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UM

MENINO

NO

ESPAÇO 2ª parte

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CELSO INNOCENTE

Um menino no espaço.

2ª parte

ISBN 978-85-914107-1-2

1ª edição

Innocente, Celso Aparecido

Penápolis – SP - Brasil

2012

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Sumário

Prefácio: ---------------------------------------------- 9

De volta ao lar ---------------------------------------- 11

Um novo amiguinho --------------------------------- 37

O disco voador --------------------------------------- 47

Um pouco feliz --------------------------------------- 63

Fora de rota ------------------------------------------- 79

Um planeta ideal -------------------------------------- 95

Os alienígenas------------------------------------------ 115

Um acidente ------------------------------------------- 131

Chegada a Suster -------------------------------------- 151

Encontro com o robô --------------------------------- 165

Notícia triste ------------------------------------------- 177

Pequena viagem -------------------------------------- 197

O novo dormitório ------------------------------------ 219

Telepatia ----------------------------------------------- 237

De volta à escola -------------------------------------- 255

Quem é o mais esperto, o menino ou o robô? ----- 265

Sobre o autor ------------------------------------------ 279

Outros trabalhos --------------------------------------- 281

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Este é o segundo volume da estória composta por:

- Regis um menino no espaço,

- Um menino no espaço, 2ª parte,

- O retorno do menino do espaço,

- Regis um menino do planeta Terra.

Portanto, é recomendado que se leia o 1º volume antes.

Na primeira história, Regis fôra

levado à Suster, um planeta

imortal, a oitenta e sete anos-

luz da Terra, sendo devolvido

um ano depois, sem ter

envelhecido um minuto sequer.

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P r e f á c i o

pós ter sido sequestrado na Terra e permanecido

por quase um ano no distante planeta Suster,

onde era amado por seus habitantes, humanos semelhantes

aos terráqueos, não suportando a saudade, Regis um simples

menino de nove anos de idade, foi devolvido à seus

familiares e amigos.

Aos poucos, ele vai se adaptando a sua rotineira vida

terráquea, com amigos de brincadeiras e de escola, alem de

pessoas que investigam sua longa viagem interplanetária.

Aqueles alienígenas, humanos imortais, não

suportando viver assim, distante do filho que cativaram,

resolvem buscá-lo novamente para que permaneça de

maneira definitiva em seu mundo perfeito, onde não há

dores, crimes, guerras ou tristezas. Mas como Regis, filho da

Terra, poderia lhes dar amor e alegria se ele mesmo, não

conseguia ter felicidade?

Será que se pode haver felicidade em um mundo

perfeito, sem que exista a simplicidade ou mesmo peraltice

de uma criança? Por que a vida lhes privara deste pequeno

privilégio, símbolo de amor e esperança entre as pessoas?

A

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Qual a troca que aqueles seres humanos imortais,

darão ao menino para convencê-lo a viver e ser feliz por toda

uma eternidade em seu avançado mundo distante da Terra?

Acompanhe a continuação das aventuras deste

simples menino terráqueo, em um mundo aonde parecia

impossível de se alcançar, devido às muitas complicações de

se fazer uma viagem em distâncias incalculáveis.

Foto capa:

Sweetie187

For NASA

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De volta ao lar

ram pouco mais das onze horas da noite, quando,

com a bolsa de materiais e trajando uniforme

escolar (short curto azul marinho e camisa branca, com

emblema GEMT, bordado em azul no único bolso), adentrei

a varanda de minha casa, que até parecia morta, sem

nenhuma luz acesa. Com certeza, todos dormiam. Bati na

porta e segundos depois, ela se abriu, onde pensando ser um

bonito sonho, mamãe me abraçou chorando:

— Meu filhinho! Não é possível! Você aqui!

Era possível sim. Fazia quase um ano em que me

encontrava ausente, sem que eles tivessem quaisquer

notícias. Agora ali, com o coração até descompassado, eu

também chorava de alegria.

Ouvindo o barulho, papai também se levantou e

como mamãe, me abraçou emocionado.

— Filho, onde você estava? Nós ficamos quase

loucos, procurando por você em todos os lugares deste

mundo!

Seria muito difícil explicar a eles o que se passara. Eu

retornava de uma longa viagem (longa mesmo).

E

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— Regis, faz um ano que você sumiu de casa! —

Alegou mamãe. — Um ano sem dar notícias, filho! O que

houve com você? Você fugiu de casa?

— A senhora não acreditará em mim!

— Foi por causa de eu ter lhe castigado naquele dia!

Não foi? Onde você se escondeu por todo esse tempo?

— Eu não fugi de casa, mamãe! Acredite em mim!

— Claro que acreditaremos em você, filho! —

Exclamou papai. — Onde você esteve todo esse tempo?

— Estive muito longe daqui!

— Longe, onde? —Perguntou-me papai.

— Estive em outro planeta, que está a oitenta e sete

anos-luz daqui.

— Outro planeta! — Admirou-se papai. — Como

assim?

— Não importa filho! — Alegou mamãe, talvez não

acreditando muito. — O importante é que você voltou. Deve

estar cansado. Vamos dormir um pouco.

— Não estou cansado! Mas gostaria de um banho!

Fazem setenta dias que não tiro estas roupas.

Guardei meu material escolar, que ainda estava em

minhas mãos e em poucos minutos, desfrutava de um

delicioso banho, no melhor chuveiro do mundo, da melhor

casa do mundo, no melhor ambiente do mundo, na melhor

família do mundo...

Mais de trinta minutos de banho, papai abriu a porta

destrancada do banheiro e cobrou:

— Já não basta?

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— Faz muito tempo que não tomo um banho gostoso

assim, papai! — Insinuei rindo, desligando o registro da

água.

— Vai se gastar, com tanta água!

Me embrulhei na toalha e segui para meu antigo

quarto, onde, observado por meus pais, Leandro e Leticia,

me enxuguei e devido o calor penapolense, vesti um antigo

pijama curto, que me fôra entregue por mamãe.

Logo depois, ainda cercado por todos, abobados e

ainda não acreditando em meu retorno surpresa, fui dormir

na mesma caminha de outrora.

Como eu era apenas um menino e devido o prazer do

aconchego de meu lar, acabei por adormecer rapidamente;

porém, meus pais, devido o acontecido e com certeza,

radiantes de felicidades, provavelmente passaram a noite

toda, sem conseguir fechar os olhos.

©©©

Na manhã seguinte, levantei-me às nove horas, vesti

uma de minhas antigas roupas, que sempre consistia em

short muito curto, que me fizera ganhar do amigo adulto

Luciano, o apelido de francesinho e camiseta, desta feita sem

cavas, já surrada pelo uso constante; na cozinha, encontrei

meus cinco irmãos reunidos com mamãe, que naturalmente,

tentavam juntos entender, o que teria acontecido comigo e

meu feliz retorno surpresa.

— O fujão voltou pra casa. — Insinuou Carlos

Henrique, meu irmão mais velho, com sorriso irônico.

Depois de um breve oi e receber um abraço apertado

e demorado, apenas de Paulinho, meu querido carrapatinho,

fui direto ao banheiro, onde tomei um novo, porem rápido

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banho matinal, escovei muito bem meus dentes e em

seguida, de volta à cozinha, observado por todos, tomei dois

copos de café com leite e dois grandes pedaços de pão

caseiro, dos que a própria mamãe fazia, recheado com

manteiga original em lata e que estava a maior delícia do

mundo, pois aquilo era algo que não fazia a um ano.

— O maninho tá morrendo de fome. — Tornou

brincar Carlos Henrique. — Faz um ano que você não come?

— Deste pão, faz! — Dei de ombros.

Após este café, mamãe me abraçou, perguntando-me:

— Como você foi parar neste tal planeta, que você

disse?

— Fui raptado mamãe, por Tony e Rud, em uma

gigantesca espaçonave preta e dourada. A Beth, que estava

comigo, veio da escola por outro caminho e então, eles me

raptaram.

— Te raptaram por quê? Eles te maltrataram?

— Não, me batendo.

— Te tratavam bem? Cuidavam de você?

— Eu sofri muito, mas foi de saudade.

— Por que te levaram?

— Porque eles me amam muito, mamãe.

— Te amam?

— É! O senhor Frene, me ama como a um filho e

todos os outros Susterianos também. O senhor Frene, me vê

na Terra, a todo o momento. Agora por exemplo, com

certeza ele está nos vendo. Ele só me devolveu, pra

demonstrar uma grande prova de amor.

©©©

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Naquela mesma manhã, devido a saudade, fui andar

na antiga bicicleta marca Phillips de papai, seguindo pela

rua da casa de Beth, onde acabei encontrando-a, que

pensando ser um fantasma, se assustou, a me ver.

— Regis, onde você esteve?

— É uma longa história, Beth.

— Eu achava que você tivesse morrido naquele mato.

— Não morri! Vê? — Ironizei rindo. — Estou aqui em

carne e osso!

— As pessoas te procuraram muito, por todo lado,

mas nunca te encontraram. Achavam que algum maníaco

tivesse te matado e escondido o corpo.

— Credo! Maníaco? Eu hem!

— Ninguém some assim! Como você fez!

— Não sou tolo pra cair nas garras de um maníaco!

— Neguei com sorriso, tentando mostrar esperteza.

— E foi tolo caindo nas garras de quem? — Riu

também ela, com sarcasmo.

— Você cresceu Beth! Era de meu tamanho! Agora

está maior!

— Você é que não cresceu nada! Continua igual ao

dia em que desapareceu.

— É! Onde eu estava, às pessoas não crescem assim

tão rápido!

— Eu já estou no quarto ano e você repetiu. É claro!

— Eu sei! Você faltou à aula hoje?

— Não! Estou estudando à tarde! Você não estudará

mais comigo!

