uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões ... · o ministério público de...
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O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________ Prof. EDUARDO MAHON
Uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões
investigativas do Ministério Público
O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________ Prof. EDUARDO MAHON
Aos queridos pais e amigos, Geraldo e Carla
À minha querida Lisa
À Vera.
O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Edina Horta
viu no texto mais qualidades do que o próprio autor e, caso haja repreensão
técnica, comungará comigo o amargor das críticas, já que é a responsável por esta edição.
Simpática e amigável, persevera no ideal que melhor representa a polícia de todo o Brasil. Muito
obrigado.
Dr. Borges D Urso
se ninguém o lançou formalmente, serei eu: não há melhor nome para
Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Que assim seja e, se não for, perde não
só a Ordem, mas fica carente a preservação da Justiça;
Gilza S. Santos
quando, ainda no ensino fundamental, pagou a aposta de insistir na formação
literária de um jovem inquieto, ganhou os louros da eterna admiração pela perseverança. E arcará,
solidariamente, com os erros do vernáculo.
Ulysses Ribeiro e Raimar Bottega
das cadeiras da faculdade, os mais enfáticos professores
faziam com que jamais o medo servisse de ponderação para o exercício de um direito. Não é por
outra razão a petulância da obra, da qual também eles ver-se-ão co-responsáveis.
João Celestino Correa da Costa Neto
colega, amigo e parceiro. Mais do que advogado
brilhante, sabe o que nenhum livro ensina
cativar amizades. Mato Grosso precisa deste homem
na presidência da Ordem dos Advogados do Brasil.
Armando Martins de Oliveira
conquistar sua confiança e amizade é sempre uma honra. Dela,
tomo a convivência como vaidade pessoal dos afortunados que com ele partilham tristezas e
comemoram vitórias.
Ministro Marco Aurélio de Mello
jamais o conheci, nem o cumprimentei, nem com ele troquei
palavras, mas minha ótica é através de suas lentes. Pela inabalável convicção e resoluta fé na
liberdade e na Constituição, seu exemplo de inquietude e coragem me anima e admira. Mais do
que orgulhar-se pessoalmente de ser Ministro do STF, o Supremo Tribunal deve orgulhar-se deste
seu Ministro.
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UMA JUSTIFICATIVA BREVE E PLAUSÍVEL
O poder deixa-nos tal como
somos e apenas engradece
os grandes. Balzac
Um pais que troca parte da
liberdade, por mais
segurança, perderá a
liberdade e a segurança -
Lincoln
O certo é que sobrevive a
História ao historiador, mas
o mais certo é que só
lemos a História pela ótica
do historiador. Afinal, tal
qual a França do século
XIX, como enxergar
Robespierre? Para uns,
tratava-se de um líder
popular, com a intrepidez típica de um revolucionário que defendia com ardor a
causa da igualdade; para outros, um tirano de visões distorcidas pela
personalidade autoritária e vaidosa, onde o discurso vinha mascarado da mais
primitiva sede de poder. A quem dar razão? Não nos cabe aqui, mas o paralelo
com os desejos do Ministério Público pela presidência/condução de investigações,
é pertinente. O poder, nos dois casos, corrompeu a missão legítima de
Robespierre e quer seduzir a integridade de promotores, sequiosos de mais
atribuições.
Seduzidos pelas vaidades da mídia, das manchetes fácies, o Ministério Público
arroga-se no direito de conduzir investigações criminais, função típica de polícia.
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É, certamente, o primeiro passo para abrir mão de garantias constitucionais
sedimentadas por séculos de lutas populares, em nome do combate ao crime
organizado. Será que vale a pena sacrificar a garantia do promotor natural,
olvidando da vedação lógica em se limitar o poder ministerial, sujeitando e
subordinando órgãos policiais e colhendo provas de forma unilateral, sem o
contraditório? A voz do povo, embalada pela convicção de que o Ministério Público
é incorruptível, tal como Robespierre, faz coro com os promotores da procissão
por mais poder. A opinião pública que faz parceria com o Ministério Público na
divulgação de informações sigilosas, levanta uma eterna desconfiança de
advogados insubmissos com a temerária usurpação de funções da polícia.
Por que Robespierre perdeu a cabeça? Porque representava a ética e o povo,
mas não teve a habilidade política de equilibrar a revolução que, pessoalmente,
queria ver implementada para o povo e os meios concretos para viabilizar seus
projetos. Saiba o Ministério Público que não basta poder. E não basta mais poder.
Tanto promotores como procuradores devem fazer o melhor com as atribuições
que já têm, de forma discreta e eficiente. Não se deve subestimar a consciência
dos direitos individuais e coletivos, íntima do sistema democrático ocidental.
A História tem suas lições: quem quer barganhar com os direitos individuais pelo
poder, perde; e quem quer ser sempre popular, não será sempre íntegro. Eis aí o
cadafalso de Robespierre
a vaidade do poder. Consciente do perigo do Terror
em que desembocaram as mais legítimas pretensões populares, rejeitamos um
Ministério Público Jacobino , investigativo, inquisitivo. Preferimos um Ministério
Público Democrático.
Do poder, nasce a admiração fanática.
Do poder, nasce o medo e a opressão.
É preciso limitar o poder, seja de quem for.
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1. O Problema e Plano de Abordagem
Não há poder. Há um abuso do poder, nada mais. -
Henry De Montherlant
O Ministério Público ganhou novas e amplas dimensões com a Carta Magna de
1988. Consagrou a independência e a unicidade, as garantias que
instrumentalizam suas funções fiscalizatórias e concedeu a titularidade da ação
penal pública. Ante a escalada de poder ministerial, alçando até mesmo a
pretensão de um quarto poder republicano, pela não adequação tradicional na
tríade compreendida na ciência política convencional, a condução do inquérito
criminal não seria atribuição extraordinária, ainda mais aventando-se a aplicação
da teoria dos poderes implícitos
quem pode o mais (oferecer denúncia),
evidentemente pode o menos (presidir a investigação preliminar).
Dentre as novas atribuições constitucionais do Parquet figuram a possibilidade de
requisição de informações, expedição de notificações, condução de
procedimentos administrativos cíveis e o próprio exercício do controle externo do
aparelho repressivo policial. Esses e outros poderes que perpassam estreitamente
à presidência de procedimentos tendentes à apuração de irregularidades,
inexoravelmente conduzem forte corrente doutrinária a acreditar poder o promotor
de justiça e o procurador da República, presidirem feitos preliminares de
investigações criminais. Some-se o fato, indiscutível, de ser o inquérito policial
peça dispensável e nem sempre bem formulado na experiência brasileira.
Ocorre que não trata a Constituição, a olhos desarmados, sobre a possibilidade de
conduzir ou presidir diretamente inquéritos penais e sim cíveis, preparatórios de
ações cuja titularidade é do próprio órgão ministerial. Impõe-se eventual dilema
jurídico ao consagrar a titularidade do exercício à ação penal pública a um órgão
de tamanho vigor e independência, simultaneamente, furtando-lhe a condução do
Inquérito Policial propriamente dito. Exaltam-se os membros do Ministério Público:
de que adianta a titularidade da ação penal, se a colheita de provas e diligências
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investigatórias não poderão ser realizadas pelo detentor dessa prerrogativa
constitucional? Será um esvaziamento de um poder constitucional?
Trata-se aqui, neste pequeno trabalho, de determinar se pode ou não o Parquet
imiscuir-se no Inquérito Policial, questão tormentosa pelas vaidades entre
promotores e delegados, pela interpretação mais ou menos extensiva e liberal e,
ainda, pelo cunho ideológico que se reveste. Em verdade, a polêmica perpassa
por desvãos maiores que meramente o cerne da vaidade funcional: tangencia a
visão eminentemente política havida na organização do aparelhamento repressivo
brasileiro, em contraposição às garantias constitucionais acrescidas de vigor na
mesma Carta Cidadã de 1988.
Procuramos não nos eximir de opinião, ao mesmo tempo em que não buscamos
eclipsar as teses contrárias à escola jurídica da qual nos perfilhamos. Aliás, ao
contrário: aprofundamo-nos em todos os argumentos de uma corrente doutrinária
para poder refutá-la, ponto a ponto, posteriormente. Sendo assim, o leitor, esse
crítico infalível, poderá sorver ambas as orientações jurídicas e,
independentemente do esforço do autor, chegar ao porto seguro de suas próprias
conclusões.
Quanto ao plano de abordagem, parece-nos mais conveniente adotar as seguintes
questões, norteadoras do estudo desenvolvido:
a) Há, expressamente, previsão constitucional-legal da condução direta do
inquérito policial por membros do Ministério Público?
b) Haverá possibilidade de concatenar as normas constitucionais e
infraconstitucionais de modo a franquear a promotores a promoção de
investigações criminais?
c) No caso em estudo, é possível vislumbrar-se os princípio dos poderes
implícitos e da economia processual,, já que o controle externo da atividade
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policial pertence ao Ministério Público e o destinatário do Inquérito é
justamente o Parquet?
d) Em que medida aplica-se o princípio do promotor natural ao caso no qual
há, de fato, condução e/ou acompanhamento das investigações criminais e,
sendo assim, poderá o promotor que eventualmente acompanhou e/ou
conduziu o Inquérito ser considerado suspeito para a promoção da denúncia
e instrução processual?
e) Diante do crescente aparelhamento do crime, com o surgimento e
fortalecimento do chamado crime organizado , não seria o caso de
flexibilizar algumas diretivas, em nome do princípio da proporcionalidade?
Vejamos, ao final do trabalho, se estão satisfatoriamente respondidas e o
estudioso contentado. Adiantamos, porém, um afastamento um tanto proposital
com a metodologia cientifica rigorosa, sendo as fontes citadas, em sua maioria, no
corpo do texto, de modo a facilitar ao operador do Direito buscar, de imediato, as
referências e não amofiná-lo com um ensaio cintado pela norma metodológica. Os
julgados têm apontados os números para serem conferidos por meio da Internet,
recurso fundamental para o cruzamento de informações que pretendíamos ofertar
ao leitor. Preparemo-nos, portanto, para um ensaio livre.
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2. Introdução: as mais novas e polêmicas decisões sobre o poder
investigativo do Ministério Público e sua relação com o crime
organizado.
A tirania da opinião
e que opinião!
é tão burra nas
cidadezinhas da França quanto nos Estados Unidos da
América. (Stendhal)
Aqueles que concordam com uma opinião chamam-lhe
opinião; mas os que discordam chamam-lhe heresia.
(Hobbes)
A polêmica foi iniciada com a Constituição de 1988, desenvolveu-se com a
promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público e se aprofundou com a edição
da Lei do Crime Organizado. Pode o Ministério Público presidir/conduzir inquéritos
policiais? Alertamos, preliminarmente, o leitor do cuidado que se deve tomar no
discernimento entre os dois termos: condução e presidência, uma vez que a sutil
diferença poderá levar a extremos doutrinários. À guiza de esclarecimento prévio:
dizem os partidários do poder inquisitivo ministerial, que os Grupos de Combate
ao Crime Organizado não pretendem propriamente presidir o inquérito e sim
conduzir, sendo a última expressão sinonímia de acompanhar...fecha-se o
parêntese, não nos parecendo da melhor lavra doutrinária a distinção, mais
retórica que prática.
Percebe-se estar a polêmica concentrada na apuração e desmonte de crimes
cometidos por organizações criminosas. Não se excede o dissenso deste ponto.
Em verdade, jamais quis o Ministério Público centrar seu trabalho nas
investigações diretas, todavia com a onde crescente de criminalidade
empresarial ou pelo menos com a divulgação transparente dos mecanismos de
corrupção que sempre corroíam o erário, entendeu o Parquet federal e estadual
empreender a caça dos criminosos, tomando de empréstimo, ora modelos
alienígenas de processo penal, ora flexibilizando a hermenêutica constitucional
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para, em nome do princípio da proporcionalidade e da teoria dos poderes
implícitos, arrogar-se mais uma atribuição que é a condução de procedimentos
investigatórios, preliminares ao oferecimento da ação penal. Diríamos, seguindo a
trilha dos promotores que comungam a tese aqui rebatida, que as investigações
diretas seriam exceção e não regra. O problema, entre parênteses, é quando e
como se definir o interesse ministerial e qual o mecanismo com o qual retiraria um
inquérito da polícia para conduzi-lo o promotor.
Justifica-se o esforço ministerial na estrutura diferenciada do crime denominado de
organizado. Diferencia-se da tradicional formação de quadrilha (art. 288, CP),
caracterizada pela reunião de mais de três pessoas com o fito de cometer crimes,
de forma estável e não eventual. O crime organizado, embora não definido
juridicamente pela Lei 9034/94, mantém os mesmos padrões de qualquer máfia,
cosa nostra ou yakusa...Assemelha-se a organizações empresariais, constituídas
de profissionais que agregam valor e inteligência à finalidade criminosa,
especializando ramos de ofícios internos, hierarquizando a sociedade e, após,
externando o resultado criminoso por meio da lavagem de dinheiro ou
branqueamento de capitais, conforme a denominação legislativa de cada país.
Basicamente, uma estrutura desse porte conta com:
1) braços políticos que dão cobertura às atividades ilícitas ou representam a
organização criminosa em seus interesses legislativos, tendo suas campanhas
financiadas direta ou indiretamente pelo crime. Retribuem com leis pretensamente
mais brandas, falhas legislativas ou ainda anistias e favores processuais;
2) penetração no Poder Judiciário, na medida em que desembocam as ações de
represália penal, onde os julgadores precisam estar devidamente enquadrados ,
a fim de que possam os processos se arrastar até a prescrição, ou a liberdade ser
angariada ou, ainda, ser alcançada a absolvição. Compras de sentenças e de
acórdãos é uma variável nos custos de manutenção do crime organizado. ;
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3) coordenação empresarial sólida e insuspeita, recebendo o dinheiro e limpando
de qualquer mácula original oriunda da atividade ilícita, recolhendo impostos
inclusive;
4) reconhecimento e visibilidade social, por meio de apadrinhamentos e
financiamentos de convenções, desfiles, colunas sociais, eventos dos mais
diversos, missas e homenagens;
5) sólido temor, infundido pelo gigantismo da organização, além do poder
coercitivo que exibe na extorsão e morte de qualquer cidadão que não se encaixe
no sistema ou que rompa as normas internas. Além do que, eventualmente, a
ostensividade coercitiva é delineada claramente aos parceiros comerciais, de
modo a inculcar a convicção de indulgência pública: a impunidade
cimento de
toda a construção criminosa de porte.
Diante deste novo quadro de criminalidade que, convenhamos, sempre houve no
país, ainda agravado pela tradição patrimonialista e personalista da sociedade
tupiniquim, mas definitivamente estruturado em novas bases profissionalizadas ,
exige novas respostas do aparato estatal. Como sempre, o Estado sempre menor,
mais lento e desinteligente, vislumbra reações imaturas para um problema cujo
caráter exige mais inteligência do que repressão.
Nos desvãos políticos pouco técnicos no cerne legislativo e ímpetos pela
publicidade desmedida, novas leis são elaboradas com o fito puro e simples de
conferir à sociedade um grau de segurança (aparente) que estabilize novamente
os medos e ansiedades. Foi então que o Ministério Público preferiu afastar-se dos
sofismas legislativos e ingressar, a própria instituição, no combate direto ao crime
organizado. Capitaneando um sólido patrimônio moral e ético e uma invejável
respeitabilidade, apostou o Ministério Público da União e os Parquet s Estaduais,
na estruturação dos famosos Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao
Crime Organizado), salvo denominação semelhante, variando de unidade
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federada. Foi uma aposta alta, em que se revelou uma faceta que procuraremos,
ao longo deste trabalho, desvendar em todos os ângulos.
De relance, podemos citar de cor as últimas inutilidades e futilidades legislativas,
como a impossibilidade de recurso em liberdade, gizando no bizantino Código de
Processo Penal e a possibilidade de apelação em liberdade, nos crimes
hediondos, sendo a liberdade provisória expressamente vedada nos mesmos
crimes. Ou ainda, a progressão de pena para o crime de tortura e sua expressa
vedação para o crime de falsificação de cosméticos que, venhamos e
convenhamos, guarda de hediondo só a desinteligência do legislador brasileiro.
Em outras palavras, respostas rápidas e carentes de assessoria jurídica
especializada fazem do ridículo uma constante nas academias que, ao contrário
de concentrar seus mestres na hermenêutica legislativa, são obrigadas a decifrar
anomalias do legislador que teve a mídia como objetivo único.
É bem verdade que a legislação constitucional e infraconstitucional não se
posiciona de forma a permitir ou proibir expressamente a possibilidade ou a
vedação ao Ministério Público em proceder investigações, permitindo conclusões
das mais diversas, temperadas por conveniências e políticas públicas
concorrentes. Delegados contra promotores, advogados contra ambos, juízes
impassíveis, ministros que se confrontam em seus entendimentos: eis o panorama
da discussão. Mas o que preocupa, na verdade, é a possibilidade de validação ou
anulação dos procedimentos preparatórios conduzidos pelo Ministério Público: eis
a verdadeira celeuma e receio dos Grupos de Atuação de Combate ao Crime
Organizado, daqui em diante simplesmente denominados de pela sigla mais
comum Gaeco . Processo anulado é o terror do zeloso promotor público que
aposta na legalidade e constitucionalidade; aposta o advogado que conseguirá
anular o feito. O resultado deste cabo-de-guerra poderá ser facilmente constatado
na jurisprudência brasileira, mais especificamente partindo a pesquisa dos anos
de 1994 e 1995: nela, perceberemos a hesitação dos Tribunais do país em
fulminar procedimentos deste gênero, não por concluí-los idôneos, mas por puro
temor de anulação processual superveniente.
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Ocorre que, em processo penal, um dos bens jurídicos mais relevantes do homem
que é a liberdade não pode se prestar a apostas. É, portanto, imprescindível que
seja esclarecida a sociedade brasileira das razões que levam cada gladiador a
empunhar suas armas com o ímpeto que se assiste. Acreditamos que não poderá
a discussão ter seus pilares fundados na credibilidade subjetiva de uma instituição
séria como a do Ministério Público e, de outro lado, na eterna e natural
desconfiança com a retórica advocatícia: a discussão sobre o poder do Ministério
Público importa no modelo jurídico-político de garantias públicas que queremos
ver efetivado no Brasil. Não será o discurso fácil e hipócrita de que a polícia é
sempre corrupta que irá descredenciá-la automaticamente e nem será a
honestidade ministerial capaz de, por si só, conferir o passe investigativo ao
Parquet: ambas as simplificações míopes não condizem com o rigor que a
discussão requer.
O Estado de Mato Grosso, por exemplo, feliz ou infelizmente, foi um dos pioneiros
na criação do Gaeco, primeiramente por meio de Portaria expedida pela
Procuradoria Geral de Justiça do Estado, declarada inconstitucional pela
unanimidade do Tribunal de Justiça do Estado, e depois por meio de legislação
estadual. Seria cômico, se não fosse trágico, conferir poder de investigação a uma
Instituição, autorizando-a a instaurar procedimentos investigativos criminais, por
meio de uma Portaria, baixada pelo chefe da própria Instituição: em outras
palavras, no Estado de Mato Grosso deu-se curiosa e emblemática inversão
de
tamanha empáfia, acreditou sinceramente o Ministério Público Estadual poder
legislar em benefício próprio, ao alvitre da Constituição e, ainda, por meio de uma
portaria administrativa.
Interessante é anotar, já nesta quadra, que alguns membros do Ministério Público
têm o desrespeito (para não dizer estupidez jurídica) de simplesmente
desconsiderar a importante decisão. Temos ouvido em palestras que a decisão
que baniu a sobredita portaria não poderá ser levada em consideração, por ter
partido do Egrégio Tribunal Estadual de Mato Grosso. Já nos adiantamos em
afirmar que qualquer julgado sobre o tema, seja favorável seja desfavorável à tese
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na qual nos perfilhamos, será considerada como essencial e digna de fé. Não
pode nenhum Tribunal brasileiro, como trincheiras jurídicas a resguardar o fiel
cumprimento das leis e da Carta Magna ser, de forma grossa e petulante,
desconsiderado por qualquer promotor público ou Procurador da República: a
questão afasta-se meramente da cortesia e elegância para ferir outra, desta vez
de caráter institucional.
Logo após a declaração de inconstitucionalidade e ainda no calor da discussão,
após fragorosa derrota, dois membros do Parquet, Drs. Marcos Machado e
Roberto Turim, fizeram publicar o artigo que vai transcrito no rodapé1, introduzindo
1 O e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em sua composição plena, declarou, por maioria de votos, a
inconstitucionalidade da Resolução nº 009/99-PPJ, de 11.08.99, editada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, órgão
superior do Ministério Público Estadual, que criou o GAECO
Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado -,
composto por Promotores de Justiça, com a atribuição para oficiar nas representações, inquéritos policiais, procedimentos
investigatórios, e processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas , abrangendo a apuração e
repressão dos crimes que se tornem conhecidos no decorrer das investigações .
A decisão foi tomada em julgamento realizado no dia 18.10.01, acolhendo-se ação direta de inconstitucionalidade
promovida pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado, e teve como relatora a i. Desa. Shelma Lombardi de Kato.
Seria mais uma decisão, entre inúmeras editadas pelo tribunal pleno, que poderia passar despercebida se não fosse o fato
de devolver, indistintamente, a todos os signatários da ordem e da paz o sentimento de impunidade oficializada , que
atende e beneficia apenas os intocáveis , grupos organizados de pessoas que encomendam, friamente, homicídios de
seus desafetos, sonegam tributos em alta escala, falsificam e fraudam o que for necessário para atingirem objetivos
mercenários, além praticarem atos, modelares e em série, de corrupção contra a Administração Pública.
A comentada decisão colegiada deverá enfrentar recursos extraordinário e especial a serem formulados, pela Procuradoria
Geral de Justiça, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, por ofensa a normas
constitucionais e legais, precipuamente a Lei Orgânica do Ministério Público, porém levará o Colégio de Procuradores de
Justiça a editar nova Resolução, assim que publicado o v. acórdão, visando adequar a atuação do GAECO aos limites do
julgado, em virtude do efeito recursal, unicamente, devolutivo.
Sem subjulgar o entendimento dos e. Desembargadores que acompanharam o voto condutor, nem sugerir qualquer
defesa de classe, a decisão, por si só, merece ser levada à crítica popular. Isto porque, enquanto, em todos os
Estados, a política de segurança pública está voltada ao fortalecimento do Ministério Público para combater a
criminalidade difusa, em Mato Grosso, por interpretação judicial, o órgão que, constitucionalmente. possui, entre
suas funções, o controle externo da atividade policial, a titularidade, privativa, da ação penal, inclusive podendo
dispensar o Inquérito Policial, dependeria da Polícia Civil para investigar fatos que configuram crime, mesmo que
cometidos por policiais, delegados, praças e oficiais da Polícia Militar.
(...)
Conclui-se, portanto, que as polícias não têm exclusividade na realização de investigação criminal. O reconhecimento do
monopólio investigatório da polícia não se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê o poder investigatório
das comissões parlamentares de inquérito (art.58, § 3º), o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública
(art.144, caput), função na qual a investigação criminal se inclui (art. 144, § 1º, I e § 4º), o acesso ao judiciário (art. 5º,
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XXXV), o princípio da igualdade (art. 5º, caput e I), e sobretudo a incumbência do Ministério Público de instaurar a ação
penal, que tem como pressuposto válido a investigação criminal (art. 129, I, III e VI).
Por força do princípio e da universalização da investigação, que tem como base a democracia participativa, a
transparência dos atos administrativos, o acesso ao Judiciário, não há privatividade ou exclusividade para
investigar. No que toca à Polícia Civil, cuja função é a de apurar infrações penais (crimes e contravenções penais),
o Código de Processo Penal não exclui que autoridades administrativas, a quem a lei seja cometida a função de
investigar (CPP, art.4º, § único), possam, concomitantemente, desvendar fatos ilícitos.
Não é razoável que haja, no poder estatal de menor relevância, a investigação criminal, especialmente porque a fase de
investigação é facultativa para o exercício da ação penal e acesso ao Judiciário, se a acusação possuir elementos
suficientes da autoria e materialidade do crime para embasar a denúncia penal (CPP, arts.39, § 5º e 40). A Constituição
Federal não condiciona o exercício da ação penal à realização de investigação policial. Observe-se que ofende o óbvio a
proibição do Ministério Público investigar quanto se verifica que a Constituição Federal o incumbe, textualmente, de
promover privativamente a ação penal (art. 129, I), instaurar o inquérito civil e promover a ação civil pública (III), expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-
los (VI), requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (VIII), além de exercer outras funções que
lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (IX), dispositivos que evidenciam a possibilidade de
empreender todo o tipo de investigação (administrativa, civil ou criminal). A atuação do Ministério Público na investigação
ainda gera debates jurídicos e não está pacificada, mas no âmbito do e. Supremo Tribunal Federal sua e. 1ª Turma decidiu
.ser regular a participação do Ministério Público em fase investigatória , sinal da possibilidade de investigação criminal pelo
Ministério Público. Por seu turno, no e. Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento de que o Ministério Público
pode atuar na fase investigatória, a ponto de a questão estar sumulada: Súmula 234, pela qual a participação de membro
do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da
denúncia.
Nos Tribunais Regionais Federais, principalmente da 4ª Região (RS), reconhece-se possibilidade de denúncia com base
em investigações precedidas pelo Ministério Público , que pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de
fiscalizar a correta execução da lei , de modo que tal poder do órgão Ministerial mais avulta quando os envolvidos na
infração penal são autoridades policiais, submetidas ao controle externo do Ministério Público (HC 97.04.26750-0/PR).
Nos Tribunais de Justiça, há julgados em São Paulo e no Rio Grande do Sul que permitem o acompanhamento, pelo
Ministério Público, dos atos de investigação ou realização direta de diligências relevantes que não se erigem em
impedimento à sua atuação (RT 660/288), bem como que autoriza o Ministério Público a colher provas para servir de base à
denúncia ou à ação penal (RT 651/313).
Na doutrina, a atuação investigatória do Ministério Público é defendida, de forma sistemática em normas positivas, por
Valter Foleto Santin, Frederico Marques, Hélio Bicudo, Julio Fabbrini Mirabete, Marcellus Polastri de Lima, Hugo Nigro
Mazzilli, entre outros. (...) Portanto, a decisão do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, proferida na ADIN que impugna a
criação e o funcionamento, serve apenas para privilegiar um sentimento egoísta de classe,
sentimento esse que, com
certeza, não é unânime dentro dos quadros da Polícia Civil do Estado. No mais, a referida decisão beneficia apenas e tão
somente a um segmento da sociedade: o crime organizado, contribuindo para que a coletividade se sinta ainda mais
desprotegida e ameaçada e passe a confiar ainda menos nos órgãos públicos encarregados da segurança pública.
O GAECO é um órgão do Ministério Público, com estrutura material e pessoal, incumbido de atribuições específicas que
não restringem nem usurpam as funções da Polícia Civil. Pelo contrário, une instituições públicas que tem o dever de
velar, juntas, pela segurança pública.
Ao Ministério Público cabe investigar, de maneira independente e autônoma, todo e qualquer crime, principalmente
aqueles que porventura não tenham sido investigados ou solucionados pela autoridade policial. Nessas hipóteses, o
Ministério Público cumpre sua missão constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
É óbvio que ninguém investiga a si mesmo e, sem que haja poder de investigação amplo e irrestrito, consagra-se mais uma
homenagem à impunidade.
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o presente estudo com uma apaixonada defesa do Ministério Público que, ao final,
julgaremos equivocada.
Como podemos sentir, calcado de argumentos técnico-jurídicos está o desabafo
dos promotores públicos. Todavia, ao se carregar nas tintas dos adjetivos, os
membros do Ministério Público fazem mais um desfavor à sociedade, ao informá-
la, na ótica exclusivamente de classe , diríamos corporativa . Em outras
palavras, ideologizam a discussão, buscando gerar uma cizânia entre a decisão
desfavorável dada por um Tribunal e o senso comum da sociedade leiga. No
mínimo, na qualidade de fiscal da lei, o integrante do Ministério Público, deveria ter
a etiqueta de expor à sociedade um quadro desapegado dos afrescos classistas
ou, no mínimo, não transbordar nas tintas dos adjetivos, sob pena de eterna
suspeição.
E não são quaisquer argumentos usados pelo Ministério Público, devemos
reconhecer: uma robusta e plausível corrente doutrinária e jurisprudencial quer, à
força da aplicação da norma e do preenchimento de lacunas, socorrer o
entendimento ministerial e instituir um sistema que até então nos é estranho. Não
sabemos se operações do tipo italiano mãos limpas ou a prática da tolerância
zero daria resultado no Brasil: sempre foi discutível a importação de modelos
alienígenas e sua adaptação aos padrões brasileiros. As sociedades são
diferentes, os panoramas distintos, as necessidades enormemente diversas. É
factível que soluções de além-mar possam indicar melhora no combate ao crime
organizado? Independentemente de como se responderá à pergunta, de acordo
com as experiências que sejam sentidas ao longo do tempo, o certo é não ser a
questão apegada à pessoas, suas histórias, seus créditos e reconhecimentos...
Aliás, não fugindo à discussão, é bom lembrar que operações internacionais como
a nova-iorquina tolerância zero apenas usava o rigor processual como o
sucedâneo de uma série de ações sociais que, infelizmente, não são pensadas no
Brasil. Assim, o que o público desconhece é o fato de que escolas ficavam abertas
as madrugadas promovendo atividades esportivas, jovens excluídos eram
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acompanhados e inseridos em atividades artísticas e recreativas, enfim...o Estado,
antes de punir, oferecia alternativas. O mesmo não se pode dizer da simplificação
tupiniquim que se sonha implantar.
Num vai e vem de interpretações, emaranhados de citações e intermináveis
opiniões, o meio jurídico recebe aqui e ali indicativos pela legitimidade ou
ilegitimidade do Ministério Público para investigar. O certo, novamente, é que não
há nenhuma lei federal específica que autorize, de forma explícita e insofismável,
a investigação criminal direta por parte de representantes do Parquet. Desta
forma, a discussão ganha foros doutrinários partidários que, por sua vez,
enclausuram a discussão conforme a função em que se encontra o debatedor.
Não é por outra razão considerarmos praxe expor com igualdade absoluta a visão
ministerial, refutando-a em todos os pontos, para então rematarmos com o
subtítulo do trabalho que repreende a postura da promotoria em arrogar-se
atribuição que nunca lhe foi conferida nem pensada. Todavia, por infelicidade dos
partidários do Parquet, constamos que os arautos do poder inquisitorial da
Instituição são os próprios promotores, em ensaios doutrinários, enquanto tantos
outros profissionais ligados ao Direito enveredam por caminhos diversos. Mesmo
em Tribunais, infelizmente julgadores oriundos das quotas ministeriais fazem o
possível por manter viva o pulso sobre as investigações.
A recente notícia2, veiculada pelos órgãos oficiais do Supremo Tribunal Federal,
causou comoção no meio jurídico nacional, mais precisamente junto ao
operadores jurídicos que atuam com o direito penal e processual penal.
2 Turma do STF discute poderes investigatórios do Ministério Público ao julgar recurso
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento hoje (6/5) ao Recurso em Habeas Corpus (RHC 81326)
interposto por um delegado de polícia do Distrito Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que validou
atos investigatórios promovidos pelo Ministério Público do Distrito Federal.
O delegado foi notificado por um representante do Ministério Público do DF para comparecer ao Núcleo de Investigação
Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, instituído pela Procuradoria local, a fim de ser ouvido em um
procedimento administrativo investigatório supletivo.
O procedimento, segundo o policial, tem por finalidade apurar fato que, em tese, poderia configurar crime. Contra a
notificação, ele impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que foi indeferido. E, insatisfeito,
impetrou novo recurso, desta vez no STJ, que também o indeferiu, sob o argumento de que têm-se como válidos os atos
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À bombástica unanimidade do entendimento do Pretório Supremo, seguiu-se o
notável esforço do Ministério Público em afirmar que não seria essa a última
palavra do Supremo Tribunal, uma vez que o Plenário ainda não se pronunciou
sobre o tema. A Corte Constitucional concluiu, enfim, pelo encerramento do
debate, determinando o trancamento de uma ação penal, instruída com a
investigação feita pelo próprio Ministério Público. Evidentemente, outras ações
(não vinculantes, diga-se) podem alterar este quadro, mas notícias como essas,
somadas às dissensões aqui e ali, fizeram que, depois de ser declarada
investigatórios registrados pelo MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente visando a introdução
dos seus procedimentos administrativos para fim de oferecimento de denúncia .
O delegado, por sua vez, interpôs recurso junto ao STF com o objetivo de modificar a decisão do STJ que reconheceu
validade à requisição expedida pelo MP.
Para o relator do recurso no STF, ministro Nelson Jobim, a falta de legitimidade do MP para realizar diretamente
investigações e diligências em procedimentos administrativos investigatórios a fim de apurar crime cometido por funcionário
público no caso o delegado de polícia não é controvérsia nova no meio jurídico.
Jobim fez uma regressão histórica e citou um caso de 1936, em que o, à época, ministro da Justiça, Vicente Rao, tentou
introduzir no sistema processual brasileiro o instituto dos Juizados de Instrução. A tese foi acolhida pela comissão
responsável pelo Anteprojeto de Código de Processo Penal, mas ela, entretanto, não vingou. Na Exposição de Motivos do
Código de Processo Penal, ponderou-se pela manutenção do inquérito policial, pois a criação dos Juizados de Instrução,
que importava limitar o poder do policial de prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas,
só é praticado sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente
superáveis.
A polícia judiciária deverá ser exercida pelas autoridades policiais com o fim de apurar as infrações penais e sua autoria, e
o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da polícia. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar
o MP na instauração da ação penal , destacou Jobim.
A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias é de atribuição
exclusiva da polícia , lembrou Jobim. Citou como precedente o julgamento do HC 34.887, no qual ficou claro que o Código
de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do MP
na investigação do crime.
O relator salientou ainda que o controle externo da polícia concedido ao MP pela Constituição foi regulamentado pela
Resolução 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Esses diplomas, no entanto, não lhes deferiram
poderes para instaurar inquérito policial. A CF/88 dotou o MP de poder de requisitar diligências investigatórias e a
instauração do inquérito policial. A norma constitucional não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir
inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas
sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade competente. Assim decidiu a Segunda Turma no julgamento do RE
233.072 .
Na ementa do julgamento - leu Jobim - ficou decidido que o MP não tem competência para promover inquérito
administrativo em relação à conduta de servidores públicos, nem competência para produzir inquérito penal sob o
argumento de que tenha a possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos, e pode propor ação
penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Mas os elementos suficientes não podem ser
auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial .
O ministro Nelson Jobim deu provimento ao recurso e os outros ministros o acompanharam. A decisão foi unânime
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inconstitucional a Portaria da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso,
animassem-se os legisladores do Estado por uma lei, pondo pedra sobre a
discussão, pelo menos em termos legislativos. A pressão foi enorme, a sessão foi
amplamente divulgada e a notícia de uma lei pioneira foi recebida com festa pela
mídia. Eis a norma estadual:
LEI COMPLEMENTAR Nº 119, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2002 -
D.O. 20.12.02.
Cria o Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado no
Estado de Mato Grosso, e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em
vista o que dispõe o art. 45 da Constituição Estadual, sanciona a
seguinte lei complementar:
Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério
Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO - Grupo de Atuação
Especial contra o Crime Organizado, com sede na Capital e
atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso.
Parágrafo único O GAECO atuará de forma integrada, funcionará
em instalações próprias e contará com equipamentos, mobiliário,
armamento e veículos necessários ao desempenho de suas
atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública.
Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes
instituições:
I - Ministério Público;
II - Polícia Judiciária Civil;
III - Polícia Militar.
§ 1º O Ministério Público estará representado por Procuradores
e/ou Promotores de Justiça, designados pelo Procurador-Geral de
Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público.
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§ 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados
de Polícia, Agentes Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados
nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo
Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado de
Justiça e Segurança Pública.
§ 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças,
solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e
designados pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, ouvido o
Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública.
§ 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá,
nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar nº 27, de 19 de
novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores
civis ou policiais militares para realização das atividades de
combate às organizações criminosas.
Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do
Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça.
Art. 4º São atribuições do GAECO:
I - realizar investigações e serviços de inteligência;
II - requisitar, instaurar e conduzir inquéritos policiais;
III - instaurar procedimentos administrativos de investigação;
IV - realizar outras atividades necessárias à identificação de autoria
e produção de provas;
V - formar e manter bancos de dados;
VI - requisitar diretamente de órgãos públicos serviços técnicos e
informações necessários à consecução de suas atividades;
VII - oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento,
requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento
administrativo;
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VIII - promover medidas cautelares preparatórias necessárias à
persecução penal.
§ 1º Cada integrante do GAECO exercerá, respectivamente, suas
funções institucionais conforme previsão constitucional e legal.
§ 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do
inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o
Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso.
§ 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em
procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de
informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo
facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para
o caso, atuar em conjunto nos autos.
Art. 5º Os inquéritos policiais de atribuição do GAECO serão
presididos por Delegados de Polícia.
§ 1º O membro de Ministério Público e o Delegado de Polícia com
atribuições no GAECO zelarão para que a coleta de provas seja
orientada pelos princípios da utilidade, eficácia, probidade e
celeridade na conclusão das investigações.
§ 2º Qualquer autoridade que no exercício de suas funções
verificar a existência de indícios de atuação de organização
criminosa deverá enviar cópias de autos e peças de informação ao
GAECO para a tomada das providências cabíveis.
Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da
proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de
recursos pelo Poder Executivo.
Parágrafo único Os integrantes do GAECO receberão gratificação
adicional não incorporável, correspondente a 10% (dez por cento)
de seus respectivos vencimentos fixos, durante o período de
atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade financeira
para despesa de pessoal.
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Art. 7º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
Não se encerrou, no entanto, a polêmica. Continuam firmes e empedernidos os
defensores e opositores do novo Ministério Público Investigativo. Tanto que,
tramita nova ADIN a fim de fulminar a norma apontada. E não sabemos ao certo,
se a discussão findará no entendimento estadual, já que este é solenemente
desconsiderado e atacado de público pelo Parquet Estadual e Federal. No próprio
Supremo Tribunal Federal, uma série de remédios heróicos, como recursos
extraordinários, tangenciam o tema da investigação criminal direta pelo Ministério
Publico e alguns julgamentos pontuais emergem como bússolas do
contemporâneo entendimento pretoriano que, cremos, evoluiu desde 1988.
Contudo, assistimos pasmos declarações de promotores (os mais competentes)
de que decisões deste calibre não serão levadas em conta.
Em homenagem à síntese, os defensores da legitimidade constitucional do poder
investigativo do Ministério Público usam-se dos seguintes argumentos:
a) teoria dos poderes implícitos
argumentam os arautos do Gaeco que, em
respeito à máxima latina quem pode o mais, pode o menos , o Ministério Público
que é destinatário do inquérito policial para eventual oferecimento da denúncia,
poderia, o próprio órgão, investigar diretamente, até porque o Inquérito Policial é
dispensável, quando o Parquet reúna elementos suficientes ao oferecimento da
ação penal. Assim, como é o Ministério Público quem vai julgar a regularidade do
Inquérito Policial, requisitando até mesmo novas diligências ou arquivando,
poderia investigar ou partilhar a investigação, em respeito ao princípio da
oportunidade, da economia processual e da eficiência, todos adequados à
administração da Justiça. Teria assim, implicitamente, poder para apurar crimes,
uma vez que tem explicitamente poder para requerer em juízo a condenação pelas
mesmas infrações. Em outras palavras, argumentam que o destinatário direto do
inquérito policial (dispensável para o oferecimento da denúncia) é o Ministério
Público, efetivo fiscal do procedimento preliminar, sendo possível não só o
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acompanhamento das investigações como uma eventual condução. Resumindo
pura implicância de delegados e advogados criminalistas em teimar em
desconstituir um poder inerente à função da promoção da ação penal, já que a
mesma é sucedâneo do Inquérito, conjunturalmente chamado de policial;
b) analogia constitucional com o inquérito cível
como não trata a
Constituição da República de Inquérito Policial, entre as atribuições do Ministério
Público, em seu lido e relido artigo 129, poderíamos tomar por base os Inquéritos
Cíveis que tem por finalidade promover o levantamento fático de uma futura ação
civil pública, em que figura tanto na presidência das investigações como na
titularidade da ação, o próprio Ministério Público, não sendo nem por isso,
considerado suspeito ou tendo o seu entendimento viciado; e se é assim, lembram
também que o Inquérito, tomado como forma de apuração de fatos criminosos,
não é por si exclusividade da polícia judiciária, muito ao contrário, há as
Comissões Parlamentares de Inquérito, compostas por membros do Legislativo,
os Inquéritos Falimentares, os Inquéritos Cíveis, os Inquéritos Administrativos,
como ilustrações de que a investigação não pode e nem deve estar sob o
comando único e monopolizador de uma só instituição. O monopólio da
investigação criminal não seria, em termos objetivos, pertencente à polícia, já que
compete propriamente à CPI apurar crimes e remeter relatórios ao MP. Ora, se a
Carta Magna determina a condução do Inquérito Cível pelo promotor, outorgando-
lhe todos os princípios inerentes a inquisitividade da fase preliminar, não haveria
porque não usufruir o MP de uma analogia tão próxima;
c) não-vedação expressa
não é vedada expressamente a possibilidade de
atuação do Ministério Público na fase inquisitiva, nenhum dispositivo constitucional
ou de legislação infraconstitucional proíbe expressamente. Mesmo porque, o que
há na legislação é a possibilidade de acompanhar o Inquérito e os atos da
autoridade policial, dando parecer em seus requerimentos ao Judiciário, sugerindo
oitivas e outros atos administrativos. Veremos, ainda, o poder ministerial de
requisição pela abertura de procedimento investigativo, cantado e decantado em
toda a doutrina nacional, diferenciando a natureza jurídica do requerimento,
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formulado pelo ofendido. Se tem o MP inflexão de poder sobre a autoridade
policial, não haveria razão pela qual não pudesse também partilhar a presidência
da própria investigação determinada. Ora, nesta ótica, a determinar ao delegado
de polícia a instauração de inquérito, não podendo ser a ordem descumprida, seria
um contra-senso proibir-se ao promotor levar a cabo, ele mesmo, uma
investigação criminal;
d) fiscalização indiciária explícita
não seria por acaso que é o próprio
Ministério Público quem, não só oferece a denúncia, mas fiscaliza a Polícia.
Qualquer infração penal ou irregularidade procedimental é percebida e sanada
pela ação do Parquet na fase pré ou pós processual, tendo assim poder para, ele
mesmo, promover investigações onde julgue ter mais condições, mais
aparelhamento e mais conveniência sobretudo, do que a Polícia. Explicitamente,
delegados de polícia e agentes policiais, não estão subordinados ao Ministério
Público, mas são por ele acompanhados e fiscalizados. Veremos, no decorrer do
trabalho, que inúmeros julgados levam em conta a fiscalização externa da
atividade policial para estender o poder de investigação direta de atividades
criminosas, ligadas a policiais, ao Ministério Público.
Do que redunda, em conclusão, pela ótica das relevantes vozes ouvidas e outras
emprestadas em suas conclusões, que o Ministério Público teria legitimidade para
presidir ou compartilhar a investigação criminal. O coro cada dia avulta-se,
somando a ele um eco da sociedade vitimizada, carcomida pelo medo do poder
paralelo, que já sai das sombras com alguma tranqüilidade. A mídia pressiona
para que o legislador confira explicitamente esse poder, até então julgado
implícito, como se o Ministério Público fosse o último bastião da honestidade do
país. E o próprio Parquet incorpora o ímpeto salvacionista, em caricatas
personagens que querem exibir uma moral de Robespierre em atitudes
franciscanas. Ou seja, uma conjunção de fatores pressionam tanto o legislador
como o glosador entender que, atuando no combate direto ao crime organizado,
pode o Ministério Público contribuir para o desmonte do poder que reconhece
apenas a força. Essa figura jacobina, ou mal-comparada como puritana, assumida
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pelos membros do Parquet levam a opinião pública a não só franquear ao
Ministério Público o poder investigativo, como desconfiar de quem não o aprova.
Essa instituição promotora de justiça, também seria de justiciamento, outro anseio
popular; essa instituição garantiria a inflexibilidade da lei, a fiscalização de seu
cumprimento, a vedação de manobras oblíquas de advogados e, mesmo, as
tergiversações do Judiciário. Eis a visão simplista, tipicamente leiga. A verdade é
que o aparato jurídico-político usou a figura do Ministério Público como poder
autônomo e fiscalizador, mas não sentimos que resulta daí uma elasticidade
desmedida às atribuições não típicas ministeriais. Ao povo vitimizado, tantas
vezes Justiça é confundida com Justiciamento, o que torna-se compreensível, mas
não acietável.
Infelizmente, o tema é tratado com alto grau de maniqueísmo, beirando o
corporativismo, fazendo crer que se trate mais de uma pretensão por mais um
naco de poder, do que propriamente da interpretação constitucional adequada.
Isto porque quem levanta o pendão da investigação criminal direta pelo Ministério
Público são, quase sempre, promotores e procuradores, em seus artigos
científicos ou livros publicados. Não se nega a perícia, a altivez e a riqueza
argumentativa dos autores, mas ficamos a ler as defesas impedernidas de um
Ministério Público hipertrofiado, patrocinadas pelos próprios integrantes da
Instituição, como, dentre tantos outros Marcellus Polastri, em seu Curso de
Processo Penal, Ed. Lúmen Juris: ora, dispondo o art. 129, I, da CF, que compete
ao Ministério Público a exclusividade da promoção da ação penal pública, e
examinando-se os demais incisos do art. 129, mormente o VII que confere o
controle externo da atividade policial ao parquet, não há dúvida que
constitucionalmente foi adotado no Brasil o sistema acusatório puro, sendo
assegurada ao Ministério Público a função de controle da fase investigatória e de
parte da promoção da ação penal pública. Portanto, decorre do regime de
princípios adotados pelo CF a garantia do contraditório e da imparcialidade do
juízo, sendo dogma constitucional o sistema acusatório, reservando-se
expressamente, ao Ministério Público o controle e o diligenciamento na fase
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investigativa e a iniciativa da ação penal pública, bem como os conseqüentes atos
promocionais . E, noutra quadra: além de ratificar o poder da investigação direta e
da promoção privativa da ação penal, sendo expurgados os chamados
procedimentos de ofício , foi assegurada ao Ministério Público a função do
exercício do controle externo da atividade policial (...) .
Ou ainda, se quisermos citar o sempre lido e brilhante doutrinador que,
coincidentemente, é também promotor Rômulo de Andrade Moreira, em seu
Direito Processual Penal, Ed. Forense: diante de tudo quanto foi exposto pode e
deve
o membro do Ministério Público, quando isto lhe é faticamente possível,
investigar diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de abuso
de autoridade (...) . Outro ilustre representante do Ministério Público, Cristiano
Chaves de Faria, vai mais longe: não se pode deixar de reconhecer, pois, que ao
incumbir-se da apuração de infração penal, o Parquet este devidamente
legitimado, pela ordem jurídico-positiva vigeste, a praticar todos os atos e
diligências que afigurem-se necessárias para a formação de opinio delicti,
inclusive notificação de testemunhas (com requisição de condução coercitiva, se
preciso), realização de prova documental, promoção de prova pericial, através de
requisição aos órgãos técnicos etc . E, nesta introdução, poderíamos exemplificar
o coro de promotores estudiosos e partidários do tema com Valter Foleto Santin:
nada impede que o Ministério Público efetue investigações em procedimentos da
sua competência e utilize os dados para o exercício da ação penal, sem constituir
qualquer vicio ou nulidade, mesmo porque dispensável pelo Ministério Público o
caderno investigatório policial, se presentes elementos hábeis que corroborem a
denúncia criminal (art. 39, 5º, CPP) .
A defesa tão acalorada por uma corporação forte, da qual fazem parte os autores
já citados, conduz ao sofisma de ver uma ambigüidade constitucional como o
referendo expresso pelo poder investigativo ministerial. Não há, expressamente, o
condão de imiscuir-se o Parquet nas investigações criminais, restando do controle
externo da atividade policial (este sim, previsto na Carta), mera hipótese
hermenêutica derivada. Todavia, quer-nos parecer ter havido após a promulgação
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da Carta de 1988, e da Leio Orgânica do Ministério Público, uma enorme
frustração ministerial ao ver silentes os textos mencionados, quanto a atribuição
concorrente de conduzir investigações. Do que se extrai, em nossa pesquisa, a
coincidência de doutrinadores-promotores (ou promotores-doutrinadores?) que
defendem a tese, pela ótica meramente interpretativa. Ousamos desmistificar a
tese para classifica-la como defesa coorporativa, suspeita portanto.
Da mesma forma o Judiciário. Não se diga que nossos julgadores têm posição
firme sobre o tema
muito ao contrário
hesitam em bater-se pela
inconstitucionalidade da atribuição investigatória do Parquet. Alguns
julgadores geralmente dão por prejudicados elementos que enfrentem diretamente
o poder investigatório do Ministério Público, conforme se verá no corpo do texto
desta obra, ou ainda, nas íntegras dos julgados do anexo. Da jurisprudência
pesquisada, para que a questão de mérito tratada neste trabalho não seja
diretamente apreciada, geralmente o que se vê é o seguinte:
a) quando há investigação conjunta
da Polícia e do Ministério Público, não se
decreta a nulidade, por considerar a condução policial já suficiente para elidir tese
contrária à constitucionalidade da condução do inquérito pelo promotor. Talvez por
isso que a esmagadora quantidade de investigações ministeriais estejam
rubricadas por delegados que são, na prática, verdadeiros fantoches para que a
nulidade não seja nem mesmo apreciada pelo Judiciário. Ficamos a perquirir como
um profissional do Direito, delegado de polícia, ciente de suas atribuições legais e
constitucionais, pode se guiar no curso de investigações que não lhes pertence, tal
como títeres em teatros de bonecos. Contudo, têm emprestado a rubrica a
procedimentos inquisitoriais, conduzidos na verdade pelo promotor, alijando o
investigado do devido processo legal, mas elidindo a hipótese de nulidade do
levantamento probatório.
b) quando o promotor, mesmo tendo diligenciado na investigação de forma direta,
oferece denúncia calcado em outras provas, o conjunto investigatório não é
considerado nulo, havendo outras provas que não aquelas coletadas pelo próprio
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promotor. Consideram-se como inexistentes as provas coletadas diretamente pelo
Ministério Público, a fim de elidir a nulidade a ser apreciada, considerando-se o
suporte probatório da autoridade policial suficiente para o oferecimento de
denúncia, enquanto as demais provas são geralmente consideradas como
indícios, espécie de suporte de confirmação;
c) quando há investigações de crimes típicos de funcionários públicos contra a
Administração, mais precisamente de policiais, estende-se o controle externo da
Polícia para as mãos do Ministério Público, no sentido de empreender a
investigação criminal do ato funcional. Aqui está o ponto nevrálgico de tantas
discussões entre policiais investigados por suas respectivas corregedorias ou
equipes designadas e o Ministério Público que intima o mesmo policial a fim de
apurar os mesmos fatos, fazendo correr dois procedimentos paralelos.
d) quando há representações ministeriais para a aquisição de provas de ordem
cautelar, devidamente deferidas pelo Judiciário, mesmo não havendo investigação
preliminar, sustentando-se apenas nestes procedimentos (quebra de sigilo
bancário, fiscal, telefônico etc), não podem ser os mesmos considerados
investigações diretas típicas, sendo validadas pelo Judiciário. Aliás, bom que se
pontue, são nebulosas determinadas relações entre magistrados e promotores ou
procuradores, sendo que algumas vezes inquéritos policiais ficam estacionados
em gabinetes do Judiciário, aguardando requerimentos do Ministério Público.
Reitera-se, novamente, a máxima de Maquiavel: será que os fins justificam os
meios?
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3. Fundamentos Legais e Constitucionais sobre o tema: breve
apontamentos dos textos que tangenciam diretamente o assunto
vertido.
É o orgulho que leva a dizer não, e a fraqueza sim. A
modéstia pode dizer ambas as coisas sem paixão.
(Pierre Reverdy)
Sublinhamos, preliminar e objetivamente, o que sustentará os argumentos prós e
contra a investigação conduzida ou presidida pelo Ministério Público:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da
lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação
para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos
previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos
de sua competência, requisitando informações e documentos
para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma
da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas
manifestações processuais;
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IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
i§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira,
destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência; iiIII - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União. iii§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma
da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
iv§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na
forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
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§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
exceto as militares.
§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares,
além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de
atividades de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com
as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir
a eficiência de suas atividades.
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.
§ 9º - A remuneração dos servidores policiais integrantes dos
órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do
art. 39.
O texto da Lei 8625 de 12 de fevereiro de 1993 que constituiu a Lei Orgânica do
Ministério Público, relacionado direta ou indiretamente ao tema, dispõe:
Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não
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importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos;
VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;
Art. 26 - No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) promover inspeções e diligências investigatórias
junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;
III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;
V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;
Sem juízos de valor, por ora.
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4. Argumentos Pró-Gaeco: pela efetivação do poder
constitucional de promoção da ação penal pública e aplicação do
princípio da proporcionalidade frente ao crime organizado.
O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe
convém - William Shakespeare
O crime organizado ou poder paralelo, conforme a nomenclatura que se dê,
cresce e aparece. Sai das sombras para ameaçar a segurança da classe média
alta e os mais abastados. O direito criminal saiu da órbita das pequenas colunas
dos noticiários, onde se estampavam apenas nomes de incógnitos sociais para ser
manchete, emergindo fatos que toda a sociedade já sabia, mas apenas os mais
pobres sofriam. O crime em si penetrou na classe média alta e aterroriza os pais e
os formadores de opinião pública, omissos quando se tratava dos pequenos e
grandes delitos nos subúrbios, nas favelas. Ou seja, o direito penal que era o
direito do outro , do pivete, do batedor de carteira, do bêbado, do estuprador,
passou a ser o nosso direito quando a classe aburguesada, por tantas décadas
silente, passou a ser ameaçada em seus carros e prédios ainda vulneráveis.
Mas afirmar apenas que organismos como o Gaeco (Grupo Especial de Combate
ao Criem Organizado) surgem apenas do ressentimento pequeno-burguês é
extrapolar. Os Gaecos estaduais surgem de uma legítima preocupação da
vulnerabilidade da polícia ao se postar contra um poder tão enfronhado na
economia, sociedade e política. Surgiriam para firmar, reforçar e ordenar as
investigações de fatos que fogem à alçada de pontuais investigações policiais.
Trabalho de inteligência, forças-tarefa, coordenação de esforços são atraentes
justificativas para o anseio popular pelo fortalecimento dos Gaeco. Não é
desinteligente, ao contrário, cruzar informações fiscais, bancárias, telefônicas e
pessoais a fim de que, com inteligência, possa ser debelada o crime igualmente
inteligente. O que se quer pontuar, no presente trabalho, é questão simples de ser
respondida: é a polícia incapaz para faze-lo?
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Admitindo que os crimes dessas organizações são, em sua maioria, interestaduais
ou internacionais, aquela pequena delegacia de polícia é incapaz de chegar aos
cabeças das quadrilhas/empresas, prendendo apenas os criminosos de menor
hierarquia, geralmente executores de ordens, rapidamente substituídos por outros
tantos que vagam sem emprego no país. Isto é, enxerga pouco a polícia,
esmerando-se em exibir símbolos para as câmeras, por oportunidade de
pequenas apreensões. As organizações criminosas agradecem e pagam o preço
da atividade perigosa, perdendo poucos e desimportantes integrantes, como taxas
pelas atividades. São criminosos de menor calibre que nunca têm visão exata da
própria organização que integra...verdadeiro boi de piranha .
Assim, o Ministério Público, pressionado ele mesmo por respostas, soluções à
onda de criminalidade, interpretou o rebotalho de leis que guardamos amontoadas
umas sobre as outras, e algumas eclipsando a Constituição, e outras ainda
contradizendo as primeiras, de modo a concluir por sua legitimidade em segurar o
pendão da investigação criminal, direta, sem mediadores. Da demanda pela
repressão ao crime organizado, o Ministério Público tinha que tomar partido e,
contrariamente de se ladear na pressão por uma polícia mais aparelhada,
inteligente, ética e eficaz, preferiu tomar para si a missão investigatória.
A sociedade saudou com júbilo a iniciativa, predestinada a desmontar o crime que
se mostra às claras e em colunas sociais, num deboche e conluio com poder
público. Este, por meio do Executivo e Legislativo, viu uma saída cômoda para
recuperar o prestígio e dar resposta rápida à crescente criminalidade. Todos ficam
esperançosos. Os Gaeco s começam a funcionar e investigar o que era intocável,
como o Capone de Chicago. Cruzados, promotores de justiça intimam cidadãos,
tomam depoimentos, produzem provas, requisitam providências, tudo
acompanhado pela imprensa pressionando o Judiciário, o que não é
intrinsecamente negativo.
Integrantes do Gaeco escrevem e defendem a própria instituição com argumentos
fortes e coerentes, interpretados, todavia, ao sabor de cada linha doutrinária
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preferida. Infelizmente, como veremos no decurso da exposição do presente
trabalho, fazem mais: ideologizam o debate, infundindo no cidadão leigo o justo
receio que, uma vez cerceado o poder ministerial, a segurança pública estaria
ameaçada com o aprofundamento do crime organizado na estrutura de gestão
burocrática interna. É o que chamamos, guardadas as proporções, de Terror do
Ministério Público
quem não está conosco, está contra nós e deve ser
investigado por isso.
Todavia, em termos jurídicos, propriamente, temos a típica situação onde a carga
política (entendida lato sensu), prevalecerá para dirimir uma omissão na Carta de
1988 e na Lei Orgânica do Ministério Público que NÃO FOI OCASIONAL. Dizem
os legisladores da época (intérpretes reais) que foi intencional a omissão desta
polêmica atribuição investigativa do Parquet Federal e Estadual, e não uma lacuna
infeliz. Como devemos reconhecer não haver vedação expressa, ficamos à deriva
da certeza, ao sabor de entendimentos jurisprudenciais conflitantes, contraditórios
e da doutrina nitidamente partidária e, até certo ponto, interessada.
Em trechos de ensaio famoso, da lavra dos ilustrados Procuradores da República
do Rio de Janeiro, Aloísio Firmo G. da Silva, Maria Emilia M. de Araujo e Paulo
Fernando Corrêa, estes se insurgem contra a vedação ao Ministério Público poder
conduzir investigações criminais3.
3 3 Recentemente, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (HC nº 96.02.35446-1,
2ª T., Rel. Des. Fed. Silvério Cabral, v.m., julg. em 11.12.96; HC nº 97.02.09315-5, 1ª T., Rel. Des. Fed. Nei Fonseca, v.u.,
julg. em 19.08.97, DJU de 09.10.97), encampando decisão isolada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (HC nº 615/96,
1ª CCrim., Rel. Juiz convocado Silvio Teixeira, DOERJ de 26.08.96), acolheram a inusitada tese de que o Ministério Público
não pode conduzir investigação de natureza criminal, sob o fundamento de que tal atribuição é exclusiva da Polícia
Judiciária (Polícias Civis dos Estados e Polícia Federal), somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos
civis.
A tese sufragada pelos julgados supracitados é insustentável, revelando enorme imprecisão jurídica,
tanto que será facilmente rechaçada pelas considerações expostas no presente trabalho. Registre-se, desde já, que,
em sentido contrário, dando pela legitimidade da apuração direta de ilícitos penais pelo Ministério Público, em sede de
inquérito administrativo próprio, já se manifestaram o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, respectivamente, conforme ementas abaixo colacionadas: "Regular participação do órgão
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do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do magistrado. Pedido
indeferido" (STF, HC nº 75.769-3-MG, 1ª T., Rel. Min. Octavio Gallotti, v.u., julg. em 30.09.97, DJU de 28.11.97);
"PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. IMPEDIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. I - A atuação do Promotor na fase
investigatória - pré-processual - não o incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II - Não causa
nulidade o fato do Promotor, para formação da opinio delicti, colher preliminarmente as provas necessárias para ação penal.
III - Recurso improvido" (STJ, RHC nº 3.586-2-PA, 6ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., julg. em 09.05.94, DJU de 30.05.94);
"HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÕES PROCEDIDAS PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO. (...) 1. O inquérito policial é, em regra, atribuição da autoridade policial. 2. O parquet pode investigar fatos, poder
que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei. 3. (...) 4. Tal poder do órgão ministerial mais avulta,
quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do Ministério Público"
(TRF/4ª Reg., HC nº 97.04.26750-9-PR, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de
16.07.97).
As decisões do TRF/2ª Região vão de encontro a dispositivos constitucionais expressos (art. 129, I, VI e VIII),
bem como ao texto da Lei Complementar nº 75/93 (art. 8º, V e VII) - que disciplina especificamente os poderes e
prerrogativas institucionais conferidos ao Ministério Público da União -, de aplicação supletiva aos Ministérios Públicos
Estaduais (art. 80 da Lei nº 8.625/93), eis que tanto a Lex Mater como a Lei Complementar nº 75/93 são de uma clareza
solar em caracterizar a legalidade da atuação do Ministério Público, em se tratando de condução de investigação criminal
no bojo de procedimentos administrativos instaurados em seu âmbito interno.
Decorre, via de conseqüência, que é incorreto afirmar que ao Ministério Público somente é dado conduzir
investigações que se refiram a inquéritos civis. Tal ressalva, que em momento algum é feita pelos aludidos
dispositivos, só pode ter como objetivo obstaculizar a atuação do órgão ministerial, manietando a Instituição que
tem, por destinação constitucional, o poder-dever de zelar pela correta e fiel aplicação das leis em geral. Destarte,
incide, à espécie, o vetusto princípio de hermenêutica jurídica, consistente na vedação de o intérprete fazer distinção onde o
texto legal não fez, e nem foi sua intenção fazê-lo.
Dentro dessa linha de pensamento, com inteira razão HUGO NIGRO MAZZILLI, ao pontificar que "No inciso VI do
art. 129, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público - e aqui também se incluem
investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para a opinio delicti: se os procedimentos
administrativos de que cuida este inciso fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc.
III... Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível, atingindo também a área destinada
a investigações criminais" (apud MARCELLUS POLASTRI LIMA, "Ministério Público e Persecução Criminal", ed. Lumem
Juris, 1997, pág. 89).
Outro argumento que vem corroborar o equívoco interpretativo perpetrado pelo TRF/2ª Região, exsurge da
análise da dicção constitucional constante do inciso VIII do art. 129: quisesse o legislador constituinte limitar a atuação
ministerial, no campo investigatório, tão-somente às suas intervenções em sede de inquérito policial, não teria,
nesse dispositivo, empregado a conjunção aditiva "e", e sim formulado expressão que condicionasse a requisição
de diligências no momento da instauração ou no curso do inquérito, motivo por que podemos obtemperar, com o
beneplácito do Tribunal de Alçada Criminal do Rio Grande do Sul, que "a CF, ao conferir ao MP a faculdade de
requisitar e de notificar, defere-lhe o poder de investigar, no qual aquelas funções se subsumem" (HC nº
291071702, CCrim. de Férias, Rel. Juiz Vladimir Giacomuzzi, julg. 25.7.91, Julgados do TARS nº 79/129).
Cabe refutar, ainda, o frágil fundamento de que a condução da investigação policial seria monopólio das Polícias
Civis, Estaduais e Federal, visto que a Constituição, em seu art. 144, na única alusão que faz ao termo "exclusividade"
(inciso IV do § 1º), visa afastar a superposição de atribuições entre a Polícia Federal e as Polícias Rodoviária e Ferroviária -
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Pululam ensaios contra e a favor do mesmo controverso tema. Outro artigo, não
menos relevante, da lavra do Dr. Cristiano Chaves de Faria, promotor de justiça no
Estado da Bahia, sustenta que além de ser legítimo para investigar, o promotor
que atuou em sede indiciária não teria o óbice da suspeição ou impedimento para
interpor ação penal correspondente. Vejamos os argumentos:
Inexistência de impedimento/suspeição para o oferecimento
de denúncia pelo MP investigante.
também vinculadas à União, mas que têm funções de simples patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais,
respectivamente -, bem como entre a Polícia Federal (propriamente dita) e as Polícias Civis dos Estados, impedindo que
haja a invasão das respectivas esferas de atuação.
Essa distinção foi feita pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao denegar liminar requerida pela ADEPOL
(Associação Nacional dos Delegados de Polícia) na ADIn nº 1517-UF (Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. em 30.4.97,
Informativo STF nº 69) - era questionada a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/95 (Lei de Combate ao Crime
Organizado), conferidor de poderes instrutórios ao juiz na fase investigatória -, tendo prevalecido o entendimento, vencido o
min. Sepúlveda Pertence, de que a investigação criminal não é monopólio da Polícia Judiciária, pois, como ressaltado pelo
relator, "a Constituição não veda o deferimento por lei de funções de investigações criminais a outros entes do Poder
Público, sejam agentes administrativos ou magistrados", o que, aliás, vem confirmar a indiscutível recepção da previsão
contida no parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal.
A conclusão inafastável que deflui da análise da decisão do Pretório Excelso é a de que, restando
legitimada a atuação do juiz em sede investigatória de coleta de provas - a qual poder-se-ia objetar que
comprometeria sua imparcialidade no ato de julgar (fundamento do voto vencido do Min. Sepúlveda Pertence) -,
com muito mais razão dever-se-á admitir a atuação do Ministério Público, órgão detentor da titularidade privativa
do exercício da ação penal pública e, portanto, destinatário imediato de qualquer investigação criminal, cuja
intervenção pré-processual autônoma terá por objetivo garantir a apuração, isenta e rigorosa, de quaisquer
violações às leis penais, evitando-se a ocorrência de um prejuízo potencial ao interesse público.
Por conseguinte, se incumbe ao Ministério Público, privativamente, o exercício da ação penal de iniciativa
pública, é forçoso concluir que estarão compreendidos entre seus poderes e prerrogativas institucionais o de
produzir provas e investigar a ocorrência de indícios que justifiquem sua atuação na persecução penal preliminar,
instaurando o procedimento administrativo pertinente (art. 129, VI, da Carta Política), devendo assim proceder
sempre que a atuação da Polícia Judiciária possa revelar-se insuficiente à satisfação do interesse público
consubstanciado na apuração da verdade real (p. ex., quando ocorrer falta de isenção para apurar determinada infração
penal, haja vista o envolvimento de outros policiais, hipótese verificada em uma das ações penais que foram trancadas pelo
TRF/2ª Região, em que existia inquérito policial conduzido de forma flagrantemente favorável aos interesses do organismo
policial, levando o Ministério Público Federal a engendrar novas diligências investigatórias em procedimento interno, que
redundaram no oferecimento de denúncia contra vários policiais federais).
