
suas características. O estudo em tela aporta-se no campo da história da educação
matemática e para tanto ancora-se em referencias teórico e metodológicas da
história da educação e da história da educação matemática, tomando para conduzir-
nos com as prerrogativas da produção histórica princípios apontados por Marc Bloch
e a indicação do uso de técnicas recomendado por Michel De Certeau. O estudo irá
passar pela história do ensino primário (1824 a 1996) através dos principais marcos
legislativos nacionais, pela história da educação matemática com ênfase na reforma
da matemática ocorrida no Colégio Pedro II e pela história da educação tomando
como marco histórico a fundação do Colégio Pedro II com intuito de interceptar
esses eventos no programa de ensino de matemática no primário do CP II. A
narrativa que virá a ser produzida apresentará as principais protagonistas destes
eventos no Colégio. São as Professoras primárias/polivalentes e para compreender
essa produção lançamos mão aportes de Michel de Foucault, no que se refere aos
discursos enunciados por esse corpo docente, por entender o programa de ensino
de matemática como um discurso. O lugar onde se passa esta narrativa que merece
destaque no texto, para tanto será descrito o Pedrão - CP II - Fundamental II e
ensino médio (antigos ginásio e colegial), em apresenta-se o Pedrinho abordando
porque, como, quando foi criado e qual seu impacto na comunidade escolar interna.
O estudo em tela se diferencia ao trazer um olhar da história do Colégio que
embalou a trajetória do 1º segmento. A RELEVÂNCIA desse estudo se detém a
alguns aspectos: 1.Na sua área de concentração que é História da Educação
Matemática; 2. Em construir suas referências na história da educação, com ênfase
na história e construção do ensino primário no país e no Colégio buscando seus
vestígios desde o início da construção de um sistema de educação para o país a fim
de compreender e explicar como este segmento de ensino se encontra nos dias
atuais. Esse estudo é uma das oportunidades ímpares de começar a elaborar a
memória viva do Pedrinho com muitos olhares sobre a criação do primário no
Colégio.
Palavras-chave: Educação Matemática. História da Educação Matemática. Ensino
Primário.
ABSTRACT
RAMOS, G. M. A. A history of mathematics teaching in the early grades of the
College Pedro II (1984 - 2009). 218f. Thesis (Ph.D.) - Graduate Program in
Mathematics Education, Bandeirantes University of São Paulo, São Paulo,
2012.
This study intends to submit for consideration a story about the process of
construction and implementation of the proposed teaching of mathematics in the
early grades of Colegio Pedro II in the period between 1984 and 2009, as part of its
25 years. It also draws the path of construction of 1st segment and its innovative
proposal to the College that inaugurated the early grades, as well as training of
teachers, bringing out their struggles representation. For that chooses to produce a
narrative that helps understand some questions, namely: what accounted for the
proposed school for Mathematics in the 1st segment of the Colegio Pedro II, its
effects on the College and the impact on the creation of the 1st segment?, Which
approach to the teaching of mathematics activities taught us Pedrinhos, its
possibilities and the main theoretical influences methodological dismembering the
proposal into three parts: where they were made, by whom they were made, were
made as well as seeking to understand the effects of this production. Allied to this is
intended to identify and highlight how the proposed curriculum was made recovering
the major influences that have focused on it including the contributions of the staff of
the Laboratory Curriculum of the State of Rio de Janeiro in the preparation,
organization and implementation of the guidance curriculum, which was the basis of
the proposed in-service training of teachers of the 1st segment of the CP II, its
characteristics. The study on the screen brings up the story in the field of
mathematics education and is anchored in both theoretical and methodological
references the history of education and history of mathematics education, taking to
lead us with the prerogatives of historical production principles pointed out by Marc
Bloch and the indication of the use of techniques recommended by Michel De
Certeau. The study will go through the history of primary education (1824 to 1996)
through the main national legislative frameworks, the history of mathematics
education with emphasis on the reform of mathematics occurred in the Colegio Pedro
II and the history of education taking as the foundation of the landmark College
Pedro II in order to intercept these events in the program of teaching mathematics in
primary CP II. The narrative that will be produced to present the main protagonists of
these events at the College. Teachers are the primary / polyvalent and understand
this production we used injections of Michel Foucault, in relation to speeches
enunciated by this faculty to understand the teaching program as a mathematical
discourse. The place where this story goes that deserves mention in the text, both
will be described for the Pedrão - CP II - II Elementary and middle school (old high
school and collegiate), is presented in Pedrinho addressing the why, how, when it
was created and which impact on internal school community. The study differs in
screen to bring a look of history of the College that cradled the trajectory of the 1st
segment. The relevance of this study has some issues: 1.Na their area of
concentration is the History of Mathematics Education, 2. In building their references
in the history of education, with an emphasis on history and construction of primary
education in the country and the College seeking its vestiges from the start of
construction of an education system for the country in order to understand and
explain how this segment of education is today. This study is one of the unique
opportunities to begin to develop the living memory of many looks with Pedrinho
about the creation of the Primary School.
Keywords: Mathematics Education. History of Mathematics Education. Primary
Education.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
APE – Assessoria de Projetos Especiais
C.A. – Classe de alfabetização
CECIERJ - Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro
CECIGUA – Centro de Ciências do Estado da Guanabara
CECIMIG - Centro de Ciências do Estado de Minas Gerais
CEIAA – Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral
CEN – Centro Educacional de Niterói
COC – Conselho de Classe
CP II – Colégio Pedro II
DOU – Diário Oficial da União
FAB – Força Aérea Brasileira
FACTA – Publicação interna ao Colégio Pedro II que trazia os atos normativos
oficiais da Direção Geral
GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas de Educação Matemática
IESAE_FGV - Instituto Superior de Administração e Economia / Fundação Getúlio
Vargas
IREM - I.R.E.M. - Institut de Recherches pour l'enseignement de Mathemátique, de
Lyon
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
NUDOM – Núcleo de Documentação e Memória
Pedrão - Unidades de 2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio
Pedrinho – Unidades de 1º Segmento do Ensino Fundamental
PGE – Plano Geral de Ensino
PPP – Projeto Político Pedagógico
PREMEM_MEC – Programa de Expansão e Melhoria do Ensino do Ministério da
Educação
PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática
SEEduc RJ – Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro
SME_PCRJ – Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro
SOE – Setor de Orientação Educacional
SESOP – Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica
STEA – Setor Técnico de Ensino e Avaliação
UE EN II – Unidade Escolar Engenho Novo II
UEHI – Unidade Escolar Humaitá I
UE SC – Unidade Escolar São Cristóvão
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNIBAN – Universidade Bandeirante de São Paulo
UNICAMP – Universidade de Campinas
USU – Universidade Santa Úrsula
SUMÁRIO
Introdução 18
Memorial 18
CAPÍTULO 1.
1.1 Apresentação do tema
Questão central
Objetivos gerais do estudo
23
23
23
1.2 Os Efeitos 34
1.3 Como se construiu a proposta para o ensino de Matemática do 1º
segmento do ensino Fundamental (Antigo Primário) do CP II
38
CAPÍTULO 2.
Colégio Pedro II 42
2.1 Colégio Pedro II: O Potencial de suas Diferenças e Contradições. 45
2.1.1 Elementos Constituintes dessa história 49
2.1.2 A Conjuntura Nacional
A Conjuntura Educacional – O Colégio Pedro II do século XX
(1971 – 1984)
54
55
2.2 Remissões à História do Ensino Primário
Estrutura e Funcionamento
56
64
2.2.1 O Governo de Getúlio Vargas e a educação 66
2.3 A tradição, a modernização e o conservadorismo.
O conservadorismo de Almeida Lisboa
1932 – O Manifesto dos Pioneiros
73
76
78
2.4 A Reforma Capanema -1942
A legislação educacional de 1946 a 1996 – A Lei orgânica de 1946
82
86
Reformas Educacionais / Ensino Primário / Colégio Pedro II –
Preparando o Pedrinho
91
CAPÍTULO 3
3.1
3.2
A Implantação das séries iniciais do ensino fundamental no
Colégio Pedro II – Os Pedrinhos
Breve apresentação dos Pedrinhos
94
96
3.3 CP II e a Reforma interna 103
CAPÍTULO 4.
4.1 Corpo Docente 111
4.2 A invenção da Professora das séries iniciais no CP II 112
4.3 A Professoras das séries inicias do CP II: Ser Mulher – Professora
Primária no CP II
118
4.4 O que a Professora Primária sabe de Matemática
O que fizeram / o que vieram fazer / para que vieram
Os efeitos
O que representaram as Professoras Primárias no CP II
121
124
124
127
4.5 O Ideário, as Crenças e a Vontade de Verdade sobre o ensino da
Matemática no CP II
132
Reconhecendo Euclides Roxo 136
CAPÍTULO 5.
5.1 O Programa de ensino para a Matemática das séries iniciais do
Colégio Pedro II
A Proposta de ensino de Matemática que veio a ser praticada no
CP II
139
140
5.2 Buscando características da proposta 142
As Influências
Revisitando os Guias de Orientação Curricular do Laboratório de
Currículos da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro
Conhecendo Diva Noronha
147
149
151
Os Guias de orientação curricular – materiais de apoio didático
157
5.3
Características da Proposta 161
O Programa de Matemática escrito por Diva Maria de Bretas
Noronha / 1986
163
O Sistema de Numeração no programa de Matemática das séries
iniciais
167
5.4 A Implantação: Como foi desenvolvida a proposta
Como foi idealizada a proposta: o programa de formação
174
180
CAPÍTULO 6
Considerações finais 186
Referências 196
Anexos
ANEXO 1 – Homenagem ao Pedrinho pela passagem do seu
Jubileo de Prata 25 Anos/ 1984- 2009
ANEXO 2 – Plano de noções espaciais (Leila Alcure)
Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II - Proposta para o estudo de
Espaço (1988)
207
ANEXO 3 - Fundamentação Teórico – Metodológica apresentada
no PGE _ 1º segmento / 1996/7
208
ANEXO 4 _ CP II – UH II / Ano 1991
Plano Bimestral de 1ª série – 2º Bimestre / Coordenação de
Matemática (1º turno)
212
18
INTRODUÇÃO
MEMORIAL
Para compreender os processos educativos que se põem entre a tradição e a
modernidade no Colégio Pedro II, é mister saber que o “Colégio Pedro II vem do
fundo do tempo e a sua história se confunde com a história da educação no Brasil”.
Esta é uma citação emblemática do Professor Wilson Choeri1 que traduz, mais do
que uma constatação, um sentimento de ex- aluno e professor daquela casa,
compartilhado por muitos ex-aluna(o)s e servidores da mesma, dos quais as
histórias de vida se confundem, porque se misturam em longos períodos com
passagens significativas da trajetória deste Colégio.
Assim é o meu caso. Tal como Euclides Roxo2, Tito Urbano3 e Wilson Choeri,
personagens fundamentais desta narrativa, EU também sou ex-aluna deste Colégio.
Entrei no Colégio Pedro II através do concurso de admissão em 1970. Fiz o curso
ginasial na Unidade Humaitá II, que na época se chamava Seção Sul – Externato
Bernardo de Vasconcelos4. Neste Colégio fiz o curso ginasial – entrei na transição
para a nova Lei de 1971, ingressei na 1ª série ginasial em 1970 e saí na 8ª série em
1973. Saí para fazer o curso normal, curso de formação de professoras de 1ª a 4ª
série no Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral (CEIAA _ 1974/76) em sua
nova sede na Rua Jardim Botânico na zona sul do Rio de Janeiro.
Como filha de família pobre, a opção era me profissionalizar no científico,
clássico, 2º grau, ensino médio, o mais rápido possível para poder me inserir no
1 Wilson Choeri, ex – aluno do Colégio, Professor de Física , Estatística, Foi Professor da UEG
(Universidade do Estado da Guanabara), atual UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Fora designado para exercer a função de Secretário de Ensino. (Facta, março/abril de 1982, p.9) e mais tarde foi Diretor Geral (1994/ 2008). Seu legado foi a criação das unidades descentralizadas de ensino médio que levaram o Colégio a outros municípios. 2
Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, foi ex-aluno do Colégio, Professor de Matemática do Colégio Pedro II e Diretor da instituição de 1925 a 1935 (1925/30 no externato e 1930 a 1935, internato), seu legado foi a reforma que unificou os ramos da matemática que é praticada até hoje. 3 Tito Urbano da Silveira, ex-aluno do Colégio, Professor de Química da casa, foi Diretor Geral de
1971 a 1991, ano de seu falecimento deixou como legado a criação das unidades de 1º segmento do CP II – os Pedrinhos. 4 Externato Bernardo de Vasconcelos - as unidades escolares do Colégio eram designadas seções. A
seção Sul, hoje Unidade Humaitá era denominada Seção Bernardo de Vasconcelos. A seção Norte, no Engenho Novo era Frei Guadalupe.
19
mercado de trabalho e ajudar na composição de renda da família composta por mãe
e cinco filhas – a casa das seis mulheres, sete na verdade, pois ainda tínhamos a
Vovó Marieta. Família afrodescendente, uma geração ainda próxima de
descendentes de africanos escravizados.
Meu pai era militar da FAB. Foi aluno do internato do CP II na atual Unidade
São Cristóvão (antigo externato Frei Guadalupe). Era filho único e vivia com a mãe.
Certamente, foi contemporâneo do Prof. Choeri. Meu pai estudou no internato e o
Prof. Choeri, no externato, na atual Unidade Centro. Na época havia uma diferença
de status entre quem estudava no internato e no externato, era uma disputa entre os
membros do corpo discente. O internato era só para meninos, e era também para os
alunos pobres, órfãos e estudantes de outros estados, trazendo parte da tradição
dos Órfãos de São Joaquim.
Minha irmã mais velha também foi aluna do clássico na Unidade Humaitá –
seção sul – Externato Bernardo de Vasconcelos de 1971 a 1973. Eu fiz somente o
ginasial e ela fez somente o clássico. Interessante é que em 1972 e 1973 tivemos a
mesma professora de Português. Eu estudava no turno da tarde e ela, à noite.
Assim sendo a relação que eu tenho com o Colégio Pedro II é também do
fundo do meu tempo histórico, vem da minha infância. Com 9/10 anos, eu
freqüentava um cursinho de admissão para o Colégio com a Professora Terezinha e
o seu marido Frid (Frederico). Ele também era ex-aluno e nos falava sobre a
importância do Colégio e o orgulho de ter sido aluno. Com ele eu ouvi, pela primeira
vez, a expressão “Colégio Padrão do Brasil”. Era interessante que, com esta pouca
idade, eu não sabia o que era padrão, e achava que ele estava falando errado, que
era Colégio Pedrão do Brasil. Na minha história padrão, Pedrão e Pedrinho têm
muito significado e fazem parte do fundo do tempo onde essa história começou a ser
produzida.
Fiz o CP II de 1970 a 1973. Não fiz o científico no Colégio, mas me formei
Professora Primária, no antigo curso normal. Com a bagagem que eu tinha do
ginásio em Matemática e Desenho, pois eu era boa aluna nessas disciplinas,
acreditei que teria sucesso escolar e profissional sendo Professora de Matemática.
Eu já resistia, nessa época, à “naturalização” do encaminhamento das normalistas
20
para carreiras das ciências humanas, principalmente pedagogia. Eu já era contra
esses congelamentos identitários.
Prestei vestibular para Matemática e cursei licenciatura na UFRJ (1977/80).
Trabalhei três anos em escola particular como professora de Matemática e Física
(1981/83), e a partir daí comecei a voltar para o CP II. Nossa trajetória de vida voltou
a se cruzar e, desta vez para sempre. Neste ponto a minha família e a família CP II
passam a ser uma só. Essa relação em certa medida, em grande medida interferiu
tanto no mestrado, quanto no doutoramento, no processo de descentração da
protagonista, para a da pesquisadora.
Com toda a isenção possível pretendida todo o CP II habita a minha
existência e a da minha família – pai, irmã, três filhos e um sobrinho estudaram no
Colégio e, como é dito no hino,
“. . . estudaram aqui, brasileiros de um enorme e seguido valor/ seu exemplo segui, companheiros/ não deixemos o antigo esplendor . . .
5
É impossível apartar a emoção e o orgulho de pertencer a esta casa, ter o
privilégio e a honra de puxar a tabuada e de produzir uma narrativa sobre o mais
jovem segmento desta instituição, o Pedrinho, além de ser sua sócia fundadora.
Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo isso me trouxe aqui!
Em 1984, passei a integrar a primeira turma de professoras do 1º segmento
do 1º grau6. Foi aí que eu voltei como Professora desta casa que me deu - e que me
dá - “régua e compasso”, literal e simbolicamente, pois como aluna, eu era da caixa
escolar e recebia todo o material: livros, cadernos, material de desenho, além de
complemento ao uniforme – casaco. Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo
isso me trouxe aqui!
Como Professora, fui regente de classe, coordenadora administrativa (o que
correspondia a vice-diretora); coordenadora pedagógica de Matemática, chefe de
departamento do 1º segmento do 1º grau; supervisora chefe da seção técnica de
ensino e avaliação – STEA; supervisora do projeto de implantação do ensino médio
5 Trecho do Hino do Colégio Pedro II, com música do maestro Francisco Braga e letra do bacharel do
externato, Hamilton Elia, composto em 1937, ano do centenário do Colégio. 6 A nomenclatura 1º segmento do 1º grau foi a designação dada ao antigo curso primário a partir da
Lei 5692/71.
21
na UE ENII; assessora de projetos especiais da Secretaria de Ensino e assessora
da direção UE ENII (Unidade Escolar Engenho Novo II), nessa época, então, me
afastei para a realização do curso de doutorado.
Toda a minha carreira no CP II está pautada pela atuação no 1º segmento,
antigo primário. Fui Professora também da rede estadual do Rio de Janeiro onde
atuei como professora de Matemática e Metodologia e Didática do Ensino da
Matemática no curso de formação de professoras na mesma escola onde me formei,
o CEIAA.
Construí uma carreira significativa que hoje me permite problematizar
algumas permanências que vivenciei nessa trajetória profissional de trinta anos de
magistério. Buscar compreender essas permanências e quem sabe contribuir para
que se mantenha a excelência no ensino e a qualidade socialmente referenciada
para toda a comunidade desta escola e que esta possa ser mais amplamente
socializada é o que pretendo com este texto.
Este memorial inscrito acima tem por objetivo inserir a pesquisadora em um
lugar bem marcado de fala - de onde ela se apresenta para ser
pesquisadora/historiadora que pretende problematizar e produzir uma escrita
histórica sobre a construção da proposta pedagógica para o ensino de matemática
no primário do Colégio Pedro II, e de certa forma explica ou justifica a importância
que tem este tema na sua vida profissional, não só do ponto de vista afetivo.
Contudo, certamente o aspecto afetivo impulsiona o desejo de aprofundar e revelar
essa história, porém a opção não foi discorrer sobre memórias do primário do CP II,
mas sim produzir uma narrativa profissional e acadêmica sobre a construção de
uma proposta de ensino de matemática no primário do CP II. Três chaves pessoais
que a pesquisadora pretende compartilhar, de modo que a experiência possa
alcançar outras professore(a)s ou outro(a)s estudioso(a)s que se interessem por
essas chaves – ensino de matemática; ensino primário e Colégio Pedro II.
Para dar esse tom acadêmico de modo a contribuir na produção de outros
conhecimentos sobre as práticas pedagógicas no interior do Colégio, apresentando
mais história do que memória a pesquisadora opta por inserir-se num programa de
pesquisa e pós graduação, alinhando-se ao Programa de pós graduação em
Educação Matemática da UNIBAN_SP, especificamente na linha de pesquisa da
22
História da Educação Matemática, assim encontrando a oportunidade de conhecer
pesquisadore(a)s da área bem como o que foi produzido.
Devido ao fato de a autora ser professora primária, professora de Matemática
e professora do 1º segmento do Colégio, ou seja, ser ao mesmo tempo a
pesquisadora e fazer parte do coletivo do estudo houve a necessidade de
estabelecer-se, de maneira bem marcada, como historiadora, a fim de exercer, com
efeito, este ofício, tal como Marc Bloch7 aponta para esse fim, bem como situar-se
para o leitor em um lugar social explicitado, tomando como base De Certeau8
quando diz que, para a escrita da história, é necessário que o autor se posicione
num lugar. Foi necessário também um exercício bastante didático,
metódico/metodológico para essa localização, pois a partir desse ponto é que a
pesquisa, a seleção da coleção de fontes, as análises foram pautadas. A partir
desse lugar, desse ponto de vista foram feitas as escolhas, as seleções e as
exclusões. Daí em diante, foi possível, agregar um conjunto de técnicas para análise
dos conteúdos selecionados e do conjunto de documentos que revelam e validam o
texto produzido nesta narrativa bem como sustentam o seu desenrolar.
7 Marc Léopold Benjamim Bloch (Lyon, 6 de julho de 1886 — Saint Didier de Formans, 16 de junho de
1944) foi um historiador francês notório por ser um dos fundadores da Escola dos Annales e morto pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial é considerado o maior medievalista de todos os tempos. Foi um dos grandes responsáveis por importantes inovações no pensamento histórico. Defendeu o abandono de sequências pouco úteis de nomes e datas e estimulou uma maior reflexão sobre a relação entre homem, sociedade e tempo na construção da História. Tornou-se célebre a sua resposta a questão "O que é a História?": "É a ciência dos Homens no transcurso tempo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Marc_Bloch. acesso em 25/07/2012 8
Michel De Certeau (Chambéry, (França), 1925 - Paris, 9 de janeiro de 1986) foi um historiador e erudito francês. Intelectual jesuíta, De Certeau tornou-se um dos fundadores da revista Christus, com a qual ele estaria ativamente envolvido durante boa parte de sua vida. Tornou-se conhecido após publicar um artigo relacionado com os eventos da revolta estudantil de Maio de 1968 na França. http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_de_Certeau. acesso em 25/07/2012
23
CAPÍTULO 1
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA
Não deixa de ser menos verdade que, face à imensa e confusa realidade, o historiador é necessariamente levado a nela recortar o ponto particular de suas ferramentas; em conseqüência, a nela fazer uma escolha (...). (Bloch, 1997, p. 52)
QUESTÃO CENTRAL
O que representou a proposta do ensino para Matemática no 1º segmento do
Colégio Pedro II, a abordagem dada ao ensino de Matemática lecionadas nos
Pedrinhos9, suas possibilidades e as principais influências teórico metodológicas,
seus efeitos sobre o Colégio e o impacto na criação do 1º segmento?
OBJETIVOS GERAIS DO ESTUDO
O estudo visa a compreender a construção da proposta do ensino para
Matemática no 1º segmento, a abordagem dada ao ensino das atividades de
Matemática lecionadas nos Pedrinhos, suas possibilidades e as principais
influências teórico-metodológicas, desmembrando a proposta em três campos: onde
foram feitas, por quem foram feitas e como foram feitas, além de buscar
compreender os efeitos dessa produção. Aliado a isso, pretende-se identificar e
destacar como foi feita a proposta curricular recuperando as principais influências
que incidiram sobre ela entre as quais as contribuições da equipe do Laboratório de
Currículos do Estado do Rio de Janeiro na elaboração, organização e execução do
guia de orientação curricular, que foi a base da proposta de formação em serviço
das professoras do 1º segmento do CP II, suas características; buscar a articulação
entre a formação inicial das professoras através do que se aprende nessa formação
9
As Unidades Escolares onde é ministrado o ensino às séries iniciais foi “carinhosamente” batizadas de “Pedrinho” e assim também serão tratadas ao longo desse estudo. E as unidades escolares onde é ministrado o segundo segmento do ensino fundamental e o ensino médio ficaram denominadas “Pedrão” e assim também serão designadas ao longo desse estudo.
24
em relação ao ensino de matemática com o que deveria ser ensinado no primário e
com a proposta que seria desenvolvida no Pedrinho para o ensino de matemática.
O referencial teórico-metodológico utilizado para responder às questões deste
trabalho será elaborado a partir do conhecimento da metodologia que nos impõe
prerrogativas da produção histórica. É um trabalho para ser feito por historiadores.
Sendo assim este estudo se constituirá numa produção histórica sobre o ensino da
Matemática no 1º segmento do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. As
questões propostas situam o estudo no campo da história da Educação Matemática,
com enfoque na história cultural trazida no corpo teórico dos autores/pesquisadores,
tais como Bloch (2003) que nos recomenda que “produzir esta narrativa em sua
perspectiva histórica significa analisar mais profundamente, a cerrar mais de perto
os problemas a pensar, ousaria dizer, menos barato”.
A formulação, implantação e desenvolvimento deste plano vai trazer também
como aporte teórico as contribuições de Certeau (2004) para discutir as estratégias
e táticas para a configuração de um plano pedagógico para o ensino de Matemática
no primário, no que me permite entender o “saber matemática” como o poder de
saber – ter a capacidade de transformar as incertezas em espaços legíveis e nesse
sentido estabelecer relações de poder em torno de “saber matemática”, um tipo de
saber que sustenta e determina o poder de conquistar para si um lugar próprio”
(CERTEAU, 2004, p.100). É onde se pretende aportar a Matemática e os sujeitos
que detém os saberes escolares desta disciplina.
No desenvolvimento deste trabalho serão apresentadas as principais
referências teóricas e metodológicas que serviram para a construção da proposta de
conhecimentos escolares que permitiu aos estudantes prosseguirem seus estudos
com sucesso no ensino fundamental II do CP II, bem como localizá-la e caracterizá-
la no cenário da Educação Matemática sob os aspectos /pressupostos que são
utilizados para o desenvolvimento dos trabalhos nas séries iniciais, tendo como
referência principal a teoria de Jean Piaget que afirmando que: “As estruturas são
estritamente lógicas ou matemáticas . . .” (CHIARROTINO, 1972, p.84), nos remete
às estruturas matemáticas em analogia às estruturas mãe dos Bourbaki, com intuito
de observar o caráter da proposta e suas aproximações com o ensino de
Matemática praticado nas séries iniciais do Colégio Pedro II.
25
Piaget cria um modelo de estrutura. A esse modelo deu o nome de AGRUPAMENTOS pela sua analogia com a estrutura de grupo matemático. (...). (CHIARROTINO, 1972, p.25) Piaget observou o comportamento da criança e descobriu subjacente a esse comportamento, estruturas que se constituíam numa verdadeira lógica das ações que (...) se inicia no período sensorial motor para se cristalizar no período que chamou de operatório. (CHIARROTINO, 1972, p.78)
O período operatório coincide com a faixa etária em que as crianças cursam
as séries iniciais.
Mas qual é o conceito de estrutura para Piaget, quando fala de uma lógica de ações? Se atentarmos bem para as suas descrições, veremos que aqui o conceito de estrutura está muito próximo do conceito de estrutura lógica matemática, tanto assim que ele próprio estabeleceu o famoso paralelo entre as estruturas que descobriu e as estruturas matemáticas dos Bourbaki. (Chiarrotino, 1972, p.78) Estruturas fundamentais: 1) Estruturas algébricas cujo protótipo é o grupo, caracterizado pelo fato de que dois elementos do conjunto, compostos entre si, resulta um terceiro elemento do conjunto. Além disso, há associatividade, o elemento neutro e, e a inversão:
x x = e. (p.79) A realização bourbakista interessou a Piaget pelo recurso à noção de estrutura que propõe a questão de uma possível comparação com as estruturas mentais e pela idéia de uma filiação matemática das estruturas que sugere uma comparação com as filiações genéticas. Mas, além disso, Piaget acreditou que, apesar do formalismo, pelo emprego do método axiomático, as “formas” que ela estabelece são comparáveis a um organismo em desenvolvimento. (CHIARROTINO, 1972, p.80)
O 1º segmento do 1º grau, atual 1º segmento do ensino fundamental, séries
iniciais, anos iniciais será tratado daqui por diante como primário com o intuito
narrativo de reportar o leitor aos primeiros tempos, ao fundo do tempo do ensino
elementar, que veio a ser o ensino para crianças no Brasil – ensino primário que se
dedicava ao ensino elementar, ensino das primeiras letras, afim de marcar ao longo
do tempo as alterações em sua denominação, para que juntos, autora e leitor(a),
possam vir delineando a dimensão das alterações e em que medida estas
alterações produziram diferenças, quais foram que permitiram acontecer o Pedrinho
e sua proposta para o ensino da Matemática.
No capítulo 2 será descrito onde se passa esta narrativa. É um lugar que
merece destaque no texto, pois será descrito o Pedrão - CP II - Fundamental II e
ensino médio (antigos ginásio e colegial), e se apresenta o Pedrinho, abordando
porque, como, quando foi criado e qual seu impacto na comunidade escolar interna.
O Colégio Pedro II é um espaço de memória, como enuncia Andrade (1999) e
está registrado também no primeiro capítulo do Projeto Político Pedagógico - PPP
(2001). No Colégio respira-se história. É uma casa antiga e como já foi dito, “sua
história se confunde com a história da educação neste país”, um espaço onde há um
26
apelo primordial à memória, aos seus legados e o Pedrinho em todos os seus
aspectos e sentidos, já é um legado que merece ser pesquisado, por isso esta peça
irá transcorrer sobre alguns elementos da história do ensino de matemática no
primário do CP II, articulando elementos desde a criação do Colégio, sua
composição e organização administrativa e pedagógica, sua presença no cenário da
educação no Brasil com intuito de traçar em paralelo a trajetória do ensino primário
afim de compará-los a título de prioridade na educação nacional até chegarmos a
criação do curso primário no Colégio.
Existe no Colégio um Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro
II – NUDOM – CP II que guarda um acervo que revela a trajetória do Colégio através
de vários documentos, registros, atas, exames, uniformes, fotos que preservam a
sua memória, assim como uma crescente produção acadêmica realizada por
servidore(a)s da casa, é um importante espaço de pesquisa onde foi possível
encontrar informações sobre pesquisas feitas sobre o Colégio, sua história e
trabalhos sobre o 1º segmento.
Sobre o 1º segmento, num colégio que tem 17210 anos, é bem menor a
produção que inscreve o Pedrinho nessa memória.
O NUDOM11 guarda em seu acervo a produção sobre a história do Colégio
que foi realizada por vários pesquisadores. Essa história é produzida sobre muitos
olhares e recortes. Encontramos neste acervo trabalhos sobre o Colégio, sobre a
história de disciplinas do Colégio, em diferentes períodos e escritos por diferentes
atores sociais, não somente por historiadores. Existem trabalhos feitos por
servidore(a)s da casa e sobre o Colégio e por não servidores também sobre
Colégio. Na busca feita no NUDOM esta pesquisa foi beneficiada por documentos
que tratavam especificamente do Pedrinho, por estudos que apresentavam o
10
O período que encerra essa pesquisa vai de 1984 a 2009, por esse motivo contamos a data da instituição até o ano de 2009 (1837 – 2009 (172 anos)). 11
NUDOM – O Núcleo de Documentação e Memória – NUDOM foi criado em 1995 sendo definido como um núcleo institucional de pesquisa interdepartamental cuja meta é resgatar, organizar e divulgar o acervo manuscrito, iconográfico e documental da História e Memória do Colégio Pedro II. Os objetivos gerais são: 1.1 Preservar, tratar e divulgar o acervo histórico do Colégio Pedro II; 1.2 Estimular o trabalho de pesquisa na comunidade escolar; 1.3 Apoiar o trabalho de pesquisa de graduação e pós-graduação; e específicos: Levantamento, Catalogação, Classificação e Análise das fontes primárias ou diretas e das fontes secundárias ou indiretas relativas à História e à Memória do Colégio Pedro II, existentes nas Coleções de Memória e Acervo Antigo da Instituição. Fica na Unidade mais antiga, no Centro, na Rua Marechal Floriano, antiga Rua Larga.
27
Colégio. Nessa seleção foram priorizados os textos feitos por Professore(a)s da casa
e preferencialmente as do 1º segmento. A história do Colégio que será relatada
neste estudo parte, prioritariamente, dos textos dirigidos ao 1º segmento e feito por
professoras deste segmento.
Sobre o Colégio destaco as produções das duas últimas décadas realizadas
por Professore(a)s do Colégio. A escolha deste período se deu porque podemos
considerar que a partir de 1990 o Pedrinho já poderia estar suficientemente
conhecido para ter uma história a ser produzida sobre ele e o(a)s autore(a)s sendo
professore(a)s da casa teriam mais e melhores possibilidades de fazê-lo.
Boa parte dos trabalhos até agora produzidos concentram- se na história do
ensino secundário até a primeira metade do século XX. Destaco os trabalhos de
Andrade (1999), Massunaga (1989), Carlos Fernando (2008), esses trabalhos estão
catalogados no NUDOM e foram realizados por professore(a)s do Colégio, nem
todo(a)s professore(a)s de história, não se referem na história do educandário ao
primeiro segmento, se detem à história do ensino secundário em diferentes
períodos. Focalizam o Colégio, notadamente, no campo da história da educação e
alguns discorrem sobre a organização e trajetória do Colégio e outros abordam o
tratamento de algumas disciplinas escolares dos cursos ginasial e científico na
instituição.
Na primeira década deste século (XXI) já podemos verificar um número
crescente de produção de Professoras do Pedrinho que pesquisam as práticas
escolares do 1º segmento do Colégio.
A partir de 2004 há uma crescente busca à pós-graduação stricto sensu por
parte das professoras do Pedrinho, em grande medida, motivadas por um
beneficiamento pecuniário dado por titulação previsto no plano de carreira. Nem
todos os trabalhos sobre a história do 1º segmento produzidos pelas professoras do
Pedrinho estão arquivados no NUDOM. A história e a produção histórica sobre o
Pedrinho é bastante recente, porém muito rica e valorosa e como pertencente a um
lugar de memória necessita ser registrada. Embora o texto de Andrade (1999) não
aborde o 1º segmento, constitui-se em uma importante referência da qual não se
pode deixar de comentar em se tratando desse importante espaço de memória, além
28
de outros textos consultados que trazem uma história do Colégio como ensino
secundário.
Somente as Professoras do Pedrinho trazem alguma configuração histórica
do 1º segmento. Alguns desses trabalhos se aproximam deste estudo porque tocam
a história da criação do 1º segmento, a criação das unidades, e nesse sentido vale a
pena citar os trabalhos de Duque (2010), Chamarelli (2010), Rocha (2010) e França
(2009). Todas professoras do 1º segmento. Nenhuma delas trata, especificamente,
da proposta de ensino de matemática para este nível, apesar de, entre as citadas,
algumas serem graduadas em Matemática. Destaco o trabalho de Duque (2010) que
em certa medida se aproxima do estudo em tela pois aborda a trajetória e história do
ensino de Ciências no 1º segmento do Colégio apresentando também a presença da
equipe do Laboratório de Currículos e suas contribuições.
O estudo em tela se diferencia ao trazer um olhar da história do Colégio que
embalou a trajetória do 1º segmento. A história contada a partir de Tito Urbano
descrita em seu plano de ensino (1986), diferencia esse estudo porque se detem a
alguns aspectos: 1.Na sua área de concentração que é História da Educação
Matemática; 2. Em construir suas referências na história da educação, com ênfase
na história e construção do ensino primário no país e no Colégio buscando seus
vestígios desde o início da construção de um sistema de educação para o país afim
de compreender e explicar como este segmento de ensino se encontra nos dias
atuais; 3. Em buscar aproximar, de certa maneira, do vanguardismo de Euclides
Roxo com a proposta de ensino de matemática apresentada para o Pedrinho e pelo
tratamento que dá ao conjunto de Professoras Polivalentes, buscando revelar o que
se passava nas relações estabelecidas no Colégio através da abordagem dada ao
ensino de Matemática expressas nos textos dos programas escolares de
matemática nesse segmento. Contudo, tem uma coisa importante em comum, o fato
de as pesquisadoras que escrevem sobre o Pedrinho serem agentes e por vezes
responsáveis por parte do que vai ser tratado nos estudos elaborados, é um dado
relevante. Até agora só escreveu sobre o Pedrinho quem é do Pedrinho, talvez
venha ser um dado que justifique a pesquisa sobre as práticas escolares por quem
as realiza. Outras professoras do Pedrinho escreveram sobre outros temas, mas
sobre o Pedrinho somente as que lecionaram nesse segmento.
29
Esse estudo é uma das oportunidades ímpares de começar a elaborar a
memória viva do Pedrinho com muitos olhares sobre a criação do primário no
Colégio.
Será feita uma apresentação do Colégio Pedro II, que constitui parte do
cenário político, social e histórico onde é criado o 1º segmento – Pedrinho, a fim de
traçar o pano de fundo onde as relações que serão tratadas neste estudo se
estabelecem e sob que parâmetros, passando pela conjuntura educacional, nacional
e estadual e do Colégio especificamente.
O Colégio será desenhado a partir do seu berço, que é um jovem país
independente, para mostrar a juventude da educação brasileira num país igualmente
jovem e dentro deste país traçar a trajetória do CP II, afim de estabelecer seu papel
de destaque no cenário da educação brasileira, visualizando um Colégio que vem do
fundo do tempo da educação nacional. Para tanto traçaremos como marco a
primeira carta de identidade do Brasil independente, a constituição de 1824 e daí
buscamos os traços do que viria a ser o sistema de educação no Brasil. Essa busca
foi feita através das constituições, decretos e leis que versaram sobre educação/
instrução/ensino. Nesta coleção de documentos escolhi aqueles que tratavam do
ensino primário e também sobre o CP II. Entendendo documentos, no caso as
legislações educacionais, como referências importantes enquanto dispositivo de
conformação do campo e de práticas pedagógicas (FARIA FILHO, 1998), bem como
discuti-las como mediação entre o poder e a sociedade. No caso dos Planos de
ensino importa-nos sinalizar o lugar onde eles podem ser encontrados, o
favorecimento ao seu acesso, leitura, debate e compreensão. A forma como os
documentos estão organizados, no caso, dispersos e desorganizados, ausentes ou
apresentando lacunas, fazem com que sua busca se torne bastante desafiadora às
pesquisas, como é no caso o FACTA12. As lacunas do FACTA que é um documento
que registra e registrava os atos administrativos oficiais da Direção Geral, guarda
impressões de quem o produz. Ao anunciar o 1º segmento no Colégio Pedro II não
se preocupa em registrar esses atos com relação a todos os atos administrativos
12
FACTA: Publicação interna ao Colégio que trazia os atos administrativos oficiais da Direção Geral, como portarias administrativas e/ou pedagógicas de movimentação do(a)s servidore(a)s e outros eventos relacionados com a vida funcional da autarquia. Este documento é publicado desde 1971.
30
que concorrem para essa criação, como as portarias, que o documento as registra
de forma aleatória.
Passando em 1931, data da criação do Ministério da educação e da saúde
pública, esta análise irá dedicar-se um pouco à conjuntura nacional, era Vargas, que
traz marcos regulatórios para educação através das reformas Campos13 e parte da
reforma Capanema14.
Neste mesmo período da história da educação no Brasil vem acontecendo no
CP II um movimento de reforma/modernização da matemática liderado por Euclides
Roxo, presença que comentaremos para inserir a história da educação matemática a
partir do Colégio Pedro II e abordaremos as concepções acerca das representações
sobre o ensino da matemática no Colégio antes da criação do Pedrinho, o que
chamarei de ideário. Foi necessário compreender o que se passava na Matemática
do Colégio para compreender os possíveis efeitos da construção de uma proposta
pedagógica para o ensino da matemática no Colégio, mas para outro segmento.
Pode-se pensar em princípio que seria uma outra matemática e a partir daí buscar,
então, caracterizá-la.
Outro marcador que merece ser mencionado pois revela o movimento de
renovação da educação é o Manifesto dos Pioneiros (1932) que marca o movimento
escolanovista no Brasil. Esse Manifesto foi escolhido como marco inicial por tratar-se
da síntese do pensamento de um plano de reconstrução educacional nacional, com
ênfase na educação nova que sustenta o ideário da reforma, com princípios mais
democráticos, com mais inclusão e oportunidades.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma
13
Reforma Campos. DECRETO N. 19.890 - DE 18 DE ABRIL DE 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Primeira reforma educacional de caráter nacional, realizada pelo então Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos (1931) A reforma deu uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decretonº19.890-1931 reformafranciscocampos.htm ; http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=88:a-reforma-francisco-de-campos&catid=1015:1931&Itemid=2) acesso em 25/09/2011. 14
Reforma Capanema . Foi o nome dado ao conjunto de transformações projetadas no sistema educacional brasileiro realizado através de um conjunto de leis orgânicas, a partir de 1942, durante a Era Vargas, liderada pelo então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=63:reforma-capanema-pico-na-oferta-de-linguas&catid=1016:1942&Itemid=2. acesso em 25/09/2011
31
reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. (...) A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo. (Manifesto dos Pioneiros, 1932)
Esta escolha dá-se também pelo fato de que este manifesto planta o espírito
de muitas outras transformações pelas quais passou e vem passando a educação
brasileira e sem dúvida impactou e foi impactado também pelos movimentos de
renovação pedagógica.
aos que tomaram posição na vanguarda de renovação educacional cabia o dever de formular (. . .) as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra escolas tradicionais. (Manifesto dos Pioneiros, 1932)
Como o movimento escolanovista trazido no manifesto anunciava uma
perspectiva mais avançada e preocupada com a educação de crianças, pode-se
perceber que o campo para a expansão, crescimento e valorização da educação
traduzido na sua conceituação e fundamentação da educação nova na
implementação de um outro processo educativo já se projetava as séries iniciais e
anos mais tarde no CP II se concretizou com a criação do 1º segmento.
... e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades". (Manifesto dos Pioneiros, 1932).
32
Em seguida, a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da
educação nacional de 196115 que pode ser considerada um outro marco regulatório
após a criação Ministério da educação e as LDBs seguintes.
A partir daí buscar-se-á acompanhar as alterações mais sistemáticas
referentes ao trato do ensino primário desde a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 4024 de 1961 até a Lei 5692 de 1971, que vinham apontando
um cenário favorável a educação de crianças de 6 a 10 anos, o que favorece a
criação do primário no CP II, que será abordado neste estudo, com base nas
pontuações do campo da história da educação.
Após essa remissão, começa-se a desenhar a gestação, criação e
implantação do Pedrinho para a qual será utilizada uma outra coleção de fontes,
entre as quais, as normativas para o ensino desde 1971 até 1996. Em 1984, o
Pedrinho é criado sob a égide da Lei 5692/71 e suas normativas. Para apresentar
este contexto mais interno, lança-se mão, ainda, de legislação educacional e
também de normativas próprias do Colégio encontradas no FACTA.
Na caracterização do Pedrinho será discutida a construção do seu projeto e a
materialização desta idéia, apresentando a sua estrutura pedagógica, organização e
caracterização do quadro discente e formas de acesso. O quadro docente será
destacado em capítulo específico.
Como nasce este segmento: Quando e porque nasce o Pedrinho? – este
ponto será explorado a partir da gestão de Tito Urbano da Silveira no período de
1979 a 1991, um período que se inicia junto aos movimentos de democratização do
país. Tito Urbano torna-se Diretor Geral do Colégio Pedro II em 1979 quando a
educação no país é regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
5692 de 1971 e a partir daí uma série de eventos educacionais nacionais e internos
ao Colégio propiciam a criação do Pedrinho em 1984.
A criação do Pedrinho produziu um importante elenco de reformas nas
práticas pedagógicas e também administrativas no Colégio e para o ensino da
Matemática revelou-se como uma grande oportunidade do Colégio rever-se,
15
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de agosto de 1961 – A primeira LDB para educação do Brasil, tramitou durante 13 anos e foi homologada pelo Presidente João Goulart e Ministro da Educação e do Desporto Antonio Ferreira de Oliveira Brito.
33
revisitar-se. Surge assim a necessidade e oportunidade de produzir uma narrativa
sobre como foi a construção de proposta pedagógica para o ensino da matemática
no Colégio.
Em capítulo seguinte a ênfase é dada à caracterização do quadro docente e
suas lutas de representação na escola, os conflitos e contradições na afirmação de
sua identidade como professoras primárias do CP II.
Instaurado o Pedrinho, nos detemos em apresentar a constituição do corpo
docente corroborando com o que diz Bloch (2003) sobre a presença dos sujeitos na
realização dos atos que constroem as histórias. São homens, neste caso específico
do Pedrinho, são as mulheres as protagonistas desta história, por isso o corpo
docente é um organismo que se desloca, se movimenta e que se inventa e se
transforma nesta história da construção e desenvolvimento da proposta de ensino de
Matemática no primário do Colégio Pedro II. Porém essas mulheres trazem consigo
várias características que operam diferenciações no quadro docente da instituição,
uma diferenciação se situa na formação inicial das professoras, entre as professoras
do Colégio que lecionam matemática no Pedrinho e as professoras que lecionam
matemática no Pedrão. Esta diferenciação que também se expressa numa
hierarquização, passava pelo grau de escolaridade destas professoras, o que me
leva a tocar em aspectos da sua formação, dando ênfase na produção pedagógica
legada por este grupo. Neste sentido buscarei caracterizar a professora do Pedrinho
dentro do contexto que considero um embate ideológico e para tanto buscarei apoio
nos aportes de Foucault16 no que aborda à “ordem do discurso”, às interdições e em
De Certeau (2004) no que aborda a questão das “crenças”.
Será traçada uma caracterização da professora do 1º segmento no que diz
respeito a sua formação, a forma de acesso ao quadro permanente do Colégio
através dos editais, como elas foram instaladas no cotidiano administrativo,
organizativo e pedagógico do Colégio, suas condições de trabalho e carreira, pois
16
Foucault, Michel. Poitiers, 15 de outubro de 1926 — Paris, 25 de junho de 1984, foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação.
34
trata-se de um grupo particular de professoras, uma vez que o CP II era a única
escola federal de educação básica, durante o período que será analisado.
Este corpo docente que constituía o primeiro segmento era também único no
país, localizado em uma escola que apresentava um quadro de diferenças bem
marcado e é dentro deste quadro que se pretende destacar qual o lugar que a
professora primária/ polivalente ocupou e o que ela representou, pois estas
professoras foram preparadas para executar a proposta matemática marcada por
teorias que buscavam alterar o quadro do ensino de matemática não só no Brasil,
como veremos ao longo deste estudo, e assim buscar compreender como foram
vistas no Colégio estas professoras que “anunciavam” um discurso de um outro
lugar – a partir das escolas normais com muitos problemas referentes aos níveis de
aprofundamento dos conteúdos de matemática que são ensinados a essas futuras
profissionais.
1.2 OS EFEITOS
Entendido que há diferenças entre o corpo docente que atua no Pedrão e o
corpo docente que vai atuar no Pedrinho, cabe nesse estudo buscar compreender
quais são essas diferenças e investigar os efeitos que elas podem ter na
constituição dos processos escolares advindos da criação deste novo segmento, da
mesma forma que deverá buscar também os efeitos de discursos diferenciados pelo
lugar de atuação destas professoras a partir da sua formação inicial com base nas
construções curriculares, ou seja, dos planos de ensino. O CP II tem uma
organização bastante hierarquizada, há diferenças bem marcadas e valorativas.
Estas diferenciações interferem nos processos escolares sendo explicitadas através
de culturas escolares também diferenciadas.
A entrada do “novo” suscitou a possibilidade e a necessidade dessa pesquisa,
considerando como novo o fato da inserção do 1º segmento no CP II. Uma vez que
escolas com o ensino fundamental completo e que funcionavam no mesmo prédio já
existiam, a novidade que se atribui à criação do Pedrinho pode ser entendida pelo
fato de ser especificamente novo no CP II. No conjunto destas “coisas novas” esta
pesquisa pretende inovar focalizando o corpo docente do Pedrinho e a construção
da proposta pedagógica para o ensino de matemática, desembocando-a ou
localizando-a no campo da história da educação matemática.
35
Para investigar a problemática que envolve o corpo docente do primário do
CP II – em particular as professoras que lecionam matemática no 1º segmento, no
que envolve a formação de professoras articulada a elaboração da proposta
curricular, apoio em Foucault, pois nos permite entender esta relação sob a ótica das
relações de poder traduzidas no campo discursivo das práticas curriculares e estas
contribuições de Foucault passam pela ordem do discurso, permitindo analisar os
enunciados, quem os faz e os caminhos que passa esta enunciação. O que é
necessário para exercer a palavra? Essa é a questão que deveria ser respondida
para compreender o que aconteceu com a palavra enunciada pelas professoras
primárias com relação ao texto escrito e as práticas para o desenvolvimento de um
programa de ensino de matemática para o primário do CP II.
Essa resposta pode ser encontrada em boa medida em aportes de Foucault,
1996, em matéria onde ele discorre sobre os elementos que aparecem na questão
da enunciação – no exercício da palavra e como esta palavra é legitimada ou
deslegitimada, passando pela problematização do autor, no caso autoras, as
professoras polivalentes, aquelas que enunciam. Busca-se compreender porque a
palavra é autorizada ou desautorizada e em se tratando de autorização e de
legitimidade são atos envolvidos na problemática do poder. Nessa problemática de
poder apresentada neste estudo estão relacionadas à professora polivalente e à
professora especialista, através da construção de um programa de ensino de
matemática para o primário do CP II, numa disputa que se trava pela hegemonia
sobre esse texto que virá a ser construído, acerca de quem viria a deter o poder
sobre o que seria ensinado de matemática no primário do Colégio. Nesse sentido a
pesquisa ensaia desordenar a lógica da análise sobre os saberes docentes
acrescentando a problemática da disputa pelo poder, problematizando os
mecanismos de poder presentes ou ausentes em torno desses saberes que vem
ajudar a reforçar as diferenças dentro da categoria docente, através das suas
diferentes localizações no interior da escola, gerando mais uma: a professora
regente do 2º segmento e a professora regente do 1º segmento.
Assim esta “palavra” fica sujeita a ser observada, caracterizada, ordenada,
classificada e por fim incluída ou excluída, autorizada ou desautorizada para
prosseguir seu caminho de enunciação legitimada, afirmada como “verdade” para o
ensino de matemática no primário do CP II.