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— Eu sei! Você tem dez anos e eu também! Só que

aparento ter nove! Ah! De onde eu venho, eu já teria quinze

anos!

— Deixe de ser mentiroso!

— Não é mentira não! Lá o ano é mais curto do que

aqui e o engraçado é que o dia é bem mais longo e também

não existem noites.

— Então deve ser muito gostoso por lá!

©©©

Não vou relatar muitos detalhes, mas naquela mesma

tarde, papai me explicou que teria feito certa promessa

maluca, para que eu voltasse para casa e com isto eu teria

que ser submetido a uma pequena cirurgia.

— Vê lá papai! — Neguei. — Não tenho nenhuma

doença!

Ele explicou que seria uma cirurgia muito simples e

que me ajudaria na higiene pessoal. Que os judeus circunci-

dam seus bebês machos e em nosso caso, deixamos tal tarefa,

a cargo dos médicos especialistas, que chamam o sacrifício

de cirurgia de fimose e eu estaria condenado a pagar sua

maldita promessa.

— Mas papai, — Reclamei com lágrimas. — se a

promessa é do senhor, por que sou eu que terei que pagar?

E depois de alguma insistência, acabei concordando

com tal cirurgia, embora, apesar dele dizer circuncisão e

fimose, meus simples dez anos de idade, ainda não me

deixava saber, em que parte do corpo, teria que sofre nas

lâminas de um afiado bisturi.

Ao descobrir:

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— Nunca! — Protestei convicto. — Não serei capado

igual a um leitãozinho!

Porem, não adiantava reclamar muito. Dez dias

depois, devido insistentes apelos de papai, apesar de não ser

judeu, não ter prometido nada a nenhum santo sanguinário

e que meu pequeno probleminha, seria facilmente resolvido

com a ajuda de mamãe, ou por mim mesmo, em simples

massagem local, acabei mesmo, com muito medo, vergonha

e algumas lágrimas, submetido a tal sacrifício, enfrentando

injeção anestésica e bisturi afiado, de um tal doutor Rogério

Bastos.

Neste período também, com a ajuda de mamãe e

carinho de dona Regina, a mesma professora do ano

anterior, consegui retornar à escola; pois o ano letivo, mal se

iniciara. Estávamos no final do mês de Fevereiro de oitenta e

um. Beth, ainda era minha parceira de caminhada para a

escola, porem, não colega de classe. Eu voltara a frequentar a

mesma terceira série, com praticamente todos, novos colegas

de sala, salvo Ricardo e Marcelo, que, assim como eu, teria

reprovado no ano anterior. Desta feita, estudava no período

da tarde, pois a escola resolveu separar as crianças por faixa

etária: de primeira à quarta série, entre sete a dez anos de

idade, no período da tarde e de quinta à oitava série, entre

onze a quatorze anos, em média, no período da manhã.

©©©

Devido contar passagens sobre meu sequestro a

quase todos os meus amigos, a conversa, aos poucos, acabou

indo parar nos ouvidos de repórteres de televisão, que

abelhudos, ou simplesmente cumprindo seu dever, vieram

investigar o ocorrido, acabando sendo mostrado não só para

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o Brasil, mas até no exterior, onde, os governadores se

interessaram e também vieram investigar. Com isto, minha

história, acabou parando nos ouvidos de quem mais se

interessava por etês e ovinis1: os engenheiros da NASA

(americana). E foi por isto, que representantes do governo

brasileiro, nos visitaram e disseram ao papai:

— O governo americano, convidou Regis e o senhor,

pra fazer uma visita à NASA, com tudo pago.

Antes que papai dissesse alguma coisa, decidi

imediatamente:

— Não quero ir, papai!

— Como não, garoto! — Estranhou o homem. —

Todos os garotos, sonham em conhecer a NASA.

— Eu não sonho! — Neguei prontamente.

— Será importante pra a humanidade, menino!

— Eu não quero ir! — Neguei, saindo da sala.

— Espere! — Insistiu o homem. — A NASA fica na

Flórida... Orlando!

— E daí? — Dei de ombros.

— Disneylandia!

— E daí?

Papai continuou conversando com aquele engravata-

do e eu, sabendo que podia confiar nele, fui brincar com

outros amiguinhos.

Poucas horas mais tarde, retornando para casa, papai

veio a meu encontro dizendo:

— Regis, nós viajaremos aos Estados Unidos, dentro

de uma semana, mais ou menos.

— Nós, quem?

1 E.T e OVNI (Extra terrestre e objeto voador não identificado).

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— Eu, você e o doutor Marcelo.

— Quem é doutor Marcelo?

— Aquele homem que esteve aqui.

— Eu não irei!

— Será importante filho! Ao mundo e a você!

— Importante pra mim! Me investigarem? Já passei

por isto, papai! Me deixaram sem roupa! Não quero!

— Eles só querem te ouvir. Estudar alguma coisa que

você viveu e aprendeu. Saber onde você realmente esteve...

Como foi abduzido...

— Abi... Abid... O que?

— Abduzido filho! É a mesma coisa que arrebatar,

roubar, levar... Coisas assim!

— E por que então o senhor não diz: como foi levado?

— Porque quando se refere a seres extraterrestres os

cientistas usam este termo.

— Não quero ir, papai!

— Nós também queremos saber, onde você realmente

esteve!

— Não acredita em mim?

— Eu acredito em você! — Me abraçou. — Mas

precisamos saber mais!

— Já contei ao senhor, tudo o que passei. Se precisar

saber mais é só me perguntar! Não aprendi nada que

interessa a eles.

— Aprendeu sim, filho! Não vai te acontecer nada!

Eles só irão conversar com você.

— Não quero ir! — Neguei, fazendo careta.

— Você não estará sozinho! — Insistiu papai. — Eu

também estarei com você!

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— Já disse que não quero ir!

Disse que não iria, mas fui. Nunca vi um passaporte e

um visto de entrada para os Estados Unidos da América

(país rigoroso com a entrada de estrangeiros, diferente do

Brasil, que fica de braços abertos para o mundo), ficar pronto

em tão curto espaço de tempo.

Era terça-feira de manhã, quando um carro do

governo do estado de São Paulo, estivera em casa, com duas

pessoas; uma delas apanhou um aparelho esquisito e dentro

de casa, pediu licença e foi esfregando aquilo em mim.

— O que é? — Perguntei-lhe.

— Testa pra ver se você está com radioatividade.

— Sai de mim, sô! Não tenho nada disso não!

— Precisamos examinar. Em Angra faremos um teste

em seu sangue.

Olhei triste para papai e reclamei indisposto:

— Já disse que não queria ir!

— Nada de mal vai lhe acontecer, garoto! — Afirmou

o homem. — Pode acreditar!

— Já está acontecendo! Primeiro vem essa porcaria,

depois, enfiarão agulhas em meu braço... Depois, com

certeza, me mandarão ficar pelado... — Não que seja mari-

quinha, mas já estava com lágrimas. — Papai!

Se existisse algum tipo de radiação em meu corpo ou

organismo, já teria matado dezenas de pessoas. Já que

alguém queria proteger o mundo, deveria ter feito tal exame

em mim, no dia em que cheguei dos céus.

©©©

Naquela mesma tarde, já em Angra dos Reis, no

hospital da usina nuclear, foram feitos alguns testes em meu

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corpo, inclusive, como eu temia, tirando meu sangue e me

fazendo fazer xixi, mesmo sem querer; depois, como eu já

reclamara antes, não me fizeram ficar pelado, podendo

permanecer apenas de cueca, para um pequeno exame

ultrassonográfico. Mas felizmente, ou sei lá, nada de muito

importante, foi encontrado em meu corpo, apenas vestígios

de uma radiação inofensiva, presente em meu organismo.

Na manhã de quarta-feira, já com os testes em mãos,

seguimos para os Estados Unidos da América, rumo à

NASA, aonde chegamos naquela mesma tarde.

Ao contrário de que eu e papai esperávamos, ele com

o doutor Marcelo, ficaram hospedados em um hotel muito

chique, no mesmo complexo do centro espacial Kennedy, no

Cabo Canaveral, em Orlando na Flórida e eu, no próprio

edifício da NASA, no mesmo complexo, a apenas cem

metros de distância.

Foi Charles, de aproximadamente trinta anos de

idade, moreno, que falava um português muito arrastado,

que me levou a meus aposentos. A porta se abriu automá-

ticamente e nós entramos. Era um quarto aconchegante, com

televisão, telefone, banheiro, bonita cama de casal, frigobar

de hotel, cheinho de guloseimas, entre doces, salgados e

refrigerantes, alem de uma estante cheia de livros, todos

escritos em Inglês. Acho que queriam me tapear, ou

conquistar...

— É aqui que você ficará. — Disse-me Charles.

— Até quando?

— No máximo uma semana.

— Por que papai não está comigo?

— Ele não ajudaria em nada! Talvez, até atrapalharia.

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— Por que então ele precisou vir?

— Quando terminarmos os estudos, você poderá ficar

mais uma semana e então poderá passear com ele.

— Não, obrigado!

— Estamos na Disneylandia, o mundo mais cobiçado

por todas as crianças do planeta!

— Quero ir embora logo!

— Por que tanta pressa?

— Quando vai começar os tais estudos?

— Amanhã cedinho.

— Não poderia ter ficado com meu pai no mesmo

hotel? É tão próximo!

— É melhor você ficar aqui! Não tenha medo!

— É verdade que aqui o horário é diferente do Brasil?

— Sim, é verdade. Agora são oito e quinze da noite

aqui; no Brasil, são dez e quinze.

©©©

Na manhã seguinte, um robô que mais parecia uma

grande caixa de metal inoxidável com rodinha, abriu a porta

e entrou. Era mais ou menos, sete horas da manhã. Eu

acabara de me levantar; ainda estava de pijamas. O robô me

trazia uma farta refeição matinal, com frutos, suco de laranja,

iogurte, pão, bolacha, café, leite e ovos mexidos.