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Imperativo, ademais, destacar que inexiste qualquer impedimento
ou suspeição para o oferecer denúncia, iniciando ação penal, no
fato de o membro do MP atuar ou intervir nas investigações
policiais ou mesmo promover investigações motu proprio (o que se
inclui no rol de suas atribuições conferidas pela CR e por lei).
Veja-se que não se vislumbra hipótese impeditiva ou de suspeição
no taxativo rol elencado nos Arts. 252 e 254 da Cártula Adjetiva
Penal - extensivo ao MP ex vi do disposto no Art. 258 do mesmo
Codex. Por conseguinte, impende reconhecer a inexistência de
causa de impedimento para o oferecimento de denúncia no fato de
o mesmo membro do MP, na fase preliminar (investigatória) ter
participado das diligências da Polícia Judiciária ou ter realizado
investigação autônoma e direta.
O elenco das causas de impedimento e suspeição é numerus
clausus e não comporta dilações!
Nesse diapasão, a jurisprudência vem pacificando:
"É de se rejeitar a exceção de suspeição se o excipiente não indica
alguma das causas configuradoras (...) elencadas no art. 254 do
CPP, cujo rol é taxativo, não comportando ampliação." (TJ/SP, in
RT 699:328)
Na mesma trilha: TJ/PR (RT 665:314), TJ/SP (RT 542:333) e
TJ/SC (RT 508:404).
Outrossim, destaque-se ser o Parquet (expressão francesa que
significa "assoalho", designando o local onde permaneciam os
representantes do antigo MP daquele país, de pé, ao lado dos
juízes, que ficavam sentados. Daí, inclusive, a origem da
denominação "magistratura de pé") o Destinatário Imediato das
investigações criminais, tendo interesse direto nelas, a fim de
formar a sua opinio delicti. Ora, se pode o mais - que é requisitar
tais diligências investigatórias - obviamente, poderá o menos,
realizá-las pessoalmente, tendo contato direto com os indícios e
provas colhidos, amadurecendo sua convicção.
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Aliás, o MP que atua, direta (e pessoalmente) ou
indiretamente, é o maior interessado no material indiciário
produzido, podendo, com o seu contato pessoal, formar um
juízo de valor muito mais seguro e firme.
Como se não bastassem tais argumentos, é de ser destacado
que o fato de participar ou presidir diligências investigatórias
justifica, ainda mais vigorosamente, a legitimidade do
representante ministerial para o ajuizamento da ação penal,
porque encontrar-se-á mais habilitado para tal, ciente
inteiramente dos acontecimentos.
Repita-se à saciedade: a atividade investigatória é
absolutamente intrínseca e inerente à condição de órgão
acusador, por ser necessária a existência de um suporte
probatório mínimo para o oferecimento de denúncia. Equivale
a dizer, a atividade de investigar e apurar os fatos delitivos in
these está atrelada à atividade de acusar em juízo, de deduzir
a pretensão punitiva estatal, sendo uma suporte da outra.
Ademais, se a função de invest igar é inerente e própria do múnus
ministerial, inexiste, via de conseqüência, impedimento para o
exercício da função de acusar em juízo, até mesmo por ser função
complementar àquela.
É o que sacramenta o escólio do preclaro Julio Fabbrini Mirabete:
"não constitui impedimento o fato de ter sido o representante do
Ministério Público designado para acompanhar o inquérito policial,
intervindo nas investigações, participando da coleta de provas,
requisitando diligências, etc., pois tais funções são próprias do
exercício do cargo." (cf. Código de Processo Penal Interpretado,
São Paulo, Atlas, 3ªed., 1996, p.305)
Outra não é a cátedra de Polastri Lima, para quem "nenhuma
contradição ou conflito existe em relação à colheita de provas e
posterior oferecimento de denúncia por parte do Ministério
Público." (op. cit., p.88)
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A ilação que se infere é a única aceitável para a hipótese sub
occulis, não sendo possível obstar o membro do MP que exerceu
suas funções naturais, previstas pela CF e pela lei, investigando
fato criminógeno, de oferecer a denúncia, sob pena de colocar em
xeque não somente sua dignidade pessoal e profissional
(admitindo-o como suspeito de parcialidade), como toda a
credibilidade da Instituição Ministerial - que não teria compromisso
com a Verdade e a Justiça, admitindo que não possuiria condições
de fazer, isentamente, um juízo de valor após promover
investigações.
Os tempos do Ministério Público perseguidor implacável já se
foram (e de há muito!) e, hodiernamente, não mais se admite a
figura do acusador sistemático!!! Os membros do MP, em verdade,
devem "ter o zelo pela justiça e não pela condenação", como
adverte com extrema sabedoria Hugo Nigro Mazzili. (cf. Regime
Jurídico do Ministério Público, São Paulo, Saraiva, 3ªed., 1996,
p.34)
Dando efetividade à tese ora esposada as nossas Cortes já têm
precedentes diversos, como, exempli gratia, os que ora transcreve-
se:
"Regular participação do órgão do Ministério Público em fase
investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do
magistrado. Pedido indeferido de HC ." (STF, HC 75.769-3/MG,
Ac.unân. 1ªT., v.u., Rel. Min. Otávio Gallotti, j.30.9.97, publ. DJU
28.11.97)
"Não impede o Promotor para a denúncia, o fato de sua
designação para participar da coleta de provas informativos, nem a
iniciativa de diligências investigatórias do crime." (STJ, in JSTJ
22:247-8)
E mais esse acórdão do Eg. STJ, abordando exatamente a
questão em comento, lavrado, unanimemente, de modo magistral:
"Processual Penal. Denúncia. Impedimento. Ministério Público. I- A
atuação do Promotor na fase investigatória - pré-processual - não o
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incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II -
Não causa nulidade o fato do Promotor, para a formação da opinio
delicti , colher preliminarmente as provas necessárias para a ação
penal. III - Recurso improvido." (STJ, RHC 3586-2-/PA, Ac.unân.
6ªT., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., j.9.5.94, publ. DJU 30.5.94)
Mas não é só. Incontáveis decisões vêm sendo proferidas
proclamando este entendimento, como as que estão contidas em
Lex 58:66 (TACrim./SP) e 56:328 (STF); RTJ 107:98 e 119:120
(STF); RT 665:342 (STJ), 660:288 (TJ/SP); RJTJESP 120:589
(TJ/SP) e JTACRESP 36:63 (TACrim./SP).
Veja-se, inclusive, que no procedimento para apuração de ato
infracional (Lei nº8.069/90 - ECA), o membro do MP está
incumbido de promover as diligências investigatórias previamente,
para, a depender de seu juízo de valor, deflagrar ação sócio-
educativa por meio de representação em face do adolescente,
inexistindo qualquer impedimento. Igualmente, pode o particular
ofendido colher elementos probatórios para embasar a queixa-
crime a ser intentada, no caso de ação penal privada, sendo
enorme incongruência negar-se tal possibilidade ao Promotor de
Justiça ou Procurador da República que promoverem
investigações.
Resulta, então, fatal a conclusão de que se é facultado ao
Parquet oferecer denúncia prescindindo das peças
investigatórias policiais, quando disponha de elementos
outros (CPP, 39, §5º), com maior razão ainda poderá investigar
pessoalmente, através de procedimento administrativo
interno, os fatos delitivos descobertos ou noticiados, a fim de
garantir uma peça acusatória segura ou, noutra hipótese, o
arquivamento das peças de investigação, evitando vulnerar o
status dignitatis do cidadão. Calha bem à matéria a observação
do Prof. Sérgio Demoro, lastreado em Tourinho Filho, no sentido
de que a investigação policial é dispensável e que "seria uma
superfetação exigir-se o inquérito policial se o titular do jus
persequendi in judicio tive r em mãos os elementos que o habilitem
a ingressar em juízo." (op. cit., p.218)
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Nesta linha de intelecção, sobreleva firmar posição, com segurança
e firmeza, arrimado na communis opinio doctorum et consensus
omnium jurisprudencial alhures evidenciados, que inexiste
incompatibilidade para a deflagração de ação penal, com o
oferecimento de denúncia, por parte do representante do MP que
participou ou promoveu atividades investigatórias.
A fim de defender a segurança pública, da qual todos são responsáveis, a
incolumidade e eficiência da investigação criminal, o afastamento do crime
organizado e a independência com relação a ele, a efetividade da ação penal
pública, temos como legítimo o Ministério Público que investiga diretamente
crimes, pela ótica de seus defensores. Legítimo e querido Ministério Público...
Em remate, temos um dos mais ilustres catedráticos de Direito Processual Penal,
docente da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal,
atualmente Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, lecionando em
preciso artigo Investigação Preliminar: Significado e Implicações que:
a) a fim de evitar acusações despropositadas, tecnicamente consideradas
carecedoras de justa causa, a doutrina pressiona o Legislativo com o fito de
importar o modelo do Juízo de Instrução Preliminar, onde o magistrado participa
ativamente da colheita de provas, subordinando o aparelho policial, tendo o
Ministério Público e o indiciado como partes na relação;
b) esse modelo não se adapta às nossas necessidades, vez que não se coaduna
também com o Estado Democrático de Direito, onde o magistrado tem por
obrigação ser imparcial, sendo-lhe vedada qualquer juízo e instrução na fase
indiciária, sob pena de ver comprometida a sua independência e eqüidistância das
partes processuais;
c) cita constantemente o querido professor, outro seu colega Dr. Aury Celso Jr.,
que argumenta com propriedade sobre a grave inconveniência que representa o
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fato de uma mesma pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de
investigação e valorar a sua legalidade; continua, afirmando que o processo penal
nestes termos, retornaria a observar valores próprios da Inquisição, criando uma
patologia judicial, uma vez que se o juiz é o investigador, quem atuará como
garante da relação? E, finalmente, remata a citação, transcrevendo ser uma
monstruosidade jurídica valorar na sentença elementos recolhidos em um
procedimento preliminar em que predomina o segredo e a ausência de
contraditório e defesa;
d) prossegue o prof. Fonteles questionando dever o Ministério Público atuar
decisivamente na investigação criminal, respondendo ele mesmo enfaticamente
que sim. De plano, como justificar-se que o titular exclusivo da ação penal pública
quem, portanto, elabora e apresenta a pretensão punitiva ao Juiz, fique divorciado,
alheio, ao trabalho de investigação preliminar? É completo non sense! Em outra
quadra de seu artigo: Não seria, como bem coloca o Prof. Aury Celso Jr, juiz de
instrução, mas juiz da instrução. Vale dizer, o Magistrado, em plenitude, exerce o
que lhe é próprio exercer: o controle jurisdicional dos atos investigatórios, pelos
procedimentos de provocação dos interessados. Assim: delibaria sobre o pleito
pelo trancamento da investigação preliminar; sobre a busca e apreensão; sobre a
escuta telefônica; sobre o excesso de prazo na conclusão da investigação; sobre a
liberdade provisória; sobre a concessão de fiança; enfim sobre todas as situações
que signifiquem o decidir sobre o que possa ser conflitivo entre investigador e
investigado. É óbvio que o Juiz, assim visto no que lhe é próprio ver, não tem
porque requisitar, iniciando investigação preliminar contra quem quer que seja,
tampouco ter a investigação preliminar tramitando entre si e a polícia. Isto é
verdadeiro descompasso! A tramitação da investigação preliminar deve acontecer
direta e desburocraticamente entre Ministério Público e Polícia de Investigação .
Não é por outra razão que o prof. Fonteles é tão respeitado no meio jurídico e,
mais particularmente, na Procuradoria da República. Enfático, apaixonado, acerta
e erra o catedrático com a mesma fé que se anima em persistir nas agruras da
profissão. Seus argumentos são sólidos, profundos e coerentes, mas são
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passíveis de questionamento, entretanto. Fundam-se em premissas
completamente verdadeiras, constatações da mais alta relevância e peca na
conclusão, apresentando um sofisma clássico. Senão, vejamos.
Na mesma esteira, Dra. Ela Wiecko V. de Castilho Subprocuradora-geral da
República e professora de Direito Penal e de Direito Processual Penal, em artigo
publicado no Correio Brasiliense (17/05/99):
No meu entender, polícia e MP são sempre partes imparciais, no
sentido de que devem atuar em função do interesse punitivo do
Estado, mas comprometidos com o respeito aos direitos humanos
e com a busca da verdade real. Um e outro devem atuar com
isenção de ânimo.
A tese de que o MP não pode participar da investigação criminal
presta um desserviço à sociedade brasileira e se distancia da
tendência mundial. A comparação entre os sistemas
procedimentais penais mostra que há três grandes grupos de
legislação, no tocante à investigação. O primeiro grupo, que dá à
polícia o monopólio, só existe na common law e os abusos
motivaram a introdução de uma instituição semelhante ao MP, a
Crown Prosecution Service. O segundo se caracteriza por uma
associação da polícia e do MP. O terceiro grupo prevê a
investigação pela polícia, pelo MP e pelos juizados de instrução.
Os juizados de instrução estão sendo abandonados pouco a pouco
e, na prática, o papel fundamental tem sido o do MP. Em diversos
países as investigações são conduzidas pelo MP com o auxílio da
polícia. O 8º Congresso das Nações Unidas sobre o Delito,
realizado em Havana, em 1990, aprovou a diretriz segundo a qual
os membros do MP desempenharão um papel ativo no
procedimento penal, incluída a iniciativa do procedimento e, nos
termos da lei ou da prática local, na investigação dos crimes, na
supervisão da legalidade dessas investigações, na supervisão da
execução das decisões judiciais e no exercício de outras funções
como representantes do interesse público.
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Realmente, o modelo de juízo preliminar propriamente não é adotado no Brasil,
nem era e acreditamos que não será, por um motivo bem simples: a nossa
tradição romano-germânica perpassada pelo ordenamento ibérico, é de distinção
entre as atribuições investigativas e julgadoras, afora as exceções histórias que só
confirmam a regra. Consolidada a tradição constitucional em amoldar a polícia
investigativa, sedimentada pela Carta de 1988, podemos sim pensar em uma fase
pré-processual onde o indiciado terá a oportunidade, junto ao juízo da causa, de
apresentar suas razões, defendendo-se e tentando provar ao magistrado que não
poderá nem mesmo ser processado, representando aquela denúncia verdadeiro
excesso.
Na verdade, a resposta preliminar já há em processo penal. A primeira experiência
foi com crimes de funcionários públicos (art. 514 do CPP) e a mais moderna
tentativa se deu com a Nova Lei de Tóxicos, Lei 10.409/02, onde em ambos os
casos, deve a defesa deduzir as razões pelas quais o juiz não deve receber a
inicial acusatória, ou recebê-la em parte, ou ainda rejeitá-la. Oportunidade para
apresentar ou requerer provas, arrolar testemunhas, enfim...exercer o direito de
defesa. Não nos parece despropositada a iniciativa, ao contrário, benfazeja.
Acreditamos que em todos os crimes punidos com reclusão, deveria haver a
defesa preliminar antes do recebimento da denúncia, de modo que o magistrado
tenha consigo neste ato decisório profundamente marcante em processo penal, a
denúncia e a defesa, em paridade, ensejando real igualdade entre as partes.
Em outras palavras, não temos no Brasil, juizado de instrução e é bom não
termos, acompanhando integralmente o entender do insigne prof. Dr. Cláudio
Fonteles. Ocorre, todavia, que o eminente Procurador Geral da República, avança
o tema, propondo outros caminhos, mais heterodoxos para a questão: partindo do
pressuposto de que não há juizado de instrução e que o Ministério Público detém
a exclusividade da ação penal pública, nada mais coerente que o Parquet também
participe da investigação, por meio de seus promotores e procuradores, colhendo
as provas que eles mesmos usarão para a ação penal da qual são titulares.
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Como afirmamos, premissas verdadeiras e conclusão falsa, digno dos maiores
sofistas gregos. Pelos mares tormentosos do tema em debate, não poderá singrar
o promotor de justiça na investigação inquisitiva. Por duas razões básicas: a
primeira consiste na atribuição constitucional do Ministério Público, expressa,
clara, inequívoca que é cuidar da fiscalização externa
da Polícia; e a segunda,
liga-se ao fato de ser o promotor parte na relação processual, tendo por isso a
obrigação de ser tratado como igual , da mesma forma e com as mesmas
prerrogativas que a defesa. Seria insólito pensar que pode, em processo civil, uma
parte ter o direito de produzir prova sigilosa contra a outra, e ainda por cima,
aproveitá-la em juízo. Ora, se é teratológico em processo civil, será mais em
processo penal.
Escudado na incompetência flagrante das investigações clássicas e na hipertrofia
do crime, tudo somado ao fato de ter o promotor garantias semelhantes às do
Judiciário, perguntam os procuradores e promotores, porque não podem eles
contribuir para desmantelar o poder paralelo que se organiza no país. Ora, querem
remediar o problema, mascarando suas causas. Se a Polícia não pode dar cabo
do crime de maior calibre, visualizando todos os seus tentáculos interestaduais e
internacionais, por que não pode? Se a polícia é incapaz de desmantelar a
organização criminosa que atua sem fronteiras, movimentando recursos oriundos
de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas e corrupção, por que não pode?
Onde estão os clamores por uma Polícia mais técnica, eficiente e interligada com
os novos paradigmas do crime?
Sobre a inoportuna lembrança que fizemos acima, conclui a ilustre
Desembargadora de Mato Grosso, Shelma Lombardi de Kato, ao julgar
inconstitucional portaria que permite e regula investigação direta pelo Ministério
Público: portanto, apurar infrações penais é competência da Polícia Judiciária,
através de inquérito presidido por Delegado de Polícia e disso ninguém tem
dúvidas. Já o MP, custos legis, dominus litis, além de parte nos processos em que
prevalece o interesse público, a par com elevá-lo a categoria de Poder,
outorgando-lhe autonomia funcional e administrativa, a vigente constituição
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conferiu-lhe titularidade para exercer o controle externo da atividade policial. Logo,
ao MP não cabe realizar diretamente investigações policiais, mas, tão-somente,
requisitá-las à autoridade policial competente, como consignado no voto do e.
Ministro Carlos Veloso no Recurso Extraordinário n. 205.473-9, STF .
E, finalmente, encerra a responsável e notável julgadora: preocupado com a
crescente onda de criminalidade no Estado, com infratores vinculados a
organizações criminosas atuantes em todo o país e até no exterior, o MP local, por
compromisso com a ordem jurídica e a defesa da sociedade, viu-se e vê-se
pressionado a contribuir para a extirpação ou diminuição da criminalidade no
chamado crime organizado. Vislumbrou a dificuldade da atuação isolada da polícia
por serem os agentes do delito, solapadores da ordem e da paz, figuras de rosto
oculto e de vários tentáculos com infiltração nos mais diversos segmentos do
organismos social. Movido por este nobre objetivo, o Colégio de Procuradores de
Justiça, sob a chefia do culto Procurador Dr. Guiomar Teodoro Borges, homem
sereno, de formação democrática e perfil humanitário, editou a resolução
invectivada. O objetivo é nobilitante. O fim é louvável. E o tempo tem
demonstrado a eficácia do trabalho conjunto da policia judiciária e do MP no
Estado de Mato Grosso. A inconstitucionalidade é porém manifesta nos
artigos verberados .
Não se diga nada mais. Menos, incorreríamos no pecado da omissão sobre o
tema. Mais, na verborragia inútil. Nenhuma colocação poderá ser mais precisa.
Todavia, não comunga dessa mesma opinião o distinto promotor de justiça que
atua em Mato Grosso, Roberto Aparecido Turim, membro do Gaeco mato-
grossense, um dos primeiros do país. Mais uma vez citado no presente ensaio,
reverbera o professor e membro do Ministério Público contra a decisão do Tribunal
de seu Estado4. Anote-se o destemor deste digno servidor público que pauta suas
4 Dizer que a Constituição Federal proíbe o Ministério Público de investigar de maneira independente e autônoma a autoria
e a materialidade de infrações penais é uma heresia jurídica, além de uma imensa demonstração de falta de capacidade de
leitura e interpretação das normas constitucionais.
De acordo com a norma constitucional, o Ministério Público é o titular da ação penal pública ( CF, art. 129, I ), ou seja, o
Ministério Público é o órgão estatal responsável pela persecução penal, portanto, cabe ao Ministério Público exercer, de
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maneira autônoma e independente, a ação penal, visando submeter a julgamento e, se for o caso, a condenação, as
pessoas a quem se imputa a prática de infrações penais; como é sabido por todos, dentro do nosso atual sistema jurídico, o
inquérito policial é mero e até mesmo dispensável procedimento administrativo, desprovido de força condenatória, com
natureza inquisitorial e que deve, necessariamente, ser submetido ao crivo do contraditório judicial, para adquirir força
probatória, portanto, o inquérito é a apenas uma ferramenta, um meio para o exercício da ação penal; assim sendo,
logicamente, Ministério Público que é o titular da ação penal, detentor do direito final, não pode ser impedido de buscar os
meios necessários para o exercício desse poder-dever que é a persecução penal.
Essa conclusão resulta de uma regra elementar de hermenêutica jurídica, traduzida de maneira popular pela expressão
"quem pode o mais, pode o menos", para os que preferem uma explicação mais sofisticada e dogmática, pode se dizer que
tal conclusão resulta da adoção, em matéria de interpretação das normas constitucionais, da "teoria dos poderes implícitos",
nascida na Suprema Corte norte-americana e de aplicação corrente em nossos Tribunais, posto que, segundo a regra dos
poderes implícitos, quando a Constituição concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade fim), como a
do privativo exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, implicitamente, a Constituição também estará
concedendo-lhe os meios necessários ao cumprimento dessa função; portanto, se a Constituição incumbiu o Ministério
Público do exercício da ação penal pública; é obrigatório concluir e reconhecer que o Ministério Público também possuí
poderes para investigar, produzir provas, requisitar documentos perícias e quaisquer outros procedimentos que entenda
necessários para subsidiar a persecução penal. Ocorre que alguns setores conservadores e corporativos da Polícia
Judiciária se esquecem da real finalidade do inquérito policial, passam a tratar o inquérito como um fim em si mesmo.
Muitas vezes, em virtude dessa visão corporativa, sindicatos e confederações de Delegados de Polícia Judiciária partem
para a defesa de normas que prolongam e burocratizam o inquérito e também para a defesa do monopólio da investigação
criminal, achando que, com tal atitude, estariam valorizando a atividade policial, esquecem-se de que, na verdade, todo o
trabalho da Polícia Judiciária tem uma única finalidade, servir à formação da "opinio delicti" por parte do Ministério Público;
os equivocados entendimentos que defendem o monopólio e a exclusividade da Polícia Judiciária para a realização das
investigações criminais, são fruto, em primeiro lugar do corporativismo e em segundo lugar de uma interpretação literal e
não sistemática das normas constitucionais. A defesa do monopólio da investigação criminal não é juridicamente plausível
e, com certeza não ajuda no combate à criminalidade e não atende aos clamores e interesses da sociedade; o próprio
ordenamento jurídico e a Constituição concebem investigações realizadas de outras formas e por outros órgãos que não a
Polícia Judiciária, tais como as investigações parlamentares (comissões parlamentares de inquérito) e administrativas,
restando claro que o sistema jurídico adota o princípio da universalização das investigações, resultando daí a ampliação do
leque de órgãos legitimados a investigar o que, sem sombra de dúvidas, colabora para a maior transparência dos atos de
investigação e contribui para a melhoria do trabalho investigatório, sem que, de forma alguma, a Polícia Judiciária perca seu
especial poder/dever de investigar.
Quanto à possibilidade de realização de investigação criminal por parte do Ministério Público, resta dizer que, mesmo para
os que não aceitam o princípio da universalização das investigações e nem reconhecem a adoção da teoria dos poderes
implícitos, a norma Constitucional e o ordenamento jurídico atribuem, expressamente, ao Ministério Público o poder de
investigar. É o que se concluí da leitura e análise sistemática das disposições do art. 129, inciso VI, da Constituição Federal
(Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: inciso VI - expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar
respectiva) e também do disposto no art. 8º, incisos V e VII da Lei complementar nº 75/93 (Art. 8º - Para o exercício de suas
atribuições, o Ministério Público poderá, nos procedimentos de sua competência: inciso V - realizar inspeções e diligências
investigatórias; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar."; à luz da
Constituição e da Lei Complementar 075/93, resta evidente a possibilidade de investigação criminal realizada pelo
Ministério Público; afinal a persecução penal é de competência do Ministério Público, portanto, pode o Ministério Público
instaurar procedimento administrativo e proceder a requisições e notificações, buscando a coleta direta de elementos de
convicção para o oferecimento da denúncia.
É oportuno ressaltar que é leviana e infundada a afirmação constante do artigo elaborado pelo Sr. Delegado de Polícia,
Presidente do Sindicato Dos Delegados De Polícia de Mato Grosso; no sentido de que os Tribunais Superiores (STJ e STF)
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ações na convicção íntima da independência mais radical da Instituição a que é
filiado.
mantém entendimento pacífico e contrário à investigação criminal por parte do Ministério Público; na verdade, apesar de,
réus, indiciados e Associações de Delegados, agindo, estranha e ironicamente, com o mesmo objetivo, tenham impetrado
inúmeros recursos e ações diretas de inconstitucionalidade, questionando a atuação direta do Ministério Público na
investigação criminal, os mesmos não obtiveram êxito. É que nenhuma liminar foi concedida, sendo que tanto o STF quanto
o STJ, apesar de um ou outro entendimento divergente mantém na maioria de suas decisões, o entendimento de que o
Ministério Público pode instaurar procedimento próprio para a investigação criminal.
A esse respeito existe um minucioso estudo efetuado pelo Promotor de Justiça do Estado De São Paulo, Dr. VALTER
FOLETO SANTIN, em sua obra O MINISTÉRIO PÚBLICO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: " A E. Suprema corte Brasileira
não concedeu nenhuma liminar, mantendo eficazes as normas da Lei nº 6.825/1993 e Lei Complementar Federal nº
75/1993 (ADIn 1.142) e resoluções da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, referentes à Promotoria de
Investigação Penal (ADIn 1.138-3 RJ) e da Procuradoria- Geral de Justiça do Paraná, na instituição de Promotoria de
Investigação Criminal ( ADIn 1.336-PR). Na ADIn 1.142, Rel. Min. Carlos Velloso, proposta pela proposta pela Associação
dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL, foi indeferida a liminar em 14.2.1996, para a declaração de
inconstitucionalidade do art. 26, I, da Lei nº 6.825/1993, na parte em que confere ao Ministério Público, no exercícios de
suas funções, o poder de instaurar inquéritos e " outras medidas e procedimentos pertinentes" e dos arts. 10 e 18, II, "f", e
parágrafo único, da LC nº 75/1993, que estabelecem, sucessivamente, obrigatoriedade de comunicação imediata ao
Ministério Público competente da prisão de qualquer pessoa por parte de autoridade federal, do Distrito Federal ou dos
Territórios; o Tribunal entendeu que a tese sustentada pelo autor da ação não teria a densidade necessária para justificar a
suspensão cautelar dos dispositivos impugnados (Boletim Informativo do STF nº19, www.stf.gov.br). O relator negou
seguimento à ADIN (DJ 15.6.1998).
No tocante às resoluções da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro sobre a Promotoria de Investigação Penal, o
STF em 29.4.1998, por votação majoritária, não conheceu a ação direta, por ilegitimidade ativa ad causam da ADEPOL (
ADIn 1,138-3 RJ, m.v., Rel. Min. Ilmar Galvão). O STF concedeu inicialmente a liminar, em 8.3.1995, reconsiderou a
decisão e indeferiu a liminar, em 15.3.1995, e depois não conheceu da ação (www.stf.gov.br, (consulta às ações diretas de
inconstitucionalidade).
Relativamente à Resolução da Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná, na instituição de Promotoria de Investigação
Criminal, na Comarca de Curitiba, com poderes para requisitar exames, documentos e informações de qualquer órgão,
repartição ou entidade pública ou privada, e requisitar a condução coercitiva, pela Polícia Civil ou Militar, de quem notificado
não comparecesse injustificadamente, na ADIn 1.336-PR, Rel. Min. Octávio Gallotti, em 11.10.1995, o Excelso Tribunal
considerou destituída de plausibilidade a alegação de contrariedade aos arts. 60, I, II e III, 129, VI e VII e 144, da
Constituição Federal ( Boletim Informativo do STF nº 9, www.stf.gov.br). A ADIN foi extinta por ilegitimidade ativa da
ADEPOL ( DJ 16.10 1998), mas interpostos embargos de declaração, em tramitação. Por substituição, a relatoria passou
para a Ministra Ellen Gracie. Vide www.stf.gov.br, acompanhamento processual." (SANTIN, Foleto Valter, O Ministério
Público na investigação criminal, editora Edipro, SP, 2001, páginas 243 e 244.)
Constata-se, portanto, que a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é realmente uma decisão isolada e incoerente
e que deve ser modificada, pois a Constituição e o ordenamento jurídico não impedem o Ministério Público de investigar, ao
contrário permitem, fomentam e até mesmo determinam que o Ministério Público assim o faça; o monopólio da investigação
criminal por parte da Polícia Judiciária Civil é prejudicial ao interesse social na medida em que a universalização da
investigação facilita e melhora o combate à criminalidade e propicia maior, democracia, celeridade e segurança ao exercício
do poder punitivo do Estado; a participação direta do Ministério Público como legitimado a investigar infrações penais,
independente da atuação policial, com certeza contribuirá para maior celeridade na elucidação dos crimes e melhoria na
qualidade da investigação, facilitando a percepção dos fatos e fornecendo ao Ministério Público melhores condições para a
realização da persecução penal.
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Remata, portanto, o Dr. Turim por creditar ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso
uma decisão isolada contra a função investigativa do Ministério Público, o que não
é ser exato ou querer mesmo deixar de ver claramente, apegando-se, aí sim, a
decisões isoladas deste ou daquele pretório. Verdadeira e equilibrada a postura do
referido professor e promotor. O que nos preocupa, entretanto, são outras
opiniões bem mais ácidas (e impensadas, diríamos), desqualificando
simplesmente a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, por
desqualificar pessoalmente seus membros: em outras palavras
a agressão
pessoal àqueles que não comungam da pretensão ministerial por mais poder. Tal
acidez não é impensada
trata-se não só de desrespeito, como é sintomático em
personalidades egocêntricas.
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5. Um aprofundamento doutrinário e jurisprudencial: o que se
pensa no Brasil. Um escorço jurisprudencial acerca do tema.
É sem dúvida mais fácil enganar uma multidão do que um só homem - Heródoto
No dia 22 de janeiro de 2004 foi exarado um parecer da lavra de Luis Roberto
Barroso, solicitado por Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos
Humanos e Presidente do Conselho de Defesa da Pessoa Humana. Neste
documento de apoio à formação do convencimento do governo sobre a matéria
polêmica, o autor apontou diversos precedentes pró e contra a investigação
criminal direta capitaneada pelo Ministério Público. Dessa forma, podemos
reprisar, nesta quadra:
Precedentes do STF:
HC 75769-3 MG, Min Octávio Gallotti: não sofreu
censura as atividades investigatórias do Ministério
Público de Minas Gerais, muito embora não tenha sido
o foco em que gravitava o remédio heróico;
RE 205473-9 AL, Min. Carlos Mário Velloso:
inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII da CF, no fato
de a autoridade administrativa deixar de atender
requisição de membro do Ministério Público no sentido
da realização de investigações tendentes à apuração de
infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro
do Ministério Público realizar, diretamente, tais
investigações, mas requisitá-las à autoridade policial
competente para tal (CF, 144, Parágrafos 1º e 4º).
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Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo
investigados em instância superior .
RE 233072-4 RJ, Min. Nelson Jobim: caso em que o
Parquet Federal requisitou procedimento licitatório e
convocou testemunhas para, então, denunciar os
envolvidos, sendo que estes na condição de pacientes
impetraram e ganharam ordem de habeas corpus onde
o TRF 2ª Região conheceu e proveu o mandamus, a fim
de trancar a ação penal em curso por exorbitância de
atribuições ministeriais. Inconformado, a Procuradoria
da República volta à tona com Recurso Extraordinário,
sustentando a tese da adequação das investigações,
onde os Ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim não
conheciam do recurso, justificando não ter o Ministério
Público competência para promover inquérito
administrativo para apurar conduta de servidor público,
em contraposição aos Ministros Néri da Silveira e
Mauricio Corrêa que conheciam e davam provimento ao
recurso ministerial. Em seguida, o Ministro Carlos
Velloso percebera que o acórdão impugnado versava
sobre mais de um elemento e nem todos foram
guerreados pela recorrente Procuradoria da República,
fato pelo qual não conheceu do recurso extraordinário.
A Ementa do acórdão ficou cristalizada com o seguinte
teor: O Ministério Público não tem competência para
promover inquérito administrativo em relação à conduta
de servidores públicos; nem a competência para
produzir inquérito penal sob o argumento de que tem
possibilidade de expedir notificações nos procedimentos
administraivos; pode propor ação penal sem inquérito
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policial, desde que disponha de elementos suficientes.
Recurso não conhecido .
ROHC 81326-7 DF, Min Nelson Jobim: tratava-se de
investigação direta levada à cabo pelo Ministério
Público, onde delegado de policia deveria comparecer à
sede do Parquet, a fim de prestar depoimento em
procedimento administrativo supletivo (PAIS) como foi
chamado. Impetrou habeas corpus junto ao STJ, tendo
sido a pretensão indeferida, seguindo-se de Recurso
Ordinário para o STF. Ficou consignado a Ementa: A
CF dotou o Ministério Público do poder de requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial (CF 129, III). A norma constitucional não
contemplou a possibilidade do parquet realizar e
presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus
membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de
autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido
à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é
delegado de polícia e, portanto, autoridade
administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos
hierárquicos, próprios da Cooporação, Chefia de
Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido .
Aponta, ainda, o parecerista Luis Roberto Barroso alguns elementos doutrinários
em que se firma o entendimento pela possibilidade da investigação direta
ministerial, donde aproveitamo-nos nós para aprofundar as questões ali
suscitadas:
a) O MP, na condição de titular da ação penal pública, não é um mero espectador
da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar
diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias.
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Mesmo porque, doutrina e jurisprudência entendem que o inquérito policial é um
instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação.
Aprofundando: apóia-se na dispensabilidade do inquérito para deduzir-se que as
investigações criminais levadas à cabo pela polícia podem, da mesma forma, ser
dispensadas e/ou substituídas pela atuação direta do Ministério Público. O
raciocínio é o seguinte: como a ação penal não está atrelada a um procedimento
investigativo POLICIAL precedente, como dispõe o próprio Código de Processo
Penal, quando o titular da ação já contar com elementos suficientes para a sua
propositura, deve este também empenhar-se na investigação, inclusive poupando
tempo e recursos públicos. Ademais, ilustram os partidários da teoria que, fosse
procurado um representante do Ministério Público por um cidadão querendo
relatar um crime ou irregularidade administrativa, não poderia este atendê-lo e
deveria encaminhá-lo à polícia para que esta colhesse o depoimento para, só aí,
levar ao conhecimento do promotor. Aventada como absurda a hipótese, reforça a
tese da possibilidade das investigações criminais darem-se já no plano onde oficia
o Parquet.
b) A CF atribuiu ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e
documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva. Essa
competência abrange tanto a esfera cível como a criminal. Aprofundando:
comumente, pode o Ministério Público requisitar (juridicamente, requerer de forma
imperiosa), documentos e informações para que elabore ajustamentos de conduta
ou mesmo verifique o bom andamento de direitos sociais indisponíveis que
possam redundar em uma ação civil pública, por exemplo. Em outras palavras,
havendo depoimentos, informações, juntada obrigatória de documentos, entre
outras tantas possíveis diligências, não fez outra coisa a Carta Magna que não
atribuir ao Ministério Público o poder direto de apuração de atos lesivos a valores
constitucionalmente protegidos. Sendo assim, forte corrente doutrinária entende
que não há diferença entre o procedimento investigativo preparatório de ações
cíveis e penais, o que embasaria a legitimidade do Parquet em conduzir e/ou
presidir um procedimento criminal.
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c) A CF atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o controle externo da
atividade policial, além de dispor que cabe ao Parquet requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial. Aprofundando: pela pesquisa
na qual nos empenhamos, aqui está o cerne da crítica mais enfática em favor das
investigações ministeriais. Afirmam os partidários da doutrina que franquia ao
Ministério Público a condução de procedimentos investigativos, ser anacrônico (no
mínimo, não recomendável, pelo alto risco de corporativismo), investigação
criminal contra policiais, conduzida pela própria autoridade policial. Assim,
serviriam as Ouvidorias e Corregedorias de Polícia para apurar procedimentos
administrativos-disciplinares, enquanto a investigação criminal propriamente dita
restaria muito prejudicada, se conduzida pela própria policia que é, de forma direta
ou indireta, investigada. Por exemplo: um delegado da polícia federal, pelo crime
de concussão, especial portanto, deveria ser investigado por outro delegado de
polícia federal, especialmente designado para o caso? Qual o grau de
corporativismo que resultaria de tal procedimento? Se é verdade que o Ministério
Público não subordina a polícia, mas a supervisiona externamente, haveria de ser
natural a apuração do crime por promotores ou procuradores, afastando a
hipótese de leniência interna corporativa. Apenas para citar um exemplo isolado
de como este entendimento vem se sedimentando nos Tribunais, temos o caso da
Súmula 10, editada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal: o controle externo
da atividade policial é função institucional do Ministério Público, podendo este
requerer informações e documentos em delegacias de polícia para instrução de
procedimento administrativo, sendo ilegal a recusa em fornecê-los . Parece-nos
insofismável que tenha aquele egrégio pretório considerado não só constitucional
como recomendável a instalação de procedimentos investigativos contra policiais,
em sede ministerial, tudo devidamente fundamentado no poder de controle
externo. Este entendimento consolidou-se, mais especificamente, entre os anos
de 1998 e 1999, onde setores da polícia do Distrito Federal foram efetivamente
investigados por supostos delitos havidos contra a Administração Pública,
conforme acórdãos 115985, 115827, 115780, 115026, 105386, 104280, 103381,
90826, 90016, os dois últimos datados de 1996 e 1997.
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d) O sistema do art. 129 da CF visa fornecer ao MP autonomia para levar a cabo a
apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia, por meio inclusive
da expedição de notificações para a coleta de depoimentos. Aprofundando:
deveras, a análise sistemática do ordenamento constitucional brasileiro, leva a
crer que o Ministério Público ganhou do poder originário a titularidade exclusiva da
promoção da ação penal pública. Não recepcionou, desta forma, a instalação de
ofício de ação penal tendente à apuração de contravenções penais, e no nosso
particular entendimento, o art. 384 do CPP, em seu caput. Isto porque a
intervenção do Ministério Público na ação penal, sua tipificação, narrativa de
conduta e suas circunstâncias, pertence privativamente ao Parquet. Mas,
convenhamos, esta não é argumentação suficiente para, por meio da ótica da
teoria dos poderes implícitos, conferir aos membros do Ministério Público eventual
titularidade na condução de investigações criminais.
e) Não há conflito entre as normas constitucionais indicadas acima e o que dispõe
o art. 144 da Carta, tanto porque tais normas têm caráter principiológico, como
porque o art. 144 não conferiu exclusividade à Polícia no que diz respeito à
investigação de infrações penais. Aprofundando: argumentam os promotores que
não querem se arrogar nos poderes típicos de polícia, diferenciando o
INQUÉRITO POLICIAL, etimológica e umbilicalmente ligado às atividades policiais
e os PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS, capitaneados pelo Ministério Público.
Continuam os defensores da tese, afastando as naturezas jurídicas do inquérito
policial e do procedimento preparatório ministerial. Nos parece esdrúxulo o
argumento, porque qualquer manual ou compêndio de processo penal, por mais
simples que seja, define o inquérito policial como instrumento inquisitivo-oficial do
encadeamento de atos tendentes à apuração de um fato criminoso, a fim de
embasar o ajuizamento de uma ação penal, agregando a oficialidade,
inquisitividade, indisponibilidade como corolários da persecução penal
preparatória. Portanto, ainda que seja um dos elementos apontados pelo ilustre
parecerista, não nos parece a melhor técnica calcar-se na ausência de conflito
entre as diretivas do art. 129 e art. 144 da Constituição da República. Entretanto,
ousamos alterar o foco da discussão entre a compatibilidade constitucional dos
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dois dispositivos para outra quadra de discussão, melhor defensável pelos
doutrinadores que apregoam o poder investigativo do Parquet
sabemos nós que
o INQUÉRITO POLICIAL, com este epíteto mesmo, e com as características
propriamente investigatórias e preparatórias, não é exclusividade da Polícia
Judiciária, podendo ser apontados o inquérito judicial falimentar (art. 103 da Lei de
Falências), os inquéritos parlamentares (Lei 1579/53) e, ainda, os inquéritos
administrativos e militares, numa conjunção entre a Lei 4898/65 e o CPPM. Aí,
sim, parece-nos que a peroração sobre a declinação de atribuição está adequada
à tese. Trata-se, todavia, de saber se as exceções tratadas são de natureza
exemplificativas ou as hipóteses em comento são taxativas exceções legais para
conferir extraordinariamente a titularidade de procedimentos investigativos a
outros entes que não a polícia.
Deve-se anotar, por dever do rigor ético-científico, que o ilustre parecerista conclui
que, deveras, a Constituição da República não centrou as investigações criminais
em torno da figura do promotor de justiça ou procurador da República, como
previu tantas outras atividades de forma mais explícita. Parece-lhe que deverá
haver integração legislativa própria e específica, abrindo, no entanto, a
possibilidade da persecução penal preparatória para casos excepcionais, tais
como: grave violação aos direitos humanos, investigação de crimes cometidos por
policiais e desmantelamento do crime organizado.
Ainda, temos a lição do respeitável promotor de Justiça do Estado da Bahia,
Rômulo de Andrade Moreira que, em remate, conclui pela constitucionalidade do
poder investigativo do Ministério Público, chegando, entretanto, à curiosa
conclusão de não poder o membro do Parquet que colheu as informações em
procedimento preparatório oferecer, ele mesmo, a denúncia:
Diante de tudo quanto foi exposto, pode e deve o Promotor
de Justiça, quando isto lhe é faticamente possível, investigar
diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de
abuso de autoridade (a título de exemplo); é bom que se diga não
ter o Ministério Público, muitas das vezes, condições de, motu
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proprio, levar adiante uma investigação criminal, até por carência
de material, seja humano (investigadores, por exemplo), seja físico
(viaturas, espaço físico apropriado, etc); quando houver
dificuldades, nada nos impede, ao contrário, tudo indica, que
requisitemos a instauração de inquérito policial (ou termo
circunstanciado na forma da Lei nº. 9.099/95) à autoridade policial
respectiva, atentando-se para o fiel cumprimento da requisição e
adotando-se as medidas criminais em caso de não atendimento
(pode-se estar configurado, por exemplo, o delito de prevaricação),
além da possibilidade de se configurar ato de improbidade
administrativa (art. 11, II, da Lei nº. 8.429/92)
Apenas ressalte-se a impossibilidade de que o mesmo
Promotor de Justiça (ou os mesmos profissionais ou a mesma
equipe) que investigue possa, depois, valorando a prova por ele
próprio colhida, oferecer denúncia. Não cremos ser isso possível.
Em ensaio sobre o mesmo tema A Investigação Criminal Direta pelo MP (...) , da
lavra do incisivo promotor de justiça do Estado da Bahia, Dr. Cristiano Chaves de
Farias, valendo-se de Súmula 234 do STJ, não só admite a investigação direta
como refuta seu colega Rômulo de Andrade, acima já citado. Faz mais: estabelece
um paralelo com a apuração de ato infracional prevista no Estatuto da Criança e
do Adolescente, onde opera o promotor de justiça, não se ventilando qualquer
hipótese de futuro impedimento, conforme citado anteriormente.
Com idêntica posição, sobreleva-se o excelente ensaio de Arthur Pinto de Lemos
Júnior, igualmente promotor de justiça, desta vez do Estado de São Paulo. Em
pesada e substancial defesa das atividades persecutórias ministeriais, o professor
de Processo Penal da UNIP, verbera a ineficiência do aparelhamento tradicional
da polícia civil e militar no combate ao crime organizado, assentado em bases
muito mais amplas e complexas do que a criminalidade tradicional. Conclui pela
não formação de espécie monopolizadora do Ministério Público para atuar no
combate ao crime organizado e sim na integração de vários vetores repressivos,
nos moldes de forças-tarefas em que os promotores de justiça ou procuradores da
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República possam enfronhar-se a fim de instrumentalizar as investigações com
mecanismos constitucionais que apenas o Ministério Público pode contar.
Não é de se desmerecer o esforço intelectual dessa enorme corrente doutrinária,
capitaneada sobretudo por membros do Ministério Público. A jurisprudência
consubstancia em muito a visão constitucionalizadora da investigação direta pelo
Ministério Público. Eis alguns jugados representativos desse entendimento: STJ,
HC nº 7.445-RJ, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, julg. em 01.112.98, v.u., DJU de
01.02.99, p. 218, RHC 7.063-PR, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, julg. em 26.08.98,
v.u., DJU de 14.12.98, p. 302; TRF/4ª Região, HC nº 97.04.26750-9-PR, 1ª T., Rel.
Juiz Fábio B. da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de 16.07.97; TJDFT, HC
nº 1998.00.2.035-8, 1ª T., Rel. Des. Otavio Augusto, julg. em 12.03.98, v.u., DJ de
03.06.98, p. 38
Viajemos o Brasil, a fim de verificar como entendem os Pretórios Estaduais sobre
o tema em questão:
TRF 1ª REGIÃO: o posicionamento deste digno colegiado é, na maioria das
vezes, apoiar investigações ministeriais, com fulcro no princípio dos poderes
implícitos. Mas, ainda que arisco à inconstitucionalidade e a decorrente nulidade
probatória, temos colecionado exemplos de firmeza do citado TRF, em remar
contra a maré.
Classe: HC - HABEAS CORPUS 01000265724
Processo: 200201000265724 UF: DF Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA
Data da decisão: 13/05/2003 Documento: TRF100150176
HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES - INQUÉRITO PENAL -
LEGITIMIDADE: AUTORIDADE POLICIAL - ORDEM CONCEDIDA.
1. O Ministério Público, órgão essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127
da CF), tem suas funções institucionais definidas pelo art. 129 da CF.
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2. Cabe à Polícia Federal no âmbito federal e à Polícia Civil no estadual exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária, eis que órgãos permanentes, organizados e
estruturados em carreira (art. 144, § 1º, IV, da CF), para tal precípua finalidade.
3. O Ministério Público tem como atribuição a instauração de inquérito civil nos termos e
para os fins do art. 129, III, da CF, enquanto à Polícia Judiciária (Civil, Federal) cabe a
apuração das infrações penais. A Lei Complementar nº 75/93 não prevê, em nenhum de seus
artigos, como atribuição do Ministério Público, a condução ou presidência de
"procedimento administrativo penal", sem, pois, previsão de ritos, prazos e formalidades
essenciais e a dúplex supervisão e controle (pelo Ministério Público e pelo Poder
Judiciário), que informam o procedimento inquisitório criminal realizado pelo polícia.
4. Precedentes específicos do STF: (RE 233.072/RJ, RE 215.301/CE e RHC 81.326).
5. Habeas corpus concedido.
6. Autos recebidos em gabinete para lavratura do acórdão em 15/05/2003. Peças liberadas pelo
Relator em 16/05/2003 para publicação do acórdão.
TRF 5ª REGIÃO: refratário à inconstitucionalidade das investigações, o TRF da
5ª Região conclui que, tomando o inquérito como simples procedimento
administrativo como qualquer outro, o Ministério Público tem atribuição
concorrente à polícia para conduzi-lo e, ainda, não sendo a fase do contraditório,
não haveria nenhuma razão para rechaçar a participação ministerial na colheita de
provas que o próprio Parquet se serviria.
HABEAS CORPUS N. 01153/CE
Relator : JUIZ UBALDO ATAÍDE CAVALCANTE Turma: 01
Julgamento: 17/08/2000 Publicação: 08/09/2000 Fonte: DJ Pag:000742
Rip: 200005000291963
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE PECULATO. ART. 312 DO CP.
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI COMPLEMENTAR
75/93. RESOLUÇÃO Nº 038/98. CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO
E AMPLA DEFESA INEXIGÍVEIS NO INQUÉRITO POLICIAL. PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO DE NATUREZA INFORMATIVA. INEXISTÊNCIA DA FIGURA
CONSTITUCIONAL DO ACUSADO. DENÚNCIA RECEBIDA NÃO PODE MAIS SER REJEITADA.
JUSTA CAUSA. TIPICIDADE DOS FATOS. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
DELITIVA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA PARA
COLHEITA DE PROVAS PARA INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL, BEM COMO PARA PRESIDIR
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O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, NÃO EXCLUI A COMPETÊNCIA DE OUTRA
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, A QUEM POR LEI SEJA COMETIDA A MESMA FUNÇÃO.
2. A LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93, EM SEU ART. 8º E INCISOS, ESPECIFICA AS
ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES
CONSTITUCIONAIS NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS POR ELE PRESIDIDA.
3. A RESOLUÇÃO Nº 038, DE 13 DE MARÇO DE 1998, QUE "REGULAMENTA O EXERCÍCIO
DA TITULARIDADE PLENA DA AÇÃO PENAL PÚBLICA", FOI CONSIDERADA
CONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANDO DO JULGAMENTO DA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2000-5.
4. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NÃO
SÃO EXIGIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL E NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRESIDIDA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR SE TRATAR DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE
NATUREZA INQUISITÓRIA E INFORMATIVA, FORMADOR DA OPINIO DELICTI DO TITULAR
DA AÇÃO PENAL, NÃO CONSTITUINDO DESOBEDIÊNCIA AOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS DO INDICIADO, SOB PENA DE RESPONDER CRIMINALMENTE AQUELAS
AUTORIDADES QUE AS DESRESPEITEM.
5. EXCEÇÃO À ESSA REGRA , ENCONTRAMOS NO INQUÉRITO JUDICIAL PARA A
APURAÇÃO DE CRIMES FALIMENTARES E O INSTAURADO A PEDIDO DO MINISTRO DA
JUSTIÇA, VISANDO À EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/1980), QUE EXIGE A
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
6. PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP E SENDO AS PROVAS OBTIDAS DE
ACORDO COM OS PRECEITOS LEGAIS, NÃO HÁ QUE SE DECLARAR A NULIDADE DA
DENÚNCIA E, CONSEQÜENTEMENTE, DA AÇÃO PENAL.
7. IN CASU, INCABÍVEL O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL EM SEDE DE HABEAS CORPUS
SOB O ARGUMENTO DE FALTA DE JUSTA CAUSA, QUANDO OS FATOS NARRADOS NA
DENÚNCIA TRAZEM INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA, NA QUAL NÃO SE
EVIDÊNCIA DE IMEDIATO A ATIPICIDADE DA CONDUTA DO PACIENTE.
8. INSTAURADA A AÇÃO PENAL COM O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA NÃO PODE ESTA
SER MAIS REJEITADA. 9. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
D E C I S Ã O UNÂNIME
QUESTÃO DE ORDEM EM NOTÍCIA CRIME N. 00497/CE
Relator : JUIZ CASTRO MEIRA Turma: PL
Julgamento: 24/05/2000 Publicação: 11/08/2000 Fonte: DJ Pag:000429 Rip: 200005000148807
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DELITO PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL.
INVESTIGAÇÕES. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO MINSTÉRIO PÚBLICO. - A JURISPRUDÊNCIA
VEM-SE ENCAMINHANDO PARA CONSAGRAR O ENTENDIMENTO DE QUE AS
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INVESTIGAÇÕES PARA A APURAÇÃO DE FATO CRIMINOSO ATRIBUÍDO A PREFEITO NÃO
DEVE FICAR A CARGO DO TRIBUNAL, MAS DO ÓRGÃO COMPETENTE PARA
OFERECIMENTO DA DENÚNCIA, VALE DIZER, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. - CUMPRE AO
MAGISTRADO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE PROCESSAR E JULGAR. AO ATRIBUIR-
SE A FUNÇÃO INVESTIGATÓRIA, ADOTA ORIENTAÇÃO QUE NÃO SE HARMONIZA COM SEU
PAPEL, FORMAÇÃO E VOCAÇÃO, AO TEMPO EM QUE ADENTRA-SE EM ATRIBUIÇÃO DE
COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DOS ÓRGÃOS POLICIAIS, ALÉM DO QUE A
POSTURA ADOTADA PELO MAGISTRADO É INCOMPATÍVEL COM AS NECESSIDADES DE
UMA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, A EXIGIR O PLENO DOMÍNIO DE TÉCNICAS ESPECÍFICAS
NA COLHEITA DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS À PERSECUÇÃO PENAL. - NOS TERMOS
DA LC 75/93, ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO, E LEI N. 8.625/93, ART. 41, PARÁGRAFO ÚNICO,
AS INVESTIGAÇÕES FORAM COMETIDAS AO PROCURADOR-GERAL OU INSTITUIÇÃO POR
ELE DESIGNADA. NÃO COGITOU O LEGISLADOR DE COMETER TAL ATRIBUIÇÃO AO
TRIBUNAL COMPETENTE PARA JULGÁ-LO. - "COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR
E JULGAR PREFEITO MUNICIPAL POR DESVIO DE VERBA SUJEITA A PRESTAÇÃO DE
CONTAS PERANTE ÓRGÃO FEDERAL" (SÚMULA 208 DO STJ). - INDEFERIMENTO DO
PEDIDO DE REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA ESTADUAL DO CEARÁ. ENCAMINHAMENTO
DOS AUTOS AO MPF.
D E C I S Ã O UNÂNIME
TJSP: em certos julgados, o Tribunal de Justiça paulista tergiversa sobre o tema,
classificando como acompanhamento ministerial a requisição direta de provas,
no curso da investigação preliminar. Em outros momentos, franqueia
expressamente a condução do inquérito aos representantes do Parquet.
Ementa nº 262364
"HABEAS CORPUS - Ação Penal - Denúncia - Pretendida nulidade - Inocorrência - Hipótese em
que aviventada a ilegitimidade do Ministério Público para a condução de investigação de caráter
penal - Inadmissibilidade - Poder conferido pela Constituição da República e pelas Leis Orgânicas
do Ministério Público Federal e Estadual para apuração de investigação de atividades penalmente
ilícitas - Artigos 129, incisos I, II, VI, VII, VIII, e IX da Constituição da República, 27, I, da LOMP e
103, VI e XIII da LOMPE - Poderes de investigação que não se limitam ao inquérito civil -
Dever do ""parquet ""de zelar pela atribuição da titularidade da ação penal - Ordem
denegada. (Habeas Corpus n. 394.430-3 - Santo André - 3ª Câmara Criminal - Relator: Walter de
Almeida Guilherme - 05.11.02 - M.V.)"
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Ementa nº 36081
Código: 11095 Matéria: MINISTÉRIO PÚBLICO - CRIMINAL Recurso: HC 95852 3 Origem: SP
Orgão: CCRIM 6 Relator: NELSON FONSECA Data: 15/08/90 - MINISTÉRIO PÚBLICO -
CRIMINAL - ATUAÇÃO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIALOFERECIMENTO POSTERIOR DE
DENUNCIA - ADM - POSSIBILIDADE DE O PROMOTOR DE JUSTIÇA, DESIGNADO PARA A
FASE INVESTIGATÓRIA, PROMOVER A AÇÃO PENAL - ACOMPANHAMENTO DOS ATOS DE
INVESTIGAÇÃO OU REALIZAÇÃO DIRETA DE DILIGÊNCIAS RELEVANTES QUE NÃO SE
ERIGEM EM IMPEDIMENTO A SUA ATUAÇÃO. ORDEM DENEGADA - INTELIGÊNCIA DOS
ARTS 129, I, VII, VIII E IX DA CR E 15, I E III, LC/81 E ART 258 DO CPP.
Ementa nº 105224
MINISTÉRIO PÚBLICO - Impedimento - Inexistência - Promotor de justiça que, sem assumir a
função da autoridade policial, acompanhou atos de investigação, requerendo diretamente
diligências relevantes para futura acusação - Atuação nos limites permitidos pela lei, em perfeita
consonância com a posição do órgão de parte na área criminal - Fato que não o inibe de promover
a ação penal - Inteligência dos arts. 252, ll, e 258 do CPP (TJSP) RT 660/288
Ementa nº 220708
INQUÉRITO POLICIAL - Requisição do Ministério Público para realização de diligências
probatórias na fase do investigatório - Regular exercício de função institucional assegurada por lei -
Aplicação do artigo 129, VIII, da Constituição Federal e artigo 16 do Código de Processo Penal. A
requisição do Ministério Público consistente em diligências instrutórias no procedimento
administrativo-policial, afina-se em consonância com os interesses do "parquet", como parte na
área criminal, desde que contribua à "opinio delicti" e mostram-se imprescindíveis ao oferecimento
da denúncia. (Habeas Corpus n. 277.645-3 - São Paulo - 3ª Câmara Criminal - Relator: Gonçalves
Nogueira - 10.08.99 - V.U.).
TJRJ: diríamos, sem sombra de dúvida, que o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, juntamente com o seu par mato-grossense, revelou-se precursor do
entendimento que esposamos neste trabalho. Não só é ilícita a condução
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ministerial do inquérito, como se configura verdadeira usurpação de função, além
de serem as provas imprestáveis para a promoção da ação penal conseqüente.
HABEAS CORPUS: 2003.059.04064
"Habeas Corpus". Ministério Publico. Poder de investigação criminal. Inquérito policial. Desvio de
poder. Funcao ministerial expressamente definida na Constituicao Federal (art. 129, VII e VIII; arts.
3. e 80 da Lei 8625 - Lei Organica do Ministerio Publico, aplicavel aos Estados). Funcao de
investigacao criminal atribuida expressamente a policia civil (art. 144, par. 4. da Constituicao
Federal). Controle externo assegurado ao Ministerio Publico (art. 129, VII e VIII da Constituicao
Federal, ja' referido). Paciente constrangido a submeter-se a investigacao criminal pelo Ministerio
Publico. Constrangimento ilegal. Concessao da ordem para impedir a investigacao, com
declaracao de nulidade de todos os atos praticados.
HABEAS CORPUS 2003.059.00896
HABEAS CORPUS - INVESTIGAÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA -
EXISTENCIA DE INQUÉRITO POLICIAL EM DELEGACIA ESPECIALIZADA, VISANDO A MESMA
APURAÇÀO AMEAÇA DE CONDUÇÃO DA TESTEMUNHA POR PARTE DO PROMOTOR -
NOTIFICAÇÃO ILEGALIDADE DO ATO. O Ministério Público não tem poderes para realizar
diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe
cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a
condução cio inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de
atribuição exclusiva da policia juduciária. Inteligência de julgado do Supremo Tribunal Federal.
Ordem concedida,
Partes: DR. MAOCYR MARTINS PEREIRA e OSWALDO OCTACILIO GOMES NETO
Ementário: 28/2001 - N. 11 - 12/09/2001
Tipo da Ação: HABEAS CORPUS
Número do Processo: 2001.059.00597
"Habeas Corpus". Investigacao criminal procedida por Promotor de Justica. Invasao de
atribuicaoda Policia Judiciaria. Denuncia ofertada pelo mesmo Promotor que exerceu
funcao de Delegado de Policia na investigacao. Impedimento legal.
Prova ilegitima para
escorar a instauracao da acao penal.Nulidade do processo "ab initio". Inteligencia dosartigos 144,
par. 4., da CRFB e 258 c/c 252, II,do CPP. Crime de responsabilidade de funcionariopublico.
Notificacao para resposta fixando prazode 5 dias e nao de 15 dias. Ato processual realizado fora
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da jurisdicao do Juiz processante. Faltade nomeacao de defensor para apresentacao da resposta
preliminar. Denuncia recebida. Cerceamentode defesa configurado. Nulidade. O Ministerio Publico
e' o guardiao da OrdemJuridica mas, separando a Constituicao Federal asfuncoes constitucionais e
entregando, expressamente, as de investigacao criminal e, em certas hipoteses, a outros orgaos
`a Policia Judiciaria, naotem o "parquet" legitimidade para proceder a investigacao preparatoria da
acao penal, ja' que aele tambem se confere o poder de requerer o arquivamento da documentacao
dos fatos, situacao que otornaria ao mesmo tempo o autor e o juiz da demanda, em verdadeiro
sistema inquisitorio vedado pelaCarta da Republica. Nao fosse a ilicitude da investigacao
criminaldesencadeada pelo Ministerio Publico, que invadiuatribuicao conferida pela Constituicao
Federal `aPolicia Judiciaria, outra afronta `a lei tambemimpede que a acao penal instaurada contra
o paciente tenha prosseguimento, eis que a denuncia naopoderia ter sido ofertada pelo mesmo
Promotor queatuou na investigacao como Delegado de Policia,inquirindo testemunhas na
clandestinidade de seugabinete. A lei processual exige do Promotor amesma imparcialidade
exigida dos Magistrados, tanto que no art. 258 estatui: "Os orgaos do Ministerio Publico nao
funcionarao nos processos em que oJuiz ou qualquer das partes for seu Conjuge, ouparente,
consanguineo ou afim, em linha reta oucolateral, ate' o terceiro grau, inclusive, e a eles se
estendem, no que lhe for aplicavel, asprescricoes relativas `a suspeicao e aos impedimentos dos
juizes". Ora, conjugando o aludidodispositivo legal com o artigo 252, II, do mesmoestatuto,
nenhuma duvida pode existir quanto aimpossibilidade do Promotor oferecer a denunciacontra o
paciente, eis que presidiu a coleta dedepoimentos dos advogados delatores, exercendo afuncao de
Delegado de Policia, sem pelo menos ouvi-lo ou mandar apurar a veracidade da acusacao atraves
de inquerito policial, deixando-se impulsionar por verdadeira histeria repressiva. Ordem concedida,
com a anulacao do processo apartir da denuncia, inclusive. (JRC)
Partes: JOAO MESTIERI E OUTROS
REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 52, pag 374 Ementário: 32/2001 - N. 12 - 10/10/2001
Tipo da Ação: HABEAS CORPUS
Número do Processo: 2000.059.02463
"Habeas Corpus". Investigacao criminal. Inquerito instaurado por Promotor de Justica, que
atuapessoalmente como Delegado de Policia. Invasao deatribuicao da policia judiciaria. Denuncia
ofertada pelo mesmo promotor que exerceu funcao de Delegado de Policia na investigacao.
Impedimento legal. Prova ilegitima para escorar a instauracao daacao penal. Nulidade do processo
"ab initio". Inteligencia dos artigos 144, par. 4., da CF e 258c/c 252, II, do CPP. O "inquerito
policial", que na Portaria de n.02/2000 foi rotulado pelo Promotor de "procedimento de
investigacao criminal", objetivou esclarecer e apurar o desvio de renda publica, em razaode
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nomeacao fraudulenta de servidor, feita pelaCasa Legislativa Municipal atraves de seu presidente,
o paciente, nada que fosse dificil ou complexo para ser investigado por quem tinha atribuicao para
tal mister, o Delegado de Policia, alias,como quer a Constituicao Federal, art. 144, par.4. (`As
policias civis, dirigidas por delegadosde policia de carreira, incumbem, ressalvada acompetencia da
Uniao, as funcoes de policia judiciaria e a apuracao de infracoes penais, exceto asmilitares),
porquanto, em materia de investigacaocriminal, a atuacao do Ministerio Publico esta'limitada no art.
129, inciso VIII, da Carta Magna(requisitar diligencias investigatorias e a instauracao de inquerito
policial, indicados os fundamentos juridicos de suas manifestacoes processuais), nao obstante
poder exercitar o controleexterno da atividade policial e promover inqueritocivil visando a protecao
do patrimonio publico esocial, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos. Nao
fosse a ilicitude da investigacao criminaldesencadeada pelo Ministerio Publico, que
invadiuatribuicao conferida pela Constituicao Federal `apolicia judiciaria, outra afronta `a lei
tambemimpede que a acao penal instaurada contra o paciente tenha prosseguimento, eis que a
denuncia naopoderia ter sido ofertada pelo mesmo Promotor queatuou na investigacao como
Delegado de Policia,notificando e inquirindo testemunhas na clandestinidade de seu gabinete,
fazendo apreensoes de documentos na Camara Legislativa, pessoalmente, sempossibilidade da
participacao dos advogados dosenvolvidos, que sequer tiveram acesso aos autospara adocao das
medidas judiciais cabiveis, conforme reclamado na impetracao, com evidente violalacao ao
principio de igualdade assegurado `aspartes. A lei processual exige do Promotor a
mesmaimparcialidade exigida dos Magistrados, tanto queno art. 258 estatui: "Os orgaos do
Ministerio Publico nao funcionarao nos processos em que o Juizou qualquer das partes for seu
conjuge, ou parente, consanguineo ou afim, em linha reta ou colateral, ate' o terceiro grau,
inclusive, e a eles seestendem, no que lhe for aplicavel, as prescricoesrelativas `a suspeicao e aos
impedimentos dos juizes". Ora, conjugando o aludido dispositivo legalcom o artigo 252, II, do
mesmo estatuto, nenhumaduvida pode existir quanto a impossibilidade doPromotor oferecer a
denuncia contra o paciente,eis que presidiu o "inquerito" por ele mesmo instaurado mediante
portaria, exercendo a funcao deDelegado de Policia, selecionando provas de seuinteresse, com
unico objetivo de incrimina'-lo, edescartando outras talvez importantes `a corretaelucidacao dos
fatos. Ordem concedida, com a anulacao do processo apartir da denuncia, inclusive, estendendo-
se adecisao aos co-reus na forma do art. 580 do CPP.(CEL)
TJMG: a preocupação mineira com a apuração de delitos funcionais de policiais
e de crimes próprios de funcionários públicos contra a Administração, moveu o
Tribunal de Justiça daquele Estado a encampar a tese de que nenhum prejuízo
trará o Ministério Público, ao contribuir com a investigação direta, até porque é
função do Parquet a fiscalização do poder de polícia.