36
A problemática identificada como uma disputa no campo discursivo foi
vivenciada pela pesquisadora em tela, posto que a mesma é professora primária
(polivalente) e professora de matemática (especialista), o que a fez buscar
compreender a relação entre as professoras do Colégio através da diferença na
formação e no público atendido.
Neste capítulo foi possível pensar como a professora polivalente se posiciona
diante do debate em torno da afirmação de uma proposta de ensino por ela
construída com o objetivo de ser a base, o início e portanto deveria ser acolhida e
continuada por professoras especialistas pois daria sustentação a trajetória
curricular dos aluno(a)s em matemática. Neste embate será possível apreender as
relações de poder e a disputa por se manter as “verdades” históricas para o ensino
de matemática a partir de um ideário considerado conservador frente a uma outra
proposta considerada inovadora uma vez que trazia uma visão mais democrática,
acessível, popular, inclusiva de matemática.
Assim sendo, busca-se compreender o problema que reside na relação das
professoras polivalentes com as professoras especialistas, contextualizando esta
luta de representação e hegemonia através do programa do ensino de matemática
do CP II.
Considera-se que a Professora Primária do CP II seja a protagonista de uma
disputa que tem como objeto o programa do ensino de matemática do primário do
CP II. Assim sendo, conhecê-la é parte fundamental desse estudo. O que relaciona
a professora polivalente ao programa, que será o objeto desse estudo, sendo o fio
que conduz essa narrativa, é o discurso enunciado por esta professora e é traduzido
no programa, o que coloca, então, esse discurso como elemento condutor dessa
trama, pois será através dele que buscaremos compreender quem o produz e o que
significa esta produção. Para apreendê-lo serão analisados documentos, em
capítulo destinado para esse fim. Importa-nos, nesse trecho, a relação entre o texto
produzido e as professoras que o produziram. É necessário entendê-las, conhecê-
las e conhecer os efeitos desta produção, afim de compreender como este produto –
o programa de ensino de matemática para o primário do CP II, afetou a inserção
destas professoras no Colégio. Para afirmar este texto, as professoras tiveram que
se apresentar, expor suas identidades através de um elenco de características que
37
levantamos neste terceiro capítulo e assim capturamos essa professora e
conhecemos estas atrizes.
Para o entendimento desta relação, lança-se mão da representação do
discurso e da forma como ele pode ser considerado por seus interlocutores,
buscando uma analogia ao “louco”, bem como a criança e, ou o ignorante
considerados por Foucault (1996) na ordem do discurso, com relação às sujeições a
que são submetidos os seus discursos.
O estudo vai sinalizar para uma questão que creio que poderá ser muito
preciosa para professoras polivalentes num próximo estudo, que traz a tona o que
se faz do ideário em torno do ensino da matemática e seus programas enquanto
prática discursiva, o que certamente valerá a pena complementar trabalhos
subseqüentes nesse sentido.
Pretendo fazer a análise desses elementos dentro do Colégio Pedro II, por
onde é possível crer que passam todas essas questões de forma potencializada. A
escolha do Colégio se dá pelo fato de a pesquisadora em tela ser ex-aluna e
professora desta casa, o que me permite realizar esta pesquisa de um lugar
privilegiado, apesar de incorrer em outras situações que necessitarão um exercício
de descentração, ao incorporar o papel de pesquisadora da linha de história da
educação matemática e exercer o ofício de historiadora.
Conhecidas as protagonistas e seu papel no colégio, partimos para o capítulo
seguinte onde haverá um panorama da proposta de ensino de matemática para o
primário do CP II, no qual analisar-se-á quais os argumentos, a sustentação teórica
e metodológica que permitiram ao texto – programa, se constituir como uma
“verdade” legitima para o ensino primário, identificando as operações pelas quais a
produção do discurso foi submetida a fim de verificar se estavam no campo dos
saberes ou localizados fundamentalmente na disputa pelo espaço de construção da
proposta e das assessorias.
38
1.3 COMO SE CONSTRUIU A PROPOSTA DE ENSINO DE MATEMÁTICA DO 1º
SEGMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL (ANTIGO PRIMÁRIO) DO COLÉGIO
PEDRO II?
Não vejo exatamente o ensino de história em crise porém vejo-o passando permanentemente por atualizações inconsistentes, duvidando de si próprio e num momento propício e maduro para interrogar seu passado a fim de compreender as opções que pautam sua trajetória para ser o futuro. (Bloch, 2003)
Essa idéia foi trazida por Bloch para o tratamento da história e pode-se dizer o
mesmo para o ensino da matemática no primário e que as ferramentas
disponibilizadas para uma abordagem no campo da história do ensino da
matemática já são suficientes para compreender as atualizações pelas quais tem
passado esta atividade no ensino primário.
Uma a frase emblemática “bendita a juventude que ousa.”17 ajuda a ilustrar
parte da trajetória do “jovem Pedrinho”, e com ela é possível traçar um comentário
sobre o Futuro Velho Colégio, pois sempre esteve a frente de seu tempo mesmo
quando tradicional e como se opôs às vanguardas guardando com excelência suas
contradições, com ousadia, assim como foi feito inaugurando-se um novo segmento
no Colégio.
Para falar sobre o ensino da Matemática no 1º segmento do Colégio é
necessário conhecer alguns elementos sobre a história do ensino da Matemática no
Colégio, as tendências, orientações, reformulações e fundamentalmente sobre o
contexto sócio, político e educacional onde se situavam os formuladores, afim de
entender de que forma veio a ser construído um novo plano no colégio.
Nesse estudo pretende-se articular o que foi produzido para o ensino de
matemática no primário do CP II ancorados no “porto” da história cultural;
compreender como foi a trajetória da construção da proposta para o ensino de
Matemática no 1º segmento, como esta escola se comportou frente ao novo desafio,
identificando seus limites, possibilidades, permanências, conflitos e contradições, a
partir também de suas consígnias explicitadas em seus planos de ensino que
mostram como se atualizaram determinados princípios que inicialmente eram um
17
Frase do Prof. Wilson Choeri era usada nos convites de formatura referindo-se aos estudantes que concluíam o ensino fundamental ou médio.
39
pouco mais afeitos à tradição e verificar se nesta construção podem ser identificados
vestígios da re-orientação curricular para o ensino da Matemática a partir do
processo de implantação das séries iniciais no CP II e como isto se traduziu nos
planos de construção da proposta pedagógica e estabelecer uma relação com a
formação de professoras do 1º segmento inicial e em serviço feita no Colégio nos
anos de 1985/86.
Acredita-se que para responder a questão da pesquisa será necessário
buscarmos as características do programa de ensino da Matemática para o ensino
primário, bem como as educadoras que trouxeram as influências e orientações que
atravessaram a proposta para o plano. Este plano que surge em uma determinada
conjuntura educacional do país, do estado e por último do Colégio foi construído a
partir da soma de saberes dentro de uma certa correlação de forças político
pedagógicas.
No programa de formação foi possível experimentar as propostas do
Laboratório de Currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro
(1976/1983) que influenciaram em grande medida a proposta pedagógica para o
ensino, de modo geral, no 1º segmento, bem marcada por teorias de vanguarda que
vamos verificar ao longo deste estudo.
Os planos de ensino foram considerados como textos / discursos curriculares,
palavra enunciada pela professora polivalente, que compõem e consolidam o novo
ideário, por meio dos programas do Departamento do Departamento do 1º
Segmento do Ensino Fundamental desde 1984 até 2009, a fim de identificar o que
foi proposto, se foram produzidas mudanças e quais foram na re-orientação
curricular para o ensino da Matemática a partir do processo de implantação das
séries iniciais no CP II e o plano de formação de professoras feito no Colégio.
Pretende-se, como já foi sinalizado, discutir as formulações dos planos sob a
ótica da questão da construção discursiva em torno da proposta de ensino-
aprendizagem de Matemática, no que se refere a quem leciona esta
atividade/disciplina nas séries iniciais – as professoras primárias referente à
afirmação de preconceitos e estereótipos que discriminam e excluem boa parte da
população escolar bem como não favorece o fortalecimento da identidade das
professoras que lecionam Matemática no primário.
40
Neste ponto, da análise do programa para o ensino de matemática no
primário é considerado como um campo discursivo e a disputa pela hegemonia
sobre este texto que se insere a partir de um discurso proferido por diferentes
atores, portadore(a)s de diferentes saberes e diferentemente localizados acerca do
ensino de matem ática posta entre o velho e o futuro CP II e como se comportou
este colégio observando através do embate entre Pedrão – em particular o
departamento de Matemática em relação a este novo corpo docente que se instituiu
no “velho CP II” – o departamento do 1º segmento que materializará o futuro CP II.
No Pedrinho e com o Pedrinho vai nascer o futuro Pedrão.
O ensino da matemática e outras práticas do “Futuro Velho Colégio Pedro II”
seriam determinados nessa relação que encerra poderes instituídos e engedra um
novo texto para o Colégio que viverá este futuro que entrou no século XXI.
Também será também necessário para a análise do processo da construção
da proposta curricular de Matemática do ensino fundamental no CP II buscar apoio
em pesquisadore(a)s do campo da história da educação matemática no momento
em que se busca estabelecer relações internas à Matemática a partir do legado de
Euclides Roxo e estreitando com os movimentos de renovação da educação e de
reforma da Matemática, e neste sentido poderemos contar com as contribuições de
Valente (1999, 2003, 2007).
A proposta para o ensino de matemática no primário pertence ao conjunto de
proposições para todo o ensino primário descritas, basicamente, nos guias de
orientação curricular do Estado do Rio de Janeiro, produzidos pela equipe do
Laboratório de currículos da SEEduc/RJ no período de 1976 a 1983. Esses guias
foram os documentos norteadores que marcam a presença da Profª Diva Maria de
Bretas Noronha e a partir desta presença podemos identificar as influências, outras
contribuições e também as resistências. Este fato ilustra que, mesmo sendo a escola
federal, os aportes pedagógicos que fundamentaram a sua proposta foram trazidos
da rede estadual do Rio de Janeiro que possuía mais acúmulo no tratamento deste
segmento. O que faz também com que a proposta seja inovadora no Colégio mas
não no estado e nem no país.
Os documentos analisados neste trecho serão os planos de ensino que serão
considerados manuais curriculares ou os livros didáticos das professoras, bem como
41
os guias de orientação curriculares do Laboratório de Currículos da SEEDuc_RJ. O
material que será examinado serão os Planos Gerais de Ensino produzidos para
orientação curricular Departamento do 1º segmento do Colégio. Esses planos foram
editados em 1984; 1986/88; 1995/96 e por último o PPP_2001, o Projeto Político
Pedagógico e a coleção da proposta do Laboratório de Currículos do Estado do Rio
de Janeiro, que embasaram a construção e implantação da proposta curricular para
o ensino da Matemática no 1º segmento e os planos bimestrais e um conjunto de
exercícios e atividades de Matemática do primeiro segmento do CP II foram
coletados do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos. Estas atividades foram
produzidas, estudadas e copiados para a confecção, implantação e desenvolvimento
da proposta, para auxiliar na identificação das bases teóricas e metodológicas que
fundamentaram as professoras nesta construção.
Para esta análise terá como um dos apoiadores importantes Choppin (2004)
que descreve as funções do livro didático permitindo que se destaque a função
ideológica de alguns desses materiais que permitiram garantir a unidade
metodológica da proposta.
O conteúdo da proposta escolhido para a análise, com mais ênfase, foi o
sistema de numeração, posto que seu desenvolvimento trouxe grande impacto para
a proposta, uma vez que sua metodologia foi bem diferenciada e mobilizadora.
Finalizando, são apresentadas considerações sobre algumas inovações que o
Pedrão incorporou para ajustar-se ao Pedrinho no intuito de obter uma unidade
pedagógica para todo o Colégio.
Esta história atravessa o século (XX/XXI), pois é inscrita no período de 1984 a
2009, quando o Pedrinho completa 25 anos, sendo ainda cedo para considerá-la
consolidada.
42
CAPÍTULO 2
COLÉGIO PEDRO II
Para tratar da construção da proposta para o ensino de matemática no
primário do CP II é necessário localizar o Colégio no cenário educacional nacional.
Em 2009, o CP II completou 172 anos. Foi o presente dado ao Imperador Dom
Pedro II no seu aniversário em 2 de dezembro de 1837, data de sua fundação. O
Colégio durante a sua trajetória foi considerado centro de referência em educação
de qualidade sendo chamado “Colégio Padrão do Brasil”. Houve um tempo em que
seu programa de ensino constituía o currículo oficial18 do Brasil. Era o único colégio
de educação básica que constava do organograma do MEC e tem este fato
garantido na Constituição (abaixo).
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art.242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos. §1º - O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. §2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal
19
Durante sua sesquicentenária trajetória sofreu vários revezes, mas seus
ilustres ex-aluno(a)s e professore(a)s em todos os tempos garantiram seu bom
nome.
Existem diversos caminhos para construir uma síntese da história do Colégio
e de como o Pedrinho foi criado no berço de Tito Urbano e, dessa maneira, foi
18
Durante a Reforma Campos o Colégio que, sempre acompanhou todo desenvolvimento do processo educacional do país, chegou a ser pólo irradiador das políticas (currículos e programas) educacionais, por isso era considerado Colégio Padrão do Brasil. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Colégio_Pedro_II. Acesso em 13/09/2012) 19
Da Constituição de 1988 – artigo que garante o CP II na esfera federal. https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos. acesso em 15/11/2011)
43
embalado ouvindo as histórias a partir do protagonismo desse “Pai”/ Mestre. Segue
um resumo com essa marca:
O COLÉGIO PEDRO II é muito antigo e tradicional. Já faz parte da História do Brasil, pela contribuição relevante que a ele deram seus ex-alunos e professores tanto no passado quanto no presente. Em 1739, fundava-se o Colégio dos Órfãos de São Pedro por inspiração de D. Antônio de Guadalupe, 4º Bispo do Rio de Janeiro. Em 1766, ganhou novas instalações na Capela de São Joaquim, aproximadamente no local onde se encontra o COLÉGIO PEDRO II – Unidade Centro. Transformou-se, então, no Seminário de São Joaquim, dando continuidade à atividade moral, religiosa e intelectual anteriormente iniciada. Por ato de D. João VI, foi arbitrariamente extinto, em 1818. O Príncipe Regente, o futuro D. Pedro I, em 1821 o restabeleceria. Dez anos depois, em 1831, foi remodelado e passou a ser administrado pelo Governo Imperial. Em 1837, Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande ministro do Império, apresentou à assinatura do Regente Pedro de Araújo Lima o decreto que reorganizava completamente o Seminário de São Joaquim que recebeu o nome de COLÉGIO PEDRO II, em homenagem ao Imperador – menino, no dia de seu aniversário – 2 de dezembro. O primeiro Reitor do Colégio foi Antônio de Arrábide, Bispo de Anemúria. Foi inaugurado com a presença do Imperador, das princesas, suas irmãs, de todo o Ministério, do Regente e de outros dignatários do Império. Ao entregar o Regulamento do Colégio, Bernardo Pereira de Vasconcelos fez uma previsão: “Anima, sobretudo, a certeza da poderosa proteção do Príncipe, cujo nome honra esta instituição e cuja generosidade para com ela, gosto e aplicação afiançam que o culto das letras e das ciências será um dos principais títulos de glória de seu reinado.” Mais do que isto, o COLÉGIO PEDRO II, ultrapassando os limites cronológicos dessa feliz previsão, é, na verdade, uma glória para o Brasil. Deve-se a Bernardo de Vasconcelos ainda a criação do grau e diploma de Bacharel em Ciências e Letras pelo Colégio, que tanto dignifica aqueles que o possuem. O Colégio passou por várias reformas até a época da República, sem que, entretanto, visse diminuídos os privilégios legais que merecidamente havia conquistado. Em 1857, dividiu-se o Colégio em duas seções: Externato e Internato. Em 1858, o Internato começou a funcionar na Chácara do Engenho Velho, na Rua São Francisco Xavier, próximo ao Largo da Segunda-Feira, na Tijuca. De lá, em 1888, transferiu-se para o Campo de São Cristóvão, onde se encontram, hoje, as modernas instalações da Direção Geral e as unidades escolares São Cristóvão. As antigas instalações do Internato foram destruídas por um incêndio em 1961. Com a Proclamação da República, em 1889, o Colégio teve seu nome mudado. Passou a denominar-se Instituto Nacional de Instrução Secundária, e, posteriormente, Ginásio Nacional. Em 1911, voltou a ter seu glorioso nome de origem – COLÉGIO PEDRO II. Por seus bancos escolares, passaram ilustres alunos, como: Álvares de Azevedo, Joaquim Nabuco, Paulino José Soares de Souza, Antônio Ferreira Vianna, o Barão Ramiz Galvão, o Barão do Rio Branco, o Visconde de Taunay, Vieira Fazenda, Washington Luis, Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Paulo de Frontin, Carlos de Laet, Raul Pederneiras, Jônatas Serrano, Antenor Nascentes, Manuel Bandeira, Souza da Silveira,
44
Vicente Licínio Cardoso, Henrique Santos Dumont, Everardo Backeuser, Herbert Moses, José Eduardo Prado Kelly, Hahnemann Guimarães, Filadelfo de Azevedo, Afonso Arinos de Melo Franco, Maurício Joppert, Prudente de Morais Neto, Alfredo Trajan, Pedro Nava, Augusto Hahnemann Rademacker Grunewald, Otávio Costa, Heitor Beltrão, Hélio Beltrão, Carlos Dunshee de Abrantes e tantos outros. Não podemos deixar de destacar também a constelação de seus professores: Justiniano José da Rocha, Joaquim Caetano Fagundes Ribeiro, Joaquim Manuel de Macedo, Antônio Gonçalves Dias, Araújo Porto Alegre, Gonçalves de Magalhães, Barão de Tautphoeus, Barão Homem de Melo, Pacheco Junior, Barão do Rio Branco, Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, Farias de Brito, Fausto Barreto, Carlos de Laet, Sílvio Romero, João Ribeiro, Agliberto Xavier, Eugênio de Raja Gabaglia, Manuel Said Ali Ida, Escrangnole Dória, Amaro Cavalcanti, Buarque de Macedo, José Veríssimo, José Oiticica, Antenor Nascentes, Álvaro Lins, Manuel Bandeira, Waldemiro Potsch, Delgado de Carvalho, Jônatas Serrano, Joaquim Inácio de Almeida Lisboa, Abgar Renault, Pedro Calmon, etc . . . Por esses nomes, aos quais poderiam ser acrescentados muitos outros, se reconhece no COLÉGIO PEDRO II uma oficina permanente de grandes personalidades, o que demonstra o alto padrão de seu ensino. Hoje, como ontem, o magistério, o corpo administrativo e os alunos deste Colégio dão continuidade sempre renovada ao espírito de seriedade e de grandeza que presidiu a sua fundação, visando ao progresso moral, cívico, cultural e intelectual do Brasil. A história do COLÉGIO PEDRO II é um livro aberto a você, prezado Professor, a quem cabe a honra de escrever, no presente, o futuro desta monumental tradição. (Nótula Histórica de Aloysio Jorge do Rio Monteiro, no PGE, 1986)
Com essas palavras sobre o Colégio abre-se o Plano Geral de Ensino (PGE)
do 1º segmento, era o documento de identidade do Pedrinho. Não era o primeiro
plano pois o primeiro plano de 1984 não trazia uma apresentação do Colégio, o que
só acontece neste plano de 1986, mas o que explicitava e garantia a proposta
pedagógica que é objeto deste estudo. Por isso a opção por esse fragmento de
história que é divulgado em um documento distribuído a todas as professoras deste
jovem segmento que em 1987, já funcionava plenamente. Esse documento tem
outras edições com algumas alterações.
Pode-se notar que a base de sustentação do ideário desse grande Colégio foi
construído por homens que, pelo fato de terem passado por essa casa, recebem
hoje o título de ilustres. A história que agora se apresenta já traz, a partir daí, outra
grande marca dessa mesma grande escola, ainda um educandário de importante
tradição, só que protagonizada no primeiro segmento, pode-se dizer, (quase)
exclusivamente por mulheres.
Nesse sentido, essa produção se ancora em pressupostos de uma história
cultural que nos permite outras histórias de agentes que, embora sem o status dos
45
grandes homens, são pessoas que igualmente sustentam o ideário da casa e que
pertencem às ditas “minorias” historicamente excluídas e nesta produção afirmam
suas identidades na sociedade e, na maior parte dos casos, estão invisíveis nos
textos que apresentam o Colégio Pedro II: as mulheres.
2.1 Colégio Pedro II: o potencial de suas diferenças e de contradições.
É importante localizar o Colégio Pedro II no tempo e no espaço e, para tanto,
o ponto de referência e o seu mais novo “documento de identidade”, o Projeto
Político Pedagógico (PPP), documento que introduz o Colégio no século XXI. O PPP
começou a ser produzido no ano de 1998 por determinação da LDB 9.394/96 e
distribuído em 2001. É com esse texto que o Colégio se apresenta ao terceiro
milênio.
O PPP está dividido em sete capítulos que representam espaços constituintes
de 1. Memória; 2. Diferenças; 3. Contradições; 4. Cidadania; 5. Conhecimento; 6.
Organização e 7. Inclusão. Esses espaços trazem uma caracterização atualizada do
CP II com relação à sua história, rede física, corpos docente e discente, proposta e
pressupostos filosóficos, organização curricular, relação de competências que
devem ser desenvolvidas através de conteúdos e atividades; formas de acesso;
procedimentos de avaliação; extensão escolar e outros eventos pedagógicos que
fazem a diferença do CP II. Ao longo do texto pode-se verificar que o Colégio tem
uma identidade essencializada que faz com que ele continue a manter o seu padrão
de qualidade (RAMOS, 2006).
O estudo ora apresentado lança mão desta apresentação do Colégio sobre o
que faz com que ele busque caracterizar-se como instituição de excelência no
ensino, em toda a sua proposta curricular. A ênfase recairá sobre o ensino da
matemática no primário. Será apresentada um pouco da diversidade no que toca às
proposições curriculares dessa atividade/disciplina e os sujeitos diferenciados que
se relacionam através delas com suas identidades plurais e o potencial de riquezas
de suas contribuições.
O PPP, que foi elaborado com a participação de toda a comunidade escolar,
apresenta características peculiares que denotam um ensino ministrado de forma
46
diferenciada, de modo a garantir-lhe a qualidade. Em um dos trechos, ele revela o
Colégio para o conjunto da sociedade:
O Colégio Pedro II – CPII – é um complexo educacional composto, atualmente, de treze Unidades Escolares: Centro; Engenho Novo I e II; Humaitá I e II; São Cristóvão I, II e III; Tijuca I e II, Realengo e as Unidades Descentralizadas Duque de Caxias e Niterói e uma unidade administrativa. As Unidades Escolares I ministram ensino da Classe de Alfabetização até o 5º ano do Ensino Fundamental; as Unidades Escolares II oferecem ao alunado ensino do 6º ao 9º ano e o Ensino Médio; a Unidade Escolar III, componente do Complexo Escolar São Cristóvão, a Unidade Realengo e as Unidades Descentralizadas, oferecem, especificamente, Ensino Médio. A Unidade Escolar Centro é a mais antiga. No Colégio Pedro II, o Ensino Fundamental funciona em dois turnos, com uma carga horária ampla – cinco horas diárias, incluindo aulas aos sábados a partir da 5ª série. O Ensino Médio oferece ainda, em três Unidades Escolares, a opção do 3º turno (noturno). O Currículo Pleno do Ensino Fundamental inclui atividades de Informática, Laboratório de Ciências, Educação Física, Educação Artística, Educação Musical e Sala de Leitura, desde a Classe de Alfabetização, além das áreas de conhecimentos regulares. No 2º segmento, os alunos também recebem aulas de Desenho, Inglês e Francês. No Ensino Médio, além das disciplinas regulares, são oferecidas aulas de Sociologia, Filosofia, Desenho, Espanhol e Arte. Por suas características tão peculiares e por ministrar ensino público de qualidade, o Colégio Pedro II torna-se altamente disputado pelas famílias de crianças e jovens de diversas localidades da cidade do Rio de Janeiro e, até mesmo, de municípios vizinhos. O Colégio possui uma estrutura departamental que abriga todos os docentes (mesmo aqueles que se encontram em funções de Direção, Chefias e Assessorias), de acordo com sua formação, nos respectivos Departamentos. Atualmente, conta com 16 (dezesseis) Departamentos Pedagógicos, alguns encarregados de mais de uma disciplina. O Colégio Pedro II conta com quatro unidades escolares que ministram o ensino das séries iniciais do Ensino Fundamental, da Classe de Alfabetização - 1º ao 5º ano. As quatro Unidades Escolares I, carinhosamente chamadas de “PEDRINHOS”, atendem atualmente a um total de cerca de 2.500 alunos. Dando continuidade às primeiras séries do Ensino Fundamental, o Colégio Pedro II conta também com o segmento do 6º ao 9º ano. Atualmente, o Colégio abriga 133 turmas de alunos nessa fase intermediária de escolaridade. Em prosseguimento às últimas séries do ensino fundamental o CP II oferece o ensino Médio em todas as suas Unidades.
O ingresso dos alunos para as últimas séries do Ensino Fundamental, o Colégio Pedro II oferece o Ensino classes de alfabetização é feito através de sorteio público para o qual a única exigência é com relação à faixa etária do candidato, cujo limite está previsto em edital. (PPP, 2001, p. 33 a 36)
Para diferenciar as unidades escolares são usadas algumas características
que por fim as classificam: diferença espacial de cada unidade escolar em diferentes
bairros; horários de funcionamento (unidades de dois turnos e três turnos);
atendimento por segmento de ensino; currículo enriquecido, atividades extraclasse e
as formas de acesso. (RAMOS, 2006).
47
Ao mesmo tempo em apresenta o Colégio, o PPP traz a tona uma
problematização que demanda este estudo, que é ver o Colégio como espaço de
Contradição (cap. 3 – Análise da realidade), espaço onde se caracteriza a
comunidade escolar, perfis docente e discente.
O PPP recupera algumas características: marcas da aristocracia, do Império,
(“habitado pela nobreza nos tempos do Império”) e a convivência com a cultura,
compondo o espaço de memória e de tradição da cidade com imenso valor cultural
agregado e de fácil acesso. Espaço também de memória, corredor cultural de
acesso a zonas turísticas, espaço de atração da cidade, cultura e natureza mais
uma vez aliados (PPP, 2001, p.33).
Talvez uma das contradições seja uma escola pública se qualificar como
espaço de inclusão, admitir em um texto que as suas formas de acesso possam
estar incluídas em suas contradições. Essas modalidades são, provavelmente,
determinantes na configuração dos perfis de alunos e alunas, pois fazem do Colégio
um caldeirão cultural de sujeitos de diferentes segmentos sociais, étnico-raciais, o
que não seria de se estranhar numa escola pública. Como o Colégio era uma
instituição que tradicionalmente não se dedicava à educação mais popular, a
convivência de duas formas de ingresso, o sorteio20 e o exame de admissão
produzem conflitos em seu interior, conflitos que demandaram alterações na cultura
escolar, muitas delas modernizadoras e mais adequadas aos propósitos de uma
educação com caráter mais universal.
O CP II reproduz os conflitos e contradições da própria sociedade, mais
especificamente, quando busca aliar tradição e modernidade, aspectos que habitam
em seu interior disputando espaços. Este quadro é apresentado para localizar onde
foi criado o Pedrinho e porque o seu processo de implantação foi, de certa forma,
tensionado. Essa tensão será destacada considerando sua configuração em torno
20
O ingresso dos alunos para as classes de alfabetização é feito através de sorteio público, para o qual a única exigência é com relação à faixa etária do candidato, cujo limite está previsto em edital. O ingresso do alunado no 6º ano realiza-se através de acesso natural para alunos provenientes do 5º ano do Colégio e concurso de seleção para alunos não pertencentes ao Colégio. O ingresso do alunado no Ensino Médio, realiza-se através de acesso natural pela promoção do 9º ano do próprio Colégio e concurso de seleção para alunos não pertencentes ao Colégio. (PPP, 2001, p.36)
48
da disputa pela hegemonia dos textos curriculares definidos para o 1º segmento e os
discursos, questões que serão abordados mais adiante, com ênfase no que toca ao
ensino da Matemática.
Existe contradição quando as diferenças admitidas em espaços educacionais
são problematizadas numa visão mais plural. A contradição posta no texto traduz o
entendimento que a comunidade que escreve e ao mesmo tempo se inscreve no
PPP, tem com relação às diferenças. A ideia de uma escola que preparava a elite
nacional, frente à escola que preparava quaisquer sujeitos para pertencer à elite, é
um fator que alimenta o ideário do Colégio como um elevador social, exatamente por
estarmos num país onde ainda persiste alta a taxa de analfabetismo. Assim sendo,
o/a aluno/a que concluísse o curso básico no CP II haveria - e ainda há - de ser
considerado(a) um membro da elite deste país.
O PPP nos informa sobre a orientação da LDB, segundo a qual “as escolas
deveriam definir o seu projeto político-pedagógico em conjunto com a comunidade
escolar.”21 (PPP, 2001:48), e a complementa: “conhecer quem é esta comunidade,
estabelecer um diálogo com todos os sujeitos sociais participantes do processo de
escolarização nesta instituição tornou-se urgente, principalmente em um tempo
marcado por mudanças profundas na sociedade” (PPP, 2001: 48). Esta necessidade
também é mais uma motivadora da escrita dessa história sobre os processos de
escolarização praticados no 1º segmento do Colégio e também justifica a relevância
desta pesquisa que apontará um ponto de inflexão para um estudo atualizado sobre
a demanda que se materializou com o ingresso das professoras22 primárias no
Colégio, fazendo com que as orientações para o ensino contemplassem outros
saberes. Neste sentido, surgem outras questões como: De onde vêm esses saberes,
por quem são referenciados e quem os comunica à comunidade? De onde vêm as
protagonistas? Qual o respaldo político, teórico e metodológico de suas práticas
pedagógicas? Tal problematização será debatida em capítulo que disserta sobre as
Professoras Primárias do CP II.
21
Baseado na LDB 9394/96, Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica. 22
Longe de ser uma discriminação às avessas, a referência de gênero – feminino – a partir daqui (quando se referir ao corpo docente do primeiro segmento) apenas reflete a realidade do Colégio, que tem em seus quadros de Ensino Básico apenas professoras. (Nota da autora)
49
Nesse espaço de contradição, que na realidade é um espaço de
caracterização da comunidade escolar, parece que a única realidade que merece
ser considerada com ênfase é a do(a)s aluno(a)s (sem citar a riqueza trazida nas
diferentes formações do corpo docente e a vivência de um novo corpo técnico-
administrativo que inventam o novo segmento). Pode estar implícito no texto que, no
CP II, entende-se por contradição o que deveria ser entendido como diferença. A
diferença que constitui as identidades múltiplas e plurais. Sem abordar questões
relativas à diferença, o Colégio não dá a perceber, em seu “documento de
identidade”, a diversidade no espaço escolar, nem as formas como a pluralidade de
marcadores invade a escola, trazida pelas mudanças conjunturais que vão
demandar processos de formação de professores com potenciais mais plurais, a fim
de prepará-los para refletir sobre os impactos das mudanças políticas, históricas,
sociais, econômicas e, especificamente, educacionais que impactam a escola. No
que se refere à identidade do professor nesse espaço, trata-se de identidades que
são negadas, silenciadas, sendo omitidas as vozes e presenças do restante da
comunidade escolar, como também o são, o/as técnico/as administrativo/as. Esses
conflitos possíveis e potenciais no Colégio ensejam o debate sobre as professoras
polivalentes do Pedrinho, a nova metodologia que veio a ser implantada no 1º
segmento e as relações travadas por ocasião desse “encontro de culturas”.
2.1.1 ELEMENTOS CONSTITUINTES DESSA HISTÓRIA
“Buscar conhecer melhor, por conseguinte, uma coisa em movimento.” (Bloch,2003, p. 46)
O CP II é o lugar onde se passaram os eventos trazidos nesta narrativa e o
Pedrinho é a invenção que se produziu nesse tradicional Colégio. A criação do
Pedrinho foi favorecida por um contexto nacional aliado à uma configuração interna
ao CP II. O trecho seguinte levará o leitor para dentro do Pedrinho, sua organização
e estruturação administrativa, técnica e pedagógica a partir do Pedrão de Tito
Urbano, o “Pai do Pedrinho”, uma vez que este será o espaço que vai abrigar a
proposta que será analisada mais à frente.
Para efeito desse estudo, a história do CP II será apresentada da seguinte
maneira: de 1837 a 1889, século XIX, data de sua fundação até a Proclamação da
50
República. Veremos como o Colégio se constituiu e como foi projetada sua
identidade de excelência. Da República Velha até 1971, quando o Colégio
atravessou períodos em que sua identidade foi abalada, mas foi mantido seu
propósito. O fim da Monarquia trouxe impactos sobre a instituição e, a partir daí, o
Colégio passou por crises, revezes, até 1971, quando enfrentou o que podemos
chamar de a mais expressiva crise institucional do século XX pois implicou em sua
diminuição. Finalmente, será analisado o período de 1971 a 1984 e, para este
estudo especificamente de 1984 a 2009.
A partir de 1837 vemos um CP II se constituindo com a missão de ser a
escola que prepararia a elite dirigente da jovem nação independente.
O Colégio Pedro II, fundado em 2 de dezembro de 1837, localizado no Rio de Janeiro, constitui-se hoje em uma autarquia federal do MEC, cuja missão é ministrar ensino público e gratuito nos níveis Fundamental e Médio. A história do Colégio Pedro II confunde-se com a própria história da Educação brasileira, especialmente no que diz respeito ao ensino público. Suas raízes remontam ao século XVIII. (...) O Imperial Colégio Pedro II foi criado para servir de modelo às “aulas avulsas” e a outros estabelecimentos de ensino do Município da Corte e das Províncias. O Colégio foi dividido, em 1857, em duas seções: Externato e Internato. A criação do Internato teve como objetivo ampliar o número de vagas do Colégio, contribuindo para a necessária formação cultural dos representantes das elites regionais. E acrescenta o Professor Aluísio Jorge do Rio Barbosa: “Em 1858, o Internato começou a funcionar na Chácara do Engenho Velho, na rua São Francisco Xavier, próximo ao Largo da Segunda-Feira, na Tijuca. De lá, em 1888, transferiu-se para o Campo de São Cristóvão, onde se encontram, hoje, as modernas instalações da Direção-Geral e as Unidades Escolares de São Cristóvão. As antigas instalações de Internato foram destruídas por um incêndio em 1961. (PPP, 2001, p.29)
Ao longo de sua trajetória o CP II passou por vários revezes; mudou de nome
para apagar as marcas do Império, mas não se afastou de sua finalidade.
Esses revezes, que vem a ser tratados como “cones de sombra” também
configuram “tempos de crise e de conflitos em que podemos captar melhor o
funcionamento real das finalidades atribuídas à escola.” na visão de JULIA, 2001.
Estes cones de sombra se repetiram no século XX e uma das passagens
importantes e atuais mostra a capacidade do Colégio de superá-los traduzindo-se
51
como uma oportunidade de inventar uma saída importante que foi a criação do
Pedrinho. Serão destacados três importantes cones de sombra.
De acordo com Andrade (1999), o primeiro cone de sombra surgiu por
ocasião da reforma que tirou a prerrogativa dos alunos do Colégio de ingressarem
direto em cursos superiores. O Colégio continuou a outorgar o título de Bacharel em
Ciências e Letras, mas esse título não contemplava mais a sua prerrogativa inicial.
Houve, em conseqüência uma leve perda de status para o corpo discente do
Colégio, mas que foi superado pela manutenção da qualidade que era a marca do
ensino.
Ainda de acordo com a mesma autora, um segundo cone de sombra abalou o
colégio em 1964 com algumas das “medidas tomadas no governo Castelo Branco
entre as quais estava o fim dos professores catedráticos. Naquela época, apenas o
CP II, o Colégio Militar e o Instituto de Educação tinham cátedras”. Depois do fim
das cátedras foram criados os departamentos pedagógicos e o Colégio passou a ter
uma estrutura departamentalizada como a das universidades. Cada departamento
pedagógico correspondia a uma disciplina do curso fundamental e médio.
O terceiro cone de sombra foi por volta 1979, devido à alteração que afetou
de modo significativo a dinâmica do Colégio e acabou por motivar este estudo: a
integração dos antigos cursos primário e ginasial, instituindo o 1º grau composto por
oito séries, previsto na Lei 5.692/71, que pôs fim aos exames de seleção/admissão
do primário para o ginásio, concorrendo com todos os movimentos de reforma do
ensino que promovessem a inclusão de maior parte da população infantil e
adolescente no sistema público escolar.
A alteração na estrutura do ensino trazida pela Lei 5.692/71 apresenta, dentre as mudanças (...) a ampliação da obrigatoriedade escolar para 8 anos, ou seja, para a faixa etária que vai dos 7 aos 14 anos (. . . ). No plano vertical esta mudança se faz com a junção do curso primário e do curso ginasial num só curso fundamental de 8 anos. Com isso, eliminou-se um dos pontos de estrangulamento do nosso antigo sistema representado pela passagem do primário para o ginásio feita mediante os exames de admissão. Com a eliminação desses que eram um dos agentes responsáveis pela seletividade, foi eliminado legalmente, em consequência, um instrumento de marginalização de boa parte da população que concluía o primário. (ROMANELLI, 1986, p.156)
52
A nova legislação alterou a dinâmica do ingresso de alunos e alunas ao
Colégio. Até 1970, quando havia a prova de seleção para o curso ginasial, os
estudantes se preparavam para iniciar a primeira série do curso, que era feito em
quatro anos. Com o fim do exame de admissão, que veio configurar o terceiro cone
de sombra que representou uma crise institucional provocada pela recente Lei e a
criação dos chamados 1º e 2º graus, terminava a possibilidade de acesso ao curso
ginasial do Colégio, pois já não haveria como recompor o quadro discente do antigo
curso ginasial e a tendência do quadro discente do Colégio era de diminuir até a
extinção. Assim, de acordo com CHOERI, 2006, “... o colégio chegou, no fim dos
anos 1970, com cerca de 3,8 mil alunos, sem nenhuma turma de 5a a 7a série e
poucas de 8a série. Nessa época, o Pedro II ainda não tinha o primeiro segmento do
ensino fundamental”. A criação do 1º segmento representa a virada que foi dada no
Colégio em 1979 na gestão de Tito Urbano.
Esta foi a crise que efetivamente caracterizou o terceiro cone de sombra,
quando “o Colégio começou a entrar no cone de sombra e se dirigir,
inexoravelmente, para o eclipse total. Eclipse que se traduziu na estagnação, na
queda de seu efetivo discente e desencanto de seus professores . . . , ainda de
acordo com Choeri, PGE, 1991/92.
Mas, desta vez, o revés não foi sentido com pesar, pois a reversão desse
quadro alavancou o Colégio e permitiu-lhe muitos avanços. Daí esse período de
sombras ser melhor lembrado como “a virada de 1979”:
Por mais longa e mais escura que seja a noite, há sempre o clarinar de uma nova aurora. Ela surgiu em 1979, as trevas foram espantadas e uma plêiade de educadores experimentados conseguiu vencer obstáculos, incompreensões e levar o Colégio a retomar sua trajetória ascencional, interrompida em virtude de fatores intrínsecos e extrínsecos que envolveram o educandário. (CHOERI, PGE, 1991/92)
A reversão começou quando o Prof. Tito Urbano da Silveira, ex-aluno do
Colégio e professor de Química, foi nomeado diretor convidou o Professor Choeri
para ser o chefe da recém criada Divisão de Ensino, atualmente Secretaria, setor
que passa a ser responsável pelos processos escolares no Colégio referentes à
partes técnica e pedagógica do ensino. Nesta gestão a Direção Geral promoveu
importantes mudanças no plano organizacional do Colégio, sendo que uma delas
53
oportunizou uma saída importante, que foi a criação do Pedrinho, cuja gestação
levou treze anos a contar da promulgação da LDB de 1971.
O Colégio ressurgiu, então, se recuperando e retornando a seu lugar de
destaque no cenário educacional do estado e do país. Voltou a crescer, sem
prejuízo da sua natureza de manter ensino de qualidade, agregando tradição à
modernidade, e dessa maneira, ainda segundo Choeri,
Foi possível, em 8 anos, o Colégio passar de menos de 4000 alunos e atingir o marco de 15.000 alunos; ampliar seu espectro de abrangência, criando 4 novas Unidades destinadas ao ensino do1 em regime de trabalho de 40 horas segmento do 1 Grau; colocar 4/5 de seus professores semanais; aumentar a carga curricular de 20 horas semanais para 32 horas. (PGE 1991/92).
Para conseguir restabelecer o ensino no segundo segmento do ensino
fundamental sem ferir a proibição do governo federal referente à realização de
exames de admissão, o Prof. Tito firmou convênio, em 1982, um convênio com a
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/PCRJ) que assegurava
aos alunos da rede com conceito “A” o acesso direto ao Colégio, uma espécie de
transferência. Essa alternativa encontrou problemas na medida em que mesmo os
alunos com conceito “A” não estavam “preparados” para o “ginásio” do CP II ( 5ª
série e atual 6º ano).
Para atenuar as dificuldades de adaptação, o acordo criou o Programa de
Complementação de Estudos. Os alunos “transferidos”, antes de iniciar a 5ª série,
faziam uma reciclagem de Português e de Matemática.
Essa determinação da lei, que unificou o primário e o ginásio transformando—
os num único nível de ensino, o 1º grau, atual ensino fundamental, pode ser tratada
como apenas uma reforma semântica, uma vez que permanece uma lacuna ainda
perceptível na passagem do 5º para o 6º ano. A alteração, na verdade efetivamente
só resultou efetivamente na continuidade dos estudos de 7 aos 14 anos, num
segmento regular e contínuo de oito anos. A Lei unifica o primário com o ginásio –
este é um dos princípios desta lei que se realiza através de uma reforma nas
escolas, alterando, segundo JULIA, 2001, as finalidades da escola implicando em
alterações nas normas escolares, na formação do(a)s professore(a)s, neste primeiro
momento, sem tocar os conteúdos escolares que também serão modificados. Enfim
este princípio da reforma implica alguns elementos que compõem a cultura escolar:
54
as normas e finalidades; formação de professore(a)s e praticas escolares (JULIA,
2001). Com este tratamento dado à cultura escolar podemos caracterizar a reforma
como uma crise. Essa crise, então, que gerou o terceiro cone de sombra e
evidenciou limites, possibilidades e os novos desafios para o Colégio. Contudo, a
cultura da fragmentação desses dois níveis de ensino prevalece, como pode se
perceber no tratamento dado: às professoras polivalentes; como nas expressões
usadas para nomear o ensino fundamental: séries iniciais, primeiro segmento, e
ainda há os que persistem na nomenclatura primário e ginásio, posto que a
diferenciação ainda permanece na prática. O tratamento diferenciado persiste na
formação das professoras que atuam nos dois segmentos do ensino fundamental
em todas as redes de ensino e nas escolas particulares. Há também uma diferença
salarial23 entre as professoras do ensino fundamental que ainda hoje são
“polivalentes”, podendo lecionar todas as atividades do 1º segmento. Essa diferença
associa um desvalor a esse(a)s docentes.
2.1.2 A CONJUNTURA NACIONAL
A situação política no final da década de 1970, início da década de 1980,
apontava para o fim do regime militar, o fim da ditadura e o início do processo de
abertura e redemocratização do país. Ampliava-se o processo de anistia permitindo
que retornassem ao Brasil importantes lideranças e voltava a circular um
pensamento de liberdade, ampliação de direitos, desenvolvimento social e mais
democracia. Foi neste cenário que o Prof. Tito Urbano assumiu a Direção Geral do
CP II.
O Colégio criou uma Secretaria de Ensino que funcionava como uma
secretaria de educação; constituiu uma estrutura pedagógica e administrativa esta
última própria de uma autarquia federal, correspondente à administração de uma
prefeitura com oito unidades escolares, movimentando cerca de 750 servidores
23
No CP II, porém, a questão pecuniária não afeta o corpo docente no CP II, pois a remuneração é baseada na titulação, independente do segmento em que a professora leciona. O que existe no Colégio é uma diferenciação hierarquizante com relação à formação e ao nível de conhecimento das professoras que atuam nos diferentes segmentos. (Nota da autora)
55
técnico-administrativos e 750 servidores docentes e aproximadamente treze mil
alunos e alunas.
Esta história encontra-se imersa na cultura escolar de exames de seleção,
tendo como universo a história da educação no Brasil, que contém a história do
ensino primário, a história do CP II e a história da educação matemática - estas três
últimas se interceptam compondo a história do ensino da matemática no primário do
CP II. Esta intersecção é o objeto desta pesquisa.
A CONJUNTURA EDUCACIONAL: O CP II DO SÉCULO XX – 1971/1984
A educação nacional era regulada pela Lei 5.692/71 que unificou o primário e
o ginásio criando um segmento integrado – o 1º grau com 8 anos e regulando a
idade escolar obrigatória dos 7 aos 14 anos, quando o Pedrinho foi criado.
O CP II teve o regime de internato até o ano de 1968 e só possuía o curso
ginasial de 4 anos (atual fundamental II do 6º ao 9º ano), e o científico nas
modalidades clássico e científico, atual ensino médio. Essas nomenclaturas foram
sendo modificadas com as legislações. A Lei 5.692/71 trouxe inovações
educacionais que impactaram muito os sistemas de ensino, alterou o formato e a
finalidade do curso científico transformando-o todo em ensino profissionalizante.
Muitas escolas não cumpriram o que estava previsto na lei, pois a reforma se
apresentava sem garantir condições para sua implementação, mas a integração do
ensino fundamental foi uma marca deixada por essa legislação.
A conjuntura educacional postulada na Constituição de 1967 e na LDB
5.692/71 foi resultado de reformas políticas e educacionais, disputas de diversos
setores da sociedade e interesses internacionais que vieram a criar um momento
favorável à criação do ensino primário no CP II.
Por entender que a ampliação da oferta de vagas no ensino fundamental era
um processo em curso, será feita, a partir daqui uma recuperação das ideias e
eventos que antecederam a criação do 1º segmento no Colégio. Este resgate
histórico busca construir uma articulação na história da política e da educação
brasileira com elementos que concorreram para que fosse criado o Pedrinho tal
como se configurou nesses 25 anos.
56
2.2 REMISSÕES À HISTÓRIA DO ENSINO PRIMÁRIO
Para entender o ensino primário tal como ele se configurou até os dias de
hoje chegando ao CP II, buscar-se-á analisar sua trajetória destacando a presença
deste segmento de ensino na Conjuntura Educacional e Nacional. Neste tópico
serão apresentando os elementos políticos, sociais e históricos que movimentaram a
educação através de uma investigação na trajetória do ensino primário através das
constituições brasileiras e reformas educacionais nacionais que concorreram para a
criação do Pedrinho.
A legislação sobre a instrução pública, segundo Faria Filho (1998), pode ser
útil como fonte para o estudo de questões candentes na história da educação. No
caso deste estudo, será importante acompanhar a história da educação primária no
Município da Corte e a trajetória do ensino no CP II, definido como colégio padrão
para o ensino secundário. Ainda de acordo com o autor, a legislação nos permite
compreender sua dinâmica de realizações como estratégia de ordenamento das
relações socioculturais e ideológicas, revelando aspectos dos costumes sociais, no
caso, a manutenção na esfera do ensino dos privilégios da classe e o caráter
ideológico das proposituras legais. É possível, através dessas normativas, visualizar
o papel do estado e, neste sentido perceber a ênfase dada ao ensino secundário
frente ao ensino primário. Esse conjunto de leis, em sua maior parte, foi produzido
para garantir o controle da qualidade do ensino secundário, tomando como
referência o Colégio Pedro II. Apesar de emanadas pelo poder público, essas
normativas estavam sujeitas a alterações e, ao longo do período estudado, serão
analisadas as principais reformas que afetaram mais diretamente o Colégio e as que
se ocuparam em estruturar o ensino primário.
Serão também estudadas as constituições brasileiras e reformas
educacionais nacionais, entre elas as que hoje se constituem em leis de diretrizes e
bases da educação nacional - que revelam traços da construção do ensino primário
desde suas primeiras letras até o que vem a ser hoje o 1º segmento do ensino
fundamental - e de que modo a trajetória deste segmento de ensino se interpõe na
trajetória do CP II, por considerar que são aspectos componentes de uma trama que
teceu um cenário favorável à criação do 1º segmento no CP II.
57
Para enfocar as questões históricas e políticas acerca do ensino primário, que
podem favorecer o entendimento da construção deste que vem a ser hoje o primeiro
segmento, podemos recorrer a dois elementos oficiais: um que veio a organizar a
vida social e política da nação e outro que veio a definir as diretrizes e bases da
educação. Convém registrar que esses documentos oficiais não contabilizam nem
duzentos anos, o que mostra que a organização social, política e educacional do
país é muito recente. A organização de forma mais sistemática da educação data de
1961, ocasião da primeira lei de diretrizes e bases para a educação nacional.
O estudo foi realizado através de uma pesquisa utilizando as constituições,
textos das principais reformas educacionais e as recentes LDBs, para ao final ser
possível destacar o caminho e analisar o conjunto de ações, das políticas e dos
fatos que projetaram o ensino primário e concorreram para a configuração deste
segmento ao longo da história.
Para isso, o marco inicial temporal estabelecido foi o século XIX quando a
educação brasileira passou a ser regulada por um conjunto de leis que tinham por
finalidade criar, organizar, elaborar um elenco de atribuições e tarefas dos
professores, dar provimento, designar, localizar, estabelecer formas de acesso e
definir público alvo do que viria a ser, no futuro, o sistema educacional brasileiro.