Liguei a televisão em qualquer canal e sem prestar

atenção no que mostrava, aproveitando a fome, me alimentei

muito bem.

Logo depois, entrou Charles:

— Dormiu bem? — Perguntou-me.

— Não muito! — Neguei.

— Por que não?

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— Preocupado com papai!

— Não precisa se preocupar! Ele está muito bem! Pra

ser sincero, está melhor do que nós, pois está aproveitando o

tempo pra passear, pode acreditar em mim. Afinal de contas,

quero ser seu amigo.

— Será que quer mesmo? — Duvidei.

— Que isso garoto? Assim você me ofende!

— É que às vezes fico pensando: Será que você quer

mesmo ser meu amigo; ou apenas está interessado naquilo

que aconteceu comigo?

— Saiba que eu adoro crianças! Tenho um filho de

seu tamanho. Se você quiser, posso levá-lo pra conhecê-lo!

— Que horas?

— Quando concluirmos os estudos.

— A que horas iremos ao tal estudo?

— Assim que você se trocar.

Levantei-me indo me trocar, me despindo daquele

pijama e colocando um short, uma camiseta e um par de

tênis.

— Está bom assim? — Perguntei-lhe.

— Está ótimo! Vamos?

— Ainda não escovei os dentes!

Segui ao banheiro par esta primeira higiene matinal.

Cinco minutos depois estava pronto.

— Agora vamos? — Chamou-me o homem.

— Senhor Charles!

— O que foi?

— Eles vão me mandar tirar a roupa?

— Claro que não! Por quê?

— Nada! Vamos!

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Logo depois, na sala em que seria ouvido, fui

apresentado a mais dois americanos: Josef, calvo, aproxima-

damente trinta e cinco anos e Mary, branca, de uns trinta

anos de idade; além de Charles e o brasileiro Marcelo, que

também se fazia presente.

Deitei-me em uma cama de exames, semelhante à de

hospitais, diante de todos. Mary sentou-se diante de um

computador, para, talvez registrar tudo o que fosse falado.

Percebi então, que o interlocutor seria Charles e por isso me

senti mais seguro.

— Regis: — Acalmou-me ele. — Não tenha medo. Só

lhe faremos algumas perguntas e você responderá com

bastante calma.

Continuei calado, admirando aquela gigantesca sala,

repleta de equipamentos metálicos esquisitos.

Josef se dirigiu a Charles, dizendo:

— Where you been for a year?

— Estive em Suster. — Respondi. — Já falei um

milhão de vezes.

Todos se admiraram e Charles me perguntou:

— Você entendeu a pergunta de Josef?

— Claro! Ele me perguntou, onde eu estive durante

um ano.

— Mas ele formulou a pergunta em Inglês!

— E o que tem isso? Compreendo perfeitamente o

que ele fala.

— Como assim? Você só tem dez anos e nunca

estudou Inglês! Suponho.

— Eu entendo qualquer linguagem falada por

humanos, senhor Charles.

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A partir de então, Charles, começou a falar em Inglês,

com Josef e comigo.

— Como pode ser? — Admirou-se ele.

Sentei-me sobre a cama, puxei debaixo da camiseta,

em meu peito, a caixinha em formato oval dourada, que

ganhara de Tony e Rud, assim que entrara na espaçonave.

— Com isto!

— O que é isto? — Perguntou-me Josef.

— É um aparelho que traduz qualquer linguagem

humana, de qualquer lugar do Universo. Foi criada pelos

Susterianos.

Charles tirou o aparelho de meu pescoço e a partir de

então, passaram a acreditar de verdade, em minha história

sobre Suster.

— Com certeza, eles são bem mais avançados do que

a gente. — Insinuou Charles, em Português.

— Milhares de anos! — Confirmei.

— Por que eles o levaram pra lá?

— Porque eles me amam!

— Por qual razão?

— A pessoa mais jovem em Suster, deve ter pelo

menos, cinco mil anos. — Insinuei.

— What? — Admirou-se Josef em Inglês, que não

entendi.

— O povo Susteriano é imortal. Morrer alguém por

lá, é praticamente impossível.

— E não há crianças, Regis? — Especulou-me o

senhor Charles.

— Não senhor!

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— E por isso eles te raptaram? Queriam ter uma

criança?

— Isso mesmo! O senhor Frene disse que eu os

levaria paz, alegria, amor... Um sorriso de criança...

— Lá não existem homens e mulheres?

— Claro que sim! E sei o que o senhor vai dizer. Mas

Deus lhes deu um presente: serem imortais. Só que se assim

for e continuasse a nascerem crianças; hoje, com certeza não

caberia mais ninguém por lá. Com isto, os homens e

mulheres passaram a serem estéricas...

— Estéreis! — Corrigiu-me o senhor Charles.

— Isso mesmo! Só fazem amor... Transam... Por

diversão... — Gesticulei, tentando me fazer de entendido. —

Sem vergonhice... Sei lá!

— O que mais você sabe sobre esse tal planeta?

— Pra quê? Vocês não estão pensando em atacar

Suster! Estão? Eles são de paz.

— Claro que não, garoto! Só queremos aproveitar

você e sua viagem, para aperfeiçoar nossos conhecimentos

interplanetários. Como é a gravidade nesse planeta?

— Nem sei o que é isso!

— É a força que orbita nossos mundos! Quanto

menor for à gravidade, mais leve se tornarão as coisas. Por

exemplo: a gravidade na órbita da lua equivale à sexta parte

da que existe aqui na Terra, portanto naquele satélite

natural, você seria muito mais leve do que na Terra! Quanto

você pesa em Suster?

— Trinta e três quilos! — Aleguei convicto.

— Quanto pesa aqui na Terra?

— Ué! — Gesticulei. — Mesmo tanto!

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Celso Innocente

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— Com certeza, a gravidade é equivalente à nossa!

Na lua você pesaria um pouco menos do que seis quilos!

— Acha! — Fiz careta.

— Podes crer! Lá você conseguiria saltar mais alto do

que uma casa. Deite-se.

— Pra quê? Não estou cansado!

— O que mais você sabe sobre Suster?

— Está a oitenta e sete anos-luz da Terra. É iluminado

por dois sóis: um deles se chama Kristall e é cinco vezes

maior que o nosso; o outro se chama Brina; é uma estrela

azul-clara e três vezes maior que Kristall. Cada uma delas

ilumina o planeta durante dezesseis horas, completando um

dia de trinta e duas horas.

— Pô meu! — Exclamou Marcelo. — Você se

transformou em um cientista sus-te-ri-a-no!

— Por quê? — Franzi o nariz.

— Aprendeu tudo!

— Não se tinha muito que se fazer, durante setenta

dias de viagem pelo espaço, a não ser perguntar.

— E a noite? — Continuou Marcelo. — Como é?

— Em Suster, não há noites, só dia. O planeta é cinco

vezes maior do que a Terra e tem o mesmo formato.

— E a respiração? Nada de máscaras?

— Claro que não! A temperatura lá é de quase

quarenta graus; a gente respira oxigênio e as plantas, o gás-

carbônico e nitrogênio. A maior parte do oxigênio vem das

plantas dos mares e rios. E por falar nisso: Sabe qual é o

combustível da nave deles?

— Qual é? — Perguntou-me Charles.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Gás-carbônico. Enquanto a gente está viajando na

nave repleta de oxigênio, a gente produz seu combustível.

— What you did on this planet? — Perguntou-me

Josef, sem que eu entendesse patavina.

— O que você fazia nesse planeta? — Traduziu

Charles, aproveitando para devolver meu aparelhinho.

— Passeava... Ia à televisão... Conversava... Divertia.

Eles construíram um parque de diversões só pra mim. O

senhor Frene, me acompanha aqui na Terra, em todos os

momentos. Nesse instante ele está nos vendo. Pode acreditar.

— Quem é o senhor Frene? — Continuou Josef.

— O governo. Ora!

— Como ele pode estar nos vendo?

— Satélites! Ora!

— Aqui na Terra?! Insistiu Josef.

— Sim! Três satélites que vigiam toda a Terra e outro

que vigia apenas minha cidade.

— Impossível garoto! Três satélites pra vigiar a terra

inteira devem ficar na órbita geoestacionária, a trinta e seis

mil quilômetros, lá em cima. — Apontou ao céu, ainda Josef.

— Ele me disse que está a cinquenta mil quilômetros.

— Balancei os ombros.

— Não importa, é a mesma órbita. Nós temos uma

rede de monitoramento espacial com vinte e nove estações,

que monitoram todos os satélites e fragmentos deles ao

redor da Terra. Mesmo que o satélite de seu alienígena

sequestrador tivesse apenas cinco centímetros de diâmetro,

não passaria despercebido em nosso sistema.

— Invisível! — Dei de ombros.

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Celso Innocente

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— Como é esse planeta? — Forçou a mudança de

assunto Charles, percebendo que Josef estava me deixando

nervoso.

— Tudo é construído de puro aço. Mas eu só conheço

Malderran. Luecy me disse que Orington é a cidade mais

bonita e avançada do Universo.

— Quem é Luecy?

— O robô! Foi construído em Merlin, do lado oposto

de Malderran.

—E a alimentação? O que é?

— Não sei o que é! Mas tem os mesmos sabores

daqui. Sabor de batata, maionese, laranja, jabuticaba, milho,

polenta, leite de soja...

— Se o senhor Frene te ama tanto, gastou milhões do

dinheiro dele pra te buscar... Como ele deixou que você

voltasse?