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Proc. 1.0000.00.304919-4/000(1)
PROCESSO PENAL - PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - MINISTÉRIO
PÚBLICO - PROMOÇÃO DIRETA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - POSSIBILIDADE -
PREVISÃO CONSTITUCIONAL COMO TITULAR DA AÇÃO PENAL - ""V.v. IMPOSSIBILIDADE -
AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA"" - PROMOTOR
NATURAL - ADMISSIBILIDADE DE PROCURADOR MEMBRO DE GRUPO DE ESPECIAL
SUBSCREVER DENÚNCIA - NULIDADE REJEITADA - INÉPCIA DA DENÚNCIA -
INOCORRÊNCIA - DENÚNCIA QUE ATENDE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP -
EXISTÊNCIA DE PROVAS PARA AUTORIZAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DENÚNCIA
RECEBIDA. - O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição da
República, tem o poder investigatório ínsito na titularidade da ação penal. ""V.v. - O MINISTÉRIO
PÚBLICO não tem competência para promover diretamente INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, ante a
ausência de expressa previsão constitucional, não lhe aproveitando a justificativa de poder expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência ou de poder exercer outras
funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade"". - A denúncia
subscrita por Procurador de Justiça que integra Comissão Especial de Grupo de Trabalho,
designado PELO Procurador-Geral de Justiça, está autorizada pela Lei Orgânica do MINISTÉRIO
PÚBLICO, afastada a eiva lançada quanto ao desrespeito à regra do Promotor Natural. - A
denúncia deve ser recebida se a conduta descrita se ajuste ao tipo e esteja amparada em provas
que, em tese, lhe dêem fundamento. - Denúncia recebida
REJEITARAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES.
CARREIRA MACHADO, BAÍA BORGES, LUCAS SÁVIO, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO
CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA
MELO. À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE
INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBERAM A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS
TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO
RODRIGUES.
Proc. 1.0000.03.402477-8/000(1)
HABEAS CORPUS - DENÚNCIA LASTREADA EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 514 - APLICAÇÃO - CRIMES
FUNCIONAIS TÍPICOS - AÇÃO PENAL - JUSTA CAUSA - IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE DELITO
- RESPONSABILIDADE OBJETIVA - NÃO OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA - A apuração
de infração penal PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO não constitui ilegalidade.- O
procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a
outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312
a 326 do Código Penal. - Não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal se as
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condutas que são imputadas aos réus pela denúncia constituem ilícito penal. - Não cabe falar em
aplicação da responsabilidade objetiva se a acusação imputa aos acusados uma conduta ilícita
cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a
autoria e a materialidade.
DENEGARAM A ORDEM
TJMT: trata-se do resultado da primeira ADIN em desfavor do Ministério Público
de Mato Grosso que, como já citado, em portaria administrativa, convencionou
criar o Gaeco Estadual. Como se percebe, a unanimidade dos desembargadores
posicionaram-se pela impossibilidade constitucional do Ministério Público levar a
cabo a investigação propriamente policial.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ASSOCIAÇÃO MATO-GROSSENSE DE
DELEGADOS DE POLÍCIA - RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO DE CÚPULA MINISTERIAL DO ESTADO
DE MATO GROSSO INSTITUINDO O GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIALIZADO NO COMBATE
AO CRIME ORGANIZADO: GAECO - ATRIBUIÇÕES CONFERIDAS PELA CARTA POLÍTICA
ESTADUAL, NA ESTEIRA DA CRFB, AOS DELEGADOS DE POLÍCIA INVASIVAMENTE
COMETIDAS PELA RESOLUÇÃO A PROMOTORES DE JUSTIÇA - OBJETIVO NOBILITANTE
COM RESULTADOS POSITIVOS - INCONSTITUCIONALIDADE, CONTUDO, MANIFESTA DA
RESOLUÇÃO Nº 09/99 DA E. PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA - AÇÃO PROCEDENTE. À
luz do que dispõe a Carta Política do Estado de Mato Grosso, apurar infrações penais e sua
autoria, empreender diligências de investigação, através de inquéritos, é atribuição policial. Ao MP
cabe o controle externo da atividade policial, podendo requisitar à autoridade policial a competente
instauração de inquérito, a ser presidido por Delegado de Polícia, podendo acompanhá-lo e
produzir provas, jamais substituí-lo.
TJMS: o posicionamento do Estado vizinho é diametralmente oposto.
Percebemos que a colheita de provas por instituições tais quais o Gaeco, são
consideradas lícitas e insuspeitas.
Ementa: HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PODERES
INVESTIGATÓRIOS - INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL - ILEGALIDADE - AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NÃO-OCORRÊNCIA
- NOTITIA CRIMINIS BASEADA EM PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA
PROCURADORIA-GERAL
Relator: Des. João Carlos Brandes Garcia
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Publicação: 26/03/2004
Nº Diário: 773
CARTA TESTEMUNHÁVEL - DECISÃO QUE NEGOU ADMISSIBILIDADE AO RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO POR SER INTEMPESTIVO - MINISTÉRIO PÚBLICO - PRINCÍPIO DO
PROMOTOR NATURAL - ATUAÇÃO EM CONJUNTO COM O GAECO - ATRIBUIÇÃO DO
PROMOTOR PARA OFICIAR JUNTO AO MEMBRO - ARTIGO 3º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA
RESOLUÇÃO Nº 013/2002/PGJ - INTIMAÇÃO DA DECISÃO - PROMOTOR QUE PERTENCIA AO
GAECO - INTERPOSIÇÃO FORA DO PRAZO - IMPROVIDO. Em homenagem ao princípio do
promotor natural, o representante ministerial titular da vara onde tramitam os autos atuará em
conjunto com os membros do GAECO, tudo conforme o disposto no parágrafo único do artigo 3º da
Resolução nº 013/2002/PGJ, de 8 de agosto de 2002, tendo, portanto, atribuição para oficiar nos
feitos do GAECO. Se a Portaria nº 807/2002/PGJ, de 02/09/2002, revogou a Portaria nº 746/2002-
PGJ, de 13.8.2002, designando o Doutor LUÍS ALBERTO SAFRAIDER, Promotor de Justiça da
Capital, para, sem prejuízo de suas funções, integrar o Grupo de Atuação Especial de Repressão
ao Crime Organizado - GAECO, isso significa que ele continua integrando o GAECO. Assim, se o
Promotor de Justiça tomou ciência da decisão proferida pelo magistrado a quo, deixando
transcorrer in albis o prazo para interposição do recurso em sentido estrito, dá-se por intempestivo.
HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PODERES INVESTIGATÓRIOS -
INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL -
ILEGALIDADE - AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NÃO-OCORRÊNCIA - NOTITIA
CRIMINIS BASEADA EM PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. Não há falar em ausência de poderes investigatórios por
parte do Ministério Público, se resta evidente que a denúncia que foi ofertada teve como suporte
notitia criminis encaminhada ao Chefe do Parquet Estadual, pela Procuradoria-Geral do Estado e
não em investigações e diligências dirigidas com exclusividade por membros da Instituição.
INÉPCIA DA DENÚNCIA - GENERALIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS
CONDUTAS DE CADA UM DOS DENUNCIADOS - EMPRESAS COMERCIAIS DISTINTAS -
ALTERAÇÕES CONTRATUAIS - INGRESSO E RETIRADA DE SÓCIOS - CERCEAMENTO DE
DEFESA - NÃO-OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA. Nos denominados crimes societários
coletivos, em que os sócios são denunciados pela prática de crimes contra a ordem tributária,
lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, não é razoável exigir-se
que a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados, já que sua
precisa averiguação depende do exame de todo o material cognitivo, sendo suficientes os
elementos colhidos em procedimentos administrativos precedentes, evidenciada a ocorrência dos
ilícitos apontados.
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TJGO: infelizmente, o problema não foi esclarecido de frente, no Estado de
Goiás, já que fundamentaram-se os desembargadores pela validade da ação
penal, calcada em OUTRAS provas, além das coletadas diretamente pelo
Ministério Público.
ORIGEM...................: 2A CAMARA CRIMINAL
FONTE......................: DJ 13890 DE 22/10/2002
LIVRO......................: 187
ACÓRDÃO..............: 03/10/2002
RELATOR................: DRA. JURACI COSTA
RECURSO................: HABEAS-CORPUS - 20090-1/217
PROCESSO..............: 200201474853
COMARCA..............: GOIANIA
PARTES....................: PACIENTE: GEIME ALVES DA COSTA
IMPETRANTE: ASDRUBAL CARLOS MENDANHA
EMENTA : "HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA ACAO PENAL. INVESTIGACAO E
DENUNCIA PROMOVIDAS PELO MINISTERIO PUBLICO. CONFLITO DE COMPETENCIA.
CONCUSSAO. I. O TRANCAMENTO DA ACAO PENAL SOMENTE E CABIVEL QUANDO
INEXISTIR COMPROVACAO ACERCA DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO. II. A
ATUACAO DO PROMOTOR NA FASE DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NAO O
INCOMPATIBILIZA PARA EXERCER A ACAO PENAL, QUE ESTA EMBASADA, TAMBEM, EM
OUTROS ELEMENTOS FORMADORES DE SUA CONVICCAO. III. COMPETE AO JUIZO
ESTADUAL PROCESSAR E JULGAR CRIME DE CONCUSSAO PRATICADO POR MEDICO,
QUE RECEBEU QUANTIA INDEVIDA PELOS SERVICOS PRESTADOS ASSEGURADOS AO
USUARIO SEM QUALQUER ONUS PELO SUS, POSTO QUE, A LESAO ATINGIU APENAS
BENS PARTICULARES. ORDEM DENEGADA."
DECISÃO."ACORDAM OS COMPONENTES DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL
DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, CONHECER DO PEDIDO E
DENEGAR A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, ACOLHENDO O PARECER DA
PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA. OS DES. JAMIL PEREIRA DE MACEDO E ALUIZIO
ATAIDES DE SOUSA, ACOMPANHARAM A RELATORA COM RESSALVA. SEM CUSTAS."
TJRS: aqui, enfrentaram os desembargadores gaúchos a prática, cada vez mais
comum, de se ver o investigado intimado a comparecer à sede do Ministério
Público para prestar declarações , tendo direito a um advogado. Geralmente, o
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que ocorre em todo o país é a reprodução de habeas corpus a fim de que o
declarante (investigado, na verdade), possa se reservar ao silêncio.
HC 70007273691
EMENTA: HABEAS CORPUS. Pleito de trancamento de procedimento investigatório iniciado e
presidido pelo Ministério Público, para eventual oferecimento da ação penal. Denegação da ordem
no caso examinado à ausência de justa causa que a fundamente. A eventual, futura e alaeatória
instauração de inquérito policial sobre os mesmos fatos não constitui óbice ao procedimento
ministerial, mormente porque, ''de lege data'', a investigação criminal não é atribuição exclusiva dos
órgãos da Polícia Judiciária. Inexistência de provas do abuso de poder ou coação ilegal na
execução dos atos e diligências investigatórios, desenvolvidos em observância aos
princípios constitucionais aplicáveis à espécie, inclusive porque os notificados a
comparecer perante o órgão ministerial o foram mediante prévia cientificação da faculdade
de estarem acompanhados de advogado, tendo exercido os direitos subjetivos de que se
entendem titulares. Lisura no procedimento em desenvolvimento e falta de razoabilidade
determinativa do seu trancamento. ORDEM DENEGADA. (HABEAS CORPUS Nº 70007273691,
SEXTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: AYMORÉ ROQUE
POTTES DE MELLO, JULGADO EM 04/12/2003)
TJPR: pensam os desembargadores paranaenses que, podendo o órgão
ministerial requisitar a instauração de inquérito, poderia via de conseqüência
conduzir investigações pessoalmente. Ampara-se em precedentes da Suprema
Corte.
Proc. 145655900
DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA SEGUNDA CAMARA
CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA, POR MAIORIA DE VOTOS, EM RECEBER A
DENUNCIA, SEM AFASTAMENTO DO ACUSADO DO CARGO, NOS TERMOS DO VOTO DO
DESEMBARGADOR-RELATOR. VENCIDO O DESEMBARGADOR LEONARDO LUSTOSA, QUE
REJEITAVA A DENUNCIA. EMENTA: PREFEITO - DENUNCIA POR CRIME PREVISTO NO ART.
1., INCISO XIV (TRES VEZES), DO DECRETO-LEI N° 201/67, C/C ART. 69 DO CODIGO PENAL -
POSSIBILIDADE DE INVESTIGACAO CRIMINAL PELO MINISTERIO PUBLICO - PRELIMINAR
DE NULIDADE AFASTADA - ACUSACAO QUE ENCONTRA RESPALDO PROBATORIO -
DENUNCIA RECEBIDA, POR MAIORIA. 1. O MINISTERIO PUBLICO TEM LEGITIMIDADE PARA
INSTAURAR E BUSCAR ELEMENTOS DE CONVICCAO EM PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO INVESTIGATORIO. 2. SE HA NECESSIDADE DE NOVAS PROVAS PARA
O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________
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DIRIMIR CONTROVERSIA QUANTO A EXISTENCIA DA ALEGADA INFRACAO PENAL, IMPOE-
SE O RECEBIMENTO DA DENUNCIA
Proc. 152871400
DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA
CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, A UNANIMIDADE DE
VOTOS, DENEGAR A ORDEM IMPETRADA. EMENTA: MINISTERIO PUBLICO - FASE PRE-
PROCESSUAL - INVESTIGACAO DIRETA - INSTAURACAO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA
DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE A DENUNCIA - ADMISSIBILIDADE - PROCEDIMENTO
AMPARADO NA LEI - INTELIGENCIA DO ART. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4., PARAGRAFO
UNICO, CPP. E DA COMPETENCIA PRIVATIVA DO MINISTERIO PUBLICO, COMO FUNCAO
INSTITUCIONAL, PROMOVER A ACAO PENAL PUBLICA (CF, 129, I) E, PARA O EXERCICIO
DE SEU MISTER CONSTITUCIONAL, DEVE PRATICAR TODOS OS ATOS NECESSARIOS,
QUER SE UTILIZANDO DO AUXILIO DA POLICIA JUDICIARIA, QUER PROMOVENDO
DIRETAMENTE AS DILIGENCIAS INDISPENSAVEIS A VIABILIZAR A ACAO PENAL. EMBORA A
POLICIA JUDICIARIA TENHA A ATRIBUICAO DE APURAR AS INFRACOES PENAIS E SUA
AUTORIA (CPP, ART. 4°), ESSA ATRIBUICAO NAO LHE E EXCLUSIVA, CONSOANTE
DISPOSICAO DO PARAGRAFO UNICO DO MESMO ARTIGO 4°. CONQUANTO A REGRA
DETERMINE QUE A INVESTIGACAO DE CRIME, NA FASE PRE-PROCESSUAL, SEJA FEITA
POR MEIO DA ATIVIDADE DA POLICIA JUDICIARIA, ELA COMPORTA EXCECOES,
INCLUINDO-SE DENTRE ELAS A INVESTIGACAO DE CRIMES POR INICIATIVA MINISTERIAL
NAS INVESTIGACOES ADMINISTRATIVAS PRESIDIDAS POR ORGAO DO MINISTERIO
PUBLICO (CF, ART. 129, VI). SE NA FASE PRE-PROCESSUAL O ORGAO DO MINISTERIO
PUBLICO, TITULAR EXCLUSIVO DA ACAO PENAL PUBLICA, PODE, PARA APURACAO DE
INFRACOES PENAIS, REQUISITAR A INSTAURACAO DE INQUERITO POLICIAL OU
REQUISITAR DILIGENCIAS A AUTORIDADE POLICIAL (CF, ART. 129, VIII E CPP, ARTS. 5., II,
E 13, II), SERIA CONTRA-SENSO NAO PODER, ELE PROPRIO, QUANDO ENTENDER
NECESSARIO, REALIZAR PESSOALMENTE AS INVESTIGACOES. "HABEAS CORPUS" -
PRISAO PREVENTIVA - MOTIVOS QUE A AUTORIZAM - EXISTENCIA DE INDICIOS DE
ENVOLVIMENTO DO PACIENTE NO CRIME - ORDEM DENEGADA. 1. SE OS INDICIOS
REVELAM-SE SUFICIENTES PARA INSTAURACAO DE ACAO PENAL, SAO TAMBEM APTOS A
SERVIR COMO BASE PARA O DECRETO DE PRISAO PREVENTIVA. 2. A PRIMARIEDADE,
PROFISSAO DEFINIDA, FAMILIA CONSTITUIDA E RESIDENCIA FIXA, POR SI SOS NAO
AFASTAM A POSSIBILIDADE DE PRISAO PREVENTIVA, DESDE QUE DEMONSTRADA A
NECESSIDADE DA CUSTODIA. 3. CONTENDO OS AUTOS ELEMENTOS IDONEOS A SUPOR
QUE, SOLTO, O PACIENTE PORA EM RISCO A ORDEM PUBLICA LOCAL E COMPROMETERA
O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________
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A CORRETA APLICACAO DA LEI PENAL, HA MOTIVOS SUFICIENTES PARA MANUTENCAO
DO DECRETO DE PRISAO PREVENTIVA.
Proc. 133995700
ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL DO
TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, A UNANIMIDADE DE VOTOS, EM
REJEITAR AS PRELIMINARES ARGUIDAS, RECEBER A DENUNCIA E INDEFERIR O PEDIDO
DE AFASTAMENTO DA DENUNCIADA DO CARGO DE PREFEITA MUNICIPAL DE
WENCESLAU BRAS. EMENTA: DENUNCIA CRIME - PREFEITA MUNICIPAL - CO-AUTORIA -
DELITOS CAPITULADOS NO ART. 1., INCISOS I E V, DO DECRETO-LEI N.. 201/67, C.C COM
OS ARTS. 29 E 69, AMBOS DO CODIGO PENAL, E ART. 304, DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL
(1A E 3A SERIE DOS FATOS); E ART. 1., INCISO I, DO MENCIONADO DECRETO-LEI, C.C
COM OS ARTS. 14, INCISO II, 29, 69 E 304, DO ESTATUTO REPRESSIVO (2A SERIE DE
FATOS) - LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO EM PROCEDER ATOS DE
INVESTIGACAO CRIMINAL - NULIDADE REPELIDA - INEPCIA DA DENUNCIA - ALEGACAO
INCONSISTENTE - PECA ACUSATORIA FORMALMENTE PERFEITA - DESCRICAO DE FATOS
QUE CONSTITUEM CRIMES EM TESES - RECEBIMENTO - PEDIDO DE AFASTAMENTO DO
CARGO REQUERIDO PELO MINISTERIO PUBLICO - INDEFERIMENTO - INEXISTENCIA DE
MOTIVOS QUE JUSTIFIQUEM A PRISAO PREVENTIVA DOS DENUNCIADOS.
Proc. 144628800
DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO
TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM
DENEGAR A PRESENTE ORDEM DE HABEAS CORPUS. EMENTA: 1. HABEAS CORPUS
CRIME. PRISAO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PUBLICA, POR CONVENIENCIA
DA INSTRUCAO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICACAO DA LEI PENAL.
FUNDAMENTACAO IDONEA. ORDEM DENEGADA. - NAO E DE SE CONCEDER O PRESENTE
HABEAS CORPUS SE O MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU DECRETOU A PRISAO
PREVENTIVA DO PACIENTE COMO GARANTIA DA ORDEM PUBLICA, POR CONVENIENCIA
DA INSTRUCAO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICACAO DA LEI PENAL
APRESENTANDO FUNDAMENTACAO IDONEA COM BASE EM ELEMENTOS CONCRETOS
EXISTENTES NOS AUTOS. 2. HABEAS CORPUS. MINISTERIO PUBLICO. INVESTIGACAO
CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTENCIA. - O MINISTERIO PUBLICO, COMO
TITULAR DA ACAO PENAL PUBLICA, TEM LEGITIMIDADE PARA REALIZAR ATOS DE
INVESTIGACAO VISANDO OBTER ELEMENTOS PROBATORIOS PARA EVENTUAL
PROPOSITURA DE ACAO PENAL PUBLICA. PRECEDENTES DO PLENO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA E DESTE TRIBUNAL DE
JUSTICA.
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Proc. 148061900
DECISAO: ACORDAM OS JULGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL
DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE
VOTOS, EM NEGAR A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO. EMENTA: "HABEAS CORPUS".
ACAO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGADA ILICITUDE DA PROVA INDICIARIA COLHIDA EM
PREVIO PROCEDIMENTO INVESTIGATORIO PELO MINISTERIO PUBLICO. INOCORRENCIA
DE OFENSA AO PRINCIPIO DA LEGALIDADE. ADMISSIBILIDADE DA COLETA DE
ELEMENTOS PROBATORIOS PARA SUBSIDIAR DENUNCIA PELO "PARQUET".
PRECEDENTES. ATIPICIDADE DO FATO NA CONDUTA DE QUEM SERVIU COMO
TESTEMUNHA INSTRUMENTARIA. ANALISE DE QUESTIONAMENTO JURIDICO QUE
DEPENDE DO EXAME DAS CIRCUNSTANCIAS FATICAS A SEREM EXTRAIDAS DA
INSTRUCAO PROBATORIA. DENEGACAO DA ORDEM. 1. O INQUERITO POLICIAL NAO E
"CONDITIO SINE QUA NON", OU SEJA, REQUISITO OU PECA INDISPENSAVEL PARA A
PROPOSITURA DA ACAO PENAL, PODENDO O MINISTERIO PUBLICO, NA CONDICAO DE
TITULAR DA ACAO PENAL, AO TOMAR CONHECIMENTO DE POSSIVEL PRATICA DE FATO
QUE SE CONFIGURE COMO CRIME, PROCEDER A INVESTIGACOES E DILIGENCIAS
DESTINADAS A COLETA DIRETA DE ELEMENTOS DE CONVICCAO PARA FORMAR SUA
"OPINIO DELICTIS" E COM ELAS SUBSIDIAR O OFERECIMENTO DA DENUNCIA. 2. A
CONFIGURACAO DO FATO COMO PENALMENTE ATIPICO PARA AUTORIZAR O
TRANCAMENTO DA ACAO PENAL DEVE SER EVIDENTE, OU SEJA, PERCEPTIVEL DE
IMEDIATO E NAO RESISTIR AO PRIMEIRO OU MENOR EXAME, O QUE NAO OCORRE NA
HIPOTESE EM QUE O QUESTIONAMENTO JURIDICO QUANTO A NATUREZA DO
TESTEMUNHO PRESTADO E SUAS IMPLICACOES NA FORMACAO DO DOCUMENTO TIDO
COMO IDEOLOGICAMENTE FALSO DEPENDE DA ANALISE DAS CIRCUNSTANCIAS FATICAS
A SEREM DELINEADAS NA INSTRUCAO E EXTRAIDAS DO CONJUNTO PROBATORIO, SOB O
CRIVO DO CONTRADITORIO.
Proc. 144942300
DECISAO: ACORDAM, OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA
CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE
VOTOS, DENEGAR A ORDEM. EMENTA: "HABEAS CORPUS" - MINISTERIO PUBLICO - ATOS
INVESTIGATORIOS - POSSIBILIDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INOCORRENCIA -
ORDEM DENEGADA. "CONSOANTE ENTENDIMENTO JA ADOTADO PELO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTICA, O MINISTERIO PUBLICO NAO ESTA ADSTRITO A REQUISITAR
DILIGENCIAS INVESTIGATORIAS. SENDO O TITULAR DA ACAO PENAL PUBLICA NAO ESTA
PROIBIDO DE PRATICAR ATOS TENDENTES A ELUCIDACAO DE EVENTUAL CONDUTA
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DELITIVA, MORMENTE QUANDO HA INDICIOS DO ENVOLVIMENTO NO DELITO DE
INTEGRANTES DA PROPRIA POLICIA" (PRECEDENTES DO STJ). ORDEM DENEGADA.
TJDF: reservamos, por último, verdadeira lição jurídica e política num Estado
Democrático de Direito. Entenderam os insignes julgadores que é próprio da
democracia a divisão de atribuições, sobretudo as que se referem à liberdade
individual. Comparando a pretensão ministerial às mais terríveis experiências
históricas, como a soviética e francesa, temos o brilho de um entendimento
jurisprudencial combativo e libertário.
Registro do Acordão Número : 130373
Ementa: PENAL - PROCESSO PENAL: APURAÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL LEVADA A EFEITO
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE AFASTADA
- O TRF SOMENTE JULGA OS MEMBROS DO MPDFT EM CRIMES COMUNS OU DE
RESPONSABILIDADE - OS ATOS POR ELES PRATICADOS SÃO DA ALÇADA DO TJDF, QUE
TAMBÉM É UM TRIBUNAL FEDERAL, MAS DE COMPETÊNCIA LOCAL - À POLÍCIA CIVIL
CABE A APURAÇÃO DAS INFRAÇÕES PENAIS - O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
ABERTO NO MP NÃO SUBSTITUI O INQUÉRITO POLICIAL - ORDEM CONCEDIDA, LIMINAR
CONSOLIDADA. A ILUSTRE PROCURADORA DE JUSTIÇA AGITA A PRELIMINAR DE
INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE PARA CONHECER DO PRESENTE WRIT OF HABEAS
CORPUS AO ARGUMENTO DE QUE NOS TERMOS DOS ARTS. 108, I, A, E 128, I, D, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 18, II, C, DA LEI COMPLEMENTAR N° 75/93, E ART. 8°, I E II,
DA LEI N° 8.185/91, O MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO SOMENTE PODE SER
JULGADO PELOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS, SALIENTANDO QUE A LOJDF NÃO
AUTORIZA EXPRESSAMENTE O TJDF A REALIZAR TAL JULGAMENTO. AFASTADA TAL
PRELIMINAR, POIS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL É CLARA AO DETERMINAR EM SEU ART.
108, I, A, QUE COMPETE AOS TRF'S PROCESSAR E JULGAR OS MEMBROS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DA UNIÃO, ORIGINARIAMENTE, SOMENTE NOS CRIMES COMUNS E DE
RESPONSABILIDADE, O QUE À TODA EVIDÊNCIA NÃO OCORRE NO CASO EM COMENTO,
ONDE O QUE ESTÁ SENDO APRECIADO É TÃO SOMENTE A LEGALIDADE DE UM ATO
PRATICADO POR UM ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO LOCAL, O QUE É COISA
TOTALMENTE DIFERENTE. O LEGISLADOR CONSTITUINTE AO CONCEDER DE FORMA
SÁBIA E POLITICAMENTE CORRETA AMPLOS PODERES INVESTIGATÓRIOS AO
MINISTÉRIO PÚBLICO, VISIVELMENTE NÃO ALTEROU A SISTEMÁTICA PROCESSUAL
CONSTITUCIONAL EXPLICITADA NO ART. 144, § 4°, DA CARTA MAGNA, QUE RESERVA À
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POLÍCIA CIVIL AS FUNÇÕES DE POLÍCIA JUDICIÁRIA E A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES
PENAIS, RESSALVADA UNICAMENTE AS INFRAÇÕES MILITARES. TEM O MINISTÉRIO
PÚBLICO O MAIS AMPLO PODER INVESTIGATÓRIO POSSÍVEL, POIS AFINAL NOS TERMOS
DO ART. 127, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É CONSIDERADO UMA " ( ... ) INSTITUIÇÃO
PERMANENTE, ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO, INCUMBINDO-LHE A
DEFESA DA ORDEM PÚBLICA, DO REGIME DEMOCRÁTICO E DOS INTERESSES SOCIAIS E
INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. ", E ATÉ MESMO O DE INVESTIGAR AQUELES QUE TÊM POR
MISSÃO A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS - ART. 144, § 4°, DA CF, COMO SE VÊ
CLARAMENTE EXPLICITADO NO INCISO VII, DO ART. 129, DA CF. COMO NA ORDEM
DEMOCRÁTICA TUDO, INCLUSIVE TODAS ESSAS SUCESSIVAS INVESTIGAÇÕES
PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEVE SER FEITO E DESENVOLVIDO
EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO MAIOR DO DUE PROCESS OF LAW, MARCADO DE FORMA
INDELÉVEL NOS INCISOS II, LIII E LIV, DA MAGNA CARTA, EM CASOS DE APURAÇÃO DE
INFRAÇÕES PENAIS A INVESTIGAÇÃO DEVE SER PROCEDIDA A QUEM TEM
COMPETÊNCIA PARA TAL, QUE É A POLÍCIA CIVIL. ISSO NÃO SIGNIFICA QUE O
MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TENHA O DEVER DE PARTICIPAR DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL,
QUE AFINAL VAI LHE PROPICIAR OS ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA
AÇÃO PENAL, DA QUAL É O VERDADEIRO E EXCLUSIVO DOMINUS LITIS, MAS DEVE FAZÊ-
LO NOS LIMITES ESTABELECIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE EM SEU ART. 129,
VIII LHE DÁ PODERES PARA " ( ... ) REQUISITAR DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS E A
INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL, INDICADOS OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DE
SUAS MANIFESTAÇÕES PROCESSUAIS. ". O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO A QUE SE
REFERE O INCISO VI, DO ART. 129, DA CF, NÃO PODE EM HIPÓTESE ALGUMA
SUBSTITUIR O INQUÉRITO POLICIAL, DATA VENIA DAQUELES QUE ASSIM PENSAM,
INCLUSIVE O MENCIONADO ILUSTRE MEMBRO DO PARQUET PAULISTA, POIS ENQUANTO
AQUELE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS PROCESSUAIS DO DISPOSTO NO INCISO III, DO MESMO
DISPOSITIVO LEGAL, E ATÉ MESMO PARA OS CASOS PREVISTOS NO INCISO VII, QUE É O
DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, ESTE É O MEIO PROCESSUAL
INQUISITÓRIO DESTINADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA A APURAÇÃO DE
INFRAÇÕES PENAIS, EXCETO AS MILITARES - ART. 144, § 4°, DA CF. É BEM VERDADE QUE
O MINISTÉRIO PÚBLICO ASSUMIU COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 AMPLOS E
JUSTOS PODERES INVESTIGATÓRIOS, MAS NÃO SE PODE ESQUECER QUE FOI
JUSTAMENTE O EXCESSO DE PODERES CONCENTRADOS EM MÃOS DE ALGUNS
POUCOS REVOLUCIONÁRIOS - TODO O PODER AOS SOVIETS - QUE ACABOU COM O
SONHO SOCIALISTA DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917, E OS JACOBINOS UM POUCO
ANTES COM A REVOLUÇÃO FRANCESA. DEVE O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTINUAR COM
SUA NOVEL MISSÃO CONSTITUCIONAL, EM SILÊNCIO E RECATO COMO MANDAM O BOM
SENSO E A BOA TÉCNICA INVESTIGATÓRIA, LONGE DOS FUGAZES E INEBRIANTES
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MOMENTOS DE FAMA, NÃO PROCURANDO SOBREPOR-SE AOS DEMAIS PODERES DO
ESTADO, NEM AOS FRÁGEIS MAS RELEVANTÍSSIMOS DIREITOS INDIVIDUAIS, POIS
AFINAL NOS TERMOS DO INCISO II, DO ART. 5°, DA CF " NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A
FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGUMA COISA SENÃO EM VIRTUDE DE LEI. " ORDEM
CONCEDIDA, LIMINAR CONSOLIDADA.
Registro do Acordão Número : 189871: Ementa: HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL - ALEGAÇÃO DE
ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÕRIO PROMOVIDO PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO E ILICITUDE DA PROVA. 1. A FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO
PENAL, POR INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS IDÔNEOS, SOMENTE PODE
SER RECONHECIDA NA ESTREITA VIA DO 'HABEAS CORPUS', SE A INAPTIDÃO DAS
PROVAS CONSTANTES DAS PEÇAS DE INFORMAÇÃO QUE LASTREARAM A IMPUTAÇÃO
PENAL DIRIGIDA CONTRA O PACIENTE RESTAR PATENTE, CLARA E INDUVIDOSA,
EVIDENCIANDO-SE A PARTIR DOS ELEMENTOS CONSTANTES DA INICIAL, SEM QUE HAJA
NECESSIDADE DE UM EXAME APROFUNDADO DA PROVA, ATRIBUIÇÃO ESTA DESTINADA
AO JUIZ DA CAUSA PENAL. 2. A POSSIBILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESENVOLVER
ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA NA BUSCA DE COLHER ELEMENTOS DE PROVA QUE
SUBSIDIEM A INSTAURAÇÃO DE FUTURA AÇÃO PENAL DECORRE DAS PRÓPRIAS
FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 127 E 128) E
NA LEI COMPLEMENTAR N 75/93 (ARTS. 70, 1, 80, II, III, IX E 90, IV). O CONTROLE EXTERNO
DA ATIVIDADE POLICIAL É FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (SÚMULA 10
DO TJDFT).
Decisão: DENEGAR A ORDEM, À UNANIMIDADE.
Registro do Acordão Número : 133272: Ementa: HABEAS CORPUS - IMPETRAÇÃO CONTRA A
INSTAURAÇÃO PELO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA
ATIVIDADE POLICIAL DE PROCEDIMENTO PARA INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS DE
POLICIAIS TIDAS, EM TESE, COMO CRIMINOSAS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA PROMOÇÃO DE ATOS PROCEDIMENTAIS INVESTIGATÓRIOS SEM QUE COM ISTO
IMPLIQUE INVASÃO DE ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA - IMPROCEDÊNCIA -
LEGALIDADE DO ATO ACOIMADO DE ILEGAL - DENEGAÇÃO DA ORDEM. AO MINISTÉRIO
PÚBLICO É RECONHECIDA A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA EXERCER O
CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA, POSSUINDO, DE CONSEQÜÊNCIA, LEGITIMIDADE PARA
PROCEDER A INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS DE POLICIAIS TIDAS, EM TESE, COMO
CRIMINOSAS. EM SENDO ASSIM, NÃO SE AFLORAM EVIDENTE ILEGALIDADE OU ABUSO
DE PODER NA DESIGNAÇÃO DE ATOS PROCEDIMENTAIS INVESTIGATÓRIOS
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PROMOVIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NEM CONSTRANGIMENTO NO FATO DE A
PACIENTE COMPARECER À AUDIÊNCIA PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS.
Decisão: CONHECER E DENEGAR À UNANIMIDADE.
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6. Argumentos Contrários: rebatendo a possibilidade da
investigação criminal direta pelo Ministério Público.
Amai quem vos resiste e acreditai em quem vos
censura. - Casimir Delavigne
Ter escravos não é nada, mas o que se torna intolerável
é ter escravos chamando-lhes cidadãos - Denis Diderot
Inauguremos a polêmica citando orientação jurisprudencial lançada pelo Supremo
Tribunal Federal, em RE 233072-4, RJ: RE. MP. Inquérito Administrativo.
Inquérito Penal. Legitimidade. O Ministério Público não tem competência para
promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos;
nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem
possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode
propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos
suficientes. Recurso não conhecido .
O cerne da questão é que não temos um sistema de instrução prévia do processo
penal. Nesse sistema, temos um promotor sendo notificado imediatamente de uma
prisão em flagrante ou de um crime que a Polícia tomou conhecimento. A própria
polícia é um apêndice do Parquet que a controla, subordinando-a funcionalmente.
Adotam o sistema de instrução a França, a Itália, a Espanha, Portugal entre outros
países. A investigação criminal não poderá ser iniciada sem o placet ministerial ou
mesmo a condução direta por um promotor público.
Nesse sistema, temos institutos que igualmente não são comuns no Brasil:
acordos extrajudiciais isentando de processo, depoimentos homologados pelo
Ministério Público, gravações públicas de confissões ou delações etc. Não temos
o magistrado que julga a conveniência da ação penal, antes de ser julgado o seu
mérito, como procedimento prévio e bifásico. Assim, o processo penal brasileiro é
mais garantista, menos sujeito às conturbadas negociações que se fazem em
fases pré-processuais e que viciam o entendimento do promotor.
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Há que se analisar as diferenças entre tantos sistemas de persecução penal, não
pela ótica da exemplificação com outras nações, mas da compatibilização com o
atual modelo brasileiro e ver se há, de fato, possibilidade de daí resultar numa
proposta coerente. Não é pelo fato do Ministério Público controlar a polícia de um
país europeu (este, com índices de criminalidade substanciamente mais baixos
que os nacionais) que, automaticamente, deveremos importar este molde para,
em malabarismos interpretativos, aplicá-lo no Brasil, ainda mais contando o
regime jurídico-político com Carta Magna que prevê apenas o controle externo da
atividade policial. A simplificação do discurso sobre segurança pública num país
de dimensões continentais, com graves carências sociais e portador de uma
herança política quase achegando-se às castas, é irritante, sobretudo quando
encampada por juristas que deveriam ser mais cônsios de sua influência. O
discurso fácil da repressão truculenta seduz a população que vê, como última
esperança, a importação de modelos implacáveis de outros países que têm
realidades completamente diversas.
Neste ponto, os trabalhos de dois doutrinadores precisam ser apuradamente
estudados, porque não tentaram respostas simplistas. Mesmo navegando no
direito comparado, não se deixaram seduzir pelo canto da sereia de que a
segurança internacional é mais efetiva EM FUNÇÃO desta ou daquela solução
repressiva. O primeiro ícone das garantias constitucionais, já na investigação
criminal, é Fauzi Hassan Choukr.
Vejamos que visão lúcida: ainda que conceituada como preparação à ação penal,
inúmeras disputas estéreis
muitas das quais de sabor nitidamente corporativo
ganharam espaço desde a vigência do Código. Chegou-se a ponto de minimizar a
participação do Ministério Público na preparação da ação, procurando afastá-lo da
condução da investigação, situação esta que mereceu sólidas críticas por parte da
doutrina e que vem sendo reiteramente repudiada pela jurisprudência (...). A falta
de uma visão estrutural sobre a condução das investigações sempre desfoca a
crítica, que passa a importar-se como problemas burocráticos (...). Ainda que o
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tema seja de importância prática inquestionável, parece-nos mais relevante, ao
menos no primeiro momento, apreender com exatidão os papeis
constitucionalmente reservados para cada um dos protagonistas da Justiça
Criminal nesta fase . E, após empreender longa viagem por diversos países,
comparando a forma de relacionamento entre a Polícia e o Ministério Público,
conclui: no caso, a forma de controle será exercitada sobre aquela parcela da
polícia que empreenda as funções judiciárias, sobretudo por poderes requisitórios
e de orientação por parte do controlador, mas sem que chegue este último a impor
sanções punitivas em âmbito correicional àqueles servidores que exercitem as
funções anunciadas. Caberá, por certo, a possibilidade de requerer-se a adoção
dessas medidas ao órgão competente, mas sem o poder decisório, pois aí estaria
atuando um controle interno da atividade policial. Parece ser útil aqui a lição
espanhola, onde existe uma certa inamovibilidade do chefe das investigações
(...) . Em resumo, o ilustre doutrinador adverte para a distancia que guardamos
dos modelos onde a Polícia está sob o jugo ministerial, instaurando e encerrando
procedimentos investigatórios de acordo com a opinião do titular da ação penal.
No Brasil, não é assim.
Outra voz incomparável na hábil arte de comparar sistemas jurídicos sem, no
entanto, confundi-los é Marcos Alexandre Coelho Zilli, que tece comentários
imprescindíveis sobre a atividade instrutória do juiz no processo penal. Reputa
como inadequado o modelo nacional de tornar prevento o magistrado que atua
nas cautelares, inspirando-nos particularmente a aventar um modelo ideal:
a) o magistrado que analisa medidas de urgência na fase investigativa seria
especializado, afastado da função propriamente judicante, cabendo apenas
perquirir a necessidade, adequação e urgência de medidas cautelares,
eventualmente constritivas de liberdade, não se tornando prevento para o
julgamento da causa;
b) no oferecimento da denúncia, os arquivos do inquérito policial seriam colocados
à parte, mas à disposição da defesa, instruindo o promotor público sua denúncia
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com elementos pinçados das investigações, colocando à parte outros papéis que
não guardam relevância com a oferta da inicial;
c) o magistrado que analisa a admissibilidade da causa penal, da mesma forma
que aquel outro das medidas cautelares, seria especializado no estudo das
condições gerais da ação penal e nos pressupostos processuais, aprofundando-se
na justa causa e na adequada tipificação dada pelo Ministério Público, assim como
a remessa ou não de provas do Inquérito Policial, requeridas pelas partes. Este
juiz não tomaria peito do mérito da causa, mas poderia decidir sobre aditamento,
inclusão ou exclusão de réus, tipificação, admissibilidade de provas etc;
d) finalmente, o magistrado responsável pelo julgamento da ação penal, teria
filtrado de seu juízo de valor todos os fatos e incidentes que envolveram o
procedimento investigativo e a admissibilidade da mesma ação penal e teria tarefa
mais facilitada de julgar o feito com a certeza de que as provas foram devidamente
internadas nos autos de forma legal, as medidas de urgência foram todas
jurisdicionadas. Quanto ao promotor, ainda mais interessante seria a divisão de
atribuição entre aquele que ingressa com a ação penal e o outro que acompanha
o desfecho instrutório.
A se projetar para o processo penal contemporâneo as magníficas observações
consignadas acima, teríamos a jurisdicionalização da investigação criminal prévia,
onde jamais ter-se-ia críticas sobre a inviabilidade do inquérito policial brasileiro. O
Ministério Público tem suas razoes, ao afirmar que as provas coletadas no
procedimento preliminar são repetidas em juízo, de forma redundante. Mas a
crítica não poderá ser dirigida contra a polícia e sim contra o sistema processual
vigente, pela desídia intelectual de nossos legisladores.
Ao fragmentarmos as atribuições jurisdicionais em diversas fases, desde a
instauração do inquérito policial, não há que se cogitar a necessidade da
participação ministerial. Da mesma forma, está elidida a crítica da imprestabilidade
das provas, geralmente eivadas de nulidade. Em nosso entender, ajusta-se a
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doutrina apresentada com as necessidades de segurança jurídica exigidas na
atualidade com as garantias constitucionais do devido processo legal.
Nas mesmas fileiras, estão perfilhados inúmeros outros doutrinadores irresignados
com a possibilidade da usurpação constitucional do Ministério Público. Dentre
tantos, citamos recente artigo5 dos advogados pernambucanos Hélcio França e
João Vieira Neto, atualizados com os últimos julgados sobre o tema.
5 O Ministério Público, ultimamente, vem realizando verdadeiras investigações e inquéritos criminais camuflados, em muitas
das vezes, por procedimentos administrativos instaurados com o intuito de alcançarem provas e subsídios para servirem de base a uma peça acusatória mascarada e, via de conseqüência, ilícita. É bem verdade que o Ministério Público é o titular da ação penal pública, isto é legal e incontestável, pois assim resta assentado em dispositivo constitucional (art. 129, I1 , da CF), como é, também, cristalino e indiscutível que as investigações no âmbito penal são tarefa dos órgãos definidos no art. 144, § 1º, I, IV e § 4º da Carta Política em vigor2 , sendo assim, deve o Parquet requisitar às autoridades policiais a apuração dos ilícitos penais, com a instauração do competente inquérito, e não realizar investigações ao arrepio da lei. Não pode o Ministério Público, através de seus representantes, avocar-se de paladino da justiça, e buscar a todo custo a persecutio criminis sem as formalidades legais, ultrapassando e atropelando normas e princípios, pois assim estará ferindo o ordenamento jurídico, sobretudo, constitucional e a prova será ilegal por ser ilegítima. "A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.
(Min. Celso de Mello, voto no acórdão da AP nº 307-3 - DF - Pleno do STF, j. 13.12.94, DJ 13.10.95, Rel. Min. ILMAR GALVÃO). "A prova ilícita contraria o processo, o inquérito policial, o processo administrativo e a sindicância. A legalidade pode e deve ser analisada a qualquer momento. (STJ - HC nº 6.008 - SC - DJU 23.06.97, Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO). O jurista Luiz Flávio Gomes3 , acerca do assunto, leciona que: (...)Sob o aspecto jurídico, as interpretações sistemática, lógica e, até mesmo, gramatical do art. 129 da Constituição
Federal não permitem extrair outra conclusão exceto aquela de que o Ministério Público não possui poderes de investigação criminal. O texto é claro e expresso em indicar, como função institucional ministerial, a promoção da ação penal pública, do inquérito civil e da ação civil pública. Quanto ao inquérito policial, limita-se a atribuir ao Ministério Público a requisição de sua instauração. Nesse particular, não tem lugar de hermenêutica dos poderes implícitos. In claris non fit interpretation.
Essa reação às atitudes que vem tomando o MP parte agora de vários âmbitos, tendo o Ministro da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, dias atrás, diante de fatos lastimáveis acontecidos no Estado de São Paulo, explanado que: Nós devemos nos debruçar sobre a gravidade desse acontecimento. Estamos vendo a Constituição ser violada diariamente por uma série de procedimentos ilegais do Ministério Público e de alguns órgãos de imprensa. Há uma violação persistente e permanente de direitos constitucionais por setores do Ministério Público e da imprensa. 4
O Supremo Tribunal Federal, em decisão no RHC 81.326-7, deixou claro e evidente a total impossibilidade do Ministério Público de realizar e presidir inquérito policial, consoante se observa da ementa e alguns trecho do referido decisium a seguir transcritos: (...) Entendimento esse que não é novo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, posto que já existia quando do julgamento do Recurso Extraordinário de nº 233.072-4 RJ, tendo o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, dito, textualmente, que: O Ministério Público não pode fazer investigação, porque ele será parte na ação penal a ser intentada pelo Estado e, também, não pode instaurar um inquérito no respectivo âmbito.
O próprio Ministério Público Federal, em parecer datado de 26.11.1998, perante o STJ, no RHC de nº 8106/DF, da lavra do Eminente Subprocurador da República Jair Brandão de Souza Meira, assim opinou, verbis: (...) Em princípio, pode o Ministério Público dispensar Inquérito Policial, quando lhe são encaminhadas peças de informação suficientes podendo ainda requisitar diligências necessárias, para o oferecimento da denúncia. Contudo, no caso sub judice, verifica-se um extrapolamento das funções institucionais do Ministério Público, ao substituir à Polícia Judiciária, formulando a investigação e a denúncia, (...). Em decisão recentíssima, datada de 18 de fevereiro de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do habeas corpus de nº 440.810-3/7-00, dissecando amplamente o assunto, concedeu a ordem determinando o trancamento de ação penal fundada em investigação criminal realizada pelo Ministério Público, tendo este órgão mascarado um verdadeiro inquérito policial, ou melhor ministerial, sob a denominação de procedimento administrativo. O Ministério Público, apesar do grande poder que a Constituição, promulgada em 1988, deu-lhe, não pode proceder com a realização de inquérito policial ou investigação criminal, seja com essa denominação específica, seja fantasiado de procedimento administrativo, oferecendo peça acusatória criminal, por ser plenamente ilegítimo para tanto, produzindo, com isso, um prova ilícita, por derivação, o que é inadmissível perante a novel Carta Maior, seja ela na sua forma ilícita propriamente dita ou ilegítima, tudo conforme insculpido no art. 5º, LVI: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; Valendo-se destacar, inclusive, que o Ministério Público é, por excelência, ou deveria ser, acima de tudo, fiscal da lei, e não um atropelador desta, pois como expressado pelo STF: A qualificação do Ministério Público como órgão interveniente defere-lhe posição de grande eminência no contexto da relação processual na medida em que lhe incumbe o
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No ideal, em tempo algum rascunha-se o controle ministerial da investigação:
muito ao contrário
seria mais garantia à sociedade se pudéssemos afastar o juiz
da causa e o promotor que patrocina a ação, da investigação, de modo a não
viciá-los na formação de juízos de valor preconceituosos. Mas como sabemos nós
que seria necessária uma enorme reforma estrutural, com aporte de recursos
substanciais, preferimos ficar apenas com a impossibilidade legal e constitucional
do Ministério Público investigar. Já aí, em nosso sentir, seria grande favor à
idoneidade não só das investigações, como do futuro processo penal.
Retornando ao tema específico, após breve digressão, temos a Constituição da
República que, é verdade, não concede privativamente à polícia o poder de
conduzir o inquérito policial, mas aponta para o exercício de diversas instituições,
das quais não figura o Ministério Público como legitimado constitucional, pela sua
total omissão no art. 144 da CF. Assim, é forçoso reconhecer que a omissão do
termo privativo/a, não impede esta interpretação, afastando a hipótese de
atribuição concerrente. Da mesma forma, não consta a pretendida atribuição nem
no art. 129 da CF, concernente às funções do Ministério Público, nem mesmo na
respectiva Lei Orgânica e ainda na legislação de combate ao crime organizado.
Ademais, podemos conjugar diversos artigos do Processo Penal clássico,
constantes do Codex, para concluir sem titubeios que não poderá o Ministério
Público conduzir a investigação. Vejamos a lei, e analisemos os trechos
destacados:
Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
desempenho imparcial da atividade fiscalizadora pertinente à correta aplicação do direito objetivo
(STF-RTJ, 154:426). A persecutio criminis estatal deve reagir sempre contra todo e qualquer elemento probatório que se revista de ilegitimidade e ilicitude, para que assim não se cometam verdadeiras ilegalidades e injustiças irremediáveis. Estar-se-ia, dessa forma, diante da famosa teoria norte-americana da fruit of the poisonous tree, ou seja, a teoria dos frutos da árvore envenenada na avaliação da prova proibida, que consiste na extensão da regra da inadmissibilidade às provas lícitas, originadas por meio ilícito. Defensores da tese de que pode o MP realizar investigação criminal se fundam no dito popular de: quem pode o mais, pode o menos , referindo-se ao poder que tem o Parquet de requisitar a instauração de inquérito policial, podendo, em contrapartida, proceder com investigação criminal. Pasmem. No entanto, como acima explanado, impossibilitado e proibido está o Ministério Público de realizar investigação criminal, até prova, ou melhor, Constituição Federal em contrário.
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II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem
tiver qualidade para representá-lo.
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa,
sempre que servir de base a uma ou outra.
Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do
inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências,
imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de
inquérito.
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela
autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a
autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de
outras provas tiver notícia.
Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do
Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública,
fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e
indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de
apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito
policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de
considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do
inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este
oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público
para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só
então estará o juiz obrigado a atender.
Pela leitura atenta e desapaixonada do Diploma Processual, temos algumas
constatações muito simples:
a) diz a letra da lei que pode o Ministério Público requisitar a instauração do
inquérito, donde o delegado de polícia não poderá indeferir a solicitação, mas não
diz em momento algum que pode o próprio Parquet instaurar investigação. Se há
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a distinção e o distanciamento legal, há de ser observado pelos integrantes do
Ministério Público;
b) o inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denúncia, tanto que
o art. 16 é bem claro afirmando que sempre que servir ; haverá casos em que
não irá servir ou não será indispensável;
c) as novas investigações, após o arquivamento do inquérito policial, poderão ser
feitas apenas pela autoridade policial, em conformidade com o art. 18 do CPP,
demonstrando, mais uma vez, a titularidade para conduzir o procedimento
investigatório penal;
d) o art. 27 que trata da provocação do Ministério Público quer versar de forma
cristalina sobre a possibilidade de apresentação de denúncia ou requisição de
instauração de inquérito e não condução da investigação;
e) ora, se o Ministério Público requerer e depois requisitar o arquivamento do
inquérito, por meio de seu promotor ou Procurador Geral, significa afirmar que não
pode ele mesmo arquivar, porque não tem atribuição para conduzi-lo.
Sem sofismas: é apenas a leitura do texto legal que se mostra claro e sem
brechas à gula processual ministerial.
Igualmente insofismável é o artigo de Luiz Flávio Gomes6, baluarte do Garantismo
Penal no Brasil, tende a confirmar entendimento contrário à legitimidade ministerial
6 O Colendo Supremo Tribunal Federal, em duas decisões mais ou menos recentes, tinha firmado o entendimento de que o
Ministério Público não pode realizar diretamente investigações criminais. No RE 205.473-9-AL, rel. Min. CARLOS
VELLOSO, j. de 15.12.98, com efeito, proclamou-se o seguinte:
(...)
A Constituição brasileira não acolheu o modelo da direção da investigação criminal pelo Ministério Público (cf. Ela Wiecko
V. de CASTILHO, Correio Braziliense
Direito & Justiça de 17.05.99, p. 4); aliás, ela jamais quis transferir para o
Ministério Público as funções investigatórias cometidas ao serviço policial (cf. Cláudio Fonteles, Correio Braziliense
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Direito & Justiça de 17.05.99, p. 7). Não palmilhou, assim, a concepção do direito europeu continental (Itália, Alemanha
etc.); está mais próxima do sistema inglês (cf. Procesos penales de Europa, dir. De Mireille DELMAS-MARTY, trad. de
Morenilla Allard, Zaragoza: Edijus, 2000, p. 475 e ss.; Antonio Evaristo de MORAIS FILHO, em RBCCrim n. 19, p. 105 e
ss.);
Por força do art. 144, § 1º e 4º, da CF, a função de investigar diretamente os fatos delituosos cabe à polícia federal, às
polícias civis e à polícia militar (nas infrações militares);
Apesar da clareza do texto constitucional, certo é, entretanto, que não existe monopólio ( reserva de mercado , sic) em
favor das Polícias para investigar fatos delituosos no nosso país. Em outras palavras: a investigação criminal não é
atividade exclusiva da polícia judiciária (CPP, art. 4º, parágrafo único).
Mas isso não significa que o Ministério Público (na atualidade) tenha poderes para tanto. Outras autoridades
podem investigar delitos, mas isso depende de lei expressa: A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função (CPP, art. 4º, parágrafo único);
O que está faltando ao Ministério Público (neste momento) é justamente essa lei expressa que lhe autorize presidir
e promover diretamente a investigação criminal.
Não há dúvida, assim, que são admitidos, no direito pátrio, outros inquéritos investigativos: o inquérito judicial nos crimes
falimentares, as CPIs, IPMs etc. Na ADIn 1.517-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, reconheceu-se [muito discutivelmente]
inclusive a legitimidade dos juízes para atividades investigatórias (Lei n. 9.034/95, art. 3º); mas tudo deriva de expressa
previsão legal, que não existe em favor do Ministério Público.
Consoante a ordem jurídica vigente o Ministério Público conta com muitos poderes, mas especificamente para dirigir a
investigação criminal, excepcionando-se a investigação contra seus próprios membros, não há dispositivo autorizador.
Nada obsta, in thesi, que o Ministério Público venha a ter no sistema jurídico nacional poderes de investigação direta: mas
para tanto são necessárias reformas legislativas específicas; pelo direito vigente, como vem reconhecendo a Máxima Corte,
essa função está juridicamente vedada. É até aconselhável que o Ministério Público venha a assumir algumas tarefas
investigatórias (crime organizado, por exemplo), mas no momento não conta com poderes legais para isso.
Não cabe dúvida que o Ministério Público pode participar das investigações, pode acompanhá-las: LONMP, art. 26, IV; LC
75/93, art. 7º, inc. II; LONMP, art. 10, IX, e; HC 75.769, in DJU de 28.11.97. Mas presidir uma investigação é outra coisa.
Não cabe discutir que o Ministério Público é o titular privativo do direito de promover a ação penal pública (CF, art. 129, I).
E que nos crimes tributários não depende da representação da Fazenda Pública para atuar (cfr. ADIN 1571-DF, rel. Min.
Néri da Silveira).
Não se questiona que pode também requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (CF, art. 129, inc. VIII).
Não há como contestar que pode promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III). Está autorizado, ademais, a realizar
inquéritos administrativos (CF, art. 129, VI), particularmente quanto ao meio ambiente (Lei 7.347/85), podendo expedir
notificações e requisitar informações e documentos para instruí-los (CF, art. 129, inv. VI).
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para investigar, consubstanciando mais o presente ensaio. A transcrição do artigo
correspondente vale ser lida, na íntegra, em respeito a um dos doutrinadores mais
corajosos desta quadra.
O tema não só é tormentoso no presente ensaio, mas no quotidiano forense.
Advogados digladiam-se contra a sanha persecutória do Ministério Público e
mesmo no Supremo Tribunal Federal, antes do processo decisivo sobre o tema
que segue em anexo, temos já as primeiras linhas do entendimento que o Excelso
Pretório firmava sobre o tema.
Depoimentos tomados a portas fechados na sede do Ministério Público Federal ou
Estadual é odioso, próprio de regimes totalitários, onde o estatal não é público e
sim sigiloso e o aparelho do Big Brother quer sufocar as liberdades e o
contraditório. Aquele promotor que, sozinho, trancado com o depoente,
geralmente amedrontado diante do poder público que representa o Parquet, não é
mais do que a caricatura do Robespierre eterno, incorruptível, inflexível e isolado
da fermentação democrática. E não são os advogados ou os delegados que
apregoam a exorbitância do Ministério Público contemporâneo: os próprios
Cabe ainda ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII).
Conta, de outro lado, com a faculdade de oferecer denúncia sem inquérito policial (CPP, arts. 27 e 39, § 5º; vid. ainda RTJ
76/741), com base em provas colhidas em inquérito civil seu ou inquéritos administrativos, presididos por outras
autoridades, autorizadas em lei. Não é correta, assim, a afirmação de que o Ministério Público somente pode promover a
ação penal quando a Polícia Judiciária investigou os fatos; mas tampouco é verdadeira a assertiva de que ele pode
diretamente promover a investigação criminal.
Alinhadas todas as atribuições do Ministério Público, impõe-se reconhecer, segundo o ius positum, de modo
peremptório, que nenhuma lei lhe confere a possibilidade de investigar diretamente o fato delituoso. Por isso é que
o Supremo Tribunal Federal, com precisão e firmeza, vem proclamando que não cabe ao membro do Ministério
Público realizar, diretamente, investigações criminais, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal
(cf. RE 205.473-9, rel. Min. CARLOS VELLOSO).
A única exceção a esse correto e irreparável entendimento reside no art. 40, parágrafo único, da LONMP, que autoriza a
investigação direta pelo Ministério Público quando envolvido algum membro da Instituição.
Aliás, nem sequer no tempo da LC 40/81 podia o Ministério Público assumir a direção da investigação criminal, salvo na
ausência de Delegado de Polícia (art. 15, III e V).
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Ministros do Supremo Tribunal já se preocupam com o grau maligno de
perseguição, vaidade e intolerância que soçobra aquela Instituição essencial à
Justiça.
Questão polêmica, propícia a debates acalorados, é reproduzida aqui pelo diálogo
até áspero entre os Ministros Nelson Jobim e Néri da Silveira. Vejamos o voto do
Min. Jobim no Recurso Extraordinário 233.072-4 RJ, já mencionado pelo Dr. Flávio
Gomes:
Min Jobim: observo que este tema
já participei de debate deste
tema em sede legislativa quando da elaboração da CF de 88, era
pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no
sentido de criarmos ou não, o processo de instrução, gerido pelo
MP. Isso foi objeto de longos debates da elaboração da
Constituição e foi rejeitado.
Mas, o tema voltou a ser discutido, quando, em 1993, votava-se no
Congresso Nacional a Lei Complementar relativa ao MINISTÉRIO
PÚBLICO DA UNIAO E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS
ESTADOS, em que havia esse discussão do processo de instrução
que pudesse ser gerido pelo MP.
A longa disputa entre o MP, a Polícia Civil e a Polícia Federal, em
relação a essa competência exclusiva da polícia em realizar os
inquéritos. Lembro-me que toda essa matéria foi rejeitada naquele
momento, no Legislativo estou explicitando de memória.
A Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do MP da União), no art.
6º refere-se à competência do MP da União, elencando vinte
incisos de competência do MP.
(...)
Dos eminentes juízes do Tribunal Regional, sobre a conduta do MP
em ministério àquilo que foi referido como dispensabilidade do
Inquérito Policial, acompanhados pelo eminente representante do
MP, Prof. Dr. Juarez Tavares, a quem conheço muito e prestou
extraordinários serviços ao Min. da Justiça quando por lá passei,
no sentido de acompanhar na elaboração dos projetos legislativos,
inclusive no Projeto sobre Lavagem de Dinheiro.
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Esses três eminentes magistrados já qualificaram as ações do MP,
às quais Vossa Excelência se referiu nos anexos e volumes,
referindo-se a isso como a realização, por parte do MP, do
Inquérito Penal.
(...)
Concordo plenamente com Vossa Excelência que a ação penal
pública independe do Inquérito Policial para ser apresentada,
agora, dispondo o MP para o oferecimento da denúncia.
(...)
Tem o MP competência para promover inquéritos
administrativos, em relação às condutas do Min. da Fazenda,
de funcionários públicos do Poder Executivo?
Não.
Os inquéritos administrativos são da competência do Min. da área.
Foi dito aqui pelo eminente sub-procurador da Republica que nos
assiste, não haver dúvida sobre isso ser um inquérito, tanto é que
diz que se continha dentro da titularidade da ação penal pública, e
quem pode o mais, pode o menos.
(...)
Inquérito Penal não é juízo de instrução.
Não temos esse tipo de procedimento no nosso ordenamento
jurídico.
Sua criação foi negada em dois momentos de voto no Parlamento.
Não será por exegese que vá se outorgar ao MP aquilo que não foi
dado.
(...)
Min. Néri da Silveira: estamos julgando uma denúncia que foi
apresentada, que define um quadro típico.
Min. Jobim: Não. Estamos examinando a regularidade da conduta
do MP.
Min. Néri da Silveira: o hábeas corpus foi concedido para trancar
o processo decorrente dessa denúncia.
Min. Jobim: porque o TRF entendeu relevante, se exorbitou o MP,
e a meu juízo, exorbitou das suas funções institucionais, pretensão
que já tem há muito tempo em detrimento dos interesses da
defesa.
Sei que ao trazer exemplos de casos vividos, corre-se o risco de se
trazer aquilo que se chama generalização empírica, mas ao
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exercer a advocacia penal durante 20 anos, sei como se conduz o
MP nesses atos unilaterais de produção de prova.
O MP exorbitou, no caso concreto, das suas funções. Não tem
ele competência alguma para produzir um inquérito penal, sob
o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações
em procedimentos administrativos.
Terá, isto sim, por força da LC competente, poder para o exercício
das suas atribuições, nos procedimentos de sua competência,
notificar testemunhas etc.
Quais são os procedimentos de sua competência?
O Inquérito Civil Público.
O que entendeu o órgão julgador do HC, no voto do relator em
relação à matéria? Entendeu, na linha sustentada pelo
representante do MP junto ao Tribunal, que ouve exorbitância.
Pergunto à Vossa Excelência: a prova que instruiu a denúncia foi
produzida de forma legítima? Se não tinha o MP competência para
introduzir aquilo que está assente?
Min. Néri da Silveira: uma prova documental baseada exatamente
no processo licitatório.
Min. Jobim: colhida de forma lícita ou ilícita? Tinha ou não
competência?
Min. Néri da Silveira: o MP tinha cópia do processo licitatório que
é processo de repartição qualquer. Sabemos que o MP pode
instaurar uma ação penal contra um funcionário com base no
processo administrativo, que lhe seja encaminhado, ou se tiver
provas nos autos.
Min. Jobim: concordo com V. EXcia, mas curiosamente, houve a
necessidade de notificação para ser ouvido no chamado inquérito
administrativo, que foi emitido num juízo no MP local, comum um
juízo de existência de Inquérito Penal.
É lícita a forma de colher-se essa prova?
Min. Néri da Silveira: Veja: apenas pela circunstância de o
indiciado não haver atendido à notificação, e assim esclarecido
mais ao MP, vamos coarctar a ação do MP?
Min. Jobim: não, instaure-se, previamente, o inquérito. Não
acompanho Vossa Excelência porque é necessário se coarctar
esse tipo de conduta.
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Concedido ou negado que seja, estará a Turma reconhecendo a
prática de um ato abusivo do MP. Isso ficará na mesma situação,
porque estamos perante a prática de um ato que exorbita das suas
funções e se viermos a negar o recurso, como pretendo, divergindo
de V. Excia, afirmo que nenhuma conseqüência terá o MP das
condutas tomadas, porque a sua Corregedoria não irá contra si
mesma, aliás este é um tema que temos que discutir com muita
clareza e com o dever social de prestar contas à sociedade
accountabily , dos americanos em relação às condutas deste
determinado setor público.
Senhor Presidente, quero que com todas as vênias e com o
respeito que V. Excia merece, como meu velho professor da
Faculdade de Direito do Rio Grande de Sul, possam a defesa e a
acusação estarem no mesmo nível, no campo da investigação. Ou
seja, com o mesmo status do MP.
Que não esteja a defesa sujeita à ações unilaterais da
acusação, no sentido de promover dentro do próprio prédio,
isolado, sem possibilidade alguma de qualquer tipo de
participação no Inquérito.
Faríamos a divergência perante o juízo.
Mas não teríamos a possibilidade de exercê-lo fora dele, porque
quando a polícia sabe-se o que fazer contra o MP pouca coisa tem-
se a fazer.
Senhor Presidente, ouso divergir e, pela nossa técnica, não
conheço do recurso.
Da excepcional e incomum polêmica no Pretório Excelso, temos o resultado no
qual está profundamente inspirando o nosso entendimento:
Ementa: recurso extraordinário. Ministério Público. Inquérito
Administrativo. Inquérito Penal. Legitimidade. O MP (1) não tem
competência para promover inquérito administrativo em
relação à conduta de servidores públicos; (2) nem
competência para produzir inquérito penal sob o argumento
de que tem possibilidade de expedir notificações em
procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem
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o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes.
Recurso não conhecido.
Acórdão: vistos, relatados e discutidos estes autos, acórdão os
Ministros do STF, em Segunda Turma, na conformidade da ata de
julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, em não
conhecer do recurso extraordinário, vencidos o relator e o senhor
Min. Maurício Correa que dele conheciam e lhe davam provimento
para determinar o prosseguimento da ação penal.
Lembramos o fato de que o relator do voto que segue em anexo como exemplo do
mais moderno entendimento acerca do tema esposado é o mesmo Ministro
Nelson Jobim que é oriundo do meio advocatício, político e que sentiu, numa e
noutra atividade, o receio da democracia em permitir a uma única instituição tantos
poderes. Assim, não é demais falar que um carro veloz é oportuno, mas se lhe
faltarem os freios, é mais perigoso para o motorista e para a incolumidade pública
que aquele outro auto mais lento e seguro. Comparamos, outrossim, a democracia
a uma represa formada de pequenas pedras, onde a retirada de uma delas pode
fazer ruir toda a barragem.