Pode-se considerar para efeito deste estudo que a organização da educação
e da sociedade partia de determinações que começaram a ser articuladas a partir de
1824, com a primeira Constituição que é considerada como a carta de identidade do
Brasil independente. O CP II foi criado 13 anos depois e protagonizou boa parte da
história da educação deste jovem país independente. A Independência, a primeira
Carta constitucional e a criação do CP II se tornarão os marcos referenciais para a
busca e compreensão de como se delineou o ensino primário voltado
exclusivamente para crianças em nosso país.
Pretende-se projetar neste trabalho um resumo do que vinha/vem sendo
traçado como primeira fase da escolarização, coletando referências históricas sobre
a constituição deste segmento que não foi tratado como prioridade durante muitos
anos na educação brasileira.
58
Assim, este breve resgate servirá para a análise da sua trajetória educacional,
ajudará a compreender o contexto em que foi implantado no CP II e o que ele
representava/representa na educação nacional. Será possível também perceber em
que momento o ensino primário, com ênfase nas crianças como seu público
preferencial, emergiu no cenário nacional e as lutas de representação para afirmá-lo
no Colégio.
A busca nessa coleção de documentos foi realizada com o intuito de destacar
os eventos que delinearam a estrutura do ensino primário, conectado com a política
educacional que vinha se desenhando para o país, através das constituições que
traçaram o desenho de fundo, da conjuntura nacional onde se delineava um plano
de educação para o país. Dessas normativas nacionais foram destacadas a
presença do CP II e as deliberações que tocaram à instrução primária, ensino
primário no Município da Corte, Distrito Federal, Estado do Rio de Janeiro e, por fim,
Município do Rio de Janeiro onde se localizam o CP II e os Pedrinhos.
Através desses documentos foi possível: identificar como se desenvolveu a
educação oficial brasileira no que tange à sua organização, do ponto de vista
administrativo, curricular/pedagógico e referente aos seus recursos e provimento;
identificar como foi se configurando a estruturação do sistema educacional brasileiro
ao que toca o ensino primário, hoje o primeiro segmento do ensino fundamental/
anos iniciais; verificar como se deram as bases de sua implantação em conexão
com o contexto político de cada período em que se operam as reformas. Registrar e
analisar os documentos explicitando as preocupações nacionais expressas em
documentos oficiais sobre educação, com relação ao ensino primário.
Para produzir a história do ensino de matemática no CP II é necessário localizar
o curso primário (atual 1º segmento do ensino fundamental) enquanto produto do
que veio a ser a instrução pública e o ensino primário no Brasil, no Rio de Janeiro e,
especificamente, no CP II.
Atualmente tratado como anos iniciais, o ensino primário já foi denominado 1º
segmento do 1º grau, 1º segmento do ensino fundamental, 1ª à 4ª série, C.A (Classe
de Alfabetização) à 4ª série, antigo primário, séries iniciais. Todas essas
59
denominações designam o nível de ensino que se destina a escolarizar crianças de
6 a 10 anos.
No século XIX foram criadas as escola de primeiras letras (1822/23); a
primeira Escola Normal (1835), em Niterói, e o CP II (1837). Essas três referências
são importantes na medida em que articularam ensino primário: instrução primária,
escola de primeiras letras; a Escola normal, local onde se forjam as Professoras
Primárias, mostrando que havia uma escola exclusiva que tratava da formação de
professores, os profissionais de educação e o Colégio Pedro II – locus preferencial
onde discorre esta narrativa.
Assim verifica-se, ainda no Império, no que tange à criação do que viria a ser
um quadro educacional para o país, uma determinação que criava uma escola
destinada a iniciar os cidadãos nas primeiras letras, ainda no Império. Era o embrião
da primeira fase da escolaridade e prescrevia-se oficialmente seu método de ensino:
o método Lancaster24, que servia para suprir a carência de professores.
Passaram a existir, complementando esses fatos, uma série de documentos
que delineariam como se desenvolveria a educação oficial brasileira em relação à
sua organização, do ponto de vista administrativo, curricular/pedagógico e referente
aos seus recursos e provimento.
Nesse processo legislativo, pode-se observar algumas orientações que
conduziram o CP II e o ensino primário, tomando como marco regulatório a
Constituição de 1824, que nos apresentava a obrigatoriedade e a gratuidade da
instrução pública para todos, elementos que se tornaram bandeiras históricas nas
lutas pela educação nacional. A Constituição, outorgada pela Assembleia
Constituinte, dizia, no seu artigo 179, XXXII: “A instrucção primaria é gratuita a todos
os cidadãos.”
24 Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensina um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. http://pt.wikipedia.org/wiki/Metodo_Lancaster. acesso em 23/09/2012
60
Em 1826 um projeto25 organizou o ensino em graus de ensino e as escolas
primárias passaram a ser chamadas pedagogias. Esse projeto instituiu outros graus
de instrução: Liceus, Ginásios e Academias. Deste projeto resultou em 1827, uma
“Lei Geral, de 15 de outubro”, que dispunha sobre as escolas de primeiras letras,
fixando-lhes o currículo e instituindo o “ensino primário para o sexo feminino”. Essa
lei estabeleceu ainda os princípios nos quais se pauta a educação pública brasileira:
a obrigatoriedade, a gratuidade e a laicidade. Observe-se que a lei explicitou a
inclusão das meninas, mas não garantiu uma distribuição de saberes igualitária
entre os sexos. De acordo com Correa, 2006,
A primeira contribuição da Lei de 15 de outubro de 1827 foi a de determinar, no seu artigo 1º, que as Escolas de Primeiras Letras (hoje, ensino fundamental) deveriam ensinar, para os meninos, a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais gerais de geometria prática. Às meninas, sem qualquer embasamento pedagógico, estavam excluídas as noções de geometria. Aprenderiam, sim, as prendas (costurar, bordar, cozinhar etc) para a economia doméstica.
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.
Contudo, busca ampliar a oferta ao mandar criar escolas de primeiras letras
em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império:
Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.
Art. 11. Haverá escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem necessário este estabelecimento.
25
A Comissão de Instrução apresentou à Câmara dos Deputados dois projetos. O primeiro denominado “Projeto Januário da Cunha Barbosa”, apresentado em 16 de junho de 1826, propunha que a instrução pública no Império fosse organizada em quatro graus: Pedagogias, Liceus, Ginásios e Academias, abrangendo desde a escola primária, passando pelo ensino profissional e científico, até chegar ao ensino superior. Esse projeto não chegou a entrar em discussão e não se encontrou qualquer justificativa para esse abandono. O ENSINO DE PRIMEIRAS LETRAS NO GRÃO – PARÁ NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX, Maria do Perpétuo Socorro G. de S. Avelino de França.
61
No ano de 1834, a administração passou a ser descentralizada através de Ato
Adicional da reforma constitucional, que não era um instrumento da educação, ou
seja, não era uma legislação educacional, mas trazia indicações que afetaram o que
podemos chamar de “sistema de ensino” da época. Dispunha o documento que cada
província trataria de dar provimento ao seu sistema, desincompatibilizando o
governo da metrópole para este fim, dizia que a educação primária e a secundária
ficariam a cargo das províncias, restando à administração nacional o ensino
superior. Por esse ato já se percebe mais explicitamente, a gradação do ensino nos
níveis primário e secundário e uma orientação bem definida sobre a administração
desses níveis de ensino a encargo das províncias, no caso, descentralizadas. Por
outro lado, o documento garantiu que o padrão do ensino secundário fosse
preservado, tomando como modelo o Colégio Pedro II, (...) o ensino secundário tinha
um padrão nacional a ser seguido: o Colégio Pedro II, “guia de civilidade” para ser
copiado pelas instituições congêneres nas províncias após sua criação em 1837.
(SOUZA, 2008).
O Colégio Pedro II foi criado no Rio de Janeiro, em 1837, com o objetivo de
se tornar um modelo pedagógico para o curso secundário, como um “padrão ideal”
para os colégios secundários do Império para ser modelo nacional de ensino
secundário, estava destinado a formar a elite da jovem nação independente.
O Colégio Pedro II era freqüentado pela aristocracia. Oferecia o melhor
ensino, a melhor cultura, com o objetivo de formar as elites dirigentes. O diploma
conferido pelo CP II, de Bacharel em Ciências e Letras, era título suficiente para que
seus alunos ingressassem numa das recém criadas Faculdades do Império: de
Direito preferencialmente, ou de Medicina,
(...) sendo o Colégio de Pedro II o único colégio a conferir o Grau de Bacharel em Letras (Decreto de 1843) a seus formandos, passaporte de ingresso direto nos cursos superiores sem a prestação dos exames das matérias preparatórias.
26.
Aqui começa a nossa história que, “. . . vem do fundo do tempo e se confunde
com a história da educação do Brasil.” O Colégio iniciou suas atividades em 25 de
26
HISTÓRICO DO COLÉGIO PEDRO II: http://www.cp2centro.net/historia/historia/historia.asp?data=2/11/2011
62
março de 1838, data que ainda hoje, recupera a cerimônia da aula magna em que
são entregues títulos a ex-aluno(a)s eminentes.
Como já foi visto, pelo Ato de 1834, os ensinos primário e secundário ficaram
a cargo das províncias e o ensino superior foi mantido pelo governo central.
Contudo, esse mesmo poder não abriu mão do controle ideológico e organizativo
sobre o ensino secundário e o fez através de normativas designadas para e pelo CP
II. Desta maneira, foram elaboradas algumas reformas no intuito de organizar a
estrutura de um sistema de ensino no Brasil com foco no Colégio. Entre as principais
reformas27 estão:
a reforma Couto Vaz, formulada através do Decreto 1331A, de 17 de fevereiro
de 1854, que tinha os objetivos de tornar mais rígida e controlada a
organização do ensino no CP II, reformular os ensinos primário e secundário,
exigir professores credenciados e a volta da fiscalização oficial; criou a
Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária, buscando com isso
formas de controlar mais de perto a instrução. Essa inspetoria é um traço do
futuro Ministério da Educação e da Saúde, que foi criado quase cem anos
depois, em 1931;
a reforma Paulino de Souza (1870), que:
pretendia imprimir, aos estudos realizados no Colégio Pedro II, um caráter formativo, habilitando os alunos não só para os estudos superiores, mas para a vida, além da instituição ser capaz de competir com os estabelecimentos particulares no aliciamento de candidatos às Academias.
e deu ao ensino um caráter mais geral e menos erudito e propedêutico. Nessa
ocasião podemos ver que o CP II tomou vulto no cenário nacional, o que não é de se
estranhar de uma escola localizada na sede da metrópole com a missão de formar a
elite brasileira;
a reforma de Leôncio de Carvalho, em 1878, que estendeu as prerrogativas
do CP II para outras instituições de ensino. Em seu artigo 8º lê-se que o
governo poderá:
Conceder as prerrogativas de que goza o Imperial Collegio de Pedro Il aos estabelecimentos de instrucção secundaria que seguirem o mesmo
27
Os dados que compõem a síntese destas reformas foram extraídos basicamente das referências em Correa, 2006, Lima, s/d, Peres, 2005.
63
programma de estudos e, havendo funccionado regularmente por mais de 7 annos, apresentarem pelo menos 60 alumnos graduados com o bacharelado em letras”.
Em seguida, o parecer de Rui Barbosa de 1883, versou sobre o ensino
secundário do Brasil interferindo na dinâmica escolar do CP II sem alterar seu
status. Foi o documento a última peça educativa do período imperial.
Com relação aos profissionais da educação, pode-se verificar que o
nascimento do Brasil republicano trouxe consigo a preocupação com o
ensino/instrução referente à formação dos professores e com a necessidade de criar
um órgão destinado à educação, tratada à época como instrução pública. Percebe-
se isso através de um pronunciamento de Ferreira Viana, Ministro do Império, que
dizia ser fundamental formar "professores com a necessária instrução científica e
profissional" e pedia empenho para a criação de um ministério destinado aos
negócios da Instrução Pública (LIMA, s/d). Assim em 1890, foi criado o Ministério da
Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Com a Proclamação da República, no
Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant Botelho
de Magalhães, foi nomeado o primeiro ministro desta recém-criada pasta (LIMA,
s/d). Benjamim Constant já operou sua primeira reforma através de um decreto que
organizou as escolas primárias em graus de ensino. Destaque-se dessa normativa o
que diz respeito ao ensino primário e ao CP II.
Approva o Regulamento da Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal: Decreto n. 981 - de 8 de novembro de 1890 Regulamento da Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal, a que se refere o decreto desta data.
TITULO I Principios geraes da instrucção primaria e secundaria Art. 1º. É completamente livre aos particulares, no Districto Federal, o
ensino primario e secundario, sob as condições de moralidade, hygiene e estatistica definidas nesta lei.
TITULO II Das escolas primarias, suas categorias e regimen Art. 2º. A instrucção primaria, livre, gratuita e leiga, será dada no
Districto Federal em escolas publicas de duas categorias: 1ª escolas primarias do 1º gráo; 2ª escolas primarias do 2ª gráo. § 1º As escolas do 1º gráo admittirão alumnós de 7 a 13 annos de
idade, e as do 2º gráo, de 13 a 15 annos. Umas e outras serão distinctas para cada sexo, porém meninos até 8 annos poderão frequentar as escolas do 1º gráo do sexo feminino.
§ 2º Nenhum alumno será admittido á frequencia das escolas do 2º gráo sem exhibir o certificado de estudos primarios do gráo precedente. (Decreto n. 981 - de 8 de novembro de 1890)
64
A reforma proposta por Benjamim Constant, de 8 de novembro de 1890, após
a expulsão dos jesuítas, foi considerada pela primeira vez uma diretriz educacional
que abrangia todos aspectos da educação e todos os níveis de ensino, mas, ainda
assim priorizava, como muitas outras reformas, os ensinos secundário e superior.
Tal fato indicava a permanência de problemas na estrutura do ensino “... como, por
exemplo, a integração educativa da nação, o ensino primário, a formação dos
professores e o objetivo do ensino secundário”, na visão de Marcílio (2005).
A reforma caiu principalmente sobre o CP II alterando seu currículo. O ensino
secundário foi o mais atingido, pois a reforma impôs o rompimento com a tradição do
currículo clássico jesuítico e impôs a seriação obrigatória. A reforma de Benjamin
Constant (1890) extinguiu os preparatórios, aos quais o Colégio havia se resumido,
que habilitavam o aluno ao ensino superior. A reforma também fez o CP II, nessa
ocasião chamado de Ginásio Nacional, distanciar-se das marcas do Império, mas
mantendo o padrão do ensino secundário a ser seguido por todo o país.
Depois desta reforma foi promulgada a Constituição de 1891, que é deficitária
com relação à educação. Ela toca o ensino superior em dois artigos,
Art 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional: 30º) legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União; (Das Atribuições do Congresso) Art 35. 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal.
e a instrução primária quando lhe garante a laicidade, no “§ 6º - Será leigo o ensino
ministrado nos estabelecimentos públicos”. (SEÇÃO II: Declaração de Direitos , Art
72, 1891).
Estrutura e funcionamento.
De acordo com Correa (2006), Lima (s/d) e Peres (2005), podemos apreender
algumas orientações das reformas da nova república (1901 a 1915) para visualizar a
como a ordenação legislativa vem desenhando para a educação na república. Dessa
maneira podemos perceber que: a seriação do curso secundário e a organização
dos estudos sofreram alterações a cada reforma, a duração do curso secundário é
65
mantida nas três reformas citadas em seis anos. Algumas leis que tocam à
organização do ensino estabelecem o período em que deve ser realizado o curso
ginasial. Este segmento não foi sempre de quatro anos como conhecemos, já houve
períodos em que foi de cinco e de seis anos. A estrutura seriada de ensino foi
marcada por uma lei do início do século XX, (1901). As reformas desse período
deram prioridade, como de costume, ao ensino secundário, apesar de tratarem
também do ensino primário. Sob a perspectiva da Reforma de Epitácio Pessoa
(1901)28 a educação nacional deveria priorizar a formação secundária, visando a
consolidar a estrutura seriada do modelo educacional, (...) prevalecendo os exames
preparatórios; a Reforma Rivadávia (1911), segundo Correa (2006) desoficializou o
ensino, descomprometendo o Estado, parecendo reeditar com mais propriedade o
Ato Adicional de 1834, o que reforça a presença da iniciativa privada na educação
por falta da iniciativa o poder público, propondo a retirada de toda intervenção do
Estado na educação e a Reforma Maximiliano (1915) busca dar uma ordem ao
ensino brasileiro tornando obrigatória a seriação dos estudos; nessa reforma o curso
ginasial passa a ser ministrado em cinco anos.
Entre essas reformas algumas foram referentes ao ensino primário e outras
regulamentaram o ensino no CP II, bem como especificamente a administração
deste ensino, no caso, somente o secundário. O que aconteceu no ensino primário
durante muito tempo teve pouco impacto na educação pública e era tratado com
baixa prioridade, na medida em que, para ingressar no Colégio, era necessário o
exame de seleção. Analisando a valorização do status do CP II pode-se mensurar o
que foi implantar o ensino primário no Colégio, ou seja, como instalar um curso com
pouco status se insere num valoroso colégio. O curso primário, historicamente,
gozava de pouco prestigio social e não figurava entre as prioridades educacionais.
Esse baixo prestígio, com o tempo, veio a ser estendido aos profissionais que
atuavam neste segmento, em particular, às suas professoras. Esse conjunto veio
aportar em um colégio tradicionalmente bem situado no cenário da educação
brasileira.
Depois da Reforma Maximiliano, chegou-se a um fértil período da história do
Brasil e da história da educação no Brasil, que foi o governo de Getúlio Vargas.
28
Decreto nº 3.890, de 1 de janeiro “Approva o Codigo dos Institutos Officiaes de Ensino Superior e Secundario, dependentes do Ministério da Justiça e Negocios Interiores”.
66
Nesse período temos as importantes reformas Campos (1931) e Capanema (1942),
que se tornaram importantes marcadores da primeira metade do século XX.
2.2.1 O GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS
Este período foi marcado pela entrada no Estado Novo e para a educação a
criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública, através do Decreto 19.402,
tendo como ministros no governo Getúlio Vargas: Francisco Luiz da Silva Campos,
Belizário Augusto de Oliveira Pena, Washington Ferreira Pires e Gustavo
Capanema.
Ano 1931, com menos de 50 anos após a Proclamação da República, Getúlio
Dorneles Vargas assumiu, em governo provisório, o comando do Estado Brasileiro,
intitulando-se presidente, embora o Estado Novo só tenha sido adotado em 1935.
Getúlio foi o 14º dirigente do Brasil.
Vale chamar a atenção para o estado de onde Getúlio veio para aquele onde
ele aportou, pois no Rio Grande do Sul (RS) não havia predominância das marcas
da escravidão; havia lá uma presença negra diminuída, pois recebeu relativo
contingente de imigrantes europeus depois das duas guerras mundiais.
Pode-se inferir daí que havia uma diferença, por exemplo, entre um Distrito
Federal, onde historicamente, a instrução era destinada à formação da elite, e um
Rio Grande do Sul, onde a instrução foi projetada para a formação do povo imigrante
que, na ocasião se instalava no país. Então, a educação e a saúde, pode-se
imaginar, eram pensadas para os seus. Esse fato permite considerar que foram
esses princípios que acompanharam Getúlio até o Rio de Janeiro/DF. Com isso,
logo nasceu o Ministério da Educação e da Saúde Pública, sem esquecer a
demanda desenvolvimentista que já pressionava por mais educação e saúde
pública.
Com um processo de industrialização em curso e uma corrida mundial
desenvolvimentista em franca consolidação e afirmação do capitalismo, viveu-se um
momento de tratar o mercado de trabalho através da qualificação dos trabalhadores
e, para tanto, havia que se educar o povo para absorver avanços. O povo deveria
67
produzir, demandar, consumir, trabalhar e alimentar esse circuito capital.
Era um momento muito fecundo para romper de uma vez com a tradição
colonialista, com suas marcas escravocratas e excludentes, mas o país não seguiu o
caminho da emancipação e da inclusão de fato. No avanço do capital, o fosso de
desigualdade também marcada pelo aceso, permanência e sucesso na educação se
aprofundou. A população majoritariamente negra e analfabeta, uma classe popular
pobre e branca estrangeira, todos buscavam educação e trabalho. A educação foi se
universalizando e o trabalho, branqueando.
A educação e trabalho foram ficando mais acessíveis, mas não era para
todos; formou-se um exército de mão-de-obra de reserva, produzindo dois sistemas
educacionais: um para a elite e outro para o povo.
Surgiram novas demandas; lutas também se desenrolam no campo da
disputa entre os modelos socialista e capitalista, o que acarretou o acirramento das
ditaduras; então viveu-se aqui a ditadura Vargas e depois a ditadura civil-militar.
Contudo, essas disputas produziram verdadeiras revoluções populares, grandes
mobilizações na cultura, na educação e em vários outros setores da sociedade,
mobilizações mundiais que impactaram toda a sociedade brasileira. No Rio de
Janeiro, em 31 de maio de 1931, foi criado o Sindicato dos Professores do Município
do Rio de Janeiro, atual Sinpro-Rio; e, em 1932, foi lançado o Manifesto dos
Pioneiros. A sociedade civil se organizou contra as ditaduras, as tradições e o
conservadorismo que iam perpetuando as desigualdades e exclusões. Os
intelectuais da educação traduziram estas vozes organizando-se também e
escutando o que ocorria no Brasil e no mundo sobre mais acesso à educação para o
povo e uma educação que garantisse a permanência do estudante na escola com
uma proposta educacional viável e inclusiva.
Na Era Vargas, foram materializadas as lutas de representação, a(s)
ditadura(s) e as resistências. Duras ditaduras que não dissimulavam, matavam, não
“douravam a pílula”, davam o veneno sem açúcar, e afeto?... nem pensar...
Ditadura dura que não dava suspiro à resistência e sabia que ela era
igualmente dura. A resistência sabia o que queria, ainda que não soubesse bem
68
como faria, pois contava com pouco(a)s. Ainda assim, resistiu!
O país atravessou uma conjuntura perversa nos períodos de 1931/1945 e
1954/1964. Contudo os efeitos: castigos, punições, violências, atentados aos direitos
hoje não são mais permitidos da forma “naturalizada” e impune como acontecia. A
resistência continua, as ditaduras também, ambas de forma difusa, dispersa, ruim
para a resistência. As ditaduras dão seu jeito, elas têm recursos para se
sustentarem em muitos lugares. Ambas hoje operam, em diferentes medidas, de
forma mais abrangente através da mídia que se constitui num “quarto poder”, quase
o mais poderoso. A leitura desse marco histórico, a Era Vargas, serve para destacar,
salientar alguns dos caminhos por onde se deve caminhar e o que se deve buscar
para revelar e compreender a íntima relação da política com a educação e vice
versa, como Paulo Freire destacou: “educar é uma ação política”. É um bom
momento para pensar no que houve para projetar o que poderá vir a ser...
A conjuntura getulista foi importante para a educação. A política determinou a
educação e ainda o faz. Está também na hora de a educação armar uma ordem
política para fazer educação, buscar formular outras estratégias considerando a
atual conjuntura política buscando inspiração nos intelectuais revolucionários Paulo
Freire para a educação e Ubiratan D’Ambrósio para educação matemática;
recuperar, ativar e verificar seus ensinamentos.
A passagem por esse tempo histórico de Getúlio é importante para trazer à
tona, com luz e força, espíritos revolucionários, tal como são os espíritos das
professoras primárias que aportaram no CP II. Muitas não têm plena consciência
disso, pois o “império”, a ditadura, sempre ataca e opera no esvaziamento da alma,
no apagamento do brilho do olhar, aposta na burocratização, na despolitização, na
sistemática fechada da avaliação, na competição, no rankeamento. O “império” mora
nos Estados Unidos, mora aqui, mora ali, está na sombra, assombra - o poder não
deixa ler Paulo Freire nem Ubiratan D’Ambrósio no CP II, não fala nem em Euclides
Roxo.
Euclides Roxo, catedrático, intelectual de seu tempo, professor de
Matemática em atividade nos primeiros tempos da era Vargas sinalizou para
69
alterações que deveriam ser produzidas no ensino da Matemática que foram
absorvidas no projeto educacional deste período e se tornaram de extrema
importância, o que nos permite considerar Euclides Roxo um dos primeiros
educadores matemáticos do Brasil. Sua proposição sugeria, numa perspectiva de
vanguarda do ensino, que o ensino secundário deveria vincular-se mais ao ensino
primário do que ao ensino superior e admitia contribuições da psicologia para o
entendimento e apoio às questões da educação e do ensino.
Getúlio Vargas projetou o Brasil, impulsionando com medidas importantes a
industrialização “consolidando” empresas nacionais, criando a CSN, a Vale do Rio
Doce, concedendo medidas protecionistas aos trabalhadores, criando o Ministério da
Educação e da Saúde, mas trouxe em seu governo marcas franco-fascistas e,
apesar dos muitos avanços, foi um ditador. Nada é perfeito. Um dos efeitos disso é
que o país avançou, mas guardou profundas desigualdades e muitos avanços da era
Vargas acabaram na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi um
retrocesso e impôs grandes perdas aos trabalhadores, principalmente, aos
educadores e profissionais da educação.
No período varguista em que se avançava para universalização da educação
havia que se pensar que o currículo seria praticado a fim de dar conta das
demandas científicas e tecnológicas e da diversidade que passaria a habitar no
espaço escolar. O ensino da matemática estava sendo discutido no mundo inteiro.
Que matemática seria ensinada diante de tanta mobilização e demanda social,
mundial, política, educacional e científica que desse conta de um processo de
industrialização com outras e novas perspectivas para o trabalho e com um grande
contingente de imigrantes nacionais e estrangeiros? O Brasil estava mudando,
realmente, de cara. Ocorreu uma mudança substantiva nos modos de produção,
houve um grande esvaziamento/deslocamento do campo, das áreas de atividades
rurais para as áreas urbanas. As cidades periféricas foram crescendo, inchando
alterando sua infraestrutura. A república foi se consolidando com muitos conflitos e
contradições. O povo sempre pedindo inclusão, participação, justiça e igualdade. As
ditaduras no mundo também foram imperando e disputando desigualmente com o
povo. Ainda assim, mesmo com significativa influência européia na sociedade
brasileira, os Estados Unidos afirmaram-se como império bélico mundial e tornaram-
70
se nosso imperador e credor, ficamos fortemente submetidos às suas influências e
nos tornamos quase totalmente dependentes deles financeiramente.
O Brasil dependia de fato, não se desamarrava das influências europeias
para a elite e norte-americanas para a educação popular e assim, ainda que
tivéssemos notados avanços a educação brasileira não se desenvolveu com e para
o povo brasileiro, vivemos durante muito tempo de modelos importados.
Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros trouxe influências da escola nova29 para
a educação em geral. Também tivemos a influência norte-americana para a
Matemática. O modelo de ensino para a matemática que foi executado no Brasil, em
grande medida, com ferramentas e aportes metodológicos europeus. Apesar de ser
norte americano o modelo tecnicista de organização curricular a teoria e metodologia
que fundamentava o ensino da matemática era europeu marcado pelas influências
de Piaget, Papy e Dienes.
As constituições brasileiras também revelaram influências estrangeiras, bem
como as nossas reformas educacionais e isso permanece até nas nossas Leis de
Diretrizes e Bases. Fomos afetados pelo mundo, mas durante muito tempo essa
afetação se traduziria numa atitude subserviente, de alma colonizada. Em 509 anos
de Brasil, 187 anos da Independência, 172 anos do CP II, 121 de Abolição, 120 de
República30, vivemos apenas 21 anos de democracia mais plena, a contar da última
constituição datada de 1988, que consagra eleições diretas para todos os cargos
públicos parlamentares; ainda não completamos um jubileu de prata de democracia
e até mesmo a independência, de fato, ainda engatinha.
29
A Escola nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, foi um movimento de renovação do ensino, que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX. Nascido a Europa e América do Norte, chegou ao Brasil em 1882, pelas mãos de Rui Barbosa, e exerceu grande influência nas mudanças promovidas no ensino na década de 1920, quando o país passava por uma série de transformações sociais, políticas e econômicas. Inspirados nas idéias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, esses intelectuais viam num sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais da nação. O movimento ganhou impulso na década de 1930, após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Nesse documento, defendia-se a universalização da escola pública, laica e gratuita. http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Nova. acesso em 10/09/2012. 30
Essas datas tomam como referencia o período abordado nesse estudo que vai até 2009. (Nota da autora)
71
O Colégio Pedro II é mais antigo do que muitas das instituições brasileiras, só
não é mais antigo do que o advento da Independência, mas é mais velho do que a
República e certamente do que a democracia brasileira. O Brasil é jovem na
constituição do regime e da própria sociedade, que veio a se configurar tal como é
hoje a partir da primeira guerra, quando começaram a se movimentar grandes
blocos de imigração mundial.
Em matemática, os intelectuais e catedráticos brasileiros foram influenciados
por Klein (Alemanha)31 e Breslich (USA)32, pelo SMSG (EUA)33 e, no auge da
ditadura, pelos acordos MEC-USAID34. As ditaduras estrangeiras financiaram a
ditadura nacional. Financiaram os golpes contra a democracia e até hoje buscam
financiar o desmonte da estrutura e soberania brasileiras. Só que as ditaduras vão
sendo desmascaradas, desmanteladas e, vez por outra, se desmancham no ar...
31
Klein, Felix Christian (1849 — 1925) Foi um matemático alemão. Seu trabalho incidiu na geometria não-euclidiana e nas interligações entre a teoria dos grupos e a geometria. Em 1908 criou a Comissão Internacional de Instrução Matemática, e trabalhou de 1908 até os anos 1920, em uma pesquisa cujo objeto era a evolução da Educação Matemática em diversos países do mundo. Foi editor da revista de matemática Mathematische Annalen, tendo conseguido torná-la na principal publicação da época. http://pt.wikipedia.org/wiki/Felix_Klein. acessado em 32
Breslich, Ernst R. Breslich, Ernst R. Nasceu em 1874, na Alemanha, tornando-se cidadão americano em 1896. Em 1900, recebeu o título de Mestre pela Universidade de Chicago. Foi o autor que mais influenciou Euclides Roxo na elaboração do seu programa através do livro didático Senior Mathematics Book I. Ernst Breslich começou sua ascensão quando Charles Hubbard Judd assume a presidência do Departamento de Educação da Universidade de Chicago, em 1909, O fato mais marcante no didático escrito por Breslich era a sua preocupação em dar “ênfase na Geometria”. Em algumas afirmações escrevera que seu curso desenvolveria a “imaginação espacial e pictórica”, “intuição funcional”, “pensamento apurado e poder de concentração”. A criação do Curso de Mathematica Elementar: um guia para a condução da nova disciplina, um manual didático inovador. REVISTA DON DOMÊNICO Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Faculdade Don Domênico 6ª Edição – setembro de 2012 - ISSN 2177-4641. Acessado em 27/09/2012 33
SMSG - A School Mathematics Study Group (SMSG), Escola de Grupo de Estudos de Matemática foi uma organização de pesquisas acadêmicas americana focado no tema da reforma na educação matemática . Dirigido por Edward G. Begle e financiado pela National Science Foundation, o grupo foi criado na esteira da crise do Sputnik , em 1958, com a tarefa de criação e implementação de matemática nos currículos para primário e secundário, o que fez até o seu término em 1977. Os esforços da SMSG renderam uma reforma na educação matemática conhecida como nova matemática, que foi promulgada em uma série de relatórios, que culminou com uma série publicada pela Random House chamado de Nova Biblioteca de Matemática. http://en.wikipedia.org/wiki/School_Mathematics_Study_Group. acessado em 27/09/2012 34
Os chamados acordos MEC – USAID. Série de acordos produzidos nos anos de 1960, entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID), nos Estados Unidos, que visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira ao sistema educacional brasileiro. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária ao ensino superior. E último dos acordos firmados foi no ano de 1976. http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_MEC-USAID. acessado em 27/09/2012
72
As reformas, até 1930, deram ênfase no curso secundário. A Reforma
Francisco Campos35 em 1931, dispôs sobre a organização do ensino secundário. O
ensino primário não era prioridade, bem como toda a educação infantil e o próprio
tratamento da infância. Contudo vale ressaltar que o CP II na sua estrutura e
funcionamento, sempre acompanhou todo o desenvolvimento do processo
educacional do país chegando mesmo ao ponto de ser o centro irradiador das
políticas (currículos e programas) educacionais nacionais. Por isso era considerado
o Colégio Padrão do Brasil. A reforma de 1931, declaradamente elitista, equiparou
todos os colégios secundários oficiais ao CP II, mediante a inspeção federal, e deu a
mesma oportunidade às escolas particulares para que se organizassem, segundo o
decreto, e se submetessem à mesma inspeção. Não deu ênfase ao ensino primário
ou aos problemas da educação popular.
Do período em que Francisco Campos foi ministro vale ressaltar a importância
de Euclides Roxo no quadro dos formuladores da “política educacional” que se
desenhava para o Brasil. Neste período Euclides Roxo esteve presente em
comissões36 que elaboravam os currículos e programas de ensino para as escolas
brasileiras.
A partir do início do século XX começa a tomar corpo no Brasil um movimento
renovador visando transformar as condições de ensino. Esse movimento, que se
chamou Escola Nova37, era liderado por educadores renomados nos principais
estados da federação.
O ministério da Educação e da Saúde Pública foi criado no início do Estado
Novo, um período de autoritarismo no país. No entanto, logo em 1932, foi publicado
o Manifesto dos Pioneiros. Mais adiante será visto que, contraditoriamente nesse
período tenso, tivemos os mais fortes indícios de modernização na educação e o CP
II, mais uma vez teve seu protagonismo. Nesse mesmo momento estava em curso,
no CP II, a reforma da Matemática proposta por Euclides Roxo.
35
Reforma Francisco Campos: idem p. 61 36
Em 1937, após ter sido Diretor de Colégio Pedro II, foi nomeado Diretor do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde, foi membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), fez parte da comissão de ensino secundário da mesma associação e foi Presidente da Comissão Nacional do Livro Didático. (Pitombeira, 2003, p.87)
37 Ver pag. 67
73
2.3TRADIÇÃO, A MODERNIZAÇÃO E O CONSERVADORISMO.
Componentes do ideário sobre a Matemática e o ensino de Matemática no CP II
(1929/1930).
O ensino de matemática no CP II era enunciado por uma concepção e ensino
dessa ciência marcados por atos e atitudes de seus numens tutelares – os
catedráticos, de modo geral, e os de matemática, em particular. Dentre eles, a figura
ilustre mais emblemática foi Euclides de Medeiros Guimarães Roxo. Tratar da
história da educação, do ensino e da reforma da matemática, passando pelo CP II
sem trazer à cena o Prof. Euclides Roxo, deixaria uma grande lacuna no estudo da
trajetória da educação matemática no Brasil. Ele não veio sozinho, veio na trilha de
outro ilustre Professor, Eugênio de Barros Raja Gabaglia38, professor de matemática
e ex- diretor geral do Colégio.
Para compreender o que ocorreu especificamente com o ensino da
matemática, no CP II numa época em que havia muita mobilização em torno da
educação, é preciso começar com o que o Prof. Raja Gabaglia pensava sobre o
assunto. Ele compreendia o descompasso entre os alunos e a matéria e, para tanto,
tinha a seguinte concepção:
Gabaglia era um herdeiro da tradição. A matemática, em seus vários ramos, representava a lógica, a formação do espírito pelo desenvolvimento do raciocínio dedutivo, dos problemas a partir das premissas, pelas demonstrações, pela elegância do encadeamento da resolução dos problemas a partir das premissas Observando os alunos, ante as dificuldades que encontram nos exercícios, o professor disserta e tenta convencer o inspetor que isso não é algo próprio de seus discípulos, é da raça, da raça latina: “Tem mais aptidão para o raciocínio indutivo do que para o dedutivo. (. . . ) O raciocínio abstrato é a grande barreira a que ficam sujeitos os jovens de tenra idade. (Valente, 2003, p.48, 49)
38
Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas. Além disso era versado em Francês, Inglês, Italiano, Espanhol, Latim e Alemão. Ainda estudante, estreou no magistério lecionando Matemática no curso regular na própria Escola Politécnica. Em 1896, ainda na Escola Politécnica, assumiu as cátedras de Direito, Economia Política e Portos de Mar. Foi professor substituto de Matemática e de História no Colégio Pedro II, tendo vindo a dirigir o externato e o internato no período de Novembro de 1912 a 1914. Em 1912 viajou para a Inglaterra para participar, como delegado do Brasil, no V Congresso Internacional de Matemática. Nessa qualidade, afirmou, à época, que o seu país tinha interesse "no aperfeiçoamento da organização do ensino de Matemática". http://pt.wikipedia.org/wiki/Eugenio_de_Barros_Raja_Gabaglia. acessado em 12/09/2012
74
Para resolver a questão o Professor Raja Gabaglia crê que para resolver esse mal, há necessidade de muito trabalhar com a decoração das regras da aritmética e da álgebra. (apud Alexander, 1908, in Valente, 2003, p.49)
Essa era uma idéia discriminatória, racista, que trouxe as marcas do seu
tempo histórico, pois discriminava a raça latina que se produziu fora do continente
europeu, lugar de origem de Gabaglia, que era italiano. Gabaglia defendia o ideário
que hierarquizava indivíduos a partir da habilidade em lidar com a dedução e a
indução no pensamento lógico matemático, desconsiderando como o sujeito está
pensando. De certa maneira toda trajetória educacional sesquicentenária deste
Colégio era ancorada numa prática discriminatória que sustenta um ensino de
excelência destinado a formar a elite sem prestar atenção aos jovens dessa própria
elite, pois não bastava pertencer a ela; eles não poderiam ser da “raça latina”,
segundo acreditava Gabaglia.
A presença de Euclides Roxo no CP II veio marcar um período em que o
Colégio atravessava e era atravessado por um movimento internacional de
modernização do ensino da matemática com vistas a “promover, ao lado das
humanidades literárias, as humanidades científicas, fundadas sobre o ensino da
realidade, levando o aluno a aprender, a raciocinar partindo do concreto,
promovendo, assim, a ruptura com o antigo, dogmático e abstrato modo de pensar
o ensino de ciências”. (Belhoste apud Valente 2003, p.65). Os reformadores incluiam
também a tarefa de reorganizar os programas de ensino que consideravam
sobrecarregados. Euclides Roxo compartilhava desse ideário mais avançado.
Raja Gabaglia, que expressava a tradição, representou oficialmente o Brasil
nos mais importantes congressos que discutiam na época a modernização do ensino
da matemática. Ele “foi um representante oficial, político, pouco interessado em
novidades que viessem a alterar o ensino tradicional e bem assentado da
matemática no Pedro II”, (Valente, 2003, p.58) e não entrou para a história da
educação no Brasil por não ter desenvolvido, com a energia necessária, o debate
sobre a modernização do ensino da matemática que corria o mundo. O CP II perdeu
outra oportunidade no século XX: a de protagonizar esse debate em torno da
modernização de matemática (Choeri, s/d; Valente, 2003). Este estudo tem a
intenção de contribuir para que o mesmo não ocorra no século XXI e que o Colégio
75
recupere a ousadia e sua capacidade de protagonizar o debate sobre a educação
matemática.
Roxo veio substituir Raja Gabaglia na cátedra em 1919, por ocasião de sua
morte, frente a uma acirrada disputa que veio a vencer contra o Prof. Arthur Thiré.
Outro personagem que merece ser citado no percurso do ensino da
matemática no Colégio junto com Euclides Roxo é o Prof. Joaquim Inácio Almeida
Lisboa exatamente por seu antagonismo às ideias modernizadoras de Roxo.
Almeida é visto em textos como um matemático de alta estirpe, como no caso,
Joaquim Inácio de Almeida Lisboa estava totalmente deslocado no Colégio Pedro II ao ministrar aulas a adolescentes. O seu lugar deveria ser na Congregação da Politécnica, era um matemático puro e de alta estirpe, seus escritos o comprovam . . . (Choeri, s/d, p. 20).
Tal citação pode não corresponder à realidade dos fatos, contudo essa idéia
de alta estirpe permeia esse ideário e compõe as representações do senso comum
da comunidade escolar em torno do ensino da matemática através de seus agentes.
Pode-se detectar na mobilização em favor da reforma da matemática dois
movimentos: o de unificação das matemáticas e o de aproximação do ensino
secundário com o ensino primário, no caminho oposto ao que transitava até então.
Historicamente o ensino secundário estava mais ligado ao ensino superior. Roxo
sinalizava na defesa de suas idéias, para um outro caminho: pensar pelo viés da
psicologia do sujeito compartilhando com as linhas gerais do plano proposto no
Manifesto dos Pioneiros que trazia o ideário da escola nova:
A escola primária, que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada (...). (Manifesto dos Pioneiros, 1932)
Entendo que modernizar a educação passa também, fundamentalmente, por
modernizar o ensino de matemática ao ponto de, praticamente, não poder distinguir
em que ordem isso deveria se dar, ou seja, o que vem antes. Ainda mais se
considerarmos que, grandes avanços são provocados pelas ciências que tem como
base a matemática e também considerando todos os conceitos e preconceitos que
giram em torno desta disciplina.Assim sendo, relacionar Euclides Roxo aos
Pioneiros através de sua trajetória pode que ele seja considerado o primeiro
76
educador matemático do Brasil e admitir como o seu espírito renovador da
matemática permaneceu silente e latente todo esse tempo sem que outros
educadores tivessem muita consciência disso.
Roxo iniciou um texto afirmando: “O ensino da matemática esteve até as
últimas décadas do século passado39, sob a influência quase exclusiva de
preconceitos de organização excessiva lógica e sistemática.” (Roxo, 1937)
Ainda no que diz respeito ao ideário sobre o ensino de matemática do
Colégio, Euclides Roxo já havia dado grandes contribuições para o debate. Contudo
a disputa pela hegemonia do discurso entre um texto conservador e um texto
moderno sobre o ensino da matemática ainda prevalece em pleno século XXI.
Nessa ocasião um opositor às idéias de Roxo era um professor também do CP II
que destacava-se nas críticas públicas que fazia a Euclides Roxo.
O CONSERVADORISMO DE ALMEIDA LISBOA
Em crítica a um livro40 de Euclides Roxo, Almeida Lisboa acusou-o de
pretender “banalizar a matemática, torná-la simples “lição das coisas”. O que não
era verdade, pois Euclides Roxo em momento algum descuidou (...) de manter um
nível adequado e amplo de conhecimentos de matemática na distribuição dos
conteúdos. (Pitombeira, 2003, p.127).
A reforma da matemática no Colégio Pedro II proposta por Euclides Roxo em
1929 afirma a necessidade de unificar os ramos da matemática. O tema suscitou
intenso debate, o que possibilitou a explicitação das idéias em torno da disciplina e
também permitiu visualizar o que representava a matemática e seu ensino no
Colégio. Ao final a proposta foi acolhida e homologada pela congregação.
Lisboa criticou a reforma feita por Roxo, mostrando–se frontalmente contrário
às suas orientações. Declarou expressamente que:
Na qualidade de mais antigo professor catedrático de Matemática do Colégio Pedro II, declaro não ter colaborado, nem de leve, nos seus atuais programas de Matemática.
39
No texto a expressão “século passado” refere-se ao século XIX, porém a afirmativa é viva e plena ainda no curso do século XX. 40
Um dos livros de Roxo criticados por Almeida Lisboa “A Matemática na Educação Secundária”, 5º ano, 1940.
77
Sou fundamentalmente contra eles; não os considero sequer programas de ensino, porque tudo destroem. Desde 1902, nos já distantes tempos em que fiz concurso, sempre fui partidário de uma reforma completa do ensino a Matemática, mas em moldes opostos à atual. Desejava o desenvolvimento da matéria e o aumento do número de anos de estudo. (Lisboa apud Pitombeira, 2003, p.130). E continua, expondo o que acha de errado na reforma feita por Euclides Roxo: O professor Euclides Roxo quis dar ao ensino da Matemática um caráter utilitário e essencialmente prático. Julgo que não atingiu esse objetivo. A mocidade sacrifica longos anos roubados aos folguedos naturais da idade para, em troca, lhe ministrarmos conhecimentos reais, cultivando seu espírito, desenvolvendo suas qualidades intelectuais. Não é Matemática para jardineiro analfabeto que ela vem procurar nos cursos secundários. O professor Roxo esqueceu qual a verdadeira finalidade da Matemática na escola secundária. Seu principal destino não é uma colheita mais ou menos abundante de conhecimentos isolados. A Matemática é uma disciplina do espírito, uma inimitável e insubstituível educadora do raciocínio a que a mocidade deve ser submetida. Se a reduzirmos às banalidades de agora, por que não suprimiremos também o estudo da História Universal, da literatura e da própria gramática, que não apresentam as utilidades práticas tão admiradas pelo professor Roxo? Estamos formando uma geração de ignorantes. Vai desaparecendo, entre nós, o ensino da Matemática. Os programas são ridículos, tão ridículos quanto nossa miserável literatura matemática. (...) As noções rudimentares da Matemática exigida pelos programas atuais do Pedro II poderão servir no máximo para as escolas primárias. (...). (Pitombeira, 2003, p.131)
Nesse trecho é possível detectar como é vista, por um segmento liderado por
Lisboa, dentro do Colégio a iniciativa da reforma da matemática e seus efeitos.
Ficam evidentes o tamanho da contrariedade expressa pelo Prof. Lisboa e a critica
do que entende ser o “caráter utilitário da matemática”. É certo que Lisboa
encontrou adeptos. Assim, apesar da vitoriosa reforma de Roxo, a família Lisboa
ainda esteve no Colégio por um bom tempo influenciando as tendências no ensino
da matemática.
Euclides Roxo foi um professor que se projetou, destacando-se no cenário da
educação nacional, mas as ideias que permaneceram no Colégio após sua morte
foram de retrocesso, contrárias em grande medida às suas posições de vanguarda.
No entanto suas idéias tiveram alcance nacional e exerceram grande influência
sobre o ensino da matemática no país, dada a conjuntura de um regime
extremamente autoritário, mas cujas autoridades Roxo era ligado por conta do seu
cargo. Ele desfrutava do respeito e trânsito junto aos Ministros da Educação,
78
Campos e Capanema. Em 1931, “Francisco Campos adotou, em sua reforma quase
todos os pontos de vista sobre o ensino de matemática difundidos por Euclides
Roxo. (Miorim apud Pitombeira, 2003, p. 125). Apesar desse suporte, Euclides Roxo
foi um catedrático que enfrentou brava resistência por parte dos conservadores
avessos à reforma.
1932 – MANIFESTO DOS PIONEIROS
O Manifesto dos Pioneiros (1932) não foi uma lei, mas um documento
relevante, posto que traduzia a síntese de um plano de reconstrução educacional
nacional, com ênfase na educação nova que sustentava o ideário da reforma, com
princípios mais democráticos, com mais inclusão e oportunidades. Ele apresentava
enquanto carta de princípios, a formulação dos principais intelectuais da educação.
No elenco de proposições abordava:
A reconstrução educacional – ao povo e ao governo Movimento de renovação educacional; Diretrizes que esclarecem; Reformas e a reforma; Finalidades da educação Valores mutáveis e valores permanentes; O Estado em face da educação: a) A educação, uma função essencialmente pública; b) A questão da escola única; c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação; A função educacional a) A unidade da função educacional b) A autonomia da função educacional c) Descentralização: “Unidade não significa uniformidade” O processo educativo O conceito fundamental da educação nova. Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo. (Manifesto, 1932), Plano de reconstrução educacional a) As linhas gerais do plano b) O ponto nevrálgico da questão A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao
79
desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. (Manifesto, 1932), c) O conceito moderno de universidade e o problema universitário brasileiro d) O problema dos melhores A unidade de formação de professores e a unidade de espírito O papel da escola na vida e a sua função social A democracia – um programa de longos deveres.
Essa é a estrutura do documento que trouxe muitas contribuições e
sistematizou em grandes linhas um plano para a educação nacional, tratando de
seus principais problemas e apresentando perspectivas modernas para pensar a
educação sob um novo paradigma.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. (Manifesto, 1932).
Essa escolha dá-se também pelo fato de que esse manifesto planta o espírito
de muitas outras transformações pelas quais passou e vem passando a educação
brasileira. Ele, sem dúvida, impactou e foi impactado também pelos movimentos de
renovação pedagógica, fundamentalmente a educação para crianças
A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela vida de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades". (Manifesto, 1932)
Assim, podemos perceber que para a criação do Pedrinho e a construção da
sua proposta pedagógica mais avançada, já vinha sendo preparado o terreno
através de movimentos e demandas populares/sociais trazidas nas vozes de
intelectuais formuladores, como é dito no texto do manifesto:
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... aos que tomaram posição na vanguarda de renovação educacional cabia o dever de formular (. . .) as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra escolas tradicionais. (Manifesto, 1932)
A história, de certa maneira, se (re)escreve e se (re)inscreve de tempos em
tempos, pois os formuladores, os idealizadores sempre encontram hostilidade entre
os conservadores. Assim foi com Euclides Roxo (CP II/1930) ao implantar uma
reforma para o ensino de matemática e o mesmo ocorreu com Tito, Dalva, Cláudia e
Diva41 (CP II/1986) ao sustentarem a implantação, no 1º segmento do Colégio, de
uma outra proposta pedagógica, mais uma vez, tocando à matemática. A diferença
nas reformas que ocorreram produzindo algumas rupturas no Colégio foi que a
reforma de Euclides Roxo Fo imposta tornando-se uma normativa enunciada a partir
do novo ministério e as alterações implantadas para o novo segmento do CP II
foram construídas de forma compartilhada, contudo as duas reformas fizeram parte
das estratégias determinadas a partir de um sujeito de querer e de poder .capaz de
produzir, impor outros ou novos modelos, produção que é organizada pelo postulado
de um lugar de poder (De Certeau, 2004, p.101). Decerto não foram pioneiros em
sua manifestação por uma transformação no curso dos currículos e programas
praticados no CP II, mas, sem dúvida, tal como os pioneiros de 1932, foram
aquele(a)s que ousaram.