— Por isso mesmo! Como eu sofria muito, devido a

saudade, ele resolveu me dar uma grande prova de amor,

me trazendo de volta. Ele me disse também, que se um dia

eu quiser voltar pra lá, é só pedir, pois ele estará me ouvindo

e me mandará buscar imediatamente.

— E você vai querer voltar?

— Jamais! — Fiquei um pouco triste e olhando para o

teto, como a falar com um amigo imaginário, continuei. —

Desculpe-me senhor Frene, mas preciso ficar aqui.

— Com quem você está falando?

— Senhor Frene! — Insinuei.

— Você esteve um ano fora. É verdade que nesse

período, você não sofreu nenhuma mudança. Não cresceu

nada?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— É verdade! Até meus cabelos, continuam do

mesmo tamanho, desde que parti. Se eu continuasse por lá,

seria eterno. Seria sempre um menino de pele lisa e os

cabelos, iguais os de hoje.

— Suas unhas?

Mostrei-lhe as mãos com as unhas aparadas.

— Faz um ano que não corto as unhas! — Ri irônico.

— O que acha?

— Quantos dias demoram uma viagem daqui até

Suster?

— Na nave deles?

— Sim!

— Uns trinta dias deles! Que é diferente dos dias

nossos! O interessante é que para quem está dentro da nave,

parece que são apenas poucas horas! Seria legal se vocês

tivessem falado com Luecy.

— Por quê?

— Ele é muito inteligente! Saberia dizer qual é à

distância daqui até lá, em quilômetros... Quanto tempo se

demora... Até minha idade, em dias, horas, minutos e

segundos, ele soube dizer. E olha que por lá, eu já teria

quinze anos! Os anos em Suster, são mais rápidos do que

aqui. Não sei por quê!

— E como ele te encontrou aqui na Terra? —

Questionou-me Josef.

— Eles acompanham minha vida por aqui, desde que

nasci!

— Como?

— Satélites! — Gesticulei. — Já lhes falei sobre eles!

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Celso Innocente

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— Garoto, este papo de satélites é impossível! —

Reprovou Josef. — Se sua viagem pelo espaço, demora pelo

menos trinta dias dos deles, como você mesmo disse, a

velocidades impossíveis, uma imagem de satélite, não seria

assim como num passe de mágica. Demoraria pelo menos,

igual.

— Oh, oh! — Me espantei.

— Oh, oh, digo eu! — Insistiu Josef.

— Eu não construí satélites! Eu não inventei nave

espacial! Eu não pedi pra estar aqui! E não estou mandando

ninguém acreditar em mim! — Fiquei bravo de verdade.

— Calma menininho! — Tentou apaziguar Charles.

— Você realmente aprendeu muito sobre tal mundo

colonizado. Não ligue para Josef não! Acho que no fundo ele

está é com inveja de você, por ele nunca ter ido, sequer à

fronteira de nossa órbita terrestre.

— Tá com inveja?! — Dei de ombros. — Vá com

Deus! Quer que eu chame o senhor Frene?

— Não dá! — Negou Marcelo, com sorriso. — Josef

não é criança!

Aquelas pesquisas duraram ao todo uma semana,

porem, sem grandes novidades, pois tudo o que havia de

importante, eu já contara no primeiro dia.

Como eu reclamara a ausência e saudade de papai,

passei a acompanhar o senhor Marcelo, indo todas às tardes

para o mesmo hotel em que eles estavam hospedados. Mas

praticamente não passeava. Saía do hotel à noite para jantar

em restaurante no próprio andar térreo e de manhã para ir

ao prédio da NASA, onde inclusive almoçava.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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O cientista americano Josef, sempre foi o que mais

duvidava de tudo o que eu falava, sempre me deixando

muito revoltado. Já no último dia, praticamente quando

diriam que acabou me questionou drasticamente, sempre em

inglês:

— Você chega aqui e tenta me convencer que esteve

em um lugar muito distante da Terra, em uma viagem

impossível, em apenas setenta e um dias. Diz-me que o tal

planeta maior do que a Terra, com um período de rotação de

mais de cinquenta horas, o que eu devo concordar, pois se o

planeta é maior, com certeza seu período de rotação será

maior, mas ao mesmo tempo você me diz que este planeta

está muito mais distante de suas estrelas mães do que a

Terra está do Sol, no entanto o ano é de pouco mais de

duzentos e trinta e quatro dias. Pois bem: eu estudo o

Universo desde que praticamente tinha sua idade e sei muito

bem que isto é impossível, pois quanto mais distante o

planeta está de sua estrela mãe, maior será o período de

translação. E também: como se faz o movimento de

translação, entre duas estrelas, em posições opostas ao tal

planeta?

Olhei muito sério para ele e até mesmo assustado,

neguei:

— Não estou entendendo nadinha do que o senhor

está falando!

— Estou dizendo que você está querendo nos fazer

de idiotas!

— Eu não compreendo nada do que o senhor quer

insinuar!

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— Ele só quer questioná-lo, de que se o tal planeta

Suster, está mais longe de suas estrelas, que você disse se

chamar Brina e Kristall, isto implica que o ano deveria

demorar mais dias do que o ano na Terra. — Explicou

melhor Charles. — Exemplo: Mercúrio é o planeta mais

próximo de nosso Sol e demora oitenta e oito dias para dar

esta volta; Júpiter que está bem mais distante, demora quase

doze anos.

Fiz careta, como quem não entendeu patavina.

— O que Josef não prestou atenção é que você só tem

nove anos de idade, para saber destes detalhes.

— E também não estou mandando ninguém acreditar

em mim! E também não pedi pra vir aqui! E já completei dez

anos...

— Se tivesse pousado uma nave interplanetária em

sua cidade, — Continuou Josef. — com certeza, ela traria

impregnada em seu exterior, milhões de vírus e um nível de

radiação tão elevado, que com certeza dizimaria toda sua

população.

— Dizi.... o quê?! — Não compreendi patavina,

mesmo.

— Com certeza, uma criança não inventaria toda essa

história, senhor Josef. — Articulou Marcelo em inglês

arrastado. — E depois, percebemos algo estranho em seu

organismo.

— E como ficaria a força gravitacional? — Insistiu

Josef.

— Como assim? — Não entendeu Marcelo.

— Regis disse que pesa em Suster, o mesmo que pesa

na Terra! Ou seja: Ele está desafiando as leis de Newton. Se

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Um menino no espaço – 2ª parte

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ele pesa trinta e três quilos na Terra, Quanto pesaria em

Suster? Responda pra mim, menino!

— Acho que o senhor é biruta mesmo! — desafiei-o.

— Você não é bom de matemática? Trinta e três vezes

cinco!

— Por que vezes cinco? — Continuava sem entender.

De onde ele tirou o número cinco?

— Discordo um pouco do senhor. — Retrucou

Charles. — A força gravitacional de um planeta não está

apenas em seu tamanho. Precisávamos conhecê-lo melhor

pra saber qual é sua relação quanto a tamanho, massa,

densidade. Não quer dizer que só porque o planeta Suster

seja cinco vezes maior do que a Terra, Regis pesaria por lá,

cinco vezes mais.

O mais divertido, fôra2 às visitas em que eu fazia em

todo complexo da NASA, espalhado em diversos pontos

distantes dos Estados Unidos; inclusive, conhecendo seu

administrador: senhor James Beggs, que me informou o

verdadeiro nome daquele órgão do governo americano,

fundado em vinte e nove de Julho de mil novecentos e

cinquenta e oito, dizendo chamar-se National Aeronautics

and Space Administration.

E embora Charles prometesse, não fui nenhuma vez à

sua casa, visitar seu filho de meu tamanho. Nem fiquei

2Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do Pretérito

Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o advérbio ou

preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro, preferi adotar o

tal acento circunflexo em fora.

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sabendo se era de minha idade. Só descobri que se chamava

Mike.

O que descobri de mais importante, foi que meu

organismo, ainda estava infectado pela tal radiação de Suster

e que seria disseminada aos poucos e com isto, eu ainda, por

algum tempo, não envelheceria. Mas não era nada preocu-

pante.

Terminado todos os ditos exames e entrevistas, teria

mais uma semana, para que fosse aproveitada em passeio

aos parques temáticos da Disney, ali mesmo em Orlando, em

distâncias em torno de apenas cinquenta quilômetros. Mas

nem sei por que, recusei.

Na saída daquele digamos, laboratório de pesquisas,

me despedi de todos, inclusive Josef, que em sorriso fechado

me pediu:

— Espero que você perdoe minhas atitudes ranzin-

zas. Acho que no fundo estava mesmo era com inveja de

suas aventuras por um lugar aonde jamais irei.

— Já disse que posso indicá-lo ao senhor Frene!

— Com certeza ele não me quer lá!

Me abraçou, ficou de cócoras e pediu:

— Podemos ser amigos?

— Tá! — Concordei, franzindo os lábios.

Me deixou, abriu um armário, apanhou uma caixa em

embrulho de presente e me entregou:

— Pra você! Tenho certeza de que vai gostar!

— Puxa! — Exclamei muito feliz. — Obrigado!

Rasguei apressadamente aquele papel, encontrando

uma caixa com a foto de um aparelho preto, desconhecido

para tal menino paupérrimo e um nome: “Atari”. Abri-a

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Um menino no espaço – 2ª parte

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imediatamente e me deparei com tal aparelho e três peças

retangulares com seus referidos nomes: Space invaders, Pac-

man e fishing derby.

Como o melhor jeito de se fazer amizade com uma

criança é corrompendo-a, acho que naquele momento,

esqueci todas as rixas que vinha tendo com aquele homem e

tornei a abraçá-lo como se fosse o melhor de todos os meus

amigos.

— Nunca vou me esquecer do senhor, senhor Josef,

mesmo que tenha brigado comigo.

— Principalmente por causa de termos brigado

bastante é que você não se esquecerá de mim! — Riu ele. —

Claro que o presente ajudará um pouco.