O Ministério Público é fiscal, mas precisa ser fiscalizado; é acusador, mas precisa
ser freado em seu ímpeto. No novo ordenamento, não há mais espaço para o
promotor vaidoso de condenações, como se cada pena fosse uma condecoração
nos quadros da promotoria. Foi o tempo que o colecionador de ossos , aquele
empedernido promotor público, caçava os acusados e os colecionava como
troféus, usando condenações para galgar promoções funcionais.
O Parquet superou sua dependência do Poder Executivo, do Poder Judiciário, sua
subordinação administrativa e deve superar também a arrogância comum àqueles
que acusam e se comprazem em angariar fama acusando.
O curioso está no fato de que se usam contra o Gaeco as mesmas teses que, à
primeira vista, parecem-lhe favoráveis. As combativas doutrinas que buscam
demonstrar a legitimidade ministerial para a investigação criminal são assimiladas
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e contraditadas pela outra escola de processo penal que nos parece mais
democrática. Sob pena de vermos a democracia se curvar à necessidade de
segurança nacional, já usada tantas vezes por estados de exceção, deveremos
limitar a atuação do Ministério Público.
É falacioso o argumento que, dando poder a um órgão, a sociedade estará mais
segura, os crimes melhor apurados e a democracia defendida por um grupo ou um
aparelho incorruptível. E além de falacioso, é demagógico e discriminador. E,
ainda têm a coragem de afirmar alguns promotores de justiça que, afastar o MP do
Inquérito é mascarar a investigação, tornando-a ineficaz, lenta ou corrompida.
Como se, antes do Gaeco, não houvesse apuração de delitos; como se, antes do
Gaeco, não houvesse investigadores e delegados de polícia sérios e
determinados; e, finalmente, como se todos os promotores de justiça fosse, em
razão da função, incorruptíveis. Quer-se reinventar Elliot Ness e os intocáveis? No
país do norte, as estripulias contra a máfia da bebida e do jogo duraram enquanto
durou o moralismo da vedação ao consumo de álcool e jogo.
A corrupção de uma instituição não se cura extinguindo-a ou diminuindo-lhe o
poder, mas treinando, aparelhando e retribuindo o trabalho com a justa paga que
jamais a polícia viu concretiza-se. Por isso, trata-se de afastar a discussão mais
profunda, mais difícil e mais sensível para nos fazer engolir a pílula paliativa do
Gaeco, quando falta gasolina, papel, caneta e tecnologia à polícia. E, no mérito,
nem mesmo o Ministério Público tem pessoal, treinamento e tecnologia para atuar
no combate ao crime organizado, se reclama que tantos feitos administrativos não
podem ser respondidos ou apurados por absoluta falta de condições. E, mesmo
assim, quer a vaidade de conduzir inquéritos diretamente, presidindo, furtando
ainda mais promotores dos quadros da instituição. Certamente, daria mais
reconhecimento da opinião pública, mas não resolveria o problema pelo qual nem
mesmo os promotores que defendem o Gaeco são capazes de se mobilizar: o
aparelhamento da polícia e a criação de institutos de inteligência na investigação
criminal de vulto, na prevenção e repressão. Apurar grandes notícias querem, mas
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se esquecem que o crime que mata é o do vizinho assaltante, estuprador ou
assassino.
Vejamos, em conclusão, o porquê dessa aguerrida defesa pelo restabelecimento
do papel tradicional do Ministério Público, afastando-o das investigações:
a) teoria dos poderes implícitos?
nem sempre, em Direito, quem pode o
mais, pode o menos , tanto que o destinatário da ação, quem vai julgá-la
definitivamente é o Judiciário e, nem por isso, o magistrado pode investigar ele
mesmo, pessoal e diretamente. A teoria dos poderes implícitos continua validade
para cada órgão administrativo, obedecendo as atribuições conferidas por lei. E
isso não é por acaso: é assim em função de garantias que se quer trazer para o
acusado, sendo a maior delas a impessoalidade do acusador, conforme se lerá
adiante. Mais uma ilustração de que a máxima nem sempre é aplicável é o
procedimento especial do Júri, onde após as alegações finais, o magistrado tem
quatro possibilidades: pronunciar, impronunciar, absolver e desclassificar; ora, se
tem o poder de absolver, que é o mais, porque não julga o mérito de uma só vez,
que é o menos? Se tem o poder de desclassificar, afastando o processo penal da
competência do Júri, por que não reclassifica assim que pode, expedindo o mérito,
já que acompanhou todo o processo? Porque a lei entende que não pode ser o
mesmo magistrado, ainda que o processo perca muito de sua cognição, sendo
enviado a outro julgador.
Mas aquele, originário, passou a não ter mais competência para condenar um réu
que não cometera crime doloso contra a vida, mas tinha para absolver
sumariamente, duas decisões de mérito equivalentes. Nem sempre, portanto,
poder mais é poder menos, deve-se distinguir a qualidade, profundidade e
natureza de ambos os atos, assim com o Ministério Público que tem, deveras, o
poder de acusar, mas não de investigar. Sobre o tema, quem pode o mais, não
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pode o menos, em processo penal , temos excelente ensaio7 do delegado federal
Célio Jacinto dos Santos;
7
As sucessivas transformações sofridas pela humanidade, com a descoberta e desenvolvimento de novas técnicas de conhecimento e produção, o surgimento do fenômeno da globalização, trouxeram a reboque a criminalidade organizada que avança sobre o erário público e as sociedades menos organizadas, em contrapartida, também acabou atraindo maior interesse acadêmico no estudo da polícia, devido à importância social que adquiriu, como instituição responsável pela repressão ao crime, alterando-se aquele quadro estudado por David H. Bayley, vaticinado e denunciado por Bismael Batista de Moraes e Luiz Fernando Camargo da Cunha Lima, onde se esquadrinhava a polícia como o patinho feio da persecução criminal. Nesse contexto o Ministério Público, assim como outras instituições, vêm tentando ampliar suas competências, além das lhes atribuídas constitucionalmente, mediante a busca da titularidade da investigação criminal, apesar do constituinte ter fixado a polícia judiciária como competente para tal, com eficácia de uma regra constitucional e gozando da proteção conferida às garantias institucionais. Muitos são os fundamentos levantados pelos integrantes do Ministério Público, para legitimar suas pretensões, baseados em verdadeiros contorcionismos hermenêuticos, cuja essência seria a parêmia In eo quod plus est semper inest et minus, literalmente, aquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos, sintetizado pelo brocardo: quem pode o mais pode o menos. Outros fundamentos apresentados pelos defensores do promotor-investigador, em verdade são corolário deste estudado. Embora a formulação do brocardo é originária do latim, do direito romano, o viés empregado para legitimar a investigação ministerial é o direito norte-americano, através da Teoria dos Poderes Implícitos criada pela Suprema Corte, quando julgou o case MacCulloch vs. Marland, constituindo então, princípio jurídico dos mais comezinhos , ou, regra elementar da hermenêutica constitucional de aplicação corrente no direito constitucional pátrio, segundo a qual quando o constituinte concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento do seu desiderato, sob pena de ser frustrado o exercício do múnus constitucional que lhe foi cometido . Paulo Rangel defende que se o Ministério Público tem a função de promover privativamente a ação penal pública, tal função tem, anterior e implicitamente, a investigação direta realizada por ele como antecedente lógico, se necessária for . Tal exegese integra o direito excepcional, anormal, exorbitante ou anômalo, onde uma hipótese parece adaptar a um artigo de uma norma jurídica, porém, a hipótese não se coaduna com o espírito, o fim, nem os motivos da norma, ela deve ser interpretada restritivamente, possui eficácia limitada, e se aplica aos poucos casos designados expressamente.A Teoria dos Poderes Implícitos (theory implied and inherent powers) também é adotada pelos norte-americanos para fundamentar a cláusula de poderes plenos, ou cláusula dos poderes de guerra, ainda, cláusula de ditadura, dentro do denominado direito de necessidade ou direito de exceção, onde são empregadas medidas excepcionais em casos de emergência e de crise, conforme o preclaro J. J. Canotilho. Na aplicação da teoria dos poderes implícitos devem ser observadas as seguintes regras, conforme ensinamentos de Carlos Maximiliano, que se baseou na doutrina Americana: a) Onde se mencionam os meios para o exercício de um poder outorgado, não será lícito implicitamente admitir novos ou diferentes meios, sob o pretexto de serem mais eficazes ou conveniente; b) Onde um poder é conferido em termos gerais, interpreta-se como estendendo-se de acordo com os mesmos termos, salvo se alguma clara restrição for deduzível do próprio contesto, por se achar ali expressa ou implícita. Por outra banda, o constituinte, em 1988, estruturou o Estado brasileiro atribuindo competências aos órgãos do Estado. Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções[10] no caso da investigação preliminar foi criada a policia judiciária para executar a atividade de investigação criminal, cabendo a ela em regra, receber a notitia criminis e desenvolver toda atividade necessária para a elucidação do fato criminoso, suas circunstâncias e autores, buscando sempre atingir no final das investigações, o juízo de probabilidade, ou seja, predomínio das razões positivas da ocorrência do delito, ou até mesmo a inexistência do delito, tudo isso dentro do inquérito policial disciplinado pelo Código de Processo Penal. Em sede de competência estabelecida constitucionalmente, são aplicáveis os seguintes princípios: a) Princípio da indisponibilidade de competência: as competências constitucionalmente fixadas não podem ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição as atribui; b) Princípio da tipicidade de competências: as competências dos órgãos constitucionais sejam, em regra, apenas as expressamente enumeradas na Constituição. Se o jurista optar por recorrer à hermenêutica para justificar que quem pode o mais pode o menos , também restará esvaziada sua proposição, eis que outro princípioelencado por Canotilho, o princípio da conformidade funcional, a vedará: (......) a Constituição regula de determinada forma a competência e função dos órgãos, estes órgãos devem manter-se no
quadro de competências constitucionalmente definido, não devendo modificar, por via interpretativa (através do modo e resultado da interpretação), a repartição, a coordenação e equilíbrio de poderes, funções e tarefas inerentes ao referido quadro de competências. (grifei) Mesmo assim, o Ministério Público dispõe de vastos e poderosos instrumentos para influenciar na investigação preliminar, como medida de exceção, quando lhe é conferida a função de requisição de instauração de inquérito policial e de requisitar diligências investigatórias após relatado o inquérito, quando a autoridade passará a auxiliar o parquet e o juiz na instrução criminal, conforme preconiza o artigo 13 do Código de Processo Penal, portando, são ilegítimas e ilegais as requisições que não visem instruir um inquérito policial ou um processo criminal, tanto é que o constituinte exigiu que o órgão do Ministério Público indique os fundamentos jurídicos das requisições, ou seja, uma imputação inicial consubstanciada em um juízo possível, através da exposição do fato penal relevante em todas suas circunstâncias, e se possível a indicação do autor. Por analogia deverão estar presente os requisitos exigidos para requerimento de inquérito policial pelo ofendido ou seu representante, estabelecidos no artigo 5º do Código de Processo Penal, caso contrário, a autoridade policial estaria manietada em avaliar a legalidade da ordem, e conseqüentemente poderá dar azo a sua responsabilização criminal por
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Além do mais, o problema está completamente desfocado. Só se pode aventar a
aplicação da teoria dos poderes implícitos, ao se deparar com ATRIBUIÇÕES
CONGÊNERES, isto é, da mesma natureza jurídica. Investigar não teve e não tem
a mesma natureza jurídica de denunciar, sendo impossível a aplicação da
conglobação entre denunciar-investigar. Tanto não têm a mesma natureza jurídica
que, concluído o Inquérito Policial, poderá o promotor requerer novas diligências
ao magistrado, remetendo os autos novamente à polícia. Assim, a denúncia já
abuso ou desvio, além da civil e administrativa, pois como se sabe a ordem ministerial ou judicial deve ser obedecida, salvo se manifestamente ilegal. O Ministério Público dispõe ainda, da função de controle externo da atividade policial, exercitável através da requisição de procedimentos aos órgãos correcionais, seja administrativo ou criminal, além do poder-dever de requisição nos feitos policiais, visando à busca da adequada investigação criminal que permita a imputação objetiva e subjetiva, com grau de cognição limitado ao provável, pois a certeza será perseguida pela acusação na instrução criminal. Não podemos deslembrar também que o judiciário também exerce o controle externo da polícia judiciária, sem falarmos do controle interno exercido pelos escalões hierárquicos, além do controle informal exercido pela imprensa, pelo advogado, pelas entidades da sociedade organizada, bem como pelo próprio cidadão. Então, a regra é a polícia judiciária investigar e excepcionalmente o Ministério Público executar atividades de investigação criminal, através do poder de requisição e do controle externo. Nosso direito constitucional organizatório prestigia um sistema de freios e balanços, respeitando-se um núcleo essencial das funções atribuídas aos órgãos estatais, senão, o cidadão que é o destinatário final de toda atividade estatal, estaria inferiorizado perante a acusação que disporia dos meios próprios e da polícia para promover a acusação, tisnando o princípio da igualdade e da paridade de armas. Nota-se que em regime de exceção, também, a ação penal pode ser desenvolvida por terceiros: ação penal subsidiária da ação pública, ação penal privada, crime de responsabilidade, sem olvidarmos do instituto da assistência e da queixa oferecida pelo credor ou síndico na falência. Então, as exceções não podem ter tratamento de regras. Tal regramento visa apenas assegurar o direito a um procedimento justo, conformador aos direitos fundamentais, onde os órgãos do Estado têm suas funções delimitadas constitucionalmente: a polícia militar previne o crime através do policiamento ostensivo; a polícia judiciária investiga os crimes não evitados pelo sistema de repressão formal ou informal; o Ministério Público acusa o autor do ilícito criminal e produz toda prova necessária para confirmar a acusação, durante o processo criminal, diligenciando, participando das audiências, alegando suas razões e recorrendo, além das funções de fiscal da lei; cabendo ao Juiz presidir a instrução, julgar a acusação e apreciar as medidas cautelares com enfoque garantista, como Juiz das liberdades, devendo haver uma interação e integração em todas fases para proporcionar a efetivação da justiça e, por conseguinte a paz social e a segurança pública. Caso haja alteração constitucional conferindo ao Ministério Público o dominus do inquérito policial, como defendem alguns juristas ligados ao parquet, nos moldes do sistema português, também seria necessário um mecanismo de controle judicial da decisão tomada ao final do inquérito
decisão de acusação ou arquivamento -, executada pelo juiz criminal, sendo que em Portugal, o juiz de instrução é assistido pela polícia criminal nesta fase, então, se depreende que é fundamental a fiscalização da investigação preliminar, se for titularizada pela polícia o Ministério Público fiscalizará, se for titularizada pelo órgão do Ministério Público, o Juiz exercerá a fiscalização. Se se buscar modelos estabelecidos pelo sistema da comow law - considerado o mais democrático dos sistemas penais - como no tocante aos poderes implícitos, pode-se optar também pela adoção do sistema inglês onde a polícia investiga e acusa, onde há um sistema de controle incipiente com o Prosecution of Offences Act, criado em 1985, através do Crown Prosecutor Service, onde a decisão de arquivar a investigação é partilhada com a polícia, atraves do Chief Officer. Neste contexto, a investigação preliminar pela polícia judiciária é alçada a garantia institucional, com proteção especial insculpida constitucionalmente, vedando sua supressão ou tão somente, a afetação mínima daquilo que lhe perfaz a essência, o conjunto de seus traços essenciais integrativos, seu mínimo intangível, sua identidade, portando, impede-se sua modificação, erosão, dano, desnaturação, quebra, arranhão, restrição, esvaziamento e abuso, o que equivalerá a sua destruição completa e existencial A teoria dos poderes implícitos fundamenta o poder hierárquico, em Direito Administrativo, dele decorre as faculdades implícitas para o superior de dar ordens, fiscalizar o seu cumprimento, delegar e avocar atribuições, e a de rever os atos dos inferiores, isso no bojo de um órgão administrativo que pode integrar o Executivo, Legislativo ou Judiciário, sem olvidarmos que entre a autoridade policial, o magistrado e o órgão do Ministério Público não há hierarquia, mas concatenação para execução de uma atividade estatal. Arrematando trago a lume os ensinamentos de Sérgio Marcos Moraes Pitombo: Não se pode inventar atribuição nem competência, contrariando a Lei Magna. A atuação administrativa interna do Ministério Público, federal ou estadual, não há de fazer as vezes das polícias. Cada qual desempenhe sua especifica função, no processo penal, em conjugação com o Poder Judiciário, senão, não nos livraremos desta crise de legalidade uma crise do valor vinculativo associado às regras pelos titulares dos poderes públicos, que se exprime na ausência ou na ineficácia dos controles, e portanto na variada e espetacular fenomenologia da ilegalidade do poder. Tal crise revela uma crise constitucional, evidenciada pela progressiva erosão do valor das regras do jogo institucional e do conjunto dos limites e dos vínculos por elas impostos ao exercício do poder público , conforme preleciona o pai do garantismo Luigi Ferrajoli
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deve estar lastreada de indícios suficientemente fortes para que, já no juízo de
admissibilidade prévio, possa ver o magistrado o mínimo de justa causa. Assim, a
denúncia, quando recebida, imprime a existência de um processo-crime que grava
o denunciado de ameaça concreta de condenação, sendo atribuição exclusiva do
Ministério Público promover a ação penal. Mas, daí a suspeitar que possa o
promotor ou procurador, eles mesmos, conduzirem o procedimento investigativo,
fundamentando de que a denúncia CONSOME o inquérito é remar contra a lógica
legal vigente
isto porque se quisesse veicular uma única possibilidade
investigativa ao Ministério Público, teria dito o CPP: concluído o inquérito
policial, entendendo não haver o promotor elementos suficientes a embasar a
denúncia, poderá requerer novas diligências OU ELE MESMO PODERÁ SE
ENCARREGAR DE LEVANTAR OUTRAS PROVAS . Mas não conferiu essa
autorização o Código de Processo e nem nenhuma outra norma processual em
vigor. Ora, se poderá o promotor baixar os autos à polícia, entendendo haver
necessidade de aprofundar as investigações, está muito claro que:
I. o inquérito não pode ser parelhado à função ministerial de promoção de ação
penal e com ela não se confunde;
II. a atribuição policial de promover investigações não foi absorvida pelo Ministério
Público, mesmo depois de verificar o levantamento probatório indiciário, incluindo
o relatório finalizado. Se não pode o MP fazer mais do que DENÚNCIAR,
ARQUIVAR OU REQUERER NOVAS DILIGÊNCIAS, claro está que não pode
investigar ele mesmo!
b) o que significa requisição?
pela lição dos mestres em processo penal,
Frederico Marques, Eduardo Espínolla Filho, Hélio Tornaghi, Borges da Rosa,
entre tantos outros clássicos, requisição diferencia-se de requerimento sendo que
este é um pedido, uma solicitação passível de ser negada, enquanto a requisição
é uma determinação, juridicamente impermeável à negativas. O Ministério Público
pode, como o magistrado, requisitar a instauração de Inquérito Policial, sempre
que tiver conhecimento de um fato criminal que precise ser apurado, termos em
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que o delegado de polícia não poderá deixar de instaurar o Inquérito requisitado. A
requisição do Parquet é imperiosa, porque se pressupõe que um promotor público
sabe o texto da lei e tem condições técnicas superiores de verificar a existência de
um crime, mas como não tem todos os elementos para a sua convicção sobre o
modo de operação criminosa, quer ver um inquérito aberto, com o fito de apurar o
que ainda não sabe.
Ora, se é assim, a lei nos deu uma forte pista sobre o que queria para o Ministério
Público: se este pode determinar, sem possibilidade de esquivas, a inauguração
de procedimento investigativo, não pode o próprio Parquet investigar, porque
senão seria outra a dicção legal. Se o CPP prevê que, quando o Ministério Público
quer ver aberto um inquérito, precisa se socorrer de uma requisição, significa
que não prevê e até afasta a possibilidade de investigação criminal direta, pois
senão poderia o delegado negar a abertura de Inquérito e o próprio promotor
interessado conduzir as investigações, hipótese descartada em nosso
ordenamento. Uma vez negando o delegado a instauração do procedimento
inquisitivo requisitado, haveria a possibilidade do Ministério Público tomar a
dianteira da própria investigação e abrir procedimento de sindicância em desfavor
do delegado rebelde. MAS A LEI NÃO PREVÊ ESSA POSSIBILIDADE. Assim,
quando um delegado de polícia se nega a promover a instauração de um inquérito
ou sua condução, resta ao promotor denunciar a autoridade policial ou representa-
la administrativamente, mas nunca a norma previu a possibilidade do membro do
Parquet pura e simplesmente SUBSTITUIR O DELEGADO DE POLÍCIA.
c) onde está a imparcialidade?
no curso do processo, o Ministério Público é
parte e é fiscal. Situação única e bela em nosso ordenamento processual
brasileiro, temos uma instituição que não só é interessada na promoção da justiça,
como fiscaliza a regularidade do próprio processo: única, porque não temos
paralelo com outros pólos processuais que atuam em nome próprio ou de terceiros
em substituição processual, mas nunca defendendo a lisura do pleito requerido
pela própria parte. É isto que o Ministério Público faz
detém a titularidade da
ação penal, requerendo a condenação do acusado, mas pode a qualquer
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momento, convencer-se do contrário e requerer a absolvição, ou seja, o Parquet
tem uma missão tão nobre que eles mesmo é fiscal de seus atos e imputações.
Quando acreditar que mereça a liberdade, a redução de pena, a progressão em
sentenças demasiadamente severas, pode também o Ministério Público deduzir
suas razões em grau recursal por meio de uma apelação a favor do réu, que o
próprio órgão ministerial ajudou a condenar.
A Constituição reservou o panteão da legalidade ao Ministério Público, deixando à
ponderação de cada promotor de justiça a reserva ética de suas atitudes que têm
forte eco no ordenamento jurídico. Entretanto, não se pode negar que o Parquet,
processualmente falando, é parte e as partes devem guardar equivalência, pelo
princípio da isonomia processual. Não pode o advogado de defesa do investigado
apontar ao delegado o que e quando deve fazer, como deve diligenciar, quando
seria mais conveniente, quais os próximos passos da investigação, isto porque
adotamos um sistema misto, onde a fase do Inquérito é essencialmente inquisitiva
e não contraditória. Como, processualmente, o Ministério Público Acusador não
vale mais do que a Defesa, e além disso, tem mais o ônus de ser imparcial, deve
se afastar do Inquérito, de modo a que as forças mantenham-se equivalentes,
equilibradamente medidas, sem que nenhuma das partes tenha prerrogativas
sobre a outra. Em outras palavras, o Ministério Público é parte imparcial, se se
pode permitir o trocadilho;
d) princípio da legalidade?
interessante é a argumentação de que não há
nenhuma vedação expressa do legislador constitucional ao poder investigativo do
Ministério Público. Curioso porque, no funcionalismo público, inverte-se a primado
penal para outro mais severo que é o administrativo. Em direito penal, tudo é
permitido, quando não negado ou tipificado pela lei; em direito administrativo, pode
apenas o funcionário público agir em consonância com a lei e não ao seu alvitre,
quando não proibido. Só deve fazer o expressamente permitido, o que está
claramente apontado pela lei, não deve inovar em matéria legislativa que não
compete ao funcionário, não pode exceder-se, extravasar a sua atribuição, nem
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mesmo supondo que é para o bem social. Portanto, não estar proibido não é
argumento para o excesso ministerial, quando, ao contrário, é freio.
e) onde está o promotor natural?
é hilário o entendimento ministerial sobre
esse delicado tema jurídico. A Carta de 1988 silencia quanto à garantia do
promotor natural, ou seja, a previsibilidade do promotor da comarca, antes mesmo
do oferecimento da denúncia, evitando distribuições de inquéritos e de atribuições
ao sabor das vontades políticas do Procurador Geral. Cômica a situação porque a
grande maioria dos promotores público defende ardorosamente o mesmo princípio
democrático assemelhado ao juiz natural , típico de sistemas arejados de
participação social e equilíbrio que a garante. Todavia, ao se invectivar sobre o
tema, que conta com toda a nossa simpatia inclusive, contradiz-se o Ministério
Público ao determinar forças-tarefa para a assunção ao Gaeco, que resvala no
princípio do promotor natural. Em outras palavras: é casuísta e política a
nomeação de determinados promotores públicos para cargos ligados ao virtual
Gaeco.
Não há nos quadros funcionais do Ministério Público tal atribuição, até porque
jamais foi aventada a hipótese pela Constituição e respectiva Lei Orgânica. Assim
como a participação de promotores públicos (que deveriam observar a
Constituição e não o fazem) em Secretarias Municipais e Estaduais, confronta-se
não só com os ditames legais, mais mesmo morais do Procurador Chefe que, por
sua vez, foi indicado pelo Executivo. Pura e simples casuísmo político. Isto sim é
odioso para a democracia.
Em remate, a discussão alçou polêmica tamanha que vem sendo objeto de
estudos até mesmo por Revistas Especializadas. A capa da Revista CONSULEX, .
159, de 31 de Agosto de 2003, atualizando as discussões sobre o tema, traz três
opiniões divergentes, onde a tese do poder investigativo do Ministério Público
naufraga por dois comentaristas a um. Sérgio Habib, defensor público e mestre
em Direito, colaciona argumentos para as nossas próprias conclusões que se
seguirão: não se pode deixar de reconhecer que, no processo penal, o MP
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funciona como parte, pois, como bem adverte Pontes de Miranda, o MP `promove,
pede, impetra, litiga ou, como peleciona Frederico Marques, titular da pretensão
punitiva e do direito de acusar, é evidente que o MP tem a função e papel de parte
na relação processual que se instaura com a ação penal . Assim compreendido,
não se pode admitir que o MP, vale dizer, a parte, titular do jus acusationis e do
jus puniendi, possa, por si mesmo, investigar os fatos, inquirir testemunhas,
interrogar o suspeito de um determinado ilícito penal, em suma, construir provas e,
após tudo isso, apresentá-las em juízo lastreando a denúncia para que o juiz as
aprecie. Portanto, o papel de investigar não pode ser desempenhado pelo
Ministério Público, sob o risco de ter-se um procedimento pré-processual
estritamente acusatório e não inquisitório, como deve ser o inquérito policial,
sabendo-se, de antemão, que toda prova que se fizer não visará à descoberta de
verdade real, mas servirá a fundamentar uma suspeita, uma tese, uma formulação
que surgiu de uma determinada linha de atuação, fruto de uma elocubração
mental do representante do parquet . Partilha a mesma tese, na mesma Revista, a
prof. Dr. Eneida Orgabe de Brito Taquary.
Em verdade e em conclusão, quando a Constituição Republicana institui o
Ministério Público como um Poder, quis agregar garantias à democracia,
reformulando a tradicional divisão de poderes britânica e francesa. Mas,
determinando os limites de atuação do Parquet, foi peremptória a Carta de 1988
ao permitir o controle externo da atividade policial pelo MP. Não quis ver um dos
sujeitos processuais imiscuído-se, ele mesmo, na investigação. Isto porque o
promotor e o procurador são mais que partes, são fiscais. Devem, portanto,
permanecer eqüidistantes da investigação, a fim de que, ao findar dos trabalhos
policiais, possam opinar desapaixonadamente sobre o arquivamento, inclusive. Do
contrário, participando diretamente o promotor das investigações, como poderia
concluir que seu próprio trabalho deveria ser arquivado ou ainda, está incompleto.
É , no mínimo, esquizofrênico.
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Ademais, como já sustentamos alhures, quando tratávamos do artigo publicado
pelo Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, não há no Brasil o juízo
de instrução e sim juízo da instrução. Isto significa dizer que o magistrado não
controla a própria investigação, onde não há contraditório e ampla defesa, sendo
por isso, eminentemente inquisitiva. Mas, poderá muito bem fiscalizar a execução
da investigação externamente, imparcialmente, deferindo medidas acauteladores,
por exemplo, ou mesmo, julgando excessivo o próprio indiciamento ou os prazos
inobservados para a conclusão de inquérito. E é justamente por não haver juízo de
instrução que jamais uma das partes, sujeito legítimo do processo penal, adiantar-
se contra a outra. Jamais num Estado Democrático de Direito poderá o Ministério
Público saber mais, conhecer mais, poder mais, produzir provas, e ainda
aproveitá-las em juízo contra o denunciado, se preceitua a Constituição o que para
nós é dogma de fé: todos são iguais perante a lei e o processo pautar-se-á pelo
contraditório e ampla defesa.
Nem mesmo se sobrevier Lei que afirme poder o Ministério Público investigar
diretamente delitos, nos vergaremos à tese invectivada. Por respeito, antes, à
Constituição que, podendo, não o permitiu, e pela própria Lei Orgânica do MP que,
podendo novamente, preferiu não se exceder.
Não é por má-vontade ou pelo fato de sermos sempre Defesa no processo penal,
atuando como advogados, que elidimos a tese dos Gaeco estaduais e, queira
Deus, jamais tenhamos um federal. Não é desconsiderando os enormes esforços
do MP ou desprestigiando a Instituição ou mesmo desclassificando seus
membros, que o ensaio se fundamentará para concluir a impossibilidade do MP
Investigativo. Não e não: reafirmamos nossa crença na Instituição e em seus
membros, preocupados que estão pelo crescimento da marginalidade e pela
infiltração do crime nas esferas de maior prestígio social. Mas, não acreditamos
em salvacionismo, e é só.
Ainda sobre o salvacionismo ministerial, temos em nosso favor a colocação do Dr.
Alexandre Abraão Dias Teixeira, juiz carioca:
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O saudoso mestre Evaristo de Moraes Filho, na Tribuna do
Advogado publicada em novembro de 1996, fls. 10, destacou uma
destas infelizes experiências nos seguintes termos:
"Recentemente, em caso rumoroso, o Ministério Público Federal
intimou um cidadão, para ouvi-lo na sede da Procuradoria da
República, a respeito de fatos que já eram objeto de inquérito na
Polícia Federal, onde o mesmo figurava como indiciado. Seguindo
orientação de seu patrono, ele negou-se a atender à inusitada
intimação, esclarecendo, através de petição, cuja cópia remeteu a
Justiça Federal, os motivos legais de sua recusa. Apesar disto, um
dos fundamentos do pedido de prisão preventiva, formulado depois
do não comparecimento do indiciado para depor na Procuradoria
da República, foi exatamente esta pretensa rebeldia (...)".
A continuidade da narrativa atesta que a prisão foi decretada
pelo mesmo fundamento, tendo o TRF concedido liminar em
Habeas Corpus para restaurar a liberdade do paciente.
O objetivo da exposição tinha como lastro a moção
apresentada a VII Conferência Estadual da OAB/RJ durante a
exposição do painel: Poder Judiciário, Advocacia e Ministério
Público
A Reforma, onde o expositor sustentou a verdadeira
ilegitimidade dos "(...) inquéritos policiais instaurados e dirigidos,
diretamente, pelo Ministério Público (...)".
Encerrando a narrativa, o digníssimo Professor destaca a
abrilhantada visão do Desembargador Silvio Teixeira, que ao
relatar HC nº 615/96, da 1ª Câmara Criminal do TJRJ, decidiu: "A
função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,
exceto as militares, são privativas das polícias civis. Ao Ministério
Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua
atribuição não passa do poder de requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial e de
inquérito policial militar. Somente quando se cuidar de inquéritos
civis é que a função do Ministério Público abrange também a
instauração deles e de outras medidas e procedimentos
administrativos pertinentes, aqui incluídas das diligências
investigatórias." (grifos são nossos).
O artigo recebeu resposta, à época, do não menos brilhante
Promotor Coordenador das Centrais de Inquéritos do MP/RJ, Dr.
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Ricardo Martins, publicada na Tribuna do Advogado de fevereiro de
1997, onde a seguinte conclusão serve para resumir a linha de
pensamento do expositor: "O Ministério Público pode e deve
investigar sempre que isto se fizer necessário à apuração do
evento criminoso, não só para possibilitar a propositura da ação
penal, mas também para evitar injustiças e processos
precipitados."
O poder de investigação dado ao MP para promover a
investigação, afirma o autor e os que defendem a tese, é fruto da
"interpretação lógica" do art. 129, VI, da CF/88 e do art. 80 da lei
8625/93, bem como da análise do § 4º, do art. 144 da Carta Maior,
que segundo atesta "(...) não confere a polícia o monopólio da
investigação(...). portanto, conclui: "(...) soa absurdo o Ministério
Público poder requisitar diligências à autoridade policial e não
poder faze-lo por conta própria. Não há razão lógica para tal
vedação."
Apesar destes fortes argumentos em favor da presidência
das investigações por parte Ministério Público, ousaremos divergir
deste raciocínio para afirmar, assim como o fez o Desembargador
Silvio Teixeira, que a investigação é hoje ato privativo da Polícia
Judiciária, não importando com isso assumir, assim como alega o
digno Promotor, as vestes de quem pretende "Manietar o promotor
de justiça em sua atuação na área criminal(...)". Muito pelo
contrário, o anseio é reestruturar o sistema processual penal
brasileiro para: a) colocar cada operador do direito em seu devido
lugar (parece-nos óbvio que só o delegado de polícia e seus
agentes é que têm a habilidade profissional para promover a
investigação, já que foram treinados e preparados durante toda
uma vida para este tipo de trabalho; b) afastar toda e qualquer
possibilidade de usurpação das funções e c) repelir atos heróicos
isolados, os quais restaram exteriorizados em forma de chacota
recentemente pela mídia nacional.
Exteriorizada a decisão do Desembargador Silvio Teixeira,
apressaram-se cegamente aqueles que defendem as investigações
Ministeriais em rotulá-la de espantosa; quiçá teratológica. A
resposta veio em alto e bom tom já nos Embargos Declaratórios
interpostos perante a mesma 1ª Câm. Crim. do TJRJ, quando um
dos maiores processualistas deste Tribunal, o Desembargador
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Jorge Alberto Romeiro Jr., relator designado, afirmou: "Dessarte,
se insistir nesse procedimento não autorizado ope legis, correrá o
órgão fiscal da lei o risco de vê-lo sujeitado, inclusive, ao
vexame de uma formal declaração de invalidade, conforme lição
antiga de nossa Suprema Corte: "É nulo o inquérito policial
presidido por um promotor público, notadamente para autorizar a
prisão preventiva." (Ac. STF, Pleno, de 28.05.1951, publ. DJU de
25.04.1955, Apenso, pág. 1530)." (grifamos
Proc. nº
1996.059.00615, Embargos Declaratórios nº 615/96, 1ª Câm
Crim/TJRJ). Portanto, denota-se na lição dada que o espanto era
fruto do desconhecimento da posição da Suprema Corte nos
últimos quarenta anos de sua existência.
Analisando a decisão do STF, no HC nº 34.827, a qual foi
exaltada pelo Desembargado Romero Jr., e foi relatada por
ninguém menos que o Ministro Nelson Hungria, denontam-se os
seguintes alicerces: "Tenho para mim, Senhor Presidente, que,
embora permitida pelo art. 73, VIII, da Constituição de Alagoas, a
"Comissão Judiciária" a que se refere o recorrente, não é ela
compatível com o Código de Processo Penal, pois este não
autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da
competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela
judiciária e membro do M.P. na investigação do crime (...)" e mais
adiante concede a ordem "(...) reconhecendo a nulidade ex radice
do processo instaurado contra o paciente (...)". (HC nº: 31.827
Alagoas 31/01/1957).
Para os que analisaram a decisão, restaria ainda uma
possível argumentação em favor da investigação presidida pelo
MP: ora, esta decisão foi arquitetada sob a égide de Constituições
passadas, quando ainda não vigorava o art. 129 da atual Carta
Magna, o qual redimensionou significativamente o status do
Parquet! Não há dúvida que o Ministério Público, enquanto
Instituição saiu, para o bem geral da sociedade, por demais
fortalecida, entretanto, não há que se cogitar com menor clamor
que a função policial saiu igualmente robustecida e sedimentada
com a regra esculpida no § 4º, do art. 144 da mesma Carta.
Tal conclusão não é fruto de uma construção "lógica", mas
sim das reiteradas decisões da Corte Suprema, a qual reafirmou de
forma rígida e inflexível sua jurisprudência das últimas quatro
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décadas, quando, após a Constituição Cidadã de 1988, novamente
foi chamada a dirimir este litígio, assim como se vê na seguinte
ementa: "Constitucional. Processual Penal. Ministério Público:
atribuições. Inquérito. Requisição de investigações. Crime de
desobediência. CF, art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I-
Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade
administrativa deixar de atender requisição de membro do
Ministério Público no sentido da realização de investigações
tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não
cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente,
tais investigações, mas requisita-las à autoridade policial,
competente para tal (CF, art. 144, §§ 1º e 4º).". (in. R.T.J. nº
173/640 grifamos).
O voto do Min. Carlos Velloso, relator da decisão, fortalece a
linha de raciocínio ora adotada. Senão vejamos: "Não vislumbro
qualquer ato de desobediência, porque o Delegado da Receita
Federal está sujeito à hierarquia administrativa própria, na qual não
se insere o órgão do Ministério Público Federal. A requisição de
diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve
dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder
de investigação do Ministério Público fora da excepcional
previsão da ação civil pública
(art. 129, III, CF). De outro modo,
haveria uma polícia paralela, o que não combina com a regra
do art. 129, VIII, CF,
segundo a qual o MP deve exercer, conforme
lei complementar, o controle externo da atividade policial"
(grifamos).
Recentemente tivemos mais uma demonstração da visão
sólida do STF quanto à mantença deste entendimento; é que o
Ministro Marco Aurélio, Presidente daquela Excelsa Corte, ao ser
indagado sobre a função do MP na relação processual, de forma
rígida e inflexível disse: "O Ministério Público, em si, é parte e não
atua no campo da percepção criminal como fiscal da lei. E, sendo
parte, deve ser preservada a postura de parte. É inconcebível que
se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele
próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador
das circunstâncias de um possível crime. A Constituição
Federal só prevê a titularidade do Ministério Público para o
inquérito em uma hipótese, uma única hipótese (enfatiza). É
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quando se tem um inquérito civil e jamais um inquérito criminal".
(In. Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia
Federal, ano I, nº 003, set/2000 - grifamos).
Merece ainda destaque, nas derradeiras linhas desta
humilde contribuição, que o TJ/RJ está longe de mudar o
entendimento inaugurado pelo Des. Silvio Teixeira, pois
recentemente a Seção Criminal, ao apreciar o HC nº 2458/2000,
julg em 27/09/2000 e publicado no DOERJ de 01/08/2001, fls
319/320, o qual foi relatado pelo Des. Eduardo Mayr, manteve-se
fiel a linha jurisprudencial da Suprema Corte ao reafirmar: "Habeas
Corpus. Investigação Penal. Atribuição da Polícia Judiciária. Ordem
Concedida. A proteção constitucional abrange não apenas a
liberdade, mas também a validade do procedimento do qual possa
resultar alguma restrição a este direito. Ao Ministério Público cabe
com exclusividade a iniciativa de propor a ação penal pública, mas
sua atribuição, "in poenalibus", não ultrapassa o poder de requisitar
diligências investigatórias, e a instauração de inquéritos policiais e
penal militar. Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que
além da sua instauração compete-lhe à efetivação de diligências
investigatórias, com as medidas e procedimentos pertinentes".
Só quem está totalmente fora da realidade prática pode
afirmar que as investigações promovidas pelo MP serão mais
eficientes do que as de hoje. Aliás, bem se vê que ditos defensores
desconhecem que o Estado sequer fornece filmes para os
fotógrafos registrarem os locais de crimes ou mesmo a total
precariedade que se encontra, pelo menos no Rio de Janeiro, o
Instituto Médico Legal. Estes sim, os fatores que tem criado
dificuldades, e isto temos visto em nosso cotidiano, a escorreita
apuração dos indícios de autoria e materialidade de um crime. Ou
será que o simples fato do MP existir, por existir, por si só já
supriria tais carências materiais? É lógico que não.
O que se precisa neste país é seriedade e profissionalismo,
não atos heróicos isolados. Não bastam Delegacias Modernas e
coloridas, nem tampouco carros iluminados em comboio desfilando
alegoricamente pelas ruas mais movimentadas da cidade, porque
estas fachadas cedem diante da necessidade de uma polícia
técnica estruturada e bem preparada, mas está, a sociedade não
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vê piscando pelas ruas com suas lâmpadas coloridas nem suas
cores esfuziantes!
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7. Aprofundamento doutrinário e jurisprudencial: o entendimento
dos Tribunais Superiores a respeito das investigações do
Ministério Público.
Quando me contrariam, despertam-me a atenção, não a
cólera: aproximo-me de quem me contradiz e instrui. -
Michel de Montaigne
Preliminarmente, deveremos reviver uma discussão sistêmica do processo penal
mundial: quem promove a investigação preliminar à ação penal e qual a razão da
interferência desse sujeito processual? E, ainda, haverá a possibilidade de
contraditório na fase preliminar e, não havendo, em que medida as provas
deverão ser reproduzidas em juízo? Com estes duas indagações básicas,
poderemos discernir a conveniência e a inconveniência e sistemas diametralmente
opostos que as democracias ocidentais vivem. De imediato, deveremos observar
que nenhum sistema é, axiologicamente, melhor que o outro, sendo frágil em suas
desvantagens, simplesmente porque o Estado atual não tem condições de estar
presente com o aparato que perseguimos como ideal.
Objetivamente, podem cuidar/dirigir da instrução preliminar, à qual chamamos de
investigação criminal:
a) a Polícia Civil
contando com uma capilaridade expressivamente maior do que
os outros dois sujeitos processuais, juiz e promotor, a Polícia convive com mais
proximidade da população e tem mais flexibilidade para cuidar de delitos de
pequeno ou médio porte, sem maiores aparatos tecnológicos, podendo ser
rapidamente mobilizada, deslocada e reorientada para investigações especiais ou
ainda desdobrando-se em grupos especializados de atuação repressiva. A Polícia
convive diretamente com a comunidade, identificando nela de forma rápida e
eficiente os focos da eventual crise delitiva.
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Como crítica, por outro lado, aponta o renomado Dr. Aury Celso Lopes Jr:
a) A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle
da criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da
norma penal. Por isso, dispõe de uma "discricionariedade de fato"
para selecionar as condutas a serem perseguidas. Esse espaço de
atuação está muitas vezes na zona cinza, no sutil limite entre o
lícito e o ilícito. Em definitivo, não se deve atribuir à polícia ainda
mais poderes (como a titularidade da instrução), mas sim exercer
um maior controle por parte dos juízes, tribunais e membros do
MP. A polícia deve ser um órgão auxiliar e não o titular da instrução
preliminar, pois quanto maior é o controle real dos Tribunais e do
MP sobre a atividade policial, menor é essa discricionariedade, e o
inverso também é verdadeiro.
b) A eficácia da atuação policial está associada a grupos
diferenciais, isto é, mostra-se mais ativa quando atua contra
determinados escalões da sociedade (obviamente os
inferiores) e distribui impunidade em relação à classe mais
elevada. Também a subcultura policial possui seus próprios
modelos preconcebidos: estereótipo de criminosos potenciais e
prováveis; vítimas com maior ou menor verossimilitude; delitos que
"podem" ou não ser esclarecidos, etc. O tratamento do imputado é
diferenciado, e conforme ele se encaixe ou não no perfil prefixado,
o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais
rigoroso. Essa última situação é constantemente noticiada, em que
a polícia, frente ao "perfil de autor ideal" daquela modalidade de
delito, atua com excessivo rigor e inclusive age ilicitamente, para
alcançar todos os meios de incriminação (muitas vezes
inexistentes). Assim são cometidas as maiores barbáries,
refletindo-se nas elevadas cifras da injustiça da atuação policial.
c) A polícia está muito mais suscetível de contaminação
política (especialmente os mandos e desmandos de quem
ocupa o governo) e de sofrer a pressão dos meios de
comunicação. Isso leva a dois graves inconvenientes: a
possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição
política e as graves injustiças que comete no afã de resolver
rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de
comunicação.
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d) O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com
que a polícia seja um órgão facilmente pressionável pela
imprensa, por políticos e pelas camadas mais elevadas da
sociedade. Também é responsável pelo embrutecimento da
polícia e o completo desprezo dos direitos fundamentais do
suspeito, que de antemão já é considerado como culpado pela
subcultura policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é
constantemente colocada em dúvida pelas denúncias de corrupção
e de abuso de autoridade.
Toda essa gama de problemas que possui a instrução policial leva
ao necessário descrédito probatório do material recolhido e à
necessidade de completa repetição em juízo. Pior ainda, não
cumpre com sua função principal: aclarar em grau de probabilidade
a notícia-crime para fundamentar o processo ou o não-processo.
Em nosso sentir, não divergimos objetivamente das ponderações lançadas pelo
ilustre docente da Universidade Federal de Rio Grande, doutor em Direito
Processual pela madrilenha universidade. Entretanto, há que se perquirir se estes
problemas apontados pelo insigne professor podem ser sanados de alguma forma,
enfim...se são estruturais ou conjunturais. Fossem eles estruturais, a crise não
seria do inquérito policial, como fez notar em seu ensaio A crime do Inquérito
Policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar em processo
penal , seria da própria polícia, incapaz de superar estes dilemas apontados.
Vejamos: o grau de escolaridade dos policiais é, deveras, mais baixo do que
juízes e promotores, assim como a insuficiência técnica dos agentes é patente,
além da brutalidade e arbítrio notáveis em inúmeras pesquisas e nos folhetins
policiais.
É bem verdade que a permeabilidade da polícia à corrupção, ao tratar do crime
organizado que lida com patrimônios vultosos é, igualmente, maior, sendo
suscetível de pressões tanto do crime como da mídia, como até mesmo do poder
político a que, eventualmente, esteja a polícia submetida. Em remate, não
podemos deixar de concordar que esse conjunto sombrio e depreciativo do
trabalho policial redunda numa repetição dos atos investigativos perante o
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Judiciário. Todavia, pergunta-se: afinal de contas, temos aqui uma crise estrutural
ou conjuntural?
b) O Juiz Instrutor
munido de alta técnica processual, o magistrado portador de
todas as garantias institucionais, saberia exatamente onde buscar elementos
suficientes a embasar a acusação penal. Com a força da jurisdição, seria bastante
eficiente na colheita de provas para a instauração de denúncias, sobretudo em
desfavor de organizações criminosas. Teríamos com a figura do juiz instrutor o
aproveitamento de todas as provas coligidas na investigação preliminar, por uma
jurisdicionalização do inquérito. No entanto, críticas contundentes poderão ser
levantadas, como competentemente o faz o Prof. Dr. Aury Celso Lopes Jr:
a) É um modelo superado e intimamente relacionado à figura
histórica do juiz inquisidor, pois sua estrutura outorga a uma
mesma pessoa as tarefas de (ex officio) investigar, proceder à
imputação formal (o que representa uma acusação lato sensu) e
inclusive defender. Isso levou a uma crisis de la instrucción
preparatoria y del juez instructor, pois esse modelo é apontado
como o mais grave impedimento à plena consolidação do sistema
acusatório.
b) O grave inconveniente que representa o fato de uma mesma
pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de investigação
e valorar a sua legalidade. Nesse sentido, a Exposição de
Motivos do Código Processual Modelo para Ibero-América aponta
que "não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se
transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em
um guardião zeloso da segurança individual; o bom inquisidor mata
o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor".
c) Transforma o processo penal (lato sensu) em uma luta
desigual entre o inquirido, o juiz-inquisidor, o promotor e a
polícia judiciária. Essa patologia judicial 13 acaba por criar uma
grave situação de desamparo, pois se o juiz é o investigador, quem
atuará como garante?
d) Por vício inerente ao sistema, a instrução judicial tende a se
transformar em plenária, comprometendo seriamente a celeridade
que deve nortear a fase pré-processual.
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e) Representa uma gravíssima contradição lógica, pois o juiz
investiga para o promotor acusar, e o pior, muitas vezes contra
ou em desacordo com as convicções do titular da futura ação
penal. Em definitivo, se a instrução preliminar é uma atividade
preparatória que deve servir, basicamente, para formar a opinio
delicti do acusador público, deve estar a cargo dele e não de um
juiz, que não pode e não deve acusar.
f) Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar, com
inegável prejuízo para o processo penal.
g) Por fim, outro grave problema da instrução judicial está no
fato de converter a instrução preliminar em uma fase geradora
de provas, algo absolutamente inaceitável frente ao seu caráter
inquisitivo. A maior credibilidade que normalmente geram os atos
do juiz instrutor pode levar a que a prova não seja produzida no
processo, mas meramente ratificada. O resultado final é a
monstruosidade jurídica de valorar na sentença elementos
recolhidos em um procedimento preliminar em que predomina o
segredo e a ausência de contraditório e defesa. Não se pode
olvidar que a instrução preliminar serve para aclarar o fato em grau
de probabilidade, e está dirigida a justificar o processo ou o não-
processo, jamais para amparar um juízo condenatório.
c) O Ministério Público
aparentemente, temos aqui a melhor forma de debelar,
de um lado, as críticas à ineficiência policial e, de outro, à parcialidade resultante
do juiz instrutor. O Parquet, independente orçamentária e funcionalmente e
destinatário do atual inquérito policial, poderia muito bem assumir ele mesmo o
encargo da investigação criminal, sobretudo dos crimes que envolvam
organizações políticas, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas, sonegação
fiscal e crimes contra a ordem financeira em geral. No entender daquele mestre já
citado com o qual tomamos a liberdade de dialogar, eis a conveniência estrutural
da investigação criminal direta a ser presidida pelo Ministério Público:
Como "principais vantagens" da instrução preliminar a cargo do
MP, destacamos:
a) Representa uma aproximação à estrutura dialética do processo,
apesar de algumas naturais limitações da publicidade e do
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contraditório (que seriam inerentes à própria natureza da instrução
preliminar).
b) Essa instrução preliminar do acusador é uma imposição do
sistema acusatório, pois mantém o juiz longe da investigação e
garante a sua imparcialidade (ao juiz cabe julgar e não investigar).
Com isso, cumpre-se com os postulados garantistas do nullum
iudicium sine accusatione e ne procedat iudex ex officio. Em última
análise, o sistema fortalece a figura do juiz, cuja atividade na
instrução fica reservada a julgar (decidindo sobre as medidas
restritivas e a admissão da própria acusação).
c) A imparcialidade do MP leva à crença de que a investigação
buscará aclarar o fato a partir de critérios de justiça, de modo que o
promotor agirá para esclarecer a notícia-crime resolvendo justa e
legalmente se deve acusar ou não. Inclusive deverá diligenciar
para obter também eventuais elementos de descargo, que
favoreçam a defesa. Na síntese de GUARNIERI, 18 o MP
constituye una figura que si bien tiene el cuerpo de parte, ofrece el
alma de juez.
d) A própria natureza da instrução preliminar, como atividade
preparatória ao exercício da ação penal, deve,
necessariamente, estar a cargo do titular da ação penal. Por
isso, deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o
MP, sendo ilógico que o juiz (ou a polícia em descompasso com o
MP) investigue para o promotor acusar. Em resumo, melhor acusa
quem por si mesmo investiga.
e) Como atividade destinada a formar um juízo sobre o
processo ou o não-processo, a instrução preliminar a cargo do
MP tende a ser, verdadeiramente, uma cognição sumária. Com
isso, também se evita que os atos de investigação sejam
considerados como atos de prova e, por conseqüência, valorados
na sentença.
f) A impossibilidade de que o MP adote medidas restritivas de
direitos fundamentais distribui melhor o poder (antes concentrado
nas mãos do juiz instrutor) e permite criar a figura do juiz garante
da instrução, como instância judicial de controle da legalidade dos
atos de investigação. Em suma, representa uma melhor
distribuição do poder, e com isso beneficia a situação jurídica do
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sujeito passivo e evita o autoritarismo típico da estrutura inquisitiva
do juiz instrutor.
Com a máxima vênia do distinto professor, quer-nos parecer que este adotou a
teoria do sofá : flagrando a mulher o traindo com outro, no sofá da sala, o marido
traído troca o sofá, ao contrário de separar-se da mulher. Ou ainda, num
atrevimento ainda mais sarcástico, diríamos que os doutrinadores que pensam
nessas bases de lógica ainda não perceberam que não é o rabo que balança o
cachorro e sim o contrário, isto é, a ótica sobre a problematização encontra-se
profundamente viciada pelo apego aos efeitos e não as causas.
Ora, se o policial não é preparado, não é tecnicamente suficiente, não empreende
um trabalho juridicamente aproveitável e à contento, está mais exposto à
corrupção do crime organizado, é óbvio que o problema não é propriamente da
Polícia, enquanto Instituição e sim do Estado, incapaz, incompetente, comandado
por agentes pervertidos (estes sim), que preferem não investir justamente nos
pontos que o notável doutrinador já enumerou. A crítica à Polícia geralmente parte
sempre daquele profissional que se enfurna nos gabinetes refrigerados, seja para
trabalhar, seja para estudar e não convive com o drama realista que o pauperismo
estatal impõe.
Os críticos da Polícia ineficiente jamais ficaram sem combustível, munição, coletes
blindados, carros com proteção especial, escolta própria, computadores e pessoal
de apoio. E mais: os críticos do aparato policial certamente são bancados pelo
Estado para cursos de especialização, com viagens e estadias pagas, ou
mestrados e doutorados no exterior, portando autorizações especiais para gastos,
tudo devidamente patrocinado pelos cofres públicos. Em outras palavras
a
crítica torna-se muito fácil, quando da imperfeição estamos longe.
Trata-se de problemas conjunturais, facilmente sanáveis, caso o Estado não
prefira trilhar pela miopia a que está acostumado a enxergar: ao contrário de
ignorar a Carta Magna, ao conferir a um promotor ou a um juiz, o poder de
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instrução preliminar, deveria o Poder Público mexer-se com o fito de capacitar um
órgão profundamente desprestigiado pela sociedade que é a Polícia. Havendo
cursos, concursos, contratações, investimentos e, sobretudo, OS MESMOS
SALÁRIOS QUE AUFEREM OS CRÍTICOS DA POLÍCIA, certamente os agentes
policiais teriam condições para refutar as críticas com um trabalho de maior
qualidade.
A bem da verdade, não julgamos impossível a hipótese do Ministério Público
investigar crimes, de forma direta. Mas, para que esta hipótese fosse aventada em
nosso sistema constitucional garantista, deveríamos realizar não só emenda
constitucional como instituir o magistrado garantidor, que cuidaria especificamente
do controle dos procedimentos preparatórios, impondo balizas as ações
ministeriais. O QUE NÃO SE PODE PERMITIR É QUE UM ÓRGÃO COM O
GRAU CONSTITUCIONAL DE INDEPENDÊNCIA COMO O MINISTÉRIO
PÚBLICO POSSA LEVAR À CABO UMA INVESTIGAÇÃO UNILATERAL, SEM
NENHUMA LIMITAÇÃO. É, em outras palavras, franquear o arbítrio, desta vez
não abrutalhado, não ignorante, não popularesco, mas pior: um abuso com
extremado requinte de sofisticação, grau de escolaridade e de profissionalismo.
Tanto que ao MP não interessa cuidar de crimes de pequena e média monta, mas
apenas daqueles em que a imprensa certamente irá dar ampla cobertura.
A pergunta é simples: mais preparada, nos vários matizes de ordem técnica,
funcional e remuneratória, por que não pode a Polícia fazer frente ao crime
organizado, como o Ministério Público quer fazer parecer, a fim de descredenciá-
la? Com o prof. Aury Lopes Jr, comungamos num ponto: havendo juiz instrutor em
nosso modelo processual penal, previamente habilitado a jurisdicionar sobre a
investigação, conduzida seja pelo MP, seja pela Polícia, seria de sua atribuição,
no entender daquele renomado doutrinador:
Em síntese e seguindo a DRAGONE, ao juiz garante da instrução
preliminar incumbe:
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a) Função de garantia da liberdade pessoal e da liberdade das
comunicações.
b) Controle da duração da instrução preliminar e dos requisitos
formais da ação penal exercida pelo MP (na fase intermediária
contraditória).
c) Garantia da formação antecipada da prova no respectivo
incidente probatório.
d) Função de decisão e controle do resultado da instrução
preliminar na audiência contraditória que forma a fase
intermediária.
De outro lado, muito mais objetivo e realista, situa-se Jader Marques, advogado
criminalista em seu ensaio8 Da ilegalidade da investigação preliminar promovida
8 Assim, tem-se que a atividade preliminar, representada pela investigação só pode ser presidida por delegado de polícia.
AURY LOPES JÚNIOR, 2 ao dissertar sobre o assunto, faz severas críticas ao modelo que legitima a investigação
preliminar presidida pelo MP: Como parte acusadora, não pode assumir a investigação preliminar, sob pena de transformá-
la numa atividade puramente voltada para a acusação, com gravíssimos inconvenientes para o sujeito passivo. Por
derradeiro, o modelo causa sérios prejuízos para a defesa e gera a desigualdade das partes no futuro processo. Atribuir ao
MP a direção da investigação preliminar significa dizer que a fase pré-processual não servirá para preparar o processo,
informando à acusação, à defesa e também ao juiz, senão que será uma via de mão única: serve somente para a
acusação .
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA, 3 ao tecer comentários sobre o tema, cita decisão pertinente ao caso: Ministério
Público. Impedimento de seus Órgãos. Nulidade da Denúncia. O membro do MP que atua na fase inquisitorial, apurando
pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos arts. 252, I, e 258, do
CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada se inobservado esse aspecto . (EJTJAP, v. 1, n. 1, p. 91)
MARCELO CAETANO GUAZZELLI PERUCHIN 4 faz uma percuciente avaliação do tema, em seu ensaio intitulado Da
ilegalidade da investigação criminal exercida, exclusivamente, pelo MP no Brasil, no qual principia questionando: Seria
constitucionalmente válida uma investigação criminal realizada exclusivamente pelo Ministério Público? Seria ou não
exclusiva a atribuição da Polícia Judiciária para realizar atos de investigação criminal? O exercício do controle externo da
atividade policial, pelo MP, autorizaria a substituição da autoridade policial pelo órgão do Parquet na presidência do IP?
Consoante é consabido, a CF/88, ao dispor sobre o MP, em seu Título IV, Capítulo IV, Seção I (arts. 127 a 130), mais
especificamente no art. 129, VII, estabeleceu como uma de suas funções institucionais o controle externo da atividade
policial, nos seguintes termos: exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada
no artigo anterior . A mencionada lei complementar surgiu em 1993, qual seja a LC 75/93, a qual a seguir examinaremos.
Porém, cortejando-se o dispositivo constitucional citado com o art. 144, § 1º, IV e § 4º da mesma CF já é possível alcançar
uma importante leitura da matéria em questão. No primeiro deles, ao regular a instituição da polícia federal, disciplina a
Carta Maior: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se: ... exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (art. 144, § 1º, IV, da CF grifo
nosso). Logo adiante, no art. 144, § 4º, da CF, consta a seguinte previsão: Às polícias civis, dirigidas por delegados de
polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares (grifo nosso).
Portanto, é de clareza insofismável que a CF/88 previu a expressa exclusividade dos atos de investigação criminal à Polícia
Judiciária, não tendo feito qualquer ressalva no tocante à previsão de tal atribuição a nenhum outro órgão, nem mesmo ao
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pelo Ministério Público . Nele, reverbera contra o já conhecido salvacionismo
reacionário ministerial.
Passemos à análise da jurisprudência dos Pretórios Superiores. Nos julgados,
poderemos constatar tendência clara em se admitir diligência investigatória do
Ministério Público do Superior Tribunal de Justiça e outra forte reação em sentido
contrário, no Supremo Tribunal de Justiça. Deveremos nos abster de listar a
jurisprudência do STF, há que a transcrevemos em diversos momentos deste
trabalho, concentrando-nos na dicção do Superior Tribunal de Justiça:
RHC 15235 / RS ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0198812-4 HABEAS
CORPUS.
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO DO MP. DENÚNCIA GENÉRICA.
ATIPICIDADE. MATÉRIA MERITÓRIA. PRETENSÃO À TRANSAÇÃO PENAL. CONDUTA CUJA
PENA ULTRAPASSA O LIMITE LEGAL. TESE INSUBSISTENTE.
A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do
artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade
investigatória, bem como o material probatório produzido. Cuidando-se de crime societário, a
jurisprudência tem afrouxado o entendimento acerca dos termos do art. 41, do CPP, para permitir
uma descrição genérica dos fatos pela denúncia e submeter os detalhes da participação do
acusado à fase instrutória. O trancamento de ação penal exige a comprovação incontroversa do
direito do acusado e, do mesmo modo, em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de
cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva
plena, mesmo que ao argumento da atipicidade. Segundo a nova roupagem dos crimes de menor
potencial ofensivo instituída pelo parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/01, o direito à
transação penal se dá quando diante de conduta cuja pena privativa máxima prevista não exceda
MP, a quem foi incumbida a promoção da ação penal pública (art. 129, I), e o aludido controle externo da atividade policial
(art. 129, VII), dentre outras funções.
Dito isso, impende demonstrar-se que o exercício do referido controle externo pelo Parquet não se traduz nem poderia ser
constitucionalmente confundido
com substituição da autoridade policial na presidência do inquérito policial, atribuição
exclusiva desta, repita-se. O que se quer sustentar é que o exercício do controle externo da atividade policial, pelo MP, não
afasta, em absoluto, a exclusividade dada pela CF à Polícia Judiciária, para a realização da investigação criminal, no curso
do procedimento inquisitorial denominado IP, dentro do qual os atos (administrativos) processuais de investigação são
desenvolvidos .
A Segunda Turma do STF 5 vem decidindo que o MP não pode efetuar investigação criminal diretamente, por ser esta uma
atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos civis.
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dois anos, sendo indiferente a indicação de multa alternativa nos casos acima do patamar
reclusivo.
Recurso desprovido.
HC 30832 / PB ; HABEAS CORPUS 2003/0176205-2. HABEAS CORPUS. CRIME DE
RESPONSABILIDADE. PREFEITO. DL 201/67. ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA E
OCORRÊNCIA DE NULIDADES. INOCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE.
1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de
expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93.
É consectário lógico da própria função do órgão ministerial titular exclusivo da ação penal pública
-, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os
indícios de autoria.
2. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas.
Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.
3. Não há diferenciação típica entre o crime definido no art. 1º, inc. I, do Decreto-lei n.º 201/67 e o
disposto no art. 312, do Código Penal, porquanto ambos cuidam de apropriação ou desvio de bens
públicos ou rendas públicas, em proveito do agente ou de terceiros.
4. Se a modificação na classificação do crime pelo despacho que recebeu a denúncia, foi feita a
requerimento do Ministério Público, não há nulidade a ser reconhecida.
5. Em se tratando de elementar do crime de peculato, é perfeitamente admissível, segundo o texto
do art. 30 do Código Penal, a comunicação da circunstância da função pública aos co-autores e
partícipes do crime, inclusive quanto àquele estranho ao serviço público.
6. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas
corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca,
a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias
essas, in casu, não evidenciadas.
7. Ordem denegada.
HC 32339 / PR ; HABEAS CORPUS. 2003/0224970-6
HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO E FUGA DE PRESO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSÃO DE NULIDADE. INCOMPETÊNCIA
DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MÚNUS DA ATIVIDADE POLICIAL. INOCORRÊNCIA.
TITULARIDADE PLENA DO DOMINUS LITIS. ART. 129 DA CF.
A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do
artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade
investigatória, bem como o material probatório produzido. A promoção investigatória do órgão
acusatório, nos termos do comando constitucional, reveste-se de legalidade, sobretudo porque lhe
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é conferida, a partir dela, a indicação necessária à formação da opinião sobre o delito. Por outro
lado, a concepção vinculativa da atividade investigatória na figura da polícia judiciária contraria as
próprias bases do nosso ordenamento jurídico, porquanto o modelo pátrio se vincula ao chamado
sistema processual, no qual o inquérito é precedente do contraditório, isto é, representa atividade
inquisitorial à parte da ação penal, e não se sujeita às nuanças formais da ampla defesa.
Ordem denegada
RHC 10947 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2001/0001504-2
RHC. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO INSTAURADO PELO MP. ACUSAÇÃO A AGENTE
DA AUTORIDADE POLICIAL. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO.
1. Ao Ministério Público, em princípio, não compete a abertura e condução, com colheita de
provas, do inquérito policial, mas, apenas, a teor da norma constitucional do inc. VIII, do art. 129,
"requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de sua manifestação". Neste sentido, precedente do STF - RE 205.473-9.
2. Em se tratando, porém, de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos, cuja
autoria é atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é controlada externamente
pelo Ministério Público, in thesi, não existe nenhuma antinomia nesta atuação, cifrada na promoção
da investigação pela Promotoria de Justiça.
3. O objeto do controle externo da atividade policial é exercido, segundo prestigiosa corrente, entre
outras áreas, sobre a apuração de crimes em que são envolvidos os próprios policiais.
4. Compatível legalmente o procedimento investigatório, sua eventual irregularidade, por outro
lado, por invasão das atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público, em nada repercute
ou afeta a ação penal, mesmo porque o inquérito não é essencial ao oferecimento da denúncia,
dele podendo prescindir a acusação, caso, evidentemente, disponha de dados suficientes e
necessários à caracterização da materialidade e autoria da infração penal, segundo pacífico
entendimento pretoriano.
5. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.
Classe: RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
10947. Processo:
200100015042 UF: SP Órgão Julgador: SEXTA TURMA RHC. PROCEDIMENTO
INVESTIGATÓRIO INSTAURADO PELO MP. ACUSAÇÃO A
AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO.
1. Ao Ministério Público, em princípio, não compete a abertura e condução, com colheita de
provas, do inquérito policial, mas, apenas, a teor da norma constitucional do inc. VIII, do art. 129,
"requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de sua manifestação". Neste sentido, precedente do STF - RE 205.473-9.
2. Em se tratando, porém, de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos, cuja
autoria é atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é controlada externamente
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pelo Ministério Público, in thesi, não existe nenhuma antinomia nesta atuação, cifrada na promoção
da investigação pela Promotoria de Justiça.
3. O objeto do controle externo da atividade policial é exercido, segundo prestigiosa corrente, entre
outras áreas, sobre a apuração de crimes em que são envolvidos os próprios policiais.
4. Compatível legalmente o procedimento investigatório, sua eventual irregularidade, por outro
lado, por invasão das atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público, em nada repercute
ou afeta a ação penal, mesmo porque o inquérito não é essencial ao oferecimento da denúncia,
dele podendo prescindir a acusação, caso, evidentemente, disponha de dados suficientes e
necessários à
caracterização da materialidade e autoria da infração penal, segundo pacífico entendimento
pretoriano.
5. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.
RHC N.º 11670-RS
- PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSIÇÃO DE
AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE.
DENÚNCIA. DESPACHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO
OCORRÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE.
Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para
propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de
eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais,
submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (...) . (RHC n.º 11670-RS, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJ 04-02-02).
Classe: RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 4074
Processo: 199400333498 UF: PR Órgão Julgador: SEXTA TURMA
Data da decisão: 28/11/1994 Documento: STJ000081345
PROCESSUAL PENAL. IMPEDIMENTO MINISTERIO PUBLICO E JUIZ DE DIREITO.
I- A ATUAÇÃO DO PROMOTOR NA FASE INVESTIGATORIA - PRE-PROCESSUAL - NÃO O
INCOMPATIBILIZA PARA O EXERCICIO DA CORRESPONDENTE AÇÃO PENAL.
II - AS CAUSAS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO SÃO EXCLUSIVAMENTE AQUELAS
ELENCADAS "EXPRESSIS VERBIS" NOS ARTIGOS 252 E 254, DO PP. O ROL E TAXATIVO,
NÃO PODE SER AMPLIADO.
III - DESPICIENDAS AS ALEGAÇÕES DE IMPEDIMENTO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA E DO
JUIZ DE DIREITO, EIS QUE NÃO SE ENQUADRAM NAS PREVISÕES LEGAIS.
IV - PREJUIZO INDEMONSTRADO.
V - RECURSO IMPROVIDO.
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Classe: CA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES
22. Processo: 199100212628 UF: SP Órgão
Julgador: TERCEIRA SEÇÃO Data da decisão: 05/12/1991 Documento: STJ000018545.
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETENCIA.
I) CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE AUTORIDADE POLICIAL FEDERAL E
REPRESENTANTE DO MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INSTAURADO PORQUE O ULTIMO
ESTARIA TENTANDO USURPAR ATRIBUIÇÕES DO PRIMEIRO, AO SE IMISCUIR
INDEVIDAMENTE NA CONDUÇÃO DE INQUERITO POLICIAL.
II) LIMINAR CONCEDIDA EM CORREIÇÃO PARCIAL PELO JUIZ CORREGEDOR DO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO A PROCURADORIA DA REPUBLICA PARA ASSEGURAR-
LHE NÃO SOMENTE VISTA DOS AUTOS DO INQUERITO POLICIAL COMO TAMBEM
GARANTIR-LHE O PLENO EXERCICIO DE FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E RESERVADOS AO
"PARQUET" NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
E REQUISIÇÃO DE DILIGENCIAS INVESTIGATORIAS (ART. 129, VII E VIII), OBSTACULIZADO
PELO MM. JUIZ FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU.
III) DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO CORRECIONAL, PELO MM. JUIZ FEDERAL DE
PRIMEIRO GRAU, QUE SUGERIU A AUTORIDADE POLICIAL A ARGUIÇÃO DO CONFLITO.
INVIABILIDADE DO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, POR NÃO FIGURAR EM QUALQUER DE
SEUS POLOS UMA AUTORIDADE JUDICIARIA, RESOLVENDO-SE A PENDENCIA NO AMBITO
DISCIPLINAR DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.
IV) CONFLITO NÃO CONHECIDO.
STJ REsp 402.419 RO 6ª T. Rel. Min. Hamilton Carvalhido DJU 15.12.200312.15.2003
Desclassificação. Homicídio culposo. Estrito cumprimento do dever legal. Art. 284 do Código de
Processo Penal. Norma de exceção. Poder investigatório do MP. O art. 284 do CPP é norma de
exceção, enquanto permissiva de emprego de força contra preso, que não admite, por força de sua
natureza, interpretação extensiva, somente se permitindo, à luz do direito vigente, o emprego de
força, no caso de resistência à prisão ou de tentativa de fuga do preso, hipótese esta que em nada
se identifica com aqueloutra de quem, sem haver sido alcançado pela autoridade ou seu agente,
põe-se a fugir. Não há falar em estrito cumprimento do dever legal, precisamente porque a lei
proíbe à autoridade, aos seus agentes e a quem quer que seja desfechar tiros de revólver ou
pistola contra pessoas em fuga, mais ainda contra quem, devida ou indevidamente, sequer havia
sido preso efetivamente. O resultado morte, transcendendo embora o animus laedendi do agente,
era plenamente previsível, pela natureza da arma, pelo local do corpo da vítima alvejado e pelas
circunstâncias do fato, havendo o recorrido, em boa verdade, tangenciado o dolo eventual. Ao
direito penal se comete a função de preservar a existência mesma da sociedade, indispensável à
realização do homem como pessoa, seu valor supremo. Há de ser mínimo e subsidiário. O respeito
aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade,
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sendo manifesta a legitimidade do poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja
efetividade atende a uma necessidade social. Daí por que a ação penal é pública e atribuída ao
MP, como uma de suas causas de existência. Deve a autoridade policial agir de ofício. Qualquer
do povo pode prender em flagrante. É dever de toda e qualquer autoridade comunicar o crime de
que tenha ciência no exercício de suas funções. Dispõe significativamente o art. 144 da CR que A
segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio . Não é, portanto,
da índole do direito penal a feudalização da investigação criminal na polícia e a sua exclusão do
MP. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da
própria natureza do direito penal, da qual não se pode dissociar a da instituição do MP, titular da
ação penal pública, a quem foi instrumentalmente ordenada a polícia na apuração das infrações
penais, ambos sob o controle externo do Poder Judiciário, em obséquio do interesse social e da
proteção dos direitos da pessoa humana. Em nossa compreensão, é esse o sistema de direito
vigente. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra de seu art. 144, a
CR não fez da investigação criminal uma função exclusiva da polícia, restringindo-se, como se
restringiu, tão-somente a fazer exclusivo da Polícia Federal o exercício da função de polícia
judiciária da União (§ 1º, IV). Essa função de polícia judiciária
qual seja, a de auxiliar do Poder
Judiciário , não se identifica com a função investigatória, qual seja, a de apurar infrações penais,
bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado
no § 4º do art. 144 da CF, verbis: § 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares . Tal norma constitucional, por fim, define, é
certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. O
poder investigatório que, pelo exposto, se deve reconhecer, por igual, próprio do MP é, à luz
da disciplina constitucional, da espécie excecional, fundada na exigência absoluta de
demonstrado interesse público ou social. O exercício desse poder investigatório não é, por
óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que
couber, analogicamente, ao CPP, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos
fundamentais e da satisfação do interesse social, que impedem a reprodução simultânea de
investigações, reclamam o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e determinam a
obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao
impedimento, à suspeição e à prova e sua produção. Em figurando autoridade policial ou seu
agente como sujeito ativo do delito, levado a cabo a pretexto de cumprimento de dever legal, é
óbvia a legitimidade do Ministério Público, na dupla perspectiva da proteção dos direitos
fundamentais e da satisfação do interesse social, que mais se potencializam à luz do seu dever-
poder de exercer o controle externo da atividade policial (CR, art. 129, VII). (STJ
REsp 402.419
RO 6ª T. Rel. Min. Hamilton Carvalhido DJU 15.12.200312.15.2003)
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Conscientes da responsabilidade em se tratar um tema tão polêmico, sobre estas
mesmas teses desenvolvidas no seio do STJ, temos um contraponto elaborado
pelo magistrado Alexandre Dias Teixeira que, competentemente, discorre como
voz divergente à jurisprudência reinante em sentido oposto:
Apesar destes fortes argumentos em favor da presidência
das investigações por parte Ministério Público, ousaremos divergir
deste raciocínio para afirmar, assim como o fez o Desembargador
Silvio Teixeira, que a investigação é hoje ato privativo da Polícia
Judiciária, não importando com isso assumir, assim como alega o
digno Promotor, as vestes de quem pretende "Manietar o promotor
de justiça em sua atuação na área criminal(...)". Muito pelo
contrário, o anseio é reestruturar o sistema processual penal
brasileiro para: a) colocar cada operador do direito em seu devido
lugar (parece-nos óbvio que só o delegado de polícia e seus
agentes é que têm a habilidade profissional para promover a
investigação, já que foram treinados e preparados durante toda
uma vida para este tipo de trabalho; b) afastar toda e qualquer
possibilidade de usurpação das funções e c) repelir atos heróicos
isolados, os quais restaram exteriorizados em forma de chacota
recentemente pela mídia nacional.
Exteriorizada a decisão do Desembargador Silvio Teixeira,
apressaram-se cegamente aqueles que defendem as investigações
Ministeriais em rotulá-la de espantosa; quiçá teratológica. A
resposta veio em alto e bom tom já nos Embargos Declaratórios
interpostos perante a mesma 1ª Câm. Crim. do TJRJ, quando um
dos maiores processualistas deste Tribunal, o Desembargador
Jorge Alberto Romeiro Jr., relator designado, afirmou: "Dessarte,
se insistir nesse procedimento não autorizado ope legis, correrá o
órgão fiscal da lei o risco de vê-lo sujeitado, inclusive, ao vexame
de uma formal declaração de invalidade, conforme lição antiga de
nossa Suprema Corte: "É nulo o inquérito policial presidido por um
promotor público, notadamente para autorizar a prisão preventiva."
(Ac. STF, Pleno, de 28.05.1951, publ. DJU de 25.04.1955, Apenso,
pág. 1530)." (grifamos
Proc. nº 1996.059.00615, Embargos
Declaratórios nº 615/96, 1ª Câm Crim/TJRJ). Portanto, denota-se
na lição dada que o espanto era fruto do desconhecimento da
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posição da Suprema Corte nos últimos quarenta anos de sua
existência.
Analisando a decisão do STF, no HC nº 34.827, a qual foi
exaltada pelo Desembargado Romero Jr., e foi relatada por
ninguém menos que o Ministro Nelson Hungria, denontam-se os
seguintes alicerces: "Tenho para mim, Senhor Presidente, que,
embora permitida pelo art. 73, VIII, da Constituição de Alagoas, a
"Comissão Judiciária" a que se refere o recorrente, não é ela
compatível com o Código de Processo Penal, pois este não
autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da
competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela
judiciária e membro do M.P. na investigação do crime (...)" e mais
adiante concede a ordem "(...) reconhecendo a nulidade ex radice
do processo instaurado contra o paciente (...)". (HC nº: 31.827
Alagoas 31/01/1957).
Para os que analisaram a decisão, restaria ainda uma
possível argumentação em favor da investigação presidida pelo
MP: ora, esta decisão foi arquitetada sob a égide de Constituições
passadas, quando ainda não vigorava o art. 129 da atual Carta
Magna, o qual redimensionou significativamente o status do
Parquet! Não há dúvida que o Ministério Público, enquanto
Instituição saiu, para o bem geral da sociedade, por demais
fortalecida, entretanto, não há que se cogitar com menor clamor
que a função policial saiu igualmente robustecida e sedimentada
com a regra esculpida no § 4º, do art. 144 da mesma Carta.
Só quem está totalmente fora da realidade prática pode
afirmar que as investigações promovidas pelo MP serão mais
eficientes do que as de hoje. Aliás, bem se vê que ditos defensores
desconhecem que o Estado sequer fornece filmes para os
fotógrafos registrarem os locais de crimes ou mesmo a total
precariedade que se encontra, pelo menos no Rio de Janeiro, o
Instituto Médico Legal. Estes sim, os fatores que tem criado
dificuldades, e isto temos visto em nosso cotidiano, a escorreita
apuração dos indícios de autoria e materialidade de um crime. Ou
será que o simples fato do MP existir, por existir, por si só já
supriria tais carências materiais? É lógico que não.
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8. Considerações sobre a imparcialidade do membro do
Ministério Público e sobre o Princípio do Promotor Natural como
elementos incompatíveis à investigação ministerial.
Não sendo possível fazer-se com que aquilo que é justo
seja forte, faz-se com que o que é forte seja justo -
Blaise Pascal
Garantia imanente do Estado Democrático de Direito, o princípio do Juiz Natural
encontra-se gizado na Constituição da República, dentre os direitos e garantias
individuais do acusado, na ótica processual penal. Por Juiz Natural podemos
entender como a previsibilidade constitucional do julgador, pré-determinada aos
fatos que sejam postos em causa, por oportunidade da lide. De forma que o
princípio áureo subdivide-se em três garantias:
a) o magistrado deve estar devidamente investido nas funções judicantes, por
meio de aprovação em concurso público de provas e títulos, portando jurisdição,
compreendida como um dos elementos que destacam a soberania nacional e ser
constitucionalmente competente para julgar a lide que se apresenta;
b) deve também dirigir e acompanhar toda a instrução probatória, de modo que
suas decisões sejam consentâneas com o que viu, ouviu e se convenceu no curso
processual, ou seja, o acusado tem o direito de ser sentenciado pelo juiz que
presidiu a instrução probatória;
c) por exclusão, não haverá tribunal ou juiz de exceção, isto é, nomeado de forma
casuísta para presidir uma determinada causa ou um conjunto de lides ocasional.
A estrutura judiciária não comporta a criação de órgãos superficiais e efêmeros,
ainda mais casuístas.
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Assim sendo, resguardamo-nos de quaisquer arbítrios judiciais por meio da
consolidação do Juiz Natural no panteão dos direitos individuais e coletivos,
acobertado, por sua vez, pelas cláusulas pétreas que não permitem que a
organização jurídico-política regrida. E o Promotor Natural? Como entendê-lo, não
estando presente a figura do acusador natural na Carta Magna? E em que medida
o eventual princípio do Promotor Natural poderá ser aplicado ao caso da vedação
constitucional da investigação criminal pelo Ministério Público?
É bem verdade que a Lei Maior tanto omitiu a possibilidade do promotor público
investigar diretamente crimes, como a garantia institucional do membro do Parquet
em se ver consolidado naquelas mesmas prerrogativas apontadas acima e
tomadas de empréstimo do Juiz Natural. Todavia, a omissão nunca foi óbice para
a interpretação sistêmica do conjunto constitucional, ao contrário, a faina da
hermenêutica consiste justamente no entrelaçamento entre dispositivos análogos
de modo a despir-se da dúvida omissiva para ingressar na solução interpretativa.
Nesse exercício lógico-comparativo, podemos apontar, inicialmente:
1) goza o promotor público (assim como todo o Ministério Público), com a
independência funcional, engastada no art. 127, Parágrafo 1º, imprescindível ao
deslinde de suas funções na defesa do ordenamento jurídico e outros patrimônios
públicos: não é por outra razão que a nomeação de um promotor a fim de
substituir pontualmente aquele outro, já instalado nas atribuições determinadas no
quadro funcional, nos parece inconstitucional;
2) da mesma forma que o magistrado, tem garantido o promotor a
inamovibilidade constitucional, cuja topologia remete ao art. 128, II, b, da CF,
onde está vedado a remoção casuísta do servidor público: no lotacionograma
institucional, não poderá o Procurador-Chefe dispor dos membros da instituição tal
qual títeres, movendo e removendo uns e outros ao sabor de suas conveniências;
3) as atribuições ministeriais devem estar previamente aventadas em lei
complementar, como de fato estão, pela dicção do art. 128, Parágrafo 5º, num
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claro sinal de que o princípio da legalidade estrita (art. 37 da CF) é ainda mais
notabilizado quanto os poderes do Ministério Público;
4) o art. 10, IX, g da Lei 8625/93 confere ao Procurador-Geral de Justiça, por ato
excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro
membro da instituição, submetendo sua decisão ao Conselho Superior do
Ministério Público: ora, se está disposto que EXCEPCIONALMENTE, tem este
poder o Chefe do Parquet, devemos compreender que somente em casos em que
o promotor não observa o cumprimento de prazos, falta de empenho funcional,
favorecimento de uma das partes, entre outras graves e anormais situações, é que
poderá intervir o Procurador Geral. Sendo assim, acreditamos ser insofismável
que as atribuições de um promotor de justiça estão garantidas, consolidadas,
firmadas pela Constituição e pelas leis que gravitam o tema, não podendo de
forma casuísta, intervir o Procurador-Chefe nas tarefas do promotor público, até
porque a chefia do Ministério Público, em respeito à autonomia funcional, deverá
ser tomada apenas para efeitos administrativos;
Às evidências, os mais céticos apontam a existência dos arts. 419 e 448 do
Diploma Processual Penal, a afastar tese do Promotor Natural. Da mesma forma,
apontam a unicidade e autonomia do Ministério Público como claro signo de que
qualquer promotor responde pela opinião da Instituição, não se falando em
restrição prévia de atribuições ministeriais.
Art. 419. Se findar o prazo legal, sem que seja oferecido o libelo, o promotor incorrerá na multa de cinqüenta mil-réis, salvo se justificada a demora por motivo de força maior, caso em que será concedida prorrogação de 48 (quarenta e oito) horas. Esgotada a prorrogação, se não tiver sido apresentado o libelo, a multa será de duzentos mil-réis e o fato será comunicado ao procurador-geral. Neste caso, será o libelo oferecido pelo substituto legal, ou, se não houver, por um promotor ad hoc.
Art. 448. Se, por motivo de força maior, não comparecer o órgão do Ministério Público, o presidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, da mesma sessão periódica. Continuando o órgão do Ministério Público impossibilitado de
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comparecer, funcionará o substituto legal, se houver, ou promotor ad hoc.
Parágrafo único. Se o órgão do Ministério Público deixar de comparecer sem escusa legítima, será igualmente adiado o julgamento para o primeiro dia desimpedido, nomeando-se, porém, desde logo, promotor ad hoc, caso não haja substituto legal, comunicado o fato ao procurador-geral.
Os referidos artigos do CPP em absolutamente nada podem ser tomados como
refutação à tese do promotor natural. Percebemos, a olhos desarmados, que o
Procurador Geral de Justiça só poderá SUBSTITUIR o promotor encarregado, no
caso de desídia funcional, assumindo atribuições meramente administrativas em
substituição. Jamais a letra da lei aventa a possibilidade de avocação processual
pelo Chefe do Parquet, não podendo o Procurador Geral destituir o promotor
anteriormente lotado para atuar em determinada vara ou já designado para
especial função.
O Excelso Pretório começou a reconhecer a possibilidade da tese do Promotor
Natural, antes mesmo da Lei Orgânica a disciplinar as hipóteses deixadas para a
instrumentalização do MP, pela Constituição. Infelizmente, alguns Ministros
condicionaram a existência do Promotor Natural à dicção legal daquela Lei
Orgânica, na época, ainda não editada, conforme se depreende do HC 67759-2
RJ, julgado 06/08/92, cujo relator foi o ilustre Min. Celso de Mello:
HABEAS CORPUS
MINISTÉRIO PÚBLICO
SUA
DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL
A QUESTÃO DO PROMTOR
NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
ALEGADO
EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR
INOCORRÊNCIA
CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO
CARACTERIZADO PEDIDO INDEFERIDO.
O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao
sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de
designações casuística efetuadas pela Chefia da Instituição, a
figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma
garantia de ordem jurídica, destinado tanto a proteger o membro do
Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício
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pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria
coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em
quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique
a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em
lei.
A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas clausulas da
independência funcional e da inamovibilidade dos membros da
Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso
mesmo, o poder do Procurador-Chefe que, embora expressão
visível da unicidade institucional, não deve exercer a Chefia do
Ministério Público de modo hegemônico e inconstrastável.
Posição dos Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco
Aurélio e Carlos Velloso. Divergência apenas quanto à
aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural:
necessidade de interpositio legislatoris, para efeito de atuação do
princípio (Min. Celso de Mello), incidência do postulado,
independentemente de intermediação legislativa (Min. Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso).
Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do
Promotor Natural mediante lei (Min. Sidney Sanches). Posição de
expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos
votos dos Min. Paulo Brossard, Octávio Gallotti, Néri da Silveira e
Moreira Alves.
Mais recentemente, decidiu o STJ, em HC 11821-DF, cujo relator foi o Min. Gilson
Dipp:
CRIMINAL. HC. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. ESCOLHA SELETIVA
DE PROCURADOR PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA.
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE,
PROVIDO.
(...)
II. Há violação ao princípio do promotor natural, se evidenciado que
o Procurador-Geral da República escolheu seletivamente um dos
membros daquela instituição para oferecer denúncia, sem observar
a critério objetivo de distribuição dos feitos na Procuradoria.
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III. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para
anular o processo desde o ato ilegal da designação do Procurador
Chefe da Procuradoria Geral da República do Distrito Federal, com
o conseqüente retorno dos autos àquele órgão, para a distribuição
aleatória.
Das lições de Estanislau Tallon Bózi, que magistralmente encampou trabalho
sobre o tema, lê-se decisão do poder judiciário capixaba, ainda em juízo
monocrático, como prova de que não só as Cortes Superiores já acolhem a tese,
mas ser o Promotor Natural íntimo do quotidiano judicial brasileiro. Vejamos:
...Somente o promotor legal, o constitucional ou o promotor natural
é quem pode conceber essa opinião e atuar no processo. E isso
não é uma garantia para o Promotor de Justiça, mas para o
cidadão, vez que diz respeito à garantia do devido processo legal
(...), pois a formação da opinio delicti, é direito do cidadão que seja
feita por aquele Promotor de Justiça, que ocupa um cargo previsto
em lei, nomeado dentro dos critérios legais e que esteja
exercendo-o legalmente, nos limites espaciais de suas atribuições
sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal, inserto na
Constituição.
(...)
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de ilegitimidade ad
processum (art. 95, IV, CPP), e de impedimento especial, do art.
49, V, da Lei Complementar Estadual 95/97 e da Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei 8625/93, art. 323, V), oferecida
pelo acusado (...) e anulo, nos termos do art. 564, II, do CPP, os
atos praticados pelo excepto...(Ação Penal 015/98, 4ª. Vara
Criminal da Comarca de Cariacica, ES, Juiz José Rodrigues
Pinheiro, em 12/02/1999)
Afinal de contas
em que se relaciona o promotor natural com a vedação ao
poder investigativo do Ministério Público? Ora, se não há na norma orgânica
correspondente atribuição especial para cuidar-se da CONDUÇÃO de inquéritos
policiais, jamais poderá o Procurador Geral de Justiça designar promotores para
funções casuais que não são nem constitucionais, nem licitas. O deslocamento
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casuísta de promotores a fim de que tomem a frente de investigações pontuais é
uma afronta à garantia do promotor natural e um desrespeito ao servidor já
designado e previsto como natural para aquela causa.
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9. Considerações Finais - A quem interessa o controle do
Ministério Público e a limitação de suas atribuições? Quem tem
medo do Ministério Público? Uma falácia.
Temer não humilha tanto como ser temido. - Antonio
Porchia
Finalmente, o ultimo bastião que deverá cair por terra, desmistificando a tendência
repressiva do processo penal contemporâneo: a falácia terrorista dos membos do
Ministério Público. É certo que o Parquet está incumbido do mais nobre patrocinio
dos interesses coletivos da sociedade brasileira contemporânea, e também é
verdade que a criminalidade cada vez mais ganha contornos sofisticados e
profissionais, ajustando-se como engrenagem do crime sem fronteiras.
A ameaça de vulto que impele a sociedade para uma reação, faz confundir o
direito à defesa técnica, assegurando a observância restrita do regramento
constitucional, com a impunidade. Tal sensanção que não advém propriamente do
exercício da defesa, mas do pauperismo estatal, leva a sociedade à reações cada
vez mais desproporcionais, repressivas e paliativas. A crônica da incompetência
estatal se encerra com o desrespeito constitucional pela divisão estrita de
atribuições, como é o caso versado na presente obra. Não é por coincidência que,
nesta esteira de reação, assuma o Ministério Público na condição de defensor dos
direitos difusos (e a segurança é um deles), a bandeira da investigação direta.
Devidamente rechaçada a tese, resta por fim, o pior: a falácia. Ao questionar os
defensores da divisão clara e precisa de atribuições investigativas e acusatória,
distanciam-se alguns promotores do foco propriamente jurídico para trilharem
outros caminhos, desta vez perigosos, de descredenciamento pessoal e
axiológico dos defensores da limitação ao Parquet. Quem tem medo do Ministério
Público? A quem interessaria um Ministério Público fraco e inerte? Não seria a
tese da limitação de atribuição meramente um recurso de criminosos que
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gostariam de se verem livres do aparelho investigativo, mais sofisticado,
controlado por promotores ou procuradores?
Evidentemente, tais argumentos de cunho meramente ideológico pressionam,
como de fato têm pressionado, a opinião pública que, sofrendo com a violência,
com o descaso, com a incompetência estatal, embarca no sofisma ministerial para
proclamar a turba amedrontada: todo poder ao Ministério Público . Ora, se o
grande traficante substituiu o poder público no gerenciamento de zonas urbanas
inteiras, poderá muito bem o Ministério Público substituir a polícia fraca e
desarticulada no combate ao crime organizado. Portanto, rei morto, rei posto.
É deveras sedutora a ideologia que mascara a discussão que tem um único e
claro objetivo aos menos míopes: instrumentalizar uma Instituição (e apenas isso,
mais uma instituição) de poder. O debate é essencialmente político, com cores
jurídicas. Lembre-se de tantos outros, ainda na República Romana, que em nome
da segurança do Estado, vitimou inúmeros partidários de um cônsul, um pretor,
um senador. Ainda em nome da segurança, assistimos impassíveis o avanço do
fascismo europeu que inadmitia o descontrole, buscando fortalecer corporações e
esquartejar o individualismo. Anote-se, por fim, que é praxe de regimes totalitários
o redobrar de prestígio à instituições persecutórias, conferindo-lhes atribuições
estranhas aos seus princípios. Remate-se que o casuísmo com que é tratado o
direito processual é o sintoma mais notório da mente fascista.
Compreendendo que o PROCESSO é instrumento do fraco, contra o Estado,
Compreendendo que o PROCESSO é manifestação política do oprimido,
Compreendendo que o PROCESSO deve existir, para limitar, abusos,
Sustentamos que a ingerência ministerial nas investigações criminais e tantos
outros mecanismos de usurpação constitucional não nos torna mais seguros. Com
o peito aberto, na convicção inabalável de que o processo não serve à força e
nem ao autoritarismo, deixamos aqui consignada a nossa irresignação pacífica,
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desmascarando a discussão travestida de argumentos jurídicos, para sustentar
claro posicionamento político em defesa da Constituição.
Medo de retaliação? Talvez. E é exatamente esse o problema: quando um
cidadão (mesmo o criminoso confesso) chega a ter medo do Ministério Público,
alguma coisa está profundamente errada. A quem serve o controle dos poderes,
incluindo os ministeriais
à sociedade democrática, é a mais elementar resposta.
Quem tem medo do Ministério Público? Os libertários que sempre temerão a
ditadura.
Deixo, à guiza de conclusão, o meu respeito pelo Parquet, tanto estadual como
federal, mas vai aqui uma repreensão jurídico-constitucional devidamente
rubricada, com o espírito desarmado. Ficar apócrito e anônimo num tema como
estes, seja para louvar a iniciativa investigativa ministerial, seja para criticá-la
ferrenhamente, seria sonegar o exercício democrático da expressão. À Carta de
1988, devemos o direito de irresignação e ousamos exercitá-lo na plenitude, em
defesa de uma ótica libertária que entendemos ser o espírito consentâneo do
ordenamento constitucional.
Repisamos: devemos limitar o poder. E não devemos, nem podemos deixar de
empunhar esta bandeira. Jamais trocaremos a liberdade, pela segurança.
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10. Conclusões: tese, antítese e síntese: opção política sobre uma
visão constitucional garantista.
A verdade deve impor-se sem violência - Tolstoi
I. Não há, no sistema processual pátrio, juízo de instrução, pelo qual o titular da
ação prepararia documentos, depoimentos e outras provas para apresentar a
denúncia num segundo momento. O sistema constitucional vigente é bifásico e
autônomo, diverso, portanto dos da França, Portugal, Espanha e Alemanha. A
preparação investigatória da ação penal compete, em regra, à polícia judiciária e
não ao Ministério Público: em nosso sistema, quanto mais fracionamentos entre a
fase de investigação, apresentação da ação, requisição de medidas cautelares e
instrução processual, mais saudável à garantia constitucional do devido processo
legal e imparcialidade do acusador e julgador;
II. Incumbe ao Ministério Público da União ou dos Estados, promover a ação penal
pública, baseada ou não em um Inquérito Policial, sendo este prescindível ou
dispensável, quando chegue a notícia ao órgão ministerial já munida de elementos
suficientes que justifiquem a ação penal. Quando o Ministério Público saiba da
ocorrência de um crime, não devidamente esclarecido, deverá requisitar a
instauração de um Inquérito Policial, sob pena de ver-se suspeito e interessado
diretamente no resultado do procedimento preliminar. Convém não deslembrar
que é puro sofisma a diferenciação entre Inquérito Policial e Procedimento
Administrativo Preparatório, sendo que ambos buscam colher o lastro probatório
adequado à justa causa para a admissibilidade de uma ação penal. O único
escopo da diversidade dos termos é uma tentativa frustrada de compatibilizar os
termos constitucionais com a suposta atribuição investigativa do Ministério
Público;
III. Não há, tanto na Constituição da República, como em nenhuma legislação
infraconstitucional, nem mesmo a Lei Orgânica do Ministério Público, hipótese
expressa de promoção concorrente ou privativa de diligências investigativas ou
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mesmo a formação de um Inquérito Policial completo. Em outras palavras e
recorrendo à história constitucional, o legislador fez uma opção jurídico-política
intencional e consciente em não conferir ao Parquet qualquer atribuição na
investigação criminal;
IV. Pela dicção expressa, clara e objetiva da Carta Magna, compete às polícias
presidir e conduzir um Inquérito Policial, inaugurado por meio de requerimento,
portaria, auto de prisão em flagrante ou mesmo de requisição de magistrado ou do
Ministério Público, que juridicamente não pode ser negada. O fato de não poder
ser negada e ser o inquérito indisponível quer demonstrar claramente que não
resta ao Ministério Público outra alternativa que não requisitar procedimento
investigatório que queira ver levado à cabo. O fato de poder o promotor baixar os
autos para novas diligências que, da mesma forma, não podem ser negadas, é
outro sinal claro e preciso de que não pode o próprio membro do Parquet conduzir
investigação criminal;
V. Não pode exorbitar o Ministério Público o que a lei não permitiu expressamente,
ainda que com objetivos notoriamente éticos e empenhados no combate ao crime
organizado. Por duas oportunidades consecutivas, o Parlamento Brasileiro negou
a hipótese de poder o Ministério Público ter mais uma atribuição que é
conduzir/presidir inquéritos penais. Jamais a sociedade deverá abdicar das
garantias constitucionais da liberdade, do devido processo, do promotor natural,
em nome ao combate ao crime organizado
o Estado deve ter a competência
para aparelhar a polícia de forma inteligente e eficiente, de modo a evitar a
exorbitância de outra Instituição, por mais séria e ética que seja ela, como é o
caso do Ministério Público;
VI. Constitui-se, portanto, crime de usurpação de função pública, ao conduzir o
promotor de justiça ou procurador de justiça, um inquérito penal, onde a atribuição
pública pela presidência é da autoridade policial, não exclusiva mas
privativamente, ainda que a expressão não venha consignada desta forma na
Carta Magna. Infelizmente, um promotor jamais denunciará um colega pela
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usurpação criminosa: justamente por esse tipo de postura corporativa e tantas
outras, oriundas de promotores desequilibrados e seduzidos pela fama de
noticiários policialescos, é que o Ministério Público, como qualquer outra
instituição, deve sofrer um controle externo. Ao ímpeto policial, à ânsia pela fama
e ao desejo pela perseguição, nada melhor do que o controle externo, alheio ao
corporativismo típico de instituições fechadas e anti-democráticas. Afinal, quem
tem medo do controle externo?;
VII. Convém ao Ministério Público, cioso da defesa da sociedade por meio do
incremento do aparelho preventivo e repressivo de combate ao crime, pressionar o
Poder Executivo e Legislativo a fim de aparelhar eficientemente a polícia civil para
prevenir e combater o crime organizado e não se arrogar de mais uma atribuição
que o legislador não quis lhe conferir; convém não usar do falacioso e puritano
argumento de que a polícia se corrompe mais facilmente, e que a instituição do
Parquet seria imune às tentativas de infiltração do crime organizado
não é
argumento válido por seu cunho discriminatório e míope, na medida em que um
delegado de polícia não tem os mesmos subsídios de um promotor de justiça ;
VIII. Quando atuar o promotor de justiça presidindo ou conduzindo o inquérito
concorrentemente, as provas produzidas serão inválidas a sustentar futura ação
penal, passível de habeas corpus para o seu trancamento, sendo constragimento
ilegal a perspectiva de punição viciada por provas colhidas pela própria parte no
processo penal, ainda em fase indiciária. As provas não são nulas por não terem
passado pelo crivo do contraditório, pois o inquérito é essencialmente inquisitivo,
mas são nulas por terem sido colhidas inobservando o devido processo legal, por
servidor público que não tinha nenhuma atribuição em conduzir/presidir tal
procedimento. Eventualmente, as provas poderão ser convalidadas, se
apresentadas por autoridade competente;
IX. Além de ser inválida a prova, o promotor de justiça que atuou diretamente no
inquérito policial está impedido de pleno direito, sendo nula a condução da ação
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penal conseqüente e as provas lastreadas por esse tipo ignominioso de
procedimento inquisitivo;
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ANEXO I INFORMATIVO 307 DO STF COM O VOTO DISCUTIDO - TRANSCRIÇÃO
RHC 81.326-DF*
RELATOR : MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE.
1. PORTARIA. PUBLICIDADE
A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ.
Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.
2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE.
A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).
A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial.
Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.
Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes.
O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa.
Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria.
Recurso conhecido e provido.
Relatório: O recorrente MARCO AURÉLIO VERGÍLIO DE SOUZA, Delegado de Polícia, foi notificado pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, para comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido no Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo - PAIS, através do ofício 313/00 de 11 de abril de 2000 (fls. 03 e 57).
Este procedimento tem por finalidade apurar fato que, em tese, configura crime, não esclarecido.
Contra essa requisição, o recorrente impetrou HABEAS no TJ/DF (fls. 03).
O mesmo foi indeferido (fls. 56).
O recorrente impetrou HABEAS substitutivo de recurso ordinário no STJ (fls. 02/18).
O STJ indeferiu (fls. 95).
Está na ementa:
............................
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Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia.
............................. (fls. 95).
Contra essa decisão, interpôs o presente recurso (fls. 98/115).
Nele, reproduz os argumentos deduzidos no HABEAS do STJ.
Está nas razões:
............................
No ofício notificação (Ofício nº 313/00-NICCEAP, do MPDF, de 11.04.2000, que veio desacompanhado de contrafé, e sem os requisitos do art. 352, do CPP, está evidentemente implícito, o crime de desobediência (art. 352, CPP) e a condução coercitiva (art. 218, CPP), posto que requisita a apresentação do corrente.
... a Portaria n. 799, de 21.11.96, do chefe do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, que criou e instalou o NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, não foi publicada no diário oficial, contrariando os seguintes dispositivos legais que preconizam o PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE: Art. 37, caput, CF; Art. 5º, I, h , LC 75/93; Art. 5º, V, b , LC 75/93; Art. 1º, LICC, DL 4657/42; Art. 6º, LICC, DL 4657/42.
.............................
... a nossa tese é no sentido de que o Parquet não pode realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial
... (fls. 100 e 105).
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contra-razões (fls. 119/127).
Leio:
............................
... o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público Federal e Territórios que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo.
... deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso.
.............................
A intenção da defesa, ao alegar a ausência de publicidade da portaria que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial, é anular a notificação feita pelo membro do Parquet para que o Paciente comparecesse à sede do MPDFT para ser ouvido.
... independentemente da legalidade ou ilegalidade da portaria em questão, a Lei Complementar nº 75/93 permite aos membros do Ministério Público da União expedir notificação e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar... (art. 8º, VII).
... amparado o ato notificatório em Lei Complementar, torna-se inócua a discussão a respeito da publicidade da portaria de criação do núcleo de controle da atividade policial.
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Com relação aos poderes investigatórios do Ministério Público, ressalta-se que o inquérito policial tem como destinatário o membro do Parquet, porquanto o Ministério Público é o titular da ação penal pública.
... pode o Parquet notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a entidades privadas; realizar inspeções e diligências investigatórias, expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar (incisos I, II, IV, V, VI, VII, do art. 8º, da LC 75/93).
A Constituição Federal, art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Esta atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor.
A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas atividades, possa colher elementos embasadores de uma ação penal.
Entender-se que a investigação dos fatos delituosos é atribuição exclusiva da polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornando as polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titulares da ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciar aqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir, em última análise, em quais casos, quando e como, o Ministério Público poderia agir.
............................. (fls. 120/122).
A PGR opinou no sentido do não provimento do recurso (fls. 142).
É o relatório.
Voto: O RECURSO tem por objetivo modificar a decisão do STJ que reconheceu validade à requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO/DF.
Essa requisição pretendia fazer o RECORRENTE comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo (PAIS).
Analiso os fundamentos.
FALTA DE PUBLICIDADE DA PORTARIA.
A falta de publicidade da Portaria nº 799, de 21 de novembro de 1996, que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do MINISTÉRIO PÚBLICO, embora suscitada perante o STJ, não foi examinada (fls. 03 e 24).
Leio, no parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO:
............................
...o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo.
... deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios, para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso.
............................. (fls. 120).
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Confirmo no Voto do Relator, Ministro GILSON DIPP:
............................
Trata-se de habeas corpus contra decisão do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que denegou ordem impetrada em favor do paciente, visando ao trancamento do procedimento administrativo contra ele instaurado pelo Ministério Público local, para a apuração de crime que, em tese, o paciente teria cometido.
Em razões, reitera-se alegação de ausência de justa causa para constranger o paciente e comparecer ao Núcleo de Investigação a fim de depor. Sustenta-se, da mesma forma, que o procedimento instaurado pelo Ministério Público seria inconstitucional, afrontando ao Princípio do Devido Processo Legal, eis que a apuração do fato caberia à Polícia, por meio de inquérito policial.
............................. (fls. 85).
O RECORRENTE não lançou mão dos embargos para sanar a omissão.
Ressuscitar a matéria, agora, caracterizaria supressão de instância.
Precedentes: HC 66.825, CARLOS MADEIRA; HC 71.603, HC 73.390 e HC 70.734, CARLOS VELLOSO; HC 76.966, MAURÍCIO CORRÊA; HC 79.948, NELSON JOBIM e HC 81.458, SEPÚLVEDA PERTENCE.
Ocorreu a preclusão.
FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Quanto à falta de legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para realizar diretamente investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório, com fim de apurar crime cometido por funcionário público, no caso DELEGADO DE POLÍCIA, a controvérsia não é nova.
Faço breve exposição sobre sua evolução histórica.
Em 1936, o Ministro da Justiça VICENTE RÁO, tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução.
A Comissão da Segunda Secção do Congresso Nacional do Direito Judiciário, composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLÍNIO CASADO e pelo Professor GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal.
Ela, entretanto, não vingou.
Na exposição de motivos do Código de Processo Penal o Ministro FRANCISCO CAMPOS ponderou acerca da manutenção do inquérito policial.
Leio, em parte, a ponderação:
"............................
... O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. ...".
Prossigo.
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A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua autoria (CPP, art. 4º).
O inquérito policial é o instrumento de investigação penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA.
É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação penal.
A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia.
Nesse sentido, leio em ESPÍNOLA FILHO:
"... a investigação da existência do delito e o descobrimento de vários participantes de tais fatos, reunindo os elementos que podem dar a convicção da responsabilidade, ou irresponsabilidade dos mesmos, com a circunstância, ainda, de somente nessa fase se poderem efetivar algumas diligências de atribuição
exclusiva
da
polícia, ..." (grifei)
Com essa orientação, há precedente de NELSON HUNGRIA, neste Tribunal (RHC 34.827).
Leio, em seu Voto:
................................. o Código de Processo Penal ... não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do M.P. na investigação do crime ...
.............................. .
Até a promulgação da atual Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional.
A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido.
Ao final, manteve-se a tradição.
O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal.
A Constituição Federal assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, § 4º).
Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da Constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 7º e 8º).
Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII)
Ainda assim, a matéria estava longe de ser pacificada.
Leio:
.............................
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... Proposta de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso Nacional brasileiro, relacionada com a questão do controle externo da atividade policial, ... a de n. 109, também de 1995, de autoria do Deputado Federal Coriolano Sales, que se propõe a alterar a redação dos incs. I e VIII, do art. 129, da Constituição da República. A exemplo da anterior, em 03 de junho de 1997, esta também foi apensada à Proposta de Emenda Constitucional 059/95.
Com a alteração da redação do inc. I, do citado art. 129, da Constituição da República, a Proposta pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma das funções institucionais do Ministério Público.
..............................
Em março de 1999, o Senador Pedro Simon apresentou nova Proposta de Emenda Constitucional, sob o n. 21, acrescentando parágrafo único, ao art. 98, da Constituição da República, disciplinando que nas infrações penais de relevância social, a serem definidas em lei, a instrução será feita diretamente perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.
Prossigo eu.
O Tribunal enfrentou a matéria (RE 233.072, NÉRI DA SILVEIRA).
Na linha do Voto que proferiu na ADIn 1.571, o Relator entendia que o MINISTÉRIO PÚBLICO tinha legitimidade para desenvolver atos de investigação criminal.
Divergi.
Leio, em parte, o que sustentei em meu Voto.
.............................
... quando da elaboração da Constituição de 1988, era pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição e foi rejeitado.
... o tema voltou a ser discutido quando, em 1993, votava-se no Congresso Nacional a lei complementar relativa ao MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO e ao MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS, em que havia essa discussão do chamado processo de instrução que pudesse ser gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
Há longa disputa entre o MINISTÉRIO PÚBLICO, a POLÍCIA CIVIL e a POLÍCIA FEDERAL em relação a essa competência exclusiva da polícia de realizar os inquéritos.
Lembro-me que toda essa matéria foi rejeitada, naquele momento, no Legislativo ...
.............................. .
Acompanharam-me os Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO, compondo a maioria.
Redigi o acórdão.
Está na ementa:
............................
O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem
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possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido.
A polêmica continuou.
O CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA, concedido ao MINISTÉRIO PÚBLICO pela Constituição foi regulamentado pela Resolução nº 32/97, do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
A Constituição Federal dotou o MINISTÉRIO PÚBLICO do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII).
A norma constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito penal.
Nem a Resolução 32/97.
Não cabe, portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.
Mas, requisitar diligência à autoridade policial.
Nesse sentido, decidiu a Segunda Turma (RECR 205.473, CARLOS VELLOSO).
Leio na ementa:
.............................
I. - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.
..............................
Do Voto de VELLOSO destaco:
.............................
... não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal, não lhe compete assumir a direção de investigações tendentes à apuração de infrações penais (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º).
..............................
Prossigo.
O RECORRENTE é DELEGADO DE POLÍCIA.
Autoridade administrativa, portanto.
Seus atos administrativos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria etc.
DECISÃO.
Dou provimento ao RECURSO.
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Anulo a requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por faltar-lhe legitimidade.
Em conseqüência, anulo o próprio expediente investigatório criminal instaurado por ele, para ouvir o RECORRENTE.
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ANEXO II
JURISPRUDÊNCIA DO TRF-1 PELA POSSIBILIDADE INVESTIGATIVA
TRF 1ª R. HC 2002.01.00.030162-8 DF 4ª T. Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz DORJ. 19.11.2002 DELEGADO DE POLÍCIA
NOTIFICAÇÃO DE COMPARECIMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
HABEAS CORPUS
CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
INCONSISTÊNCIA DA
POSTULAÇÃO 1. Não constitui constrangimento ilegal o ato de representante do MP que, no exercício da atribuição conferida pelo art. 129, VII da CF/1988, invocando os arts. 8º, I e 9º da LC 73/1993, e em consonância com as normas internas da repartição, requisita a notificação de delegado de polícia ao respectivo Superior hierárquico, sem impor cominação em caso de inatendimento. 2. Também não o constitui a instauração de procedimentos investigatórios, no âmbito interno da repartição, para tornar efetiva a competência outorgada pelo citado dispositivo da Lei maior, como função institucional do Ministério Público. 3. A Portaria nº 799, de 21.11.1996, que cria e instala o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e que não foi invocada como fundamento da notificação impugnada, é ato interno da repartição, independendo de publicidade em Diário Oficial, até porque não se destina a traçar normas de conduta para os administrados. 4. Ordem denegada.
TRF 1ª R. HC 2002.01.00.030162-8 DF 4ª T. Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz DORJ. 19.11.2002 ACÓRDÃO Decide a Turma, por maioria, denegar a ordem. 4ª Turma do TRF da 1ª Região 19.11.2002. Des. Fed. HILTON QUEIROZ Relator RELATÓRIO Des. Fed. HILTON QUEIROZ (Relator): Cuida-se de HC que o delegado de polícia Geraldo Luiz Nugoli Costa, matrícula 234265, lotado no DOE
Departamento de Operações Especiais da Polícia Civil/DF, através de advogado, impetra contra o representante do MPDF e Territórios.
Narra o impetrante que foi notificado pelo impetrado para comparecer, na data de 9 de abril de 2002, às 13 horas, no Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo de Atividade Policial, para ser ouvido nos autos do procedimento administrativo investigatório e supletivo, que tem como referência o Ofício nº 41/2002 núcleo (Ref. REQ 001892/01-1), do citado núcleo, que apura fato, em tese, configurado como infração penal. Aduz que o MP se baseia na Portaria nº 799, de 21.11.1996, do Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que não foi publicada no Diário Oficial e, por falta de publicidade, não poderia servir de lastro para essa notificação. Afirma que o MP exerce o controle externo da atividade policial, mas que isso não o autoriza a promover inquéritos policiais, nem pode usurpar função de polícia; que, destarte, a atuação do MP fere o princípio do devido processo legal; que a notícia de possível crime deve ser encaminhada à autoridade competente, com requisição para instauração de inquérito policial; que não há falar em crime de desobediência, quando pairam dúvidas quanto à legalidade da ordem a ser cumprida; que a testemunha não está obrigada a depor sobre fatos que possam incriminá-la; que a atuação do MP substituindo a polícia, procedendo diretamente à investigação e formalizando a denúncia, com o afastamento da impessoalidade da acusação, caracteriza-se verdadeira acusação de exceção, com violação ao princípio do promotor natural. Postula a ordem, a fim de que seja suspensa a notificação para comparecer, à vista da ilegalidade do ato impugnado, trancando-se, conseqüentemente, o procedimento investigatório.
O pleito foi endereçado ao Desembargador Presidente do TJDF e Territórios, mas aquela Corte de Justiça declinou de sua competência para este Tribunal, a cuja jurisdição considerou que, no caso, está o impetrado submetido. Os respectivos autos foram-me distribuídos, e, considerando que neles indeferida a liminar, tinham sido prestadas as informações (fls. 160 verso e 19/58), determinei a oitiva da douta PRR/1ª Região, que se manifestou pela perda do objeto, à conta de haver passado o prazo da notificação (fls. 163/164). Todavia, uma vez que, além do não-comparecimento à presença do notificante, o impetrante postulara a nulidade do procedimento instaurado pelo MP, instei por novo pronunciamento da Procuradoria, que opinou, então, pela denegação da ordem (fls. 169/173). É o relatório.
VOTO Des. Fed. HILTON QUEIROZ (Relator):
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A Portaria nº 799, de 21.11.1996, que cria e instala o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do MPDF e Territórios, é ato interno da Repartição, independendo de publicidade em Diário Oficial, até porque não se destina a traçar normas de conduta para os administrados. A notificação questionada invoca, como fundamento, não a aludida portaria, mas os arts. 8º, I e 9º da LC 75, de 20.05.1993 (cf. fl. 13). Correto, pois, o opinativo ministerial da lavra do eminente Procurador Regional da República, Dr. MARINHO MENDES DOMENICI, que, no ponto, assim se manifestou:
5. A irresignação da impetrante quanto à ausência de publicação da Portaria nº 799/96 e de contrafé que acompanhasse a notificação ministerial não merece agasalho, vez que sedimentado o entendimento pretoriano no sentido de que desnecessárias. Tem-se abraçado a tese de que, pelo caráter meramente administrativo da mencionada portaria, sua publicação não é medida que se impõe, vez que não tem repercussão ou conseqüência jurídica externa.
6. Nesse sentido, transcreve-se a seguinte ementa do eg. TJDFT, a saber: Habeas corpus preventivo. Núcleo de investigação e controle externo da atividade policial do MPDF e Territórios. Instituição por portaria. Ausência de publicação. Ato investigatório. Notificação desacompanhada de contrafé. A Portaria nº 799/96 instituidora do núcleo de controle externo da atividade policial do MPDF e territórios tem repercussão interna corporis uma vez que atribuições conferidas ao MP decorrem da CF (art. 129, VII) e da LC 75 (art. 8º) e não da portaria que serviu apenas como instrumento de exteriorização das atividades do MPDFT razão pela qual a ausência da sua publicação não lhe subtrai a eficácia. Não há nulidade na notificação por ter sido efetivada desacompanhada de contrafé, uma vez que esse procedimento é exigido para o cumprimento de mandados de citação, sendo dispensado para notificações. Indeferir a ordem. Decisão por maioria. (TJDFT, HC 20000020019014/DF, Acórdão nº 127875, 2ª T. Cr., Relª Desª APARECIDA FERNANDES, DJ 16.08.2000, p. 34 até 31.12.1993 na Seção 2, a partir de 01.01.1994 na Seção 3) 7. Seguem essa orientação os Acórdãos nºs 115827 (HC 19990020013235), 118208 (HC 19990020013332) e 127655 (HC 20000020007730) do mesmo Tribunal. (fl. 171) Além disso, a referida notificação tem o seguinte teor: Requisito a Vossa Senhoria, nos termos dos arts. 8º, I, e 9º, da L C 75/93, sejam notificados o delegado de polícia Geraldo Luiz Nugoli Costa, lotado na DOE e o agente de polícia Ricardo Cardoso, lotado na DOA, para que compareçam neste Núcleo de Investigação, no dia 09.04.2002, às 13 horas e 30 minutos, respectivamente, a fim de prestar declarações acerca dos fatos objeto do expediente em epígrafe, na qualidade de suspeitos da prática de crime de abuso de autoridade. (fl.13) Da sua leitura, percebe-se não conter cominação de medidas coercitivas, em caso de inatendimento. Destarte, o seu destinatário poderia até omitir-se, se é que o não fez, caindo o ato no vazio, sem dano resultante. Saliente-se que o MP, por força de atribuição constitucional (art. 129, VII, CF/1988), exerce o controle externo da atividade policial, sendo lícito, portanto, que possa promover as investigações necessárias a tornar efetiva sua competência. Isto posto, denego a ordem, por não caracterizado constrangimento ilegal. É o voto.
VOTO-VOGAL (VENCIDO) Des. Fed. CARLOS OLAVO: Senhor Presidente, vou pedir vênia a Vossa Excelência para discordar. O delegado é uma autoridade policial. Está administrativamente sujeito a uma hierarquia. O Secretário da Segurança responde por seus atos e infrações administrativas perante o Corregedor-Geral de Polícia e, quando incorre em prática delituosa, submete-se ao inquérito instaurado pela Corregedoria-Geral de Polícia. Existe, na hierarquia policial, um órgão que apura e instaura o inquérito para a verificação da responsabilidade de uma autoridade policial ou de qualquer outro agente policial. Dessa forma, sob o aspecto, digamos assim, moral da instituição, de defesa do seu prestígio, afasto o dever, o direito ou a atribuição do MP de instaurar inquérito contra um delegado.
Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Permita-me Vossa Excelência, mas não se está instaurando um inquérito.
Des. Fed. CARLOS OLAVO: Não. Mas é uma autoridade policial que não pode ser. Não existe hierarquia.
Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Compete ao MP, nos termos do art. 129, VII, da CF, exercer o controle externo.
Des. Fed. CARLOS OLAVO: Sim, chegarei lá, Senhor Presidente.
Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Na forma da lei complementar mencionada.
Des. Fed. CARLOS OLAVO: Indago a V. Exa. o que é controle externo. Controle externo é a atribuição que tem o MP de verificar o comportamento policial na investigação. Então, há interferência.
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Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Se estiver cometendo um abuso de autoridade, quem denuncia?
Des. Fed. CARLOS OLAVO: Instaurado o inquérito, pela própria polícia ou pelo corregedor, a denúncia é feita sempre pelo MP.
Des. Fed. HILTON QUEIROZ: E se a prova for pré-constituída e dispensar até o inquérito?
Des. Fed. CARLOS OLAVO: Não vem ao caso. Não vislumbro competência do MP para instaurar procedimento, seja administrativo ou outro nome que V. Exa. queira dar, para ouvir um delegado. Não há autoridade administrativa nem hierárquica. É um superior, e existe uma ação penal para que ele possa ser intimado. Ele só pode ser judicialmente intimado pelo juiz, no caso de um processo criminal.
Então, o promotor de justiça não é autoridade judiciária. O delegado está sujeito administrativamente e responde pelos seus atos perante o corregedor, pelos seus superiores hierárquicos. Parece-me que essa medida cria constrangimento, porque se trata de uma autoridade policial que, afinal de contas, sente-se diminuída em comparecer perante um promotor, a quem não deve obediência hierárquica nem satisfação, já que não tem que dizer nem a verdade, porque não está diante da autoridade judiciária.
Então, não vejo a mínima razão para que um promotor intime um delegado a fim de verificar se ele praticou crime de responsabilidade criminal. A L. 4.898, que trata de responsabilidade, tem o seu rito. A parte que sofreu uma violação, ou o próprio promotor, comunica à autoridade ou ao superior hierárquico do delegado ou do policial, para que ele seja afastado imediatamente de suas funções. A L. 4.898 foi criada nos primórdios do regime militar e foi promulgada em razão dos excessos que eram praticados nessa época; é a Lei Castelo Branco, que era o então Presidente da República. Há todo um rito para que o delegado responda aos seus excessos e às suas práticas delituosas em IP. Posteriormente, poderá ser até denunciado pelo MP, mas não vejo a mínima possibilidade de um delegado ser intimado por um promotor para prestar esclarecimento acerca da conduta que teve no exercício da função policial. Concedo a ordem.
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ANEXO III INFORMATIVO 307 DO STF COM O VOTO DISCUTIDO - TRANSCRIÇÃO
HABEAS CORPUS - Processo nº 440.810-3/7
1ª Câmara Criminal Extraordinária
Impte: LARA VANESSA MILLON
Pacte: MIGUEL VOIGT JÚNIOR
Voto nº 1791
Lara Vanessa Millon, Advogada, impetra ordem de Habeas Corpus , com pedido liminar, em favor MIGUEL VOIGT JÚNIOR, contra ato dos Representantes do Ministério Público da Comarca de Campinas
SP.
Argumenta a impetrante, em síntese, que o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal em razão de ato praticado pelos Promotores de Justiça Carlos Eduardo Ayres de Farias, Fernando Vianna Neto e Márcia Cristina Martins, integrantes do GAERCO de Campinas, que ofereceram denúncia contra ele, embasada em procedimento administrativo criminal, realizado internamente pelo Ministério Público.
Sem liminar, foram prestadas as informações (fls. 124/141 e 400/401), tendo a Procuradoria Geral de Justiça opinado pela denegação da ordem (fls. 380/398).
A denúncia foi recebida pelo MM. Juiz da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campinas - SP (fls. 440/443), sendo designada data para o interrogatório.
É o relatório.
Tormentosa é a matéria em discussão, e que sustenta a impetração do presente.
Entretanto, não obstante essa realidade, A ORDEM MERECE SER CONCEDIDA.
O paciente foi denunciado pela prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 319, caput, 327, § 2º e 299, todos do Código Penal, c. c. o artigo 89, caput, da Lei 8.666/96 (Lei de Licitações) porque, em 28 de junho de 2002, na Delegacia Seccional de Polícia de Campinas, dispensou licitação fora das hipóteses legais permissivas para delegação dos serviços públicos de remoção, guinchamento e depósito dos veículos apreendidos pelo Estado, em favor da empresa Braspátio - Administração de Pátios.
Consta ainda que, no exercício do cargo de Delegado Seccional de Polícia, em 26 de julho de 2002, na cidade e comarca de Campinas, o paciente teria praticado ato contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse pessoal, consistente em autorizar a cobrança das despesas de remoção, guinchamento e estada de veículos apreendidos por motivo de furto ou roubo, o que é vedado pela Lei 6.575/78 e pela Portaria 1344/89 do DETRAN.
Por fim, consta que em co-participação com Marco Antonio Mardirosian e Newton Luiz Locchter Arraes, em data posterior a 05 de julho de 2002, inseriram em documento público declaração falsa, a fim de alterarem verdade sobre fato juridicamente relevante.
Pretende a impetrante, por via do presente Remédio Heróico , a concessão da Ordem, para que a Denúncia seja anulada, e não ser o paciente ilegalmente processado.
Fundamenta sua irresignação no fato de a inicial acusatória vir embasada por procedimento administrativo criminal, que pretendeu substituir adequado inquérito policial, realizado internamente por Grupo integrado
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por membros do Ministério Público Estadual, em total descompasso com os procedimentos legais e constitucionais em vigor.
Argumenta ainda que, o ilegal procedimento administrativo criminal ofende o princípio constitucional do devido processo legal, não existindo na Constituição Federal norma autorizadora para atuação do Ministério Público nesse mister; aponta também afronta ao princípio da igualdade, visto que o parquet é claramente identificado como parte e acaba por desequilibrar a relação processual, impedindo ao acusado os mesmos direitos exercidos, o que colocaria como dispensável o trabalho policial em procedimentos investigatórios.
Destaca, assim, a flagrante ocorrência de abuso de poder, o que caracteriza o constrangimento ilegal ora sustentado.
Observa-se dos autos questão que supera os limites fáticos sub judice, requerendo análise sobre as funções institucionais do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sob pena de prestação jurisdicional insuficiente ou mesmo inadequada.
Assim, passo a análise da questão, no âmbito legal e constitucional.
1 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E DO CONTROLE DE LEGALIDADE
Inicialmente, cabe ressaltar que o procedimento administrativo impugnado no presente Habeas Corpus, criado nos moldes do Inquérito Policial, pretendendo legitimar atos de natureza investigatória do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizando diligências, naturais da Polícia Judiciária, para proporcionar a instauração de eventual Ação Penal, pretende encontrar guarida nos Atos Normativos 314-PGJ/CPJ, de 27 de junho de 2.003, e 324-PGJ/CGMP/CPJ, de 29 de agosto de 2.003, de autoria do Órgão Ministerial Estadual.
Portanto, deve ficar claro que os referidos Atos Normativos não têm força ou natureza de Lei Complementar, cuja iniciativa deve, necessariamente, ser do Procurador-Geral de Justiça, em se tratando de procedimentos de ordem administrativa, de competência do Ministério Público, no âmbito Estadual (1), e que não refogem a todo um procedimento legislativo de análise e promulgação.
De outro lado, não se pode negar que, a Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e requerer a instauração de inquéritos policiais:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VI
expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva
(...)
VIII
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais .
Da mesma forma, atribuiu a Carta Magna ao Ministério Público, no mesmo artigo 129, a função de promoção de inquérito civil e ação civil pública, mas com fins e objetivos delimitados:
Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (grifo nosso).
Também é função do Ministério Público na realização do controle externo da atividade policial:
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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VII
exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo
anterior .
Entretanto, tais atribuições constitucionais não são legitimadoras, ou mesmo legalizadoras, de um procedimento administrativo criminal, da natureza do ora impugnado, sucedâneo de inquérito policial.
A norma constitucional não contemplou ao órgão ministerial as funções de realização e presidência de inquéritos policiais, ainda que instaurados em face de uma necessária investigação de autoridade policial, como no caso em espécie.
Seu papel de defensor da ordem pública jurídico-social, não afasta a existência de limites, também de ordem constitucional e legal, no seu âmbito de atuação, quando busca alcançar o exercício do poder punitivo do Estado, através da prestação jurisdicional.
Caso contrário acreditaríamos que na independência de um órgão institucional, à luz de um ordenamento submetido ao Estado Democrático de Direito, permitiríamos a superação, quando não a violação dos direitos e garantias individuais.
Já escrevemos que:
O poder punitivo do Estado decorre do conjunto de poderes que lhe atribui a Constituição Federal para criar e aplicar o direito penal, sendo a criação das normas competência exclusiva do poder legislativo, enquanto sua aplicação é do poder judiciário. Entretanto, este conjunto de poderes não é limitado, mas seus limites e extensão são definidos através dos princípios que decorrem dos fundamentos apontados no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (grifo nosso) (2).
Assim, clara a Constituição Federal, quando trata de modo específico dos limites de atuação do Ministério Público no Inquérito Policial, indicando a este a possibilidade de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial" (3).
Aliás, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 97, parágrafo único, em compasso com a Carta Magna, segue a mesma orientação, visto que quando trata do Ministério Público nem mesmo apresenta qualquer referência à questão do inquérito policial, tão somente restringindo suas previsões aos procedimentos administrativos, da competência do respectivo órgão:
Art. 97. (...)
Parágrafo único. Para promover o inquérito civil e os procedimentos administrativos de sua competência, o Ministério Público poderá, nos termos de sua lei complementar:
1 requisitar dos órgãos da administração direta ou indireta, os meios necessários a sua conclusão;
2
propor à autoridade administrativa competente a instauração de sindicância para apuração de falta disciplinar ou ilícito administrativo .
Também a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que regula de forma complementar as funções e o âmbito de atuação do órgão ministerial, em seu artigo 26, inciso I, de forma indiscutível, limita seus poderes à instauração de inquéritos civis e procedimentos administrativos. Quanto aos inquéritos policiais, possibilita, em seu inciso IV, apenas a requisição de sua instauração e de realização de diligências, em consonância com a previsão da Lei Maior:
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes (...)
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IV
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e inquérito policial militar,
observado o disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los .
Não se pode, desta forma, seja constitucionalmente ou legalmente, afastar-se a falta de legitimidade do Ministério Público para realizar diretamente investigações e diligência através de procedimento administrativo de natureza criminal, de sua autoria, ainda que com a finalidade de apuração de eventuais condutas ilícitas, cometidas por autoridade policial, como no caso em espécie.
Mas não é só isso.
Temos que o Código de Processo Penal, diga-se, recepcionado pela ordem constitucional em vigor, categoricamente confirma o Inquérito Policial como instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária, sendo procedimento administrativo destinado a subsidiar a instauração da ação penal, e neste particular, em especial, ao Ministério Público.
Lembramos CLÁUDIO JOSÉ PEREIRA (4), quanto ao respeito ao princípio da legalidade, nos termos como imposto pela Constituição Federal:
Todavia, o princípio da legalidade, como fonte basilar do Estado Democrático de Direito, exige sua realização fundada em preceitos de igualdade e justiça, visto que o exercício da função social da lei na comunidade aparece como pressuposto de validade, devendo esta emanar de órgãos de representação popular, sendo elaborada na forma do processo legislativo previsto constitucionalmente (grifos nossos).
Assim, para que a norma legal seja recepcionada no Estado Democrático de Direito deve respeitar determinados princípios orientadores, quando de sua criação, bem como da delimitação de seu conteúdo:
Daí porque a exigência de plena legitimidade, na condição de qualidade dada ao poder do qual emana a lei, respeitadas as condições necessárias à preservação da dignidade humana em um Estado de Direito (5).
Os direitos fundamentais, no Estado Democrático de Direito, conforme ensina o Professor ANTONIO LUIS CHAVES CAMARGO:
São o reflexo do seu fundamento que é a dignidade da pessoa humana, submetendo o poder punitivo do Estado, estabelecendo, de igual modo, os limites deste poder.
No Estado Democrático de Direito, o poder de punir do Estado está restrito pelo princípio básico da intervenção em ultima ratio na dignidade humana.
Desde a Ilustração, o princípio da legalidade, formulado por Feuerbach, na expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege, tem seu significado para a teoria da pena, entendida como coação psicológica, pois, há a exigência de descrição pela lei não só dos crimes, como das penas cominadas. (6)
A investigação criminal não pode, como anota WINFRIED HASSEMER, num Estado Democrático de Direito, ser a catapulta para a instauração da moda atual da não jurisdicionalização do processo penal, mas sim da sua aptidão para um efetivo combate à criminalidade". (7)
Apoiando-se no raciocínio do ilustre professor alemão, o mestre lusitano MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE defende:
Uma investigação criminal que não destrua a essência e o conteúdo dos direitos fundamentais
património da humanidade
pela troca da efémera e escassa eficácia, esta sim é inimiga de se investigar de modo que se localize, contacte e se apresente o culpado, pois apenas nos remeterá para um culpado. (8)
Ainda, e isto também é realmente importante, o Constituinte de 1988, rejeitou Emendas à Carta Magna, que pretendiam possibilitar a sujeição do inquérito policial à presidência do Ministério Público (9), além de assegurar as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais à Polícia Civil, deixando clara sua intenção de não proporcionar ao órgão ministerial tal condição, sob pena de violação de princípios constitucionais.
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Aliás, e por isso, dispõe o artigo 144, § 4.o, da Carta Magna:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
§ 4.o
Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência
da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares . (grifos nossos).
Não resta dúvida, pois, que com o não acolhimento, quando da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, das pretensões de alguns parlamentares de ver um processo de investigação criminal gerido pelo Ministério Público, não pode este presidir ou realizar um inquérito policial, ou mesmo procedimento administrativo investigatório criminal de mesma natureza e finalidade, vedando-se, também, a inquirição, de forma direta, de pessoas investigadas ou suspeitas da autoria de delito, ficando limitado à requisição de tais providências à autoridade policial competente.
Posição esta adotada pela Suprema Corte Constitucional, em especial no brilhante voto do Ministro CARLOS VELLOSO, quando relator do Recurso de n.o 205.483:
Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, DIRETAMENTE, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144 §§ 1.o e 4.o ) (grifos e destaques nossos).
Seguindo esse raciocínio, mais que adequado ao presente caso, cabe considerar que existe uma estreita delimitação constitucional de funções institucionais, dentro do campo da persecução penal.
De um lado o Ministério Público, como titular do direito à interposição da ação penal, podendo requisitar diligências investigatórias, acompanhar o inquérito policial, bem como, e também, exercer o controle externo da Polícia Judiciária.
Em outro ponto, temos a Polícia Judiciária, no caso em espécie a Polícia Civil, que deve executar a persecução penal incorporadora de eventuais constrangimentos individuais, com possível restrição à liberdade de ir e vir do cidadão, buscando a apuração das infrações penais através de um isento procedimento investigatório de colheita de elementos de prova.