Tomar o Manifesto como marco, contudo, exige que em sua análise crítica
note-se o tom um tanto iluminista, nacionalista, quase religioso, no sentido da fé na
renovação. Mais relevante, a permanência das suas bandeiras de luta por mais
democracia e questões que alimentam os discursos mais atuais – a obrigatoriedade,
a qualidade e a laicidade da escola pública. Vale observar também o traçado crítico
feito sobre a educação nacional na época, principalmente, ao que diz respeito ao
conservadorismo, à elitização, à exclusão das camadas populares através da
seleção e da pouca oferta, quando diz que “. . . a educação deixa de constituir um
privilégio determinado pela condição social e econômica do indivíduo ( . . . )”
(Manifesto, 1932). Outro aspecto importante tratado no Manifesto é o interesse
41
Tito Urbano da Silveira, Diretor Geral do Colégio Pedro II (1979-1989); Dalva da Mota, primeira Diretora da primeira unidade do Pedrinho e coautora do projeto de criação das unidades de 1º segmento; Cláudia Benvenuto, primeira chefe de Departamento do primeiro segmento (1986 a 1989) e Diva Noronha, Assessora Pedagógica de Matemática (1986 a 1987)
81
explicitado pela educação das crianças. O ensino primário estava bem projetado e
esse dado favorecia as iniciativas que se voltassem para esse nível de ensino. A
partir do manifesto foram tomadas outras iniciativas com vistas a incluir mais
crianças nas escolas, tendo um projeto educacional que realmente as acolhesse. É
nesse sentido que a educação brasileira e o CP II tem traçado sua trajetória.
O Brasil ganhava uma nova Constituição promulgada em 16 de julho de 1934,
em que a Assembléia Nacional Constituinte confirmava Getúlio Vargas na
Presidência. Ela foi redigida, segundo o próprio preâmbulo, "para organizar um
regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o
bem-estar social e econômico”. Essa nova carta magna (a segunda da República)
dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada
pela família e pelos Poderes Públicos, e apresenta avanços sociais tais como a
proibição do trabalho infantil.
Além de destacar as medidas políticas sobre educação nas reformas, esse
trabalho vai traçar um roteiro sobre a presença da educação, principalmente o
ensino primário, nas constituições. Na carta de 1824 é garantida a gratuidade a
todos os cidadãos na instrução primária. A carta de 1891 faz referência ao ensino
secundário e superior, mas não faz alusão à instrução primária.
Começa-se a ver uma projeção da educação a partir da Constituição de 1934,
no período do Estado Novo, quando já existia também o Ministério da Educação e
da Saúde Pública. É a primeira a dedicar espaço significativo à educação. Nas
disposições preliminares, expressas em seu artigo 5º, XIV – “Compete
privativamente à União: XIV - traçar as diretrizes da educação nacional”. Em seguida
há um capítulo destinado à educação e cultura, em que a educação passa a figurar
como “direito de todos”, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos (art. 149). Mais adiante, a gratuidade do ensino primário, que já constava
na carta de 1824, é reafirmada em parágrafo único: “a) ensino primário integral
gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos”. No entanto para os níveis
ulteriores ao ensino primário a gratuidade fica sujeita a critérios.
Na Constituição de 1937, e nas seguintes, a União se compromete a legislar
sobre as diretrizes da educação nacional:
82
Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: XXIV - diretrizes de educação nacional;
DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA
Art 129 - A infância e a juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
Essa carta também trouxe um capítulo sobre educação e cultura. As
constituições de 34 e 37 foram promulgadas em plena era Vargas. Nelas a
educação ganhou destaque em nível nacional. Apesar da carta de 1937 não ter
afirmado a educação como direito universal, pode-se notar avanços no que se refere
ao ensino primário nos textos. A carta de 37 reforçou a gratuidade e a
obrigatoriedade do ensino primário.
Art 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.
O Ministério da Educação e da Saúde Pública sob a gestão de Gustavo
Capanema lançou, ainda no período do Estado Novo, uma reforma educacional que
foi elaborada entre as constituições de 1937 e 1946, através de um conjunto de Leis,
chamadas Leis orgânicas que deram início à chamada Reforma Capanema. Dessas
leis orgânicas, interessam particularmente a este estudo as leis que abordaram o
ensino primário, o ensino normal e o ensino secundário, pois consolidaram a
estrutura com que o CP II iria se apresentar e se garantir frente à moderna
organização do ensino no país.
2.4 A REFORMA CAPANEMA: 1942
O interesse em destacar essa lei é porque ela nos mostra de onde vem a
matriz organizativa do CP II com a qual ele chegou, com algumas variações
pequenas ou apenas semânticas, a 1984. Dessa maneira, encontrava-se o Colégio
com curso ginasial de 4 anos e colegial de 3 anos, não havia mais o clássico ou
científico, que passaram a se chamar 2º grau, mas mantendo a mesma estrutura do
83
secundário em 7 anos. Ainda havia o exame de admissão para a comunidade
externa, como ainda há até hoje com vistas a selecionar o alunado, uma vez que é
muito pequeno o número de vagas oferecido frente à demanda da rede pública.
A Reforma Capanema se constituiu de um conjunto de leis orgânicas. Este
estudo vai observar três dessas leis, apesar de terem sido seis os decretos-lei que
ordenavam o ensino primário, secundário, industrial, comercial, normal e agrícola.
Serão analisadas as que tratam do ensino secundário (1942), do ensino normal e do
ensino primário (1946), a fim de relacioná-las ao CP II no que se refere à estrutura e
funcionamento do ensino antes das LDBs, à formação das professoras e sobre
como era praticado o ensino primário antes do Pedrinho.
A Lei orgânica do ensino secundário apresenta-o ensino secundário como
prosseguimento do ensino primário, mas não fala da obrigatoriedade da
escolarização em nível primário. É possível não perceber na lei o caráter obrigatório
do ensino primário neste trecho que fala em “prosseguimento de estudos”:
Art. 1º. O ensino secundário tem as seguintes finalidades: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes.
Em seguida quando trata dos exames de admissão como forma oficial de
acesso ao secundário o próprio documento anuncia:
Art. 32. O candidato à matrícula no curso ginasial deverá ainda satisfazer as seguintes condições: a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar, até o dia 30 de junho; b) ter recebido satisfatória educação primária; c) ter revelado, em exames de admissão, aptidão intelectual para os estudos secundários.
Implicando que o importante é a idade e a aptidão revelada em exames,
pode-se inferir uma recomendação da instrução de grau primário, mas não há
indicação de como será feita nem de quem é responsável por ela. Ainda que a
Constituição de 1937 tenha dito em seu artigo 130: “O ensino primário é obrigatório
e gratuito”. O curso secundário foi reestruturado de acordo com o artigo 32, um
primeiro ciclo que se chamava ginasial e um segundo ciclo, subdividido em clássico
e científico.
84
Foi assim que, basicamente, a estrutura escolar do CP II foi organizada.
Pode-se dizer que as leis subsequentes mudaram o nome, mas não alteraram a
estrutura dos segmentos que funcionavam no colégio, o que mostra a estrutura de
ensino foi sofrendo alterações superficiais, conservando a sua matriz. As reformas
que afetaram o ensino secundário foram semânticas, mudaram os nomes dos ciclos;
no entanto ainda encontramos pessoas que os tratam da mesma maneira. De certa
forma, é interessante acompanhar essas modificações para avaliar seu real impacto.
Essa lei redimensionou o ensino secundário em favor do desenvolvimento
industrial. Havia, em curso, uma política de construir um projeto educacional voltado
para o desenvolvimento científico, para a crescente industrialização e que atendesse
também as demandas internacionais de educação e preparação para o mercado de
trabalho. Então, caracterizou o público-alvo a que se destinava o curso secundário –
os adolescentes. Definiu a duração do curso ginasial, denominado 1º ciclo, em 4
anos; e o colegial (científico ou clássico) denominado 2º ciclo, em 3 anos,
perfazendo um curso secundário de 7 anos. Esses ciclos eram oferecidos em dois
tipos de estabelecimento: um destinado para ao 1º ciclo, chamava-se ginásio; e
outro, destinado ao 2º ciclo, que chamava-se colegial. Não foi mais com esses
nomes que encontramos o colegial, uma vez que as LDBs modificaram a
nomenclatura, mas como já foi dito não alteraram a estrutura. A lei ainda citava os
exames admissão e a idade como condições para o acesso ao curso secundário.
Fechando a era Vargas, com a retomada da democracia, foi promulgada uma
nova constituição em 1946, que manteve a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino
primário. Nessa carta a educação ganhou espaço e consistência. Ainda em 1946 foi
lançado um outro conjunto de leis orgânicas para o ensino primário e para o ensino
normal. Essas leis sustentaram, impulsionaram e normatizaram o sistema
educacional, mantendo a competência da União no que dizia respeito à educação.
TÍTULO I : Da Organização Federal CAPÍTULO I - Disposições Preliminares Art 5º. Compete à União: XV - legislar sobre: d) diretrizes e bases da educação nacional;
E no capítulo da educação e da cultura:
TÍTULO VI Da Família, da Educação e da Cultura
85
CAPÍTULO II Da Educação e da Cultura Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos desses.
A lei orgânica do ensino normal tratava das bases da organização do ensino
normal, grau de ensino correspondente ao colegial, atual ensino médio, porém com
finalidade própria, a de prover a formação do pessoal docente necessário às escolas
primárias. O ensino normal era ministrado em dois ciclos e para admissão em
qualquer deles era exigida habilitação em exames de admissão.
O primeiro ciclo, curso normal regional, que formava regentes de ensino
primário em 4 anos, correspondia ao curso ginasial e estava articulado ao curso
primário. Deveria ser oferecido em estabelecimento destinado a ministrar somente o
primeiro ciclo de ensino normal. Para ingressar nele era necessário prova de
conclusão dos estudos primários e idade mínima de treze anos.
O segundo ciclo, curso de formação de professores primários, era realizado
em três anos, correspondia ao colegial e estava articulado ao curso ginasial. Deveria
ser oferecido em escola normal, estabelecimento destinado a “dar o curso de
segundo ciclo desse ensino, e ciclo ginasial do ensino secundário”. (Art4º, §2º)42.
Para ingressar no segundo ciclo, era necessário o certificado de conclusão de
primeiro ciclo ou certificado do curso ginasial, além da idade mínima de quinze anos.
O Instituto de Educação era o estabelecimento que, além dos cursos próprios
da Escola Normal, ministrava ensino de especialização do magistério e de
habilitação para administradores escolares do grau primário. As alunas que
concluíssem o segundo ciclo do ensino normal teriam assegurado o direito de
42
DECRETO-LEI N. 8.530 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal
86
ingressar em cursos da faculdade de Filosofia, ressalvadas, em cada caso, as
exigências peculiares à matrícula. (Art4º, §3º)43.
LEGISLAÇÃO DE 1946 a 1996
Lei Orgânica do Ensino Primário44: 1946
Das bases de organização do ensino primário e em seu capítulo I e podemos
destacar entre suas finalidades: “oferecer de modo especial, às crianças de sete a
doze anos, as condições de equilibrada formação e desenvolvimento da
personalidade”. (Art. 1º, b);
O ensino primário seria organizado em duas categorias de ensino: a) o ensino primário fundamental, destinado às crianças de sete a doze anos;
O ensino primário fundamental seria ministrado em dois cursos sucessivos; o elementar e o complementar.
O ensino primário supletivo terá um só curso, o supletivo. (Arts. 2º, 3º e 4º)
Não é o caso do primário do CPII, que tinha caráter regular e era destinado a
crianças.
A duração do curso primário elementar seria de quatro anos de estudos e compreenderia: I. Leitura e linguagem oral e escrita; II. Iniciação matemática; III. Geografia e história do Brasil; IV. Conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao trabalho; V. Desenho e trabalhos manuais; VI. Canto orfeônico e VII. Educação física (Art. 7º).
Pode-se notar que guarda semelhança a esta organização a grade curricular
do Pedrinho, que tinha Iniciação às Ciências, Literatura e Educação Musical.
“O curso primário complementar, de um ano, correspondia ao admissão. As
alunas desse curso aprenderiam, ainda, noções de economia doméstica e de
puericultura”. (Parágrafo único). Nota-se a distinção de gênero desde as séries
iniciais, como também acontecia nas escolas de primeiras letras, só que elas teriam
essas atividades ao invés de geometria.
43
DECRETO-LEI N. 8.530 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal 44
DECRETO-LEI N. 8.529 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946 - Lei Orgânica do Ensino Primário.
87
As condições para ingresso no curso primário eram: para matrícula na
primeira série do curso elementar as crianças analfabetas, de sete anos de idade, o
critério era a idade com pequenas variações. O mesmo ocorre, ainda hoje, no
sorteio para o Pedrinho. De modo geral, não há ingresso nas séries intermediárias
no CP II.
Para a primeira série do curso complementar só seriam admitidas as crianças
que tivessem obtido aprovação final no curso elementar. (Art. 17.)
Importante destacar, nessa legislação a obrigatoriedade do ensino primário
registrada em seu Art. 41: “O ensino primário elementar é obrigatório para todas as
crianças nas idades de sete a doze anos, tanto no que se refere à matrícula como
no que diz respeito à frequência regular às aulas e exercícios escolares”. Previa
também penalidade aos responsáveis que descumprissem a lei, conforme
determinava o Art. 43: “Os pais ou responsáveis pelos menores de sete a doze anos
que infringirem os preceitos da obrigatoriedade escolar, estarão sujeitos às penas
constantes do Art. 246, do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1840 (Código
Penal).”
A Constituição de 1946, portanto, reafirmou o direito universal à educação, a
obrigatoriedade, a gratuidade, e salientou o compromisso, no campo privado com o
provimento da educação, além de outras leis orgânicas.
Em 1959, os intelectuais elaboraram um novo manifesto, que foi construído e
assinado por 161 intelectuais. Após mais essa mobilização em torno da educação,
surgiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei
4024 de dezembro de 1961. Essa lei foi fruto de muitas lutas, de décadas de lutas e
demandas em torno da organização de um projeto de educação nacional, num
campo de disputa em que se exerciam forças políticas e educacionais
conservadoras e populares, grupos que desejavam a modernização da educação
contra grupos que investiam em uma educação ainda diferenciada entre a elite e o
88
povo45, e grupos de defensores do ensino público de um lado e incentivadores do
ensino privado de outro.
Na LDB o ensino primário também não foi prestigiado na medida necessária,
ele continuou sendo sustentado por um exame de seleção que, na prática
estimulava os preparatórios em detrimento de uma educação primária que permita
aos cidadãos e cidadãs de avançarem no seu processo educacional. Os exames de
seleção ainda se configuravam como um gargalo no processo educativo, encerrando
aí, antes de entrar no ginásio muitas carreiras estudantis. Existiam exames de
seleção para o ginásio, para o colegial e para o superior. Nesse contexto, o CP II
funcionava com a estrutura que foi apresentada na LDB, com ensino ginasial de
quatro anos, correspondente a quatro séries, e o científico de três anos,
correspondente a três séries.
A LDB ainda estabeleceu um currículo básico para todo o território nacional e
manteve a estrutura tradicional de ensino das legislações anteriores, mas a sua
contribuição foi a estruturação da educação primária, que até então a política
educacional do país não havia considerado com clareza, ou seja, não havia traçado
planos e diretrizes para esse nível de ensino.
Art. 36. O ingresso na primeira série do 1° ciclo dos cursos de ensino médio depende de aprovação em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação primária, desde que o educando tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa idade no correr do ano letivo. (LDB 4024/61)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN_4024/61) esteve
13 anos em disputa, tendo sido apresentada para o início dos debates em torno da
sua construção em 1948. O processo para a sua construção foi marcado pela gestão
de vários presidentes. Passou por Gaspar Dutra (1946/51), Getúlio Vargas
(1951/54); Café Filho (1954/55); Nereu Ramos (1955/56); Juscelino Kubitschek
(1956/1961); Jânio Quadros (1961) e, por fim, João Goulart (1961/63), que a
homologou.
45
A concepção privatista e excludente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 4024/61: uma análise introdutória. http://www.espacoacademico.com.br/076/76santos.htm. Data de acesso: 21/09/2011
89
A lei seguinte, Lei 5.692, de 1971 foi determinante para a invenção do
Pedrinho. O fato de ter integrado o curso primário ao ginasial, fazendo desses
cursos um só de 8 anos, chamado de 1º grau, foi decisivo. Era necessário dar uma
resposta mais inteligente ao que a sociedade demandava: a universalização do
ensino público, com mais crianças na escola.
O CP II poderia estabelecer-se como escola de 2º grau, como as escolas
técnicas, mas a opção foi ampliá-lo através da integração do primário com o ginásio
ao invés de extingui-lo. Com isso ficou resolvida também a crise interna que levaria
à extinção do curso ginasial devido ao fim dos exames de admissão. Os alunos do
Colégio completariam o curso básico, fundamental e médio com acesso direto aos
dois segmentos, mas Colégio manteve os exames de admissão do 1º para o 2º
segmento e do fundamental para o médio para vagas externas, como se houvesse
um excedente de vagas a serem oferecidas para a comunidade externa,
possibilitando assim diferentes oportunidades de acesso em diferentes momentos da
escolarização.
O antigo primário se faz hoje, oficialmente, num período de cinco anos
explicitado numa das alterações à última LDB no seu artigo 32:
Art. 3º. O art. 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão. (Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.)
Ensino Fundamental
Anos iniciais Anos finais
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano
Quadro 1: Nomenclatura atualizada do Ensino Fundamental a partir de 2007, com este nível de escolarização realizado 9 anos
Em 2009, o 1º segmento foi agraciado com a Medalha Pedro Ernesto, a maior
honraria concedida pela Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro em
comemoração aos 25 anos da criação do Pedrinho – o seu Jubileu de Prata. Para o
evento foi publicado o seguinte registro nos anais dessa Casa Legistativa:
O 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II merece o reconhecimento e a homenagem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro como exemplo de que é verdade que a Educação, em todos
90
os seus aspectos profissionais, trabalhistas, políticos e pedagógicos, é um motor que tem muita força para construir “um outro mundo possível”. (Texto integral, anexo 2)
A Educação nas constituições
Principais legislações para a educação nacional
Império 1824
1827 – Lei de 15 de Outubro
1854 - Criação da Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária
Estado Novo 1931- Criação do Ministério da Educação e Saúde Pública Reforma Francisco Campos (1931)
1932 – Manifesto dos Pioneiros
1934
1937
1942 – Reforma Capanema Lei Orgânica do Ensino Secundário
1946 Lei Orgânica do Ensino Primário
1959 – Novo Manifesto dos Intelectuais
1961- LDBEN / 4.021
Período da Ditadura
1967
1971 – LDBEN / 5.692
1984 – Criação do 1º SEGMENTO
Democratização 1988
1996 – LDBEN / 9.394
Quadro 2: Principais legislações para a educação nacional (1824 – 1996)
No início do processo de escolarização no Brasil havia poucas escolas. Elas
eram particulares e traziam marcas de exclusão na medida em que se destinavam a
atender uma pequena elite. Na estrutura do ensino brasileiro era dada ênfase aos
exames de admissão ao ensino secundário, que era a porta de acesso ao ensino
superior.
A educação reproduzia o que ocorria na educação nacional e traduzia seus
efeitos na pouca ênfase que era dada ao ensino primário durante longo período da
história do Brasil – do Brasil independente, que está recortada nesse trecho, o que
fez com que a escolarização primária ficasse durante muito tempo desorganizada,
desestruturada, uma vez que não era requisito para acessar o ensino superior, este
sim, importante. Pode-se verificar a diferença de tratamento dado ao ensino primário
e ao ensino secundário em diferentes documentos. A organização do ensino
secundário é bem mais destacada em muitos desses documentos e, nesses
destaques, há referências ao CP II como instituição modelo. O ensino primário, por
sua vez, era menos citado; era referido apenas no nível da sua organização
administrativa e ordem curricular. Pode-se perceber o quanto é recente, em se
tratando de tempo histórico, a preocupação com a educação primária dedicada à
91
criança e suas especificidades quanto ao ensino. Esse olhar para o que hoje se
entende por educação infantil, séries iniciais, toma contornos maiores no século XX.
A educação primária não tem cem anos e a instituição desse segmento apresentou
muitos problemas, constituiu-se de forma frágil, passando pela desregulamentação,
descentralização de recursos e carência de recursos humanos e financeiros.
Verifica-se que o ensino primário não era tratado como prioridade, tal como
era o ensino secundário, sua configuração foi traçada de maneira vagarosa e frágil,
tal fato torna-se evidente, dentro de um país que carece de um sistema educacional
organizado, quando comparamos com as orientações emanadas para o ensino
secundário, por exemplo.
Esse ideário acompanha as políticas educacionais até os dias de hoje.
Porém, como em todo o tempo, pode-se perceber também que as lutas pela
qualidade de educação, vida e bem estar social protagonizadas pelas camadas
populares, nunca deixaram de mobilizar as elites no sentido de fazê-las ceder de
uma forma ou de outra e permitir muitos avanços. A universalização do ensino
público é quase completa e vem avançando com a luta pela qualidade, gratuidade e
laicidade do ensino público são históricas e permanentes. As crianças vêm se
tornando prioridade no cenário da educação, de tal modo que podemos vê-las
citadas em textos oficiais, tais como na ampliação da oferta de educação inicial para
crianças mais novas, a inclusão da educação infantil no sistema de educação e o
aumento do período do ensino fundamental, de 8 para 9 anos.
REFORMAS EDUCACIONAIS / ENSINO PRIMÁRIO / COLÉGIO PEDRO II
“PREPARANDO O PEDRINHO”
Este panorama organizativo que traz as legislações da educação nacional
serve para ilustrar a trajetória do ensino primário, de forma breve, desde as primeiras
letras (1822 e 1827), que vem a ser hoje o 1º segmento do ensino fundamental,
assim como a presença e importância do CP II na história da educação brasileira.
Nesse levantamento documental foi selecionado um conjunto de leis e
decretos que trataram da instrução/ensino. Foram destacados aqueles que
apresentavam informações sobre o ensino primário e sobre o CP II. A partir deles
92
pode-se verificar a relação com o ensino primário: a organização, a faixa etária, o
regime seriado, a presença de meninas, a exigência do certificado de estudos para
prosseguir para outros níveis, a exigência do exame de admissão para o curso
ginasial, o fim da mesma e a preocupação para formar professores para este nível
de ensino.
Pode-se verificar que em 1984 encontra-se um CP II que reproduz um
desenho que foi projetado em 1942, um Colégio com ginásio de 4 anos e colegial de
3 anos, tal como foi estruturado pela lei orgânica de 1942, que organizou o ensino
secundário de 7 anos. Não havia mais o científico e o clássico, mas também não
havia o curso profissionalizante do 2º grau ordenado pela Lei 5.692/71. Encontra-se
uma escola que pratica o desligamento de aluno(a)s que repetem duas vezes a
mesma série, o que é chamado de “jubilação”, e que é, na verdade é a expulsão –
prática ordenada pela Lei 4.024/61, revogada pela lei seguinte mas mantida pela
tradição do Colégio sem nenhuma sustentação legal. O mesmo ocorre com a
concessão do título de Bacharel em Ciências e Letras, que só se sustenta na
tradição, sem contudo conferir o direito histórico desse ato, que era o acesso direto a
alguns cursos superiores. Encontra-se ainda um curso colegial preparatório para o
ensino superior mantendo um caráter eminentemente propedêutico que não
correspondia ao que era determinado pela Lei 5.692/71 em vigor, que estabelecia
um ensino fundamental em 8 anos.
O Colégio ainda funcionava com a estrutura do ensino secundário, expresso
na lei orgânica de 1942, com breves alterações postas pela legislação que não
determinou alterações significativas na estrutura de ensino desse período. Parecia
que ele estava congelado no tempo.
Em virtude das poucas alterações trazidas com as novas legislações o
Colégio estava diante de uma situação que o colocava frente a duas opções: ou
ajustava a estrutura do sistema implantando as séries iniciais ou encolhia e
mantinha apenas o curso colegial, funcionando como as escolas técnicas que,
apesar de terem outra finalidade, só possuíam o 2º grau na modalidade
profissionalizante/técnica.
93
Vale ressaltar se falou de um segmento de ensino, o primário, totalmente
desregulamentado e de pouca importância no cenário educacional até pouco tempo
atrás, apesar de podermos registrar em MARCÍLIO, 2005, investimentos e avanços
em alguns estados da federação. O ensino primário podia ser ministrado em casa. A
educação infantil poderia ser oferecida pelo Estado, mas também poderia ser
provida pelas famílias que no caso das mais abastadas o faziam por sua conta. O
acesso ao ensino secundário era feito através de exames de admissão. O
desempenho nos exames era a condição para a admissão ao curso secundário,
ginásio ou colegial.
Não era condição que o aluno tivesse cursado alguma escola. Daí, identifica-
se a pouca importância oficial dada à educação de crianças no nível primário. Levou
algum tempo para esse quadro ser alterado.
No período em que o Pedrinho foi implantado, havia 50 anos que o Estado
assumira em seu plano político, a educação nacional. As Constituições de 1934 e
1937 traziam os primeiros indícios de que a educação era um direito de todos e
dever da família e do Estado. O processo de universalização da educação dava
sinais de avanços a fim de atender às expectativas emergentes da população e às
demandas mundiais de qualificação para o trabalho. Portanto, havia necessidade de
mais educação, de um povo com mais escolaridade e esta deveria ser garantida
desde a infância. Por isso vê-se a gradativa diminuição da idade para o acesso à
escola fundamental, atualmente 6 anos, bem como o aumento do período do curso
fundamental, 9 anos.
Assim o Colégio inaugurou o jovem Pedrinho, dentro da perspectiva de
atender às crianças e produzir um conjunto de conteúdos adequados que permitisse
aos estudantes desse segmento obterem sucesso escolar e ainda, com isso,
garantir que fosse mantida a qualidade do ensino, marca histórica do Colégio. Nesse
sentido, qual seria a matemática adequada às crianças da faixa desse segmento?
Por que inovar, alterar o estilo que rendeu ao Colégio o padrão de qualidade?
94
CAPÍTULO 3
3.1 A IMPLANTAÇÃO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO
COLÉGIO PEDRO II _ OS PEDRINHOS
Falar da história do CP II é “falar do fundo do tempo”, que traduz com
propriedade a arte do ofício de historiar a trajetória desta sesquicentenária
instituição. Mesmo o Pedrinho sendo tão jovem, com 25 anos frente aos 172 de
existência do CP II, e tal como se configurou nesses anos já vinha sendo
possibilitado através de um contexto, como vimos acima, expresso nas legislações
educacionais nacionais que vinham projetando a educação e a educação para
crianças, ainda que possamos verificar certas deficiências e fragilidades, contudo o
primário no CP II já vinha sendo propiciado, gestado há mais tempo. Vou localizar
seu embrião a partir do Manifesto dos Pioneiros e colocar o CP II como cenário de
importantes transformações na educação brasileira.
Em 1984 foi criado o ensino fundamental I, antigo primário, no CP II. A
presença do 1º segmento vem sendo sinalizada em documentos internos, a saber,
FACTA. Na edição de nº 48, p.11, é anunciado: “O Colégio vai ministrar curso
primário” e na seguinte Facta 50, p. 3: Esta edição registra que a administração de
Tio Urbano completa 5 anos e também anuncia a inauguração do Pedrinho que
aparece pela primeira vez nesta publicação sendo mencionada a Unidade São
Cristóvão II46 e a sua Diretora Dalva da Mota Chaves. Neste ínterim nada se
comenta sobre o processo de criação do Pedrinho, não é registrado do edital para
concurso de professore(a)s ou ingresso de aluno(a)s. Sendo este um documento
que registra as ações administrativas oficiais da Direção da autarquia, pode-se notar
que o editor faz uma seleção em que não estabelece critérios sobre quais os
documentos ou atos serão publicados, fazendo com que a presença oficial do
Pedrinho através de seus documentos apresente lacunas e o FACTA não cumpre
com seu objetivo.
46
Em ato de número 53 registrado no Facta 50, p.21 registra-se a portaria que cria o Pedrinho em 20 de fevereiro de 1984, mas não há registro de editais de concurso de seleção de professoras ou de ingresso de aluno(a)s, comenta-se que um projeto foi entregue ao MEC. Podemos notar a presença oficial do 1º segmento através de portarias de movimentação de servidore(a)s docentes e técnico(a)s administrativo(a)s.
95
Nessa ocasião, o tradicional Colégio já contava com 147 anos e uma longa e
consolidada tradição, reconhecida nacionalmente, de ministrar ensino de qualidade.
As unidades criadas para ministrar o ensino das séries iniciais são chamadas de
Pedrinhos. O CP II não tinha tradição neste novo segmento. Seu novo corpo
docente e discente que se formou a partir de então, possuía especificidades que
teriam que ser consideradas e a partir daí construir-se uma prática pedagógica com
qualidade que, em princípio, seria referenciada por estas novas professoras. Todos
os princípios pedagógicos e metodológicos deveriam concorrer e estar adequados à
qualidade e excelência do 2º segmento que já era tradicional.
É assim que seu idealizador, e maior apoiador, Tito Urbano da Silveira,
apresenta-o à sociedade em seu plano:
PALAVRAS DO DIRETOR – GERAL Na Nova República surge a Nova Educação, uma Educação para Todos cujo princípio basilar deve ser o de que até os menos dotados não se sentirão inferiores aos mais inteligentes ou aplicados ao estudo. Se assim não fosse, estar-se-ia praticando uma Educação antidemocrática, elitista. As proclamadas “diferenças individuais”, no ensino, hão de ser disfarçadas nos vários níveis, uma vez que à escola acorrem crianças desigualadas pela sociedade, mas que deveriam ser incentivadas, sem preconceitos , a se tornarem tão boas e tão fortes quanto as outras, e todas terão a mesma oportunidade para se igualarem. Assim tem sido e haverá de ser a Educação Democrática do Colégio Pedro II, no passado como agora, e no futuro como sempre, segundo atesta a presença nas páginas da História Nacional de uma plêiade de seus Antigos Alunos e conforme haverão de comprovar ad infinitum os seus atuais discentes, herdeiros e cultores de uma tradição mais-que-secular na evolução social brasileira. Ao assumir, em 1979, a Direção Geral do Colégio de minha juventude, encontrei-o em fase crítica na implantação de uma nova concepção de ensino médio contida no bojo da Lei nº 5.692/71. Impedia sobre ele a ameaça de ser apenas um Estabelecimento de Ensino de 2º grau, reduzindo-se a três séries somente. Foi possível, logo de início, restaurar as antigas quatro séries finais do Ensino de 1º grau. Ingressando na 5ª série, os alunos voltariam a ter, pelo menos, sete anos de formação humanística neste Colégio. Aproveitando, ainda, aspectos positivos da polêmica Reforma Passarinho, e aceito o desafio de manter, também, as quatro séries de escolarização inicial correspondentes ao antigo Curso Primário, nasceram os Pedrinhos. Neste 1986, os liames de uma sequência de onze séries estão atados e se completa o ciclo fundamental de ensino no Colégio Pedro II. As primeiras turmas de 4ª série já deverão preludiar o novo perfil do aluno do Pedro II. Aquela tendência de se reduzir o tempo de permanência do aluno no Colégio Pedro II foi revertida. Houve sonho e decisão, houve esforço e amor à causa, houve afeição e a cooperação mútuas. Dentre tantas contribuições destaca-se a da Professora Dalva da Mota Chaves, que planejou e executou, como especialista em educação incansável e resoluta, aquilo que os céticos desdenharam e hoje louvam, À Direção Geral coube simplesmente captar os ideais dessa colega mais nova e dar-lhe o merecido apoio.
96
Ao abrir este Plano Geral de Ensino, pode-se afirmar que os passos mais difíceis na arrancada para a Educação do Futuro, o Colégio Pedro II já deu. Cabem encômios à dedicação e competência de jovens professores que vieram aliar-se aos colegas mais velhos e, sob a bandeira de “todos juntos”, haveremos de contribuir para a grandeza desta extremada Pátria. TITO URBANO DA SILVEIRA Diretor Geral do Colégio Pedro II (PGE, 1984)
Com essas palavras o Diretor Geral apresentou o Pedrinho à comunidade e o
entrega em documento oficial para ser pilotado por suas jovens professoras e neste
momento podemos identificar, concordando com JULIA, 2001: “a redefinição das
finalidades da escola que elimina cada vez mais as fronteiras da escola primária e
do Colégio, (...) prolongando a obrigatoriedade escolar desembocando ao mesmo
tempo, em um prolongamento dos estudos gerais e no desenvolvimento das
formações profissionais, na instituição escolar, também implica conflitos, confrontos
e debates relacionados à manutenção dos valores e finalidades antecedentes”.
O Pedrinho tem toda uma constituição particular que o difere do Pedrão. O
ingresso da(o)s aluna(o)s e, seguramente, durante cerca de vinte anos, o ingresso
das professoras, que inicialmente poderiam ser para portadoras de diploma de curso
normal de nível médio. O sistema de avaliação também era diferente, tendo uma
diretriz de avaliação só para o 1º segmento.
3.2 BREVE APRESENTAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DOS PEDRINHOS
O corpo discente do 1º segmento foi constituído através de sorteio público, uma
vez que o número de vagas era bem limitado. O único requisito para a primeira série
era a idade. Cada Unidade começou com a entrada de aluno(a)s na 1ª e 2ª séries.
Aquele(a) que concluísse com sucesso esse segmento teria acesso direto da 4ª
para a 5ª série. Com isso, o Colégio se adequava aos termos da Lei, implantando o
ensino fundamental de oito 8 anos. Os exames de admissão vigoraram até 1970
quando foi promulgada a LDB 5.692/71.
O concurso para ingresso de alunos e alunas no Colégio, no passado, era tão
rigoroso e concorrido quanto o de professores e era feito através de exames de
seleção. Os aluno(a)s faziam verdadeiros “pré-vestibulinhos”, preparando-se para a
prova. Contudo, a partir de 1987, os aluno(a)s que haviam ingressado no Pedrinho
tinham acesso direto ao Pedrão e o acesso ao Pedrinho era feito por sorteio
público, bastando para tanto que o aluno comprovasse a idade para o ingresso (é
97
assim até hoje). Mesmo com o Pedrinho, há uma oferta de vagas externas para o
ingresso no 6º ano do ensino fundamental e para a 1ª série do ensino médio, mas o
número de vagas foi bem reduzido; dessa forma, a histórica seleção por exames de
admissão ainda permanece.
Com essa diferença na modalidade de acesso, instalou-se a questão no Colégio
acerca de quem prepararia os alunos para o ginásio do Colégio, uma problemática já
experimentada por ocasião de convênio com o município, que não frutificou por
causa da formação dos alunos. A alegação era que esses aluno(a)s, que não faziam
os vestibulinhos, chegavam despreparados; portanto não eram considerados aptos
a enfrentar o segundo segmento do 1º grau, atual ensino fundamental do Colégio.
No entanto surgiu outra realidade: os alunos e alunas que eram promovidos no
Pedrinho vinham do mesmo CP II. Então essa história começou a tomar mais
concretude no ensino da matemática. Quem definiria o programa que prepararia os
alunos e alunas para o ginásio do Colégio, uma vez que ele/as não precisariam
passar pela seleção? Quando só havia acesso por seleção na 5ª série, somente as
professoras licenciadas em matemática é que diziam, através do programa para os
exames, para todos e todas aluno(a)s inscritos(as) o que eles deveriam saber para
ingressar no CP II. De fato, acontecia que os alunos deveriam saber conteúdos de 5ª
série para concorrerem a uma vaga na 5ª série. Dessa forma, ingressavam os
alunos que tinham sido adestrados nesses conteúdos, e chegavam com pouca coisa
nova para ser aprendida na 5ª série propriamente. Assim, esses eram os alunos e
alunas que compunham o quadro discente de excelência do Colégio até o fim do
exame de admissão, normativa imposta pela Lei 5.692/71, fato que propiciou a
criação do Pedrinho, alterando de maneira substantiva o alunado do Colégio.
Depois do Pedrinho, os aluno(a)s que saíam das séries iniciais para o Pedrão, já
eram alunos do CP II desde os seis anos de idade e não precisavam competir por
uma vaga na 5ª série. Porém, qual era a matemática que eles sabiam?
Essa demanda de acesso e a forma de atendimento a ela permitem hoje que as
identidades “aristocráticas”, de características mais homogêneas e perfil mais
elitizado, entrem em contradição e em choque com a realidade populacional que
passou a habitar o universo escolar.
98
Os estudantes têm três oportunidades para ingressar no colégio, em três etapas47
bem marcadas da trajetória escolar. Essas formas distintas de ingresso em tempos
distintos permitem o acesso de diferentes atores para o interior da escola.
Diferentes, e talvez contraditórios, porque dessa forma pode-se admitir que tenham
trazido o conflito de interesses e expectativas para seu interior.
Dessa forma, o Colégio permite o acesso de uma clientela bastante heterogênea, o que garante a riqueza do corpo discente. Essas duas formas de ingresso possibilitam uma clientela heterogênea, tanto no que se refere ao nível sócioeconômico quanto à área geográfica de proveniência. (PPP, 2001, p.68 )
Em termos da necessidade de a escola responder à pluralidade diante desse
quadro, cabe a pergunta: Por que a presença de um corpo discente composto por
alunos e alunas com idade média de 6 a 10 anos, que ingressam no Colégio através
de sorteio, numa escola pública está inscrito no seu PPP no capítulo que trata de
contradições? Qual a contradição em absorver a diversidade em uma escola pública,
laica, gratuita e de qualidade socialmente referenciada?
Por causa do ingresso por sorteio, o segmento docente mais conservador do
Colégio anunciava a queda do nível do ensino, movido por preconceito e também
por não estarem dispostos a lidar com tamanha diversidade quando historicamente
as turmas que ingressavam no ginásio eram homogeneizadas através do concurso
de seleção, o que faz parte dos conflitos, confrontos e debates enunciados em
JULIA, 2001, referente ao debate dos valores e das finalidades passíveis de serem
problematizadas numa reforma, pois nesse sentido, ainda de acordo com este autor,
trata-se de uma operação que implica a cultura escolar no que tange às suas
normas e finalidades.
As unidades de 1º segmento foram construídas a partir de um somatório de
experiências e inexperiências de professoras que tinham em comum o fato de serem
todas professoras de 1ª a 4ª série, dentro de um grande colégio tradicional que
inaugurava o 1º segmento. Nessa ocasião o CP II já completara 147 anos e a
grande tarefa e preocupação de toda a comunidade educacional era de que esse
segmento que era inaugurado deveria manter o padrão de qualidade e esta tarefa foi
atribuída a jovens professoras primárias.
47
São três as oportunidades oficiais que o(a)s estudantes tem para ingressar no Colégio Pedro II são: por sorteio nas séries iniciais (1º segmento), através de exames de seleção – concurso para vagas oferecidas à comunidade externa na 5ª série (atual 6º ano) e na 1ª série do ensino médio.
99
Pode-se verificar o início da consolidação de um projeto que passou pela
vontade política com formulação e apoio a ações institucionais que garantissem às
professoras recursos para pensar a sua prática pedagógica e em que condições ela
se desenvolve.
O CP II mudou. Há 25 anos (1984-2009) o Colégio tem o ensino fundamental
desde as séries iniciais. É uma escola federal, a única de educação básica que
constava no organograma do MEC. O Colégio alterou sua estrutura pedagógica e
incluiu o 1º segmento à sua estrutura com status de departamento pedagógico.
O Pedrinho começou em 1984 com as 1ª e 2ª séries. A 1ª série dividia-se em
1ª série alfabetizada e 1ª série não alfabetizada, pois o fundamental só era permitido
por lei em oito anos. Posteriormente, essa 1ª série não alfabetizada foi chamada de
classe de alfabetização (C.A). Dessa maneira, ao incorporar o 1º segmento, o
Colégio alterou a estrutura organizativa e pedagógica e passou a praticar desde
então o ensino fundamental em nove anos, razão pela qual sofreu muitas pressões.
A criação das duas últimas unidades, até então, datava de 1952; eram as
Unidades: Engenho Novo e Humaitá. Em 1984, para incorporar-se ao que vinha
sendo demandado pela LDB, o Diretor Geral da época, Prof. Tito Urbano, optou por
tornar a expandir o Colégio criando o 1º segmento e, com isso, mais quatro unidades
escolares para ministrar o ensino do 1º segmento.
Essa opção trouxe à tona questões referentes à modernização do ensino para
atender uma clientela extremamente diversificada (uma vez que era constituída
através de sorteio público) e um corpo docente com uma formação bem variada,
contudo mais afeita aos aspectos da pedagogia do que aos conteúdos específicos
das disciplinas propriamente.
Instalado o 1º segmento do ensino fundamental, destinado a ministrar o
ensino de 1ª a 4ª série no colégio, foram inauguradas unidades para esse fim, que
passaram a ser chamadas informalmente de Pedrinhos; as unidades que
ministravam o ensino de 5ª série em diante passaram a se chamar Pedrão. A
primeira unidade do Pedrinho foi a de São Cristóvão criada em 1984. Em seguida
surgiram as unidades Humaitá (1985), Engenho Novo (1986) e Tijuca (1987), em
prédios anexos aos que já existiam. Só existiam quatro unidades escolares “UM” –
100
Pedrinhos / UE 1. O Colégio tem as seguintes Unidades Escolares: Centro;
Engenho Novo I e II, Humaitá I e II; São Cristóvão I, II e III; Tijuca I e II; além das
mais novas: Realengo e as unidades descentralizadas Duque de Caxias e Niterói.
Essas últimas, a exemplo de São Cristóvão III, só ministram aulas para o ensino
médio nas modalidades Geral, Integrado e Proeja. As Unidades II e Centro
ministram ensino fundamental II e ensino médio também na modalidade ensino
médio integrado.
O currículo era desenvolvido por atividades. Assim eram tratadas as
disciplinas no 1º grau de acordo com o parecer 853/7148. Inicialmente na estrutura
curricular do Pedrinho constavam as atividades de Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências e Estudos Sociais, complementadas com Literatura, Artes, Educação
Musical e Educação Física.
O primeiro segmento se estruturou da seguinte maneira, em cada unidade
escolar havia uma diretora; uma equipe administrativa e uma equipe pedagógica. A
equipe administrativa tinha uma coordenadora de registro escolar, que tinha
atribuições de diretora adjunta e tratava dos assentamentos do(a)s servidore(a)s e
do(a)s aluno(a)s, além de administrar o dia a dia da unidade. A equipe pedagógica
tinha a supervisão escolar, a orientação educacional e a equipe de professoras
polivalentes, regentes de turma.
Com o crescimento do 1º segmento e a opção pedagógica feita, foi
necessário criar as coordenações pedagógicas por atividade/disciplina. Os
Pedrinhos passaram a ter uma chefia de departamento, reproduzindo a estrutura
disciplinarizada do Pedrão. Foi criada a função de coordenador pedagógico de
atividade, a exemplo da coordenação pedagógica das disciplinas do Pedrão.
Passaram a existir as coordenações de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos
Sociais, Ciências, Artes e Literatura, sendo esse grupo de coordenadoras composto
por professoras primárias do 1º segmento e as coordenações de Educação Física e
de Educação Musical por professore(a)s que prestavam concurso para os
respectivos departamentos, mas que poderiam (como até hoje) dar aula para os três
segmentos da escola. Assim sendo, para lecionar essas atividades/disciplinas em
48
Parecer do Conselho Federal de Educação de 1971, que estabelece a doutrina do currículo na Lei 5692. Ele determina e define o núcleo comum e apresenta referenciais teóricos.
101
todo o fundamental do Colégio era necessário ter habilitação específica em nível
superior.
Quando o Pedrinho constituiu sua coordenação pedagógica, conseguiu ter
entre as coordenadoras de matemática do 1º segmento professoras polivalentes,
como todas e que possuíam também licenciaturas, diferentes, mas graduadas. A
dupla formação poderia facilitar um pouco o diálogo entre as professoras dos dois
segmentos de ensino, pois havia de forma institucional porém sutil, velado e negado,
certo preconceito com relação à professora primária, pois o corpo docente trazia
uma formação bem variada e mais afeita aos aspectos da pedagogia do que os
específicos da disciplina propriamente dita, marca forte daquele(a)s que possuem o
curso de formação de professoras, antigo curso normal, o que lhes fazia ter um
domínio de um saber referenciado ao campo da pedagogia e da metodologia e
menos das disciplinas específicas, ao contrário das professoras licenciadas em
Matemática que dominavam um campo do conhecimento matemático mais
ampliado. Esse fenômeno acentuou uma ruptura histórica entre o “primário” e o
“ginásio”, sendo que dessa vez, potencializado e inédito dentro do Colégio, tendo
provocado de certa maneira, um desencontro entre as professoras de Matemática
do 2º segmento do ensino fundamental e as professoras de 1ª a 4ª que lecionavam
Matemática principalmente nas 3ª e 4ª séries (atual 4º e 5º anos). Considerando que
“a mudança de público impõe frequentemente a mudança dos conteúdos
ensinados”. O público pode ser o corpo discente ou o corpo docente e o conteúdo,
as matemáticas lecionadas nos dois segmentos. Tanto o público professore(a)s ou
estudantes são objetos da cultura escolar mobilizados nesta reforma, que acusam
sua mobilização, através de conflitos e confrontos provocados no interior dessa
cultura (JULIA, 2001).
O projeto para o 1º segmento de uma escola pública foi criado para “não ser
melhor e nem pior do que ninguém, apenas uma escola diferente”49, pois havia
espaço e a escola poderia inovar, como de fato foi feito.
A entrada no Pedrinho já era o passaporte de 13 anos de educação básica,
sendo que no início, o Pedrinho e o Pedrão eram escolas marcadas por muitas
49
O lema da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro _RJ
102
diferenças, o que fazia com que essa caminhada pela escola básica fosse feita com
muitas contradições.
Em 1985, quando foi criada a unidade Humaitá, as aulas começaram em abril
com turmas de 1ª série alfabetizada, 1ª série não alfabetizada e 2ª série. A unidade
foi inaugurada com 8 turmas, 4 turmas em cada turno. Humaitá é uma unidade
pequena como Engenho Novo e Tijuca. A maior é São Cristóvão, que corresponde
ao dobro das outras. É a partir da Unidade Humaitá, que serviu de base para a
experiência no ensino de matemática, que se constroi este estudo.
Destaca-se, da criação do ensino primário no CP II, o ensino da matemática,
porque trouxe novas questões para o interior desta sesquicentenária instituição.
Com a implantação do 1º segmento do ensino fundamental, houve um grande
impacto sobre o processo de admissão de aluno(a)s na 5ª série (atual 6º ano);
surgiu a necessidade de pensar o processo de integração do 1º para o 2º segmento
do fundamental, ou melhor, construir um ensino fundamental integrado e a relação
entre as professoras “primárias” e as professoras “especialistas” também foi
problematizada.
A criação dos Pedrinhos trouxe a necessidade de se pensar uma proposta de
ensino da matemática produzido por um determinado segmento docente
(professoras do 1º ao 5º ano) que deveria ser recebido por um outro segmento
docente (professoras do 6º ao 9º ano). Essa proposta de ensino, escrita para o
Pedrinho seria também para um novo segmento discente que passava a integrar o
Colégio, alunas e alunos de 6 a 10 anos.
Dessa maneira, o surgimento dos Pedrinhos foi um projeto que trouxe para o
Colégio também a constituição de um quadro docente e discente mais plural. Com a
criação dos Pedrinhos, as “atividades” de matemática passaram a ser formuladas,
orientadas e desenvolvidas por professoras primárias sem graduação em
matemática, necessariamente.
Assim, deu-se início à construção de uma proposta pedagógica para o
Pedrinho a partir do que se pode considerar uma política para a formação das
professoras desse segmento, pois previa um programa de formação continuada, em
serviço para as professoras do 1º segmento. Para esse programa foi contratada uma
103
equipe de assessoras. As professoras regentes e coordenadoras de Departamento
do 1º segmento participaram por um processo amplo e profundo de formação em
serviço durante os anos de 1985 a 1987, foi uma decisão determinante que a médio
prazo fez com que a Matemática praticada no CP II passasse por uma reorientação.
Com essa concepção de formação continuada, houve a necessidade de
ampliação dos quadros da equipe técnico-pedagógica e de uma interação entre os
departamentos 1º segmento e departamento de Matemática. Este diálogo não foi
fácil.
3.3 COLÉGIO PEDRO II E A REFORMA INTERNA
Sob a ótica da cultura escolar - a(s) reforma(s)
O CP II, não somente por causa da criação do Pedrinho, mas
fundamentalmente a partir daí, não pode ser chamado de uma escola única. Existem
vários CPs II dentro do CP II, em razão das diferenças em cada unidade escolar, em
cada segmento, em cada departamento pedagógico e em cada grupo da
comunidade escolar: professore(a)s, aluno(a)s, técnico(a)s e responsáveis. Dessa
maneira,
afirmar que a escola, entendido este termo no seu sentido amplo, é uma instituição, eis algo óbvio. Igualmente é óbvio dizer que existe uma cultura escolar. Precisamente porque a escola é uma instituição, podemos falar de cultura escolar, e vice-versa. Mais difícil é se pôr de acordo sobre o que implica a escola ser uma instituição e sobre o que seja a tal cultura escolar – ou se não seria preferível falar, no plural, de culturas escolares” (Viñao Frago, 1995, p. 68).