Durante viagem de retorno ao Brasil, já a bordo de

um aero líneas, com papai e doutor Marcelo. Ele me dizia:

— Sabia que este presente que você ganhou, ainda

nem existe no Brasil?

— Não? — Fiz minha tradicional careta de admiração

— E acho que ainda vai demorar um pouco!

— Acho que sou pre... preligi...

— Privilegiado! — Completou papai.

— Qualquer garoto, gostaria de ter tido a sua sorte!

— Insinuou Marcelo.

— Por quê?

— Este planeta é um verdadeiro paraíso!

— Quem sabe! — Exclamei rindo.

— Outro garoto, jamais iria querer voltar!

— Isso é o que o senhor pensa!

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Celso Innocente

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Um novo amiguinho

e volta à minha cidade, aos poucos minha vida

foi voltando ao normal.

Nos primeiros dias, meus coleguinhas enciumados,

me especulavam sobre a NASA americana, mas quase nunca

sobre o planeta Suster. Já alguns jornalistas, ainda persistiam

em saber mais detalhes, tanto sobre a viagem aos Estados

Unidos da América, quanto e principalmente ao cosmos.

Com o passar dos dias, o assunto foi ficando sem

interesse e praticamente ninguém mais se lembrava do

ocorrido.

Ao sair da escola, às dezessete horas, sem a compa-

nhia da colega Beth, seguia de volta para casa, quando um

garoto, andando depressa, me chamou:

— Regis.

Virei-me. Era um menininho branco, de cabelos

negros, lisos, nove anos de idade, que estudava comigo.

— Posso ir com você? — Me perguntou.

— Onde?

— Pra casa!

Continuamos andando.

D

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Onde você mora? — Perguntei-lhe.

— Perto do Santuário de Fátima.

— Como você se chama?

— Erick!

— Você tem nome estrangeiro! Seus pais são Ameri-

canos?

Acenou que sim, embora, sem muita certeza.

— Eu estive nos Estados Unidos, na NASA!

— E no outro planeta? Deve ter sido legal à beça.

— Foi sim! Mas eu não quero morar lá!

— Eu gostaria de morar lá! — Exclamou ele. — Já

imaginou ser sempre criança! Nada de escola pra encher o

saco! Nada de outros moleques...

— Outros moleques fazem falta! — Insinuei convicto.

— Gosto de ficar sozinho!

— Se você quiser, peço ao senhor Frene, pra levá-lo

com ele.

— Ia ser um barato!

— Você tem muitos brinquedos? — Perguntei-lhe.

— Claro! Tenho um quarto cheio!

— Seus pais são bons pra você?

— Magníficos! Meu pai viaja muito pros Estados

Unidos.

— E sua mãe?

— Minha mãe? — Pensou um pouco. — Cuida de

nossa casa.

— Qualquer dia, você deixa eu ir à sua casa ver seus

brinquedos?

— Qualquer dia... E você tem muitos brinquedos?

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Celso Innocente

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— Não muito! — Neguei um pouco triste. — Meus

pais são pobres e não podem comprar brinquedos.

— E...eles…são…bons…?

— São! Meus pais me amam muito! Principalmente

após eu ter voltado de Suster.

— Antes eles não te amavam?

— Sempre me amaram! É que agora eles pensam que

sou feito de louça. — Ri de minha própria metáfora.

Chegando à frente de uma belíssima casa, atrás da

igreja Nossa Senhora de Fátima, com a parede frontal,

embora pintada em cinza bem claro, feita de tijolos à vista,

Erick parou e me disse:

— É aqui que eu moro. Tchau!

— Puxa! — Exclamei. — Sua casa é bonita! Será que

eu não posso entrar e ver seus brinquedos?

— Não! — Negou ele sério. — Meu pai não gosta que

eu leve ninguém pra mexer em meus brinquedos.

— Prometo que não estrago. Terei muito cuidado.

— Não posso te levar hoje. Meu pai tem uma reunião

importante.

— Ele não está viajando?

— Hoje não!

— A gente não faz barulho.

— Não! Agora você precisa ir embora!

— Está bem! Tchau!

Segui para casa, com certa ponta de inveja, daquele

menino rico, com um quarto cheio de brinquedos, sendo que

em casa tínhamos alguns poucos, que eram repartidos entre

nós irmãos e a maioria, ainda estavam quebrados.

©©©

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Na tarde seguinte, ao voltar da escola, ele tornou a

me acompanhar pedindo:

— Regis, posso ir a sua casa, ver seus brinquedos?

— Ora Erick, eu tenho poucos brinquedos! Meus pais

não podem comprar muitos!

— Mesmo assim, eu gostaria de ir.

— Você promete que não vai reparar?

— Claro que não! Somos amigos!

— Sua mãe não vai se preocupar, por você se atrasar?

— Já disse a ela que iria à sua casa.

— Então vamos! — Chamei-o. — Mas eu moro longe.

— Sua mãe não vai brigar com você?

— Por quê?

— Levar gente na sua casa!

— Ela gosta que eu tenha amigos!

Chegando a minha casa, segui com Erick, direto a

meu quarto, coloquei o material escolar sobre a cômoda, abri

o guarda-roupas, apanhei uma caixa de papelão, cheia de

tranqueirada, despejando tudo no chão, onde sentamos.

Erick, apesar de menino rico, ficou encantado com minha

coleção de super-heróis de plástico, como Hulk, homem-

pássaro, Spiderman, superman, Batman, Robin, homem

submarino, zorro, fantasma, mulher maravilha… Carrinhos

de fricção em miniatura e outros, sem fricção; meus gibis do

Batman, Durango Kid, Fantasma, Tarzan, Tio Patinhas, Flash

Gordon, Brasinha... Cadernos usados da primeira e segunda

série; o presentinho feito para minha mãe na primeira série e

que ainda continuava comigo; um cartão com as impressões

digitais de minhas mãos e pés, quando eu era ainda bem

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pequeno; uma mecha de meu primeiro cabelo, que na época

era quase loiro e muitas outras bagunças.

Meia hora brincando e mamãe entrou no quarto,

ordenando:

— Regis, tire essa roupa da escola!

Levantei-me, tirei aquelas roupas, vesti apenas um

short surrado preto e uma camiseta amarela, sem cavas e

voltei a brincar com meu novo amiguinho; desta feita na

sala, jogando Pacman, no moderníssimo e invejado

videogame Atari.

Seis e meia da tarde, já escuro, mamãe voltou e pediu:

— Regis, guarde essa bagunça e venha com seu

amiguinho jantar.

Ajudado por Erick, guardei o vídeo game na estante

da sala, depois, todos os brinquedos, que estavam

espalhados pelo chão do quarto e fomos para a copa, onde

sentamos para o jantar.

— Não se usa lavar as mãos? — Caçoou mamãe.

Corremos lavar as mãos e voltamos rápido.

O jantar era simples: arroz, feijão, salada de alface e

carne de panela. Erick, porém, comeu duas vezes, sem

reparar. Tomou um copo de suco e chamou-me:

— Vamos jogar vídeo game!

— Seus pais não vão se preocupar com você? —

Perguntei novamente.

— Vai nada!

— Os pais dele sabem que ele está aqui? —

Perguntou-me mamãe. — Não vão se preocupar?

— Eles não sabem não, mamãe! — Neguei. — Nós

viemos direto da escola.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Que isso menino! — Assustou-se mamãe. — Vá

logo pra sua casa. Eles devem estar loucos, te procurando.

— Não estão! — Negou Erick.

©©©

Durante vários dias, tentei convencer Erick, em

deixar-me ver seus brinquedos, mas ele sempre recusava,

alegando seu pai, não permitir. No entanto, ele ia

constantemente à minha casa comigo, permanecendo por lá,

até por volta de oito horas da noite, afirmando já ter avisado

sua mãe.

Passado uns dez dias, tive uma surpresa. Após ter-lhe

dito tchau, na porta de sua casa, fingi ter ido embora e me

escondi; ele parou no portão da casa, aguardou um pouco,

depois retornou, no sentido da escola. Na esquina seguinte,

sem perceber que estava sendo seguido, subiu; no meio da

quadra, entrou em uma casa pequena, sem reboco e com as

janelas, tapadas por plástico velho; então me aproximei,

aguardei alguns segundos e o chamei em voz alta:

— Erick!

Já sem camisa e de short, me atendeu, acompanhado

por uma mulher de seus quarenta anos de idade.

— O que você veio fazer aqui? — Perguntei-lhe.

— O que você quer, garoto? — Perguntou-me a

mulher. — Ele mora aqui!

— A senhora é a mãe dele? — Perguntei-lhe.

— Eu cuido dele! A mãe dele é uma biscate, que

ninguém sabe onde está! Não dá a mínima pra ele.

— Minha mãe não é biscate! — Negou bravo, o

menino.

— É sim! Por acaso você sabe por onde ela anda?

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— Está viajando! — Disse ele, ainda bravo.

— Viajando atrás de macho!

— E seu pai, Erick? — Perguntei-lhe.

— Que pai, garoto? Nem a mãe dele, sabe quem é o

pai dele!

— Vá embora daqui, Regis! — Ordenou-me o garoto.

— Quem mandou você vir xeretar aqui?

Eu não sabia o que dizer ou o que fazer. Acho que só

soube mesmo, ir embora.

Chegando em casa muito triste, papai, que não era

nada bobo, percebeu logo. Entrei em meu quarto, joguei meu

material escolar sobre a cômoda, troquei de roupas, apanhei

nosso cachorrinho paulistinha marrom, de nome Jerry e

sentei-me na cama. Papai entrou, sentou-se a meu lado,

pedindo:

— Vamos lá Regis, desabafe. O que houve?

— Não falei nada!