Subverter essa ordem, delimitada constitucionalmente, proporcionaria verdadeiro descompasso institucional.
Momento adequado para destacar o v. Acórdão lavrado nos autos do Habeas Corpus nº 99.018-3/2, julgado pela C. Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Em votação unânime, o julgamento realizado em 26 de fevereiro de 1991, o então Relator, eminente Desembargador WEISS DE ANDRADE ponderou:
A primeira questão que se põe nos autos leva a que se faça uma análise, embora rápida e sumária, da posição do representante do Ministério Público no inquérito policial .
Não se ignora que o art. 129 da Constituição Federal dispõe que dentre as funções institucionais do Ministério Público está a de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.
Mas, também não pode ser descartado que o diploma constitucional, em seu art. 144, par. 4o., estatui que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
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Indisputável, diante dos preceitos constitucionais, ser privativo da autoridade policial a presidência dos inquéritos policiais .
À frente traz o mencionado Voto verdadeira lição que, nas poucas palavras destacadas, resume a matéria:
"Nada a objetar quando o representante do Ministério Público acompanha o desenrolar das investigações policiais e isto porque é o Ministério Público o titular da ação pública, e ninguém melhor do que ele para acompanhar aquelas diligências policiais".
E prossegue:
Mas entre acompanhar diligências policiais e assumir, praticamente, a direção do inquérito policial, a distância é grande (grifo nosso).
2
DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E DA IMPARCIALIDADE PRETENDIDA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Com o devido respeito, não podemos acolher considerações tais como - quem pode o mais pode o menos , ou seja, se compete ao órgão ministerial a interposição da ação penal pública, deveria ser entendida como pertinente a sua atuação no campo da persecução penal, pré-processual, de forma direta, através de sucedâneo de inquérito policial.
Além da responsabilidade constitucional de interposição da ação penal pública, sempre que existirem indícios de autoria e provas de materialidade de um delito, compete ao Ministério Público o exercício do controle externo da Polícia Judiciária, na forma de órgão fiscalizador de suas atividades.
Se admitíssemos o procedimento administrativo criminal, como legal e legítimo, estaríamos diante de uma superposição do Ministério Público em relação à Polícia Judiciária, em exercício de verdadeiro controle interno da Polícia, já que não estaria lhe sendo atribuído o poder de investigar, mas de controlar a atividade pré-processual de colheita de provas, incompatível com quem pretende o exercício fiscalizador destas atividades.
Aliás, se assim desejasse a Ordem Constitucional proceder, necessária seria uma Emenda à Carta Magna, como bem advertia o Professor SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO:
Desponta a necessidade de emendar a Constituição da República, posto que não deve o Ministério Público deter o controle interno e externo da polícia (art. 129, inc. VII). Tanto que perca o controle externo, fica o sério problema de a quem entregá-lo. Não guarda cabimento, nem lógica, afirmar-se que, dirigindo o Ministério Público a Polícia Judiciária, desnecessária seria a função de controle externo. Recordem-se os argumentos, que tangeram o legislador constituinte a estabelecer o controle externo da polícia (10).
A esse respeito o Ministro WILLIAN PATTERSON, quando do julgamento do Recurso Especial n.o 76.171/AL (11), marcou significativa posição no Superior Tribunal de Justiça:
A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, CF). De outro lado, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF, segundo a qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo
da atividade policial .
Similar orientação é dada pelo Supremo Tribunal Federal, expressa em julgamento de Recurso Extraordinário, decorrente de impugnação a ato do Procurador Geral da República, que solicitou abertura de inquérito contra o então Presidente do Partido dos Trabalhadores, Deputado JOSÉ DIRCEU (Inquérito n.o 1.828-7):
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO PENAL. LEGITIMIDADE. O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem inquérito policial, desde que dispunha de elementos suficientes. Recurso não conhecido. (12)
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Merece, ainda, transcrição trecho do V. Acórdão proferido nesse julgamento, da lavra do brilhante Ministro NELSON JOBIM:
O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo para apurar condutas tipificáveis como crimes de servidores públicos. No caso, não há dúvida de que o pedido de indiciamento do senhor Deputado Federal José Dirceu está assentado em Procedimento Investigativo com nítidas características de Inquérito Policial.
O Ministério Público se substituiu à Polícia Judiciária. Essa situação é repelida pelo STF .
Assim, o pensamento justificante dos defensores da permanência do inconstitucional e ilegal Procedimento Administrativo Criminal, no âmbito do Ministério Público, assentado na existência histórica de outras Unidades da Federação, onde cabe a este o controle da atividade policial judiciária, esbarra no fato dos referidos Estados serem de nascedouro político unitário, com uma dependência, quando não uma verdadeira interferência, quase que absoluta, do Poder Executivo tanto nas atividades do Ministério Público, como da Polícia Judiciária, ambos submetidos aos mesmos Ministérios do Interior de então.
Diferente realidade enfrenta a estrutura constitucionalmente conferida ao atual ESTADO FEDERAL BRASILEIRO, onde a autonomia de seus Estados Membros, com órgãos governamentais próprios e com competência exclusiva, proporcionam peculiaridades regionais, características das polícias, também a órgãos do Ministério Público, sejam estes da União ou dos Estados. (13)
Aliás, sobre o tema, apesar de sustentar que o Ministério Público deveria seguir a referida orientação de outros Estados, com a supervisão da investigação policial, o Professor ANTONIO SCARANCE FERNANDES não deixa de reconhecer que, como acima já sustentado, tal posicionamento do Ministério Público exigiria uma reformulação no ordenamento jurídico - constitucional:
Pela própria Constituição Federal, sem exclusividade, incumbiu-se aos delegados de carreira exercer a função de polícia judiciária (art. 144, § 4.o). Não foi a norma excepcionada por outro preceito constitucional. O que permitiu o art. 129, inc. VII, é acompanhamento do inquérito policial pelo promotor de justiça . (14)
Quanto, ainda, às temerárias conseqüências que podem advir do reconhecimento, na ordem legal vigente, do impugnado Procedimento Administrativo Criminal, de autoria do Ministério Público, destacamos observações do ilustre ANTONIO EVARISTO DE MORAES FILHO:
Ademais, sob o aspecto institucional esta faculdade de o Ministério Público produzir, diretamente, a prova da fase preliminar da persecutio implicaria outorgar-se a este órgão um poder incontrolável em matéria de arquivamento das peças de informação. Com efeito, basta imaginar-se que, num determinado caso o Ministério Público efetuasse, na fase preliminar, toda colheita da prova, dando-lhe, intencionalmente, ou não, um direcionamento favorável ao indiciado. Logo a seguir, na etapa processual subseqüente, em face da fragilidade ou insuficiência dos elementos que ele próprio coligira, pediria o arquivamento das peças, arquivamento que se tornaria obrigatório, mesmo em face da eventual discordância do juiz, caso o Procurador Geral ratificasse a opinio de seu subordinado (art. 28, CPP). Assim, em questão de arquivamento, estaria instalada uma verdadeira ditadura do Ministério Público, com sério comprometimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal . (15)
A questão da necessária independência institucional, bem como do comprometimento jurídico de eventual ação que desvirtue o que pretendeu a Ordem Constitucional impor, no caso específico da ingerência do Ministério Público no estreito campo de atuação em discussão reservado constitucionalmente à Polícia Judiciária, reitero, em se reconhecendo esta como órgão e não como função, não é nova.
ESPINOLA FILHO já se pronunciara sobre o tema:
Na base dessa incompatibilidade de exercer a mesma pessoa funções diferentes, não somente são vedadas acumulações, que, sobre serem legalmente proibidas, de modo geral, trariam um chocante resultado de apresentar-se o órgão da justiça encarnando personagens, cujas atividades, no processo, se chocam, pela própria natureza e finalidade, também não podendo desenvolver-se livre e eficientemente, se oriundas de um único autor. Mas, ainda, não se tolera, tendo exercido uma determinada função a respeito de certo crime, venha a pessoa a atuar novamente, quando se devem examinar e dar valor aos atos, por ela próprio praticados anteriormente, às conclusões que chegou .(16)
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Esse perigoso comprometimento da pretendida imparcialidade do Ministério Público, na ordem jurídica constitucional, também foi lembrado, em momento outro, pelo saudoso Mestre SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO:
A acusação formal, clara e fiel à prova, é garantia de defesa, em Juízo, do acusado. Espera-se, então, do acusador público imparcialidade. Tanto que se permite argüir-lhe a suspeição, impedimento, ou outra incompatibilidade com determinada causa penal. É o que se encontra na Lei do Processo. Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à justiça . (17)
Portanto, atribuir aos Promotores de Justiça funções que não lhes são previstas, além de infringir a ordem jurídica no Estado Democrático de Direito, pode levar o Ministério Público a afastar-se de suas atribuições na titularidade da condução da ação penal pública, visto que deixaria de atuar com imparcialidade, não restando desvinculados dos atos pré-processuais que podem influenciar o seu livre convencimento, violando a isonomia no tratamento das partes, o devido processo legal, proporcionando a um Procurador de Justiça que se traveste de policial , adotar no início e na condução das investigações policiais um posicionamento
tendencioso, que se manterá durante todo o procedimento, afastando qualquer prova que proporcione alternativa outra que não a já pretendida busca de um fato delituoso, em razão do qual se possa postular a interposição de uma ação penal.(18)
Em recente entrevista à Revista ÉPOCA, o Professor MIGUEL REALE JÚNIOR, com a profundidade e acuidade que lhe é peculiar apontou que:
O erro do Ministério Público fazer investigações por conta própria é que muitas vezes ele não investiga para apurar o fato, mas para comprovar o que ele quer ver comprovado. Deturpam-se fatos para acomodar a prova à necessidade da acusação que se tem na cabeça. Isso é deformação do processo apuratório. (19)
Abordamos a questão relativa ao tratamento equilibrado, defendendo posicionamento há muito expressado, na obra Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito:(20)
O devido processo legal, como dito anteriormente, importa num amplo espectro de garantias que dele devem necessariamente decorrer para que se atenda a exigência do Estado Democrático de Direito. O tratamento das partes será sempre paritário, em razão do princípio da isonomia, pois, perante o Estado - jurisdição, não pode haver parte com destaque de importância. Autor e réu têm, enquanto partes, os mesmos direitos e deveres (grifo nosso).
Assim, o Ministério Público, como parte que é na ação penal, exercendo funções inquisitoriais, em procedimento administrativo próprio, criaria disparidade no tratamento jurídico legal das partes, implicando no afastamento de qualquer caráter impessoal da investigação, circunstância repulsiva ao Estado Democrático de Direito instituído no Brasil.
Também nos posicionamos dessa forma:
O contraditório impõe a conduta dialética do processo. Isso significa dizer que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, oferecendo alegações e provas, de sorte que se chegue à verdade processual como equilíbrio, evitando-se uma verdade produzida unilateralmente. É, portanto, componente essencial do due process of law, aplicando-se a todo e qualquer processo, entendido o termo como série de atos com a qual se pretende fundamentar uma decisão, seja judicial ou administrativa.
Exige o Estado Democrático de Direito que o contraditório, sobre que assenta a garantia do devido processo legal, revele-se como pleno e efetivo, e não apenas nominal ou formal.
Todos os meios necessários têm de ser empregados para que não se manifeste posição privilegiada em prol de um dos litigantes e em detrimento do outro, no rumo do êxito processual. Somente quando as forças do processo, de busca e revelação da verdade, são efetivamente distribuídas com irrestrita igualdade é que se pode falar em processo caracterizado pelo contraditório e ampla defesa. (21)
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Sobre o tema, também firmou posição a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
O art. 127 da CF cuida do Ministério Público, sendo que do art. 129, em nenhum de seus incisos e parágrafos, consta a função de investigação policial ou de polícia judiciária, que é exclusiva da Polícia Civil, como se vê do art. 144, § 4o.
(...)
Vê-se é o que parece
que as funções do Ministério Público, em termos de diligências investigatórias ou de inquérito policial, deve, limitar-se à sua requisição, não podendo ele passar da condição de seu acompanhante.
(...)
É necessário que as funções fiquem bem delineadas. Cada Poder, cada órgão ou membro do Poder com suas atribuições e competências bem definidas, sob pena de se descumprir a regra, também constitucional, do devido processo legal (grifo nosso) (22).
Então, reconhecer como legítima a atuação do Ministério Público, nesse ínterim, levaria à conclusão de que a isenção que se pretende estabelecer no procedimento investigatório policial, já comprometido pela ausência de contraditório e ampla defesa, estaria completamente afastada, desestabilizando-se o equilíbrio estabelecido pelo Estado Democrático de Direito, quando trata da acusação e da defesa. Perderíamos de vista um eventual pedido de arquivamento de inquérito policial, ante a ausência de elementos probatórios colhidos na fase inquisitorial, quiçá eventual pedido de absolvição ou mesmo recurso em favor do réu, promovidos pelo órgão ministerial. Ocorreria verdadeira contaminação na busca da verdade real .
No tocante a busca da verdade na área penal, o Mestre Espanhol FRANCISCO MUNHOZ CONDE adverte:
Em el proceso penal, la búsqueda de la verdad está limitada además por el respeto a unas garantías que tienen incluso el carácter de derechos humanos reconocidos como tales en todos los textos constitucionales y leyes procesales de todos los países de nuestra área de cultura.
Principios como el de proporcionalidade o el derecho a la intimidad impiden utilizar, de un modo absoluto o relativo, técnicas de averiguación de la verdade como la tortura, el empleo del llamado suervo de la verdad , el detector de emntiras o las grabaciones de conversaciones telefónicas sin autorización judicial.
Por todo ello, la afirmación de que el objeto del proceso penal es la búsqueda de la verdad material debe ser relativizada, y, desde luego, se puede decir entonces, sin temor a equivocarse, que en el Estado de Derecho en ningún caso se debe buscar la verdad a toda costa o a cualquier precio.
De todo lo dicho se deduce que el objeto del proceso penal es la obtención de la verdad sólo y en la medida en que se empleen para ello los medios legalmente reconocidos. Se habla así de una verdad forense que no siempre coincide con la verdad material propriamente dicha. Este es el precio que hay que pagar por un proceso penal respetuoso con todas las garantías y derechos humanos característicos del Estado social y democrático de Derecho. (23).
Bem lembrado foi, também, por MARREY NETO esse comprometimento com a imparcialidade na promoção da justiça:
Mais e melhor do que exercer a acusação, Ministério Público tem o dever de promover a consecução da justiça. Nesse sentido, observando-se que age e intervém como fiscal da lei, em função que se caracteriza de imprescindível imparcialidade, compreende-se que possa o parquet interpor recursos em favor do acusado (grifo nosso) (24).
A prevalência de sua condição de imparcialidade é reconhecida e sustentada pelos Tribunais, o que se pode observar nas considerações do eminente Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 4.769/PR (DJ, 06 de maio de 1996), reconhecendo que o Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, não pretende um enfrentamento com o réu, ou mesmo prejudicá-lo:
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Ao contrário, confluem interesses, a fim de evitar o erro judiciário. Busca a verdade real, a decisão justa. Em conseqüência, evidencia-se a legitimidade para recorrer em favor do réu".
E continua:
Ministério Público e Magistratura não podem estar comprometidos com o caso sub judice .
(...)
Se um, ou outro atua na coleta de prova que, por sua vez mais tarde, será a base do recebimento da denúncia, ou do sustentáculo da sentença, ambos perdem a imparcialidade, no sentido jurídico do termo (grifos nossos).
Não menos importante sua observação de que:
Além disso, é tradicional, não se confundem três agentes: investigador do fato (materialidade e autoria), órgão da imputação e agente do julgamento (grifos nossos).
Aliás, manifestação adequada ao momento, inclusive por despontar do próprio cerne do órgão ministerial, foi a do Sub-Procurador Geral da República JAIR BRANDÃO DE SOUZA MEIRA, entendendo em parecer ofertado no Habeas Corpus nº 8.106/DF, em 26 de novembro de 1998, reconhecendo como atividade própria dos Tribunais de Exceção a condução da investigação e posterior apresentação de denúncia nela sustentada, por parte do Ministério Público, substituindo-se à Polícia Judiciária e exacerbando os limites constitucionais de suas funções.
O respectivo pensamento indica um restabelecimento da posição de verdadeiro inquisidor ao Ministério Público que, no exercício da investigação e posterior apresentação da acusação, privilegiando o que quer investigar, selecionando as provas colhidas, exercendo verdadeiro poder sem controle ou fiscalização de outros órgãos institucionais, agiria de forma ilegal e inconstitucional, como já destacado.
O agente investigador do fato (materialidade e autoria) , no caso em espécie, a Polícia Civil, exerce funções que não condizem com a titularidade da ação penal. As diligências e investigações policiais, destinadas à instrução do inquérito policial, distanciam-se claramente das funções institucionais do Ministério Público, devendo reconhecer-se que cabem àqueles que tenham a titularidade de instauração do referido procedimento administrativo, no âmbito da ordem jurídica nacional; quem seja, a Autoridade Policial.
A própria Carta Constitucional, em seu artigo 144, § 4º, como já ressaltamos, já deixou clara a realidade de que a apuração de infrações penais é atribuição exclusiva da Polícia Civil.
Daí porque LUIZ ALBERTO MACHADO defendeu a inconstitucionalidade da absorção, pelo Ministério Público, da titularidade da investigação policial:
Isso porque a lei não pode cometer as funções de elaboração de inquérito policial e de investigações criminais a quem não revista expressamente de autoridade policial, segundo a Constituição Federal. A leitura que se deve fazer dessa atribuição administrativa constitucional é ser uma garantia individual, a garantia da imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público, dominus litis e que, por isso, não deve, e não pode, investigar ou coligir informações para o exercício da ação processual criminal (25).
Inexiste possibilidade de legitimar o exercício dessa atribuição por parte de outro órgão institucional, seja por meio de ato administrativo ou outra medida legislativa infraconstitucional, sem afrontar preceitos constitucionais.
A possibilidade de invasão de competência, delimitada constitucionalmente, é abordada pelo constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA:
Isso quer dizer que a Constituição reservou à polícia civil estadual um campo de atividade exclusiva que não pode ser invadido por norma infraconstitucional e, menos ainda, por disposições de ato administrativo. Uma delas é a de realização do inquérito policial, que constitui o cerne da atividade de polícia judiciária, que não comporta o controle do Ministério Público, porque tal controle ainda pertence ao Poder Judiciário, como bem o
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lembrou a Dra. Andyr de Mendonça Rodrigues, Subprocuradora-Geral da República, no parecer supramencionado. A outra é que também à polícia civil, polícia judiciária, se reservou a função de apuração das infrações penais, o que vale dizer o poder investigatório, sendo, pois, de nítido desrespeito à Constituição normas que atribuam a órgão do Ministério Público a faculdade de promover diretamente investigações, como o fez o art. 26 do ato 98/96 . (26)
3
DO INQUÉRITO POLICIAL, DE SUA NATUREZA E DA IMPARCIALIDADE PARA A INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL
Considerando tudo quanto já foi exposto, resta-nos apontar para a pacificação da matéria, a recente decisão, com votação unânime, proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o insigne Ministro NELSON JOBIM:
Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ministério Público. Inquérito Administrativo. Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial/DF. Portaria. Publicidade. Atos de investigação. Ilegitimidade.
1. Portaria. Publicidade
A portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ.
Enfrentara matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.
2. Inquirição de Autoridade Administrativa. Ilegitimidade.
A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).
A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial.
Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.
Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes.
O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria.
Recurso conhecido e provido .(27)
Ora, o próprio histórico do Inquérito Policial, por si só, já indica que, caso o legislador pátrio pretendesse oportunizar a outro órgão institucional que não àqueles representados pelos delegados de carreira, a presidência da investigação policial, já o teria feito de forma legal e legítima.
Sobre este tema, o ínclito LUIZ FLÁVIO BORGES D´URSO, Presidente da OAB/SP:
O inquérito policial, com tal denominação, surgiu em nossa legislação pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871. Para iniciar-se qualquer escrito sobre o inquérito policial, há que se verificar seu posicionamento legal, pois o inquérito está previsto no ar. 4º, do Código de Processo Penal, que estabelece exatamente o seguinte: A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e de sua autoria .
(...)
Fico a meditar sobre a origem do inquérito policial, sua utilidade e conveniência e, invariavelmente, concluo por sua indispensabilidade como supedâneo a enfeixar as provas que são produzidas durante esta importante fase, que é preliminar ao processo criminal; aliás a fase que justifique o próprio processo. Assim, o inquérito
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policial é uma peça de relevo e, sendo dirigida por uma autoridade policial, objetiva, principalmente, a apuração dos fatos com imparcialidade, porquanto o delegado de polícia que o preside, jamais acusa, como também não defende, pois busca-se uma autoridade imparcial . (28)
Assim, a função e o cargo do delegado de polícia, decorrente da Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, remonta à instituição de uma autoridade, hoje, de caráter centenário.
Daí porque, em sua independência e imparcialidade, já que totalmente desvinculado do Poder Judiciário (órgão julgador), do Ministério Público, bem como da Defesa, desponta o Delegado de Polícia como autoridade mais que ideal à assegurar a presidência de um procedimento investigatório, para delimitar e instruir uma eventual denúncia, sem vícios ou comprometimentos, buscando provas da existência de delitos e a indicação de seus prováveis autores, afastando o determinismo e os juízos errôneos, que o comprometimento do órgão ministerial para com a ação penal poderiam provocar.
Se a intervenção da Defesa é cerceada no inquérito policial, porque seria correto, em descompasso com a ordem constitucional, violando princípio da paridade de tratamento das partes, proporcionar ao Ministério Público (órgão que despontará para a acusação, no caso de eventual ação penal), a presidência da investigação policial, ocasionando um desequilíbrio desproporcional na relação processual que está por vir e que, nem mesmo o órgão jurisdicional, por mais imparcial que seja, poderá sanar.
Ademais, a atividade investigatória, como sabemos, é complexa exigindo conhecimentos técnicos específicos, com instrução capacitadora, por vezes, extenuante, da qual, ao momento parece não possuir o Ministério Público.
Quanto aos defensores da possibilidade da transferência da presidência das investigações policiais, a constituir caminho que está em consonância com a tendência mundial , ouso divergir desse posicionamento.
No Direito Português FERNANDO GONÇALVES e MANUEL JOÃO ALVES, da Universidade de Coimbra, anotam que:
O sistema acusatório, ao contrário do inquisiório, procura, como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, a igualdade de poderes de actuação processual entre acusação e defesa, ficando o julgador numa situação de independência, super partes , caracterizando-se, pois, essencialmente por uma disputa entre duas partes, uma espécie de duelo judiciário entre acusação e a defesa, disciplinado por um terceiro, o juiz ou o tribunal, que ocupa uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não podendo promover o processo (ne procedat judex ex officio), nem condenar para além da acusação (sententia debet esse conformis libello). .(29)
A realidade social individuada de cada Nação há que ser parâmetro indispensável à colocação legal e mesmo jurídico-social de suas instituições, no desempenho, no caso específico do Brasil, das garantias e dos princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, na forma como foi adotado pela nossa Constituição Federal.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO já anotava que esse posicionamento, centrado numa eventual tendência, merece cuidado.
Há entendimento respeitável no sentido de que devemos manter o Inquérito Policial sob a presidência do Ministério Público. Por que essa troca de chefia? Afinal de contas, ao contrário do que se dá nos Estados Unidos, França, Espanha e Portugal, por exemplo, o policial encarregado das investigações, entre nós, é um bacharel em Direito. Tem a mesma formação jurídica dos promotores e juízes. Então, por que essa transposição de chefia? Não se pode dizer, entre nós, o que se diz em Portugal, que há um contraste bem acentuado no que respeita à cultura e à concepção do Direito entre a Polícia e o Ministério Público. Se delegados e promotores são bacharéis em Direito, se possuem a mesma formação universitária, no momento em que o promotor passar a dirigir as investigações, ele se transmuda em delegado. E aí, qual seria a diferença? Daqui a alguns anos, procurar-se-ia outro órgão para desempenhar a função do promotor-investigador, dadas as suas pretensas atitudes atrabiliárias... . (30)
Assim, nem mesmo há como se perquirir de eventual incapacidade, ou mesmo inabilidade, para a condução das investigações criminais, por parte dos delegados de carreira, quando tratamos dos argumentos que poderiam sustentar a tese de transferência da presidência do inquérito policial para o Ministério Público,
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quanto mais se afastar a realidade de um esvaziamento das funções legalmente estabelecidas ao órgão ministerial, em se falando da propriedade da criação, instauração e condução de um procedimento administrativo criminal , arremedo de inquérito policial, como já afirmamos.
As observações tecidas, com toda a propriedade que nos empresta a doutrina e a jurisprudência colacionadas, são adequadas à solução pretendida no presente Habeas Corpus.
Não há como desconsiderar a forçosa posição de legalidade e legitimidade, que pretendeu impor o Ministério Público, quando ingressou com denúncia criminal contra o paciente, sustentada em procedimento administrativo criminal, realizado internamente.
Justificar a necessidade desse procedimento, em razão do paciente ser Delegado de Polícia, o que poderia comprometer um inquérito policial, ou investigação criminal, se preferirmos, no âmbito da Polícia Civil, seria menosprezar a Instituição; perfazer juízo de valor sobre sua integridade, bem como de todos os seus membros, questionar a capacidade jurídico-administrativa de apuração de eventuais irregularidades no seu corpo funcional, bem como desconsiderar a isonomia e a imparcialidade, características da presidência das investigações criminais conduzidas por Delegados de Polícia, seria atentar contra ditames constitucionais.
Até porque, como é característico de suas manifestações, com toda a propriedade e conhecimento jurídico, em consulta realizada sobre a legalidade e legitimidade dos Atos Normativos nº 314-PGJ/CPJ, de 27 de junho de 2.003, e 324-PGJ/CGMP-CPJ, de 29 de agosto de 2.003, editados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (31), os ilustres Professores MIGUEL REALE JÚNIOR e EDUARDO REALE FERRARI apontam:
Inquestionável o papel do Ministério Público no que tange ao controle externo da atividade policial, não significando, entretanto, que se legitime o ilegal procedimento administrativo criminal, devendo o Promotor, em caso de irregularidades praticadas por policiais, tomar imediatas providências, vez que como titular da futura ação penal poderá requisitar perante a Corregedoria de Polícia o pertinente procedimento investigatório, cabendo-lhe inclusive acompanhar os atos do Corregedor Geral de Polícia, caso assim entenda pertinente, não lhe atribuindo, todavia, o poder de investigar mas sim de controlar o mister policial .
E continuam, quando abordam as previsões constitucionais do artigo 129, sobre as funções institucionais do Ministério Público:
Diverso constitui o papel do Ministério Público nos casos de investigação por meio de inquérito policial.
A lei, de fato, não contém palavras inúteis. Se assim não fosse, não teriam sido diferenciados os poderes dos órgãos ministeriais em incisos diferentes para situações diferentes .
Por fim, merecem destaque, ainda que de forma reiterada, dois trechos do V. Acórdão proferido pela Segunda Turma da Suprema Corte Constitucional, no já mencionado julgamento em que foi relator o ilustre Ministro NELSON JOBIM, no Habeas Corpus nº 81.326-7/DF, julgado em 06 de maio de 2.003 e publicado no Diário da Justiça de 01 de outubro de 2.003:
A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua autoria (CPP, art. 4º).
O inquérito Policial é o instrumento de investigação penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA.
É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação penal.
A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia.
(...)
Até a promulgação da atual Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional.
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A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido.
Ao final, manteve-se a tradição.
O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal.
A Constituição Federal assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, § 4º).
Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 7º e 8º).
Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII) .
Portanto, não há como considerar válida a denúncia ora impugnada, diante de seu vício originário nas peças de informação, ilegal e ilegitimamente colhidas em procedimento administrativo criminal interno do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado no âmbito do GAERCO de Campinas.
Ademais, em se tratando de Delegado de Polícia, seus atos administrativos devem, necessariamente, estar sujeitos à análise dos órgãos hierárquicos da própria corporação.
A Corregedoria de Polícia e a Delegacia Geral de Polícia detém competência legal e hierárquica para tanto.
Pelo exposto, CONCEDE-SE A ORDEM impetrada em prol de Miguel Voigt Júnior, para trancar a ação penal, extensivamente aos co-réus Marco Antonio Mardirosiam e Newton Luiz Lochter Arraes, determinando o arquivamento dos autos.
MARCO ANTONIO
Relator Designado
Notas de rodapé:
1) Artigo 94, inciso V, da Constituição do Estado de São Paulo.
2) SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 06.
3) Art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal.
4) PEREIRA, Cláudio José. Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, pp. 05 e 06.
5) PEREIRA, Cláudio José. Princípio..., p. 06.
6) CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistemas de Penas, Dogmática Jurídico
Penal e Política Criminal.Cultural Paulista, São Paulo, 2.002, p. 29.
7) HASSEMER, Winfried. Histórias das Idéias Penais na Alemanha do Pós- Guerra, AAFDL, Lisboa, 1995, p. 70.
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8) VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Regime Jurídico da Investigação Criminal. Almedina, Coimbra, 2.003, p. 43.
9) O Ministro Nelson Jobim bem destaca esta situação em seu voto, quando relator do RHC 81.326/DF, apontando as Emendas Constitucionais de n.os 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513.
10) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o anteprojeto de lei, que objetiva modificar o código de processo penal, no atinente à investigação policial. Revista CEJAP n. 2, Campinas, Millennium, 2000.
11) D.J., 13 de fevereiro de 1996.
12) STF RE - 233.072 - 4 / RJ D. J. 03 de maio de 2002.
13) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o anteprojeto de lei, que objetiva modificar o código de processo penal, no atinente à investigação policial. Revista CEJAP n. 2, Campinas, Millennium, 2000.
14) FERNANDES. Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 244 e 245
15) MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. As funções do MP e o inquérito policial. São Paulo: Revista ADPESP, n.o 22, dezembro de 1996, p. 66-69.
16) ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, terceira edição, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955, vol. II, p. 312.
17) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Procedimento administrativo criminal, realizado pelo Ministério Público. In: Boletim Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Printing Press, jun-ago/2003, p.3.
18) FRAGOSO. José Carlos. São ilegais os Procedimentos Investigatórios realizados pelo Ministério Público Federal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.o 37, ano 10, jan/mar 2.002, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2.002, p. 241 e ss.
19) REALE JÚNIOR, Miguel. "Juízes sob controle". In: Revista Época, nº 298, 02 de fevereiro de 2.004, Editora Globo, p. 27.
20) SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 17.
21) SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados Especiais Criminais, Saraiva, 1997, p.46-47
22) TJRJ, H.C. nº. 615/ 9 6, Rel. Des. Silvio Teixeira, j. 23.7.96, D.O.J. 26.08.96, Seção I, pág. 8.
23) CONDE, Francisco Munhoz. Búsqueda de la Verdad en el Processo Penal. Hammurabi, Argentina,2.000, p.101-102.
24) In: Revista dos Tribunais, volume 628, página 338.
25) MACHADO, Luiz Alberto. Conversa com a polícia judiciária (Estadual e Federal) . In: Revista ADPESP n. 22, dezembro de 1996, p. 62.
26) SILVA, José Afonso da. Parecer Controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público
entendimento do art. 129, VII, da Constituição Federal
conteúdo da Lei Complementar e seus limites constitucionais
Competências exclusivas das polícias . In: Revista ADPESP n.22, dezembro de 1996, p. 23.
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27) S.T.F., R.O.H.C. nº 81.326-7/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, j. 06 de maio de 2.003, D. J. 01 de outubro de 2.003.
28) D URSO, Luiz Flávio Borges. O Inquérito Policial e o Termo Circunstanciado. In: Revista Cejap
publicação oficial do Centro de Estudos Jurídicos para Assuntos Policiais, São Paulo: Editora Millenium, ano 4 n º 6, junho/2003, p.03.
29) GONÇALVES, Fernando; ALVES, Manuel João. A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coação, Almedina, Coimbra, 2.003, p.29.
30) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.. Devemos manter o Inquérito Policial?. In: Revista Cejap
publicação oficial do Centro de Estudos Jurídicos para Assuntos Policiais, São Paulo: Editora Millenium, ano 2 n º 3, fevereiro/2001, pp. 04 e 05.
31) Consulta realizada pelo Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, apresentada em 21 de outubro de 2.003.
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ANEXO IV
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
Habeas Corpus - N. 2004.001261-6 0000-00 - Campo Grande.
Relator-Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Impetrante-Ricardo Trad.
Impetrante-Ary Raghiant Neto.Impetrante-Ricardo Trad Filho.
Paciente-Neri Sucolotti.
Paciente-Neri Sucolotti Júnior.Paciente-Fábio Marcelo Sucolotti.Paciente-Elton José Secco.Paciente-Valcir Miotto.Impetrado-Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo
Grande.
RELATÓ
RIO
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia
Cuida-se de habeas corpus que foi impetrado pelos advogados, Drs. Ricardo Trad, Ricardo Trad Filho e Ary Raghiant Neto, em favor de Neri Sucolotti, Neri Junior Sucolotti, Fabio Marcelo Sucolotti, Elton José Secco e Valdecir Miotto, apontando como autoridade coatora o Juiz da 3ª Vara Criminal de Campo Grande.
A impetração tem suporte em dois fundamentos: a) falta de justa causa para o desencadeamento da ação penal, por ausência de poderes investigatórios coleta e produção de provas por parte do Ministério Público para a proposição de ação penal; b) inépcia da denúncia, por acusação genérica em crimes societários, com violação do princípio constitucional da ampla defesa.
Em rápida síntese e relativamente ao primeiro dos fundamentos apontados, diz a inicial que em maio do ano p.passado, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul encaminhou noticia criminis, em desfavor dos pacientes, ao Sr. Procurador-Geral de Justiça, pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária, objetivando com os documentos inclusos, a apuração de fatos para dar suporte ao oferecimento de denúncia contra o Sr. Néri Sucolotti, Valdir Miotto, Elton José Secco e Denizard da Silveira Campos Filho, na condição de sócios-gerentes de empresas ligadas ao ramo de combustíveis.
Decorreu daí que essas peças foram encaminhadas aos Promotores de Justiça integrantes do GAECO, os quais, durante 6 meses passaram a investigar os fatos, colhendo prova documental, requerendo buscas e apreensões de bens das empresas dos pacientes, realizando com isso, autêntica investigação criminal, acabando por resultar em pedido de prisão preventiva, e que tudo isso teria sido feito com ofensa ao artigo 144, § 4º da Constituição Federal, ante a inexistência de inquérito policial e, por fim, no oferecimento da denúncia pelos mesmos promotores que teriam conduzido o feito extrajudicial.
Discorre, a seguir, a respeito da impropriedade da prática denunciada e acaba por chegar à conclusão de que as polícias é que detêm o monopólio da investigação criminal, concluindo da seguinte forma o presente tópico:
Pelas razões expostas, neste ponto, a ordem deve ser concedida para o fim de determinar o trancamento da ação penal a que respondem os pacientes, há vista de que, de acordo com a determinação constitucional, o MP não tem a prerrogativa de promover a coleta de provas e sua produção, comportamento que configura ingerência indébita no exercício da atividade policial, além de causar desequilíbrio em desfavor do réu, no
decorrer do embate judicial. (f. 17-18).
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Já quanto ao segundo fundamento da impetração, como já assinalado, diz respeito à inépcia da denúncia, tida na conta de genérica, pelo fato de não ter tido o cuidado de individualizar as condutas de cada um dos denunciados, dificultando-lhes dessa forma o exercício do direito de defesa.
Alerta para o fato de que as peças encaminhadas pelo Sr. Procurador-Geral do Estado, noticiando o cometimento de crimes tributário e fiscal, não faziam qualquer referência aos também denunciados, igualmente pacientes, Fábio Marcelo Sucolotti e Néri Sucolotti Junior.
Acrescenta que a denúncia se refere a crimes praticados por três empresas legalmente constituídas, com quadros sociais diversos com inúmeras alterações contratuais, com ingresso e saída de sócios, conforme demonstram no mandamus.
A seguir e a propósito disso, chama a atenção para o fato de que com essas constantes mutações nos quadros sociais das empresas, indagando como ser possível individualizar o grau de responsabilidade de cada um dos pacientes, ainda mais que as autuações fiscais se deram em anos diferentes, cada uma delas fazendo referência a fatos pretéritos, sem a precisa definição das datas em que teriam ocorrido os pretensos crimes.
Por isso que a denúncia estaria revestida de flagrante ilegalidade por absoluta falta de incriminação concreta, em face dos elementos abstratos nela contidos, resultando dessa prática que os fatos tidos como criminosos imputados aos pacientes
genéricos como afirmado
não individualizam a suposta conduta delituosa de cada um deles, alertando para o fato de que a mera condição de sócio ou diretor da empresa não basta para viabilizar o oferecimento da denúncia.
Conclui, com fundamento em ambos os fundamentos acima referidos, que os pacientes sofrem manifesto constrangimento ilegal em suas liberdades de locomoção, razão pela qual entendem que a ordem deve ser concedida, a fim de trancar a ação penal.
Instruem a ordem com os documentos de f. 32 usque 1471, que formam os 8 volumes que integram o presente habeas corpus.
Sem pedido de liminar, vieram as informações de f. 1477-1549.
O parecer, da lavra do Dr. Carlos Bobadilha Garcia (f. 1554-1599), é pela denegação da ordem.
VOTO
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (Relator)
A presente impetração, como já anotado no relatório, tem dois fundamentos.
O primeiro, deles, agita a tese a ausência de poderes investigatórios por parte do Ministério Público, com vistas à propositura de ação penal, prática que afrontaria o devido processo legal, visto que a apuração dos fatos noticiados na denúncia caberiam, com exclusividade, à polícia, por meio do inquérito policial.
Assinalam que, no caso, não existe inquérito policial, sendo que as investigações foram dirigidas por membros do Ministério Público Estadual, culminando com o oferecimento de denúncia que foi recebida pelo magistrado da 3ª Vara Criminal da Capital.
Invocam, para tanto, precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Habeas Corpus (RHC 81326). oriundo do Estado do Paraná, de relatoria do Min. Nelson Jobim, em maio do ano p.passado, onde, por maioria, decidiu-se que falta legitimidade ao Ministério Público para realizar diretamente investigações e diligências de natureza criminal, em procedimentos administrativos investigatórios.
Sem querer discutir essa decisão, como propõem os impetrantes, na bem elaborada peça inicial, devo dizer que, a meu juízo, o foco do debate em razão da situação por eles relatada deve ser outro, conforme passo a explicar em seguida.
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Na verdade, compulsando os volumes que compõem este habeas corpus, vê-se aqui, ao contrário do que se afirma, que o Ministério Público não cometeu nenhuma ilicitude que possa ser encartada dentro da tese que como disse, veio a ser agasalhada pelo Supremo Tribunal Federal, pois que, a meu sentir, neste caso em particular, diferentemente, a denúncia não foi ofertada com base em investigação criminal direta, em procedimento administrativo, independentemente de inquérito policial, conduzido pelo grupo de promotores que integram em nosso Estado, o denominado GAECO.
Na espécie, fica bem claro que a denúncia se escorou na noticia criminis que foi encaminhada pelo Sr. Procurador-Geral do Estado, conforme se vê do ofício de f. 104, endereçado ao Sr. Procurador-Geral da Justiça, ou seja, foram aquelas peças de informação, de caráter administrativo, que serviram de base para o início da ação penal, coletadas, no caso, em procedimentos fiscais levados a efeito em estabelecimentos comerciais onde atuavam ou atuaram os denunciados, na condição de sócios ou não. Tudo, aliás, sem qualquer agressão à sistemática processual penal, que, em casos que tais, dispensa o inquérito policial (arts. 4, § único, art. 12, 27 e 39, § 5º do CPP).
Não me parece totalmente correto, por outro lado, afirmar-se como posto na inicial, que depois de recebidas essas peças, os promotores integrantes do GAECO ...passaram por longos 06 meses investigando os fatos, colhendo prova documental, requerendo busca e apreensão de bens das empresas dos pacientes, enfim, realizando autêntica investigação criminal, até desembocar no pedido de prisão preventiva, em flagrante ofensa ao artigo 144, § 4º, da C.F., que reza: às polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.
Na verdade, pelo que se observa, a partir das f. 1123 (vol.6), o que ocorreu foi que o Ministério Público, buscando apurar eventual crime contra a ordem tributária, indícios de adulteração, bem como contrabando de combustíveis, praticados pela empresa Ideal Comércio de Derivados de Petróleo Ltda. , colheu tão somente dois depoimentos (Valdir Miotto e Elton José Cecco, f. 1125-1128), funcionários de um dos Postos de Gasolina de uma das empresas investigadas pelo Fisco Estadual, passando, daí por diante, onde, diga-se de passagem, nada de relevante em termos de embasamento à denúncia foi obtido, a juntarem certidões das mais diversas (Detran, Previdência Social, Junta Comercial, Receita Federal, Procuradoria-Geral do Estado (cert. Dívida Ativa), cópias de processos criminais envolvendo os pacientes, matrículas de registro de imóveis etc., nada que não estivesse dentro dos seus poderes de requisição, expressamente concedidos pelo Código de Processo Penal, artigo 47, inclusive requerendo prisões preventivas, sem, portanto, qualquer invasão dos poderes de investigação criminal que estariam reservados, segundo alegam, com exclusividade, à autoridade policial.
Sendo assim, não vislumbrando nesse primeiro fundamento da impetração, a ocorrência de atos de investigação pelo Ministério Público, tal como posto na inicial, a ponto de chegar-se à nulidade pretendida, passo ao exame do fundamento seguinte.
Nesta parte, o habeas corpus igualmente improcede, no tanto em que assinalam os impetrantes que a denúncia seria inepta, por ausência de individualização das condutas de cada um dos denunciados, dificultando-lhes o direito de defesa.
Em primeiro lugar é de se trazer à linha de conta que a argumentação em torno da existência de mais de uma empresa, quadros sociais diversos, ingresso e retirada de sócios em decorrência de alterações contratuais, é matéria que refoge ao âmbito estreito desta medida, pois que dependerá de exame de provas a serem produzidas nesse sentido.
Já quanto ao caráter genérico da denúncia, por ausência de individualização das condutas, apontamento do grau de responsabilidade de cada um dos denunciados, é preciso lembrar que, em crimes dessa natureza
societários coletivos em que os pacientes são denunciados por crimes contra a ordem tributária, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, reconhecidamente é difícil exigir que já na inicial a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados.
Do exame que se faz da denúncia ofertada em desfavor dos pacientes, verifica-se estarem presentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, que, embora, como dito, sem entrar em detalhes a
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respeito da conduta de cada um, sem dúvida nenhuma sua leitura permitirá aos denunciados o exercício do direito de defesa, sem qualquer dificuldade, ainda mais com o contraditório assegurado.
A propósito desse questionamento, a par de decisões de tribunais inferiores, sobressai pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, verbis
Denuncia
Acusação dirigida a sócios de sociedade comercial
Desnecessidade de que a peça acusatória
individualize a conduta de cada acusado
Discriminação que será objeto de prova a ser realizada na ação penal.(STF, HC 80.611-2-RJ 0 2ª T. in RT 792 550)
Ainda em relação a esta parte, reporto-me aos pertinentes argumentos trazidos pela Procuradoria, no Parecer.
Em tais condições, denego a ordem, com o parecer.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
DENEGARAM A ORDEM, COM O PARECER. UNÂNIME.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Carlos Stephanini.
Relator, o Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores João Carlos Brandes Garcia, Carlos Stephanini e Rui Garcia Dias.
Campo Grande, 10 de março de 2004.
Habeas Corpus - N. 2004.001261-6 0000-00 - Campo Grande.
Relator-Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Impetrante-Ricardo Trad.
Impetrante-Ary Raghiant Neto.Impetrante-Ricardo Trad Filho.
Paciente-Neri Sucolotti.
Paciente-Neri Sucolotti Júnior.Paciente-Fábio Marcelo Sucolotti.Paciente-Elton José Secco.Paciente-Valcir Miotto.Impetrado-Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo
Grande.
E M E N T A HABEAS CORPUS MINISTÉRIO PÚBLICO AUSÊNCIA DE PODERES INVESTIGATÓRIOS INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ILEGALIDADE
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AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
NÃO-OCORRÊNCIA
NOTITIA CRIMINIS BASEADA EM
PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO.
Não há falar em ausência de poderes investigatórios por parte do Ministério Público, se resta evidente que a denúncia que foi ofertada teve como suporte notitia criminis encaminhada ao Chefe do Parquet Estadual, pela Procuradoria-Geral do Estado e não em investigações e diligências dirigidas com exclusividade por membros da Instituição.
INÉPCIA DA DENÚNCIA
GENERALIZAÇÃO
AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DE CADA UM DOS DENUNCIADOS
EMPRESAS COMERCIAIS DISTINTAS
ALTERAÇÕES CONTRATUAIS
INGRESSO E RETIRADA DE SÓCIOS
CERCEAMENTO DE DEFESA
NÃO-OCORRÊNCIA
ORDEM DENEGADA.
Nos denominados crimes societários coletivos, em que os sócios são denunciados pela prática de crimes contra a ordem tributária, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, não é razoável exigir-se que a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados, já que sua precisa averiguação depende do exame de todo o material cognitivo, sendo suficientes os elementos colhidos em procedimentos administrativos precedentes, evidenciada a ocorrência dos ilícitos apontados.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem, com o parecer. Unânime.
Campo Grande, 10 de março de 2004.
Des. Carlos Stephanini -
Presidente
Des. João Carlos Brandes Garcia -
Relator
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Anexo V
SÉRIE DE JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
DENÚNCIA CRIME Nº 145.655--9, DE FOZ DO IGUAÇU.
DENUNCIANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DENUNCIADO : CELSO SâMIS DA SILVA
RELATOR : DES. CARLOS HOFFMANN
PREFEITO DENÚNCIA POR CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO XIV (TRÊS VEZES), DO DECRETO-LEI N° 201/67, C/C ART. 69 DO CÓDIGO PENAL POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PRELIMINAR DE NULIDADE AFASTADA ACUSAÇÃO QUE ENCONTRA RESPALDO PROBATÓRIO DENÚNCIA RECEBIDA, POR MAIORIA.
1. O Ministério Público tem legitimidade para instaurar e buscar elementos de convicção em procedimento administrativo investigatório.
2. Se há necessidade de novas provas para dirimir controvérsia quanto à existência da alegada infração penal, impõe-se o recebimento da denúncia.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Denúncia Crime nº 145.655-9, de FOZ DO IGUAÇU, em que é denunciante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e denunciado CELSO SÂMIS DA SILVA.
1. Narra a denúncia que Celso Sâmis da Silva, Prefeito de Foz do Iguaçu, sancionou a Lei Municipal nº 2.694/2002, na qual constou a estimativa das receitas e despesas para o exercício financeiro de 2003 e que, todavia, deixou, sem justificativa, de repassar ao Poder Legislativo Municipal o valor integral dos duodécimos. Também nos dois anos anteriores (2001 e 2002) o Prefeito repassou à Casa Legislativa importâncias inferiores àquelas fixadas nas Leis Municipais nºs 2.349/2000 e 2.482/2001. Em razão disso, imputa-se a Celso Sâmis da Silva a prática do crime previsto no art. 1°, inc. XIV (três vezes), do Decreto-Lei 201/67, combinado com o art. 69 do Código Penal.
2. Em resposta preliminar, Celso Sâmis da Silva argúi, preliminarmente, constrangimento ilegal e falta de base para a ação penal, ao argumento de que a Constituição Federal não autoriza o Ministério Público a proceder a investigações criminais. Afirma, quanto ao mérito, que não houve qualquer ilícito penal, pois o objetivo do art. 29-A da CF foi evitar que o Prefeito Municipal pudesse impedir o funcionamento regular da Câmara Municipal através da sonegação dos recursos financeiros necessários e imprescindíveis ao desempenho das relevantes funções do Poder Legislativo Municipal, o que jamais poderia significar o esbanjamento do dinheiro público. Ressalta que nada estava a impedir que a lei orçamentária do município estabelecesse outro percentual inferior ao limite máximo (de 7% no caso), estabelecido pela Constituição, e que bastasse para atender as reais e imprescindíveis necessidades do Poder Legislativo Municipal; como, porém, dessa maneira seriam necessárias suplementações de verbas para cobrir eventuais despesas extraordinárias, Estabeleceu-se, então, por conveniência política-administrativa, num consenso entre o Executivo e o Legislativo Municipal de Foz do Iguaçu, a fixação na lei de meios do percentual no limite máximo permitido pela Constituição, observando, porém, o repasse dos valores estritamente condizentes com as despesas da Câmara. Destaca ainda que Foz do Iguaçu está entre os quatro maiores municípios do Paraná em arrecadação e que, assim, o percentual de 7% sobre essa receita é infinitamente superior aos 6% previstos para municípios menores... Afirma que o tipo previsto no inc. XIV do art. 1º do DL 201/67 não se configurou, pois foram repassados, todos os meses, recursos suficientes ao funcionamento regular da Câmara Municipal, tudo se fez, de comum acordo, com a Presidência da Câmara e os vereadores (fl. 289), e com proteção do interesse público. Destaca ainda lição do Procurador da República João Gualberto Garcez Ramos no sentido de que, diante da autonomia dos entes políticos, sequer haveria a quem o Prefeito justificar eventual negativa de execução a lei. Ressalta também que não houve dolo,
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elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade deliberada de causar prejuízo ao erário, e que o Ministério Público aforou ação direta de inconstitucionalidade para que seja reduzido o número de vereadores de Foz do Iguaçu, para desonerar os cofres da municipalidade. Por tudo isso, pleiteia que a denúncia seja rejeitada, uma vez que as investigações foram feitas pelo Ministério Público, ou que a acusação seja desde logo julgada improcedente.
3. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo recebimento da denúncia, não oferecendo o benefício da suspensão do processo.
É o relatório.
VOTO.
4. A defesa propugna pela nulidade absoluta do inquérito penal, vez que conduzido pelo próprio órgão de acusação. Argumenta que a Constituição Federal concedeu ao Ministério Público apenas atribuições para a condução de inquérito civil. Ao presidir verdadeiro inquérito penal, rotulado de Processo Administrativo Ministerial, estaria o Ministério Público a infringir o art. 129, inc. III, do diploma constitucional, extrapolando, assim, os poderes concedidos pelo legislador originário. Ora, na visão do STF, o inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é enquanto dominus litis o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária (HC n. 73.271-2/SP, 1a Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/10/96, pág. 37.100). Assim, legitimado para a propositura da ação penal pública, óbice algum há em que o Ministério Público conduza as investigações administrativas, já que tal procedimento lhe é destinado. No caso, a denúncia vem amparada em processo administrativo realizado pela Promotoria de Justiça Especializada de Defesa ao Patrimônio Público da Comarca de Foz do Iguaçu, instaurado com fundamento nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e art. 26 da Lei Federal nº 8.625/93, mediante provocação da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu (ofício nº 13, de 03.02.03), que noticiou a violação do art. 29-A da Constituição Federal. E se dos fatos apurados em procedimento administrativo regularmente instaurado há notícia de crime, a propositura de ação penal com base nessas investigações é legítima, não se podendo falar em prova ilícita. Aliás, o e. STJ já decidiu que: Não há ilegalidade nos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos a fim de instruir seus procedimentos administrativos, visando a eventual oferecimento de denúncia, havendo previsão constitucional e legal para tanto (RHC 11.888/116, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.11.2001, p. 291). Esta Corte também já tem decidido que o Ministério Público tem legitimidade para proceder aos atos de investigação criminal (acórdão nº 15.633, rel. Des. Clotário Portugal, Ação Penal nº 133.594-0, de Foz do Iguaçu). No mesmo sentido o acórdão nº 3.287 do Grupo de Câmaras Criminais, proferido por ocasião do Mandado de Segurança nº 84.309-8 (Rel. Des. Tadeu Costa):
MINISTÉRIO PÚBLICO FASE PRÉ-PROCESSUAL INVESTIGAÇÃO DIRETA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE À DENÚNCIA ADMISSIBILIDADE PROCEDIMENTO AMPARADO NA LEI INTELIGËNCIAS DOS ARTS. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, CPP. É da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra seja de que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra- senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.
E ainda: ... 2. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar, mesmo porque proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com
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exclusividade, a ação penal pública. 3. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ... (HC 29.159/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 19.12.2003, p. 259).
Quanto ao mérito, importa destacar que, embora haja entendimento no sentido de que, a despeito de a norma constitucional utilizar a expressão crime de responsabilidade, o atraso no repasse à Câmara ou o envio a menor ou a maior não seria, por si só, crime, mas infração político-administrativa (Hely Lopes Meirelles, in: Direito Municipal Brasileiro, 11ª edição, Malheiros, 2000, pág. 680), não se pode ignorar corrente em sentido oposto, à qual se filia, dentre outros, Tito Costa, renomado autor de Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores (4ª edição, RT, 2002), que trata do art. 29-A, § 2º, da CF na parte referente aos novos crimes de prefeitos.
Feita, portanto, essa consideração e não obstante as fundamentadas ponderações da resposta do denunciado, verifica-se que há indícios de desrespeito à norma constitucional, já que, durante três anos consecutivos, o Prefeito deixou de repassar à Câmara Municipal o valor integral dos duodécimos, fato não negado na resposta preliminar. Pondera a defesa, todavia, no sentido de que teria havido acordo entre o Executivo e o Legislativo para que fossem repassados à Câmara apenas os recursos imprescindíveis a seu regular funcionamento, ainda que inferiores às importâncias fixadas nas leis orçamentárias. Tal assertiva reveste-se de veracidade, em face da fotocópia do ofício datado de 27.08.03 pelo qual Ney Patrício, Presidente da Câmara em exercício, esclarece ao Prefeito que os valores que esse Executivo vem repassando a esta Câmara, na média de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) mensais, têm atendido às despesas básicas desta Casa... e ressalta que, eventualmente, quando tivemos outras despesas não comportadas no valor do repasse, fizemos solicitação a esse Executivo de determinada quantia a maior e sempre fomos prontamente atendidos... (fl. 300). Há ainda fotocópia (também não autenticada) de ofício datado de 16.04.02 pelo qual Dilto Vitorassi, Presidente da Câmara, indica ao Prefeito as dotações orçamentárias que poderão ser reduzidas, referente ao remanejamento de dotações desta Câmara, para o orçamento do poder Executivo, no valor de R$ 1.325.000,00 (um milhão, trezentos e vinte e cinco mil reais) fl. 307. Esses, porém, são os únicos documentos a corroborar a alegação da defesa e é evidente que, na fase em que se analisa a mera viabilidade da denúncia, esses dois ofícios são incapazes de elidir os fundamentos da acusação. É que a própria Câmara Municipal foi quem deu início à investigação reclamando dos repasses a menor, fato que, em princípio, coloca em dúvida a existência de um consenso entre os Poderes do Município para repasse de verbas a menor.
Ressalte-se ainda que, na hipótese de não ser verídico o alegado acordo entre o Prefeito e os Vereadores, não há que se falar que o acusado estaria protegendo o interesse público, pois o repasse é ato vinculado, e não discricionário. Se o Prefeito acredita que o cumprimento da Lei Orçamentária acarreta esbanjamento do dinheiro público, deveria socorrer-se dos meios legais de proteção do erário.
Impõe-se, desse modo, o recebimento da denúncia, para melhor apuração dos fatos e da análise da ocorrência, ou não, de dolo específico, elemento inerente aos crimes de responsabilidade previstos no DL 201/67.
Importa observar que não se faz necessário que o acusado seja afastado do cargo. Isso porque o afastamento é medida de exceção que só pode ser adotada quando presente, além do fumus boni iuris, o periculum in mora, este representado por comprovado embaraço que o réu esteja causando à produção de provas e à instrução do processo, o que não ocorre no presente caso. Nesse sentido: O afastamento do Prefeito Municipal acusado de crime de responsabilidade funcional do exercício de um cargo durante a instrução criminal é medida séria de conseqüências graves para a administração, com reflexos às vezes negativos na vida política local. Por isso, só deve ser determinado quando ocorrer gravidade excepcional que o justifique. (Acórdão nº 11.771, rel. Des. NUNES DO NASCIMENTO.)
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em receber a denúncia, sem afastamento do acusado do cargo, nos termos do voto do Desembargador-Relator. Vencido o Desembargador Leonardo Lustosa, que rejeitava a denúncia.
Acompanhou o voto do Relator o eminente Desembargador TELMO CHEREM.
Curitiba, 26 de fevereiro de 2004
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________________________________________________________________________________________ Prof. EDUARDO MAHON
CARLOS HOFFMANN Presidente e Relator
LEONARDO LUSTOSA Vencido, com declaração de voto
HABEAS CORPUS Nº 152.871-4, DE CASCAVEL.
IMPETRANTE : NILTON RENEVILL (EM FAVOR PRÓPRIO).
RELATOR : DES. TADEU COSTA.
MINISTÉRIO PÚBLICO - Fase pré-processual - Investigação direta - Instauração de procedimento e colheita de provas para servir de base à denúncia - Admissibilidade - Procedimento amparado na lei - Inteligência do art. 129, I, VI, VII e VIII, CF e art. 4º, parágrafo único, CPP. da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.
\HABEAS CORPUS - Prisão preventiva - Motivos que a autorizam - Existência de indícios de envolvimento do paciente no crime - Ordem denegada.
1. Se os indícios revelam-se suficientes para instauração de ação penal, são também aptos a servir como base para o decreto de prisão preventiva. 2. A primariedade, profissão definida, família constituída e residência fixa, por si sós não afastam a possibilidade de prisão preventiva, desde que demonstrada a necessidade da custódia. 3. Contendo os autos elementos idôneos a supor que, solto, o paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal, há motivos suficientes para manutenção do decreto de prisão preventiva.
VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de habeas corpus nº 152.871-4, de Cascavel, em que é impetrante Nilton Renevill, em seu próprio favor, e impetrado o Dr. Juiz de Direito da 2a Vara Criminal da referida comarca.
1. Nilton Renevill, denunciado perante o Juízo da 2a Vara Criminal da comarca de Cascavel como incurso no art. 14, da Lei nº 6.368/76, art. 121, § 2º, I, IV e V (2 vezes), c.c. art. 29, ambos do Código Penal, e art. 344, do mesmo Código (2 vezes), observada a regra do art. 69, também do Código Penal, por sua advogada, impetra a presente ordem de habeas corpus, em seu próprio favor. Alega, em síntese, que se encontra preso desde a data de 13 de janeiro de 2004 em virtude de prisão preventiva que lhe foi decretada pelo MM. Juiz da 2a Vara Criminal da comarca de Cascavel, segundo consta para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Sustenta que a denúncia é nula pois se encontra alicerçada em depoimentos testemunhais eivados de nulidade porque colhidos em procedimento investigatório arbitrário e ilegal levado a cabo pelo Ministério Público, que não possui investidura legítima para atuar dentro das atividades institucionais da Polícia. Menciona que o depoimento prestado por Marcelo David de Siler perante o Ministério Público foi realizado sem assistência da defesa, sendo que, em Juízo, o mesmo co-réu desmentiu o que constara daquele depoimento e afirmou que o havia dado daquela forma porque estava sob pressão dos Promotores e de policiais presentes ao ato, sendo arbitrária e abusiva a atitude da Promotoria de Investigações Criminais de Cascavel. Argumenta que, embora provada a materialidade dos crimes de homicídio, é duvidosa a prova da autoria, assim como também é duvidosa a prova quanto à materialidade dos crimes de associação para o tráfico e favorecimento à prostituição. Prossegue o impetrante-paciente
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afirmando que não existem indícios de autoria que justifiquem a medida extrema, e, além disso, possui residência fixa na comarca de Cascavel há trinta anos, com profissão de fotógrafo há quinze anos, possuindo família (mulher e filhos), nunca tendo se ausentado da comarca durante o procedimento. Assevera que não se justifica a sua prisão preventiva, pois o clamor público reside no deslinde da causa e não em acusações infundadas de ameaças e intimidações, nada havendo, também, que indique probabilidade de o impetrante-paciente se retirar da comarca da culpa. Pede que lhe seja concedida ordem de habeas corpus, com conseqüente expedição de alvará de soltura. A impetração veio instruída com os documentos de fls. 19-714. Negada a liminar (fls. 722-723), e prestadas as informações de estilo, (fls. 730-741), colheu-se o pronunciamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça Dr. Ricardo Maranhão (fls. 745-752), se manifestou pela denegação do writ. É, em síntese, a necessária exposição.
2. O paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 14, da Lei nº 6.368/76, do art. 121, § 2º, I, IV e V (2 vezes), c.c. art. 29, ambos do Código Penal, e do art. 344 do Código Penal (2 vezes), observada a regra do art. 69, também do Código Penal, imputando-se-lhe as condutas de: a) em época anterior a setembro de 2002 ter se associado aos co-réus Eliseu José da Silva, Leandro Rodrigues e Roberto Aparecido Bonfant, para a prática de reiterados crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, como cocaína e crack, formando organização estável e duradoura com divisão de tarefas, valendo-se de armamento pesado como pistola ponto 40 e espingarda calibre 45, dentre outros, sendo que aos três primeiros incumbia a tarefa de coordenar a distribuição dos tóxicos, fornecendo-os, e ao último a de repassá-los a freqüentadores da Lanchonete Altas Horas, em que trabalhava como segurança; b) ter planejado juntamente com os citados co-réus, e executado, juntamente com os co-réus Eliseu José da Silva e Marcelo David de Siler, mediante recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, o assassinato das jovens Silvana Aparecida Novachoski e Jaqueline dos Santos, na madrugada de 23 de setembro de 2002, porque estas conheciam as atividades da organização criminosa, possuíam dívidas por aquisição de tóxicos e não lhes pagavam; c) ter praticado grave ameaça a Juliana Ribeiro e Leidimara Moreira da Silva com intuito de fazer com que estas se abstivessem de contar o que sabiam a respeito dos mencionados delitos. Oferecida a denúncia, o MM. Juiz, acolhendo requerimento do Ministério Público, decretou a prisão preventiva do paciente e dos co-réus Eliseu José da Silva, Roberto Aparecido Bonfante e Marcelo David de Siler, para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, em decisão suficientemente fundamentada no que diz respeito ao paciente (fls. 676-678/TJ).
2.1 Improcede a alegação de nulidade das investigações formulada pelo impetrante. É de se destacar que esta Câmara Criminal (HC nº 140.465-5; HC nº 140.137-6) e o Grupo de Câmaras Criminais deste Tribunal (MS nº 84.309-8; MS nº 84.434-6; MS nº 85.255-9; MS nº 140.644-6) tem reiteradamente decidido no sentido de que é da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I), sendo que, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra seja de que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II e 13, II), seria contra senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações. Nesse sentido também as decisões do Superior Tribunal de Justiça (RHC nº 8.025/PR; HC nº 7.445/RJ; MS nº 5.370/DF). Além disso, como bem salientou o doutor Procurador de Justiça em seu judicioso parecer de fls. 745-752:
Inobstante mediante parceria com o Ministério Público Estadual, a atuação da polícia judiciária se fez presente, união esta que levou ao sucesso das investigações efetuadas. O inquérito policial foi regularmente instaurado, inclusive em data anterior a procedimento investigatório (fl. 47), e como peça administrativa que é, tendo por objeto fornecer elementos ao titular da ação penal para que decida sobre a viabilidade ou não do oferecimento da inicial acusatória, não é sequer obrigatório. Isso porque, tais indícios podem ser obtidos por outros meios, que de igual maneira, indiquem a existência da infração penal e a respectiva autoria, com a finalidade de formar a' opinio delicti' do órgão acusador. Desta forma, como peça informativa, onde não vigem os princípios atinentes ao processo penal, dentre os quais destacam-se o contraditório, a ampla defesa, e o devido processo legal,
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eventual irregularidade ocorrida na fase indiciária, não afeta a ação penal a que deu origem. Ademais, como é cediço, nosso sistema de nulidades adotou como critério a não declaração de nulidade que não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (artigo 563 do Código de Processo Penal), o que não foi demonstrado pelo impetrante. ....
2.2 Quanto aos indícios de autoria, há suficientes nos autos indicando a pessoa do paciente como um dos executores dos crimes de homicídio e como autor dos demais crimes que lhe são imputados, conforme se constata dos depoimentos de Marcelo David Siler (fls. 457-459/TJ e 477-483/TJ), Leidimara da Silva (fls. 595-600/TJ), Andréia Posser (fls. 601-608/TJ), Juliana Ribeiro (fls. 619-621/TJ), e de Eliete Torres da Silva (fls. 610-613/TJ), estando bem demonstrados na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente (fls. 676-678/TJ). Da mesma forma, o decreto de prisão preventiva alude à prova da materialidade dos fatos delituosos imputados ao paciente, lembrando-se que os delitos de associação para o tráfico de entorpedentes e o de coação no curso do processo possuem natureza formal, sendo bastante os indícios de existência desses crimes, constantes dos autos e apontados pelo impetrado. Esses indícios de autoria e materialidade se revelam tão suficientes que serviram de suporte para a instauração da respectiva ação penal. Ora, se esses indícios foram suficientes para o recebimento da denúncia, da mesma forma o são para efeito de decretação da prisão preventiva. No que se refere aos demais requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, a decisão questionada afirma que, segundo os depoimentos constantes dos autos, o paciente seria o chefe da quadrilha criminosa e executor dos homicídios. Além disso, a denúncia imputa ao paciente o cometimento de crime de coação no curso do processo, ou seja, de usar de grave ameaça contra duas testemunhas para que não contassem a verdade sobre os fatos. E, como asseverou o doutor Procurador de Justiça:
Não bastassem tais fatos, observa-se ainda dos autos que o paciente ostenta péssimos antecedentes criminais, respondendo a outras ações penais no Juízo de origem, demonstrando ser contumaz descumpridor da lei penal. Portanto, assiste razão ao Juízo Monocrático em manter o segregamento do paciente, na medida em que, além de existir fundado receio de fuga, com o objetivo de frustrar a aplicação da lei penal, tendo em vista o desmantelamento da quadrilha criminosa da qual supostamente faz parte, sua libertação traria desconforto à comunidade, inclusive, gerando a imagem de impunidade e conseqüente mácula à credibilidade da justiça. Além disso, o paciente evadiu-se do distrito da culpa, visto que possui decreto de prisão em seu desfavor desde o mês de agosto de 2003, em processo que responde pela prática, em tese, de dois crimes de roubo qualificado, o que dificultou a investigação criminal da ação penal, ora em exame, criando obstáculos à administração da justiça, além de por em risco a aplicação da lei penal o que, por si só, justifica a necessidade de seu encarceramento.