Cada agrupamento desses tem uma demanda para o Colégio e cada uma
tem uma forma própria de lidar. O que se busca apreender neste estudo é o que
impactou, de maneira geral, o Colégio todo e alterou sua dinâmica geral por força
dos movimentos de resistência ou de aceitação ocorridos no interior da escola. É o
que aqui se chama de reformas internas que impactaram os elementos que
constituem a cultura escolar, alterando suas normas, finalidades, formação de
professore(a)s, conteúdos ensinados e práticas escolares como veremos.
A criação do Pedrinho produziu um importante elenco de reformas nas
práticas pedagógicas e também administrativas do Colégio. Essas reformas
ocorreram na cultura escolar do Colégio e serão aqui analisadas porque propiciaram
que a proposta pedagógica do novo segmento se implantasse, apresentando
algumas resistências, mas incorporando-se e alterando a dinâmica escolar.
104
Deseja-se analisar o que havia de diferente da cultura/história tradicional do
Pedrão que foi banido, problematizado ou incorporado à cultura do Pedrinho, e
nesse trânsito, o que poderia ter sido considerado como “uma outra cultura”, com
relação à cultura tradicional do Pedrão.
O que aconteceu no CP II com a criação do Pedrinho foi uma autêntica
reforma de fundo, organizativa e curricular (Viñao, 2002, p.8), na qual se destacaram
algumas alterações importantes na relação Pedrinho x Pedrão.
Na organização do Colégio foi criado um novo departamento – o
Departamento do 1º segmento do Ensino Fundamental, impondo a
departamentalização/disciplinarização das séries iniciais; o ensino fundamental
passou a ser praticado em nove anos desde a criação do Pedrinho. O antigo
primário que hoje, oficialmente, se faz num período de cinco anos, o que está
explicitado numa das alterações à última LDB no seu artigo 3250:
As autênticas reformas se processaram num tempo mais amplo – médio e
longo prazos - como foi no caso da criação do Pedrinho, que na realidade veio a ser
a implementação do que estava posto na LDB 5.692/71, que, tratava do fim dos
exames de admissão e a criação do ensino fundamental de 8 (oito) anos, posto que
implantava as séries iniciais no Colégio que tradicionalmente promovia o curso
ginasial – segundo segmento do ensino fundamental , atual 6º ao 9º ano e colegial,
atual ensino médio. O fato de ser praticado no Pedrinho o fundamental I de 5 (cinco)
anos fez com que o CP II praticasse, desde 1985, o ensino fundamental em nove
anos, o que não estava previsto nas leis 5.692/71 e nem na 9.394/96 na sua versão
inicial. Tendo sido o CP II pioneiro nessa prática que só veio a ser referenciada em
2007 em âmbito nacional, essa “reformulação” da lei foi muito bem aceita no Colégio
e em todo o território nacional, pois só veio ratificar um anseio da comunidade
escolar, a expansão do tempo escolar com a entrada das crianças com seis anos, o
Estado garantindo a escolarização fundamental dos 6 aos 14 anos, propiciando mais
tempo de convívio escolar, mais tempo para desenvolver os processos escolares de
ensino e aprendizagem.
Por que o Pedrinho teve nove anos, quando a LDB determinava o mínimo de
8 anos? O fato de as crianças ingressarem no Colégio por sorteio público permitia 50
Ver p.92
105
que fossem encontradas, com a mesma idade, crianças alfabetizadas e não
alfabetizadas, crianças que haviam passado por alguns anos de escolaridade pré-
escolar e outras não. Houve então a necessidade de agrupá-las em turmas
diferentes e elas foram distribuídas em classes de 1ª série alfabetizada e 1ª série
não alfabetizada, (mais tarde chamadas de C.A). Houve também a necessidade de
se oficializar um segmento com 5 anos de escolaridade. Como, além desses fatos, a
tradição do Colégio era recomendar aos estudantes uma formação mais sólida, ele
veio consolidando um primeiro segmento em nove anos, incorporando um ano da
pré-escola que durante muitos anos foi designado como classe de alfabetização -
C.A. Essa jornada escolar ampliada correspondeu, na ocasião, e assim é até hoje, a
um segmento com cinco anos e jornada diária de 5horas por turno (e a experiência
das turmas do convênio CP II/Município)
Foram criadas novas funções administrativas e técnico-pedagógicas. As
professoras ingressavam num regime de 20horas, mas logo se verificou que esta
carga horária não satisfazia à jornada diária e semanal para o trabalho específico
desse segmento. Vinte horas equivaliam a um regime de 4 horas diárias, mas o
Pedrinho iniciava com a mesma carga horária diária do Pedrão, de 5horas nos
turnos da manhã e da tarde. No início, foi necessário fazer adaptações, como a
instituição de um turno de trabalho docente de 2h 30 (equivalente a três tempos de
aula em um turno), o que correspondia a meio dia de trabalho, equivalendo a uma
redução da jornada da professora em sala de aula, até que entendida a
especificidade do trabalho nesse segmento não ser por hora-aula, mas sim por
jornadas diárias contínuas de trabalho de acordo com o já era praticado nas redes
que, tradicionalmente, ministravam o ensino das séries iniciais. Assim, por força da
demanda, foi concedido o regime de 40 horas semanais às professoras do Pedrinho,
que foram as primeiras a fazerem jus a essa mudança que, em seguida, veio a ser
estendida a todos e todas as professoras e professores que pudessem e
desejassem essa alteração de carga horária.
A criação do 1º segmento apresentava-se como uma mudança estrutural-
organizativa imposta por esta reformulação advinda com a criação do 1º segmento.
Como também nos caracteriza Viñao (2002), essa alteração foi bem diluída na
cultura escolar, pois veio ratificar uma demanda das professoras para o atendimento
dos estudantes desse segmento.
106
Algumas mudanças de ordem interna guardam relações com aspectos
externos, a Lei 5.692/71 terminara com o exame de admissão e instituía o ensino
fundamental em 8 anos, integrando os antigos ensino primário e ginasial.
Essa foi uma reforma, uma alteração pedagógica e administrativa de fundo
que deu ao CP II uma nova configuração, de modo a justificar o seu projeto do
“Futuro Velho CP II”. Uma equipe técnico pedagógica mobilizada por Tito Urbano e
Wilson Choeri preparou o Velho CP II para ingressar no futuro, no século XXI.
Não foram mudanças superficiais ou passageiras, elas vieram se
processando e se afirmando, às vezes se alterando, mas consolidando um processo
permanente, de um ensino mais democrático e participativo, seguramente com a
criação dos Pedrinhos na década de 80.
O sistema de avaliação e seus processos também foram alterados (vide
PGEs e suas alterações). Antes do Pedrinho, o Colégio avaliava seus alunos através
de estudo de casos, onde só eram analisados os casos dos alunos e alunas com
baixo rendimento escolar e com problemas para aprovação. A partir da criação do
Pedrinho foi necessário pensar em outro processo de avaliação, pois não cabiam as
provas únicas para as séries iniciais. Ao final de cada período de provas passou-se
a ter um Conselho de Classe (COC) o que veio a ser estendido ao Pedrão.
Esta reforma, em grande medida, trouxe inovações concretas e aceitas sem
muitas resistências ou impasses e foram de boa difusão, posto que coincidiram com
os interesses corporativos. No caso da oficialização do COC, limitou-se a reconhecer
uma necessidade e generalizá-la (Viñao, 2002, p. 9).
Abaixo registra-se num quadro alguns elementos administrativos e
pedagógicos da cultura escolar que foram impactados com a reforma e revelam
também o quanto houve a adequação ou incorporação dos novos valores,
finalidades, normas e práticas escolares. O estabelecimento dessa nova escola
primária não se realizou pacificamente, mas o debate produziu um elenco de
alterações na cultura escolar permitindo atualizações.
107
O que foi encontrado O que foi feito no Pedrinho O que se alterou
Inspetores de alunos;
Disciplina rigorosa;
Alunos em forma para
cantar o hino e o pelotão da
bandeira.
A vigilância e o controle de
disciplina ainda bem
marcados.
Admitiu-se o mesmo ritual de
hastear a bandeira
periodicamente.
Instituiu-se o pelotão da
bandeira e a forma para
cantar os hinos.
Currículo diversificado e
enriquecido.
Incorporação do currículo
enriquecido – um dos
primeiros passos da
integração Pedrinho/Pedrão.
Uniforme formal e
indispensável
(uniformização como
homogeneização).
Adoção do uniforme igual ao
do Pedrão, a partir da 1ª
série, na C.A. houve uma
flexibilização, as crianças
usavam o uniforme de
educação física e, nos dias
de frio, podiam usar calça
comprida de helanca ou
moleton (o que não ocorria
no Pedrão, onde, as crianças
usavam calça de brim ou
tergal azul marinho.
Sistema de avaliação rígido,
não flexível e rigoroso.
Média alta para passar de
ano, sem provas finais.
Sistema de notas de zero a
dez.
O sistema de avaliação foi
problematizado e alterado,
apresentando avanços e
recuos; e representa, ainda,
no Colégio um cenário de
lutas de representação (vide
diretrizes de avaliação).
108
Avaliação bimestral e
prova final.
Provas bimestrais
Provas únicas .
Provas de
recuperação e Vista
de provas.
Avaliação: provas
bimestrais.
No início
problematizou e não
fez as provas únicas.
Provas
trimestrais.
Atualmente
aplicam-se
provas únicas,
denominadas
provas
institucionais
Jubilação. Adotou-se a jubilação com
reservas, através de uma
avaliação mais criteriosa que
considerava mais do que as
notas pura e simplesmente.
Estudo de casos
(avaliação).
Implantação dos Conselhos
de Classe (COCs).
O Pedrão assimilou
os COCs.
Provas finais, muitas provas
só a nota das provas era
considerada, o que
implicava um grande peso
dado às notas.
Ainda são muitas
provas determinadas
em calendário.
Disciplinas de dias
pares e de dias
ímpares.
Carência de
formação em serviço.
Por força da
organização
curricular, o Pedrão
tem aulas aos
sábados.
Unidades de três
turnos.
O Pedrinho não tem aula aos
sábados.
A formação em
serviço foi
problematizada,
alterada; mostrou
avanços e recuos (a
venda de férias / a
presença de
educadore(a)s no
Colégio / o papel da
APE (Assessoria de
109
Projetos Especiais).
Estrutura
departamentalizada.
Currículo por disciplinas.
Fraca integração
departamental.
Poucos encontros de
professores.
O Pedrinho é assumido na
estrutura departamentalizada
Institui-se a disciplinarização
da polivalência.
Há o fortalecimento da
integração departamental
com a criação do
departamento do 1º
segmento.
Utilização do livro didático
como suporte.
O Pedrinho não adotou
inicialmente um livro didático,
as atividades eram dadas em
apostilas e folhas de
exercícios.
Adoção de livro
didático e
manutenção das
folhas de exercícios
em pastas.
Administrativamente
Plano de carreira
carga horária
Admitiu-se a Professora
Primária.
A carga horária precisou ser
adequada em função dos
termos da admissão de 20
horas semanais.
Mesma carga horária
para professore(a)s.
Encontro de professores
Já foi criado com a disposição
de espaços para encontros
entre as professoras.
Ampliação dos
espaços de integração
e planejamento.
Equipe técnico-
pedagógica.
Consolida-se o fortalecimento
das equipes técnicas SOE e
STEA.
Atualmente integrados
no SESOP.
Cada unidade escolar tem
um diretor(a).
Cada unidade tem uma
diretora, como havia também
um(a) diretor(a) em cada
unidade de Pedrão.
Ao longo desse anos houve
110
alterações funcionais no
status das direções do
Pedrinho, mas não houve
comprometimento de fundo na
organização administrativa e
pedagógica.
Houve diminuição de pessoal
e alteração no status e na
remuneração, mas a estrutura
organizacional foi preservada
até a instituição do SESOP,
que é a fusão do SOE e
STEA.
Representação dos
segmentos da unidade
escolar.
Invenção das associações de
docentes, de técnicos
administrativos e de pais e
responsáveis.
Quadro 3: Elementos da Cultura escolar que foram impactados com a reforma.
111
CAPÍTULO 4
4.1 CORPO DOCENTE
Como professoras pensamos, resistimos e formulamos. Sem o quê, por quais razões teríamos escolhido esse ofício? (Bloch, 2003)
51
O CP II já completava 147 anos oferecendo os antigos cursos ginasial e
colegial, atuais fundamental /2º segmento e médio quando o Pedrinho foi
inaugurado. A tarefa das jovens professoras do Pedrinho era motivo de preocupação
de toda a comunidade educacional do CP II, já que o 1º segmento recém
inaugurado, deveria manter o tradicional padrão de qualidade do Colégio seria
elaborar e escrever uma proposta para o ensino de Matemática nas séries iniciais.
Estas professoras teriam que assentar sua prática sobre uma representação
tradicional em torno da disciplina, cabendo a elas formular uma proposta. A opção
do jovem colegiado foi produzí-la com autonomia e relativa independência. Com
isso não buscaram a tutela das professoras regentes do Departamento de
Matemática que já pertenciam ao quadro docente do Colégio.
Dentro do sistema de ensino a grande vilã da exclusão, repetência e baixos índices de desempenho é a Matemática. (RAMOS, 2012)
Este é um trecho que muito mobiliza a autora deste trabalho, por fazer parte
desse coletivo como “professora primária/polivalente” do Pedrinho. Aqui busca-se
fazer um exercício interessante de deslocamento de protagonista (professora do
Pedrinho, que foi coordenadora de Matemática e chefe de departamento) para a
pesquisadora/ historiadora de Educação Matemática. O objetivo é buscar
compreender como se deu o processo de ensino da matemática no 1º segmento, a
partir da sua formulação.
51
Relembrando: a referência de gênero – feminino -, quando se refere ao corpo docente do primeiro segmento do CP II, longe de ser uma discriminação às avessas, apenas reflete a realidade do Colégio, que tem em seus quadros de Ensino Básico apenas professoras, embora os editais de concursos públicos se estendam a todos os professores.
112
O quadro docente das unidades de 1º segmento foi constituído por um
conjunto de professoras que tinham em comum o fato de serem todas professoras
de 1ª a 4ª série que trouxeram um somatório de experiências e inexperiências para
dentro de um grande colégio tradicional que inaugurava o 1º segmento.
4.2 A INVENÇÃO DA PROFESSORA DAS SÉRIES INICIAIS NO CP II
Como não havia nesse lugar, CP II, um curso primário, o curso foi inventado,
bem como as professoras que lecionariam nesse segmento. Quem é do CP II,
aluno(a) ou professor(a), tem status, lugares historicamente diferenciados na
sociedade, por exemplo, no que diz respeito à escolarização, assim o lugar onde se
transcreve essa narrativa também é determinante dessa cultura escolar. As
professoras do CP II se diferenciam enquanto Professoras do Pedrinho e
Professoras do Pedrão. Pedrinho e Pedrão são “lugares” socialmente diferenciados
em que, apesar de cohabitarem o mesmo espaço escolar, as séries ou anos iniciais
fazem parte de um segmento historicamente menos valorizado. Caberia às
professoras primárias buscarem seu espaço de importância nesse cenário
conservador e tradicional. O caso não era romper com a tradição de ensino de
qualidade ministrado no Colégio “padrão”, mas inserir-se nessa cena de prestígio
social com outro discurso, com um discurso de inclusão, de democratização do
acesso.
Ao levantar-se o debate em torno da invenção da professora das séries
iniciais do Colégio, outras questões emergem, tais como: O que era necessário para
lecionar Matemática no primário do CP II? Como se posicionar? Qual seria o lugar
dessa nova professora ante a tradição e o ideário em torno da disciplina? O que
ocorreu em torno da definição do currículo/programa?
Com a criação do Pedrinho, surgiram novas questões e novos atores na cena
do Colégio. Definiu-se, para o novo segmento, um elenco de características que
estabeleceriam o que veio a se constituir em traços da identidade das novas
Professoras, a partir de leis que foram referendadas em editais onde se ordenava
basicamente, que a Professora habilitada para prestar concurso para lecionar nas
séries iniciais das escolas públicas no Brasil deveria ter como pré-requisitos mínimos
113
idade igual ou superior a dezoito anos e ter concluído o curso de formação de
Professoras de 1ª a 4ª série – antigo Curso Normal. O corpo docente do primeiro
segmento foi composto através de concurso público com essas exigências.
Tomando como base os editais dos concursos para o provimento de vagas
para o quadro docente, pode-se verificar as diferenças nas exigências e as
alterações que foram impostas pelas novas legislações educacionais e trabalhistas.
O concurso de 1991 foi realizado somente para o provimento de cargos docentes
para o ensino fundamental II e o ensino médio. Foi um processo seletivo para
contratação de professor substituto / ensino de 1º e 2º graus. Nesse ano não houve
concurso para o 1º segmento, pois o edital, no tópico referente à documentação
solicitava a “fotocópia autenticada de diploma de curso de licenciatura plena para o
exercício do magistério de 1º e 2º graus ou de registro no Ministério da Educação na
disciplina a que se candidata”(edital nº 01, de 26 de agosto de 1991).
O edital nº 3, de 15 de junho de 1994, lançou um concurso para preencher
vagas no Pedrinho. Foi um “concurso público destinado a selecionar candidatos com
vistas ao provimento de cargos públicos (...) no cargo de Professor de 1º e 2º graus”.
Na especificação dos cargos encontrava-se um elenco de disciplinas para designar
as vagas disponíveis. O artigo 1.2.2 referia-se ao 1º segmento do 1º grau para
disciplinas pertencentes ao que era chamado de Núcleo Comum. No parágrafo 3
foram descritas as condições para inscrição: “(d) possuir certidão de licenciatura
plena, no caso de candidato ao cargo de Professor de 1º e 2º graus nas disciplinas a
que se refere o item 1.2.1” (referia-se às disciplinas do ensino fundamental II); e (e)
possuir certidão de curso normal ou equivalente, no caso de candidato ao cargo de
Professor de 1º e 2º graus nas disciplinas a que se refere o item 1.2.2” (referia-se às
disciplinas do ensino fundamental I).
Em 1996, houve “concurso público destinado a selecionar candidatos com
vistas ao provimento de cargos de Professor de ensino fundamental (1º grau) e
Médio (2º grau)”. O edital nº 3/96 publicado no DOU em 4 de março de 1996,
indicava que esse concurso fora convocado antes da promulgação da LDB de 1996.
Das vagas oferecidas havia uma quantidade destinada às seguintes áreas e
disciplinas: “(a) de Ensino de 1º segmento do ensino fundamental, Núcleo comum;
(b) de Ensino de 2º segmento do ensino fundamental e ensino médio”.
114
Esses registros, extraídos dos diários oficiais da União, servem para
demonstrar como os docentes eram diferenciados administrativamente nos
segmentos. As exigências eram colocadas nos tópicos referentes aos requisitos
para a validade de participação no concurso: 2.1.5 – possuir certidão de conclusão
ou diploma de: curso de formação de professor de 1ª a 4ª série ou equivalente, para
os candidatos às vagas descritas no item 1.3(A)”. Isso dizia respeito às candidatas
que quisessem lecionar no 1º segmento. A Licenciatura Plena na disciplina seria
requisito para os candidatos às vagas descritas no item 1.3(B).
Ressalte-se que uma das exigências estabelecidas nos editais anteriores a
1991 para concorrer a uma vaga para lecionar de 1ª a 4ª série era o(a) candidato(a)
ter feito o curso de formação de professore(a)s, antigo Curso Normal, um curso de
nível médio. Portanto o(a) professor(a) que desejasse lecionar no 1º segmento do
ensino fundamental no Colégio Pedro II deveria ter sido aprovado(a) em concurso
público onde era exigido o certidão de conclusão do curso de formação de
professore(a)s de 1ª a 4ª série, antigo Curso Normal e ter idade mínima de 18 anos.
Essas determinações constituíram características comuns a todas as professoras
que vieram compor o quadro docente do 1º segmento desenhado através de
documentos oficiais e que, portanto, limitou-se a seguir determinações legais.
O ensino primário era definido, na ocasião, por atividades. As professoras
poderiam ministrar aulas de qualquer atividade, dessa maneira, o grupo de
professoras que construiu o programa de matemática não precisava ter
necessariamente, graduação em Matemática. Contudo, mesmo sem essa exigência,
foi possível perceber que para lecionar nesse segmento não era bastante ter
domínio somente dos aspectos pedagógicos. O conhecimento de matemática e o
conhecimento da pedagogia precisavam ser integrados, talvez mais do que isso ,
eles precisavam constituir uma unidade sem divisões.
A definição do quadro docente para o 1º segmento do CP II foi institucional,
na medida em que os critérios adotados foram extraídos de normativas públicas
oficiais e divulgadas em editais – documentos que têm for,a de lei. Dessa maneira, a
composição desse coletivo fez parte das estratégias institucionais de implementação
de uma política de expansão e reforma, a fim de incorporar ao Colégio as exigências
da Lei 5.692/71, que determinava que o ensino fundamental fosse realizado em 8
115
anos. Para cumpri-la o Colégio optou por criar o ensino primário, assumindo suas
especificidades.
Depois da LDB 9.394/96, pode-se notar algumas alterações nos editais no
que diz respeito às condições de inscrição. Como esse estudo aborda o período de
1984 a 2009, serão tomados como base os concursos de 2002, 2004, 2007, 2008 e
2009. Houve mais concursos depois de 2009, mas com poucas alterações. O
concurso de 2002 foi estabelecido no edital nº6, de 9 de dezembro de 2002 com a
chamada:
Concurso público de provas e títulos para preenchimento de vagas do cargo de professor do Colégio Pedro II, em que torna pública a abertura das inscrições para concurso público de provas e títulos destinado a selecionar candidatos com vistas ao provimento de cargos de Professor de Ensino Fundamental e Médio.
Foram oferecidas vagas para as disciplinas e/ou áreas do Núcleo Comum do
1º segmento do ensino fundamental. Os requisitos para a validade de participação
no concurso eram curso de formação de professores de 1ª a 4ª série, em nível
médio, (Curso Normal), ou curso superior de formação de professores de 1ª a 4ª
série. Um fato interessante é que em concursos em que havia vagas para
Informática Educativa, poderiam concorrer professore(a)s com curso de formação
de professores de 1ª a 4ª série, em nível médio, (Curso Normal), ou licenciatura
plena em disciplina do currículo do ensino fundamental ou médio, além de requisitos
referentes à matéria especificados em itens à parte sobre as especializações em
Informática Educativa. Para o preenchimento das outras vagas era necessário, no
mínimo, licenciatura plena.
Em 2007, 2008 e 2009 foram convocados concursos com vagas
discriminadas por área de atuação/conhecimento. Aí se encontrava o 1º segmento
do ensino fundamental. A formação aparece em quadro junto com as disciplinas, e
não mais nas inscrições, condições ou requisitos. Diz o quadro: “formação de
professor de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, em nível médio, ou normal
superior, ou curso superior de Pedagogia, com habilitação em magistério para as
séries iniciais”.
116
Em 2007 (edital nº 16/07), ainda aparecia o ou (conjunção adversativa) e
tratava-se o primeiro segmento por séries.
Área de atuação/
conhecimento
Formação vagas
1º segmento do
ensino
fundamental
Formação de professor de 1ª a 4ª série do
ensino, em nível médio, OU
Normal Superior OU
Curso Superior de Pedagogia com habilitação em
magistério para as séries iniciais.
Quadro 4: Recorte do edital nº 16/07
Em 2008 (edital nº 08/08) e 2009 (edital nº 10/09), há uma alteração
significativa para a formação das candidatas a vagas para o 1º segmento. A partir
desse edital não se admite mais que a candidata tenha apenas o curso de formação
de professores de 1ª a 4ª série, em nível médio, (Curso Normal). A condição do
curso de formação de nível médio vem agregada necessariamente à graduação.
Área de atuação/
conhecimento
Formação vagas
1º segmento do
ensino
fundamental
Normal Superior; OU
Curso Superior de Pedagogia com habilitação em
magistério para as séries iniciais, OU
Formação de professor de 1ª a 4ª série, em nível
médio E Licenciatura Plena, OU
Formação de professor de 1ª a 4ª série, em nível
médio E Curso Superior de Pedagogia.
Quadro 5: Recorte dos editais nº 08/08 e nº 10/09
Observar a dinâmica desses editais permite apreciar a alteração nos
requisitos que estabeleceram a formação do(a)s professore(a)s que concorreram ao
“preenchimento de vagas para o cargo de professor do Colégio Pedro II”- e que
ainda estão em vigor. A categoria docente ainda é tratada no masculino. A exigência
da formação, desde 2008, se dá exclusivamente com a habilitação em curso
superior, não sendo mais possível um(a) professor(a) primária formada em nível
médio concorrer a uma vaga, o que implica também, em uma média de idade mais
117
alta do conjunto que tem acesso ao quadro docente. Em 1984, três professoras que
possuíam apenas o antigo curso normal foram aprovadas, mas tiveram que esperar
completar 18 anos para assumirem o cargo, porque assim exigia o edital. Hoje a
formação em nível superior exige necessariamente mais idade, o que pode e/ou
deve também significar mais maturidade. Contudo, no que diz respeito às exigências
para lecionar matemática no 1º segmento, o aumento grau de escolarização e na
idade não garantem, em princípio, nada. É necessário, principalmente, verificar o
que aconteceu no currículo de matemática nesses cursos de formação.
Essa alteração não foi determinada propriamente por força da lei ou demanda
pedagógica. Ela se deu em função de alteração no quadro funcional da carreira
docente. Até 2007, os docentes pertenciam a cinco classes no plano de carreira: Ä”,
“B”, “C”, “D” e “E”. Na classe “A” estariam as professoras com formação em nível
médio; na classe “B”, o(a)s de formação em nível médio com estudos adicionais que
permitissem lecionar nas duas séries iniciais do ginásio; na classe “C”, estariam
o(a)s portadore(a)s do diploma de licenciatura, independente do segmento de ensino
que atuassem; na classe “D”, o(a)s portadore(a)s de diploma de pós-graduação lato
sensu e, por fim , na classe “E”, o(a)s portadore(a)s de diploma de pós-graduação
stricto sensu.
O(A)s professore(a)s também poderiam alcançar esses níveis em
progressões por tempo de serviço. A cada cinco anos mudava de letra referente a
um subnível dessa progressão e em 25 anos um(a) professor(a) da classe “A”
chegaria à classe “E”. A partir de 2007, esse plano de carreira mudou, foram extintas
as classes “A”e “B”. Mudaram as categorias para ascenção funcional do quadro
docente, o primeiro nível da carreira passou a exigir graduação completa.
Atualmente, a composição do quadro docente continua sendo feita através de
concurso público aberto, sempre muito rigoroso. Na década de 1990, as bancas
examinadoras para o 1º segmento passaram a contar com professoras do Pedrinho
e do Pedrão, o que modificou, de maneira importante, a concepção da prova para
o(a)s candidato(a)s. Vale destacar que essa composição integrada também ocorre
nos concursos de admissão para o 2º segmento.
Nos antigos concursos, com o objetivo de gerar excelência, era reproduzida
uma orientação pedagógica pautada na seleção que era muito conservadora, em
118
certos casos excludente. O modelo passou por variações apresentando tendências
modernizadoras com a incorporação de algumas práticas realizadas no Pedrinho,
além do que as professoras do Pedrinho que participam da banca dos exames são
especialistas, no caso, em Matemática. As professoras polivalentes do quadro
permanente possuíam um diferencial, por terem prestado concurso público, tendo
estabilidade o que lhes conferia um status no magistério em âmbito nacional. As
diferenças trabalhistas dentro da categoria docente do Colégio implicam nas outras
diferenças dentro comunidade. São segmentos, disciplinas, formações, unidades,
público alvo diferentes dentro de uma mesma escola que deveriam estar sujeitas à
análise para o entendimento dessa nova realidade com a qual o Colégio entrou no
novo milênio.
4.3 AS PROFESSORAS PRIMÁRIAS DAS SÉRIES INICIAIS DO CP II
SER MULHER – PROFESSORA PRIMÁRIA NO CP II
Para produzir história é preciso encontrar o sujeito (Bloch, 2003) que está
envolvido nos acontecimentos que virão a ser narrados e que foram “inventados”
pelas professoras do Pedrinho. Os sujeitos dessa história, em particular, são
mulheres, muitas mulheres que produziram, que protagonizaram as ações que se
desenrolam nesta narrativa. São as Professoras do Pedrinho.
O fato de serem mulheres deve ser destacado pois a questão de gênero não
será invisibilizada neste texto. Ao contrário, será alvo de destaque no tratamento
feminino dado às protagonistas das ações de implantação do 1º segmento e sua
proposta pedagógica, que são as Professoras primárias/polivalentes do CP II,
tratadas carinhosamente por PEDRITAS. O gênero – feminino – é uma variável
importante que entra na composição do quadro do magistério em geral e no CP II,
em particular, no quadro docente do 1º segmento.
Deve-se dizer que nesse conjunto havia rapazes52 mas que desde a criação
do Pedrinho não passaram de oito. Vale lembrar que esse departamento já contou
52
De acordo com as nominatas apresentadas nos planos gerais de ensino do 1º segmento contamos com a presença de oito rapazes durante o período desse estudo. Foram professores efetivos que lecionaram nas séries iniciais, concursados para o departamento. No plano de 1984 constam na listagem somente Professoras, os Professores passam a constar no plano de 1986 quando já contamos com mais unidades escolares de Pedrinhos. Eles são: Ednilson Amorim, José Gonçalves Gondra, José Maria Lopes Jr; Luiz Carlos Nicácio, Marcelo Campos, Mário Bruno, Roberto Pires de Oliveira Jr., Sergio Ricardo Aboud. Walter Tadeu Nogueira. Essas presenças foram registradas em
119
com 294 Professoras (PGE, 1988) em atividade. Por esse motivo, dentre outros, as
protagonistas desta história serão tratadas no feminino.
Em todas as contratações temporárias, desde 1997, não se admitiu nenhum
homem e não ingressou nenhum concursado depois de 2000. Seria no mínimo
incoerente tratar essas personagens no masculino, seria mais do que invisibilidade.
Lecionar no primeiro segmento significa ser mulher, professora primária. Muitas das
relações institucionais que interferem na construção da proposta pedagógica nos
aspectos teóricos e metodológicos passaram por debates, e de certa forma, os
embates protagonizados pelos corpos docentes que, além de viverem as diferenças
ordenadas por suas disciplinas, agora teriam que adaptar-se às diferenças
determinadas por segmentos de ensino operados por outra cultura escolar bem
delineada inclusive por outra delimitação dos espaços de intervenção e atuação. As
variáveis que compõem essa equação que envolvem também ser mulher no CP II e
são de grande relevância para analisar e produzir histórias sobre o ensino nas séries
iniciais desse Colégio e que deverão merecer no futuro estudos e pesquisas muito
importantes.
Os departamentos pedagógicos eram herdeiros das cátedras tradicionais e
históricas que foram extintas. As cátedras eram exercidas historicamente somente
por homens, e os departamentos criados depois seguiram essa tradição, tendo ao
longo da sua história bem poucas mulheres à sua frente. Pode-se observar que uma
pequena presença feminina veio a ocorrer nos departamentos somente após a
entrada do Prof. Tito Urbano, no início da década de 1980. Quando foi criado o
Departamento do 1º Segmento do Ensino Fundamental em 1986, uma mulher foi
chefiá-lo. No entanto, a conversa de integração interdepartamental foi com homens,
embora o corpo docente que compunha o departamento, no caso de matemática
fosse composto por um bom número de mulheres. Para se ter uma idéia: em
1991/92 eram 64 professore(a)s sendo 36 mulheres e 28 homens (PGE de
Matemática, 1991/92).
A relação que se estabelece e que faz prevalecer o ideário a partir do olhar do
homem não é quantitativa, mais homens do que mulheres, pois, ao contrário
encontramos mais mulheres do que homens. Afinal, esse embate é travado no
diferentes planos. Atualmente nenhum deles encontra-se lecionando nas unidades de 1º segmento. Apenas o Prof. Walter ainda se encontra lecionando no Colégio, mas para o ensino médio.
120
campo do magistério, mas as construções discursivas, os enunciados ditados e
reeditados neste Colégio são de cunho machista, são discriminatórios e excludentes,
marcados por fortes preconceitos que encarceraram, sem grades, as mulheres e
que, ainda hoje, pairam sobre a cabeça das professoras primárias.
É bom lembrar que essa diferenciação se dá em todas as redes e escolas,
sendo que, no CP II, é bem potencializada devido à história do Colégio o que
fomenta a relevância de pensar aspectos da Educação Matemática passando pela
ótica da diferenciação. A análise da proposta não será feita apenas sob essa
perspectiva de gênero, mas o fato de muitas dessas mulheres terem matriculado
seus e suas filho(a)s no Colégio, desde o início, agregou valores afetivos na
construção e trajetória da instituição. O fato merece ser ressaltado, pois implica num
outro olhar e numa outra procedência sobre a elite discente que se estabelece neste
educandário. Cuidar da qualidade do Pedrinho passou também pelo cuidado de
mães para com seus/suas filho(a)s.
A temática de gênero deve ser, no mínimo, apontada na problematização em
torno do corpo docente do Pedrinho, na medida em que trata de preconceito,
hierarquização e desautorização de discurso (Foucault, 1996), pois no que diz
respeito à interdição do discurso do louco, da criança e do ignorante, podemos
também considerar, em diferente contexto, no caso no CP II, o discurso da mulher,
da professora primária polivalente. E é nesse sentido que será tratado o texto - o
programa de ensino de matemática produzido por essa “personagem”.
As professoras que lecionavam matemática de 1ª a 4ª série tinham formação
heterogênea. O quadro de professoras do Pedrinho revela as professoras que : 1.
tinham somente o curso normal e não possuíam licenciatura ou qualquer outra
graduação; 2. possuíam o curso normal e já haviam se licenciado em diferentes
disciplinas; 3. estavam cursando algum curso de graduação. Entre aquelas que
tinham graduação, no caso, licenciatura plena, havia as que possuíam Licenciatura
Plena em Matemática.
Ainda nesse conjunto, havia professoras com e sem experiência em qualquer
segmento de ensino, além de professoras com experiência profissional em lecionar
matemática em todas as séries do fundamental; porém, todas com habilitação em
magistério de 1ª a 4ª série, curso de formação de professores, antigo Curso Normal.
121
4.4 O QUE A PROFESSORA PRIMÁRIA SABE DE MATEMÁTICA
O que caracteriza as Professoras que lecionam Matemática no ensino
fundamental está em boa medida nos conteúdos que elas aprendem na sua
formação inicial. Qual a diferença entre essas matemáticas?
As Professoras que compuseram o quadro docente do Pedrinho vieram, na
grande maioria das escolas normais estaduais: Instituto de Educação do Rio de
Janeiro (Tijuca); Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral (Jardim Botânico);
Colégio Heitor Lyra (Penha); Colégio Estadual Carmela Dutra – (Madureira); Instituto
de Educação Sarah Kubitschek (Campo Grande); Colégio Estadual Júlia Kubitschek
(Centro). Em boa parte do período inicial focalizado por este estudo essas escolas
mantinham o curso de formação de Professoras de 1ª a 4ª série, antigo curso
normal.
Após a lei 9.394/96, a exigência para a formação inicial vem mudando,
indicando que a formação inicial de professores para atuar nas séries iniciais deveria
ser feita em nível superior (graduação). Isso implicou em mudanças nos editais para
o concurso de professores, com uma alteração na faixa etária de ingresso e também
na ampliação no tempo de estudo. Contudo, como se poderá ver, esse tempo maior
para a formação não implicou, necessariamente, em mais matemática na grade
desses cursos. Tome-se como exemplo um programa de um curso de Pedagogia
que forma professoras para as séries iniciais:
Quadro 6 - Programa de Matemática no curso de Pedagogia / UFRJ/1995 A Matemática no Curso de Pedagogia da UFRJ/ Ano 1995 Manual do Estudante - Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Educação Grade Curricular Habilitação A: Magistério das séries iniciais do 1º grau 5º período
Código Disciplinas obrigatórias Horas Créditos
EDD 352 Construção do conhecimento de matemática do 1º grau
60 4
Ementa: As representações sociais que o cidadão e a sociedade tem da Matemática. Os processos histórico e social da construção do conhecimento matemático. Os códigos dos sistemas de numeração e os diferentes níveis de complexidade matemática e epistemológica da sua construção. Pesquisa sobre o ensino de matemática em revistas especiais e em obras existentes sobre educa,ao matemática
122
6º período
Codigo Disciplinas obrigatórias Horas Créditos
EDD 362 Construção do conhecimento de matemática do 1º grau II
60 4
Ementa: Aspectos culturais e cognitivos e pedagógicos da construção do conhecimento matemático. O ensino da matemática tradicional, o da matemática moderna e tendências atuais. Uso de material concreto em atividades sobre os conteúdos do 1º grau. Criação de novos materiais.
Ementa: Apresentação de metodologias de ensino de matemática por meio de situações problema vivenciadas. Habilitação B: Pré Escolar 5º período
codigo Disciplinas Complementares Horas créditos
EDD 354 Iniciação à matemática na Pré - Escola 60 4
Ementa: Pesquisa sobre as questões de como a criança constrói o conhecimento matemático na pré-escola, em especial o campo conceitual do número. Representações das relações: quantitativas, de equivalência e de ordem, de espaço e tempo que a criança estabelece com o real. O papel do lúdico e do jogo no ensino da matemática. Habilitação C: Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Normal 6º período
Código Disciplinas Complementares Horas Créditos
EDD 176 Construção do conhecimento matemática e das ciências físicas e biológicas.
60 4
A realidade social do aluno de CA a 4ª série de 1º grau e o ensino de matemática e Ciências. A criatividade, o lúdico e o uso de material concreto no ensino de Matemática e Ciências. O desenvolvimento do raciocínio e o método científico: adequação ao nível de desenvolvimento do raciocínio mental do aluno. Organização de atividades de matemática e ciências.
Esse é um programa para formação de professores polivalentes em nível
superior. Poderia ter sido apresentado outro, mas esse, proposto para formação
superior com 60 horas, apresenta conteúdos de matemática muito elementares. Na
verdade, é uma repetição do que as professorandas já sabem. As ementas são
superficiais, não têm conteúdos básicos específicos de matemática para que se
conheça um pouco mais da matéria. Diga-se: noções básicas de álgebra no que se
refere a grupos, conjuntos e propriedades que, articuladas, dão origem a estruturas
matemáticas que são a base do relacionamento da matemática, psicologia e
Codigo Disciplinas Complementares Horas Créditos
EDD 638 Oficina de matemática (P) EDD 352
45 2
123
pedagogia, que são explorados de forma subliminar nos programas das séries
iniciais, especialmente no programa do CP II.
Outras diferenças são determinadas, fundamentalmente, a partir do público-
alvo: os estudantes das séries iniciais – as crianças de 5,5 a 10 anos – e, no 2º
segmento, os adolescentes de 11 a 15 anos, na exata correspondência idade/série.
A idade do estudante e seu grau de maturidade para compreensão de determinados
conteúdos escolares indicam que essas matemáticas devem diferir.
O programa de matemática das escolas de formação de professores era
composto por conteúdos do curso primário - sem maiores aprofundamentos. O
professor repetia, no ensino médio, o que os alunos tinham aprendido no primário.
Por isso, a matemática era mais fácil e permitia o sucesso escolar de muitos jovens
que tinham dificuldade na disciplina, fato que, em boa medida, orientava a escolha
de estudantes normalistas.
Um aspecto a ser destacado quanto à formação profissional e acadêmica
inicial e continuada dos professores que ensinavam matemática nas séries iniciais, é
que eles não precisavam, e ainda hoje não precisam, ter qualquer formação
específica em matemática. Quando os professores possuem alguma graduação,
pode ser em qualquer disciplina. Além disso, os cursos de Pedagogia que formam
professores para as séries iniciais ainda têm formado professores polivalentes.
Pode-se observar que o quadro de professoras que lidava com o ensino de
matemática no CP II até a criação do Pedrinho era constituído somente por
graduadas em Licenciatura Plena em Matemática. Se havia algum debate sobre o
ensino da disciplina, era nesse campo, e com a profundidade que a disciplina exigia,
pois todas tinham a mesma graduação.
Pode-se dizer que uma das consequências iniciais dessa diversidade que
aportou no Colégio foi o desencontro entre as professoras de matemática do
fundamental II e as professoras de 1º ao 5º ano que lecionavam matemática,
principalmente, no 4º e 5º anos. Isso pode ser explicado pela formação inicial. As
professoras do Pedrinho dominavam um saber mais afeito ao campo da pedagogia e
da metodologia, e menos das disciplinas específicas; porém, as professoras
licenciadas em Matemática tinham um campo de conhecimento mais completo na
especificidade da disciplina.
124
O QUE FIZERAM / o que vieram fazer, para que vieram
As professoras primárias polivalentes lecionavam atividades, conforme dizia o
Parecer 853/71. Não lecionavam disciplinas; portanto, não precisavam ser
especialistas. De um modo geral, tinham formação com prevalência em didática e
metodologias (como ensinar). O fato de lidar com crianças de 6 a 10 anos as
aproximava de uma relação familiar próxima à primeira infância, o que sugere um
tratamento de tom materno. Os anos iniciais da educação infantil eram tratados
como maternal e jardim da infância. E nas séries iniciais, o curso primário ainda lida
com a primeira infância. Todo esse tempo de infância em que as crianças precisam
de muita atenção e cuidado está relacionado com o nível de atuação da professora
primária que trabalha com atividades infantis, jogos e também brincadeiras. Dessa
forma, quem não quer ver a seriedade, o valor e a importância do aspecto lúdico do
qual devem se revestir as atividades nesse segmento acaba por reduzir o trabalho
da professora primária a simples brincadeira. Algumas professoras do CP II
lecionavam em outras escolas públicas municipais ou estaduais e também em
escolas particulares. Com isso, traziam experiências. Algumas também lecionavam
em diferentes segmentos e diferentes disciplinas no fundamental II e médio. Outras
traziam essas experiências no ensino de matemática porque eram licenciadas na
disciplina e outras mais ingressavam no magistério pela primeira vez, tendo o CP II
como seu primeiro e único emprego.
OS EFEITOS
Com vistas à compreensão de como foi o relacionamento entre professoras
que lecionavam na mesma escola, mas em segmentos diferentes, pode-se
investigar o que toca aos aspectos que promovem essa diferenciação - que
entendemos como preconceito porque discrimina, segrega e desvaloriza. Quando a
primeira turma do Pedrinho chegou ao Pedrão (1987) na unidade escolar São
Cristóvão (UESC), as professoras do Pedrão pediam que os aluno(a)s do Pedrinho
se identificassem e, como num esquema de classificação, discriminavam aluno(a)s
oriundos do Pedrinho e alunos vindos da seleção. Identificados, a professora dizia:
“A partir de agora, acabou a brincadeira!”. Isso porque nas salas havia dois grupos
de aluno(a)s: os que vinham do Pedrinho e os que entravam no Colégio através de
125
concurso de seleção, tendo se preparado em cursos “pré-vestibulinhos”. Tal fato
gerou muito desconforto no Colégio entre as duas categorias de professoras que,
naquele momento, explicitavam seus posicionamentos ante o trabalho do novo
segmento. Ficava evidente que havia duas categorias de Professoras, duas
categorias de alunos e alunas em dois Colégios. Qual seria a identidade dos corpos
docente e discente do CP II enunciada a partir dos planos de matemática praticados
no ensino fundamental?
Estava posto um desafio: a disputa pela hegemonia do discurso sobre o qual
a proposta de ensino de matemática viria a ser praticado no Colégio, uma vez que
as atividades de matemática passariam a ser definidas e desenvolvidas por
Professoras sem formação específica na matéria.
O prestígio das professoras primárias no CP II foi garantido por uma
“blindagem” obtida pela força política que o Diretor Geral Tito Urbano deu às
professoras do Pedrinho, o que causou um impacto que poderia ser caracterizado
como “sinal de ciúmes” entre as professoras mais antigas do Pedrão. Porém ao
historiador não cabe julgar (Bloch, 2001), mas sim averiguar os fatos e investigar os
fatores determinantes do que se poderia chamar de choque de concepções e de
culturas. De todo modo, foi necessário administrar algumas idiossincrasias.
A disputa pelo poder no campo discursivo que se dava no Colégio era sobre
quem iria formular as orientações teóricas e metodológicas na matemática do ensino
fundamental. Seriam os docentes do departamento de matemática histórico com
discurso conservador e elitista, ou as professoras do Departamento do 1º Segmento
do Ensino Fundamental, ainda sem história consolidada ou com bem pouca história,
chefiado por mulheres, que toda a comunidade escolar chamava de Pedritas, com
outro discurso, ainda uma página em construção? O discurso foi construído por
Professoras primárias, polivalentes, não especialistas em matemática.
Essa diferenciação aponta para o lugar social em que se situam a Professora
Primária e a Professora especialista, notadamente em matemática, do lugar social,
do status no campo do magistério em geral e, em particular no CP II. Esse
tratamento guarda semelhança com questões em que estão em pauta as relações
de poder e os discursos que constituem as identidades, no caso, dessas professoras
126
que se diferenciam por serem polivalentes ou especialistas, pelo segmento de
atuação e, portanto, a faixa etária dos alunos e alunas com quem trabalham.
Há outra situação a ser analisada: das professoras especialistas quando
recebiam os alunos do Pedrinho (anos iniciais). Após a criação do Pedrinho, em
1987, as unidades II – Pedrão passaram a receber alunos e alunas do Pedrinho que
passavam para o 2º segmento (anos finais) sem passar pelo tradicional exame de
seleção. Esses alunos vinham direto, sem outra seleção senão as provas regulares
aplicadas no 1º segmento. As Professoras especialistas do Pedrão pediam que os
alunos se identificassem e diziam para o grupo identificado de alunos do Pedrinho, e
numa fala preconceituosa desqualificavam o trabalho anterior tratando a brincadeira
como se fosse algo inconveniente ou inadequado. Neste ponto concentra-se a
incoerência, conflito e contradição. Os alunos e alunas do Pedrinho aprovados sem
seleção e também todo(a)s o(a)s outro(a)s que prestavam o exame de seleção
ainda eram crianças. É bem verdade que muitos dos alunos que ingressavam no
Colégio através do exame de seleção haviam passado por cursinhos preparatórios
para concursos, os pré-vestibulinhos e com isso vinham mais “adestrados” e com
mais conteúdo; porém, não vinham menos infantis. Talvez um pouco mais
disciplinados, apenas talvez. Nessa ocasião, o conjunto de especialistas explicitava,
de forma inequívoca em sua maioria o fato de não gostarem de trabalhar com a
antiga 5ª série (atual 6º ano), pois dava trabalho demais e status de menos.
Nos programas de 4ª e 5ª séries, (atuais 5º e 6º anos) pode-se notar, em um
bom número de casos, que a matéria da 5ª série era em grande medida uma
repetição da matéria da 4ª série, o que registrava o traço de uma corrida para
antecipar conteúdos da série seguinte. Por isso os cursos preparatórios para as
seleções de 4ª e 5ª séries terem sido chamados de minivestibulares – ou
“vestibulinhos”.
Por que isso acontece? Com o que se está lidando? Para buscar a história
desses acontecimentos para compreender o que justifica essas atitudes frente ao
ensino da Matemática, deve-se entender o que as professoras (primárias ou
especialistas) representaram e, a partir daí, traçar algumas relações que possam
compor um cenário, um quadro que revele essa cena e dê um pano de fundo para
127
buscar a compreensão. Essas professoras operam através de um conjunto de
práticas que envolvem um discurso e um método.
O QUE REPRESENTARAM AS PROFESSORAS PRIMÁRIAS DO CP II
“Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde afinal está o perigo? (Foucault, 1996, p.8)
Buscar encontrar esses “perigos”, essas ameaças, esse desconforto é uma
possibilidade de desvelar uma chave que revele as motivações que provocavam as
interdições nos discursos sobre o ensino da matemática produzidos pelas
professoras do Pedrinho e as do Pedrão bem como descobrir por que ocorriam e
quais eram. Foi identificada uma disputa travada pela hegemonia sobre o texto da
matemática que viria a ser produzido no ensino fundamental do Colégio com a
criação do Pedrinho. Também porque o CP II passou a construir outro ideário de
qualidade tendo como âncora o 1º segmento pois com isso passou a ser uma escola
completa na atualidade. Esse novo Colégio veio trazendo de novo o movimento de
vanguarda da educação tal como ocorrera em 1929/30, com a atenção ao ensino
primário com ênfase na educação de crianças dos 7 aos 14 anos, considerando o
aluno(a) como centro do processo de ensino-aprendizagem. O movimento de
atualização/reforma do ensino da matemática encontrou uma nova porta de entrada
no Colégio, a porta do Pedrinho e pelas mãos das professoras primárias. Que
problema que pode haver no fato de as mudanças para a matemática serem
propostas por suas usuárias e não por suas formuladoras? “O discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo por
que, pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar”. (Foucault, 1996,
p.10).
O que aconteceu – e acontece - no Colégio com relação ao que
inicialmente será tratado como diferença de metodologia para o ensino da
matemática no 1° e no 2° segmento do CP II, passava pelo desejo de apropriar-se,
empoderar-se e, por fim, apoderar-se desse texto que alterou a narrativa da história
do ensino da matemática no CP II - o que se pode ver nos planos de matemática
das séries finais, através de um texto em que também se apresentam referencias
baseadas na teoria de Jean Piaget. Quais seriam os atores a protagonizar esta outra
128
história e que história seria essa, é o que se busca discutir trazendo à tona algumas
possibilidades para a reflexão e indicando alguns traços dessa trama constituída
com a proposição de um modelo para o ensino da matemática que, apesar de estar
contido no movimento de reforma, atualização e democratização do ensino dessa
disciplina/atividade, não era praticado no Pedrão da mesma forma como foi previsto
para o Pedrinho.