— E precisa? Alguém brigou com você na escola?

— Sabe o Erick?

— Seu amiguinho!

— É! Ele não é rico não, papai!

— E daí? Você descobriu que ele é pobre e brigou

com ele?

— Não! — Neguei ainda triste. — Ele não tem pai! A

mãe dele vive… Sabe... Assim... Com outros homens…

Papai sentiu. Me abraçou com carinho e continuou:

— E ele? Com quem vive?

— Com uma mulher, boca suja!

— Como assim?

— Fica falando besteiras!

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— E o que a gente pode fazer?

— Podíamos trazer ele pra morar conosco.

— Admiro seu ponto de vista. — Riu meio triste,

papai. — Mas não pode ser assim, Regis. Nossa família já é

grande. Não podemos arcar com mais essa responsabilidade.

— Uma vez vi falar que onde comem sete, pode

comer oito! — Insinuei triste.

— Já somos oito! — Ironizou papai. — E depois,

criança não é igual um cachorrinho, que se dá pra outra

família! Alguém deve gostar de Erick.

— Duvido!

©©©

Antes do início das aulas, no dia seguinte, tentei falar

com Erick, mas não o encontrei; pensei que tivesse faltado,

mas na aula ele estava presente. No intervalo do recreio,

procurei-o, mas ele desapareceu. À tarde, ao sairmos, ele

andou depressa na frente; então corri em seu encalço,

chamando-o:

— Erick, espere.

Ele não respondeu e não esperou.

Continuei correndo e ao alcançar-lhe, ele gritou:

— Me deixe em paz!

— Eu sou seu amigo, Erick!

— Não é mais!

— Por quê? O que eu te fiz?

— Se você continuar no meu pé, vou te dar um murro

na boca!

— Não quero brigar com você! — Neguei. — Só

quero ser seu amigo!

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Enfiei a mão na bolsa, retirei um carrinho Passat à

fricção e lhe estendi, dizendo:

— Olha, é um presente pra você!

Nervoso, ele deu um murro no carrinho, jogando-o

longe.

— Não quero porcaria nenhuma! Não sou criancinha,

pra brincar de carrinho idiota!

Continuou andando e eu parei. Apanhei o carrinho e

suas rodinhas, que se soltara no chão. Tornei a encaixá-las e

testei a fricção. Já não funcionava.

©©©

No outro dia, quem o evitou fui eu. Se bem que ele

também não me procurou. Na sala de aula, às vezes ele me

olhava e às vezes eu o olhava disfarçadamente. Porém, sem

fazer muita questão, da amizade perdida.

Na saída das aulas, às dezessete horas, esperei por

Beth, para minha companhia.

— O que houve Regis? Por que você me esperou

hoje? — Perguntou-me ela. — Brigou com seu novo

amiguinho?

— Ele é um idiota e mentiroso!

— E eu? Por que você nunca mais me esperou?

— Desculpe-me! Não tive essa intenção!

— Não se preocupe. Eu não fiquei com raiva. Você é

menino e deve mesmo fazer amizade com outros meninos.

Na outra tarde, enquanto esperava por Beth, Erick se

aproximou e sem me olhar, disse:

— Desculpe ter jogado o carrinho.

— Tudo bem! — Dei de ombros.

— Ele se quebrou?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Não funciona mais, a fricção.

— Acho que estava nervoso.

Beth chegou dizendo:

— Já voltou à amizade?

— Erick, eu e a Beth, temos que ir. — Insinuei.

— Venha com a gente! — Chamou Beth.

Ele nos acompanhou calado, até a esquina de sua

casa.

— Tchau! — Despediu-se de nós.

— Quando você quiser ir à minha casa pra

brincarmos, pode ir. — Convidei-o a meu jeito. — Não estou

de mal de você.

— Ta bom! Tchau!

No retorno à nossas casas, Beth, perguntou:

— Ele é muito pobre?

— Não tem pai… e nem mãe que presta!

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Celso Innocente

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O disco voador

odos os dias, reservava alguns minutos para falar

com meu amigo, senhor Frene; geralmente,

quando ia me deitar. Enquanto as demais crianças faziam

suas preces a Deus, eu me sentava na cama e passava pelo

menos uns dez minutos, naquela monótona conversa, com

aquele amigo distante. Monótona sim, mas sabia que ele

estava me ouvindo.

O horário girava sempre entre nove e meia e dez

horas. Até este horário, geralmente visitava meu amigo,

senhor Luciano, esposa Sara e filho ainda bebê, que nascera

quando eu estava em Suster e por isto, em minha

homenagem, recebera o nome Regis Gabriel; depois, ficava

na rua brincando com meus irmãos e dezenas de outros

amiguinhos da vizinhança. Assim que terminava a novela,

mamãe nos chamada para dormir. Já tínhamos tomado

banho, mas geralmente voltávamos dessas brincadeiras,

todos suados, então mamãe nos obrigava a ir de volta ao

chuveiro, de dois em dois, para, pelo menos uma ducha. Não

T

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Um menino no espaço – 2ª parte

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fosse ela obrigar, iríamos para a cama daquele jeito mesmo e

aí, quem consegue dormir? Eu, geralmente tomava esse

segundo banho, acompanhado por Paulinho de seis anos,

que também passou a dormir comigo. Até meu retorno, ele

dormia em um berço, no quarto de meus pais. Geralmente

esperava ele dormir, depois me sentava na cama e em voz

alta, com mamãe, papai e os demais irmãos, cada qual em

suas camas, mas geralmente me ouvindo; eu dizia:

— Boa noite senhor Frene. Sei que o senhor me

protegeu durante todo o dia de hoje. Obrigado! É engraçado,

mas quando eu estava aí, sentia muita saudade da Terra,

agora que estou aqui, sinto saudades de Suster, do senhor e

de todos os outros. Só que não quero voltar aí. Desculpe-me

dizer assim, mas é que se eu for pra’í, não terei mais meu

pessoal da Terra e estando aqui, o senhor pode me ver e me

amparar. Obrigado por isso. Eu amo muito o senhor e todos

daí. Dê lembranças ao Tony, ao Rud, a Leandra, ao Luecy.

Espero que o senhor não tenha reprogramado ele, pra que se

esqueça de mim. Dê lembranças pra todos os que conheci e

mesmo os demais, que também gostem de mim. Agora vou

dormir. Vou rezar primeiro, depois irei dormir. Sei que o

senhor estará olhando por mim. Não me esqueça nunca, pois

eu juro que jamais irei me esquecer do senhor. Boa noite e

um beijo.

Quando começara a rezar a Deus, percebi que papai

entrara no quarto e sentara a meu lado. Interrompi a oração

e perguntei:

— O que foi papai?

— Filho: acho que já está na hora, de você deixar de

conversar com seu amigo do outro planeta.

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Celso Innocente

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— Por quê?

— Será bem melhor, se você começar a esquecer o

que se passou.

— Papai: — Insinuei triste. — Mesmo que eu

quisesse, nunca conseguiria esquecer o que se passou.

— Você sente falta de lá?

— Nããão! — Neguei. — Sinto saudades da amizade

criada lá! Mas só sinto falta daqui!

— Tem certeza?

— Não quero voltar pra lá! Mas nunca irei esquecer…

Papai se levantou, me deu um beijo no rosto, disse

tchau e um pouco desnorteado, voltou a seu quarto.

Fiz uma oração de cinco segundos para Deus, deitei-

me e em menos de dois minutos, estava dormindo.

E assim, devagar os dias passaram.

©©©

Fazia agora, cinco meses que eu retornara à Terra.

Estávamos em vinte e seis de agosto, quarta-feira. Antes de

seguir para a escola, perguntei à mamãe:

— Mamãe, o que aconteceria se o senhor Frene,

resolvesse me buscar novamente na Terra?

— Nem pensar! — Se desesperou ela. — Você não

pediu isso a ele! Pediu?

— Claro que não, mamãe! Só estou insinuando. Não

quero sair da Terra, nunca mais!

— Acho bom você parar de falar com esse homem

imaginário!

— Infelizmente ele não é imaginário, mamãe! Ele é

muito real! E muito poderoso!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— É melhor você parar de falar com ele, Regis. Pro

seu bem!

— Por que mamãe? Por que meus irmãos estão

falando que fiquei biruta, depois que voltei!

— Não é nada disso! Eles não entendem! Sou eu e seu

pai, que queremos.

— Não posso! Prometi a ele, que jamais o esqueceria!

— Mas, pro seu bem e nosso também, é melhor você

esquecê-lo.

— Não se preocupe mamãe! Já vou pra escola!

Dei-lhe um beijo, rindo, disse-lhe tchau. Ela ainda

completou:

— Se você não esquecê-lo, pode ser perigoso; quando

crescer, por um simples desentendimento conosco ou com

alguma namoradinha, acabe querendo voltar pra lá.

— Não se preocupe mamãe! Eu não voltarei pra lá! E

depois, o senhor Frene, me quer criança. Quando eu crescer,

ele não vai me querer mais!

Saí ao encontro de Beth e em seguida para a escola.

Às dezessete horas, ao terminar mais um dia de aula,

esperei por Beth, que não aparecera; aproximei-me de

Luciano, que fôra meu colega de classe no ano anterior e

agora estava na quarta série e perguntei-lhe:

— Luciano, por que a Beth ainda não saiu?

— Ela foi embora depois do recreio. — Disse-me ele.

— Ela pediu pra ir embora, pois estava doente.

— O que houve com ela?

— Não sei! Acho que estava com febre.

— Tudo bem então. Tchau!

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Sem minha companheira de sempre e mesmo sem

meu amiguinho Erick, que, mesmo tendo passado meses,

depois de se revelar muito pobre e desamparado pelos pais,

andava me evitando, peguei meu caminho de volta ao lar.