Deste modo, mostra-se correta a decisão que decretou sua segregação cautelar, na medida em que, inobstante sustente ser pessoa trabalhadora e responsável, seus antecedentes demonstram exatamente o contrário, ou seja, que possui conduta social desregrada, estando de forma constante envolvido na prática de atos ilícitos.
E tais dados objetivos, constantes dos autos, levam a supor que, solto, o impetrante-paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal. Outras condições pessoais que possam ser favoráveis ao paciente, como primariedade, ter profissão definida, família constituída e residência fixa, por si sós não afastam a possibilidade de prisão preventiva, desde que demonstrada a necessidade da custódia, como se verifica in casu (RTJ 123/481; 123/509).
Daí, com acerto, a decisão proferida pelo impetrado, que decretou a prisão preventiva do paciente, a qual, embora sucinta, foi editada através de motivação adequada, concreta e vinculada a fatos concretos, conhecidos e comprovadamente existentes nos autos, que deram ensejo à instauração da ação penal. E estando fundada em elementos idôneos a supor que, solto, o paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal, há motivos suficientes para manutenção do decreto de sua prisão preventiva.
Ante o exposto:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, denegar a ordem impetrada.
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Presidiu a sessão o Desembargador Relator e participaram do julgamento o Desembargador Clotário Portugal Neto e o Juiz Convocado Miguel Kfouri Neto.
Curitiba, 04 de março de 2004
DES. TADEU COSTA Relator
DENÚNCIA CRIME N.° 133.995-7, DE WENCESLAU BRAZ.
DENUNCIANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
DENUNCIADOS : 1) CAROLINA BATISTÃO DE SOUZA;
2) ALTHAIR FERREIRA DOS SANTOS; e
3) MARCELO JOÃO DE SOUZA PINTO.
RELATOR : JUIZ CONVOCADO LAERTES FERREIRA GOMES.
DENÚNCIA CRIME - Prefeita Municipal - Co-autoria - Delitos capitulados no art. 1º, incisos I e V, do Decreto-lei n.º 201/67, c.c com os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, e art. 304, do referido diploma legal (1ª e 3ª série dos fatos); e art. 1º, inciso I, do mencionado decreto-lei, c.c com os arts. 14, inciso II, 29, 69 e 304, do estatuto repressivo (2ª série de fatos) - Legitimidade do Ministério Público em proceder atos de investigação criminal - Nulidade repelida - Inépcia da denúncia - Alegação inconsistente - Peça acusatória formalmente perfeita - Descrição de fatos que constituem crimes em teses - Recebimento - Pedido de afastamento do cargo requerido pelo Ministério Público - Indeferimento - Inexistência de motivos que justifiquem a prisão preventiva dos denunciados.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de denúncia crime n.º 133.995-7, de Wenceslau Braz, em que é denunciante o Ministério Público do Estado do Paraná e denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.
1. O órgão do Ministério Público, com base nas inclusas peças informativas e com fulcro no art. 29, inciso X, da Constituição Federal e arts. 16, inciso VIII, e 101, inciso VII, letra a, ambos da Constituição Estadual, ofereceu denúncia contra Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, como incursos nas sanções do art. 1°, incisos I e V, do Decreto-lei n.° 201/67, c.c art. 29, art. 69 e art. 304 do Código Penal (1° e 3° série de fatos), e art. 1°, inciso I e c.c arts. 14, inciso II, 29, 60 e art. 304 do Código Penal (2° série de fatos) pela prática dos fatos delituosos assim narrados na exordial acusatória:
DOS ANTECEDENTES:
Após a realização de diversas diligências, incluindo escuta telefônica (fls. 3 a 262 - vol. 1 e 2), por policiais do GERCO (Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado) em conjunto com a Promotoria de Investigações Criminais na Comarca de Ribeirão do Pinhal - Pr., foi desarticulada uma quadrilha que agia na região do Norte Pioneiro do Estado do Paraná, e praticava entre outros delitos, a venda e fornecimento de notas fiscais falsas, emitidas indevidamente e nas quais figuravam como destinatárias Prefeituras da região. Tais documentos falsos eram utilizados para empenho e recebimento de verbas públicas municipais ilegalmente, já que as operações ali retratadas ou não existiam ou eram em valores bem menores. Citadas notas fiscais foram encontradas principalmente na residência de Valter Abras (ex-prefeito do Município de Jundiaí do Sul - 1997/2000) e na residência de Brasil Nicolau, originando a Denúncia oferecida ao Juízo de Direito da Comarca - fls. 291 a 310 - vol. 2), iniciando ação penal para persecução dos crimes ali perpetrados. Posteriormente, no mês de agosto de 2002, foi realizada inspeção local pelo Ministério Público na Prefeitura Municipal de Wenceslau Braz, cujo nome figurava em inúmeros documentos apreendidos, bem como teve secretários municipais citados nas gravações. Nas degravações telefônicas realizadas pela equipe da PIC/GERCO existem diversos trechos de conversas sobre negociações suspeitas que envolvem a Prefeitura de
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Wenceslau Braz, dirigida pela denunciada Carolina Batistão de Souza, de cujos diálogos participam ou são citadas as pessoas dos denunciados Althair Ferreira dos Santos (vulgo Taico), secretário municipal de administração, e Marcelo João de Souza Pinto, filho da Prefeita ora denunciada, que é secretário municipal de Governo e, interinamente, também secretário municipal de saúde.
1ª SÉRIE DE FATOS
A denunciada Carolina Batistão de Souza, exerce o cargo de prefeita do Município de Wenceslau Braz - PR desde o ano de 1997 (gestão 1997/2000), tendo sido reeleita para a gestão 2001/2004. Foi constatado que durante este período, mais especificamente nos anos de 2000 e 2001, a denunciada Carolina Batistão de Souza elaborou um plano em conjunto com os denunciados Althair Ferreira dos Santos (vulgo Taico), secretário municipal de administração, e Marcelo João de Souza Pinto, filho da Prefeita denunciada e secretário municipal de Governo respondendo, interinamente, também como secretário municipal de saúde, visando apropriarem-se de elevada soma de verbas públicas municipais, face a facilidade de manipulação e contabilização de documentos falsos ou adulterados na contabilidade da Prefeitura de Wenceslau Braz.
Para tanto, os denunciados obtiveram na Comarca de Ribeirão do Pinhal, notas fiscais falsas e outras adulteradas, nas quais constavam como destinatária a Prefeitura de Wenceslau Braz, cuja inidoneidade foi constatada pelo Fisco (relatório de fls. 102 - apenso 11 a 1.180 - apenso 16 da Inspetoria Geral de Fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná), e as utilizavam como comprovantes de despesas contabilizados junto à Municipalidade, na maioria dos casos com valores entre R$ 6.000,00 e R$ 7.900,00, muito próximos do limite de dispensa licitatória, e ainda, com faturamento sistemático mensal (uma única nota fiscal por mês/ empresa) ao longo de diversos meses seqüenciais, o que mostra um tipo de procedimento vicioso.
Entre as notas fiscais inidôneas utilizadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, para realizarem operações contábeis simuladas e apropriarem-se de verbas públicas municipais de Wenceslau Braz no valor de R$ 124.424,61 estão as seguintes:
ABBA TORNEARIA LTDA - localizada em Londrina -PR
NF. PREF.(1)COMPR. PGTO PREF.NF EMPRESA (2)
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.
3) constatação do Fisco Estadual.
Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 114 - ap. 11) assinado pelo sócio-gerente da empresa em questão, Gilberto Daniel Rodrigues, na presença do Fisco, as nfs. n° 701 a 750 (anexas à fl. 97 - ap. 6) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece operações comerciais nelas registradas.
CASA MÉDICA COMÉRCIO DE PRODUTOS HOSPITALARES LTDA - localizada em Londrina-PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).
(3) constatação do Fisco Estadual.
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(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 15 a 27 - ap. 2), mas pertence ao mesmo talonário, em função da proximidade numérica.
(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.
(6) no corpo deste consta anotação: pago 3.779,52 + 1.100,00; resta 2.412,48.
7) não constam entre as notas fiscais apreendidas (fls. 15 a 27 - ap. 2).
NOGARI & ROSA LTDA - medicamentos - Londrina-PR
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).
(3) constatação do Fisco Estadual.
(4) a nf. 214 apreendida (fl. 42 - ap. 2), dada à proximidade numérica, deve pertencer ao mesmo talonário na nf. em tela ou a um outro dublê deste. O Fisco coletou uma via com este número, na empresa (fl. 550 - ap. 13), que apresenta dados do destinatário, discriminação de itens, valores unitários e total diferentes daqueles constantes na apreendida, razão pela qual considerou esta inidônea (fl. 107 - ap. 11).
(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.
Comentários: em 07/01/99, conforme 2ª alteração de contrato social, dado à mudança no quadro societário, a denominação comercial passou a ser Nogari & Ruiz Ltda (fls. 560 a 561 - ap. 13). De acordo com a 3ª alteração (fls. 562 a 563), em 03/07/02, ingressou na sociedade a pessoa de Donizete Aparecido de Carvalho, quando o nome comercial da empresa passou para Moreira & Carvalho Ltda, e com a 4ª alteração (fls. 564 a 565), datada de 15/10/01, o referido sócio tornou-se administrador da mesma, que recebeu o nome de D.M.C. - Comércio de Medicamentos Ltda. Tal pessoa aparece como denunciada na Ação proposta pela Promotoria de Justiça de Ribeirão do Pinhal (fls. 291 a 310 - vol. 2), na qual consta que a mesma possui a alcunha de Doni, tida como braço direito de Valter Abras, segundo relatório da PIC/GERCO (fl. 163 - vol. 1). O quadro anterior registra operações comerciais após o ingresso do referido sócio. Os agentes da SEFA, em diligência ao endereço constante em seu cadastro, receberam informação (fl. 547 - ap. 13) de que a empresa e os sócios encontravam-se em local ignorado, o que foi reiterado pelo contador, que encaminhou informação ao Fisco (fl. 548), no sentido, inclusive, de colocar a documentação da empresa à disposição do mesmo.
SUPERMERCADO BARRETO LTDA - localizado em Sto. Antônio da Platina - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.
(3) constatação do Fisco Estadual.
(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 100 - ap. 9), porém, os dados desta divergem daqueles registrados na empresa, o que reforça a tese de fraude me prejuízo do erário público municipal.
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(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.
Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 797 - ap. 14) assinado pelo sócio-proprietário da empresa em questão, na presença do Fisco, as nfs. n.º 401 a 450 (apreendidas; consideradas inidôneas - fl. 109 - ap. 11) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece as operações comerciais nela registradas. O registro de saídas (fls. 839 a 855 - ap. 14) contempla os dados das nfs. apresentadas pelo empresário (fls. 798 a 838).
TAMANN CHAMMA BARBAR - gêneros alimentícios - localizados em Jundiaí do Sul - PR
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.
(3) constatação do Fisco Estadual.
(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 60 a 71- ap. 5), mas pertence ao mesmo talonário numérico, em função da proximidade numérica.
Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fls. 857 - ap. 15) assinado pela titular da empresa em questão, na presença do Fisco, as nfs. apreendidas (consideradas inidôneas - fl. 109 - ap. 11) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece as operações comerciais nelas registradas, cujas quantidades estão além das habitualmente mantidas em estoque; nunca realizou venda ao Município em tela. O Fisco coletou junto à empresa a 3ª via das nfs. n.º 6251 a 6339 (fls. 858 a 946 - ap. 15), cujo intervalo inclui as apreendidas. Assim, comprovou-se que as notas fiscais contabilizadas e pagas pela Prefeitura, acima relacionadas, consideradas somente aquelas que foram apreendidas na Comarca de Ribeirão do Pinhal, em poder de Valter Abras e Índio Brasil Nicolau ou possuem numeração próxima destas, cujos dados divergem das vias, ou registro de saídas originais coletados pelo Fisco - SEFA junto às empresas, totalizam R$ 124.424,61, valores estes apropriados pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, mediante o empenho de documentos inidôneos, referentes a operações não existentes e que resultaram a apropriação de dinheiro público decorrente da liquidação dos referidos empenhos. Observa-se que as notas originais possuem valores significativamente inferiores aos daquelas, de numeração correspondente, que serviram como comprovantes de despesas junto ao Tesouro Municipal. Existem outros casos de notas fiscais registradas como despesas na Municipalidade que, embora os agentes fiscais não tenham coletado subsídios relativos as mesmas junto às empresas, caracterizam indícios de apropriação indébita ou desvio criminoso de verbas públicas, pois a numeração destas aproxima-se (ou faz seqüência) das vias dos documentos fiscais apreendidos, entre outras peculiaridades demonstradas. A declaração de tesouraria do Município (fls. 698 e 699 - vol. 4), que informa a existência de pagamentos realizados exclusivamente em dinheiro, sacado possivelmente por meio de cheques da Municipalidade nominais à si própria (espelhos - fls. 700 a 707), configura prática que não é admitida na Administração Pública, pois os pagamentos devem ser efetivados somente com cheques ou ordens de pagamento bancárias nominais aos credores, segundo entendimento formado a partir do art. 65 da Lei n° 4.320/64, c/c o art. 74, §2°, do Decreto-lei n° 200/67, realizando assim também os denunciados despesas em desacordo com as normas financeiras pertinentes estabelecidas nas citadas leis.
2ª SÉRIE DE FATOS - TENTATIVA
Também foi apurado que em poder das pessoas de Valter Abras e Brasil Nicolau, que respondem a ação penal perante o Juízo de Direito da Comarca de Ribeirão do Pinhal - fls. 291 a 310 - vol. 2), foram apreendidas notas fiscais falsas no valor de R$ 238.837,61, encomendadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto as quais já estavam devidamente prontas para serem empenhadas na Prefeitura Municipal de Wenceslau Braz, cujo produto da operação ilegal seria dividido entre os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, e que efetivamente, só não ocorreu a utilização dos documentos falsos e conseqüente apropriação de verbas públicas municipais pelos
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denunciados acima citados, nos mesmos moldes em que vinham operando, em razão de circunstâncias totalmente alheias a vontade dos mesmos, ou seja, porque houve a apreensão das referidas notas pela polícia na Comarca de Ribeirão do Pinhal, antes de serem utilizadas pelos denunciados para a apropriação de mais verbas públicas do erário municipal de Wenceslau Braz. Entre as notas fiscais falsas que seriam usadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto estão as seguintes:
As notas fiscais que não são da série consumidor e que, portanto, deveriam contemplar o destaque do ICMS em sua grande maioria, não atenderam tal exigência fiscal. Isso reforça a tese de que tais documentos foram emitidos, exclusivamente, com a intenção de viabilizar o desvio e/ou apropriação de recursos financeiros da Prefeitura de Wenceslau Braz, uma vez que, caso tivessem sido empregados para atender a operações comerciais legítimas, não apresentariam esse tipo de falha de preenchimento.
3ª SÉRIE DE FATOS
Também resultado da inspeção local na Prefeitura de Wenceslau Braz foram constatadas irregularidades em diversas notas fiscais empenhadas e pagas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, configurando prática que não é admitida na Administração Pública, pois os pagamentos devem ser efetivados somente com cheques ou ordens de pagamento bancárias nominais aos credores, segundo artigo 65 da Lei n° 4.320/64 c/c artigo 74, §2°, do Decreto-lei n° 200/67, realizando assim novamente os denunciados despesas em desacordo com as normas financeiras pertinentes estabelecidas nas citadas leis. Tais pagamentos, na forma como foram realizados deram margem a desvio de verbas do erário, no valor total de R$ 292.340,68, nos seguintes casos:
ANTONIO DIAS CATARINO - Gêneros alimentícios - localizada em Ribeirão do Pinhal - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.
(3) constatação do Fisco Estadual.
(4) o intervalo numérico da autorização de impressão constante no rodapé não atinge essa numeração.
(5) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 97 - ap. 6), embora a numeração de uma ou alguma destas, dada à proximidade, provavelmente, deva pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê.
(6) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 97 - ap. 6).
Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 181 - ap. 11), emitido em 15/05/02, o Fisco apresentou ao empresário o talonário de n.º 27951 a 28000, bem como citou algumas notas fiscais preenchidas em nome da Prefeitura em questão e outras duas, as quais não coincidem com as registradas no quadro anterior; o empresário, por sua vez, não reconheceu o referido bloco e mostrou os documentos originais da sua seqüência de n° 27951 a 27996. Quanto ao talonário de n.º 28516 a 28550 apresentado pelos agentes fiscais, o empresário informou que a nf. 28250 (fl. 183 - ap. 11) corresponde à última impressa pela sua empresa. Neste caso, devem ser classificadas como falsas as nfs. da milhar 28000 contabilizadas e pagas pela Prefeitura em tela. Ainda com base no referido termo, o empresário desconhece as operações registradas nas notas fiscais apresentadas pelo Fisco, bem como não lembra de ter realizado negócios com a Prefeitura em referência. Os agentes do fisco também juntaram documentos de cadastro fiscal e de natureza societária (fls. 184 a 201 ap. 11). Desta forma restou comprovado o uso de documentos inidôneos pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, para a apropriação de mais R$ 48.087,29.
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CATARINO & BRAZÃO LTDA - Materiais de construção - localizada em Ribeirão do Pinhal - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura
(2) o intervalo numérico da autorização de impressão constante no rodapé não atinge essa numeração.
(3) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl.97 - ap. 6).
Comentários: o intervalo da numeração autorizada para impressão constante no rodapé da citada nota fiscal não atinge o n.º da mesma, o que constitui indício da sua falsificação e conseqüente troca e apropriação do valor de R$ 7.900,00 pelos denunciados, observando-se ainda que o valor é próximo ao limite de dispensa para licitação.
DIVANI O. COSTA & CIA LTDA - autopeças - localizada em Curitiba - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 32 a 33 - ap. 2).
Comentários: De acordo com o termo circunstanciado (fl. 318 - ap. 12), firmado perante o Fisco, a empresária não reconheceu a autenticidade das nfs. 405 e 409 apreendidas, bem como as operações por elas expressas, quando apresentou as vias originais das mesmas (fls. 319 e 320), devidamente lançadas no livro Registro de Saídas (fl. 322), as quais possuem destinatários, objetos e valores, entre outros dados, divergentes daquelas, inclusive quanto ao padrão tipográfico e informou ainda que nunca vendeu para tal município (Wenceslau Braz). A SEFA juntou, ainda, o cadastro fiscal e o contrato social da empresa (fls. 323 a 325). Novamente os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto utilizaram de notas inidôneas no valor de R$ 15.210,00, desviando em proveito próprio tal dinheiro.
ELGIN BRITO & CIA LTDA - gêneros alimentícios -localizada em Sto. Antônio da Platina - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 34 a 37 - ap. 2), embora a numeração de uma ou algumas destas, dada à proximidade, provavelmente deva pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê.
(3) não consta entre as notas fiscais apreendidas.
Comentários: as notas fiscais nº 928, 930 e 932 coletadas pelo Fisco (fls. 360 a 362 - ap.2), possuem numeração coincidente com as apreendidas (fls. 34 a 37 - ap. 2), entretanto, foram emitidas pela denominação social Tiago Brito & Cia Ltda, cujo CNPJ e inscr. est., entre outros dados, diferem dos associados ao nome em referência, no termo circunstanciado assinado pelo empresário (fl. 359 -ap. 12) que as notas em questão não são utilizadas por sua empresa e que desconhece vendas para o município em questão. Os agentes fiscais juntaram Registro de Saídas e mapa resumo de caixa (fls. 363 a 372 - ap. 12), ambos com o referido nome; somente no cadastro fiscal aparece a denominação sob enfoque (fl. 373). A contabilização de uma nota fiscal por mês, ao longo de diversos meses, com valores próximos entre si, também demonstra ter ocorrido a ilicitude em tela contra o erário municipal, culminando no desvio de R$ 44.225,00 em favor dos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.
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J.B. COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA - autopeças - localizada em Londrina - PR.
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) a nota fiscal 126 apreendida (anexa à fl. 99 - ap. 8) possui a mesma data de emissão, valor e destinatário, além de alguma similaridade em relação aos itens discriminados; desse modo, tal fato constitui uma coincidência um tanto suspeita. Além disso, a via da nota fiscal 126 coletada pelo Fisco junto à empresa, em 16/05/02, está em branco (fl. 513 - ap. 13), o que demonstra que a mesma ainda não tinha sido emitida ou havia sido cancelada, fato confirmado pelos fiscais, dado à ausência do número no Registro de Saídas (fl. 515).
Comentários: de acordo com o termo circunstanciado assinado pelo representante da empresa (fl. 512 - ap. 13), este não reconheceu a legitimidade da nota fiscal 126 apresentada pelo Fisco (apreendida; considerada inidônea - fl. 107 - ap. 11.), bem como a operação comercial descrita na mesma. O Fisco ainda encaminhou o cadastro fiscal e a 2ª alteração contratual (fl. 516 a 519 - ap. 13). Novamente demonstrado outro desvio de R$ 7.000,00 pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.
NOGARI & ROSA LTDA - medicamentos - Londrina- PR
Observações:
(1) contabilizada pela Prefeitura.
(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).
(3) constatação do Fisco Estadual
(4) a nf. 214 apreendida (fl. 42 - ap. 2), dada à proximidade numérica, deve pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê deste. O Fisco coletou uma via com este número, na empresa (fl. 550 - ap. 13), que apresenta dados do destinatário, discriminação de itens, valores unitários e total diferentes daqueles constantes na apreendida, razão pela qual considerou esta inidônea (fl. 107 - ap. 11).
(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.
(6) não houve apreensão com esta numeração.
Comentários: em 07/01/99, conforme 2ª alteração de contrato social, dado à mudança no quadro societário, a denominação comercial passou a ser Nogari & Ruiz Ltda (fls. 560 a 561 - ap. 13). De acordo com a 3ª alteração (fls. 562 a 563), em 03/07/01, ingressou na sociedade a pessoa de Donizete Aparecido de Carvalho, quando o nome comercial da empresa passou para Moreira & Carvalho Ltda, e com a 4ª alteração (fls. 564 a 565), datada de 15/10/01, o referido sócio tornou-se administrador da mesma, que recebeu o nome de D.M.C.- Comércio de Medicamentos Ltda. Tal pessoa aparece como denunciada na Ação Penal proposta pela Promotoria de Justiça de Ribeirão do Pinhal (fls. 291 a 310 - vol. 2), na qual consta que a mesma possui a alcunha de Doni, tida como braço direito de Valter Abras, segundo relatório da PIC/GERCO (fls. 163 -vol. 1). O quadro anterior registra operações comerciais após o ingresso do referido sócio. Os agentes da SEFA, em diligência ao endereço constante em seu cadastro, receberam informação (fl. 547 - ap. 13) de que a empresa e os sócios encontravam-se em local ignorado, o que foi reiterado pelo contador, que encaminhou informação ao Fisco (fl. 548), no sentido, inclusive, de colocar a documentação de empresa à disposição do mesmo. Dada a origem da notas conclui-se que as mesmas são inidôneas e portanto foram ilegalmente empenhadas e apropriadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, resultando novamente em prejuízo ao erário na ordem de R$ 169.918,43. Este enfim é o gravíssimo panorama da Prefeitura de Wenceslau Braz, aonde restou comprovado que os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto,
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em conluio, desviaram em proveito próprio a quantia de R$ 416.765,29 sendo R$124.424,61 comprovado pela comparação das notas originais nas empresas envolvidas e 292.340,68 comprovados por dados apurados junto as empresas e outros documentos fiscais, e ainda tentaram desviar mais a importância de R$ 238.837,61, o que só não foi concluído devido a intervenção da polícia que prendeu os fornecedores das notas fiscais falsas, desarticulando a operação que era livremente praticada pelos denunciados.
Regularmente notificados, os acusados ofereceram resposta, através dos ilustres advogados René Dotti e Beno Brandão (instrumentos de mandado de fls. 861, 862 e 863), requerendo, preliminarmente, que o presente procedimento tramite em segredo de justiça, face à existência de documentos pessoais dos acusados (extratos bancários e recibos de declaração de imposto de renda). Pugnam, outrossim, pelo não recebimento da denúncia, alegando, para tanto, em síntese, os seguintes motivos, a saber: a) por vício no procedimento investigatório, diante da impossibilidade de o Ministério Público realizar investigações; b) por manifesta inépcia da denúncia, que não individualizou as condutas dos acusados; e c) pela completa inexistência de qualquer crime de responsabilidade. Por fim, sustentam que, na hipótese do recebimento da denúncia, a primeira acusada não deve ser afastada de seu cargo, tendo em vista que a pretensão formulada pelo Ministério Público é totalmente descabida, calcada em mera presunção de que a permanência no cargo poderia prejudicar a instrução criminal.
Com a resposta foram juntados os documentos de fls. 898/1186.
Em petição de fls. 1191, encaminhada através do protocolo judicial integrado, foi ofertada defesa prévia (sic) pelos acusados através do advogado Laércio A. dos Santos. Sustenta-se, em suma, a inépcia da inicial acusatória ao argumento de que, na hipótese induvidosamente, corporifica a peça vestibular de fls., inculpação ambígua, indefinida e ostensivamente deficiente, sem a presença portanto, dos essentialia, conforme exigência destacada, máxime considerando-se o aspecto do concurso de pessoas (art. 29/CPB), bem como do concurso material (art. 69/CPB), ..., não havendo explicitação quanto à dimensão da participação individual dos denunciados em relação aos delitos. Insurge-se, também, em relação ao pedido de afastamento da primeira acusada do cargo que ocupa. No tocante ao mérito, argúi a inexistência de dolo na conduta dos acusados.
Com a referida peça foram juntados os documentos de fls. 1233-1276.
Com vista dos autos, o órgão do Ministério Público, em pronunciamento de fls. 1288-1316, apresentou a documentação complementar (fls. 1317/1370) relacionada à 3ª série dos fatos articulados na peça acusatória, contestando no mais os argumentos expendidos nas defesas apresentadas e assentando que estão satisfeitos os aspectos formais, bem como presentes as condições genéricas da ação, razão pela qual pugnou pelo recebimento da denúncia.
Intimados, os denunciados manifestaram-se às fls. 1385-1389, ressaltando que os denunciados não possuem antecedentes criminais como aventou o órgão ministerial, bem como que os documentos juntados nada acrescenta, tento em vista que os cheques demonstram a forma como eram feitos os pagamentos aos credores e fornecedores, através de procedimento de Regime de Caixa, isto é, retirados em espécie, na boca do caixa do banco sacado, não havendo assim qualquer ilicitude, porque tais importâncias eram repassadas aos mesmos, em nada contrariando a Lei n.º 4.320/64 e o Decreto-lei n.º 200/67. Por fim, reiteraram o descabimento do afastamento temporário da denunciada Carolina Batistão de Souza, juntando, ainda, os documentos de fls. 1391-1496. Manifestaram-se, também, através da petição de fls. 1512-1534, subscrita pelo advogado Laércio Ademir dos Santos.
Instados os denunciados a declinarem qual o advogado os representa, compareceram os mesmos, através das petições de fls. 1672 e 1679, esclarecendo que deve prevalecer para Carolina Batistão de Souza e Marcelo João de Souza Pinto a defesa preliminar apresentada pelo escritório do Prof. René Dotti e, em relação a Althair Ferreira dos Santos a resposta apresentada por Laércio Ademir dos Santos.
Com nova vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça se pronunciou no sentido que as novas argumentações, bem como os documentos juntados não têm o condão de infirmar a peça acusatória.
É a necessária exposição.
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2. De início, cumpre ressaltar que o presente procedimento foi tumultuado face à existência de duas respostas preliminares apresentadas por advogados distintos, o que causou certa demora em sua tramitação. De outra sorte, após a adoção de medidas saneadoras, retomou seu curso normal. Para um melhor ordenamento das questões ventiladas pelos denunciados, passamos a apreciação das preliminares levantadas nas respostas respectivas.
2.1. A pretensão de que processo corra em segredo de justiça é totalmente descabida e inconsistente, porque no caso em tela não há qualquer imposição de ordem legal para a adoção de tal procedimento, pela natureza pública da persecução criminal. Assim, sem tecer maiores considerações a respeito, o pedido formulado não merece guarida, por falta de previsão legal.
2.2. Quanto a preliminar de nulidade do procedimento investigatório promovido pelo Ministério Público, esta é de ser rejeitada. O Ministério Público tem como função institucional promover a ação penal pública, podendo praticar todos os atos necessários para a sua efetivação. Tal questão já foi apreciada por esta Corte de Justiça, pelo eminente Des. Tadeu Costa, no julgamento do mandado de segurança n.º 140.644-6:
MINISTÉRIO PÚBLICO - Fase pré-processual - Investigação direta - Instauração de procedimento e colheita de provas para servir de base à denúncia - Admissibilidade - Procedimento amparado na lei - Inteligência do art. 129, I, VI, VII e VIII, CF e art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo art. 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.
Inexistindo, assim, a nulidade apontada, eis que é legítimo ao Ministério Público proceder à investigação criminal.
2.3. No tocante à preliminar suscitada nas defesas, de inépcia da denúncia, por ausência de individualização da conduta de cada um dos acusados, data venia não merece acolhida.
Com efeito não se denota na espécie a omissão de qualquer dos requisitos insertos no art. 41 do CPP, de modo a reconhecer a inépcia da peça acusatória.
Dessume-se dos autos em tela, que os fatos descritos na denúncia não causaram maiores dificuldades ou prejuízo ao exercício de defesa dos acusados.
Como é cediço, quando se trata de crime de autoria conjunta ou coletiva, como no caso ora em exame, em virtude de dificuldades de apontar com exatidão a participação de cada um dos envolvidos na prática delituosa, não é necessário que conste da exordial acusatória a descrição pormenorizada de cada partícipe. A propósito, leciona Julio Fabbrini Mirabete, Evidentemente, caso não seja possível a individualização de cada um deles como acontece, por exemplo, nos crime societários, uma descrição geral de que concorreram para o ilícito é perfeitamente aceitável (Código de Processo Penal Interpretado, 5ª ed., pág. 94).
Assim, inconsistente a preliminar aventada, razão pela qual desmerece guarida.
3. A denúncia é de ser recebida. Com efeito a exordial acusatória encontra-se formalmente perfeita, descrevendo conduta típica, ao menos em tese, não contendo nenhuma das falhas apontadas pelo art. 43 do Código de Processo Penal, a ensejar a sua rejeição, quais sejam:
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I - O fato narrado não constituir crime;
II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;
III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.
No caso em espécie, as respostas preliminares apresentadas pelos denunciados, não têm o condão de infirmar a denúncia, porque os fundamentos nelas deduzidos, não autorizam uma decisão prematura, de modo a impossibilitar que o Ministério Público possa produzir a prova da acusação.
O conjunto probatório mostra-se suficiente para a instauração da ação penal, e eventual conduta justificadora dos crimes em tese cometidos, serão objetos de apreciação durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Em resumo: não havendo motivos que justifiquem a rejeição da denúncia, seu recebimento é de rigor.
4. Passamos, nesse item, a análise do pleito ministerial, do afastamento do cargo da prefeita municipal. Em atenção ao contido no art. 2º, inciso II, última parte, do Decreto-lei n.º 201/67, ao contrário sustentado pelo Ministério Público, não há motivos a ensejar a medida extrema do afastamento da denunciada do cargo que ocupa durante a instrução criminal. Aqui, o pedido de afastamento não pode ser acolhido, uma vez que não restaram comprovados motivos concretos, suscetíveis para a decretação dessa medida excepcional, com graves conseqüências e repercussões na municipalidade. A decretação da medida, com base em meras considerações sobre a conduta moralmente xigida para o desempenho do cargo do Executivo Municipal, bem como para a preservação do erário municipal, sem indicar fato concreto evidenciando sua necessidade, não atende ao princípio do estado de inocência que impera em nosso ordenamento jurídico. Neste sentido:
"O afastamento do prefeito municipal acusado de crime de responsabilidade funcional do exercício de seu cargo durante a instrução criminal, é medida séria de conseqüências graves para a administração, com reflexos às vezes negativos na política local. Por isso, só deve ser determinado quando ocorrer gravidade excepcional que o justifique." (TJ/SP, Rec. Crim.60594-3, 5 Câmara Criminal, Rel. Des. Cunha Bueno, RT 629/321).
Na espécie, inexiste motivo plausível ao pretendido afastamento pelo órgão acusador.
5. Por fim, relativamente à prisão preventiva, impende gizar que, afetando a liberdade dos acusados, antes da decisão final do processo em que poderão ser absolvidos, constituindo-se tal medida em recurso marcadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando, indeclinavelmente necessário. Sob qualquer ângulo de qualquer doutrina ou ponto-de-vista, não se pode deixar de reconhecer que a prisão anterior ao julgamento é a medida mais grave que se possa tomar em nome da lei ou da defesa social em relação a um indivíduo.
Exatamente por isso, esta Câmara Criminal vem, reiteradamente, decidindo que, tratando-se de medida de exceção, a prisão preventiva só é cabível em situações especiais, ou seja, quando presente, de forma clara e inquestionável, uma das circunstâncias que autorizam a sua decretação. Fora dessa hipótese, deve ser evitada, máxime considerando que ela é sempre uma punição antecipada (Habeas Corpus n° 38.168-8, de Curitiba; Habeas Corpus n°68.084-6, de Antonina; Habeas Corpus n° 74.086-7, de São José dos Pinhais; Habeas Corpus n° 75.442-9, de Colombo; entre outros).
A propósito, assinala Damásio E. de Jesus:
O decreto de prisão preventiva deve ser convincentemente motivado. Não sendo suficientes meras conjecturas de que o réu poderá fugir ou impedir a ação da justiça. Assim, a fundamentação não pode se basear em proposições abstratas, como simples ato formal, mas resultar de fatos concretos (Código de Processo Penal Anotado, 8ª ed., Saraiva, págs. 194-195).
Pois bem. No caso em espécie, não se vislumbra motivo algum que justifique a decretação da medida constritiva cautelar. Na verdade, nada, absolutamente nada, há indicando que os denunciados dificultarão a instrução criminal, tampouco que pretendam subtraírem-se aos efeitos de eventual
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condenação. Logo, não existe, na hipótese em exame, necessidade do encarceramento por conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal. Igualmente, não há fatos concretos que autorizem a decretação da custódia preventiva como garantia da ordem pública. Aliás, vale observar que, consoante a melhor jurisprudência, a gravidade abstrata do delito, a reprovabilidade do fato e o conseqüente clamor público não constituem motivos idôneos à prisão preventiva se falta demonstração, em concreto, do periculum libertatis do acusado.
Ante o exposto:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em rejeitar as preliminares argüidas, receber a denúncia e indeferir o pedido de afastamento da denunciada do cargo de Prefeita Municipal de Wenceslau Brás.
Presidiu a sessão o Desembargador Tadeu Costa, sem voto, e participaram do julgamento o Desembargador Clotário Portugal Neto e o Juiz Convocado Miguel Kfouri Neto.
Curitiba, 18 de março de 2004
Juiz Conv. Laertes Ferreira Gomes Relator
HABEAS CORPUS CRIME Nº 144628-8, DE RIO BRANCO DO SUL VARA ÚNICA.
IMPETRANTE: ADOLFO LUIS DE SOUZA GOIS (Advogado).
PACIENTE: BENTO ILCEU CHIMELLI.
RELATOR: DES. JESUS SARRÃO.
1. HABEAS CORPUS CRIME. PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.
- Não é de se conceder o presente Habeas Corpus se o magistrado de primeiro grau decretou a prisão preventiva do paciente como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal apresentando fundamentação idônea com base em elementos concretos existentes nos autos.
2. HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.
- O Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem legitimidade para realizar atos de investigação visando obter elementos probatórios para eventual propositura de ação penal pública. Precedentes do Pleno do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Crime nº 144628-8, de Rio Branco do Sul Vara Única, em que é impetrante Adolfo Luiz de Souza Góis (Advogado) e paciente Bento Ilceu Chimelli.
Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Adolfo Luis de Sousa Góis, advogado, em favor de Bento Ilceu Chimelli, sob a alegação de estar o paciente a sofrer constrangimento ilegal, posto que a Drª Juíza que decretou a prisão preventiva não apreciou os argumentos de que: (a) os depoimentos de três testemunhas foram colhidos pelo Ministério Público, seis meses após o crime; (b) o paciente nas demais ações penais que responde jamais teve a sua prisão preventiva decretada; (c) independentemente da apresentação do paciente, este não se furtou à aplicação da lei; (d) não é
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possível a decretação da prisão preventiva pela presença do clamor público; e (e) a obtenção da suposta arma do crime, apreendida sem mandado judicial a respeito, foi ilícita.
Sustenta-se, também, que: (a) não se pode decretar a prisão preventiva com base no clamor público, com base em matéria jornalística, que sequer citou o nome do paciente, pois esta foi publicada sete meses antes do decreto de prisão e o clamor público não é causa legal para a decretação da prisão preventiva; (b) não há o fundamento da garantia da aplicação da lei penal, posto que não há nos autos qualquer indício de que o paciente foi chamado ao processo; (c) a prisão foi decretada também com base na apreensão de armas e munições ocorrida na residência do paciente em outro procedimento de natureza criminal, não se podendo embasar em fatos estranhos a lide; (d) o paciente está em falimentar estado de saúde, estando-se diante da excludente do estado de necessidade, onde se deve optar pela vida do paciente em detrimento do mandado de prisão, devendo ser deferido pelo menos o benefício da prisão domiciliar, e, (e) acarreta nulidade absoluta a colheita de prova, na fase pré-processual, pelo Ministério Público.
A Drª Juíza prestou informações dizendo que o paciente requereu a revogação da prisão preventiva, tendo sido apreciadas detidamente todas as alegações expostas na inicial, entendendo a magistrada que se encontram presentes os pressupostos da prisão cautelar (fls. 543/544).
O pedido de concessão de medida liminar foi indeferido pela decisão de fls. 546/550, por não se verificar, na fase de cognição sumária, própria dos provimentos liminares, estar o paciente a sofrer constrangimento ilegal.
Contra esta decisão, interpôs o impetrante agravo regimental, alegando que: (a) o relator, ao indeferir a medida liminar, decretou de ofício a prisão do paciente, pois o fundamento da conveniência da instrução criminal já tinha sido rechaçado pela Dra. Juíza; (b) levou-se em conta a culpabilidade do autor, ao se dizer que o paciente era propenso à prática de infrações penais, quando hoje, num estado de direito, deve-se ter em conta a culpabilidade pelo fato praticado; (c) atualmente, só há uma denúncia contra o paciente, que, após 11 (onze) meses do seu oferecimento, ainda não foi recebida; (d) jamais fora citado para a ação penal que originou a prisão preventiva, não se podendo, pois, se falar em fuga; (e) o precedente do Superior Tribunal de Justiça, utilizado na decisão agravada, referente à não concessão do benefício da prisão domiciliar, foi julgado há mais de 6 (seis) anos, sendo que há precedente, julgado há menos de 45 (quarenta e cinco) dias, onde foi concedido tal benefício, sendo que há atestados médicos a comprovar que o agravante encontra-se às vésperas duma síncope cardíaca; (f) a decisão agravada trouxe à baila, mais uma vez, um posicionamento arcaico, já rechaçado pelos Tribunais Superiores, deste (sic) feita a respeito da legitimidade do Ministério Público para presidir inquéritos policiais; (g) o relator deixou de apresentar fundamentação às teses lançadas na petição inicial; e, (h) é manifesta a ausência dos requisitos autorizadores para a prisão preventiva (fls. 559/570).
Pelo acórdão de nº 15737, desta 2ª Câmara Criminal (fls. 601/618), foi negado provimento ao recurso de agravo regimental.
O Ministério Público, pelo parecer de seu ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz do Amaral, manifestou-se pela denegação do presente Habeas Corpus (fls. 630/641).
É o relatório.
Voto.
A questão posta no presente Habeas Corpus já foi devidamente solucionada pelo acórdão que julgou o agravo regimental interposto pelo impetrante contra a decisão que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar, conforme se pode verificar dos seguintes fundamentos que sustentam a legalidade tanto da decisão da magistrada de primeiro grau, que decretou a prisão preventiva do paciente, quanto da decisão deste relator que indeferiu o pedido de liminar feito no presente Habeas Corpus.
Alega-se que a decisão liminar, ao usar o fundamento da conveniência da instrução criminal, decretou de ofício a prisão do paciente, pois tal motivo já tinha sido rechaçado pela Drª Juíza na decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva.
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A decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva, ao contrário do que quer fazer crer o agravante, não revogou o fundamento da conveniência da instrução criminal.
Ora, o só fato de a Drª Juíza nessa decisão ter dito que restam presentes ao menos dois desses fundamentos, garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (f. 111), não significa que esta afastou implicitamente o fundamento da conveniência da instrução criminal, pois a revogação deve se calcar, e indicar com explicitude, no desaparecimento das razões que, originalmente, determinaram a custódia provisória. (RT 626/617)
Assim, só estaria afastado tal fundamento se a magistrada explicitamente dissesse que não mais persistiam suas razões, fundamentando sua decisão em elementos concretos, não se podendo falar, destarte, que a decisão agravada decretou de ofício nova segregação cautelar, sob fundamento não esposado nos autos, e que já havia sido devidamente apreciado pela Justiça Pública. (f. 561)
Sustenta-se, também, que a decisão agravada leva o dd. Relator aos porões envelhecidos da culpabilidade do autor, quando, hoje, num estado de direito, busca-se a consolidação, quando do julgamento do condenado, e de sua submissão à persecução penal, da culpabilidade de fato. (f. 562)
Ora, não se ignora que o direito penal moderno tem, cada vez mais, se tornado um direito penal de ato e não um direito penal de autor. E, realmente, no Estado Democrático de Direito, não se pode mais conceber que a pessoa seja punida pelo que é, mas sim pelo que faz, apesar de haver em nosso Código Penal, alguns resquícios de tal concepção, como, por exemplo, as circunstancias judiciais dos antecedentes, conduta social e personalidade do agente, previstas no art. 59 do Código Penal.
A pena com matriz exclusivamente preventivista, que tem em conta um direito penal de autor, apesar de trazer um discurso aparentemente democrático de ressocialização, pode levar a grandes injustiças, como a desproporcionalidade da pena, vez que esta não é dosada pela culpabilidade do ato, mas sim visa cessar a periculosidade do agente. Ademais, com base nesta matriz, poder-se-ia punir uma pessoa mesmo antes de cometer o crime, pois esta já carregaria o estigma da periculosidade e deveria, assim, primeiramente ser tratada para então poder viver em sociedade.
Claus Roxim, eminente professor alemão, assim explica e critica esta matriz de prevenção especial, preventivista, da pena, verbis:
A segunda solução, em relação à qual se deve dirigir a nossa crítica, é a teoria da chamada prevenção especial. Esta não pretende retribuir o facto passado, assentando a justificação da pena na prevenção de novos delitos do autor.
( )
A idéia de um direito penal preventivo de segurança e correção, seduz pela sua sobriedade e por uma característica tendência construtiva e social. Mas, assim como é clara nos seus fins, não fornece, em contrapartida, uma justificação das medidas estatais necessárias para a sua prossecução. Aqui reside a vulnerabilidade desta teoria, que resumirei em três objecções:
1. Tal como a teoria da retribuição, a teoria da prevenção especial não possibilita uma delimitação do poder punitivo do Estado quanto ao seu conteúdo. Não se trata apenas de sermos todos culpáveis, mas de todos necessitarmos de nos corrigir. É certo que, segundo esta concepção, o esforço terapêutico-social do Estado deve dirigir-se de antemão apenas contra os inadaptados à sociedade; mas o ponto de partida continua a ser suficientemente perigoso.
( )
A idéia de prevenção especial tão-pouco possibilita a delimitação temporal da intervenção estatal mediante penas fixas, na medida em que para ser conseqüente deveria prosseguir um tratamento até que se desse a sua definitiva correcção, mesmo que sua duração fosse indefinida.
( )
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2. Contra a concepção da prevenção especial alegou-se freqüentemente na segunda objecção, que, todavia, não foi ainda concludentemente rebatida. Consiste ela no facto de que, nos crimes mais graves, não teria de impor-se uma pena caso não existisse perigo de repetição.
( )
3. ( ) A prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e conseqüências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a idéia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações. (ROXIM, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal, Vega, págs. 21-23)
Diante do que foi exposto, pode se verificar que realmente não se pode mais conceber um direito penal que considera exclusivamente as condições do autor.
Todo este arcabouço teórico como se pode ver, porém, diz respeito à argumentação filosófica que visa justificar a pena. Nesse ponto é que se equivoca o impetrante, pois quer se valer de argumentos que tentam justificar a aplicação da pena (teoria da pena), para afastar prisão cautelar, como é a prisão preventiva. Uma diz respeito à matéria de direito penal, outra diz respeito à matéria de direito processual penal.
Ora, o que se discute, na espécie, é a necessidade ou não da prisão cautelar. Não se disse, em momento algum, que o paciente seria condenado e apenado pelo fato de ter sido apreendido em seu poder verdadeiro arsenal de armas e munição (fls. 102/109, equipamentos próprios de quem atua na criminalidade (f. 307) e de existir sérios indícios de propensão do paciente à prática de infrações penais.
Tal argumentação foi expendida tendo em conta que o legislador processual penal, no art. 312 do CPP, erigiu como um dos fundamentos para a prisão preventiva a garantia da ordem pública, ou seja, previu o legislador que aquele que fosse propenso à prática de crimes - conceito este aferível ante a análise de fatos concretos como antecedentes, reincidência, apreensão de armamentos, dentre outros - deveria aguardar o julgamento na prisão, como forma de acautelar o meio social, pois o acusado em liberdade poderia praticar novos crimes.
Nesse sentido é a lição de Júlio Fabbrini Mirabete, ao falar sobre a prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, verbis:
Refere-se a lei, em primeiro lugar, às providências de segurança necessárias para evitar que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima e seus familiares ou qualquer outra pessoa, quer porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida.
(Mirabete, Júlio Fabbrini. Processo Penal, Atlas, 2ª ed. p. 371)
Quanto à alegação de que só há uma denúncia contra o paciente, além do processo a que se refere o presente Habeas Corpus, também não afasta o fundamento da garantia da ordem pública, pois o agravante também está indiciado em inúmeros inquéritos policiais, que não foram arquivados, consoante comprovam as certidões de fls. 336/340 e está denunciado em outra ação penal, conforme certidão de f. 380, e existe ainda contra o paciente ação penal pela prática do crime do art. 337, CP e a queixa crime nº 05/97 (certidão de f. 371). Fatos estes que, somados ao arsenal de armas que foi apreendido na casa do paciente, são fundamentos idôneos à manutenção da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública.
A alegação de que não foi citado para a ação penal de onde provem este Habeas Corpus também não tem o condão de afastar a prisão preventiva, pois, conforme se vê da certidão do oficial de justiça (f. 351 vº), o paciente não foi citado pessoalmente porque já se encontrava foragido à época em que foi procurado para ser citado, ficando evidenciado o seu propósito de furtar-se à aplicação da lei penal, verbis:
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(...) tendo em vista que após várias indagações e como se é sabedor, o mesmo acha-se foragido, então diligenciei até a empresa pertencente ao mesmo, localizada em Tranqueira, Almirante Tamandaré, e ali estando, em contanto com sua filha Sr. Maria Aparecida Chimelli Zettel, a mesma disse não saber onde encontrar seu pai, mas que iria comunicar de tal audiência ao seu irmão o qual seria Procurador do pai, ora acusado, o que está para mim em lugar incerto e não sabido. (f. 351-vº)
Tais diligências do oficial de justiça foram realizadas em 19.02.2003, sendo que há nos autos atestado médico sobre as condições de saúde do paciente datado de 13.08.2003 (f. 115). Assim, não há dúvidas de que o paciente já tem conhecimento sobre o processo penal em que é acusado, pois, caso contrário, não entregaria tais atestados a seu advogado.
Ademais, não é pressuposto para a decretação da prisão preventiva a citação do acusado, pois, se assim fosse, não existiria a previsão do art. 366, que diz que se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado pode o juiz se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
Desse modo, se pretendesse o paciente submeter-se a eventual sentença condenatória, já teria se apresentado em juízo, existindo, assim, fundamento para a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal.
Quanto ao pedido de concessão do benefício da prisão domiciliar, alega o agravante que o precedente do Superior Tribunal de Justiça utilizado já é ultrapassado. Não é de se acolher, também, tal alegação, pois o citado precedente é perfeitamente aplicável ao caso, vez que realmente o só fato de o paciente estar acometido por doença, não gera o direito de ser beneficiado pela prisão domiciliar. Além do que não há previsão de prisão domiciliar em caso de prisão preventiva. O que se faz é uma aplicação analógica do art. 117, da Lei de Execuções Penais, que faculta ao juiz o recolhimento do condenado beneficiário de regime aberto em residência particular, nas hipóteses que enumera. No caso, não há que se falar em aplicação analógica do art. 117 da LEP, vez que a prisão preventiva também foi decretada como garantia da ordem pública e esta não ficaria preservada se permitido fosse ao ora agravante permanecer em prisão domiciliar.
Alega, ainda, que o precedente sobre a legitimidade do Ministério Público para proceder à investigação criminal é ultrapassado, trazendo precedente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário.
Tal alegação, apesar do respeito devido ao precedente citado, não merece prosperar, vez que o Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem também a prerrogativa de instaurar procedimentos administrativos visando amealhar suporte probatório mínimo para que possa exercer o seu poder-dever de dar início à ação penal pública.
Sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública é de todo justificável que se lhe assegure o poder de realizar procedimento investigatório, destinado à coleta de prova que lhe permita formar a opinio delicti.
O pleno do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e esta Câmara já se posicionaram no sentido de o Ministério Público ter legitimidade para realizar procedimento investigatório, dado que este não é monopólio exclusivo da polícia judiciária, conforme se vê das seguintes ementas, verbis:
f) competindo ao Judiciário a tutela dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, não há como imaginar-se ser-lhe vedado agir, direta ou indiretamente, em busca da verdade material mediante o desempenho das tarefas de investigação criminal, até porque estas não constituem monopólio do exercício das atividades de polícia judiciária. (grifou-se) (STF ADI nº 1517-6 Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa DJU 22.11.2002)
Não cabe entender que a norma do art. 83, da Lei nº 9430/1996, coarcte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo. (STF ADI nº 1571-1 Tribunal Pleno. Rel. Min. Néri da Silveira DJU 22.11.2002)
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A prática diretamente de atos investigatórios isolados por membro do Ministério Público, tais como a oitiva de testemunhas ou pedido de interceptação telefônica ao juízo, não gera, por si só, nulidade da ação penal. (STJ RHC nº 10974/SP 5ª T. Rel. Min. Felix Fischer DJU 18.03.2002 p. 00273)
Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (STJ RHC Nº 11670/RJ º 6ª T. Rel. Min. Fernando Gonçalves DJU 13 11 2001 p. 00551)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. VALIDADE. ORDEM DENEGADA.
I. São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento de denúncia.
II. Ordem que se denega. (STJ HC Nº 7445/RJ 5ª T. - Min. Gilson Diip - DJU 01/12/1998)
HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. FUNÇÃO INSTI-TUCIONAL. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
- O Ministério Público tem legitimidade para proceder investigações criminais, vez que esta é uma de suas atribuições institucionais prevista na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Paraná, não existindo assim qualquer nulidade no procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público, sem auxílio da Polícia Judiciária local, envolvendo escuta telefônica judicialmente autorizada, máxime se efetivada com o auxílio de Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado. (TJPR HC 121384-3, 2ª Câmara Criminal, Rel. Juiz Conv. Luiz Mateus de Lima, DJ 26.08.02)
Ressalte-se que no julgamento da ADI nº 1517-6, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, houve apenas um voto vencido, o do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, porém sua divergência se deu tão-somente porque, na lei impugnada, as investigações são presididas pelo próprio magistrado, sendo que o Ministro vencido reconheceu a legitimidade do Ministério Público para proceder as investigações, conforme se lê do corpo do seu voto, ao responder indagação formulada pelo Ministro Moreira Alves, na sessão plenária, sobre a inconstitucionalidade de tais investigações, verbis:
De parte do investigador, que é a polícia judiciária, não; de parte do acusador, dono da ação penal, que é o Ministério Público, obviamente não. Mas de parte do Juiz, sim. (grifou-se)
Já do voto do Ministro Néri da Silveira, no julgamento da ADI nº 1571-1, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, é de se destacar a seguinte fundamentação, verbis:
É de se observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que, à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Administração Fazendária. (grifou-se)
Consta, ainda, do corpo do acórdão do RHC 10.974-SP, acima citado, do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do eminente Ministro Felix Fischer, a seguinte passagem, verbis:
Não faria sentido, sendo essa instituição a responsável, exclusivamente, pela ação penal pública (art. 129, I da CF), que não pudesse praticar qualquer ato tendente à elucidação dos fatos. Se para o oferecimento da denúncia se exige um embasamento concreto quanto à materialidade e autoria do delito, isso significa que a atividade do órgão acusador depende diretamente de uma reconstituição bem feita do quadro fático. Sendo assim, não se pode negar sua competência para a prática de atos
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investigatórios, embora não lhe seja permitido instaurar, formalmente, inquérito policial, pois esta é atividade atribuída à polícia judiciária. Não por acaso, a Súmula 234/STJ dispõe que A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia..
In casu, busca-se o reconhecimento de nulidade em face do órgão ministerial, integrante do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, ter requerido ao juízo autorização para efetuar interceptação de comunicação telefônica, nos termos da Lei 9.296/96, a ser executada pela autoridade policial (fls. 39 e ss.), bem como ter ouvido alguns dos envolvidos diretamente na Promotoria (fls. 71, 74, 78, 85 e 89).
Tal atuação, no entanto, não é vedada ao Ministério Público. Como dominus litis, depende de um conhecimento aprofundado sobre os fatos para exercer suas funções constitucionais. Se teve notícia diretamente sobre a prática de determinada conduta ilícita, e constatando a necessidade de se efetuar interceptação de linha telefônica para melhor elucidação dos acontecimentos, mostra-se correto o procedimento de se dirigir à autoridade judiciária e requerer tal diligência, a ser efetuada pela autoridade policial.
Ademais, o próprio Código de Processo Penal prescreve que a investigação criminal não é função exclusiva da polícia judiciária, como se lê do parágrafo único do artigo 4º do Código de Processo Penal, verbis:
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Sobre o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, assim anota Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado 7ª ed.:
Conforme deixa claro o parágrafo único, os atos de investigação criminal destinados à elucidação dos crimes não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando-se expressamente a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinam as leis orgânicas estaduais.
Ressalte-se que o precedente do Supremo Tribunal Federal trazido pelo agravante, apesar de ser mais recente, é de sua egrégia 2ª Turma, enquanto que o pleno do Pretório Excelso já se manifestou por duas vezes em outro sentido.
s demais teses referentes a omissão do magistrado de primeiro grau são as seguintes: (a) os depoimentos de três testemunhas foram colhidos pelo Ministério Público, seis meses após o crime; (b) o paciente nas demais ações penais que responde jamais teve a sua prisão preventiva decretada; (c) independentemente da apresentação do paciente, este não se furtou à aplicação da lei; (d) não é possível a decretação da prisão preventiva pela presença do clamor público; (e) o hipotético clamor público fundamentou-se em uma única reportagem jornalística publicada sete meses antes do decreto de prisão e que sequer citou o nome do paciente; e (g) a obtenção da suposta arma do crime, apreendida sem mandado judicial, foi ilícita.
É de se ressaltar que, se queria o agravante suprir omissões na decisão da Juíza de primeiro grau, deveria ter oposto embargos de declaração (CPP, art. 3º, c/c, CPC, art. 535). Fato este que não impede, porém, sua análise, pois tais questões não estão preclusas. No entanto, como já dito na decisão que indeferiu a concessão da medida liminar, as alegações apresentadas não autorizam a revogação do decreto de prisão preventiva do paciente. (f. 549)
O fato de o Ministério Público ter colhido depoimento de testemunhas seis meses após a prática do crime, não causa qualquer nulidade, pois existe o dever de se investigar os crimes até que sobrevenha prescrição da pretensão punitiva estatal.
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A alegação de que não foi decretada a prisão preventiva do paciente em outros processos a que respondeu, também não impede a sua decretação no processo a que se refere o presente Habeas Corpus. Ademais, tal alegação não corresponde à realidade, pois, conforme se vê da certidão de fls. 431/433, já foi decretada a prisão preventiva do paciente em outro processo.
Prisão preventiva sob o fundamento do clamor público realmente não pode ser decretada, porém não foi esta a motivação que utilizou a Drª Juíza, pois esta fez alusão ao arsenal de armas e munições apreendidos em poder do paciente, revelando a necessidade da sua prisão preventiva para a garantia da ordem pública, sendo, pois, irrelevante que a reportagem jornalística citada no decreto de prisão tenha sido publicada sete meses após o crime.
A alegada ilicitude na apreensão das armas deve ser apreciada em primeiro grau, com larga instrução probatória, não se podendo analisá-la na via estreita do Habeas Corpus.
Por fim, não é manifesta a alegada ausência dos requisitos autorizadores para a prisão preventiva, pois, como visto, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente encontra-se devidamente fundamentada: (a) na garantia da ordem pública, vez que o paciente responde inquéritos e ação penal e foi apreendida em seu poder grande quantidade de armas e munições; (b) na conveniência da instrução criminal, pois estaria o paciente a ameaçar as testemunhas cujos depoimentos estão às fls. 217/218-TJ, 222/224-TJ e 225/226-TJ; (c) na necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal, por estar o paciente até hoje foragido.
Desse modo, não estando o paciente a sofrer constrangimento ilegal, é de rigor que se denegue o presente Habeas Corpus.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a presente ordem de Habeas Corpus.
Participaram do julgamento, votando com o relator, os senhores Desembargadores Carlos Hoffmann (Presidente) e Telmo Cherem.
Curitiba, 05 de fevereiro de 2004.
Des. Jesus Sarrão
Relator
HABEAS CORPUS Nº 148.061-9, DA 9ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CURITIBA
IMPETRANTE: ALCIDES BITENCOURT PEREIRA
PACIENTE: DORALICE LOPES BERNARDONI
RELATOR: JUIZ SUBST. EM 2º GRAU, AUGUSTO CÔRTES
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGADA ILICITUDE DA PROVA INDICIÁRIA COLHIDA EM PRÉVIO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ADMISSIBILIDADE DA COLETA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA SUBSIDIAR DENÚNCIA PELO PARQUET. PRECEDENTES. ATIPICIDADE DO FATO NA CONDUTA DE QUEM SERVIU COMO TESTEMUNHA INSTRUMENTÁRIA. ANÁLISE DE QUESTIONAMENTO JURÍDICO QUE DEPENDE DO EXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS A SEREM EXTRAÍDAS DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. O inquérito policial não é conditio sine qua non, ou seja, requisito ou peça indispensável para a propositura da ação penal, podendo o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, ao
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tomar conhecimento de possível prática de fato que se configure como crime, proceder a investigações e diligências destinadas à coleta direta de elementos de convicção para formar sua opinio delictis e com elas subsidiar o oferecimento da denúncia.
2. A configuração do fato como penalmente atípico para autorizar o trancamento da ação penal deve ser evidente, ou seja, perceptível de imediato e não resistir ao primeiro ou menor exame, o que não ocorre na hipótese em que o questionamento jurídico quanto a natureza do testemunho prestado e suas implicações na formação do documento tido como ideologicamente falso depende da análise das circunstâncias fáticas a serem delineadas na instrução e extraídas do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS nº 148.061-9, da 9ª Vara Criminal da Comarca de Curitiba, em que é paciente DORALICE LOPES BERNARDONI.
Trata-se de habeas corpus impetrado pelo Dr. Alcides Bitencourt Pereira em favor de DORALICE LOPES BERNARDONI, propugnando pelo trancamento da ação penal contra si instaurada perante a 9ª Vara Criminal, na qual foi denunciada juntamente com outras cinco pessoas, como incursa nas sanções do art. 299, caput, combinado com o art. 29, ambos do Código Penal.
Sustenta sua pretensão argumentando que no exercício de função pública estadual estava prestando serviços na Secretaria de Assuntos Estratégios, sendo subordinada ao Diretor Geral, Sr. Marcos Pessoa, quando Secretário de Estado o Sr. Alexandre Beltrão, ambos também denunciados, tendo tomado conhecimento de terem sido criadas duas OSCIPS - Organização Social de Interesse Público, a Associação Via Digital e a Sociedade Novo Museu, cujos processos passaram pelas suas mãos, tomando conhecimento de ter sido expressamente autorizado pelo Sr. Governador do Estado a celebração de parceria, inclusive mediante despacho publicado no Diário Oficial de 04 de outubro de 2002.
Aduz que diante do regular e transparente processamento foi chamada a assinar o termo de parceria na qualidade de testemunha instrumentária, ou seja, como testemunha do ato, sendo que em nenhum momento participou de qualquer decisão sobre a contratação ou não das duas OSCIPS.
Discorrendo sobre a natureza da testemunha instrumentária, diz da atipicidade penal argumentando que para a configuração do falso ideológico é indispensável que o acusado tenha consciência de estar praticando o delito, posto que sem o componente subjetivo não se elabora e completa o dolo.
Argumenta, ainda, ter a prova natureza ilícita posto que colhidos em procedimento administrativo investigatório pelo Ministério Público, o qual inexiste no ordenamento jurídico brasileiro, ferindo o princípio da legalidade, invocando entendimento neste sentido do STF no RE 233072/RJ, concluindo por afirmar que as provas colhidas pelo Ministério Público são nulas por falta de legitimidade.
Colheu-se a manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 1910/1917), que se pronunciou pela denegação da ordem.
em síntese, o relatório.
Voto
A alegação de nulidade e ilicitude das provas porque colhidas em procedimento investigatório presidido pelo Ministério Público não resta configurada, posto que não falta a este legitimidade para proceder a diligências no sentido de instruir adequadamente denúncia-crime e propiciar a instauração de ação penal para apuração da prática de fatos delituosos que comportam ação pública incondicionada, em relação à qual o órgão age no exclusivo interesse público e coletivo, sem perder de vista sua condição de fiscal da lei.
Não age o órgão ministerial, portanto, como o particular no seu exclusivo interesse, nem perde a sua isenção de ânimo por ser o titular da ação penal posto que pode no curso do processo, diante do contraditório, concluir pela improcedência da própria acusação que fez e propugnar pela absolvição.
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O que não se pode admitir é que para o exercício de seu mister reste limitado a mero solicitador de diligências à polícia judiciária, não sendo demais lembrar que a instauração da ação penal não depende necessariamente de prévio inquérito policial. É certo que o tema não é pacífico encontrando-se o próprio STF dividido em seu entendimento quanto ao tema, consoante se pode ver de julgado mencionado pelo impetrante, que teve como relator o Ministro Nelson Jobim, no qual se discute sobre as atribuições do Ministério Público. Indiscutível que o inquérito policial é atribuição da polícia judiciária e consoante dispõe o art. 4º do CPP será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições. Entretanto, o próprio parágrafo único do referido artigo observa que a competência definida neste dispositivo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Portanto, a apuração de infrações penais, segundo essas disposições legais não é atividade exclusiva da polícia judiciária. Dir-se-á, entretanto, que tais atribuições não foram concedidas ao Ministério Público. Não é o entendimento firmado na doutrina.
Hugo Nigro Mazzilli, constantemente mencionado quando se discute o tema, assinala, referindo à Lei Orgânica do Ministério Público, que no inc. VI do art. 129, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público - e aqui também se incluem investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para a opinio delictis... (in Regime Jurídico do Ministério Público, 3ª ed., p. 239).
O próprio Min. Nelson Jobim observa em seu voto, no julgado referido que o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o Ministério Público na instauração da ação penal.
Borges da Rosa em sua obra Comentários ao Código do Processo Penal, sobre o inquérito policial diz que não é, porém, uma conditio sine qua non, um requisito ou uma peça indispensável para a propositura da ação penal.
Continua o referido autor: O art. 12 do Código do Processo, declarando que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra dá a entender simplesmente que sempre que a denúncia ou queixa necessite de ser apoiada no inquérito policial, ou, em outras palavras, sempre que a denúncia ou queixa somente possa ser instruída com o inquérito policial, deverá este acompanhar dita denúncia ou queixa.
E prossegue: Porém, desde que esta possa ser instruída com outro instrumento, que não o inquérito policial, cessa a exigência contida no art. 12. Isto melhor se compreende, por exemplo, tratando-se de crime de peculato, cuja ação penal pode ser instruída com o inquérito feito na própria repartição fiscal e por funcionários da mesma, independentemente de inquérito policial (ob. cit., RT, 3ª ed., 1982 p. 53).
Se assim é, não se pode imaginar que o Ministério Público como titular da ação penal que é, tendo notícia da prática de possível fato que possa configurar crime não possa requisitar informações e promover diligências para formar a opinio delictis e se as informações colhidas se mostrarem suficientes ao oferecimento da denúncia ser com elas instruída, dispensando-se a requisição do inquérito policial.
Não se trata aqui, como bem observa o ínclito Procurador de Justiça, de usurpação das funções policiais pelo Ministério Público, posto que, o que lhe é vedado presidir o inquérito policial.
Se divergências há a nível do STF onde o tema não se encontra pacificado, o mesmo não ocorre neste Egrégio Tribunal, onde tem se firmado entendimento uníssono no sentido de que pode Ministério Público promover diligências e requisitar informações e documentos para subsidiar eventual denúncia-crime, consoante de pode ver de julgados de suas Câmaras Criminais.
Pela 1ª Câmara Cível:
HABEAS CORPUS" - (...) MINISTÉRIO PÚBLICO - FASE PRÉ-PROCESSUAL - INVESTIGAÇÃO DIRETA - INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE A DENÚNCIA - ADMISSIBILIDADE - PROCEDIMENTO AMPARADO NA LEI - INTELIGÊNCIA DO ART. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4., PARÁGRAFO ÚNICO, CPP. É da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia
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judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, ART. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5., II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações. (...) (1ª Câm. Criminal, Processo: 140465-5, Acor. nº 15603, rel. Des. Tadeu Costa, julg.: 07/08/2003)
2ª Câmara Criminal:
HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. - O Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem legitimidade para realizar atos de investigação visando obter elementos probatórios para eventual propositura de ação penal pública. Precedentes do Pleno do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça.(2ª Câm. Criminal, Processo: 143037-3, Acor. nº 15718, rel. Des. Jesus Sarrão, j.: 25/09/2003)
Outro não é o entendimento firmado pelo Grupo de Câmaras Criminais, como se vê do julgamento do Processo nº 140644-6, acor.: nº 3571, j.: 17/09/2003.