Desde a alta idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que a sua palavra seja considerada nula ou não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um contrato. (Foucault, 1996, pp. 10/11)
Como se pode buscar compreender a palavra da professora primária no CP
II, uma profissional de formação precária (MARCÍLIO, 2005), como podem seus
saberes, seu discurso, sua produção validar um programa de ensino, “ ... autenticar
um contrato”, o programa de ensino do CP II, ainda que sendo no primário? Como
pode uma docente submetida a uma formação que vem sendo sistematicamente
deteriorada, como afirma Marcílio, ser portadora ou ter um discurso que comporte “
estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o
de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode
perceber?" (Foucault, 1996, p.11).
Como poderia a professora primária apresentar-se dominando e praticando
uma matemática, pois não importa qual matemática, a quem está dirigida, em que
fase, se a matemática era historicamente domínio das expertises. Assim a palavra
da professora primária do CP II poderia ser equiparada a palavra do Louco
(Foucault, 1996, p.11), “a palavra que não era ouvida (...) ou caía no nada, rejeitada
tão logo proferida; ou então nela se decifrava uma razão ingênua ou astuciosa, uma
razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis.” De qualquer modo, excluída
ou secretamente investida pela razão, no sentido restrito, ela não existia. “Era
através de suas palavras que se reconhecia a loucura do Louco; elas eram o
LUGAR onde se exercia a separação, mas não eram nunca recolhidas ou
escutadas”. (Foucault, 1996, p.11)
Esse destaque em Foucault oferece uma oportunidade para compreender o
que aconteceu no início da trajetória do curso primário no CP II, especificamente no
129
que se refere à construção da proposta de ensino de matemática para o 1°
segmento. Ficam definidos simbólica e fisicamente os lugares de cada discurso. As
unidades escolares, os departamentos pedagógicos, os Pedrinhos, o Pedrão e a fala
das “Pedritas”.
Jamais antes fim do século XVIII, um médico teve a ideia de saber o que era dito (como era dito, por que era dito) nessa palavra que, contudo, fazia diferença. Todo esse imenso discurso do Louco retornava ao ruído; a palavra só lhe era dada simbolicamente, no teatro onde ele se apresentava desarmado e reconciliado, visto que representava aí o papel de verdade mascarada. (Foucault, 1996, pp.11/12 )
Demorou-se muito a pensar em estudar o que estava por trás da
matemática ensinada no primário, que era uma reprodução ligeira do que se dava
aos jovens e adultos, ou, quando feita para crianças não passava de brincadeira de
fazer contas com muitos desenhos. Talvez, em função disso, as professoras peçam
que em programas de capacitação que se lhes apresente uma maneira de fazer a
matemática mais prazerosa, e pedem para saber de onde vem e para onde vai a
matemática que é vista no primário. O que são as tais estruturas algébricas? Isso
não é perguntado. Diante do fato de essas professoras virem a hegemonizar esse
texto, qual seria a estratégia para disputá-lo? Interditá-las, “Ignorar, não dar retorno,
fingir que não houve / ouve . . .” (Foucault, 1996, p.14), através da interdição do seu
texto, do seu discurso, desqualificando seus saberes por não conterem mais
matemática. “Se é necessário o silêncio da razão para curar os monstros, basta que
o silêncio esteja alerta, e eis que a separação permanece.” (Foucault, 1996, p.13)
O difícil diálogo na prática das teorias de aprendizagem, os princípios
teóricos e metodológicos com os conteúdos de matemática explicitam, talvez, o
impedimento dessas escutas. Contudo os conteúdos de matemática apresentados
no único programa sistemático de formação realizado no CP II após a criação do
Pedrinho não foram aprofundados, mas a parte teórica e metodológica convenceu
de tal forma o grupo de professoras que garantiu que essa proposta fosse parâmetro
e alterasse em certa medida o texto do programa de matemática do Pedrão, ainda
que a incorporação das mudanças tenha acontecido de forma desigual entre os
segmentos. Contudo, pode-se perceber certa permeabilização no trecho do PGE de
Matemática de 1991 nas suas considerações preliminares:
130
O desenvolvimento de conceitos na criança deve, procedendo do modelo físico, passar pelo simbólico e atingir o abstrato. O desenvolvimento da linguagem matemática é processo gradual que envolve capacidade de descrição e de retenção ao longo de vários estágios. (PGE de Matemática, 1991)
O Pedrão permite-se em seu discurso insinuar as contribuições das teorias da
aprendizagem e em sua estratégia didático pedagógica para a 5ª e 6ª séries prevê:
1. Desenvolver o ensino intuitivo dentro de uma estrutura didática, para possibilitar a percepção sensível e o pensamento; 2. Recorrer à intuição, de forma viva e concreta, para interpretar a essência do que foi ministrado e relacionar o universo da matemática com os problemas do mundo real. 3. Evitar permanentemente raciocinar pelo educando, deixando-o concluir, por si mesmo, determinadas fases da exposição, através do raciocínio intuitivo.
Na medida em que a instituição admite a hierarquização em seu interior, a
partir das práticas discursivas de seus atores, quando pretende manter a hegemonia
sobre o discurso deve considerar que essa hierarquização não se dá sem pressão,
sem violência (os autoritarismos) e sem resistência. Uma resistência que provoca
um tensionamento que faz emergir uma falsa oposição (Foucault, 1996): razão
(Pedrão) entendida como uma fala de quem sabe x loucura (Pedrinho), um discurso
não autorizado de quem não sabe matemática.
No CP II os investimentos sobre o ensino da matemática foram determinantes
à compreensão deste quadro. As professoras primárias foram as novas
protagonistas que passaram a atuar no Colégio, a partir de 1984. Elas foram
tratadas como “filhas” por sua juventude, daí o tratamento que sempre justificou-se
como carinhoso de “Pedritas” (em referência à filha da família Flinstone). Filhas de
Pedro... Pedritas. Ser professora do CP II significava ter sido aprovada em concurso
público bastante concorrido para ingressar no quadro docente dessa tradicional
escola. Entrar era apenas a primeira parte. Atuar, intervir era o que dava sentido a
ser professora no CP II.
O ensino de matemática, como discurso de verdade, dá sustentação à
exclusão baseado na ideia de que somente alguns são capazes de saber
matemática; matemática não é para todos, e isso é legitimado por um suporte
institucional apoiado por uma vontade de verdade (Foucault, 1996), na medida em
131
que é quase natural ou já se espera que um grande número de alunos fiquem para a
prova final ou mesmo que repitam o ano por causa da matemática.
Quem problematiza esse discurso de verdade através de sua própria
contradição, e também conflito, é a professora primária, que é a base de
sustentação da educação básica, atua em todas as escolas públicas e particulares e
confessa, em grande parte, que tem “problemas” com a matemática.
Em função disto sua palavra é proibida, interditada e quando passa os
estudantes aos cuidados da professora especialista, o que na educação básica
corresponde a 7 anos, esta última tenta desqualificar o trabalho anterior,
menosprezando o que o ensino primário tem de precioso, que é aliar aprendizagem
e ludicidade. Ao tratar a brincadeira como algo não sério, não merecedor de
atenção, como coisa de criança, sem consequência porque não atende, ignorando o
formalismo, o rigor da matemática. Quem assume a atitude de desqualificar a
brincadeira mostra ignorar que formalismo e rigor são bastante impróprios e
improdutivos nesse segmento.
Para as especialistas em matemática que atuam no 2º segmento e no ensino
médio, de maneira geral, a matemática deveria ser rigorosa, e não necessariamente
prazerosa. Nesse sentido a Professora Primária encarnaria a louca, a criança, a
ignorante de Foucault, e teria seu discurso proibido, interditado nos anos finais e no
ensino médio da escolarização básica. Isso acontecia de forma bastante acentuada
logo que o Pedrinho foi criado, mas esse cenário foi se tornando permeável às
alterações na cultura escolar em seu interior; porém, as alterações ocorreram no
sentido de o Pedrinho ir perdendo sua identidade mais autêntica, o conteúdo da
proposta foi um pouco esvaziado.
Observando algumas fichas técnicas de livros didáticos para os anos iniciais é
possível verificar que as professoras/autoras não se apresentam como professoras
primárias/polivalentes, e sim como pedagogas e/ou licenciadas. Isso pode nos levar
a crer que o título de Professora Primária num livro de matemática, ainda que seja
para o 1º segmento, não confere status às autoras, mesmo sabendo que o melhor
da experiência que agrega os melhores e mais preciosos valores ao livro vem da
132
experiência em lecionar nas séries iniciais, portanto devido à sua habilitação de nível
médio para lecionar de 1ª a 4ª série.
Contudo, esse velho discurso da verdade, da matemática para poucos, que
há bastante tempo vem sofrendo um grande desgaste, ainda encontra alguma
sustentação que o mantém na medida em que pouco se alteram os currículos de
formação de Professoras no sentido de incluir mais conteúdos pedagógicos ou da
filosofia e psicologia de educação Matemática. Constata-se que ainda é dada muita
ênfase aos conteúdos matemáticos estritos como se a Matemática não passasse
disso. Para compreender o que se passa vale recorrer a outro questionamento
apresentado por Foucault:
E a razão disso é talvez esta : é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce poder na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder? (Foucault,1996, p.20)
4.5 O IDEÁRIO, as crenças e a vontade de verdade
sobre o ensino da Matemática no CP II.
Raja Gabaglia, Euclides Roxo e Almeida Lisboa
Vontade de verdade: apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos (...) uma espécie de pressão e como um poder de coerção. (Foucault, 1996, p.18)
Entre o Pedrinho e o Pedrão existia uma lacuna produzida pela diferença
entre o discurso historicamente elaborado sobre o ensino de matemática e o novo
texto que foi trazido pelas professoras primárias. Existia uma dissonância inicial
entre as concepções, ideias com relação ao ensino da Matemática, à metodologia e
a orientação teórica sobre a construção do conhecimento em Matemática. Uma
questão que mobilizava as professoras do 2º segmento do fundamental referia-se ao
fato de que a sistematização e uso de símbolos não eram prioridades nessa
concepção curricular predominante entre as professoras do 1º segmento.
De onde vinham essas diferentes concepções? Esse é um problema que a
discussão sobre esse ideário ajudará a compreender, mostrando vestígios sobre as
133
matemáticas praticadas no Colégio e estabelecendo uma relação com o que veio a
afetar a formação continuada das professoras.
As lutas de representação em torno de ser professora do CP II, não
importando o segmento e a disputa pela hegemonia do que viria a ser o ensino da
matemática no curso fundamental, haveriam de passar, transpor ou transformar o
que era estabelecido sobre a matemática no Colégio para dialogar sobre esse texto
e, enfrentá-lo, entendendo que: “A realidade está em permanente transformação
através da nossa ação criativa. (...) Introduzindo novos fatos, produto de nossa ação
individual ou de uma ação comum”. (D’Ambrosio, 2001, p.118).
Essa narrativa vem buscando capturar essas ações individuais e coletivas
para responder a questão central e mais uma vez precisa encontrar os homens
dentro do CP II e num tempo mais adiante, as mulheres, como vimos.
Nesse sentido procuramos ver como funcionava o ensino de matemática no
colégio num tempo de transformação, conhecer o ideário e encontramos educadores
matemáticos que, por pouco não colocaram o CP II como um grande pólo de
educação matemática desde o início do século XX, mas ainda assim,
protagonizaram e mesmo estabeleceram importantes transformações como no caso
Euclides Roxo, reconhecido e citado em análise crítica ao colégio, Choeri (s/d)
comenta comparando o potencial dos professores do colégio com os da escola
politécnica (Escola de Engenharia):
Os professores Lisboa da Cunha, Euclides Roxo, Josué da Fonseca, José Carlos de Melo e Souza e Julio Cesar de Melo e Souza, Jorge Kubrusly, Lauro Pastor, José Buarque de Santa Maria se distinguiram na docência sem, no entanto, introduzirem grandes inovações metodológicas. (Choeri, s/d, p. 20).
Esse texto sobre o “ideário” é composto por crenças e vontade de verdade em
torno da tradição, modernização e conservadorismo. Para representar esse ideário
serão destacados os professores de matemática, catedráticos, Raja Gabaglia,
Euclides Roxo e Almeida Lisboa.
Discurso verdadeiro – pelo qual se tinha respeito e terror (...) era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido.” (...) era discurso que profetizava o futuro, não somente anunciava o que ia se
134
passar, mas contribuía para a sua realização, suscitava a adesão dos homens e se tramava assim com o destino. (Foucault, 1996, p.15)
Em matemática pode-se constatar isso através da firmeza ou da fragilidade
em torno de alguns enunciados.
Através de citações de Gabaglia pode-se capturar a tradição, já com Thiré e,
notadamente com Roxo, vislumbra-se a modernidade; e com Almeida Lisboa capta-
se o conservadorismo. A partir daí localiza-se a disputa pela hegemonia do discurso
sobre o ensino de matemática que será praticado no Colégio.
Sobre o que se passava dentro do Colégio com relação ao ensino de
Matemática – o ideário e a transformação dessas crenças, merecem citações
extraídas de Valente (2003), sobre as influências sobre o ensino da matemática, que
perpassavam os enunciados ditados pelos seus catedráticos e professores ditos
ilustres pelo fato de exercerem suas atividades docentes no Colégio. Esse ideário
atravessou o século XX e foi em meio a este texto atravessado pela tradição,
conservadorismo e modernidade que a proposta do Pedrinho veio a ser lançada.
Pode-se dizer que esse era um dos enunciados que compunham o ideário
sobre a matemática no CP II no final do século XX, quando foi criado o Pedrinho,
em1984. Eles foram, de certa maneira, reeditados e reeditá-los foi o desafio da
equipe que operou a matemática no primário do Colégio.
Caminhou-se desde Euclides Roxo através de suas ponderações para
verificar como se encontrava o Colégio em 1984, a fim de entender as permanências
do discurso e onde se poderia dialogar e avançar no sentido de consolidar e
aprofundar, ou mesmo dar continuidade, ao movimento de reforma da matemática
que passava por uma reedição após um momento de refluxo. “Tão exagerada
preocupação de prematura organização lógica deu ao ensino um cunho quase
inacessível à maioria dos jovens. A dificuldade no estudo da matemática tornou-se
por assim dizer, proverbial” (Valente apud Roxo, 1937, p.160).
Tal situação não poderia deixar de despertar a atenção daqueles que,
primeiro, passaram a não considerar exclusivamente o objeto de ensino (a disciplina
ou matéria a ser ensinada) passando a dar um pouco de atenção ao sujeito, o ser
humano, que deve receber o ensino.
135
Um debate em torno da tradição, modernidade e conservadorismo, permitiu e
permite ainda hoje elencar que se trata aqui por crenças, e refletir sobre como
ensinar matemática no CP II e debater o conflito provocado a partir dessas crenças.
É possível ainda detectar algumas permanências nas ideias que sustentavam
o ensino de matemática no Colégio por ocasião da criação do Pedrinho e o que as
professoras primárias tiveram que enfrentar, questões que estavam explicitadas no
ideário conservador de Lisboa. O debate das ideias em favor da
reforma/modernização do ensino de matemática e das posições
contrárias/conservadoras era travado entre professores de matemática do próprio
Colégio. A afirmativa de Lisboa “estamos formando uma geração de ignorantes” foi
reverberada veladamente/subliminarmente em vários contextos de reuniões de
professore(a)s do CP II, a tal ponto de se aplicar prova aos aluno(a)s oriundo(a)s do
Pedrinho, especificamente, quando há muito tempo não havia mais o exame de
seleção interna.
No Pedrinho de 1984/87 essa disputa foi de certa maneira revisitada, com a
diferença de que a disputa pela hegemonia do texto sobre o currículo da matemática
se dava entre catedráticos, homens de mesma formação, contemporâneos que,
apesar de terem diferenças mesmo em algumas concepções para o ensino, tinham
a mesma base comum e atuavam no mesmo segmento de ensino e contexto
educacional. Eles falavam do mesmo lugar já afirmado. O debate tinha o mesmo
princípio pois tratava-se do embate entre o conservadorismo e a modernização.
No Pedrinho, os sujeitos que disputavam falavam de lugares sociais distintos,
da escola normal de nível médio e das licenciaturas (nível superior). Eram
professoras polivalentes, professoras primárias versus professoras especialistas. A
fala do Pedrão – padrão, tradicional versus a fala do Pedrinho, uma página em
construção.
O discurso conservador não havia mudado muito, era difícil aceitar que a
matemática deveria estar ao alcance de todos e todas. Facilitar o acesso à
matemática significava descaracterizá-la, rebaixá-la, baixar o nível do ensino. Ouviu-
se a mesma ideia em 1984/87. Ouviu-se um discurso com a crença na educação da
elite, para se manter elite e, para tanto, havia de se criar mecanismos de seleção e
exclusão. Dessa forma estaria a serviço da classe dominante, entendida como a vilã.
136
RECONHECENDO EUCLIDES ROXO53:
Delgado de Carvalho, seguido de Euclides Roxo, quando dirigiram o Colégio Pedro II, tentaram ambos, imbuídos e entusiasmados pelas idéias de Jonh Dewey, implantar modificações na estrutura educacional do educandário e sob a influência das teses defendidas pela Escola Nova, foram mal sucedidos . . . Bloqueados ... (Choeri, s/d, p. 21,22).
1929 – Reforma do e3nsino da Matemática no CP II
1929/31 – Presença de Roxo na ABE fazendo parte da comissão do ensino
secundário
1931 – As ideias de Euclides Roxo foram adotadas na reforma Campos
1932 – Lançamento do Manifesto dos Pioneiros. Roxo diretor do CP II. Certamente
teve posições frente às ideias desses intelectuais escolanovistas.
Movimento Escola Nova: deu ênfase aos “métodos ativos” de ensino aprendizagem;
importância à liberdade da criança e aos interesses dos estudantes, adotando-se
métodos de trabalho de grupo.
1935 – Terminou a gestão de Roxo como Diretor Geral do CP II, cargo que exercia
desde 1925. Foi diretor do internato e do externato.
1937 - Nomeado Diretor de Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde.
Fez parte de comissão com essa finalidade na ABE.
1942 – Roxo também desempenhou papel de destaque na reforma Capanema
(1942 – Lei Orgânica do Ensino Secundário).
1950 – Morreu jovem, aos sessenta anos (1890/1950), deixando seu legado para o
ensino da matemática no Brasil. Suas ideias foram polêmicas, produziram
acalorados debates públicos, foram firmemente criticadas por colegas do CP II. O
Colégio apresentou traços de realmente ter em seu interior espaços de contradição
que ajudaram a caracterizá-lo desde os idos de 1929/30, quando em meio a um
período autoritário ele conseguiu conduzir o debate em torno de idéias
53
Síntese e comentários para um breve reconhecimento da figura do Professor Euclides Roxo organizada a partir dos textos in Valente, 2003.
137
modernizadoras, sendo ele mesmo um antirrevolucionário. É interessante verificar o
destaque que Roxo atribuiu à visão psicológica na educação, o que no Pedrinho
correspondeu à ênfase aos aspectos ligados à psicologia genética baseada em
Piaget que vinham sendo debatidos, aprofundados e serviam de referência a muitos
textos usados no 1º segmento nas décadas de 1980/90.
Aqui, essas ideias trazidas por Roxo, em 1937, podem remeter às interdições
ao discurso no que toca à distribuição da informação, à divulgação. Foi observado
que pouco se falou de Euclides Roxo associado à educação dentro do CP II em um
momento em que o discurso da modernização do ensino da matemática voltou ao
Colégio nos encontros dos departamentos do 1º segmento e de matemática.
Debateu-se Piaget, encontrou-se muita resistência, mas não se falou de Roxo, pois
este, sendo ele um professor de matemática, na verdade, um educador matemático
não estaria acessível às professoras primárias. Elas não o compreenderiam . . .,
Porém as ideias de Roxo eram as que, em grande medida, davam sustentação aos
princípios trazidos na proposta para o ensino de matemática no Pedrinho, mas as
contribuições de Euclides Roxo não foram trazidas à pauta dos debates sobre o
ensino da matemática em 1984.
O que se pode dizer sobre esse apagamento das idéias dentro do Colégio?
As professoras primárias não tinham argumentos ou informações suficientes para
esse enfrentamento nesses termos; as licenciadas também não. Não houve tempo?
Talvez, quem sabe, ou até interesse de se aprofundar estudos sobre educação e
educadore(a)s matemático(a)s. Fato é que foi perdida uma ótima oportunidade na
ocasião de trazer essas contribuições, que não foram poucas, para o debate,
atualizando-o.
“A vontade de verdade como outros mecanismos de exclusão, apoia-se no suporte
institucional garantido por um conjunto de práticas (as provas). (Foucault, 1996,
p.17)
Os investimentos sobre o discurso que sustentavam o ideário sobre a
qualidade do ensino de matemática era sustentado pela chancela do nome do
Colégio e pelo fato de o grande educador matemático, um ícone do movimento da
reforma da matemática no país, especialmente no CP II, ter sido diretor geral do
Colégio e membro do Conselho de Educação nos idos de 1930. Além do fato de os
138
professores do Colégio protagonizarem importantes debates sobre educação
matemática no período das primeiras reformas educacionais, mais notadamente nas
reformas Campos e Capanema. O Prof. Euclides Roxo, catedrático e diretor geral do
Colégio, influenciou as orientações para o ensino da matemática no país. Seus
argumentos ensejaram acalorados debates o que também contribuiu para a sua
projeção no cenário educacional do país.
139
CAPÍTULO 5
O PROGRAMA DE ENSINO DE MATEMÁTICA PARA AS SÉRIES INICIAIS
DO COLÉGIO PEDRO II
Figura 1: Esquema de Encadeamento dos Conceitos (PGE1986) Esquema original, manuscrito apresentado pela autora da proposta Profa Diva Noronha
140
5.1 A PROPOSTA PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA QUE VEIO A SER
PRATICADA NO PRIMÁRIO DO COLÉGIO PEDRO II
Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que ele fabrica, tudo o que ele toca, pode e deve informar sobre ele. (Bloch, 2003, p. 79)
O ensino de matemática elaborado para seu jovem curso primário não fugiu a
consígnia de protagonista das alterações em educação e trouxe sua contribuição
projetando-o mais uma vez. Para efeito desse estudo consideraremos que a
proposta foi um texto, um discurso que constrói e alicerça relações de poder entre
quem sabe e quem “não sabe” matemática e a partir daí, será tratado como um
importante campo de disputa discursiva no CP II, em torno da hegemonia desse
texto. Para compor esta análise serão considerados os sujeitos e as relações que se
estabelecem a partir da constituição deste discurso com relação às interdições
impostas para a apropriação do mesmo, uma vez que quem detinha o poder de
enunciá-lo e anunciá-lo no CP II antes da criação do Pedrinho, quem hegemonizava
esse texto, eram aquelas Professoras que possuíam Licenciatura Plena em
Matemática e assim foram durante muito tempo.
A proposta apresentada para análise foi descrita em planos gerais de ensino
oficiais que vieram a guiar o processo de ensino e aprendizagem de matemática
para o recém inaugurado 1º segmento no CP II. Este Plano era o PGE – Plano Geral
de ensino, uma publicação de circulação interna ao Colégio, que apresentava
princípios, objetivos e programa de ensino, plano de curso que deveria ser seguido
por todo e cada departamento pedagógico.
Os PGEs eram apostilas de páginas espiraladas, destinada aos professores e
professoras do departamento do 1º segmento, e desta maneira funcionavam como
guia de orientação curricular que continha a proposta programática para o curso de
cada disciplina no Colégio e que conduziam e regulavam todo processo de ensino,
aprendizagem e avaliação de alunas e alunos em todos os departamentos
pedagógicos do Colégio.
Esses planos tinham uma parte geral comum destinada a todos os
Departamentos e a apresentação geral do Colégio, da estrutura, dos princípios
141
gerais, caracteriza os setores SOE e STEA e tratava do sistema de avaliação. Em
seguida vinha a parte específica com as diretrizes do departamento e que discorria
sobre os conteúdos programáticos de cada departamento.
Os planos de ensino disponibilizados para esta pesquisa, abriam com créditos
que demonstravam a estreita relação do Colégio com o Ministério da Educação, em
seguida vinha a relação do staff que compunha a direção administrativa e
pedagógica do Colégio, diretore(a)s de unidade, secretário de ensino, chefe de
departamento, membros da congregação e conselho de curadores, mais adiante
uma apresentação geral do Colégio, logo após a apresentação do Pedrinho feita
pelo Diretor Geral e no final da abertura, as “palavras da chefe de departamento”.
Essas aberturas tiveram alterações em diferentes edições. Nos PGEs havia uma
parte comum que falava do Colégio como um todo e uma parte específica com as
diretrizes do departamento. O texto inicial era de caráter ideológico e unificador que
fazia a apresentação à comunidade do Colégio e à sociedade, a estrutura técnico-
pedagógica, a sistemática de avaliação e o texto de cada disciplina que consolidava
o ideário em cada proposta de programa de ensino com a relação de conteúdos
programáticos. No plano também constava uma nominata da(o)s docentes do
departamento. Cada departamento elaborava seu plano e com base nele
desenvolvia seu programa de ensino. Os planos de ensino eram/são feitos pelos
respectivos Departamentos, mas está previsto para sua elaboração reuniões para
integração dos conteúdos.
Os PGEs eram reeditados quando havia alguma alteração significativa no
programa, havendo sempre uma atualização, ou quando um novo grupo de
professore(a)s chegava ao departamento. O plano do Pedrinho foi sendo reimpresso
e atualizado para cada conjunto de professoras que chegavam, mas nas versões
diferentes que foram apreciadas, não havia data de reimpressão.
A proposta de ensino para o primário do CP II foi editada em quatro PGEs.
Foram planos de ensino que resultaram do trabalho da equipe de professoras ao
qual foi incorporado um grupo de assessoras. Houve uma edição para guiar o
processo pedagógico no ano em que o 1º segmento iniciava, que vigorou em
1984/85, em seguida a edição de 1988 já com a idéia de construir uma proposta que
conferisse organicidade e identidade pedagógica ao segmento quando já
142
funcionavam as primeiras quatro unidades de 1º segmento e uma turma de
aluno(a)s do primário já saía para o Pedrão, depois em 1996/97 uma terceira edição
foi lançada quando começou a mudar o formato do plano, sendo editado um livro
para cada segmento contendo por nível todas as atividades/disciplinas. Por último foi
editado o Projeto Político Pedagógico PPP_2001, que foi elaborado por
determinação da LDB 9394/96.
O PPP tinha uma disposição e uma materialidade diferente que alterou de
maneira mais significativa o formato dos PGEs, apresentando todos os planos juntos
em um único plano onde, ao invés de objetivos a serem alcançados, havia uma
relação de competências e habilidades a serem mobilizadas, com o intuito de
promover a construção de um programa interdisciplinar, uma vez que este plano
passou a conter todas as propostas e o conjunto da programação pedagógica de
todas as disciplinas em um só documento, o que pode significar a consolidação de
uma unidade político pedagógica na organização curricular do Colégio e favorecer a
construção da interdisciplinaridade. Esse projeto vem sendo atualizado
periodicamente nas suas propostas curriculares. O texto do PPP pode ser
considerado a carta de identidade pedagógica do Colégio.
Pode-se dizer algo sobre os planos, a partir do lugar onde foram encontrados.
Poucas pessoas têm todos esses planos, não havia uma cópia de todas as edições
no NUDOM, nem foi achado nas unidades escolares. Foi encontrada uma cópia no
arquivo do departamento, outra na secretaria de ensino e outras nos arquivos
pessoais de professoras, de modo que este material ainda não está disponível para
ser facilmente acessado por todo(a)s interessado(a)s.
5.2 BUSCANDO CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA
Os departamentos pedagógicos eram responsáveis por ordenar a elaboração
da estrutura curricular das disciplinas através de um documento, o Plano Geral de
ensino – PGE, esses documentos faziam parte de uma série iniciada em 1981. O
plano era definido com chefe de departamento e o/as coordenadore/as de cada
disciplina nas unidades escolares, após ouvirem o/as professore/as.
A história produzida através desses documentos é a história dos referenciais
que foram utilizados de forma sistemática na elaboração da proposta de ensino do
143
primário do CP II. Os PGEs e outros guias e materiais utilizados serviram para
unificar a proposta curricular do Departamento, tendo sido também usados no
processo de formação das professoras.
Os planos gerais de ensino constituíram importantes instrumentos de
unificação didático-pedagógica e porque não dizer também ideológica (Choppin,
2005), porque em certa medida foram objeto de regulamentação da proposta que
veio a ser desenvolvida em todo o Departamento.
Dos planos de ensino do 1º segmento destacaremos a apresentação e
objetivos gerais, o programa de matemática e vamos nos deter a título de
exemplificação a maneira com que foi tratado o conteúdo “sistema de numeração”.
Em 1984 foi necessário elaborar uma proposta de ensino para o 1º segmento
que naquele momento estava se estruturando e ainda não era um departamento. Foi
feito, então, um primeiro plano PGE/1984 pela equipe de professores, como
podemos ver na transcrição de alguns trechos.
MEC – COLÉGIO PEDRO II DIRETORIA GERAL UNIDADE SÃO CRISTÓVÀO II EQUIPE DE PROFESSORES OBJETIVOS EDUCACIONAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU Currículo Comunicação e Expressão: Língua Portuguesa, Teatro, Música, Biblioteca, Artes Plásticas e Educação Física Integração Social Iniciação à Ciência Iniciação à Matemática (PGE_ 1984)
Este primeiro plano não continha palavras de abertura do Diretor Geral, que
apresentassem este novo segmento do Colégio à comunidade, mas podemos
verificar os objetivos propostos para o segmento.
OBJETIVOS EDUCACIONAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU A prática educativa do Colégio Pedro II será orientada de modo a levar a criança a reinventar o conhecimento e, encorajada pelo Professor, encontrar por si mesma os modos de resolver problemas que desafiem sua curiosidade e que estimulem sua reflexão. Nesse contexto, o Educador deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e passa a ser aquele que proporciona à criança a oportunidade de: Ver e compreender a realidade Expressar a realidade e expressar-se
144
Descobrir e assumir a realidade de ele mesmo ser elemento de mudança da realidade. Com a ajuda dos Professores, as crianças irão desenvolvê-lo, localizando-se com adequação no tempo e nas circunstâncias em que se vive, para chegarem a ser verdadeiramente pessoas, isto é: indivíduos capazes de criar e transformar a realidade em comunhão com seus semelhantes. (PGE, 1984)
Era apresentada a programação curricular estabelecida nessa ocasião
apenas para duas séries (1ª e 2ª séries), pois as unidades escolares do Pedrinho
começavam somente com as duas séries e o curso ia se completando anualmente.
Destacamos deste plano inicial que havia somente uma unidade escolar com uma
pequena estrutura com uma Direção e cinco equipes de coordenação: uma de turno,
uma didático pedagógica, registro escolar, apoio administrativo e a equipe de
regentes. Todas essas equipes eram compostas por Professoras Polivalentes a
exceção da equipe de apoio administrativo que era composta por servidore(a)s não
docentes pertencentes ao quadro administrativo do Colégio.
No que concerne aos objetivos educacionais do 1º segmento destacamos o
trecho abaixo, que diz respeito à Matemática inicialmente inscrita como Iniciação à
Matemática e mais adiante tratada somente por Matemática:
Matemática O ensino de Matemática tem como objetivo: Proporcionar à criança a oportunidade de vivenciar experiências concretas para, através delas, ser capaz de: - Comparar – descobrir semelhanças e diferenças - Estabelecer relações - Concluir - Avaliar Desenvolver o pensamento lógico, através do reconhecimento das estruturas comuns a diversas experiências tanto qualitativas quanto quantitativas. Desenvolver o pensamento lógico, através de experiências no plano concreto, chegar progressivamente às operações no plano abstrato. Promover oportunidade de experiências que assegurem à criança a possibilidade de aplicar processos quantitativos em situações de vida, dentro e fora da escola. Propor atividades tais que, permitam que a criança descubra o gosto de pensar e de usar seu raciocínio para descobrir conceitos ou resolver situações apresentadas. (PGE, 1984)
O primeiro plano (1984) abordava também a metodologia de trabalho
desenvolvida no 1º segmento do 1º grau e nesse trecho podemos notar
marcadamente a orientação do parecer 853/71 e uma preocupação em trabalhar no
sentido de garantir a diversificação, respeitadas as diferenças e observar o aspecto
145
lúdico, apresentando jogos, materiais didáticos buscando desenvolver o trabalho
escolar de forma prazerosa, bem adequada ao ensino deste segmento marcando a
diferenciação que se inseria no Colégio.
A metodologia que acreditamos ser a mais adequada para atingir tais metas, deverá valorizar o sentido lúdico das atividades curriculares, colocando o aluno como sujeito do processo ensino aprendizagem. 1. Criar oportunidades para que os alunos discriminem semelhanças e diferenças que possibilitem a classificação e o estabelecimento das relações entre diferentes seres, objetos e situações; Possibilitar a vivência de situações que envolvam a organização espacial e temporal, estabelecendo relações de ordem, sequência e simultaneidade entre diferentes seres, objetos e acontecimentos. (PGE_ 1984 – grifos meus)
A proposta para o ensino de matemática das séries iniciais do CP II foi
apresentada em quatro PGE’s. Os planos de ensino resultaram do trabalho da
equipe de professore(a)s e a esta equipe foi incorporado um grupo de assessoras
em 1986, que desenvolveram um programa de formação continuada em serviço
Em 1985, com a primeira expansão do segmento já havia a idéia de se
construir uma proposta que unificasse os princípios pedagógicos do departamento
criado em 1986 e uma nova edição foi elaborada em 1986/7, produzido pelas
professoras do Pedrinho já contando com auxílio das assessoras que faziam a
formação das professoras. Este plano será o material que dará suporte a análise da
proposta, podendo ser considerado a primeira orientação curricular unificada para
este segmento no Colégio e deu as primeiras diretrizes para o desenvolvimento do
processo de ensino da Matemática do Pedrinho. Este plano de Matemática foi
elaborado por/com a Profª Diva Noronha – assessora pedagógica de Matemática.
Em 1996/7 foi lançada uma edição comemorativa dos dez anos do Departamento,
com atualizações significativas aos planos anteriores. Encontramos este trecho no
plano de 1988 que explicita alguns pressupostos que pautaram a proposta de
matemática.
PLANO DE CURSO Área MATEMÁTICA 1988 APRESENTAÇÃO A orientação a ser dada à educação matemática depende, naturalmente, da interpretação adotada para o desenvolvimento psicológico ou de aquisição de operações e estruturas lógico – matemáticas. Acredita-se que existe, na função do desenvolvimento da inteligência como um todo, uma gradual e espontânea construção das estruturas lógico –
146
matemáticas elementares e, também, que a lógica não provem da linguagem, mas de fonte mais profunda, podendo ser encontrada na coordenação geral das ações. De fato, antes de qualquer linguagem, num nível puramente sensório – motor, as ações são suscetíveis de repetições e a generalizações constrói, assim, o que se pode chamar de “esquemas de assimilação”. Esses esquemas se organizam de acordo com certas leis e seria impossível negar a relação entre estas e as leis da lógica. Concluindo, seria um grande erro, particularmente em educação matemática, negligenciar o papel das ações e permanecer em nível da linguagem(*). Assim, apresenta-se um programa de educação matemática onde o aluno é colocado como agente da própria aprendizagem. Ao professor, cabe o papel de organizador e de orientador das atividades desenvolvidas pelo aluno, promovendo a reflexão sobre essa ação, necessária à tomada de consciência dos esquemas utilizados. Ao elaborar este trabalho, houve a maior preocupação em transmitir ao professor uma orientação prática e mais clara possível de como utilizá-lo, do que em preservar uma linguagem técnica, na maioria das vezes inacessível ao não especialista da disciplina. Considerando que o desenvolvimento mental do indivíduo depende não só de sua faixa etária, mas também das experiências por ele vivenciadas e, portanto, do meio sócio – econômico - cultural em que vive, optou-se por não fazer um seccionamento dos esquemas a serem desenvolvidos, o que parece artificial. Deixa-se por conta do corpo docente, em face de uma avaliação dos alunos de cada turma e das reações desses alunos durante o processo, o encargo de delimitar o programa de cada série. Num “mapeamento” inicial, procura-se explicitar o encadeamento dos conceitos a serem construídos. Essa construção, atendendo ao nível presumível de desenvolvimento da inteligência dos alunos de 1ª a 4ª séries do 1º grau, parte sempre de situações concretas. Situações que envolvam ações sobre: 1º) os próprios alunos; 2º) materiais concretos (manipuláveis); 3º) relatos de situações familiares ao aluno (concreto – imaginário). É importante observar que, neste processo, a nomenclatura e a notação matemática só devem ser introduzidas após o conceito assimilado. São objetivos gerais da educação matemática: Desenvolver os esquemas lógico – matemáticos próprios da faixa etária do aluno Desenvolver a capacidade de refletir quantitativamente sobre as situações de sua própria vida. --------------------------- (*) Piaget, Jean. Comentários sobre educação matemática. Conferência (PGE_ed. 1988)
Podemos dizer que os planos também cumpriram uma função ideológica
considerando como ideologia a linha teórico metodológica que dava sustentação ao
construtivismo com base na teoria de J.Piaget. Esses materiais eram instrumentos
privilegiados de construção da proposta pedagógica até porque parte do grupo de
professoras que assessoravam o Departamento divulgavam–na. Ao mesmo tempo
faziam parte da estratégia (CERTEAU, 2004) na medida em que eram responsáveis
por difundir o discurso do então criado Departamento, um discurso centralizador.
147
AS INFLUÊNCIAS
É importante destacar um momento no Estado do Rio de Janeiro, a partir do
ano de 1975, quando se dá a fusão54 no estado, sob a intervenção do governo
militar, com o Presidente Geisel. Nesta fusão é promovida a junção dos estados da
Guanabara com o estado do Rio de Janeiro. Na organização deste novo estado a
Professora Myrthes Wenzel foi nomeada Secretária de Educação e sua
administração deixa marcas e influências que também participaram da história do
CP II, particularmente no Pedrinho.
A Professora Myrthes de Luca Wenzel, foi a primeira Secretária de Educação
e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido convidada pelo Governador Faria
Lima para coordenar os trabalhos da equipe encarregada de planejar a pasta da
Educação e Cultura. Ela também foi fundadora da Fundação Centro Educacional de
Niterói - CEN.
D. Myrthes, como era tratada, inicia o seu magistério, convocada por D.
Hélder Câmara, na segunda metade da década de trinta, personagem cuja influência
foi decisiva na sua vida profissional e de acordo com Lobo, 2005, “Vale destacar,
ainda, a criação de uma das mais importantes instituições da administração Myrthes
Wenzel, o Laboratório de Currículos, responsável pela implantação de escolas
experimentais.”
Na UDF, estabelece relações com um grupo de colegas que, juntas, seguirão
tentando implantar “uma escola diferente”. Trata-se do grupo que, sob a direção da
educadora Henriette de Holanda Amado55, reúne-se na recém inaugurada Escola
Brigadeiro Schörtch, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro. Algumas
propostas inovadoras nesta escola diferente pareciam indicar a influência de
54
Em 1º de julho de 1974, o Presidente Ernesto Geisel sanciona a Lei Complementar n º 20 que regula a criação de novos Estados e Territórios e fixa disposições para a fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Os dois Estados passam a se constituir em um só, com o nome de Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975. http://pt.wikipedia.org/wiki/Guanabara. acesso em 16/01/2012 55
Henriette Amado de Holanda – educadora - figura das mais representativas e combativas na luta pela escola pública, desde a época do antigo estado da Guanabara, tinha idéias educacionais inspiradas pela filosofia de Célestin Freinet que serviram de base para a criação do Centro Educacional de Niterói por D. Myrthes. (Lobo, 2005)
148
Celestin Freinet, que D. Myrthes assimilou no Centro Educacional de Niterói e com
tudo que aprendeu criou também o Laboratório de Currículos, como nos aponta o
trecho abaixo:
(...) a disseminação de princípios de uma teoria da educação fundamentada na liberdade do aluno e do professor (que pode experimentar propostas curriculares alternativas) e no caráter progressista e libertário da escola (que D. Myrthes chamou de "Escola aberta"), que se consolida no modelo do Centro Educacional de Niterói e que orientará, nos anos setenta, a proposta do Laboratório de Currículo da Secretaria Estadual de Educação do novo Estado do Rio de Janeiro na gestão Myrthes De Luca Wenzel. (Lobo, 2005)
D. Mythes permaneceu à frente da Secretaria de Educação e Cultura por todo
o período do Governo Faria Lima, mas o Laboratório de Currículos continuou um
pouco mais. O Laboratório de Currículos, este foi o nome dado ao setor que fez
parte da SEEduc_RJ e à equipe de Professoras e Professores que trabalharam sob
a orientação da Professora Circe Navarro Rivas, que teve por tarefa elaborar Guias
de Reformulação Curricular para o Estado do Rio de Janeiro. Boa parte do material
produzido por esta secretaria foi referência para o programa de ensino do primário
do CP II.
Foi elaborada uma proposta de vanguarda para o ensino da Matemática no 1º
segmento contando com o apoio teórico e prático de educadoras que atuavam na
elaboração de programas de orientação curricular e na formação de professoras do
Estado do Rio de Janeiro. Para desenvolver o processo de formação em serviço
contamos com a participação de professoras que organizaram a proposta da
SEEDUC_RJ através do Laboratório de Currículos.
Para o ensino de Matemática, a formação foi inicialmente conduzida pela
Profª Diva Noronha e depois pela Profª Leila Alcure. Tivemos também a contribuição
das Profªs Regina Benevides, Tânia Baldino e em outro momento contamos com a
participação da Professora Manhucia Libermann.
A aproximação com a equipe do Laboratório de Currículos nos colocou dentro
de uma proposta de abordagem estruturalista baseada na Teoria de Piaget, visto
que seus guias apresentavam orientações que nos aproximavam da teoria de Piaget
em quase todas as atividades das séries iniciais neste período.
149
Revisitando os guias de orientação curricular do Laboratório de Currículos da
Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
“Somente o fim de uma época permite enunciar o que a fez viver, como se ela precisasse morrer para tornar-se um livro”. (p. 300)
56
Este material constituiu o que podemos chamar de referenciais curriculares
para o ensino primário no Estado do Rio de Janeiro no período de 1976 a 1983. Em
1985 a equipe do 1º Segmento do Ensino Fundamental do CP II contratou a
assessoria de algumas professoras que participaram da elaboração desta proposta.
Para alfabetização e Língua Portuguesa, foi a Profª Heloisa Villas Boas; para
Matemática, a Profª Diva Noronha e depois a Profª Leila Alcure veio substituí-la; em
Ciências a Profª Maria Antonia e Estudos Sociais, a Profª Tomoko Yida Paganelli.
Para a fundamentação teórica, a Profª Zuleika Abreu. Este grupo foi apresentado
pela Profª Claudia Benvenuto57 que foi uma das formuladoras deste projeto de
caráter pedagógico trazendo uma inovação teórico e metodológica que foi a marca
do ensino primário no CP II durante muitos dos seus 25 anos.
56
Citação sem referência consta em De Certeau, Michel. A Invenção do Cotidiano. p.9. 57
Claudia Benvenuto, professora do 1º segmento do CP II, ingressou no colégio no primeiro concurso para o Pedrinho. Foi a primeira chefe deste novo departamento. Na ocasião era professora da rede municipal de onde trouxe também muitas influências.
150
Figura 2: Capa da Proposta Curricular, documento produzido pela equipe do Laboratório de Currículos. Deste volume foi reproduzida a apresentação da Professora Circe Navarro.
O trecho abaixo é a apresentação da Professora Circe58 em um volume (1º
Grau _volume 4/ 4ª série_1978) do guia de orientação curricular feito pela equipe
coordenada por ela, para apresentar o Laboratório de Currículos.
58
Circe Navarro - Diretora do Laboratório de Currículos, professora do programa de pós-graduação do Instituto de Estudos Superiores Avançados em Educação (IESAE-FGV) convidada por D. Myrthes para dirigir o Laboratório de Currículos.
151
APRESENTAÇÃO O Laboratório de Currículos apresenta uma proposta metodológica com o principal objetivo de colaborar na melhoria da qualidade do processo educacional. A proposta está referida à organização interna e ao contexto educativo da escola, que são os verdadeiros pontos de partida para a análise crítica daquele processo. Baseia-se em pressupostos teóricos, que levam ao estudo das estruturas lingüísticas, lógico matemáticas, espácio temporais e vivenciais. Esse recorte teórico foi escolhido, por considerar – se que a necessidade de desenvolvimento dessas estruturas é condição de aprendizagem. Não é a aprendizagem que promove o desenvolvimento, mas é o desenvolvimento das estruturas que possibilita a aprendizagem. Decorre daí uma reavaliação do processo educativo, e que a psicologia do desenvolvimento cognitivo e afetivo, a linguagem e o meio social do educando deverão ser enfrentados pela escola, numa ação conjunta, desde o ensino pré escolar. Pretende-se que a proposta sirva para dar origem a um universo de possibilidades, a um novo conjunto de alvos e de problemas. Esses devem levar a outras criações ou construções que propiciem novas significações no campo da Educação. Circe Navarro Rivas Diretora do Laboratório de Currículos
É deste setor que vem a equipe que participa de maneira determinante da
elaboração da proposta de ensino de matemática do 1º segmento do CP II.
Passando então pelas influências trazidas pela equipe do Laboratório de Currículos,
é necessário evidenciar a presença da Professora de matemática Diva Maria de
Bretas Noronha, pois sua influência carrega marcas importantes para levantar as
características presentes na proposta original, portanto conhecer um pouco mais
esta profissional é parte do empenho para identificar as características do programa
elaborado para o ensino de matemática no primário do CP II.
CONHECENDO DIVA NORONHA59.
Nascida em família de classe média, moradora do bairro Tijuca no Rio de
Janeiro. A menina mais velha de uma família de doze filhos e filhas. Era a sexta
filha.
Criada em família e num contexto social machista num importante
patriarcado, ela conviveu bem próxima a pessoas importantes da sociedade o que a
faz discorrer com desenvoltura sobre fatos da sociedade carioca e mineira, das
cidades mineiras de Belo Horizonte e Oliveira, no período da sua juventude e idade
adulta. Conheceu grandes personagens que protagonizaram a história política e
social do Estado da Guanabara e Rio de Janeiro.
59
Este relato faz parte da síntese da entrevista feita com a Professora Diva em julho de 2011.
152
Para quem conhece sua trajetória e personalidade não se surpreende com
sua passagem marcante e influente pelo magistério do Estado do Rio de Janeiro.
Sua formação começa pode-se dizer quando ela faz seu primeiro exame de
admissão (1943) para o curso ginasial do Colégio onde cursava o primário, Colégio
Santa Teresa de Jesus
Era a prática, costumava-se, nesta escola premiar as alunas com medalhas.
As medalhas com fita amarela eram dadas para quem tinha bom comportamento e
as medalhas com fita verde eram as medalhas recebidas por bom desempenho
escolar, havia medalhas com fita verde e amarelo que significavam bom
desempenho e bom comportamento. Diva era aluna que por muitas vezes recebera
a medalha com a fita verde e amarela. Assim podemos acreditar tratar-se de uma
boa aluna de bom desempenho escolar. Todos se orgulhavam dela e havia uma
expectativa bastante positiva com relação ao seu sucesso escolar. Eis que por
ocasião do seu primeiro exame de admissão para o curso ginasial a aluna em tela é
reprovada em Matemática. Tal fato representou uma grande decepção que marcou a
aluna colocando-a diante da seguinte questão: se ela era tão boa aluna, o que todos
acreditavam ser, inclusive e principalmente ela, como não ser aprovada? Uma das
possíveis respostas era de que a professora não haveria lhe ensinado o conteúdo
necessário para realizar os exames, por não querer ou mesmo por não saber ou não
achar importante fazê-lo. Nesta época os exames eram feitos (pelo Ministério da
Educação) fora da escola e eram aplicados por uma inspetora pública. A aluna
insistiu em fazer novos exames no ano seguinte, mas não queria cursar a mesma
escola, pois acreditava que se tivesse os mesmos ensinamentos, com a mesma
professora, que seria o caso, ela obteria o mesmo resultado nos exames. No ano
seguinte a aluna teve uma professora particular e apenas preparou-se para os
exames fora da escola, desta maneira foi aprovada no segundo exame ao qual se
submetera. Este fato marcou a trajetória desta educadora de forma bastante
significativa pelo fato de a sua mãe concordar com a sua argumentação e desejo de
não ficar na escola com a mesma professora, o que demonstra certo respeito a uma
criança e também aponta um descompasso entre o que e como se trabalha na
escola e o que se pede em exames pela vida afora. Ouvir o que a criança tem a
dizer e dar atenção à forma como a criança pensa pautaram a vida desta educadora.
153
Esta passagem ocorreu pelos idos dos anos 40, tempo em que a educação
das mulheres encontrava muitos entraves para sua plena realização. Foi neste
cenário que Diva Noronha prossegue estudos e consegue chegar a universidade.
Ela teve que esperar completar a maioridade para que não precisasse da
autorização do responsável para continuar os estudos.
Contrariando algumas expectativas sociais e enfrentando barreiras familiares,
do grande protecionismo paterno aliado ao machismo da época, Diva entra na
universidade. Ela é aprovada em vestibular na PUC-Rio para estudar na Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras que era o centro que abrigava a faculdade de
Matemática. Na faculdade ela entra em contato com ilustres professores de
Matemática. Um deles na cadeira de Análise lhe apresentou a Teoria dos Conjuntos
– Prof. Rios. Quando Diva cursou a faculdade na PUC-Rio houve uma situação
peculiar. O curso de Matemática foi extinto na PUC-Rio e os alunos e alunas foram
realocados em outras universidades. Diva foi encaminhada a Universidade Santa
Úrsula. Houve nesta ocasião uma certa “parceria” como dizemos hoje. O seu
diploma registra este evento.