Por estar sozinho, pensei em seguir pelo aeroporto,

mas acabei me desviando, pela antiga estrada boiadeira, de

terra batida, que fica atrás da casa Anjo da Guarda.

Foi exatamente naquela estrada deserta, onde ouvi

um forte zunido conhecido e então, parado pelo temor, vi

aquela mesma, antiga nave preta e dourada, que pousava

diante de mim.

— Oh, oh... — Balbuciei espantado.

Acho que quis correr e não consegui. Acho então, que

quis pensar e não consegui. Só consegui mesmo, ver a

mesma porta se abrindo e o vulto do senhor Tony,

aparecendo e me acenando para se aproximar. Enfeitiçado

pelo encanto e brilho, daquela bonita nave, subi os degraus,

que me levaram à entrada e ao encontro, daquele homem

moreno, que aparentava uns vinte e cinco anos de idade,

mas na realidade tinha uns cinco mil.

Assim que coloquei os pés dentro da nave, a porta se

fechou e Tony me abraçou apertado.

— O que o senhor está fazendo aqui? — Perguntei

assustado.

— Viemos buscá-lo novamente! — Respondeu ele.

Aquela resposta me assustou. Mais que assustou.

Apavorou mesmo.

— Me buscar por quê?

— Morar novamente conosco, em Suster! Vejo que

entende o que falo! Como pode?

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Passei a mão direita sobre meu peito, acariciando o

aparelhinho tradutor, que um dia ganhara deles e que nunca

deixara de usar.

— Quem disse que eu quero ir? — Questionei-o.

— Ouça Regis: a gente sente muita falta de você e

precisamos levá-lo de volta.

— Vocês precisam de mim lá pra que? Eu fiquei um

ano lá e não fiz nada de importante!

— Nós precisamos de você. Para lhe dar amor e

carinho.

— Amor e carinho, eu tenho aqui na Terra! Na casa

de meus pais! Ou o senhor acha que meus pais me odeiam?

— Claro que não Regis! Sabemos o quanto seus pais o

amam!

— Pois é! Eu quero ficar aqui! Jamais quero voltar pro

seu mundo!

— Nós já estamos a milhões de quilômetros, distantes

da Terra!

— É mentira! — Gritei, começando a chorar

desesperado.

— Não é! Já estamos fora do sistema solar!

— Pois então, pode me levar de volta! — Gritei. —

Agora! Já!

— Impossível! — Negou ele sério.

— Impossível uma ova! — Gritei. — Vocês me

pegaram na Terra, sem eu pedir. Podem me devolver, agora!

— Nada feito!

— Nada feito, uma ova! Anda logo! Estou mandando!

— Sinto muito, mas são ordens do senhor Frene.

— O senhor Frene, não manda em mim!

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— Ele te ama muito! Nós te amamos muito!

— Mas eu odeio a todos vocês! Entendeu? Eu sempre

vou odiar a todos!

— Odeia nada, Regis!

— Odeio sim senhor! — Gritei chorando. — Odeio!...

Odeio!... Odeio!

— Fique quieto garoto!

— Odeio vocês! — Gritei novamente. — Não gosto de

seu planeta! Não gosto de vocês e quero voltar agora, pra

minha casa!

— Dá pra não gritar comigo? Por favor!

— Eu grito mesmo! Ninguém é dono de mim!

— Você está mudado! Está muito mal educado!

Sabia?

— Sou mal educado mesmo! Quero ficar com meus

pais! Não quero ir pra um local estranho!

— Ouça aqui: nós viemos te buscar, com ordens do

senhor Frene. Não estou a fim de ouvir essas malcriações.

Mesmo porque sou mais velho do que você e alem do mais,

já estou cansado!

— E o senhor acha que estou mal educado! O senhor

ainda não viu nada!

— Você é quem sabe! Também sei retribuir à altura.

— Fique sabendo, que não gosto de ser malcriado. Só

que não gosto que me maltratem também! E vocês estão me

maltratando.

— Ninguém está te maltratando!

— Que homem burro! — Desanimei, fazendo

micagem. — O senhor não entendeu ainda, que estão me

raptando e eu não quero ir?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Regis, nós o amamos! — Disse-me ele calmamente.

— Pois vá amar o diabo! — Gritei. — Eu odeio vocês!

Ele ficou nervoso e gritou:

— Ouça aqui moleque: não sou obrigado a ouvir suas

malcriações! Vá já pro seu quarto! Logo!

Minhas lágrimas de desespero aumentaram.

— Não vou! O senhor não manda em mim!

— Se você não vai, vou eu!

E saiu apressado.

Esmurrei com toda minha força, a parede interna da

nave, onde seria a porta, mas que não apresentava nenhuma

ranhura que indicasse isso e que também, nem mesmo

barulho fez; depois me dirigi a um canto qualquer daquele

grande hall, sentei-me no chão e continuei chorando sozinho.

Sabia que de nada adiantaria aquelas lágrimas, mas o medo

de ficar longe de casa era muito. Sabia que a decisão do

senhor Frene, em me levar de volta à Suster, era pensada e o

senhor Tony, jamais voltaria da metade do caminho, sem

que eu estivesse à bordo. Eu era uma criança de dez anos de

idade, com a mesma aparência dos nove de antes e eles me

queriam a todo custo, devido a um prêmio que ganharam,

de serem eternos no Universo e o alto custo: não poderem

gerar mais filhos, sendo com isto, a pessoa mais jovem, estar

acima dos cinco mil anos de idade. Eu seria por lá, a única

criança e por isto, eles me amavam, talvez obcecadamente,

como se eu fosse o filho de cada um de seus mais de três

bilhões de habitantes. Por outro lado, eu estando lá, também

seria eterno e jovem. Ou seja: passaria centenas e milhares de

anos e eu continuaria vivo e com um delicado corpo de

criança, sem um pêlo sequer (a não ser na cabeça); sem uma

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ruga e com a simplicidade infantil. Tudo isto, seria um

prêmio, mas eu não queria e ali no canto da nave, que

cortava o espaço sideral a uma velocidade, que na realidade,

nem mesmo Luecy, que era o robô metido a inteligente, de

Suster, pudesse calcular. Ali, eu, desesperado, continuava

chorando e dizendo sozinho:

— Quero voltar pra casa! Por favor, senhor Frene: me

deixe com meus pais! Não quero ir a seu mundo! Não posso!

O tempo se passava lentamente e a cada segundo, me

encontrava mais distante de casa. Sabia que por mais setenta

dias, permaneceria enclausurado naquela estranha nave, sem

ter o que fazer ou como voltar. As lágrimas continuaram por

longo tempo; até que acabei adormecendo.

Uma hora depois, acordei, me levantei devagar e

segui para o que da outra vez, teria sido meu quarto. Sua

porta se abriu sozinha e eu entrei. Aquele aposento estava

igualzinho antigamente: paredes douradas e enfeitadas por

vários espelhos; duas camas azuladas, feita com material em

acrílico e forrada por ricos tecidos de lã e seda. Ainda

soluçando, deitei-me sobre uma das camas e sozinho,

permaneci durante muito tempo, até conseguir dormir

novamente.

Ao acordar, o outro susteriano, senhor Rud, moreno,

com aparência de vinte e cinco anos, estava sentado a meu

lado. A me ver abrir os olhos, me cumprimentou:

— Olá Regis! Como vai?

Nada respondi. Estava bravo e triste.

— Não reconhece mais um amigo? — Insistiu ele.

Continuei calado. Acho que estava doente.

— Por que está agindo assim, Regis?

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— Por favor, senhor Rud, me leve de volta pra minha

casa.

— Me entenda garoto. Eu não posso!

— Que horas são agora?

— Na Terra?

— É!

— Na sua cidade, são mais ou menos, três e meia da

manhã.

— Já? — Me espantei.

— É! Pra você parece apenas alguns minutos! É

normal.

— Meus pais devem estar loucos a minha procura.

— Eles sabem que você está conosco.

— Como assim? — Me admirei. — Vocês o avisaram?

— Da outra vez em que lhe buscamos na Terra, nossa

nave estava invisível aos demais. Porém, desta vez não!

Todos nos viram: pousar e subir.

— Por quê?

— Pra que seus pais pudessem saber, que você se

encontra conosco.

— Minha mãe está desesperada! Vocês não sabem

que ela me ama muito?

— Sabemos, Regis! Mas nós precisamos de você!

— Eu não preciso de vocês! Antes eu os amava, agora

eu os odeio!

— Não fale assim menino! Isso não é verdade!

— É sim senhor! Quem conhece meu coração sou eu!

— A gente conhece seu coração!

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— Ainda hoje na escola, a gente leu uma mensagem

da criança que diz: Não sou simples ornamento de seu

carinho...

— E o que tem isso?...

— Não sou um brinquedo, que me usam, depois me

deixam de lado! Sou humano! Tenho coração e sentimentos!

— Você ainda não comeu nada!

— E nem vou comer! Não quero! Só quero morrer de

fome, pra não pertencer a vocês! Não sou objeto, pra

ninguém mandar em mim!

— Regis, ninguém manda em você! Nós o amamos!

Só isso!

— Quem me ama, não me faz sofrer! Por que o

senhor não me deixa sozinho?

— Pra que?

— Pra que eu possa chorar sozinho!

— Realmente vou te deixar sozinho. Pra que você se

acalme. Depois a gente conversa mais. Tá bom?

— Não quero conversar com ninguém! Sou um

prisioneiro e não preciso gostar de quem me maltrata.

— Você não é prisioneiro, garoto!

— Me deixa em paz! Por favor!

O senhor Rud, sabendo que de nada adiantaria ficar

ali comigo, resolveu sair sem olhar para trás e dar mais um

tempo, para que eu aceitasse a idéia de ser um filho deles.