E no mesmo sentido tem se pronunciado o STJ:
RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR DEPOIMENTO EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LC N.º 75/93. LEGALIDADE.
1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional,oportunamente regulamentada pela Lei Complementar, mesmo porque proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com exclusividade, a ação penal pública.
2. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.
3. Recurso especial conhecido e provido para denegar a ordem. (STJ, 5ª Turma, RESP 331788/DF, rel. Min. Laurita Vaz, j.: 24/06/2003)
Ou ainda:
CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. LIMINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO.
Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória.
A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal.
A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação. Recurso desprovido, cassando-se a liminar deferida.(STJ, 5ª Turma, RHC 8106/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j.: 03/04/2001)
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Quanto a alegação de atipicidade penal porque sua participação na formação do documento seria tão somente de testemunha instrumentária, ou seja, como testemunha do ato, não lhe podendo ser imputada a prática de falsidade ideológica já que sua atuação não teria influência quanto ao conteúdo do documento, tem-se que o questionamento trazido envolve típica matéria de defesa, não comportando exame no âmbito estreito do habeas corpus.
Com efeito, a configuração do fato como penalmente atípico para autorizar o trancamento da ação penal deve ser evidente, ou seja, perceptível de imediato e não resistir ao primeiro ou menor exame, o que não ocorre na hipótese em que o questionamento jurídico quanto a natureza do testemunho prestado e suas implicações na formação do documento tido como ideologicamente falso depende da análise das circunstâncias fáticas a serem delineadas na instrução e extraídas do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório.
Neste sentido tem se pronunciado este Egrégio Tribunal:
"HABEAS CORPUS - DENÚNCIA PELOS DELITOS DESCRITOS NOS ARTIGOS 171, "CAPUT" E 299, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA E DESCRIÇÃO IMPRECISA, OMISSA, DOS FATOS - INOCORRÊNCIA - INCABÍVEL ANÁLISE PROFUNDA DE PROVA EM SEDE DE "HABEAS CORPUS" - ORDEM DENEGADA.
1.O trancamento da ação penal por falta de justa causa só se justifica quando, "prima facie", se evidencia que o fato imputado ao réu é atípico, que não há qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação ou quando existem provas cristalinas e incontestáveis de que o imputado agiu amparado integralmente por uma excludente de ilicitude.
2. (...)
3.Em sede de "habeas corpus" é vedada a análise profunda do conjunto probatório, uma vez que neste rito, faz-se uma cognição sumária que prescinde do contraditório. A averiguação acerca da falta de elementos caracterizadores do ilícito penal enseja uma investigação e um cotejo analítico do conjunto probatório, práticas vedadas neste "writ". Ordem conhecida e denegada. (TJ, 1ª Câm. Criminal, HC 129440-8, rel. Des. Oto Luiz Sponholz, j.: 10/10/2002
Feitas essas considerações e não vislumbrando de imediato a atipicidade do fato a autorizar o afastamento da denúncia, ilicitude das provas indiciárias ou nulidade decorrente da circunstância do procedimento administrativo investigatório ter sido efetivado pelo Ministério Público a ensejar o trancamento da ação penal, voto no sentido de denegar a ordem.
Diante do exposto, ACORDAM os julgadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar a ordem, nos termos do voto.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador tadeu costa, sem voto, e os Desembargadores MOACIR GUMARÃES e clotário portugal neto.
Curitiba, 04 de dezembro de 2003.
AUGUSTO CÔRTES
Relator
HABEAS CORPUS Nº 144942-3 DA VARA CRIMINAL DE SÃO MATEUS DO SUL
IMPETRANTE: DANTON ILYUSHIN BASTOS
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PACIENTE: RENATO WASTHNER DE LIMA
RELATOR: JUIZ CONV. JORGE WAGIH MASSAD
HABEAS CORPUS MINISTÉRIO PÚBLICO ATOS INVESTIGATÓRIOS POSSIBILIDADE CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRÊNCIA ORDEM DENEGADA.
Consoante entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não está adstrito a requisitar diligências investigatórias. Sendo o titular da ação penal pública não está proibido de praticar atos tendentes à elucidação de eventual conduta delitiva, mormente quando há indícios do envolvimento no delito de integrantes da própria polícia (Precedentes do STJ). Ordem denegada.
I RELATÓRIO
O Bacharel Danton Ilyushin Bastos maneja a presente ordem de habeas corpus em favor do paciente Renato Wasthner de Lima, denunciado como incurso nas sanções dos artigos 351, § 4º e 317, § 1º, ambos do Código Penal, alegando constrangimento ilegal, ante ao fato de o Ministério Público estar apurando os fatos descritos na denúncia, sendo para tanto incompetente. Argúi ainda, que o inquérito policial é instrumento de investigação penal da polícia judiciária. Finalmente, requer a concessão da ordem para que seja determinado o trancamento da ação penal.
O pedido liminar foi indeferido às fls. 46. A digna autoridade apontada como coatora prestou suas informações às fls. 52/54. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se às fls. 58/63, contrariamente à concessão da ordem. Em suma, é o relatório.
II VOTO
Em que pese a informação da autoridade dita coatora de que no ano de 2001, o paciente teria ingressado com habeas corpus idêntico, ao verificar a íntegra do acórdão, constato que o objetivo dos pedidos é o mesmo, qual seja, o trancamento da ação penal, porém a causa de pedir é diversa.
No pedido de 2001, o argumento era a inépcia da denúncia e neste, a incompetência do Ministério Público em produzir inquérito policial. Deste modo, conheço do pedido, porém, no mérito, denego a ordem.
Depreende-se da inicial que o paciente era Delegado de Polícia no município de São Mateus do Sul e, em tese, teria cometido os delitos previstos nos artigos 351, § 4º e 317, § 1º, ambos do Código Penal.
Com o advento da Constituição Federal de 1998, o órgão do Ministério Público passou a ter maiores poderes, dentre eles o de investigação, podendo para tanto efetuar diligências, colher depoimentos e investigar fatos, buscando a verdade dos acontecimentos. Neste sentido:
Para a propositura da ação penal pública, o Ministério Público pode efetuar diligencias, colher depoimentos e investigar os fatos, para o fim de poder oferecer denúncia pelo verdadeiramente ocorrido. (STJ RHC 8025/PR 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 18.12.98, p. 416)
Ainda, como no caso, pelo fato de tratar-se de denunciado integrante da própria polícia, tem o Superior Tribunal de Justiça entendido que o Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia.
Neste diapasão, necessária citação destes julgados:
PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA. DESPACHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
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1 Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para a propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (ROHC 11670/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/01)
HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E EVASÃO DE DIVISAS. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. RÉU FORAGIDO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PROCEDENTES DO STJ.
- Consoante entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não está adstrito a requisitar diligências investigatórias. Sendo o titular da ação penal pública não está proibido de praticar atos tendentes à elucidação de eventual conduta delitiva, mormente quando há indícios do envolvimento no delito de integrantes da própria polícia. (HC 29160/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 09/09/03)
Diante do exposto, inexiste constrangimento ilegal a ser amparado pela via do 'habeas corpus', motivo pelo qual deve a ordem ser denegada.
É o voto que proponho.
III - DECISÃO
ACORDAM, os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, denegar a ordem. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Tadeu Costa, Presidente, com voto e Moacir Guimarães.
Curitiba, 30 de outubro de 2003.
JORGE WAGIH MASSAD
Relator Convocado
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Anexo VI
SÉRIE DE JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Processo N. 1.0000.00.304919-4/000(1)
EMENTA: PROCESSO PENAL - PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - MINISTÉRIO PÚBLICO - PROMOÇÃO DIRETA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - POSSIBILIDADE - PREVISÃO CONSTITUCIONAL COMO TITULAR DA AÇÃO PENAL - "V.v. IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA" - PROMOTOR NATURAL - ADMISSIBILIDADE DE PROCURADOR MEMBRO DE GRUPO DE ESPECIAL SUBSCREVER DENÚNCIA - NULIDADE REJEITADA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - DENÚNCIA QUE ATENDE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP - EXISTÊNCIA DE PROVAS PARA AUTORIZAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DENÚNCIA RECEBIDA. - O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição da República, tem o poder investigatório ínsito na titularidade da ação penal. "V.v. - O MINISTÉRIO PÚBLICO não tem competência para promover diretamente INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, ante a ausência de expressa previsão constitucional, não lhe aproveitando a justificativa de poder expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência ou de poder exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade". - A denúncia subscrita por Procurador de Justiça que integra Comissão Especial de Grupo de Trabalho, designado PELO Procurador- Geral de Justiça, está autorizada pela Lei Orgânica do MINISTÉRIO PÚBLICO, afastada a eiva lançada quanto ao desrespeito à regra do Promotor Natural. - A denúncia deve ser recebida se a conduta descrita se ajuste ao tipo e esteja amparada em provas que, em tese, lhe dêem fundamento. - Denúncia recebida.
PROCESSO CRIME COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA Nº 1.0000.00.304919-4/000 - COMARCA DE ÁGUAS FORMOSAS - DENUNCIANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS - PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA - DENUNCIADO(S): MÁRCIO ALMEIDA PASSOS - DEPUTADO ESTADUAL - RELATOR: EXMO. SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda a CORTE SUPERIOR do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES. CARREIRA MACHADO, JOSÉ ANTONINO BAIA BORGES, LUCAS SÁVIO V. GOMES, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA MELO. À UNANIMIDADE, REJEITAR AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBER A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO RODRIGUES.
Belo Horizonte, 11 de fevereiro de 2004.
DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS
Apregoadas as partes, proferiram sustentação oral, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, a Srª. Procuradora de Justiça, Drª. Maria Odete Souto Pereira, e pelos denunciados, Márcio Almeida Passos, José Henrique Brito e Silvério Dornelas Cerqueira, respectivamente, os Drs. José Rubens Costa, Bernardo Ribeiro Câmara e Luís Carlos Parreira Abritta.
Assistiram ao julgamento, pelos Denunciados, os Drs. Arlindo Batista dos Santos, João Augusto Fernandes Sobrinho, Edilberto Castro Araújo e Luiz Gonzaga Medeiros, respectivamente.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente.
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A matéria é realmente palpitante, porque diz respeito às posições tomadas ultimamente, PELO Supremo Tribunal Federal e que estão sendo acompanhadas PELO Superior Tribunal de Justiça e, quero por justiça, salientar que o Professor José Rubens Costa, não só na Tribuna, mas sobretudo nos trabalhos que tem...
O SR. PRESIDENTE (DES. CORRÊA DE MARINS):
Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, permita-me interrompê-lo. É que a Procuradora de Justiça tinha me dito no início da sessão, que ia simplesmente pedir para ratificar a denúncia, e mandei constar em ata. Entretanto, ela agora quer fazer um pronunciamento, mas V. Exª. já havia começado a sua manifestação. Se V. Exª. me permite, vou dar a palavra à Procuradora de Justiça, embora ela devesse ter-se manifestado antes da defesa.
Com a palavra a Drª. Procuradora de Justiça.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
Sr. Presidente, pela ordem.
A parte pode argüir nulidade.
O SR. PRESIDENTE (DES. CORRÊA DE MARINS):
A parte poderá alegá-la posteriormente. A palavra já está concedida.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Data venia, entendo que não há possibilidade de se argüir depois a nulidade, porque PELO que me consta, PELO que foi dito da Tribuna e pelas peças que recebi, a Procuradora de Justiça foi surpreendida com esta preliminar levantada da Tribuna, primeiramente PELO Dr. José Rubens Costa. Faço esta colocação com base nas peças que recebi.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Data venia, não houve surpresa, porque foi matéria fundamental da defesa.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Recebemos algumas peças e, de antemão eu, já sabia desta preliminar, porque recebi memorial, nesse sentido, sobre a ilegitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO, mas pensei que a Procuradora de Justiça tivesse sido surpreendida. Portanto, retiro o que disse.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Parece-me, inclusive, que depois das defesas, dei vista à Procuradoria de Justiça, que está bem ciente da matéria e, ainda que não soubesse, nós temos conhecimento, só não digo o que é repetitivo, porque é muito bom ler os trabalhos do Professor José Rubens Costa, mas durante todas as alegações de defesa, ele faz referência a essa questão.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, eu me manifestei apenas porque não estava ciente disso, pois para mim é novidade.
O SR. DES. PRESIDENTE:
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Essa discussão é desnecessária.
A Procuradora de Justiça é quem vai saber se tem ou não condição de refutar a preliminar, por isso, dou-lhe a palavra.
A SRª. PROCURADORA DE JUSTIÇA (DRª. MARIA ODETE SOUTO PEREIRA):
Exmo. Sr. Presidente desta egrégia Corte, Senhores Desembargadores, Senhores brilhantes Advogados, Senhores Magistrados aqui presentes.
Realmente, o que eu tenho a dizer é que a denúncia é uma peça de fôlego, que foi apurada PELO MINISTÉRIO PÚBLICO com a maior seriedade e que este tem toda a propriedade para fazê-lo em virtude de ser autorizado pela lei. O trabalho de fôlego de nossos dois Colegas, Dr. Leonardo Castelo Branco e Dr. Eduardo Nepomuceno de Sousa, descreve na peça acusatória a ação delituosa de cada um dos denunciados, fazendo-o com riqueza de detalhes, incursando-os nos artigos penais cabíveis.
Ora, o que me cabe fazer é só ratificar o pronunciamento do Procurador de Justiça, às págs. 1902 e 1918. A ação, mais uma vez repito, a ação delituosa de cada um dos denunciados está descrita e muito bem caracterizada na denúncia, observados os requisitos de ordem formal e material da acusação, o que enseja o juízo positivo de sua admissibilidade, pugna, então, o MINISTÉRIO PÚBLICO PELO prosseguimento do feito, nos termos do que dispõe o art. 6º, caput da Lei nº 8.038/90, e solicita a V. Exªs. que recebam a denúncia por ser uma medida de justiça.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente.
Estava salientando que a matéria se tornou polêmica no Tribunal de Justiça, mas hoje é matéria tranqüila nos Tribunais Superiores. Quero ressaltar que hoje, fizeram sustentação oral, três grandes Advogados, o Professor José Rubens Costa, o Dr. e Professor Bernardo Ribeiro Câmara, e o Dr. Luís Carlos Parreira Abritta e todos eles voltaram a repisar essa matéria a respeito da competência. Compreendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO Estadual, afinado com o MINISTÉRIO PÚBLICO Federal, está pretendendo derrubar essa orientação do Supremo Tribunal Federal. Mas, cheguei à conclusão que muito pior do que começar tudo novamente, é haver uma anulação depois de uma sentença, uma decisão condenatória, e, quando fosse julgado corretamente, ocorrer a prescrição. Assim, a partir de agora, quando a matéria, por si só, não permitir que se embase a denúncia, vale dizer, quando a questão que está entranhada no procedimento administrativo não foi produzida extra MINISTÉRIO PÚBLICO, vou adotar a posição que o Supremo já consagrou.
Estou trazendo, aqui, as decisões que foram, alguma delas, mencionadas nos trabalhos dos Advogados, mas reconheço que existem denúncia e informações sérias de possíveis desvios de recursos, por isso, ao rejeitar a denúncia, determino que se remetam os autos à Secretaria de Segurança Pública, a fim de que se procedam as investigações, dentro do prazo legal, para o inquérito policial.
Estou acolhendo a preliminar argüida pelos fundamentos constantes do voto que passo a ler:
O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra MÁRCIO ALMEIDA PASSOS, Deputado Estadual, SILVÉRIO DORNELAS CERQUEIRA, CHARLES CASTRO LUZ, MAURÍCIO PAES ALVARENGA MASSOTE, ABERLARDO PEREIRA DA SILVA JÚNIOR, ARLINDO BATISTA DOS SANTOS, Prefeito Municipal da cidade de Bertópolis, JOÃO AUGUSTO FERNANDES SOBRINHO e JOSÉ HENRIQUE DE BRITO, este último, Prefeito Municipal de Águas Formosas, sob o fundamento de que os sete primeiros denunciados teriam fraudado procedimento licitatório, praticando, por conseguinte, o crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93 e, ainda, o crime do art. 288 do CP, por se tratar de quadrilha organizada para aquele fim e, o oitavo denunciado, PELO fato de ter desviado, em proveito próprio, valores pertencentes ao Município de Águas Formosas, praticando o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.
Após devidamente notificados, todos os oito denunciados apresentaram defesa preliminar, respectivamente às fls. 580, 857, 1048, 1170, 1183, 1345, 1625, 1677 e 1858, peças estas acompanhadas de respectiva documentação.
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Todos os acusados sustentaram, de forma unânime, a incompetência do MINISTÉRIO PÚBLICO para a promoção de INVESTIGAÇÃO CRIMINAL e conseqüente oferecimento de denúncia com base nos elementos nela colhidos, o que necessariamente esvaziaria a existência de indícios para a instauração da competente ação penal e, ainda, que a denúncia não teria narrado o fato criminoso e todas as suas circunstâncias de forma precisa, pleiteando, por conseguinte, fosse a denúncia rejeitada.
A seu turno, a d. Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, pronunciou-se PELO recebimento da denúncia (fls. 1902/1918-TJ).
Com efeito, tormentosa questão se nos apresenta neste feito, relativa à possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO coletar pessoalmente elementos necessários à formação da opinio delicti, ou se tal função competiria, com exclusividade, à Polícia Judiciária, incumbida de promover a segurança pública, em que uma das facetas se revela justamente na apuração das infrações penais e da sua autoria, conforme estatui o art. 144 da CF e art. 4º do CPP.
De fato, não se pode olvidar da relevância institucional do MINISTÉRIO PÚBLICO, a quem se conferiu constitucionalmente a promoção da ação penal pública, segundo se vê do art. 129, I, da CF.
Todavia, não se pode descurar que a referida Carta Magna não lhe atribuiu de forma taxativa competência para a colheita direta e pessoal dos elementos necessários à formação da opinio delicti, conquanto lhe tenha autorizado, de forma ilimitada, a promoção do inquérito civil, para fins de ajuizamento de ação civil pública (art. 129, III, CF).
Assim, de forma alguma poderá prescindir o MINISTÉRIO PÚBLICO de se valer dos poderes investigatórios exclusivos das autoridades policiais, no que toca à instauração de procedimentos de caráter CRIMINAL, a não ser que já detenha elementos suficientes para a instauração da ação penal, sem que seja necessário proceder- se a qualquer outra INVESTIGAÇÃO, sob pena de usurpação de competência, a qual enveredará necessariamente para a formação de prova ilícita.
Ressalte-se, por oportuno, que o Parquetdiuturnamente justifica a instauração, de forma direta, de procedimentos administrativos para a apuração de infrações penais, utilizando-se do argumento de que é competente para expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência (art. 129, VI, CF) e, ainda, pela brecha constante do inciso IX do mencionado art. 129 da CF, que permite aos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO exercerem outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade, pretendendo aí se incluir, segundo argumentação engajada por seus membros, a possibilidade de também realizar diligências investigatórias de cunho CRIMINAL.
Entendo, contudo, que tal posicionamento não merece acolhida a ponto de autorizar a realização de procedimentos inquisitivos criminais pela referida instituição, em face da expressa dualidade de tratamento dada matéria pela Carta da República, muito bem assinalada PELO Ministro Marco Aurélio, em voto recentemente proferido no Habeas Corpus nº 83.157-5, em que reconheceu competir ao MINISTÉRIO PÚBLICO a promoção do inquérito civil, mas, relativamente à base para a ação penal, pontificou a necessidade de que requeresse o Parquet a realização de diligências, bem como provocasse a instauração do inquérito policial.
Calha a transcrição, por oportuno, de trecho do referido voto:
"...Não haveria razão para se ter o tratamento diferenciado da matéria, admitida a possibilidade de o próprio titular da ação penal investigar. Uma coisa é o MINISTÉRIO PÚBLICO receber a notícia de um crime - a notícia, mediante uma missiva, um postado. Algo diverso é fazer, como eu disse em meu voto, uma audiência para ouvir testemunhas e ter-se como de conteúdo maior, eficácia maior, o próprio depoimento colhido, sob a Presidência não da autoridade do Judiciário, mas da parte do MINISTÉRIO PÚBLICO, que o é também na ação penal." (STF - Tribunal Pleno - HC 83.157/MT - Rel. Min. Marco Aurélio, j. 1º/07/2003).
Acrescente-se, neste ponto, que não fosse a impossibilidade formal de que o MINISTÉRIO PÚBLICO realizasse investigações de caráter penal, para o fim de instrução de futura ação penal, conclusão esta que facilmente se extrai em interpretação que se faz ao art. 129 e seus incisos da Constituição Federal, é de se anotar ser de fato estranho que o órgão que arregimente elementos de prova para o oferecimento da denúncia, protagonize futuramente o seu ajuizamento, na condição de parte.
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Sobre a matéria, traz-se a lume a ementa do julgado exarado pela 2ª Turma do STF, que teve como Relator para o acórdão o eminente Ministro Nelson Jobim, o qual fora amplamente citado pela defesa de todos os acusados:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MINISTÉRIO PÚBLICO - INQUÉRITO ADMINISTRATIVO - INQUÉRITO PENAL - LEGITIMIDADE.
O MINISTÉRIO PÚBLICO não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não-conhecido." (STF - 2ª Turma - RE 233.072/RJ, j. 18/05/1999, DJ 03/05/02).
Mutatis mutandis, o seguinte julgado, também do Excelso Pretório:
"CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL PENAL - MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES - INQUÉRITO - REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - C.F., ART. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º.
- I. Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do MINISTÉRIO PÚBLICO realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.
- II. R.E. não conhecido." (STF - 2ª Turma - RE 205.473-AL - Rel. Min. Carlos Velloso).
Assim, uma vez que toda a prova constante dos presentes autos se forma exclusivamente de documentos e depoimentos colhidos PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO, através do que se intitulou "procedimento administrativo", o qual fora instaurado através de portaria (fls. 21/22 - vol. 1), torna-se, pois, inviável, por ora, o recebimento da denúncia, ante a própria ilicitude da prova.
Todavia, não se pode olvidar, em face principalmente da ampla divulgação dada pela imprensa jornalística acerca dos supostos crimes cometidos pelos denunciados, o que se infere até mesmo das cópias de jornais juntadas aos presentes autos, que se afigura necessária a requisição de imediata instauração de inquérito policial, a teor do que estatui o art. 5º, II, do CPP, a fim de que, em sendo o caso, seja regularizada a prova dos autos, de molde a se permitir, se assim entender o MINISTÉRIO PÚBLICO, seja oferecida nova denúncia.
Em face do exposto, REJEITO A DENÚNCIA, requisitando, todavia, a imediata instauração de inquérito policial para a apuração da prática, pelos denunciados, dos crimes capitulados na denúncia, devendo os presentes autos, por conseguinte, ser remetidos à Secretaria de Segurança Pública a fim de que se proceda às necessárias investigações.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:
Sr. Presidente.
Dou-me por suspeito de participar do julgamento deste feito.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. LUCAS SÁVIO V. GOMES:
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De acordo com o Relator.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
Sr. Presidente.
Tive acesso às peças que me foram encaminhadas, portanto tenho condições de votar e o faço nos seguintes termos: o Promotor de Justiça não tem legitimidade para presidir inquérito policial. O Código de Processo Penal não o autoriza fazê-lo.
Sendo assim, acompanho o Relator e rejeito a denúncia ofertada.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:
Sr. Presidente.
Acompanho, data venia, o parecer ministerial e sou PELO prosseguimento da ação penal.
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
Sr. Presidente.
Entendo que no dia em que o Poder Judiciário reconhecer a exclusividade da polícia para qualquer INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, para apurar qualquer tipo de fato, abre-se um portal gigantesco por onde haverão de escorregar todos os detentores eventuais do poder, mesmo porque os delegados de polícia podem ser retirados do local onde estão, removidos para outra comarca quando bem entender o Chefe do Executivo. Os detentores do poder, então, passarão a ser os detentores da ação penal, detentores do inquérito que é a única base para oferecimento da denúncia.
No dia em que se coactar a ação do MINISTÉRIO PÚBLICO para fazer INVESTIGAÇÃO, este País voltará a ser pior do que era na ditadura de 1964.
Rejeito a preliminar e recebo a denúncia, deixando ao MINISTÉRIO PÚBLICO aditá-la caso tenha sido omissa em algum ponto.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
Sr. Presidente.
Todos sabemos que a Lei Processual Penal vigente não considera indispensável à propositura da denúncia o inquérito policial, podendo o órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO buscar elementos fora de um inquérito policial para oferecimento da denúncia. Se a lei lhe concede esse poder, é evidente que ele pode escolher esses elementos. Entretanto, se esses elementos escolhidos PELO MINISTÉRIO PÚBLICO não forem confirmados no contraditório, advirá a absolvição do denunciado. Não se condena ninguém na denúncia, que não é sentença final.
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Não vejo prejuízo nenhum, aliás, prejuízo haverá para a sociedade, se a denúncia nesse caso for rejeitada apenas sob esse argumento, ou seja, se uma preliminar dessa natureza for acolhida para se rejeitar a denúncia.
Data venia do em. Relator, rejeito a preliminar de ilegitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Julgado este aspecto, haver-se-á de examinar os outros elementos para recebimento ou não da denúncia.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:
Rejeito a preliminar, data venia.
O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:
Acompanho o em. Relator, data venia.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Sr. Presidente.
Tenho ponto de vista firmado a respeito da matéria. Já o defendi perante a Terceira Câmara CRIMINAL e vou fazer a exposição do meu voto, cujos fundamentos manifestei, inclusive, na sessão de ontem em que se julgava matéria semelhante.
Não entro em outros detalhes, o meu voto é apenas pela rejeição da preliminar, porque há outros aspectos da denúncia que o eminente Relator não chegou a apreciar, inclusive se ela preenche os requisitos necessários constantes do art. 41.
VOTO
Não concordo, "data venia", com posicionamento do ilustre Relator. Para mim a realização da INVESTIGAÇÃO pré- processual PELO MINISTÉRIO PÚBLICO é legal.
A Carta Magna vigente assegurou àquele órgão a titularidade, exclusiva, da ação penal pública (art. 129, inc. I), que tem como decorrência lógica o poder investigatório; do contrário, tal mister nem sempre poderia ser cumprido. A função de INVESTIGAÇÃO não é precípua, mas é inerente às atividades fins do MINISTÉRIO PÚBLICO, uma vez que se a lei incumbe a um Poder ou órgão do Estado competência para fazer alguma coisa, implicitamente lhe confere o uso dos meios idôneos. Seria um evidente contra-senso que o responsável exclusivo pela opinio delicti não pudesse, em determinados casos, conduzir a INVESTIGAÇÃO antecedente à fase processual.
Além do mais, não se compreende que, para propor ação penal de sua exclusiva iniciativa, deva o MINISTÉRIO PÚBLICO ficar subordinado e dependente de prévia INVESTIGAÇÃO da autoridade policial, a quem pode requisitar a abertura de inquérito policial e a realização de diligências investigatórias (art. 129, VIII, CF/88). Seria uma verdadeira inversão de valores e aplicação ao contrário do comezinho princípio de quem pode o mais pode o menos.
E a própria Constituição, ao prever a possibilidade do MINISTÉRIO PÚBLICO expedir notificações em procedimento administrativo de sua competência (art. 129, VI), assegurou-lhe a possibilidade para a reunião de elementos de convicção necessários à opinio delicti, não havendo, "data venia", que se falar que o referido instrumento destina-se unicamente à instrução de ação civil pública.
Como ensina Hugo Nigro Mazzilli, "se os procedimentos administrativos a que se refere este inciso fossem em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc. III. O inquérito civil nada mais é que uma espécie de procedimento administrativo de atribuição ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível; atinge também a área destinada a investigações criminais. O poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los (art. 129, inc. VI); requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
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policial (art. 129, inc. VIII); e exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX)".
Por outro lado, nos termos do que dispõe o § único do art. 4º do CPP, não é só à polícia a quem incumbe a tarefa de realizar procedimentos de INVESTIGAÇÃO.
Tal dispositivo, é bom que se diga, não conflita com o § 4º, inc. IV, do art. 144, da Lei Maior, que, apesar de estabelecer como funções precípuas da polícia civil, as atribuições de polícia judiciária e apuração de infrações penais, não lhe conferiu a exclusividade.
E nem se diga que o poder de investigar do MINISTÉRIO PÚBLICO fere o princípio da igualdade entre as partes, porquanto o procedimento investigatório tem caráter inquisitivo e não contraditório, não havendo, portanto, obrigatoriedade de observância dos princípios do art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Importante lembrar que o inquérito policial não é indispensável para a propositura da ação penal. Nos termos do art. 39, § 5º, "o órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO dispensará inquérito policial, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 dias."
Segundo Tourinho Filho, "...desde que o titular da ação penal (MINISTÉRIO PÚBLICO ou ofendido) tenha em mãos informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável" (Processo Penal, 12ª ed., Saraiva, vol. I, p. 181).
Estabelecido que o MINISTÉRIO PÚBLICO pode denunciar com base em peças de informações, suponhamos a seguinte e comum situação: um Promotor de Justiça realiza um inquérito civil destinado a instruir uma ação civil pública. No curso do procedimento colhe elementos que também o habilitem a oferecer a denúncia e deflagrar a ação penal.
Neste caso, deverá ele, então, obrigatoriamente, requisitar a abertura de inquérito policial para que a autoridade policial lhe apresente elementos indiciários dos quais já tinha conhecimento? Penso que não, PELO evidente absurdo que encerra esta situação.
Cumpre observar, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 234, consagrou o seguinte entendimento:
"A participação de membro do MINISTÉRIO PÚBLICO na fase investigatória CRIMINAL não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia."
Com estas considerações, pedindo vênia ao ilustre Relator e aos eminentes 1º e 2º Vogais, afasto a preliminar, e dou pela legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para propositura da presente ação penal.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
Sr. Presidente.
Rejeito a preliminar, subscrevendo os votos nesse sentido.
O SR. DES. PINHEIRO LAGO:
Sr. Presidente.
Estando afastado do estudo do Direito Penal, confesso que, num primeiro momento, estava disposto a acompanhar o voto do eminente Relator. No entanto, depois de ouvir os votos proferidos em sentido contrário, especialmente o que acaba de ser proferido PELO eminente Des. Kelsen Carneiro, acabei por me convencer pela legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para proceder a inquérito policial, ou melhor, inquérito administrativo, para apurar matéria penal.
Assim, pedindo vênia ao eminente Des. Relator, também rejeito a preliminar.
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O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
Sr. Presidente.
Além de peça meramente informativa, o inquérito policial é peça também facultativa. Se existente, nele pode basear-se o denunciante para oferta da denúncia. Se ele inexistir, mas outros elementos documentais ensejarem oferta de denúncia sem um inquérito, ela se torna possível. Ora, se é possível ofertar a denúncia, ainda que não haja inquérito, o que não se dirá da denúncia que é ofertada com base em um inquérito, ainda que presidido PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Pior do que a rejeição da denúncia por esse motivo é a consagração da impunidade.
Há que se fortalecer a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO, porque sem ela muitos dos delitos administrativos que hoje se apuram, certamente, estariam relegados ao oblívio.
Se o inquérito é necessário e se o inquérito existe e se nele existem elementos para oferta da denúncia, não vejo por que, data venia, admitir esta preliminar.
Rejeito-a, portanto, com respeitosa vênia.
O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:
Sr. Presidente.
Também, o eminente Des. Pinheiro Lago estava inclinado a rejeitar a denúncia, mas verifico que o reconhecimento da denúncia em si não impede que depois, à vista de documentos, haja um desdobramento de absolvição ou de condenação. Então, o simples recebimento de denúncia não enseja maior prejuízo, apenas permite apuração dos fatos e a verificação da documentação apresentada PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, se ela encerra ou não a verdade.
Assim, rejeito a preliminar.
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. NILSON REIS:
Sr. Presidente.
Ouvi com atenção as palavras dos ilustrados Advogados e como o eminente Des. Relator, também, entendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO, notável instituição, essencial à atividade jurisdicional, não tem competência para promover INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, produzir inquérito penal, mas poderá requisitar diligências investigatórias e instalação de inquérito policial na forma do art. 129, inciso VIII da Constituição da República.
Com redobrada vênia aos eminentes Desembargadores que votaram em contrário, acompanho o eminente Relator.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
Sr. Presidente, pela ordem. Gostaria de proferir o meu voto.
No Recurso Ordinário em HC nº 81.326, julgado em 06 de maio de 2003, do Distrito Federal, sendo Relator o Ministro Nelson Jobim, o Supremo Tribuno Federal considerou que a norma constitucional não contempla a possibilidade de o Parquet presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas requisitar diligências nesse sentido à autoridade policial. Não é nova esta matéria, porque, como cita o Ministro Nelson Jobim, há um precedente clássico no Ministro Nelson Hungria quando o Tribunal julgou o Recurso de HC nº 34.827 e o Ministro Nelson Hungria
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sustentou que o Código de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocamento da competência, ou seja, substituição da autoridade policial por membro do MINISTÉRIO PÚBLICO na INVESTIGAÇÃO do crime.
Em verdade, o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal permite que autoridades outras, que não as policiais, possam elaborar inquéritos, como as sanitárias, nos delitos contra saúde pública; as administrativas, nos delitos contra a Administração Pública; os inquéritos das Comissões Parlamentares e, até mesmo, inquérito judicial, no caso de falência.
Entretanto, quanto ao MINISTÉRIO PÚBLICO, a Constituição da República é clara, a de 1988 mais clara ainda, no sentido de admitir que o papel do MINISTÉRIO PÚBLICO, em matéria de apuração CRIMINAL, seja limitado a interferir no inquérito conduzido pela autoridade policial, a fim de requisitar providências e elucidar os crimes.
É atribuição dos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO, por norma da Lei Complementar nº 40, que dispõe sobre a Organização do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 15, III), acompanhar atos investigatórios junto a organismos policiais e administrativos, quando assim considerarem conveniente a apuração de infrações penais.
A única hipótese de discutível possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO assumir a direção de inquérito policial é aquela em que não exista delegado de polícia de carreira. Isso, por expressa previsão da Lei Orgânica (art. 15, V, da Lei Complementar nº 40, de 14-12-1981).
O fato de o inquérito policial ser dispensável, ser facultativo, não altera a competência. Ou seja, quando não há inquérito policial, o MINISTÉRIO PÚBLICO não o fará em lugar do delegado de polícia. Mas, quando há inquérito, deve ser feito PELO delegado de polícia. Não é possível ao MINISTÉRIO PÚBLICO fazê-lo.
E a razão de ser desta norma é clara para mim. Porque existe uma impressão, desde os meus tempos da juventude, errônea na cabeça dos estudantes, de que o Promotor de Justiça é um promotor de acusação, enquanto a própria palavra, palavra elevada - Promotor de Justiça - indica que ele vai promover o direito, a justiça social e não apenas acusar. Ele poderá até pedir, como nós sabemos, a rejeição da queixa, ou da denúncia, conforme o caso. Pode pedir, inclusive, a absolvição, como lembra-me o eminente Desembargador Lucas Sávio Gomes.
Ora, no momento em que o MINISTÉRIO PÚBLICO assume uma posição de autoria do inquérito, do tipo policial, ele se compromete, psicologicamente, com aquela autoria dele e perde a necessária tranqüilidade, o equilíbrio emocional, o teor de justiça inerente à sua função institucional, para apresentar a denúncia, a queixa, ou em outro sentido, pedir, se for o caso, a absolvição. A atribuição do MINISTÉRIO PÚBLICO é de controle da Polícia (Constituição, art. 129, VII) e, não, de co-gestão.
Nestes termos, com a devida vênia, acolho a preliminar.
O SR. DES. PRESIDENTE:
Foram dez votos acolhendo e dez desacolhendo a preliminar.
Desempato a votação, acompanhando o voto do Des. Gudesteu Biber, para desacolher a preliminar. Retorno a palavra ao Des. Relator.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente.
Há outra preliminar que se refere à questão do Promotor Natural. O entendimento da defesa é no sentido de que o Procurador-Geral de Justiça é quem deve oficiar em casos de processo-crime originário, porque indelegável as atribuições dele.
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Data venia, o entendimento da maioria das Câmaras Criminais deste Tribunal e da Corte Superior é de que a denúncia é nula quando assinada somente PELO Promotor.
A denúncia assinada por Procurador é válida e é eficaz, mas a Lei Orgânica do MINISTÉRIO PÚBLICO só permite que o Promotor atue no Tribunal, quando convocado eventualmente para substituição.
Assim, data venia, rejeito a preliminar quanto ao Promotor Natural.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
Também rejeito a preliminar.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
Sr. Presidente.
A tese do Promotor Natural teve alguma prevalência nos idos de 88/89, quando do advento da nova Constituição. Entretanto, tantos foram os julgamentos dos tribunais e até mesmo do Supremo Tribunal Federal a respeito que essa tese é hoje totalmente desmoralizada.
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:
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Rejeito a preliminar.
O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. PINHEIRO LAGO:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. NILSON REIS:
Rejeito a preliminar.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente.
Há outra preliminar ressaltada da Tribuna, ratificada PELO ilustre Advogado Dr. Luís Carlos Parreira Abritta quanto à inépcia da denúncia.
Data venia, também estou rejeitando a preliminar porque a denúncia é minudente na descrição das condutas dos respectivos denunciados.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
De acordo.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
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De acordo.
O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:
De acordo.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
De acordo.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
De acordo.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
De acordo.
O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:
De acordo.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
De acordo.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
De acordo.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:
De acordo.
O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:
De acordo.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
De acordo.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
De acordo.
O SR. DES. PINHEIRO LAGO:
De acordo.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
De acordo.
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O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:
De acordo.
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
De acordo.
O SR. DES. NILSON REIS:
De acordo.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente.
Tendo em vista que fiquei vencido quanto a validade do procedimento administrativo para embasar a denúncia, quanto ao mérito recebo a denúncia, retificando o meu voto proferido anteriormente, porque reconheço que os autos oferecem elementos que comprovam em tese o fato delituoso descrito na denúncia.
Isso é o bastante.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
Também ratificando que mantenho entendimento na preliminar, no mérito, estou de acordo.
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
Recebo a denúncia.
O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:
Recebo a denúncia.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
Recebo a denúncia.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
Sr. Presidente.
Vencido quanto a primeira preliminar suscitada, no que pertine ao mérito outra alternativa não me resta senão receber a denúncia.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:
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Recebo a denúncia.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
Sr. Presidente.
Estou recebendo a denúncia. O juízo provisório tem como finalidade exclusiva deixar ao MINISTÉRIO PÚBLICO a possibilidade de comprovar as alegações contidas na peça investigatória, e a defesa, evidentemente, provar o contrário. Não possui nenhuma força a não ser alguns reflexos na Justiça Eleitoral.
Por isso, pedindo vênia e com toda cautela, recebo a denúncia, muito embora deva salientar que ela é muito frágil na descrição dos fatos com relação a algum dos denunciados.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
Com o Relator.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:
Com o Relator.
O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:
Com o Relator.
O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:
Recebo a denúncia.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
Recebo a denúncia.
O SR. DES. PINHEIRO LAGO:
Com o Relator.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
Com o Relator.
O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:
Também recebo a denúncia.
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
Sr. Presidente.
Também recebo a denúncia, com a ressalva de que quanto a situação de algum dos denunciados a descrição dos fatos realmente é frágil.
O SR. DES. NILSON REIS:
Recebo a denúncia.
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SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES. CARREIRA MACHADO, BAÍA BORGES, LUCAS SÁVIO, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA MELO. À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBERAM A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO RODRIGUES.
Processo N. 1.0000.03.402477-8/000(1)
EMENTA: HABEAS CORPUS - DENÚNCIA LASTREADA EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 514 - APLICAÇÃO - CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS - AÇÃO PENAL - JUSTA CAUSA - IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE DELITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - NÃO OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA - A apuração de infração penal PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO não constitui ilegalidade.- O procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal. - Não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal se as condutas que são imputadas aos réus pela denúncia constituem ilícito penal. - Não cabe falar em aplicação da responsabilidade objetiva se a acusação imputa aos acusados uma conduta ilícita cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a autoria e a materialidade. HABEAS CORPUS (C. CRIMINAIS ISOLADAS) Nº 1.0000.03.402477-8/000 - COMARCA DE BARBACENA - PACIENTE(S): WALTER BORGES DE MEDEIROS, MÁRIO CÉSAR TAVARES LADEIRA, JOSÉ FRANCISCO VIDIGAL SILVEIRA, HONÓRIO JOSÉ FRANCO - COATOR(ES): JD 1 V CR COMARCA BARBACENA - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DENEGAR A ORDEM.
Belo Horizonte, 12 de fevereiro de 2004.
DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:
VOTO
O Dr. Luiz Fernando Valladão Nogueira impetra a presente ordem de habeas corpus em favor de Walter Borges de Medeiros, Mário César Tavares Ladeira, José Francisco Vidigal Silveira e Honório José Franco, que se encontram denunciados pela prática do delito do art. 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.
Alega o impetrante que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal, uma vez que a denúncia foi recebida, sem que esteja lastreada em inquérito policial, mas em procedimento administrativo conduzido pelos próprios Promotores de Justiça; que não foi observada a formalidade do art. 514 do CPP, necessária, no caso, porquanto é funcional o crime que é imputado aos réus; que falta justa causa para a ação penal, uma vez que as condutas que lhes são imputadas pela denúncia não constituem ilícito penal; e, por fim, que o MP está aplicando a responsabilidade objetiva.
Pede o trancamento da ação penal.
Concedi a liminar (fl. 59).
Vieram aos autos as informações da autoridade coatora (fls.).
A d. Procuradoria opinou pela denegação da ordem (fls. 83/100).
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Decido.
Primeiramente, alega o impetrante, como visto, que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal, vez que a denúncia foi recebida sem que esteja lastreada em inquérito policial, mas apenas em procedimento administrativo conduzido pelos próprios Promotores de Justiça.
A questão é extremamente tormentosa.
Com efeito, existem respeitáveis argumentos no sentido de que não é admissível que o MINISTÉRIO PÚBLICO instaure inquérito penal, procedendo à apuração de infrações penais, vez que tal procedimento não é de sua competência, e sim da autoridade policial (CF, art. 144, §§ 1º e 4º).
Nesse sentido, já entendeu o Supremo Tribunal Federal (RE 233.072/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 18/05/1999, DJ 03/05/2002, p. 22, e Recurso Extraordinário nº 205.473/AL, Rel. Min. Carlos Velloso, votação unânime, j. 15/12/1998, DJ de 19/03/99, p. 00019).
Nesse mesmo diapasão é o magistério de Guilherme de Souza Nucci (cf. Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 64).
Todavia, existem, também, judiciosos argumentos em sentido contrário, ou seja, no sentido de que a Constituição da República não vedou ao MINISTÉRIO PÚBLICO a possibilidade de instaurar inquérito para apuração de infrações criminais.
É o que leciona Hugo Nigro Mazzilli quando sustenta que deve-se compreender "que as investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado constituem uma exceção ao princípio da apuração das infrações penais pela polícia judiciária (CR, art. 144, §§ 1º, IV, e 4º) - o que, de resto, é de todo necessário para as hipóteses em que a polícia tenha dificuldades ou desinteresse de conduzir as investigações (v. exemplo clássico dos crimes do ¿Esquadrão da Morte' e os problemas surgidos quando da sua apuração, com a persistente atuação ministerial). Igualmente, a iniciativa investigatória do MINISTÉRIO PÚBLICO também tem cabida quando não tenha a polícia condições adequadas para conduzir as investigações, dada sua condição de órgão subordinado ao governo e à administração, muitas vezes envolvida na própria apuração delitiva. Aliás, tais conclusões também são consectário lógico do próprio controle externo que a Constituição da República exigiu impusesse o MINISTÉRIO PÚBLICO sobre a atividade policial.
Na verdade, a Constituição cometeu à polícia federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União(art. 144, § 1º, IV). Entretanto, em que pese ser a função investigatória auxiliar da justiça uma das metas da polícia judiciária, a Constituição de 1988 desmembrou da atividade de polícia judiciária aquela da apuração de infrações penais, para a qual não tem a polícia exclusividade da apuração (art. 144, §§ 1º, I e IV, e 4º)." (in "Manual do Promotor de Justiça", Editora Saraiva, 2ª ed., 1991, p. 122/123).
É, ainda, Hugo Nigro Mazzilli quem sustenta que "a regra é a de que a INVESTIGAÇÃO de crimes, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade de polícia judiciária. Por certo se inclui, entre as exceções à regra, a INVESTIGAÇÃO de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 129, VI)..." (ob. cit., p. 178/179). E conclui que a norma do art. 144, § 4º, da CF, que prevê que as polícias civis são "dirigidas por delegados de polícia de carreira", diz respeito apenas à proibição de que sejam designados delegados ad hoc ou de que se cometa a presidência de inquéritos policiais a outros órgãos que não aqueles.
Mas isso não implica dizer que "nenhuma outra autoridade possa investigar infrações penais", uma vez que a própria Constituição "não conferiu exclusividade à polícia, na apuração de infrações penais", o que se verifica diante da existência de diversos dispositivos seus que "fazem ver a possibilidade de INVESTIGAÇÃO de crimes por outros meios que não o inquérito policial (arts. 58, § 3º,71, 74, § 2º, 129, I, VI a VIII e, também, a norma residual do inc. IX do art. 129)." (ob. cit., p. 179).
Parece, portanto, que a norma do inc. IX do art. 129 da Constituição Federal realmente estaria a deixar aberta a possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO não apenas acompanhar o desenrolar do inquérito policial, mas de instaurar procedimento administrativo para apurar infrações penais, o que, à parte a questão jurídica, se mostra, muitas das vezes, absolutamente necessário, tendo em vista diversas situações práticas em que a apuração dos fatos pela polícia se revela muito mais difícil de ser realizada, sobretudo porque os membros do
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MP possuem total independência e segurança no exercício de suas atribuições, o que não ocorre com as autoridades policiais.
Entretanto, em que pese isso, tormentosa como se mostra a questão, ainda que se possa, parece-me que não se deve, em sede de HC, resolver se o notório impasse que o tema tem provocado para o fim de se trancar a ação penal.
Razão também não assiste ao impetrante quando alega que não foi observada a formalidade do art. 514 do CPP, necessária, no caso, porquanto é funcional o crime que é imputado aos réus.
Ocorre que os artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal - dentre os quais se inclui, por óbvio, o citado art. 514 - cuidam do procedimento CRIMINAL relativo à apuração dos delitos funcionais típicos.
Nesse sentido, o magistério de Damásio de Jesus:
"O rito processual estabelecido nos arts. 513 a 518 é aplicável aos crimes funcionais típicos apenados com reclusão ou detenção" (in Código de Processo Penal Anotado, Editora Saraiva, 9ª ed., 1991, p. 333).
Tal rito, portanto, aplica-se aos crimes previstos nos artigos 312 a 326 do Código Penal, que são os delitos praticados por funcionário PÚBLICO contra a Administração em geral.
Nesse diapasão, a lição de Guilherme de Souza Nucci, quando, ao tratar do art. 514 do CPP, preleciona que ele se refere apenas aos crimes funcionais, que estão "previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal" (cf. Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 770).
Outro não é o entendimento de Mirabete:
"Ao mencionar os ¿crimes de responsabilidade dos funcionários públicos', o Código está se referindo aos delitos próprios e impróprios previstos sob o título de ¿Crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em Geral" (arts. 312 a 326 do CP)..." (cf. Código de Processo Penal Interpretado, Editora Atlas, 8ª ed., 2001, p. 1104).
Essa é também a lição de Tourinho Filho:
"Há crimes de responsabilidade, também denominados funcionais, apenados com reclusão ou detenção (vejam-se os arts. 312 a 326 do CP), cujo processo e julgamento ficam afetos ao Juiz de Direito. É desses delitos que os arts. 513 a 518 do CPP cuidam" (in Processo Penal, 4º Volume, Editora Saraiva, 13ª ed., 1992, p.145) - grifei.
A jurisprudência não discrepa desse entendimento:
"Crimes de responsabilidade - Arts. 513 e seguintes do CPP - Aplicação exclusiva - Entendimento.
As providências determinadas nos arts. 513 e seguintes do CPP somente se aplicam aos crimes funcionais típicos, quais sejam, os cometidos por funcionário PÚBLICO contra a administração em geral (arts. 312 a 326 do CP), e não na hipótese de outros crimes" (TACRIM-SP, Rel. Juiz Lourenço Filho, in Código de Processo Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, Volume 2, Alberto Silva Franco e outros, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 2325).
Portanto, o procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal.
Como no caso dos autos o crime imputado aos pacientes não se inclui entre não se inclui entre estes, não se aplica à espécie o disposto no art. 514 do CPP.
Mais uma vez a razão não assiste ao impetrante quando sustenta que falta justa causa para a ação penal, uma vez que as condutas que são imputadas aos pacientes pela denúncia não constituem ilícito penal.
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Com a devida vênia, a conduta imputada aos pacientes está prevista no art. 89 da Lei nº 8.666/93 como infração penal.
Cabe, aqui, o registro de que o dolo é presumido, cabendo à defesa, no curso da instrução CRIMINAL, demonstrar, se o caso, a sua inexistência, bem como a ressalva de que há indícios de que as compras levadas a efeito sem licitação tenham assim sido realmente efetivadas sem que fosse o caso de dispensa da licitação (cf. denúncia à fl. 21), o que, de qualquer forma, deverá ser objeto de apuração, durante a instrução.
Por fim, sem razão o impetrante quando afirma que o MP está aplicando a responsabilidade objetiva.
Afinal, a acusação imputa aos pacientes uma conduta ilícita cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a autoria e a materialidade e se não demonstrada a inexistência do dolo.
Por força de todas essas razões, denego a ordem e casso a liminar.
Comunicar.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : DENEGARAM A ORDEM
ANEXO VII
ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Habeas Corpus n. 2003.019054-6, da comarca de Blumenau.
Relator: Des. Torres Marques.
HABEAS CORPUS - ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR TER SIDO REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - NÃO OCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA MINISTERIAL GARANTIDA PELA CF/88 - PROCESSO COM INSTRUÇÃO CONCLUÍDA - SUPOSTA ILEGALIDADE SUPERADA - ORDEM DENEGADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 03.019054-6, da comarca de Blumenau (2ª Vara Criminal), em que é impetrante Daisy Cristine Neitzke Heuer e paciente Rodrigo Messias do Nascimento:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, denegar a ordem.
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Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus interposto pela advogada Daisy Cristine Neitzke Heuer em favor de Rodrigo Messias do Nascimento visando trancar a Ação Penal n. 008.02.022776-8, em trâmite perante a 2ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, sustentando para tanto haver nulidade insanável na investigação criminal, por ter sido realizada diretamente pelo Ministério Público, sem a prévia instauração de inquérito policial.
Prestadas as informações pela autoridade apontada como coatora (fls. 83/85), os autos foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que se pronunciou pela denegação da ordem.
II - VOTO: A Carta Magna, em seu art. 129, consagrou as funções institucionais do Ministério Público, incluindo dentre estas a promoção, com exclusividade, da ação penal pública, assim como a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais.
Em relação à competência do Ministério Público para promover procedimento investigatório criminal, traz-se à colação excerto do parecer lavrado pelo Dr. Moacyr de Moraes Lima Filho, que exemplarmente analisou a matéria:
"É questão incontroversa que, com o advento da Constituição da República de 1988, o Ministério Público, tornou-se instituição legitimada para promover, com exclusividade, a ação penal pública, expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, podendo, inclusive, requisitar informações, documentos e diligências para melhor instruí-los, bem como instaurar inquérito policial".
E mais adiante continua:
"[...] Faz-se necessário ressaltar que as diligências e os atos investigatórios promovidos pelo Ministério Público são, em verdade, de seu próprio interesse e destinam-se à coleta de elementos de convicção para o exercício da opinio delicti, pelo que se mostra desarrazoado criar embaraços a essa atividade.
"Assim sendo, em casos excepcionais, ou seja, em hipóteses de grave repercussão pública ou em casos em que a atuação da Polícia Judiciária possa sofrer influência política impõe-se a participação direta do Ministério Público nas investigações criminais, podendo utilizar-se de toda e qualquer providência que vise à apuração do fato criminoso.
"Neste sentido, afirma Hugo Nigro Mazzilli:
"'Tanto na área cível como criminal, admitem-se investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado. Para fazê-las, não raro se valerá de notificações e requisições' [...] (Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 239).
"Importante acrescentar que tanto o inquérito policial quanto as próprias investigações policiais não são imprescindíveis à propositura da ação penal, uma vez que disposição expressa na legislação processual penal autoriza o Ministério Público a agir, dispensando tais procedimentos quando dispuser de elementos suficientes que o habilitem a promover a ação penal" (fls. 88/91).
Ademais, conforme se depreende das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 83/85), a instrução foi concluída, estando aguardando apenas a apresentação das alegações finais por parte do co-réu Evaldo.
III - DECISÃO: Pelo exposto, denega-se a ordem.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Des. Jorge Schaefer Martins, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Moacyr de Moraes Lima Filho.
Florianópolis, 09 de setembro de 2003.
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Sérgio Paladino
PRESIDENTE COM VOTO
Torres Marques
RELATOR
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ANEXO VII
ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE
Nr. Processo: 200133640
Tramitacao
Nr. Acórdao.: 2184/2001 (na íntegra)
EMENTA
HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - ATOS INVESTIGATÓRIOS - REALIZAÇÃO DIRETA - VIABILIDADE LEGAL. NULIDADE INOCORRENTE E CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. Válidos são os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações, esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos para fins de oferecimento de denúncia. Ordem denegada. Decisão unânime
CONCLUSÃO
Acordam os membros da Câmara Criminal deste E. Tribunal, por unanimidade, DENEGAR a ordem impetrada.
RELATÓRIO
O pedido de Habeas Corpus, fundamentado nos termos do artigos 647 e 648 e seu inciso VI, todos do Código de Processo Penal e artigo 5.º, inciso LXVII , da Lei Maior, impetrado pelo Bel. RICARDO CERQUEIRA e BEL. CARLOS BOTELHO em favor dos pacientes GENILSON GALINDO CHAVES e GENIVALDO CHAVES GALINDO JÚNIOR, ambos brasileiros, casados, autônomos, residentes nesta capital e filhos de Genivaldo Galindo da Silva e Francisca Cilene Chaves Galindo, faz-se sob a alegação de estarem sendo vítimas de constrangimento ilegal por parte do MM. Juízo de Direito da Comarca de Canindé do São Francisco, neste Estado, indigitada autoridade coatora. Narra o pleito de "habeas corpus" que "em 28 de junho de 2001, membros do Ministério Público, especialmente designados para a Comarca de Canindé do São Francisco, representaram acerca da prisão preventiva dos pacientes, alegando, sem a existência de um fato real e objetivo, a presença dos motivos que justificariam a segregação provisória , elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal. O magistrado em exercício na Comarca de Canindé do São Francisco, Dr. Diógenes Barreto, acolheu a representação e decretou a prisão preventiva dos pacientes que, no momento, encontram-se presos. Ocorre, entretanto, que tanto a representação quanto a decisão que decretou a medida de exceção estão respaldadas em procedimento investigatório, instaurado no âmbito ministerial e presidido aleatoriamente por promotores de justiça na indevassável privacidade de seus gabinetes. Aduz ainda que "a ilicitude da investigação penal a cargo de membros do Ministério Público, que constitui inominável abuso de poder, não pode sustentar um decreto de prisão preventiva e , tão pouco servir de base para a instauração da ação penal, uma vez que caracteriza violação do devido processo penal e da ampla defesa. Acrescente-se , ainda, que os ilustres membros do Parquet, sem legitimidade para proceder a investigação preparatória da ação penal, continuam exercendo tal atividade, promovendo oitivas de testemunhas, em alguns casos ouvindo a mesma testemunha mais de uma vez , e realizando diligências. " Requereram a concessão da medida liminar para ser revogado o decreto de prisão preventiva dos pacientes e procedida a imediata liberação dos mesmos. No despacho de fls. 125, verso, da lavra do eminente Juiz Doutor Cláudio Dinart Déda Chagas, em substituição à Desembargador e na condição de Membro da Câmara Especial de Férias, apenas solicitou informações à autoridade coatora. O MM. Juiz de Direito da Comarca prestou informações apresentando todos os permenores relativos à respectiva tramitação processual e colacionou peças relevantes à confrontação informativa. A Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou pela denegação do writ. É o relatório.
VOTO (Vencedor)
Cuida-se de pleito de "habeas corpus" assentado na alegada existência de constrangimento ilegal por parte da autoridade processante, o MM. Juiz de Direito da Comarca de Canindé do São Francisco, argumentando para tanto que o processo deve ser anulado ab initio, revogando-se inclusive a prisão preventiva dos
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pacientes, porque houve ilicitude na investigação penal a cargo dos membros do Ministério Público, o que constitui inominável abuso de poder, não podendo sustentar um decreto de prisão preventiva e, tão pouco servir de base para a instauração de uma ação penal. Esquadrinhado está portanto o ponto fulcral da irresignação impetrante da, ou seja, a argumentação, em suma, de que os Promotores de Justiça oficiantes na ação penal promovida contra os pacientes, estariam usurpando a função atribuída exclusivamente a delegados de polícia, porque passaram a proceder aos atos investigativos, oitiva testemunhal, entre outras atitudes do mesmo jaez, e que não sendo esta conduta permitida , todos os atos processuais deveriam ser anulados. Eis portanto o objeto resquestado e trazido à apreciação e julgamento desta E. Câmara Criminal. Causou-me estranheza a arguição nos moldes fixados pela impetração, porque é de conhecimento elementar a viabilidade legal de apuração direta de infrações penais pelo Promotor de Justiça, investigando notícias de crimes e contravenções penais, buscando provas e indícios quanto aos aspectos de materialidade e autoria criminógena; exatamente no âmbito dos procedimentos narrados pelos impetrantes, mormente empós a vigência da Constituição Federal de 1988, que cometeu esse direito ao Parquet, com clareza inquestionável, como corolário lógico do princípio da exclusividade da promoção da ação penal pública. Ao exame dos dispositivos legais indigitados e cotejados pelos impetrantes, não concordo de forma alguma com a assertiva de que o artigo 144, § 4.º da Constituição Federal vigente atribui apenas à polícia civil a incumbência de exercer as funções de polícia judiciária e de proceder à apuração de infrações penais, salvo as militares; e de que o artigo 129 da Lei Maior, que define as funções institucionais do Ministério Público, em nenhum momento confere a essa instituição poderes de avocar para si a investigação criminal, mas sim o de promover a ação penal pública na forma da lei, onde apenas poderá requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. É de se observar que essas atribuições de fato estão previstas nos artigos epigrafados, mas todo o cerne da questão está centrado no aspecto da AUSÊNCIA DE EXCLUSIVIDADE para o exercício de tais atribuições, onde basta se observar do teor do próprio artigo 144 da Lex Major , para se constatar claramente que apenas a polícia federal possui essa EXCLUSIVIDADE, assim mesmo quando exercendo funções de polícia judiciária da União, conforme regra ínsita no § 1.º, inciso IV, desta mesma norma, que diz : "exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União" ; porque já com relação às apurações penais previstas no inciso I do mesmo dispositivo, essa exclusividade não mais existe. E quanto às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, como trata o caso dos autos, divergentemente das polícias federais, nem mesmo quando funcionarem como polícia judiciária desfrutam dessa EXCLUSIVIDADE, quanto mais quando estiverem no exercício de apurações penais. Essa é a regra insculpida no próprio artigo 144 da CF/88, no seu § 4.º, que diz textualmente, in verbis : "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União , as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais , exceto as militares." Como se constata, NÃO EXISTE EXCLUSIVIDADE às polícias civis para o exercício dessas funções, embora não se olvide que a elas se exige a compulsoriedade de tal mister porque são de dever absoluto, sob pena , em princípio de delito de prevaricação; mas o que não obsta ao Ministério Público o poder de presidir apurações penais , notadamente quando entender existir hipóteses de dificuldades ou desinteresse na condução das diligências por parte da Polícia Judiciária competente, ou até mesmo quando houver um certo envolvimento ou interesse da própria Instituição Policial ou até pessoal da autoridade que investiga no objeto da apuração, em face da titularidade constitucional para a postulação da ação penal pública, portanto, faculta-lhe colher , diretamente, elementos necessários à formação da sua opinio delictis , pois que preparatórios à promoção da aludida ação a que é legitimado para agir na defesa dos interesses indisponíveis da coletividade, sem que isso venha a macular ou a "estabelecer um desequilíbrio entre acusação e defesa", como, desavisadamente , sugestiona os termos da impetração. Ressalte-se por oportuno que o Ministério Público pode requisitar informações ou apurá-las diretamente, como também pode prescindir destas e do inquérito policial , e mediante outros elementos que entenda suficientes, promover a ação penal pública, denunciando com respaldo legal os agentes e seus delitos. Esse meu entendimento é uníssono com julgados ressaídos do Superior Tribunal de Justiça, que assim decidiram: "CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. LIMINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público ,que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória , coletando elementos para o oferecimento da denúncia , não incompatibiliza o Representante do Parquet para a promoção da ação penal. A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação." (RHC 8106/DF - Recurso Ordinário em Habeas Corpus - em 04/06/2001 - Ministro GILSON DIPP do STJ). (GRIFEI) "...O princípio do contraditório não prevalece no curso das investigações preparatórias encetadas pelo Ministério Público . Não constitui ilegalidade ou abuso de poder, provimento judicial aparelhando o MP da coleta de urgentes informações para apuração de ilícitos civis e penais." ( ROMS 8617/GO em 25/03/1998 - Ministro MILTON LUIZ PEREIRA." E ainda : "CRIMINAL . HC. DETERMINAÇÃO DE COMPARECIMENTO AO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEPOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público , que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à
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instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia. Ordem denegada. " (HC 13368/DF Habeas Corpus - em 04/06/2001 - Ministro GILSON DIPP. - STJ) E o voto deste mesmo Acórdão, da lavra relatorial do proficiente Ministro GILSON DIPP, é tão esclarecedor, que merece ao menos parcial transcrição, na demonstração coincidente com o meu entendimento. "Nos termos dos precedentes desta Corte, tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode diligenciar, requisitando informações e documentos, a fim de instruir os seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. Com efeito, deve ser ressaltado que a atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência de procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da ação penal. Da mesma forma, não há óbice a que o membro do Parquet requisite esclarecimentos à autoridade competente ou diligencie diretamente - hipótese verificada in casu - visando à formação de sua convicção e com o intuito de aperfeiçoar a persecução penal. Assim, tomando conhecimento de uma infração penal, pode o Ministério Público instaurar procedimento para a apuração do fato, não estando obrigado a requisitar inquérito policial. E o procedimento assim instaurado não afronta o texto constitucional , nem viola direitos do investigado. Ao contrário, a Constituição Federal respalda a atuação do Parquet , permitindo-lhe apurar diretamente as infrações penais , instaurando procedimentos, requisitando informações e documentos de entidades públicas e privadas, além de autorizar a expedição das notificações que se fizerem necessárias. Não há na hipótese, afronta ao princípio do devido processo legal. O procedimento instaurado pelo Ministério Público tem por finalidade a coleta dos elementos necessários à subsidiar eventual ação penal contra o réu. Os que se mostram contrários à investigação pelo Ministério Púvlico geralmente invocam o artigo 144, § 1.º, IV, da Constituição Federal, dizendo competir à polícia judiciária , com exclusividade, a apuração das infrações penais . O mencionado dispositivo constitucional , no entanto, não tem esse sentido que se lhe quer atribuir. A Constituição Federal , art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública . Esta atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas atividades, possa colher elementos embasadores de uma ação penal. Entender-se que a investigação dos fatos delituosos è atribuíção exclusiva da polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornando as polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titulares da ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciar aqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir , em última análise, em quais casos, quando e como, o Ministério Público poderia agir. A nossa vida forense está repleta de ações penais em que a investigação e a coleta dos elementos de prova não partiram da polícia, mas do Ministério Público e de outros Órgãos da Administração, sem que com isto se vislumbre qualquer nulidade na ação penal. " A clareza, o discernimento e a acepção legal contidos no voto epigrafado, dispensam maiores circunlóquios sobre o assunto. E não fosse essa viabilidade legal ressaída da própria Lex Fundamentalis, surpreende mais uma vez a fundamentação inconsistente na tese dos impetrantes, quando está sobejamente provado nos autos que as investigações e informações que culminaram com as segregações preventivas dos pacientes e promoção de denúncias em face dos mesmos, partiram da instauração de 03 (três) INQUÉRITOS CIVIS PÚBLICOS da iniciativa Ministerial, conforme diz a autoridade coatora no decreto preventivo (fls. 88 destes autos ), assertiva confirmada pela oportuna juntada das cópias dos instrumentos de instaurações dos mesmos, procedida pela douta Procuradoria de Justiça, quando da emissão do laborioso parecer do eminente Procurador Doutor Eduardo de Cabral Menezes, e cuja possibilidade de tais procedimentos é referendado pela própria exordial mandamental , que disse : "É apenas em relação aos inquéritos civis que o Parquet tem a atribuição da instauração e da efetivação das medidas e procedimentos administrativos cabíveis, inclusive das investigações". E a jurisprudência pátria assim ementou : "O órgão do Parquet pode proceder a investigações e diligências conforme determinado nas leis orgânicas estaduais, sendo que tal atribuição fica ainda mais evidente se houve a determinação de abertura de inquérito civil público, através do qual foram colhidos os elementos ensejadores da acusação." (HC 10725, em 08/03/2000 - STJ) Inconteste portanto a legitimidade para o procedimento inquisitorial civil, reconhecido pelos próprios impetrantes e utilizado pelos membros da Promotoria da Comarca de Canindé do São Francisco, para viabilizar, como de fato fez ensejar a ação penal contra os acusados e a referendar a legalidade prisional preventiva, na forma da lei. Desse modo, as argumentações da impetração não têm, efetivamente, como prosperar. Assim sendo, ante os fundamentos expendidos, denego o pedido de ""habeas corpus" .
DES. GILSON GOIS SOARES
Relator
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