Na faculdade Santa Úrsula ela conheceu os Professores Roberto Peixoto,
Dacorso Neto60 e Pierre Henry Lucy, este último teve grande influencia na sua
trajetória acadêmica e profissional, eles trabalharam juntos um longo tempo. A
aproximação com Haroldo Lisboa61 foi no Pedro II, após concluir a graduação.
Havia um intercâmbio entre universidades católicas do mundo em que a USU
e a PUC participavam. Eram concedidas bolsas de estudos para universidades
católicas na Europa para alunos que tivessem bom desempenho. Outra premiação
por mérito a qual Diva fez jus por seu bom desempenho acadêmico com o qual
chamava atenção de seus mestres, sendo com esta bolsa agraciada (1961) e que a
levou para um intercambio na Universidade de Louvain na Bélgica. Por ocasião da
realização deste curso ela teve a oportunidade de visitar o Centro de Pesquisa onde
Papy desenvolvia seus estudos.
60
Citados entre insignes e competentes professores Haroldo Lisboa da Cunha, Dacorso Neto, Euclides Roxo, Melo e Souza e Roberto Peixoto, in Choeri, Wilson. Colégio Pedro II de Ontem, Hoje e Futuro.s/d, p. 23. 61
Citado entre insignes e competentes professores Haroldo Lisboa da Cunha, Dacorso Neto, Euclides Roxo, Melo e Souza e Roberto Peixoto, in Choeri, Wilson. Colégio Pedro II de Ontem, Hoje e Futuro.s/d, p. 23.
154
Com uma sólida formação acadêmica realizada nas melhores escolas no
Brasil e na Bélgica, a então Professora Diva inicia sua trajetória profissional, tendo
estudado com expoentes no ensino da Matemática.
Sua trajetória profissional passa por escolas particulares, há uma breve
passagem como professora no Colégio Pedro II convidada pelo Prof. Haroldo
Lisboa. Nesta ocasião ela foi contratada como professora horista e não ficou muito
tempo, pois logo em seguida foi aprovada em concurso para professora da rede do
Estado da Guanabara onde, depois de uma segunda bolsa conferida pelo governo
francês para estagiar no IREM de Lyon62, foi lotada no Instituto de Pesquisas. Sua
vida profissional foi exercida com duas matrículas de professora na rede estadual do
Rio de Janeiro, onde foi professora regente, coordenadora e consultora de projetos.
Sua trajetória profissional e acadêmica pode ser brevemente assim descrita, Diva
Maria Brêtas de Noronha, formada como Bacharel e licenciada em Matemática pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Úrsula, entre os anos de 1960/61.
Realizou Curso de Extensão na Faculté de Sciences de l`Université Catholique de
Louvain _ Bélgica (1961/1962), como bolsista de Estudos concedida pela USU -
1961/1962; Estágio no I.R.E.M. de Lyon (1972/1973). como bolsista de Estudos
concedida pelo Governo Francês -1972/1973 .
Também como bolsista do PREMEN/MEC -1977 torna-se Mestre em Ensino
de Matemática e Ciências pela UNICAMP. Neste curso ela é aluna do Prof. Dr.
Ubiratan D’Ambrosio.
Destacamos algumas referências principais do currículo de Diva que a
aproximam do ideário da reforma da matemática e do CP II.
Foi convidada para ser professora do Colégio Pedro II, tendo lecionado de
1965 a 1968, devido a conhecimentos com Professores que lecionavam no CP II e
haviam sido seus professores na USU. Na rede estadual, onde também lecionou, foi
responsável por turmas no curso "Matemática de 5ª à 8ª série" do Projeto 3 do Plano
Setorial de Educação – 1973 e 1974 .
Realizou o curso de atualização em "Conteúdos e Métodos de Matemática" e
acompanhamento da atuação dos professores de C.A. à 4ª série do Colégio Pedro II
62
I.R.E.M. - Institut de Recherches pour l'enseignement de Mathemátique, de Lyon (1972/1973).
155
(1985/1986). Foi na execução deste curso que Diva elaborou o plano geral de
ensino de matemática do primário do Colégio.
Também atuou como Pesquisadora-Docente do Centro de Ciências do
Estado do Rio de Janeiro - CECIERJ, de onde trouxe muitas contribuições para o
programa do Pedrinho.
Produziu artigos publicados no boletim mensal editado pela Fundação
Cesgranrio CONTACTO sobre nº 2 - "A Lógica e a linguagem dos conjuntos, "As
Relações; "Equivalência e Ordem" em diferentes números. Como membro do
Laboratório de Currículos, foi co-autora da "Proposta Metodológica para o Ensino de
1o Grau" [6 volumes] - Editada pela Imprensa Nacional em 1978, além de ter
elaborado Material Concreto para construção do Conceito e das Operações com
Frações - CAIXA DE FRAÇÕES (Figura 2) - Acompanhada de texto com sugestões de
atividades -1984. Este material foi muito usado e reproduzido no CP II nas unidades
de Pedrinho.
Figura 3: Caixa de Frações. Um dos materiais usados para desenvolver o conceito de fração e equivalência de frações.
156
Lecionou como Professora do Colégio André Maurois que foi uma escola de
referência durante o período mais duro da ditadura militar. Nesta escola trabalharam
grandes professores e professoras da rede estadual, como a diretora Profª. Henriette
Amado, já citada, que se projetaram na sua militância, resistência, participação em
greves e na luta por defender bandeiras históricas pela educação nas escolas
públicas. Neste colégio ela conheceu a Professora Maria Helena Silveira
coordenadora do Projeto 3, e trabalhou também com o Professor de Matemática
Arago de Carvalho Bacx.
Podemos acreditar que pode ser neste contexto que localizamos no tempo e
espaço a expressiva trajetória de Diva Noronha pela Educação Matemática no Rio
de Janeiro e no CP II. Do Projeto 3 ela vai para o Centro de Ciências do Estado da
Guanabara _ CECIGUA e em seguida é convidada por Circe Navarro Rivas, outra
grande educadora que tivemos no Estado do Rio de Janeiro, para compor a equipe
do Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro. Este convite foi sugerido
pelo Prof. Luis Antonio Garcia outro educador matemático que fez também parte
desta equipe. Esses eventos ocorrem próximo ao período da fusão63 do Estado da
Guanabara, quando o Estado carece de nova estrutura administrativa e as
secretarias vão se habilitando durante o processo de consolidação da fusão. Este é
o início do tempo de Mirthes Wenzel, na Secretária de Estado de Educação que na
sua gestão constitui o Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro e para
coordená-lo convida a Professora/ Psicóloga Circe (Navarro Rivas) Maria Vital Brasil
que monta sua equipe.
A equipe de Matemática era formada por Luis Antonio Garcia, Diva Noronha e
Leila Alcure entre outros poucos. Esses três se destacam por sua formação em
instituições na Europa onde se estudava a Matemática que veio a influenciar de
maneira fundamental as práticas para o ensino desta atividade/disciplina,
marcadamente nas décadas de 1970 e 1980.
As professoras de matemática que atuavam no Pedrinho tinham mais ou
menos a mesma idade, tendo com isso cursado o normal e a graduação,
aproximadamente, ao mesmo tempo, aproximadamente, ainda que em escolas
63
Ver p. 150.
157
diferentes. Os cursos de licenciatura eram feitos no esquema 3+1, descolando a
formação em Matemática da formação pedagógica. Podemos então inferir que
tenham feito licenciatura entre 1977 e 1981/2, neste período o GEPEM64 exercia
bastante influência no Rio de Janeiro e a educação matemática contava com um
elenco de profissionais muito atuantes na área, entre ele(a)s podemos citar Estela
Kauffman, Arago Backx, Roberto Baldino, Luis Antonio Garcia, Jose Guilherme
Barbosa; Diva Noronha, Leila Alcure65 e vários outros e a maior parte deles compôs
a equipe do Laboratório de Currículos. Todo(a)s participaram e deixaram suas
marcas na organização curricular do Estado do Rio de Janeiro. Atuaram na rede
pública municipal e estadual e em muitas escolas particulares, formaram muitos
outro(a)s professore(a)s de matemática através de programas de atualização para o
ensino da disciplina dentro de outros programas maiores para o ensino de ciências.
Eram também membros do CECIGUA/CECIERJ66 e do Laboratório de Currículos.
Algun(ma)s estudaram na França com outro(a)s educadore(a)s matemáticos do
Brasil formando uma rede nacional e estiveram próximos a SBEM desde a sua
fundação.
Os Guias de Orientação Curricular: materiais de apoio didático.
Referências como as do Laboratório de Currículos nos associam também às
recomendações do Parecer 853/7167 que traz em suas normativas, orientações
baseadas na teoria de aprendizagem de Piaget:
O Parecer 853/71 da Lei 569/71 utiliza a teoria psicogenética de Jean Piaget para delimitar as ‘séries’ do ensino de 1
o grau em séries inicial e
final. Para essa diferenciação, o Parecer classifica os estágios do
64
No Rio de Janeiro além do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática liderado por Estela Kauffman, houve outros grupos e espaços de formação, estudos e pesquisas em educação matemática: o Roberto Baldino (G-Rio), o CECIERJ com Diva Noronha e posteriormente o Atelier de matemática com Manuel Teixeira, foram responsáveis por programas de atualização em educação matemática por todo o estado, seguidos pelo Projeto Fundão identificados à Lucia Tinoco e Lilian Nasser. 65
Trata-se de uma relação de educadore(a)s matemático(a)s que atuaram no Estado do Rio de Janeiro na equipe do Laboratório de Currículos, como Professore(a)s atuavam na rede municipal e estadual e também faziam parte do CECIGUA/CECIERJ. Alguns estudaram na Bélgica com educadores matemáticos de onde trouxeram importantes influências para a configuração da proposta de ensino de matemática nas redes do estado. 66
CECIGUA/CECIERJ – Centro de Ciências do Estado da Guanabara/ Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro 67
Parecer 853/71. Ordena a doutrina do currículo na Lei 5692/71. Fixa o núcleo comum para o currículo do ensino de 1º e 2º graus. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/7_Gov_Militar/parecer nº 853-1971.
158
desenvolvimento mental em períodos de ‘operações concretas’ e ‘operações formais’. O Parecer cita Piaget como referência e utiliza suas pesquisas para justificar a idealização das categorias curriculares:
A velha marcha ‘do concreto para o abstrato’ apresenta-se hoje - na Psicologia Genética de Piaget, por exemplo - sob a forma tríplice de um período ‘sensório motor’, seguido de uma fase de ‘operações concretas’ que leva, na adolescência, às ‘operações formais ... móveis e reversíveis’. Se em nenhum momento cogitamos de uma correspondência simétrica entre esses três períodos e aquela tríplice classificação curricular, também não deixamos de considerar o que deles já se fez evidência no dia-a-dia da vida escolar: a montagem a partir do concreto e do mais para o menos amplo, do genérico para o específico ou, na classificação sempre atual de Claparède, da ‘generalização inconsciente’ para a ‘generalização consciente’. (CORRÊA, 2006)
Os guias de orientação curricular comportaram-se na qualidade de manuais
cumpriram, a exemplo dos livros didáticos a função referencial, curricular ou
programática (CHOPPIN, 2004), pois comportaram-se como o livro didático das
professoras e nesta qualidade foram guias curriculares, propriamente, e as
atividades foram copiadas fielmente de livros didáticos e exercícios avulsos, que
tiveram, para as professoras – suas consumidoras no caso, a função instrumental,
pois alguns desses documentos davam orientações práticas de como fazer os
exercícios e como apresentá-los aos estudantes. Eles também conviviam com outros
instrumentos para a formação: revistas, livros, livros didáticos, jogos educativos e
apostilas. Esses materiais foram todos utilizados pelas professoras, os jogos eram
utilizados pelas professoras e pelos alunos e alunas. Os textos e os jogos ajudavam
a produzir os planos semanais, bimestrais das séries e apoiaram a elaboração de
exercícios e provas e neles estava prevista a utilização de jogos.
No início dos trabalhos no Pedrinho nenhum livro didático foi adotado
para os alunos e alunas do 1º segmento. As professoras produziam seus próprios
materiais. Criavam, copiavam ou compilavam muitos exercícios trazidos de várias
fontes. Para o desenvolvimento das noções e relações topológicas foram usados os
livros do PREMEM_MEC, da UNICAMP aproveitados para o desenvolvimento de
vários conceitos fundamentais em Matemática. Foram usadas também apostilas do
CECIERJ (Figura 3) e o CECIMIG que eram apresentadas nos encontros de
assessoria e outros materiais foram sendo adaptados.
159
Figura 4: Atividade feita em oficina de formação continuada das Professoras do CP II – 198768
68
SECT/RJ – CENTRO DE CIÊNCIAS E SEE/RJ – ECE 1 – PMM/SPEC; Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia; SEE Secretaria Estadual de Educação.
160
Entre alguns materiais que serviram também de apoio didático, podemos citar
os textos do Prof. Lauro de Oliveira Lima sobre a prática escolar baseada na teoria
de Piaget e os livros de Zoltan Dienes, “Primeiros Passos em Matemática”. Outra
assessora que teve uma breve, porém marcante, passagem foi a Profª Manhucia
Perelman Liberman, sua coleção para o ensino de 1ª a 4ª série foi muito usada e
copiada assim como seu livro Grueminha da Classe de Alfabetização. Os materiais
concretos sugeridos nos livros de Dienes e outros foram adquiridos69.
A equipe do Laboratório defendia uma mesma corrente de pensamento que
sustentava o ideário da Educação Matemática e tinham a mesma pauta de se
contrapor a uma Matemática conteudista, afeita a um rigor simbólico e que
valorizava a decoreba e a abstração. Procurava-se com essa proposta desenvolvida
nos Pedrinhos apresentar conteúdos significativos e próximos à realidade de alunos
e alunas de 6 a 10 anos.
A matemática enquanto prática discursiva pode ser entendida como um
elemento que guarda a possibilidade de hierarquizar os sujeitos escolares -
professore(a)s, a partir da relação que este(a)s tem com a disciplina escolar. O efeito
dessa possível hierarquização e que formam-se grupos segregados de acordo com
as seguintes características: aquele(a)s que sabem matemática; que não sabem
matemática; que gostam de matemática e dos que não gostam de matemática,
sendo que essa caracterização, a partir da relação que se tem com a disciplina,
inclui, exclui, dá voz e as vezes silencia atores que habitam o interior da escola,
fazendo com que histórias de preconceito e de exclusão se repitam, apenas
mudando de lugar. Para estabelecer relações entre a disciplina matemática e o
discurso parece-nos ser necessário enredar a constituição da disciplina/atividade, a
formação de professore(a)s, abordar questões referentes à identidade das
professoras polivalentes, no caso, e as relações de poder.
69
Alguns materiais eram adquiridos fábrica Gepeto em Porto Alegre (blocos lógicos, Trimath, Quadrimath, Multibase; Material Cuisinaire, Caixa de Frações, o baralho de múltiplos e divisores (Grossi. E), o material dourado, outros do GEEMPA.
161
5.3 CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA
Piaget estudou também a conservação de substâncias ou quantidades contínuas e a de quantidades descontínuas, como base fundamental para a construção do conceito de número. A partir dessa conservação e da construção do conceito de reversibilidade, a criança passa a operar matematicamente. (PGE 1996/7)
Algumas passagens pelo pensamento de Piaget ajudam a localizar esse
plano numa linha teórica que foi inovadora no seu início. Contudo, apesar do seu
caráter inovador, teve que se inserir em uma sistemática já existente no Colégio,
assumindo alguns elementos, marcando a “permeabilização” da cultura escolar, por
exemplo, a disciplinarização/departamentalização dos conteúdos, a seriação dos
conteúdos, a avaliação, por isso os objetivos dos planos foram determinantes para
compreensão da sua proposta e assim foram inicialmente expressos:
Objetivos Gerais: Nortear as atividades didático-pedagógicas que serão desenvolvidas em suas unidades escolares. Princípios: “Buscando o novo não pela novidade, mas pela exigência de se utilizar . . . Que aluno: “produtivo, consciente, crítico e criativo, portanto apto a enfrentar a vida . . . :” (PGE, 1984)
Já traz indícios da centralidade na figura do educando, pois já carrega marcas
da Lei 5692/71. A avaliação no Colégio era bimestral para todos os níveis de ensino,
contudo, mas havia um diferencial no 1º segmento para as classes de alfabetização
e para a avaliação das atividades complementares (Artes, Literatura, Educação
Musical e Educação Física), que eram avaliadas através de fichas de
observação/avaliação e não com provas e não se atribuía notas e sim conceitos
expressos por letras. Mantem-se por força da legislação, os estudos de recuperação
paralela. E a apuração da assiduidade.
No plano de 1986/7, já com apoio pedagógico das assessorias, os objetivos
foram atualizados e apontam melhor e mais explicitamente o que se pretendia que
fosse uma unidade teórico-metodológica do Departamento:
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO COLÉGIO PEDRO II DIRETORIA GERAL DEPARTAMENTO DO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU
162
OBJETIVOS GERAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU O processo educativo a ser desenvolvido no 1º segmento do 1º grau do Colégio Pedro II terá por objetivo fundamental: Desenvolver no aluno a capacidade de interagir com a realidade que vive, identificando seus aspectos positivos e negativos, tornando-se capaz de criticá-la e transformá-la de forma coerente e organizada. Para atingir tal objetivo, faz-se necessário desenvolver atividades e experiências em que o aluno tenha possibilidades de: 1. Identificar e criticar normas e regras que regem o grupo social da sua turma e da sua escola; 2. Criar normas e regras para diferentes grupos dos quais participa na escola; 3. Identificar e criticar normas e regras do mundo que o cerca; 4. Trabalhar de maneira independente, tornando-se sujeito autônomo na resolução de diferentes problemas; 5. Trabalhar de forma cooperativa, criando, assim, o sentimento de solidariedade; 6. Desenvolver-se intelectualmente, pelo conhecimento de conteúdos importantes, que se tornarão instrumentos fundamentais para a compreensão da realidade que o cerca; 7. Desenvolver intelectual, artística e efetivamente seu potencial criativo, favorecendo a descoberta de novas formas de atuação perante a realidade; 8. Estabelecer relações sócio - afetivas com os membros da comunidade escola, reconhecendo-se parte dela, criando-se, assim, um ambiente favorável ao desenvolvimento dos demais objetivos. A metodologia que acreditamos ser a mais adequada para atingir tais metas, deverá valorizar o sentido lúdico das atividades curriculares, colocando o aluno como sujeito do processo ensino aprendizagem. Essa metodologia parte de pressupostos das Ciências Humanas que propiciam o desenvolvimento das estruturas cognitivas e lingüísticas e do potencial sócio – afetivo do aluno, a partir da realidade em que se encontra inserido. Neste sentido, faz-se necessário: 2. Aceitar diferentes dialetos sociais ou regionais, usados pelos alunos em sua fala cotidiana, valorizando-os e partindo desse desempenho lingüístico para enriquecer sua linguagem oral e escrita; 3. Reconhecer e utilizar as vivencias do aluno, respeitando as diferenças entre elas no trabalho com os diversos conteúdos; 4. Desenvolver o esquema corporal e a psicomotricidade do aluno usando a percepção e a memória auditiva, visual, tátil e gustativa, coordenando-as entre si; 5. Criar oportunidades para que os alunos discriminem semelhanças e diferenças que possibilitem a classificação e o estabelecimento das relações entre diferentes seres, objetos e situações; 6. Possibilitar a vivência de situações que envolvam a organização espacial e temporal, estabelecendo relações de ordem, sequência e simultaneidade entre diferentes seres, objetos e acontecimentos. 7. Criar, na escola, um espaço para o aluno expressar-se espontaneamente, empregando o próprio corpo, instrumento do ambiente, a língua falada e escrita ou qualquer outra forma de expressão. (grifos meus) (PGE, 1988)
O programa do Pedrinho tomado aqui como referência, o plano de 1987/88,
apresentava-se de forma não seriada com conteúdos, objetivos específicos e
163
etapas/estratégias da construção dos conceitos por atividade que deveriam ser
distribuídos pelos cinco anos, de acordo com a dinâmica escolar e não de forma
apriorística. Nas outras atividades essa coluna correspondia a sugestões de
atividades e/ou estratégias que eram passos /etapas que deveriam ser executadas
para que se adquirisse os conceitos desejados. Não era uma relação de conteúdos
pura e simples, significava que para desenvolver determinado conteúdo, era
necessário realizar uma sequência de atividades. Os conteúdos eram distribuídos
em Números, Lógica/Conjuntos/Relação e Espaço, aqui percebemos vestígios das
recomendações a partir dos livros de Dienes.
Em Números trabalhava-se com a construção do número, sistemas de
numeração, algoritmos e medidas; em Lógica/Conjuntos/Relação eram trabalhadas
as estruturas lógico-matemáticas usando conjuntos e relações e em Espaço,
começa-se com as noções e relações topológicas. É o início do que viria a ser
tratado por geometria na escola a partir da 5ª série, atual 6º ano.
O PROGRAMA DE MATEMÁTICA ESCRITO POR DIVA MARIA DE BRETAS
NORONHA / 1986
Um dos documentos oficiais que dão base ao estudo em tela é o Plano Geral
de Ensino publicado em 1986/7. Neste plano está registrada a proposta original do
programa de ensino de matemática para o primário do CP II.
Essa versão foi construída com o grupo de professoras que participava das
assessorias de Matemática. Neste período na USC havia turma de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
séries, na UH1, havia 1ª, 2ª e 3ª séries e neste ano inaugurava-se a UEEN1.
164
CONTEÚDOS OBJETIVOS
ESPECÍFICOS ETAPAS DA CONSTRUÇÃO (OU ESTRATÉGIAS)
Classificação Classificar conjuntos de
objetos
Classificar conjuntos de
conjuntos
Desenvolver a noção intuitiva de
cardinal
1º) Separar os elementos de um conjunto de objetos que possuem um determinado valor de determinado atributo.
2º) Identificar a propriedade característica de uma classe.
3º) Distribuir todos os elementos de um conjunto de objetos em diversas classes, usando como critério 1 atributo.
4º) Identificar o critério usado para classificar um conjunto de objetos.
5º) Separar os elementos de um conjunto de objetos, usando como critério 2 ou mais atributos conjugados.
6º) Separar os conjunto que possuam 1 determinado elemento.
7º) Separar os conjuntos, segundo características de um determinado objeto.
8º) Identificar o critério usado para classificar um conjunto de conjuntos.
9º) Separar os conjuntos, segundo o número de objetos que possuam.
NOTA: Em todas as etapas é importante colocar “etiquetas” explicitando a propriedade característica da (s) classe(s) determinada(s).
165
NÚ
ME
RO
S
Seriação
NÚMERO NATURAL
Desenvolver a noção intuitiva de ordem
Desenvolver a noção intuitiva de sucessor
Construir a reversibilidade
Construir o número natural
1º) Formar filas de objetos, usando como critério um único atributo (cor, forma, espessura, idade, . . . )
2º) Identificar o critério usado para formar determinada fila.
3º) Formar filas de objetos, usando como critério 2 ou mais atributos conjugados.
4º) Formar filas de com conjuntos de objetos, usando como critério os atributos de um dos objetos pertencentes a esses conjuntos.
5º) Formar filas de com conjuntos de objetos, usando como critério a quantidade de objetos de cada conjunto.
6º) Identificar o(s) critério(s) usado(s) para formar essas filas.
1º) Reproduzir uma sequência de objetos.
2º) Completar uma sequência de objetos iniciada.
3º) Descobrir qual o objeto que está faltando entre 2 elementos de uma sequência.
NOTA: Vencidas as etapas anteriores, o aluno terá construído o conceito de Número Natural.
Quadro 7: Plano Geral de Ensino – PGE 1988 Apresentação dos Conteúdos que precedem a construção do conceito de Número Natural
Entendia-se que a criança precisava de situações diversificadas em
quantidade suficiente para que ela se conscientizasse do conceito, podemos
associar a prática instituída nesse plano ao programa de Dienes (1969) e isto não
poderia estar atrelado ao tempo, não pode estar intimamente ligado à progressão do
conteúdo e à prova/aprovação, uma vez que não há como mensurar de maneira
ótima a maturação do conceito em cada indivíduo. As vezes mesmo na 4ª série é
necessário recuperar as inclusões hierárquicas apresentadas na 1ª ou 2ª série e que
são trabalhadas também em outras atividades,como Estudos Sociais e Ciências, a
fim de revisitá-las de vez em quando. Partindo desse princípio o plano original da
proposta não apresentava os conteúdos seriados, a seriação veio acontecer no
plano de 1996, aproximando a proposta do Pedrinho às práticas do Pedrão através
da seriação e disciplinarização.
166
Buscou-se também recuperar os planos bimestrais ou semanais e exercícios
que pudessem dar “musculatura” a pesquisa aproximando-a da prática cotidiana
estabelecendo alguns níveis de visualização, observando a proposta geral em nível
mais amplo procurando chegar ao nível mais específico através de exercícios diários
e provas que revelassem o desdobramento da proposta. Os documentos usados,
para essa finalidade, fazem parte do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos
que está em fase de catalogação.
Encontramos nos planos de ensino traços da influência de Piaget, mais
explicitamente e de Dienes na prática, sem referências escritas. As influências de
Dienes verificamos ao analisar e interpretar a metodologia que norteava a proposta.
As práticas estabelecidas a partir deste “novo ideário”, que podemos considerar
como mudanças educacionais (Viñao, 2008), foram reformas, na concepção do
ensino da matemática que vigorava no Colégio que não se ocupava da atividade do
aluno como “sujeito ativo”. O conjunto de práticas escolares foi adaptado de modo a
permitir a incorporação de outros comportamentos (Julia, 2001). Podemos dizer,
então, que o que ocorreu nas salas de aula do Pedrinho foi de tal forma
diferenciado, posto que trazia a proposta de ensino de matemática para crianças e
essas no centro do processo de ensino e aprendizagem, que ensejou essa pesquisa
no campo da história do ensino da matemática.
Em nenhum desses planos, das décadas de 1980 e 1990, há referências
bibliográficas. De todos eles, o PPP mantém um caráter mais inovador modificando
o tratamento das atividades/disciplinas ao tratá-las como componentes curriculares e
aos objetivos passando a referir-se a competências e habilidades, apontando uma
nítida alteração nos referenciais teóricos. Esses atuais referenciais situam o plano
numa metodologia centrada numa linha neotecnicista70.
70
Entendendo uma linha neotecnicista como uma corrente que incorpora os processos escolares à dinâmica referenciada sob a ótica do mercado deslocando os princípios pedagógicos por um viés mercadológigo, tendo como expoente na educação o intelectual Philippe Perrenoud (2001).
167
OS SISTEMAS DE NUMERAÇÃO NO PROGRAMA DE MATEMÁTICA DAS
SÉRIES INICIAIS
Dos planos gerais foi destacado o conteúdo referente ao sistema de
numeração.
A matemática praticada no 1º segmento do CP II descrita em seu plano de
ensino e desenvolvidas na suas atividades cotidianas apresentava as características
de um ensino estruturado e seqüenciado. Tomemos como parâmetro para análise o
sistema de numeração que começava na 1ª série/ 2º ano, da contagem de 1 a 10,
em seguida da estruturação do sistema em ordens e classes desde a simples até a
do milhão, distribuindo sua apresentação pelas séries. Cada classe do sistema era
tocada com mais ênfase em uma série e buscava-se fazer com que a criança
compreendesse a mudança de ordens e classes a partir da noção de ordem:
sucessor (+1) e antecessor (-1). Procurava-se que a criança compreendesse quando
se dá essa mudança e que tal fato segue a mesma estrutura em diferentes bases,
dando-se ênfase à base 10 no início da primeira série atual 2º ano.
O fato de buscar a compreensão das características do plano usando como
estratégia a construção dos sistemas de numeração em diferentes bases deve-se a
idéia de que, para a criança compreender, alcançando a abstração do conceito era
importante ter atenção ao que Dienes (1969) trata por “concretizações numerosas”,
o que significa a necessidade de partir de concretizações numerosas e variadas
para chegar a abstração do conceito, que certamente varia entre os indivíduos.
Encontrar as orientações de Dienes subsidiando esses trabalhos nos remete a
Piaget e ratifica a influência que Diva Noronha trouxe através de sua própria
formação.
Podemos apreender que as idéias defendidas nos planos, escritos no século
passado, tem como base a Epistemologia Genética de Jean Piaget bastante
explicitada com aportes metodológicos de Dienes (1969) que insere o uso de
materiais concretos com finalidade específica para o ensino de matemática.
Para desenvolver a construção do sistema de numeração utilizamos, por força da
influência das assessoras, o princípio variabilidade perceptiva (Dienes, 1970, p.50)
que recomenda o uso de “outro material que deve parecer bem diferente mas
168
mantendo a mesma estrutura matemática, para que a criança perceba a
semelhança da estrutura, semelhança essa que é a estrutura matemática, o que
justifica a diversidade de jogos a serem utilizados em sala.
No plano (PGE/1988) era recomendado que a apresentação do sistema de
numeração fosse realizada em bases não decimais e a base decimal fosse tratada
como mais uma base de numeração que obedecia a mesma estrutura de construção
de ordens e classes – o princípio multiplicativo. Assim foi feita a construção do
sistema de numeração, usando diferentes bases, durante algum tempo. Neste tópico
algumas concepções que sustentavam o uso de tal metodologia tinham como base o
programa de Dienes (1969) que defendia que era necessário trabalhar com
diferentes bases de numeração para entender a estrutura dos sistemas de
numeração dando ênfase à base 10.
Em matemática, um conceito pode ser aprendido em diversos níveis de generalidade. Por exemplo: pode-se estudar o essencial da numeração de posição na base (10) apenas (como se fazia tradicionalmente) ou em muitas bases simultaneamente (como se recomenda cada vez mais). (Dienes, 1969)
Do conteúdo propriamente será dado destaque a apresentação do sistema de
numeração nos planos, aliados a apresentação de alguns desdobramentos em
planos periódicos, exercícios e provas a fim de perceber sua efetivação na prática.
As atividades para a construção do sistema de numeração começavam de
forma sistemática na 1ª série (atual 2º ano). As atividades tinham a finalidade de
construir o sistema de numeração e ao final sistematizar a construção do sistema
decimal de numeração e com base nesse sistema, operar. Na Classe de
alfabetização era desenvolvido o conceito e construção do número. A opção por
fazer os sistemas de numeração em outras bases era com o objetivo de poder
manipular, por exemplo, até a quarta ordem com pequenas quantidades que as
crianças pudessem manipular, facilitando a contagem, permitindo a visualização e
concretização.
169
Conteúdo Objetivos Etapas da Construção (Estratégias)
Sistema de Numeração
Construir os sistemas de numeração nas bases 3, 4 e 5.
Identificar os princípios dos sistemas de numeração construídos.
Construir o sistema decimal de numeração.
Representar um número como a adição dos valores relativos dos seus algarismos.
1º) Ensacar diferentes números de objetos na mesma base (3, 4 e 5)
2º) Ensacar a mesma quantidade de objetos em diferentes bases.
3º) Verificar o número de objetos contidos num
conjunto de objetos ensacados em determinada base.
4º) Construir um conjunto de objetos agrupados, segundo um registro dado em determinada base.
5º) Repetir os itens anteriores, incluindo a base 10.
Quadro 8 – PGE_1988
A título de exemplo, a unidade de milhar, é uma unidade de quarta ordem
equivale a dez ao cubo (103). As crianças entendem a mudança de ordem,
entendem que 10 x 10 x 10= 1.000, mas quando trabalhamos as potências de 10,
normalmente não se retorna aos sistemas de numeração, produzindo dessa maneira
uma desconexão entre os conteúdos de matemática. Talvez isso ocorra porque a
professora primária não tenha consciência do alcance que tem os conteúdos de
matemática dados no 1º segmento.
Não se admitia pular etapas, não se alterava a ordem e a sequência de
apresentação dos conteúdos.
No 1º segmento não se abordam as propriedades: fechamento,
associatividade, elemento neutro enquanto propriedades das estruturas
matemáticas, as mesmas que abordamos na classificação. Aposta-se na
dissociação dos conteúdos, “. . . talvez isso ocorra porque a professora primária não
tenha consciência do alcance que tem os conteúdos de matemática dados no 1º
segmento.”
Assim quando a proposta era dita construtivista ela estava associada a Piaget
– construtivismo de base piagetiana, como se identificar-se construtivista não
implicasse também em saber matemática, como por exemplo, construir caminhos
para o entendimento das estruturas matemáticas tais como monóides, subgrupos e
grupos, só para citarmos as principais, e que Dienes tem atividades previstas para o
desenvolvimento desses conceitos que poderiam ser aplicadas nas primeiras séries
170
da escolarização e eram sugeridas no volume 9 destinado Matemática para o
segundo segmento, nos guias de programação do Laboratório de Currículos71
(1982).
Quem sabe se as estruturas algébricas básicas, fossem abordadas nos
cursos de formação de professoras ainda que, de forma simplificada, sem trazer
exceções ou casos contudo na sua forma “elegante” poderia ser uma recomendável
aproximação.
A proposta teve como base o estruturalismo e foi usada a teoria dos conjuntos
para abordar o tópico lógica/conjuntos e relações principalmente como estratégia
para a construção conceito de número. Para o desenvolvimento de atividades para a
construção do conceito de números, trabalhou-se com os materiais do conjunto
apresentado por Dienes, blocos lógicos e réguas de Cuisinaire.
Algumas atividades desenvolvidas com aluno(a)s eram copiadas de materiais
do CECIERJ trazidas pela Profa Diva Noronha. Tais exercícios reproduziam a
preocupação de Dienes (1969) em desenvolver uma metodologia focada na
construção cognitiva do aluno(a). Trabalhar de acordo com esses parâmetros
evidenciava que o trabalho optava por uma proposta de vanguarda, mas não nova.
Era uma alternativa contra o excesso de formalismo, pois se entendia ser mais
adequada ao ensino para crianças.
A proposta do Laboratório de Currículos que foi a referência no programa de
ensino das séries iniciais do CP II tornou explícitas em muitas referências as
influências da Psicologia da aprendizagem com Piaget no que toca à gradação e
distribuição de conteúdos, de acordo com as fases de amadurecimento cognitivo da
criança e com uma metodologia diferenciada, marcada pela presença de textos e
atividades propostas em livros de Dienes que possibilitava atender às necessidades
de docentes e discentes para a execução da proposta da pedagogia. A
fundamentação dos aportes de Piaget e Dienes justificavam as inovações na
71
Após a gestão de Myrthes Wenzel, o Prof. Arnaldo Niskier, assumiu a Secretária de Educação e manteve a estrutura e proposta do Laboratório de Currículos, alterando alguns quadros e aos poucos parte de seus propósitos. A equipe de Matemática foi mantida ainda com Diva Noronha em seus quadros. Os guias da proposta curricular foram reeditados e no volume 9, encontramos um capítulo que trata de Grupos (p.65), introduzindo a noção de grupo. Verificamos também as obras de Dienes, Piaget, Papy, Lydia Lamparelli e Lucília Bechara na bibliografia.
171
metodologia, na estruturação e distribuição dos conteúdos. No início do processo de
implantação do programa, as professoras aprendiam junto com o/as aluno/as.
Buscar entender o programa de ensino de matemática proposto para as
séries iniciais do CP II através dos planos de ensino, nos permite entender a
resposta dada quando perguntava-se como era a proposta de ensino das séries
iniciais do CP II, respondia-se, de modo geral, que a proposta era construtivista de
base piagetiana. Mas o que significava essa resposta mais especificamente? O que
era ser construtivista de base piagetiana e elaborar uma proposta para o ensino de
matemática para as séries iniciais com este referencial, o que significava isso?
Significava construir um programa fortemente influenciado pelo estruturalismo e de
prática construtivista pautada nos fundamentos epistemológicos da Teoria de Jean
Piaget em quase todas as atividades das séries iniciais, rompendo com o modelo
estabelecido que sustentava o ensino de Matemática no Colégio e com as
representações sobre como era vista a Matemática, suas professoras e sua
formação com uma plataforma estruturalista que passava pela compreensão das
estruturas–mãe definidas pelos Bourbaki72 e assumidas por Piaget como modelo de
inteligência e com essa concepção desenvolver atividades sob uma metodologia
proposta por Dienes que concordava no modelo de desenvolvimento aprendizagem
oferecido por Piaget que identifica no comportamento inicial das crianças pequenas
as estruturas mãe dos Bourbakis (estruturas algébricas ou de encaixe; estruturas e
ordem ou de sucessão e as estruturas topológicas que vão gerar as geometrias
(Lauro, s/d). Pode-se então entender que a ideia sobre o desenvolvimento da
inteligência, a fabricação das estruturas de ação segue os mesmos modelos que os
matemáticos identificam foi assumida como pressuposto teórico nos planos e
representados nas atividades escolares cotidianas.
72
Nicolas Bourbaki é uma personagem inventada. O grupo Bourbaki é oficialmente conhecido como a Associação dos colaboradores de Nicolas Bourbaki, que é o pseudônimo coletivo sob o qual um grupo de matemáticos, majoritariamente franceses, escreveram uma série de livros que expunham a matemática avançada moderna, que começaram a ser editados em 1935. Com o objetivo de fundamentar toda a matemática na teoria dos conjuntos, o grupo lutou por mais rigor e simplicidade, criando uma nova terminologia e conceitos ao longo dos tempos. Os cinco membros fundadores do grupo foram Henri Cartan, Claude Chevalley, Jean Delsarte, Jean Dieudonné e André Weil. http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolas_Bourbaki. acessado em 25/07/2012
172
Algumas professoras do Pedrinho que atuaram na Coordenação de
Matemática tinham licenciatura Plena em Matemática. Essa dupla formação agregou
segurança, competência acadêmica o que dava confiança ao grupo e permitiu que o
projeto se consolidasse durante um tempo, pois aliavam a sua experiência em salas
de aula dos dois segmentos. O fato de conhecerem matemática permitia que
tivessem uma visão em diferentes escalas dos conteúdos da disciplina e o fato de
algumas terem experiência em outros segmentos implicava em saber como abordar
alunos em diferentes fases de escolarização.
O PPP, este último plano, não faz alusão à grade, pois afirma seu propósito
de construir a interdisciplinaridade através do desenvolvimento de competências e
nessa perspectiva altera a organização temporal do currículo e para este processo,
divide o 1º segmento em duas partes: 1º e 2º ciclos.
Os quadros abaixo mostram como foi sendo apresentado o conteúdo Número
a partir do PPP_2001. O conteúdo é tratado como tema e não é feita nenhuma
alusão à construção do sistema de numeração a começar por bases não decimais.
173
1º período 2º período 3º período
TEMA 1º ano / 2010
NÚ
ME
RO
S
Quantificar elementos de uma coleção utilizando diferentes estratégias: contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos. Identificar números em situação que envolvem contagem, numeração e medida. Comparar e ordenar coleções pela quantidade de elementos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 10.
Quantificar elementos de uma coleção utilizando diferentes estratégias: contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 10. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um e de dois em dois.
Formular hipóteses sobre a grandeza numérica, pela identificação da quantidade de algarismos e a posição ocupada por eles na escrita numérica. Ler e escrever, comparar e ordenar números até 99 . Identificar regularidades na série numérica para nomear, ler e escrever números menos freqüentes. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois e de dez em dez.
2º ano / 2010
Quantificar elementos de uma coleção utilizando contagem, estimativa e agrupamentos. Ler e escrever números até 199. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois e de 10 em 10.
Agrupar quantidades segundo diferentes critérios: duplas, trincas, quinas e dezenas. Identificar dezena como um agrupamento de 10 elementos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 599. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.
Identificar a centena como um agrupamento de 10 dezenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 999. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100, a partir de um número qualquer.
3º ano / 2010
Agrupar quantidades segundo diferentes critérios: duplas, trincas, quinas, dezenas e centenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.
Identificar o milhar como um agrupamento de 10 centenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 9.999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.
Ler, escrever, comparar e ordenar números até 9.999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 , de 100 em 100 e de 1.000 em 1.000 a partir de um número dado.
174
4º ano / 2010
Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses números pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.
Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses número pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.
Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses número pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.
5º ano / 2010
Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Lê, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal.
Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Lê, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal.
Quadro 9: Desdobramento do plano de ensino apresentado no PPP_2001 Colégio Pedro II / Unidade Escolar Humaitá I - Plano Anual de Matemática
5.4 A IMPLANTAÇÃO: COMO FOI DESENVOLVIDA A PROPOSTA
As orientações do curso eram para ser desdobradas em planos bimestrais,
mensais, semanais e por fim planos de aula. Também seriam realizados encontros
entre a coordenação de matemática e as professoras regentes. Nesses encontros o
plano era dividido, eram discutidas as sugestões de atividades que cumprissem com
as etapas. Neste momento surgia o debate sobre a metodologia, no que se
abordava o fechamento, a conclusão, a fixação dos conteúdos e a avaliação.
Fixação e avaliação eram dois pontos bem polêmicos. Parte significativa do grupo
de professoras não acreditava em listagem de exercícios para memorização, porque
poderia reproduzir a decoreba, não se recomendava o uso convencional da tabuada
e não eram adotados livros didáticos.
O desdobramento em atividades era feito através de adaptações dos
exercícios usados nas oficinas com as professoras (Figura 3), ou seja, o material da
formação era pouco diferente do material dado aos alunos, o que evidenciava que
175
as atividades dadas às professoras não avançavam ou aprofundavam conteúdos de
matemática e assim eram bem facilmente adaptado aos alunos e alunas.
Figura 5: Atividade73
dada aos aluno(a)s da 1ª série 1989
73
Figura 3: Ilustração: atividades sobre bases não decimais nos exercícios escolares 1987, do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos (em fase de catalogação).
176
Os conteúdos como teoria dos conjuntos ou conceito de grupo que talvez
pudessem ampliar a compreensão das professoras sobre a matemática
propriamente, como na abordagem que Dienes (1977) dá a grupos, com as
sugestões de atividades74 não eram abordados para fundamentar a proposta. Talvez
por este motivo as professoras polivalentes tivessem seus discursos interditados em
seus argumentos sobre os conteúdos de matemática em favor de uma reformulação,
uma vez que elas não possuíam conhecimentos específicos de qualquer
matemática, a não ser a elementar, a mesma do(a)s aluno(a)s para compreender o
que estava envolvido, por exemplo, nos sistemas de numeração, nas operações
com outras bases e mesmo com relação às propriedades das operações. Havia
compreensão no mesmo nível do(a) aluno(a) e o entendimento das estruturas
mobilizadas, mas não se explicitava a integração, articulação com os conhecimentos
matemáticos específicos que estavam por trás deste ou daquele conteúdo da
matemática. Por essa lacuna, pode-se dizer que o fato de haver entre as
coordenadoras de matemática do Pedrinho, professoras primárias com licenciatura
plena em matemática ajudou a sustentar a proposta.
Para efetivar esse programa precisava de planejamento e organização das
atividades pedagógicas, o que demandou a ampliação de quadros docentes
especializados e, por isso, foram criadas as coordenações pedagógicas,
coordenações de série, supervisão educacional. Isto nos proporcionava uma base
organizacional tecnicista para viabilizar um processo de divulgação, centralidade e
garantir a identidade e unidade no processo de ensino aprendizagem de
matemática, de acordo com princípios teóricos e metodológicos, permitindo a
participação de alunos e alunas trazidos mais ao centro da cena, do que o(a)
professor(a) como de costume, numa perspectiva democrática para o acesso aos
saberes da matemática mais bem distribuídos. Ainda com relação ao aumento do
staff, aumentou-se também a duração da jornada de trabalho, de 20 horas para 40
horas. As professoras prestavam concurso para uma jornada de 20 horas semanais
e logo depois de admitidas o regime de trabalho mudava para 40 horas semanais. A
partir de 1995/6 passou a ser possível optar pelo regime de dedicação exclusiva.
74
Atividades recomendadas no livro: Primeiros Passos em Matemática, nos três volumes e Geometria pela transformações (vol.1) ambos de Dienes – Golding, 1977.
177
O planejamento teórico e prático do programa de formação não teve a
participação de todas as professoras. Apenas um grupo deliberou sobre o programa,
contudo o plano definido contou com quase todas na sua execução. O plano de
matemática foi escrito pela Professora Diva Noronha e poucas alterações foram
feitas ao seu texto original. Havia uma grande preocupação, de que uma vez
trazendo crianças para o CP II, essas deveriam ter condições de obterem sucesso
na escola e certamente para isso precisavam de uma matemática que fosse
adequada e integrada à disciplina no 2º segmento.
O programa foi inovador no CP II exatamente por ser pilotado de maneira
organizada e sistemática num Colégio de tradição, por professoras primárias
acompanhadas por assessoria prestada por educadoras da redes estadual e
municipal que assim agregava valores à equipe de assessoras e às professoras que
inauguravam a matemática do Pedrinho. Uma vez que no início não foi adotado
nenhum livro didático, os exercícios eram elaborados pelas próprias professoras.
Era feita cópia e troca de material entre as unidades. Os alunos e alunas desde a
C.A tinham e ainda têm pastas de cores diferentes, uma para cada atividade. As
fichas das atividades em sua maioria eram numeradas ou datadas e a pasta era
esvaziada a cada bimestre. Apesar de não ter sido adotado livro didático durante
muitos anos, algumas professoras montaram apostilas para suas turmas. Na
unidade Humaitá, por exemplo, no período de 1994/96 a coordenação elaborou uma
coleção de apostilas de matemática (Figura 4) que entre outros objetivos visava
facilitar, em todas as séries, a dinâmica das pastas de exercícios avulsos, pois a
proposta de organização do material escolar previa a autonomia, disciplina e
organização dos alunos e alunas e isso não acontecia igualmente para todos e todas
e para alguns se tornava mais um fator para o mau relacionamento com a atividade.
Havia alunos e alunas que esqueciam as pastas, os exercícios e com as apostilas
esses problemas eram diminuídos. Dessa coleção de apostilas, no volume da 4ª
série, no tópico sobre frações era praticamente uma repetição das atividades de
fração do Projeto Fundão75. Outras professore(a)s de outras unidades também
75
Desde 1982, a equipe do Setor Matemática do Projeto Fundão realiza atividades de formação continuada de professores de Matemática, com grande aceitação em todo país. Realiza também pesquisa na área de Educação Matemática reconhecida internacionalmente. Sua experiência foi institucionalizada no Instituto de Matemática da UFRJ. http://www.projetofundao.ufrj.br/matematica/index.php?option=com_content&task=view&id=1&Itemid=47 acessado em 23/09/2012
178
elaboraram apostilas, houve uma produção do Prof. Walter Tadeu e na Unidade
Tijuca da Professora Yara Barreiros. Apesar da proposta não enfatizar ou
recomendar a fixação de conteúdos, mas sim a compreensão dos conceitos feitos
através de atividades com material concreto, isto não era consenso entre todas as
professoras. Havia no grupo de professoras algumas mais tradicionais que
acreditavam no modelo de fixação através de muitos exercícios em provas. O
conjunto de professoras do Pedrinho não era homogêneo no que dizia respeito à
compreensão e aceitação da metodologia e a absorção da proposta. Não se pode
dizer que houve resistência ostensiva ou uma oposição, mas foi necessária uma
sensibilização longa para a incorporação da proposta.
179
Figura 6: Capa de uma das apostilas de exercícios produzidas por Professoras das Unidades escolares de 1º segmento. Unidade Humaitá 1996.
180
COMO FOI IDEALIZADA A PROPOSTA:
O PROGRAMA DE FORMAÇÃO
O trabalho com esse tipo de metodologia requer, sem dúvida, o conhecimento genérico desses pressupostos. Mas requer, principalmente, a compreensão por parte do professor de que apontar para a construção do conhecimento implica uma mudança de postura, de valores. (PGE 1996/7)
Este programa foi desenvolvido com o apoio de especialistas da SEEDuc_RJ,
contratadas. Essas professoras articulavam com competência e habilidade, teoria e
prática, integrando os aspectos pedagógicos referentes aos conteúdos. Essa parte
ficava mais “palatável” às professoras de 1ª a 4ª série, pois existia um saber mais
próximo da pedagogia e da metodologia, de como a criança pode aprender, do que
ela deve aprender, que conteúdos, tudo feito de forma adequada, dinâmica e
participativa. Essa abordagem era bem mais familiar às professoras. O que fazia
diferença era o nível de aprofundamento dos conteúdos escolares de Matemática
principalmente no que se referia aos conteúdos de 3ª e 4ª séries, atuais 4º e 5º
anos. Não houve um programa de atualização para professoras o Pedrão e essas
por sua vez, apesar de dominarem os conteúdos escolares de Matemática,
precisavam integrar os conteúdos escolares de Matemática principalmente no que
se referia aos conteúdos de 3ª e 4ª séries, atuais 4º e 5º anos com relação aos
aspectos pedagógicos e metodológicos e também se situavam pouco a vontade com
relação aos aspectos pedagógicos e metodológicos.
Podemos considerar que este programa foi uma estratégia, para a formação
das professoras deste segmento, na medida em que a formulação do programa e
seu desenvolvimento foi feito do lugar do poder. Forças foram mobilizadas para
garantir a implantação do programa, a ponto do 1º segmento ser “blindado” e estar
no início diretamente vinculado à Direção Geral sem passar pela Secretaria de
Ensino. Com essa estratégia foi possível transformar as incertezas instaladas sobre
o Pedrinho em espaços legíveis (Certeau, 1994). A equipe do Pedrinho construiu
uma proposta pedagógica para o ensino de Matemática com independência e
autonomia com relação ao Departamento de Matemática do Pedrão. Foi uma
proposta de vanguarda para o ensino da Matemática no 1º segmento, contando com
o apoio teórico e prático de grandes educadoras que atuavam na formação de
181
professores do Estado do Rio de Janeiro. Não foi original, mas continha elementos
que iam de encontro ao que era praticado no Pedrão. O que nos permite dizer que a
qualidade do ensino proposta para e pelo CP II tinha como matriz o programa de
ensino oficial do Estado do Rio de Janeiro e foi implantada com o apoio de
educadores que lecionavam nas redes estadual e municipal. Podemos dizer que o
programa desenvolvido na escola federal foi elaborado por professoras que não
pertenciam a essa rede. Este plano foi importado e adaptado da proposta curricular
da rede estadual e municipal do Rio de Janeiro, o que implica também em dizer que
o movimento de reforma da matemática que se movia em curso silencioso mas
permanente teve mais uma oportunidade de instalar-se novamente dentro do CP II,
desenvolver-se e buscar consolidar-se configurando uma proposta própria com a
tradicional qualidade de ensino do Colégio.
O programa foi elaborado para as séries iniciais e esteve sujeito a críticas e
pressões por projetar um ensino de Matemática para crianças sem que tivesse o
caráter terminal, e sim de continuidade, pois elas continuariam na mesma escola, e
que não fosse preparatório para concursos de admissão, pois elas não precisariam
mais passar por isto, uma vez que estava garantida a continuidade do ensino de 8
anos. A questão centrava-se numa relação de poder, sobre quem o exerceria na
formulação do que viria a ser ensinado de Matemática no primário do CP II, quem
determinaria este programa numa escola que em 147 anos se pautava numa
proposta conservadora. Como se exerceria este poder?
A integração entre os dois segmentos do fundamental teve que ser bem
trabalhada. Tivemos o caso de um Diretor do Pedrão que aplicou a(o)s aluno(a)s
oriundo(a)s do Pedrinho uma prova do concurso de seleção (Figura 5) externa que
era feita por banca composta por professore(a)s de Matemática, especialistas do
Pedrão aos aluno(a)s saído(a)s do Pedrinho para saber se eles realmente estavam
aptos a ingressar na 5ª série do Pedrão. Já havia na unidade São Cristóvão turmas
que tinham concluído a 4ª série (1987) e foram encaminhadas do Pedrinho para o
Pedrão. Então o que justificava a aplicação de uma prova de seleção aos alunos e
alunas do Pedrinho quando três unidades de primeiro segmento já funcionavam e há
muito tempo já não se aplicavam mais exames de seleção? A aplicação desse
exame nos aluno(a)s do Pedrinho, pode nos levar a crer que ainda pairavam dúvidas
182
sobre a performance das professoras polivalentes do Pedrinho com relação ao
processo de ensino e aprendizagem de matemática. Eventos como este e a tensão
nas reuniões nos levam a hipótese de que na disputa pela hegemonia do texto uma
das estratégias era a interdição do discurso das professoras polivalentes.
Figura 7: Exame de seleção aplicado aos aluno(a)s da seleção externa foi aplicado aos aluno(a)s vindos do Pedrinho em 1987. A proposta era bastante diferente.
Os planos trouxeram alguns trechos que traduziam as diretrizes pedagógicas
para o 1º segmento. Podemos destacar nesses planos algumas características que
foram sendo alteradas.
183
1984 1988 1996/97 PPP_2001
Diretrizes Pedagógicas
Princípios Gerais
Interdisciplinaridade. “Rumo à Interdisciplinaridade”, marcado pela alteração do formato do PGE volume único por segmento e não mais por disciplina permitindo que os docentes de cada departamento tenham a visão do curo fundamental (2º segmento) em um volume e ensino médio em outro volume. Cada um desses volumes contendo todas as disciplinas buscando viabilizar a construção de um projeto interdisciplinar.
Diretrizes de Ensino
Objetivos Gerais
Metodologia, com ênfase na matemática
Organização / Grade curricular
A disciplinarização das atividades: apresentação por série e por disciplina
A organização curricular é feita através de componentes curriculares por ciclo ao invés de séries (Cap 5)
Objetivos Gerais
Sobre o aluno
Avaliação
Quadro 10: Princípios da proposta pedagógica contida nos planos.(elaborado pela autora)
No PPP podemos verificar fortes traços das influências dos PCNs trazendo
alterações de ordem organizativa, teórica, e na ordenação filosófica notadamente
pela troca dos objetivos por competências disciplinares, atravessado por um debate
filosófico com nuances políticas que colocam a educação em novos rumos que não
vamos abordar nesse estudo, mas que são considerados neotecnicistas pautados
numa educação voltada para o mercado e também em algumas referências de
algumas disciplinas.
Houve aceitação do corpo docente para o programa geral de formação em
serviço, contudo, pode-se notar uma certa resistência na parte de Matemática. Foi a
única assessoria da equipe a ser trocada.
O que pode ser analisado a luz da pouca afeição que as professoras das
séries iniciais tem por essa disciplina. Isto se espelhou nessa atitude de trocar a
184
assessora. Posto que a matemática havia de ser trabalhada, trocar a assessora foi
uma marca da resistência, que as professoras primárias têm com relação a essa
disciplina. É interessante notar a relação que as professoras primárias tem com essa
disciplina, pois este sentimento perpassa a construção da proposta para o ensino.
No grupo das professoras das séries iniciais muitas delas tinham alguma
experiência no exercício do magistério no ensino fundamental.
Foi “relativamente” fácil agregar o ideário de Jean Piaget e Dienes à prática
pedagógica das professoras e produzir um relacionamento das estruturas
fundamentais da Matemática com as outras atividades da primeira a quarta série, o
que nos permitiu pensar de forma integrada nas séries iniciais. Porém, pensar mais
conteúdos de Matemática do que de Pedagogia e Metodologia era um pouco áspero
para as professoras sem formação em Matemática.
Pelo fato de as práticas escolares no Pedrinho lançarem mão,
frequentemente, de material concreto e de muitas atividades lúdicas e uma
sistematização “mais leve”, sem o rigor da disciplina, quando os alunos e alunas do
Pedrinho chegavam ao Pedrão, as professoras do fundamental II além de pedirem
aos alunos e alunas do Pedrinho para se identificarem levantando a mão elas
também diziam: “A partir de agora acabou a brincadeira!”, apresentando um
descaso, por chamar de “brincadeira” o trabalho realizado por professoras das séries
iniciais. Devemos dar atenção a essas representações, pois pode residir neste fato o
impasse entre a continuidade do processo de ensino e aprendizagem de matemática
ao longo do ensino fundamental e cristalizar a diferença histórica de tratamento e
segmentação dentro da categoria docente.
Este capítulo referente ao programa de ensino de matemática das séries
iniciais do CP II é a razão desse trabalho. Tocar essa questão por último significa ela
é o efeito, o produto de uma construção ao longo de um tempo que foi resgatado
nesse estudo. A proposta de ensino de matemática escrita para ser desenvolvida
nas séries iniciais do Colégio Pedro II pôde ser considerada um avanço, uma
conquista de muito(a)s que vieram desenhando uma escola pública de qualidade,
onde crianças fossem tratadas de acordo com suas competências e necessidades,
baseado no que havia de mais avançado e adequado em termos de educação
primária da época.
185
Essa produção de práticas e saberes escrita no programa merece ser narrada
pois também foi um marco. Foi um trabalho que houve no CP II em que foi operada
uma reforma que emergiu de quem faz, das protagonistas, a reforma foi realizada
por quem atuava diretamente na sala de aula, dentro da escola contribuindo para a
alteração parte do acervo ideológico da professora Primária do ponto de vista
administrativo e pedagógico diante de todo o Colégio.
Este marco serviu de base para as futuras e permanentes alterações
ocorridas no colégio, uma vez que, como vimos, contribuiu para que fosse realizado
um rompimento com uma estrutura que não era muito questionada e muito pouco
permeável.
186
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo apresentou recortes da história da educação no Brasil com vistas
a favorecer a compreensão da trajetória do ensino primário desde as primeiras
letras, passando pela criação do CP II, onde após 147 anos o ensino primário veio
se estabelecer. Para entender por que esse encontro demorou tanto para acontecer
o encontro do ensino primário com o ensino secundário na mesma instituição CP II e
a trajetória deste segmento no interior desta casa de tradição no ensino.
Este registro foi configurado a partir da Independência, quando podemos
evidenciar entre os anos de 1824 e 1827 normativas que demonstraram o interesse
da jovem nação independente em organizar um sistema educacional no país,
buscando capturar de que maneira foi possível, ao longo de menos de dois séculos,
a educação ir se organizando e desenhando de modo a possibilitar a criação do 1º
segmento do ensino fundamental no CP II.
Tomamos, então, como principais marcadores, a Constituição de 1824 e a lei
de 15 de outubro de 1827, considerando-se esta última como o embrião da escola
primária no Brasil independente. No início, a oferta de ensino elementar, instrução
primária pública, foi insuficiente, e o ensino secundário beneficiou apenas parte da
população. O Colégio Pedro II, por exemplo, que foi criado na primeira metade do
século XIX, destinava-se à formação de pequena parte da população, a elite, e teve
status de colégio padrão por um longo período da história. A insuficiência de
orientações mais específicas revelava o reduzido interesse sobre o ensino primário,
comparando-se com o volume de determinações referentes ao ensino secundário.
Por outro lado, podemos notar na presença dos, ainda que poucos, tópicos sobre
ensino primário, que a nação não se podia furtar ao abordar o tema da educação. O
ensino primário foi trazido no âmbito das legislações, com muitas carências, até
1946, quando foi feita uma lei orgânica especificamente sobre esse tema, que
adquiriu maiores contornos na segunda metade do século XX, de forma mais
marcante nas leis de diretrizes e bases, sendo as mais expressivas determinações
para o ensino primário trazidas nas duas últimas LDBs: 5902/71 e 9394/96. A
educação primária, especificamente, tem bem pouco mais de cinquenta anos e a
187
instituição deste segmento apresentou muitos problemas, que passaram pela
descentralização, desregulamentação, carência de recursos financeiros e de
pessoal.
Podemos observar as evidências do pouco caso dado ao ensino primário
dentro de um país com tantas precariedades na sua organização social, educacional
e política, quando comparados à prioridade que sempre foi dada ao ensino
secundário, que era considerado importante por ser via de acesso ao ensino
superior. Esse ideário acompanha a vida educacional do país até os dias de hoje.
Porém, as lutas pela qualidade de vida e de bem estar social protagonizadas
pelas camadas populares de uma forma ou de outra mobilizaram as elites de modo
a fazê-las “ceder” minimamente, reconhecendo essas demandas. Assim, a
universalização do ensino veio se consolidando e sua ampliação ganhou força com
a gratuidade e a obrigatoriedade da escolarização. Nos textos oficiais, podemos
verificar que o discurso da universalização também foi avançando, na medida em
que ampliava a idade para iniciar a escolarização das crianças, aumentando
oficialmente o ciclo fundamental. O ensino primário, ainda que mantendo a matriz de
1946, hoje prescinde do exame de admissão como forma de acesso ao ginasial
(fundamental II) e apresenta alterações importantes: ampliou-se com o pré-escolar,
atual educação infantil, e a oferta de ensino está garantida para crianças de seis
anos em diante nas séries iniciais.
Em todo o período estudado, é possível perceber que a educação reproduziu
o que ocorria na política nacional: a correlação de forças na sociedade entre a elite
que pretendia garantir seus privilégios na educação, a política internacional com
seus mecanismos de controle ideológico e as demandas das camadas populares por
mais acesso e inclusão. Os textos legais traziam, e trazem, à tona a preocupação do
Estado em se comprometer em ampliar a oferta do ensino em todos os níveis,
contudo, abrindo sempre a brecha, desde o início, para a expansão da iniciativa
privada, revelando assim suas contradições através do que pode-se dizer um
“compromisso descompromissado”, na medida em que o setor privado avançou nas
lacunas, nas muitas impossibilidades que são muitas vezes deixadas pelo Estado, e
trouxe para o seu interior avanços e recuos da própria sociedade na figura de seus
dirigentes e na expressão das suas normativas.
188
A contar da era Vargas, marcada pelo governo provisório (1931), houve
importantes marcos para o que viria a configurar um sistema de educação no Brasil:
a reforma do ensino da matemática no CP II (1929/30), a criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública (1931), o Manifesto dos Pioneiros (1932) e as reformas
Campos e Capanema, esta última com ênfase na Lei Orgânica do ensino primário
(1946). Conta-se, desde 1946, data que pode ser considerada a da primeira
estruturação sistemática do ensino primário, a Lei Orgânica de 1946, até o ano de
1984, data de inauguração do 1º segmento no CP II, com apenas trinta e oito anos
de organização e estruturação do ensino primário, matriz do que se tem configurado
no CP II.
Percebe-se que é muito recente, relativamente nova, a preocupação com a
criança, o olhar para o que seja ensinar crianças e as especificidades de seu
tratamento com vistas à escolarização. Tais preocupações foram marcadas no
Manifesto dos Pioneiros (1932), fortemente influenciado pelo movimento
escolanovista, que deu a linha mestra ao atendimento à demanda social pelo
tratamento dado à criança na fase inicial de escolarização; no Parecer 853/71 e,
mais recentemente, nas diretrizes para o ensino fundamental (séries/anos iniciais)
que vêm sendo pontuadas nas legislações que atualmente têm buscado ampliar o
atendimento nesses segmentos.
Em face a toda mobilização em torno de uma política educacional para
enfrentar os novos desafios do desenvolvimento, surgiram as propostas de ensino
que permitiriam o acesso e garantiriam maior acesso e permanência dos estudantes
no sistema fundamental de ensino, uma vez que ainda existiam os exames de
admissão/seleção/exclusão, na medida em que a oferta ainda não alcançava todos
os estudantes?
Com o intuito de escolarizar a maior parte da população, qual seria a
matemática que viria a ser praticada para o progresso da ciência e inserção num
mercado mais industrializado? Havia os históricos acordos MEC-USAID, com os
quais se pretendia dar condições de propor uma intervenção no que seria proposto
nos currículos escolares brasileiros através de investimentos para a formação de
professores. Esteve-se sob a influência do escolanovismo norte-americano e de
189
modelos de ensino europeus que modificaram o quadro do ensino no Brasil. A
reforma de ensino da matemática proposta por Euclides Roxo no CP II é um
exemplo disso. Essa reforma alcançou todo o país, dada a projeção de Roxo como
diretor do CP II e sua proximidade com as autoridades e dirigentes do Ministério da
Educação dessa época.
A educação no Brasil ocupou-se tarde com a universalização do ensino
público para crianças. Somente a Lei 5692/71 tratou da obrigatoriedade do ensino
dos 7 aos 14 anos, juntando o primário com o ginásio, sob a denominação inicial de
Primeiro Grau – um segmento inteiro de oito anos. Mas o ideário da partição não se
apagou com uma penada e essa divisão ainda se manteve com o 1º segmento
(antigo primário) e o 2º segmento (antigo ginásio) do primeiro grau. Essa partição
trouxe como possível mensagem subliminar uma hierarquização do tipo “quem sabe
mais, quem ganha mais, quem estudou mais é mais valorizado” e isso ficou
representado no próprio valor dado à titulação e aos salários. Essa partição foi
traduzida no programa de matemática esvaziado dos cursos de formação de
professores das séries iniciais frente ao aprofundamento excessivo de conteúdo
apresentado na graduação e ao aligeiramento dado às disciplinas pedagógicas nas
licenciaturas. Atualmente, há uma tentativa de alterar esse quadro de diferenciação
na formação inicial dos professores que lecionarão no 1º segmento. Essa tentativa
está posta no texto da LDB 9394/96, mas ainda está em processo, visto que o curso
de formação de professores em nível médio ainda existe, gerando um corpo de
professores de séries iniciais mais (des)valorizados que outros. Atualmente, o
concurso para o ingresso de professores do Pedrinho não admite mais professores
formados apenas no nível médio, exigindo, para tanto, em edital, a habilitação em
curso superior, também para seguir uma orientação da LDB.
Pode-se dizer que o CP II sofreu duas grandes alterações em termos de
orientação curricular para o ensino de matemática. Uma vinda por dentro e por fora,
que afetava uma prática que já existia em nível nacional, como se pode constatar na
presença de Euclides Roxo no panorama educacional nacional; esse movimento,
porém, envolveu mais do que o CP II. A outra significativa alteração foi gerada no
interior do colégio, promovida pela proposta curricular conduzida pelas professoras
do 1º segmento, porém não formulada originariamente por elas. Essa nova alteração
190
era protagonizada por dentro do Colégio, mas trazia fortes influências externas,
como ocorreu nos anos 30 e 40.
O Pedrinho, 1º segmento, trouxe a marca histórica do fosso entre o primário e
ginásio configurado na disputa pelo seu programa de ensino. Vale lembrar que essa
disputa ocorreu, diferentemente, em todos os departamentos das disciplinas do
núcleo comum, menos Educação Física e Educação Musical, nas quais os
professores eram dos respectivos departamentos, ainda que alguns desses
departamentos não quisessem dar aulas para crianças do 1º segmento.
O estudo da proposta veio também salientar as hierarquias, as cisões, as
diferenças e os preconceitos que afastavam segmentos da mesma categoria. Ainda
que no CP II, ser professor do Pedrinho ou do Pedrão não faz diferença enquanto
categoria administrativa de servidor público, a remuneração se dá por titulação, e
não pelo segmento em que se leciona. A diferenciação é da ordem do status, que é
também uma construção histórica que diferencia quem dá aulas para crianças, e
essa questão passa pela formação inicial do professor em qualquer rede. Por esse
motivo, não se pode deixar de tocar na formação de professore(a)s que vão lecionar
Matemática no primário e recomendar um estudo aprofundado sobre esse assunto.
De maneira geral, nesse caso, pode-se afirmar que o segmento da categoria
que leciona nas séries iniciais é majoritariamente feminino. No CP II, são todas
mulheres no 1º segmento. Muitas dessas alunas fizeram o curso normal porque
tinham medo ou não gostavam de matemática, pois esse é um dos componentes
que caracterizam a professora primária: uma certa aversão à Matemática. Elas
procuram nesse curso, um segmento da profissão docente onde a matemática é,
historicamente, tratada com menos importância ou atenção. Isso talvez tenha
contribuído para que no início do curso primário no CP II houvesse a expectativa de
que as professoras de matemática do Pedrão determinassem a matemática do
Pedrinho, bem como orientassem as professoras das séries iniciais, o que não
aconteceu por determinação do Diretor Geral do Colégio na ocasião.
Essa visão que se tem da matemática nas séries iniciais como menos
importante do que os processos de alfabetização estritos, por exemplo, podem ter
191
sua origem no fato de que, por muito tempo, na educação brasileira, não foi dada a
devida importância ao ensino primário e, muito menos, ao ensino de conteúdos
matemáticos na escolarização de mulheres. Então, temos o seguinte cenário: muitas
mulheres, pouca matemática.
As novas professoras do CP II tiveram a tarefa e o desafio de criar uma
proposta de ensino de qualidade que levasse os alunos do Pedrinho para o Pedrão
sem a tradicional prova de seleção. Seriam essas professoras que proporiam qual
seria a matemática adequada a fim de garantir um bom desempenho para o
prosseguimento de estudos no fundamental II / 2º segmento e no ensino médio. Este
foi o ponto de conflito que remeteu a autora deste trabalho à reflexão sobre os
saberes, formação e identidade docentes, acreditando que esse material e essa
iniciativa do Colégio de inaugurar o 1º segmento conseguiu manter o ensino de
qualidade bem como impulsioná-lo a uma re-orientação pedagógica geral importante
no cenário educacional deste grande Colégio.
A implantação do 1º segmento do Ensino Fundamental no CP II permitiu
levantar algumas questões referentes à formação de quem ensina matemática nas
séries iniciais. Esses questionamentos nos remetem à identidade das professoras,
pois nesse contexto é muito bem marcada a formação inicial de quem leciona
matemática no Colégio. Professoras sem formação específica (polivalentes e com
formação), graduadas e licenciadas. Com essa diferença na formação inicial,
estabelece-se um conflito sobre quem define o programa de matemática do Colégio.
Apesar de todos os conflitos provocados pela adoção de outras metodologias,
novas teorias, diferentes correntes filosóficas e o conhecimento dos conteúdos
específicos, esse espaço de conflito programático foi determinante e construtivo
para todos os segmentos do Colégio.
Historicamente, as mulheres não se ocupavam - e ainda são poucas as que
se ocupam - em seguir carreiras profissionais em que seus currículos se baseiem
em profundo conhecimento de ciências exatas, com ênfase em física e em
matemática.
192
Sobre o que era ensinado, o estudo sugere que o problema pode residir na
diferenciação dos saberes e motivações, o que a professora primária sabe para
ensinar Matemática e o que ela deveria saber para ajudar o aluno a prosseguir os
estudos, e o que a professora especialista sabe em termos de conteúdo e o que ela
deveria saber, também, para ajudar o aluno a prosseguir estudos com sucesso em
Matemática, e com isso, também, entender e explicitar uma forma de pensar um
ensino de matemática que seja de fato integrado, como pretende ser o ensino
fundamental.
A matemática ensinada no curso normal é, em grande medida, uma repetição
do que as estudantes viram no primário. Não há uma continuação, expansão ou
aprofundamento de conteúdos como ocorre no ensino médio regular. De modo
geral, as ciências físicas e biológicas no curso normal eram dadas de forma
integrada e aligeirada, contando com pouco tempo na grade. Pode-se dizer que se
ensina para a professoranda estritamente o que ela ensinará ao aluno, sem articular
os conteúdos, sem contextualizá-los ou integrá-los com a própria matemática. Em
síntese: a professoranda vai aprender a ensinar o que ela mal sabe e tornar-se a
professora primária-polivalente que vai conduzir a construção da base, dos alicerces
da aprendizagem, das estruturas do pensamento lógico matemático com conteúdos
de matemática que vão acompanhar, em grande medida, os alunos até a 6ª série/7º
ano. A ênfase no programa de matemática para o curso normal é dada ao “como
ensinar”, e não ao “o que se ensina”, “por que” e “para que se ensina”, partindo do
princípio de que a professora primária deve saber bem as formas de ensinar.
Desde Euclides Roxo não se produzia uma mobilização tão substancial no
ensino de matemática no Colégio. Pode-se constatar que foi possível vislumbrar
uma outra matemática nos textos dos programas de ensino de matemática que
passaram a ser praticados no CP II. Há muito tempo o Colégio não vivenciava em
seu interior uma oportunidade de alteração na proposição de seus conteúdos tão
mobilizadora. A criação do Pedrinho foi uma decisão determinante que fez, a médio
prazo, com que a matemática praticada no CP II passasse por uma reorientação.
Foi constatado sobre os departamentos, que o do 1º segmento e o de
matemática precisavam de um diálogo. Esse diálogo não foi simples ou fácil. Antes
193
dele, porém, todo o departamento do 1º segmento passou por um processo amplo e
profundo de formação em serviço. A implantação do ensino de matemática nas
séries iniciais do CP II permitiu-nos constatar, na prática, algumas questões e
conflitos na passagem do 1º segmento/fundamental I para o 2º
segmento/fundamental II.
A abordagem feita em torno do discurso acerca da disciplina matemática e
sobre quem a ensina e quem a aprende, serve para mostrar que é possível
categorizar, hierarquizando, a população escolar a partir da medida ou profundidade
com a qual se domina a disciplina, e isso pode acontecer entre professoras que
lidam com essa matéria em diferentes graus de ensino, principalmente com a
professora primária polivalente, que nem sequer é especialista na disciplina. Tal fato
não é prerrogativa entre quem leciona Matemática. Isso pode ocorrer nas relações
entre as professoras polivalentes e as professoras especialistas de outras
disciplinas; porém, é um entrave determinante na Matemática, que já tem tantos
problemas como a vilã da repetência e exclusão.
Essa temática foi abordada citando a diferença entre os programas de
formação das professoras que são extremamente desiguais na distribuição dos
conteúdos específicos e dos saberes pedagógicos e metodológicos. Esses saberes
precisam ser articulados e equilibrados nos programas de formação de professoras
para realizar um ensino de matemática conectado às práticas educacionais mais
avançadas e adequadas na relação ensino e aprendizagem nas séries iniciais. As
relações de poder que se desenvolvem em torno do programa da matemática
escolar, que além de hierarquizar definindo quem sabe e quem não sabe,
evidentemente instala socialmente diferentemente as pessoas de acordo com essa
perversa categorização hierarquizante.
O ensino da matemática no CP II alterou-se, de certa forma, no conjunto da
obra. Houve algumas transformações de fundo durante um certo período, que
serviram de ponto para reflexão e consolidação de uma proposta que se distanciava
do ensino tradicional.
194
Houve uma relativa “facilidade” em absorver o novo ideário devido ao fato
desse incorporar elementos da psicologia e uma metodologia centrada na ação da
criança, sujeito que aprende. Também não se pode dizer que houve unanimidade
em implantar a proposta do jeito como foi apresentada, O que havia, é que a maioria
das jovens professoras optaram por ousar a nova proposta. O fato de a maioria das
professoras do Pedrinho serem jovens (a média de idade era baixa, cerca de 25/27
anos) adicionou ânimo, disposição e ousadia para enfrentar a novidade no Colégio e
vontade de implementar a proposta.
Contudo, a prática escolar do Pedrinho formatou-se, buscando conciliar-se
um pouco às práticas do Pedrão. O ensino da matemática continua estruturado,
sequenciado, mas pouco se trabalha atualmente tal como era estabelecido na
proposta original, que nos aproximava do movimento de reforma da matemática,
com materiais concretos. Fala-se pouco de Piaget e Dienes. As novas gerações de
professoras que ingressam no Colégio não sabem dessa história; apenas lembram
que o CP II teve uma grande fase de vanguarda e esses “ares” vanguardistas
sopram o Colégio para a frente; mas são somente os ares.
Para que haja uma transformação no ensino da matemática que permita a
muitos o acesso ao conhecimento de seus conteúdos com sucesso escolar, é
necessário realizar alterações ainda mais profundas. É importante desconstruir a
prática da hierarquização pelos saberes, em que quem sabe matemática sabe mais
do quem domina outros conteúdos de outras áreas que não as exatas. Isto produz
um afastamento da matemática de um contexto mais político e solidário.
É preciso desconstruir a ideia da exatidão em Matemática no que atinge,
principalmente, o 1º segmento, e abrir mão de excessivo rigor na matemática,
possibilitando diálogo com outras áreas do conhecimento. Dessa maneira, será
possível promover “encontros” da matemática com outras disciplinas escolares; e, de
fato, interdisciplinarizar.
É necessário outro processo de formação continuada que articule as
respostas a algumas das questões levantadas com esse estudo sobre o primário do
CP II. O que ocorreu no Colégio com vistas à formação das professoras do 1º a 5º
195
ano foi bastante inovador e consistente, e até hoje suscita debates e fomenta um
importante campo de pesquisa, campo no qual este trabalho se situa. Cada frase
leva a uma nova questão, levanta outra problemática, fato que constata a riqueza
valorosa dos trabalhos realizados nos Pedrinhos, em matemática, e certamente
também em cada atividade, em cada unidade em diferentes períodos. Merece
ampliar o capítulo 5 do PPP - Espaço de Conhecimento - e renomeá-lo para “Espaço
de Produção de Conhecimento”, de modo que ele apresente, além dos programas,
também um espaço para pesquisa. Assim, no próximo PPP, ter-se-ia um novo
capítulo: Colégio Pedro II – espaço de pesquisa e produção de conhecimento.
Devido à trajetória profissional da autora deste trabalho, dedicada, em boa
parte, à formação e coordenação de professoras, observa-se que uma orientação
política e pedagógica para o ensino de matemática não pode estar desvinculada de
sua trajetória histórica, associando cultura escolar, conhecimento acadêmico e
pedagógico para o trato com a disciplina, ainda mais por se tratar do primeiro
segmento – as séries/anos iniciais. O estudo busca ajudar a desvelar o que está
posto em jogo neste segmento: a disputa pelo programa de ensino, bem como a
correlação de forças entre grupos que pretendem ter para si o poder através da
hegemonia do discurso. A outra contribuição é que visa a tirar a professora primária
do lugar infantilizado, tentando revelar qual é o lugar que ela ocupa historicamente
em relação às especialistas.
O estudo em tela mostra com mais elementos que o conhecimento da história
da educação matemática no Colégio Pedro II possibilitará críticas e análises sobre a
construção das lutas ideológicas, e poderão fundamentar novas ousadias e, talvez,
alterações nos programas que hoje são praticados no Colégio.
E assim eu me escrevi e me inscrevi, Neste lugar de memória. Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo isso me trouxe aqui!
196
REFERÊNCIAS
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201
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202
ANEXOS
ANEXO 1 – Homenagem ao Pedrinho pela passagem do se Jubileo de Prata 25
Anos/ 1984- 2009
Caríssimas Companheiras.
Parabéns a TODAS pela homenagem justa e merecida por participarem deste
importante projeto.
O Departamento do 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro
II foi agraciado com a MEDALHA PEDRO ERNESTO, honraria máxima concedida
pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro através do seu conjunto de Vereadores.
Além da Medalha serão dadas moções ou homenagens especiais a algumas
PROFESSORAS.
Solicitaram que fosse encaminhados nomes de professoras e funcionárias
que poderiam ser homenageadas nesta cerimônia. Encaminhei a Solicitação à
Chefe de Departamento.
Minha sugestão é de que esta homenagem seja feita em primeiro lugar às
“FUNDADORAS” que completam o aniversário e a outras que contribuíram para a
grandeza do Colégio e do Pedrinho para o qual tanto nos dedicamos.
Recomendo, como não poderia deixar de ser, uma homenagem especial à
Professora Vera Maria Ferreira Rodrigues, que além de sempre ter apoiado o
Pedrinho, hoje representa nos representa como uma MULHER, TRABALHADORA,
PROFESSORA que chega ao posto de comando máximo, a Direção Geral desta
instituição que tem o Pedrinho, como sua âncora. É sem dúvida um privilégio que
podemos compartilhar.
1. Dalva da Mota que foi a professora que assinou o projeto para a criação do
1º Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. Ela foi a primeira Diretora da
Unidade São Cristóvão.
2. 2. Profª Claudia Benvenuto, foi responsável pela implementação de uma
203
proposta pedagógica para o 1º Segmento que fez com que este apresentasse
um grande diferencial pedagógico e metodológico para o ensino de 1ª a 4ª
série no MRJ e também dentro do próprio Colégio Pedro II
3. In memorian ao Prof. TITO URBANO DA SILVEIRA - o Diretor Geral que criou
o “Pedrinho” – Unidades de 1º segmento.
4. Estas professoras foram Chefes de Departamento: Claudia Benvenuto
Azevedo Lima; Patricia Almeida Fernandes; Gloria Maria Alves Ramos;
Elizabeth Maria Granja França; Ana Maria de Souza e atualmente Ana Paula
Barros Jorge que deverá receber a homenagem do Departamento.
5. De resto segue a relação nominal das primeiras PROFESSORAS que
compuseram o quadro do Departamento iniciando esta jornada de muita luta,
sucessos e conquistas.
Relação das professoras concursadas em 1984 e que foram empossadas para
iniciar aulas em abril deste ano:
1. Alice Ribeiro de Castro 2. Elizabeth Maria Granja França 3. Rita Alves da Silva 4. Dalva da Mota 5. Claudia Benvenuto Azevedo Lima 6. Denise da Silva Ribeiro 7. Wlacy Pedreira Benvenuto 8. Rosangela Assunção de Freitas 9. Glaucia Soares Bastos 10. Tereza Maria Prallon 11. Marcia Maria Granja França 12. Eliete Ana Barbosa de Souza 13. Maria Lucia Martins 12. Aline de Brito Viegas 13. Marcia Cristina de Almeida 14. Aline de Brito Viegas 15. Marcia Cristina Almeida 16. Patricia Almeida Fernandes 17. Eliane Salim Antonio 18. Cristina de Souza Vergnano 19. Aura Tereza do Nascimento Teixeira
204
20. Yara Barreira de Morais 21. Ana de Oliveira 22. Celeida Duarte Pimentel 23. Maria de Lourdes Teixeira 24. Vanda Pereira Brando 25. Lea Wajperlach 26. Inês Barbosa de Oliveira 27. Heloisa da Mota 28. Denise Sayde de Azevedo 29. Juçara Roque Carrapateiro 30. Edite Resende Vieira 31. Juliana da Silveira Torres 32. Ana Paula de Barros 33. Maria Tereza Lobianco 34. Simone Pires Domingues 35. Elizabeth dos Santos Barros 36. Juçara da Mota 37. Maria Luiza Abrunhosa 38. Dione Coelho Moreira 39. Ana Maria de Souza 40. Berenice Massiere de Castro Silva 41. Gloria Maria Alves Ramos 42. Maria Marta Mendes Nascimento 43. Valencia Mateus Nogueira 44. Ana Luiza Dias Bastos 45. Marcia Regina Mauricio de Lima
O texto abaixo é transcrição do DCM.
DCM – Diário Oficial do Poder Legislativo do Município do Rio de Janeiro
Ano XXXIII . Nº 63 . RIO DE JANEIRO
Quarta-feira, 8 de abril de 2009
Requerimento nº 110/2009
Requeiro à Mesa Diretora, na forma regimental, a concessão do Conjunto de
Medalhas PEDRO ERNESTO ao PEDRINHO – Departamento do 1º Segmento do
Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, pelos seus vinte e cinco de relevantes
serviços prestados em prol da Educação em nosso Município.
Plenário Teotônio Villela, 6 de abril de 2009.
Vereadora CARMINHA JEROMINHO
205
Com o apoio dos Srs Vereadores Tânia Bastos, Stepan Nercessian, Liliam Sá,
Bencardino, Carlos Bolsonaro, Roberto Monteiro, Claudinho da Academia, Vera
Lins, Leonel Brizola Neto, Patrícia Amorim, João Cabral, Ivanir de Mello, Cristiano
Girão, Tio Carlos, Carlo Caiado, Dr. Fernando Moraes e Elton Babu.
O Colégio Pedro II completará 172 anos. É uma instituição sesquicentenária e
carrega em sua trajetória a história da Educação no Brasil.
O Pedrinho afirmou, reforçou e consolidou a imagem do Colégio Pedro II
como elevador social e o fez para muitos, assim garante escolarização básica
(fundamental completa e médio) ininterrupta para crianças e adolescentes. O
Colégio Pedro II é uma escola pública completa há 25 anos por causa dos
PEDRINHOS.
O Pedrinho, trouxe mais democracia para dentro do Colégio, promoveu a
inclusão de direito e de fato, garantiu acesso e permanência dos alunos e alunas,
permitiu o acesso através de sorteio público, garantiu a permanência de estudantes
com apoio pedagógico e promove um ensino laico e de qualidade socialmente
referenciada. Atende o corpo discente dentro de uma concepção pedagógica
multicultural que admite acolher em seu interior toda a diversidade da sociedade
efetivamente sem qualquer discriminação.
Na década de 90 o Colégio foi eleito por três vezes a melhor instituição
educacional do Rio de Janeiro, ganhou outros prêmios nesta mesma categoria e no
ano de 2008, os quatro Pedrinhos ficaram entre as 20 melhores escolas em
desempenho no ranking produzido pelas avaliações oficiais nacionais.
Este resultado de sucesso é fruto do trabalho de cerca de 200
PROFESSORAS distribuídas em quatro unidades de 1º segmento – os Pedrinhos.
A resposta esta aí. São 25 anos de um Departamento que tem cerca de 200
PROFESSORAS, 200 turmas, 3700 alunos e alunas. Noventa e nove por cento das
professoras tem especialização lato sensu, outras com mestrado e doutorado. O
Colégio tem um plano de carreira que valoriza a PROFESSORA por seus estudos e
titulação, desta forma estimula as professoras a prosseguirem seus estudos,
construir uma carreira acadêmica consistente e competente e oferece condições
adequadas para que elas permaneçam lecionando no 1º segmento. Elas trabalham
206
em regime de dedicação exclusiva, o nome já diz, e desta forma realizam este
trabalho que merece ser homenageado. Mais ainda porque tudo isto não foi doado,
foi conquistado com trabalho, competência técnica, acadêmica e compromisso
profissional com a Educação brasileira.
O 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II merece o
reconhecimento e a homenagem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro como
exemplo de que é verdade que a Educação, em todos os seus aspectos
profissionais, trabalhistas, políticos e pedagógicos, é um motor que tem muita força
para construir “um outro mundo possível”.
207
ANEXO 2 – Plano de noções espaciais (Leila Alcure)
Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II - Proposta para o estudo de Espaço (1988)
C.A 1ª Série
2ª Série
3ª Série
4ª Série
1. Interior, exterior e fronteiras no espaço com atividades corporais.
2. Regiões no plano; necessidade de atravessar fronteiras.
3. Caminhos contínuo e descontínuos.
4. Regiões mais complexas com restrições do uso de cor
5. Vizinhança.
1. Esgotar o estudo das regiões
2. jogo de estátua (reprodução)
2.1 - Coletivo corporal 2.2 Em grupo com material
3. Simetria
3.1 - Observação do espelho
3.2 - Reprodução corporal
3.3 - Reprodução com material
3.4 - Reprodução com decalque
3.5 - Reprodução de faixas
Identificar figuras simétricas
4. Rotação 4.1 - Atividades corporais,
4.2 - Atividades com material
4.3 - Atividades com desenhos
5. Exploração dos sólidos
5.1 Contato tátil
Observações
Superfícies planas e não planas
1.Planificação do cubo e do paralelepípedo
2. Elementos principais
3.Diversas linhas (por dobradura)
4.// e l (por dobradura)
5.Mosaicos
6.Tangran
7.Formar a partir de 8
Diversas planificações de cubo
Segmento
Semi-reta
Polígonos
Comprimento – perímetro
Massa
Capacidade
Área
Relação: área x perímetro
1. Ângulo 2. Ângulo reto
Ângulo agudo Ângulo obtuso
3. Classificação dos triângulos
4. Classificação dos quadriláteros
5. Aplicações cálculos Quadrados Triângulos Trapézios
Esta proposta foi escrita pela Profª Leila Alcure enquanto foi assessora de Matemática nas séries iniciais do CP II
208
ANEXO 3: Fundamentação Teórico – Metodológica apresentada no PGE _ 1º
segmento / 1996/7
2. Fundamentação Teórico – Metodológica
2.1. Geral
Considerações sobre a proposta metodológica do 1° Segmento do Colégio Pedro II
Texto escrito pela Professora Patrícia Almeida Fernandes – Chefe de Departamento do 1° Segmento
em 1991.
O 1° Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II implantou, desde 1985, uma proposta
metodológica fundamentada principalmente na Teoria Psicogenética de Jean Piaget.
Uma proposta metodológica pode ser definida como um conjunto de procedimentos fundamentados
em determinados pressupostos teóricos.
A metodologia utilizada no Colégio foi sendo construída a partir do trabalho elaborado pelo
Laboratório de Currículos da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, entre 1975 e
1979, que abrangia as diversas áreas do currículo escolar.
Hoje, tendo passado alguns anos desde a sua implantação no Colégio, pode-se constatar que a
prática, aliada ao aprofundamento teórico, trouxe algumas mudanças e algumas questões que vem
contribuindo para a melhor efetivação do trabalho. Este parece ser um molde, uma receita à qual a
realidade deve amalgamar-se. Ao contrário disso, a idéia contemporânea de cientificidade traz em si
um polo de simultaneidade e um polo de diversidade. O trabalho pedagógico deve ser compreendido
como um trabalho de pesquisa, onde o “professor-pesquisador” passa a ser um produtor de
conhecimento, a partir da reflexão sobre a sua prática, transformando-a e recriando-a em constante
interação com seus alunos.
Pondo de lado a polarização entre subjetividade e objetividade, tão valorizada pelos adeptos da
pesquisa experimental, considera-se que mais importante que estabelecer um acordo com relação a
um conteúdo estudado, é a possibilidade de se pensar um método de reflexão da realidade, a partir
do que se possa conceber posições próximas ou concordantes. Entende-se, como Paulo Freire, que:
“ . . . a realidade concreta é algo mais que os fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos.
Ela é todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida.
Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade”.76
Desse modo, o processo de aprendizagem não pode ser visto como um processo neutro que se
realiza em todos os lugares e para todos os sujeitos da mesma forma. É necessário criar condições
76 FREIRE, Paulo. Criando métodos de Pesquisa Alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação. In: Pesquisa Participante. Org. Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo, Brasiliense, 1988, p.35.
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particulares para cada situação particular. É necessário compreender que a aprendizagem é um
processo em que estão envolvidos os sujeitos (alunos e professores) em relação com os objetos
(conteúdos a serem aprendidos).
A aprendizagem é um processo interno que não pode ocorrer sem a participação do indivíduo e de
seu ambiente sócio-cultural. Ela é a mediada pelo desenvolvimento cognitivo e este, pelos
determinantes sócio-culturais.
O desenvolvimento cognitivo compreende pensamento e linguagem. Piaget o estudou
profundamente, dando maior ênfase ao desenvolvimento das estruturas lógicas. Preocupou-se com a
gênese do conhecimento: conhecer como o Homem conhece.
Para Piaget, o conhecimento é sempre o produto de uma relação sujeito-objeto e cada tendência
teórico-filosófica explica a seu modo essa relação. Para Platão, o sujeito passivo, limita-se a receber
o conhecimento de um mundo já concebido- o mundo das idéias. Em Aristóteles, o sujeito tem
poderes para tomar consciência das formas, dando a elas conteúdos e abstraindo-as a partir de
percepções. Com René Descartes, surge o sujeito epistêmico, o sujeito do saber, capaz de assimilar
racionalmente a realidade física através de instrumentos lógico-matemáticos – o sujeito é o centro do
processo de conhecimento. Para os empiristas, que partem dos fatos observados metodicamente e
da experiência, a ênfase está no objeto. O sujeito, em Piaget, é o sujeito de estruturalismo. O
estruturalismo considera ter superado a polarização sujeito-objeto, ao introduzir um terceiro termo
nessa relação – as estruturas. Tanto o sujeito quanto o objeto possuem estruturas e é a interação
entre elas, no interior do organismo, que produz o conhecimento.
Para Jean Piaget, “uma estrutura é um sistema de transformações que comporta leis e que se
conserva ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas ultrapassem suas
fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores”.77 Uma estrutura compreende totalidade (relações
entre os elementos e o todo), transformações (internas a ela mesma) e a auto regulação (movimento
ininterrupto e constitutivo das estruturas).
Assim, os instrumentos operatórios do sujeitos nascem graças à ação no seio de um sistema material
que determinou suas formas elementares.
Piaget afirma que uma teoria de aprendizagem é passiva quando descreve a criança recebendo
passivamente o ambiente social. Ao contrário disso, considera a criança como sujeito ativo, que
constantemente descobre novas ações e as organiza em agrupamentos operacionais.
Dentro dessa perspectiva, a inteligência nada mais é do que uma evolução do seu comportamento
instintivo para o comportamento abstrato mais elaborado. O sujeito constrói seu conhecimento em
contato com as estruturas do ambiente.
77 PIAGET, Jean. O Estruturalismo. São Paulo, Difel, 1979, p.8.
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Piaget tenta identificar as estruturas de cada nível de idade e mostrar como se adaptam
mutuamente às exigências ambientais e como, por sua vez, modificam o que o ambiente exige.
Preocupou-se com as mudanças qualitativas que tem lugar na organização mental de uma pessoa
entre o nascimento e a maturidade.
A interpretação que Piaget dá ao comportamento humano assemelha-se à imagem de um
sistema complexo, mutuamente regulador e em equilíbrio. A organização interna, os invariantes
funcionais e a interação entre o organismo e o meio são fundamentais na compreensão do
desenvolvimento.
O organismo se adapta biologicamente ao meio pela ação e pela construção de estruturas
mentais.
O conceito de invariância trata do ajustamento contínuo de antigas estruturas a novas funções
e do desenvolvimento de novas estruturas para preencher, sob circunstâncias diferentes funções
antigas. O desenvolvimento está solidamente enraizado no que já existe e apresenta continuidade
com o passado. Ao mesmo tempo, as estruturas se transformam a fim de se ajustarem às novas
exigências. Tais adaptações, entretanto, não se desenvolvem isoladamente. Todas formam um
padrão coerente de modo que a totalidade da vida biológica se adapte ao ambiente.
A adaptação é um processo visto por Piaget como subdividido em dois componentes inter-
relacionados: a assimilação e a acomodação. São dois processos complementares e indissolúveis na
realidade concreta de qualquer ação adaptativa. A assimilação descreve a capacidade do organismo
para enfrentar novas situações e novos problemas com o conjunto atual de mecanismos. A
acomodação descreve o processo de mudança através do qual o organismo enfrenta situações
novas.
Melhor dizendo, a assimilação significa que o organismo admite, de acordo com sua
organização interna, aquilo que lhe é exterior. Ao mesmo tempo, o organismo acomoda-se ao que é
assimilado.
O paralelo comportamental da estrutura biológica é o esquema. O esquema pode ser uma
simples resposta a um estímulo ou ser um sistema global mais elaborado. Há esquemas cognitivos e
esquemas sensório-motores.
O organismo possui um conjunto de esquemas capazes de lidar com o meio ambiente. Com o
aparecimento de novas situações, os esquemas presentes podem deixar de ser adequados para
enfrentar a situação recém-descoberta e o organismo é lançado ao desequilíbrio, tratando assim de
se adaptar à nova situação e restaurar o equilíbrio. A esse processo, dá-se o nome de equilibração.
Piaget dedicou grande parte de sua pesquisa a descobrir como a criança constrói o conceito de
objeto, a conservação de quantidade e a reversibilidade dos agrupamentos. Buscou a gênese das
estruturas lógicas e ainda estudou as estruturas infralógicas de espaço e tempo.
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A partir do desenvolvimento perceptivo, a criança começa a aproximar objetos segundo
critérios variados. Inicia-se aí o processo de formação de classes e de relações entre os objetos ou
entre as classes. A criança faz primeiramente alinhamentos, passando a estabelecer critérios mais
definidos e a coordenar classificações simultâneas. Da mesma forma, estabelece relações
diferenciais entre os objetos, seriando-os segundo critérios únicos ou simultâneos.
Piaget estudou também a conservação de substâncias ou quantidades contínuas e a de
quantidades descontínuas, como base fundamental para a construção do conceito de número. A
partir dessa conservação e da construção do conceito de reversibilidade, a criança passa a operar
matematicamente.
No que diz respeito às estruturas infralógicas de espaço e tempo, Piaget considerou que o
desenvolvimento desses conceitos caminham no sentido do egocentrismo para a descentração..
Da mesma forma que essas estruturas infralógicas, Piaget observou que se dá o
desenvolvimento da linguagem. A criança evolui de uma linguagem egocêntrica e monológica
progressivamente, para uma linguagem social.
O trabalho com esse tipo de metodologia requer, sem dúvida, o conhecimento genérico desses
pressupostos. Mas requer, principalmente, a compreensão por parte do professor de que apontar
para a construção do conhecimento implica uma mudança de postura, de valores.
A par de ser o sujeito do conhecimento, o aluno é também o sujeito sócio-ideológico e o sujeito
do desejo.
Ao ingressar na escola, já traz consigo a ordem social na qual está inserido e que pré existe a
ele. Já compreende de algum modo as regras do jogo social e com elas convive em seu cotidiano.
Como sujeito do desejo, esse aluno deseja ser reconhecido pelo outro. Toda a sua produção
intelectual é, sem dúvida, permeada por essa relação professor-aluno como relação transferência,
onde há um encontro de desejos. A lógica da criança não é a lógica do saber – verdade, como é para
os adultos. Ela aprende a ler a vida com seu desejo e quer ter seu desejo reconhecido.
Propiciar a construção do conhecimento é, portanto, caminhar junto. É aceitar o saber do outro
(aluno) e compreender que nosso próprio conhecimento (professores) está sempre em construção.
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ANEXO 4 _ CP II – UH II / Ano 1991
Plano Bimestral de 1ª série – 2º Bimestre / Coordenação de Matemática (1º turno)
conteúdo objetivos
Sistema de
Numeração
Identificar o princípio de formação dos agrupamentos nas bases 3, 4, 5 e 10
Distinguir o VA e o VP de um algarismo de determinado numeral
Construir sequências numéricas ordenadas nas diferentes bases
Comparar numerais estabelecendo relações entre eles (= ou ≠); (maior ou menor)
Conceito de
adição e de
subtração
Decompor numerais até 18 de forma ordenada em duas parcelas
Efetua adições com totais até 18 (9+9)
Efetua subtrações com minuendo até 18 (18 – 9)
Conceito de
multiplicação e
de divisão
Relaciona corretamente os dados no problema na sentença matemática
Emprega corretamente a sentença matemática na solução de problemas
Emprega corretamente sinais (+), (-) e (=) nas sentenças matemáticas
Compõe sentenças matemáticas em problemas que envolvem as idéias de adição
(reunir / acrescentar)
Compõe sentenças matemáticas em problemas que envolvem as idéias aditiva da
subtração (quanto falta)
Plano Bimestral de 2 ª série
conteúdo objetivos
Sistema de
Numeração
Ler e escrever numerais até 999
Compõe e decompõe numerais até 999 em ordens
Distinguir o VA e o VP de um algarismo de determinado numeral
Identificar o antecessor / o sucessor e os consecutivos
Co
nceit
o d
e a
diç
ão
e
de s
ub
tração
algoritmos Resolver o algoritmo da adição sem e com reserva
Resolver o algoritmo da subtração sem e com recurso
Reconhece os termos da adição e da subtração
Solução
de
problemas
Interpreta situações problema envolvendo todas as idéias de adição e de
subtração
Emprega corretamente a sentença matemática na solução de problemas
Co
nceit
o d
e
mu
ltip
licação
e d
e
div
isào
conceito Decompor um número natural em fatores
Representar a decomposição através de sentença matemática
Solução
de
problemas
Resolve situações problema envolvendo as idéias da multiplicação
Arquivo pessoal da Profa Glorya Ramos