Eu, protegido por seu planeta, jamais fôra um menino mau;

mas agora, não aceitava mesmo, o que eles estavam fazendo

comigo. Jamais aceitaria a ideia, de passar milhares de anos,

sem ver meus familiares, meus amiguinhos e colegas de

escola.

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Triste, de certa forma, revoltado e acho que mesmo

adoentado, sem poder fazer nada, voltei a dormir.

©©©

Dormi por mais algumas horas e tive pesadelos, a

respeito de meus sequestradores. No sonho, me encontrava

totalmente amarrado, preso a uma grande cama; os senhores

Tony, Rud e Frene, juntos, me surravam com uma cinta cada

um. Enquanto isto, Tony gritava:

— Seu cachorro! Você jamais voltará à Terra!

Experimente roubar nossas naves, como fez da outra vez,

que eu te persigo e te destruo no espaço, depois como sua

carne assada no jantar! Entendeu?

De repente, variando entre gemidos, acordei,

tornando a ver Tony, que me disse:

— Calma, Regis: Você está com pesadelos.

Olhei-o assustado e nada disse.

— O que houve com você? — Perguntou-me ele.

— Não me bata, por favor! — Pedi assustado.

— Ninguém vai te bater, bobinho!

Eu não sentia fome, porém, estava com o corpo todo

suado e com muita sede.

— Senhor Tony: O senhor pode me dar água!

— Claro! — Exclamou ele, se levantando. — Já vou

buscar!

Saiu pela porta, que se abriu depois se fechou atrás

de si. Fiquei calado, pensando vazio e nem me mexi.

Não se passou mais do que um minuto e ele voltou,

com um copázio de água. Sentei-me na cama e bebi tudo.

— Você está com fome? — Perguntou-me ele.

Acenei que não.

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— Já faz mais de quinze horas que você está aqui e

ainda não comeu nada.

— Não tenho fome! — Neguei.

Em início de viagem espacial, seria natural qualquer

viajante sentir fome, depois, o organismo se habitua e passa

a se alimentar realmente muito pouco, em torno de uma vez

por semana e assim mesmo, o equivalente a um copo de

leite.

Meu caso era diferente: trauma não deixa ter fome.

Fui me deitar e ele, resolveu intervir:

— Levante-se garoto! Chega de ficar só deitado!

— Quero voltar pra casa! — Insinuei ainda sentado.

Ele me abraçou. Quando meu rosto tocou seu corpo,

ele me disse:

— Nossa como você está quente! Você está doente?

— Não sei! Acho que sim!

— Deite-se. — Disse-me ele, me deixando. — Vou

providenciar algo, pra você sarar.

— Senhor Tony: eu vou morrer?

— Que isso menino? — Se espantou ele. — Você vai

ficar bom, e logo! Fique aqui que eu já volto.

Saiu e em dois minutos, voltou mesmo. Consigo

trouxe um copo, cheio de um líquido amarelo, como suco de

laranja. Eu, que havia me deitado, tornei a sentar na cama,

tomei aquele líquido, sem fazer perguntas e voltei a me

deitar. Tony continuou ali, sentado ao pé da cama, me

observando em silêncio.

Não consegui mais dormir. Também quase não

conversei. Não chorei e muito menos, sorri. Tony falava

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sempre, tentando me conquistar para seu mundo. A cada

cinco minutos, punha a mão em meu rosto e dizia:

— A febre já está mais baixa. Daqui a pouco você

estará bom.

Após ficar por mais de uma hora me pajeando,

resolveu sair, dizendo:

— Preciso ir à cabine, auxiliar Rud.

— Que horas são? — Perguntei-lhe.

— Na sua cidade, são umas nove horas da manhã!

— Vou ter que faltar a aula hoje?

— Não se preocupe com a escola, Regis. Descanse.

Quando a porta já estava aberta e ele já se retirava,

ainda me disse:

— Quando você quiser, vá até a cabine pra gente

conversar. Eu deixo você controlar a nave.

— Não quero! — Neguei.

— Quando tiver fome, você pode pegar qualquer

alimento no armário e na geladeira. Você já sabe onde fica.

Não sabe?

Acenei que sim e ele saiu.

Continuei na cama, pensando em vingança. Torcia

para a nave pegar fogo e queimar Tony e Rud. Mas logo

percebi que eu também estava nela. A princípio não me

importei. Seria melhor morrer, do que nunca mais rever a

Terra; depois já não queria mais, pois morrer queimado, com

certeza deve doer muito. Pensei em: eu mesmo pegar

alguma coisa e matar os dois, depois mudei de idéia. Se eu

os matasse, teria que pilotar a nave, aí tornaria a me perder

no espaço e talvez, acabasse no planeta dos gigantes e da

garota Mira, onde a aranha gigante, quase me devorou e os

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gigantes, me deixavam pelado, para me estudar. Ou, mesmo

que não me perdesse e chegasse à Suster, certamente o

senhor Frene me bateria e me amarraria naquela cama

quente. Alem do mais: como eu mataria Tony e Rud, se eles

são imortais e também, me amam como a um filho?

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Um pouco feliz

lgumas horas mais tarde, me levantei; ainda

estava doente. Em passos lentos, me dirigi à

porta que se abriu. Saí, indo até uma saleta, onde havia uma

geladeira, idêntica à da Terra. Abri-a e apanhei um frasco de

uma bebida, tipo iogurte. Abri-o, era verde como abacate;

sem me importar com a cor, experimentei-o; apesar de estar

com a boca amarga e dentes grossos por falta de higiene

bucal, o gosto era bom e não pude identificá-lo; tomei tudo,

depois tirei o papel tipo seda que envolvia o frasco e o

devorei, pois era feito de um produto comestível, assim

como casquinha de sorvete. Retornei, seguindo ao sentido da

cabine da nave. Parei na porta de entrada e fiquei

observando Rud e o espaço, através do visor frontal, como

um pára-brisa de carro, só que bem maior e mais nítido. O

espaço estava escuro e tudo que se podia ver, eram milhões

de lampadinhas, que brilhavam a nosso encontro. Eu já sabia

que eram as luzes das estrelas; pois com nossa enorme

velocidade, parecia que as estrelas corriam conosco, mesmo

A

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sabendo que elas estavam a milhares de anos-luz de

distância.

— Entre, Regis! — Chamou-me Rud. — Sente-se na

outra poltrona.

Obedeci-o, calado.

— Você ainda está doente?

Acenei que sim.

— Comeu alguma coisa?

— Não tenho fome! — Neguei.

— Se continuar assim, não vai sarar nunca!

— Não me importo!

— Você quer morrer?

Balancei os ombros, como a dizer: Tanto faz.

— Você precisa deixar desse bico e procurar ficar

contente; afinal, você é o único menino de seu planeta, a ter

uma aventura no espaço.

Não pude me conter e recomecei a chorar.

— Pode parar com isso! — Ordenou-me Rud. —

Vamos fechar essa torneirinha! Você só sabe chorar...

Chorar... Não dá pra ficar feliz um pouco?

Nesse momento, entrou Tony, que a me ver, disse à

Rud:

— Não se importe muito com ele. Ele é um problema

do Frene.

Virou-se para mim, dizendo:

— Ouça aqui garoto: quero que você saiba que se

dependesse de mim, jamais lhe buscaria novamente. Por

isso, nada de brigar comigo.

— Sequestrador que faz o que outro manda, é bandido

igual!

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— Se eu fosse você, procuraria ficar um pouco feliz e

aproveitar a viagem. Chegando a Suster, você convence o

Frene, a te devolver à Terra e pronto.

— Daqui quanto tempo? — Perguntei chorando. —

Um ano talvez! Com isto meus pais ficam loucos!

— Seus pais sabem que você está conosco, Regis. —

Insinuou o senhor Rud. — E eles sabem que o amamos e o

tratamos bem! Portanto, eles irão entender.

Levantei e fui me retirando devagar.

— Regis. — Insistiu o senhor Rud.

Olhei para trás.

— Perdoe a gente; tá!

Não respondi e saí devagar.

— Deixe, Rud. — Pediu Tony. — Logo ele ficará bom.

— Regis! — Insistiu o senhor Rud.

Olhei para trás e ele pediu:

— Vá ao banheiro e escove os dentes! Está com mau

hálito.

Apesar de eles serem duros na queda, sabia que no

fundo, os dois me compreendiam e me davam razão em

estar muito triste e revoltado.

©©©

O tempo foi passando lentamente e eu continuava

muito revoltado. Não aceitava a idéia de ter sido novamente

retirado de meu mundo, como se fosse um objeto qualquer,

fazendo sofrer, a todos a quem gosto, inclusive a mim

próprio.

Já havíamos viajado pelo menos umas quinhentas

horas susterianas; o que significava pouco mais da metade

do caminho, para Suster. Ou seja: uns trinta e sete dias

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Um menino no espaço – 2ª parte

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terráqueos de viagem. Para mim, não mais do que quatro ou

cinco. Eu continuava triste e sem vontade sequer, de sair de

meu quarto. Geralmente o senhor Rud me visitava e

passávamos horas conversando, onde, quase só ele falava.

Quando estava sozinho, passava o tempo lendo, escrevendo

ou desenhando. Às vezes, ia até a cabine e ficava observando

o espaço, que geralmente, estava escuro como trevas, mas às

vezes, era dia como na Terra.

Desta feita, o senhor Rud, entrou em meu quarto e

me surpreendeu desenhando. Meu desenho era a espaçona-

ve, na qual nós viajávamos. Não estava bonita, mas como os

pais gostam de elogiar o trabalho dos filhos, ele disse:

— Que desenho lindo!

— Lindo nada! — Neguei, como todo menino

manhoso, costuma fazer pra chamar a atenção. — Está

horrível!

— Horrível? É a melhor obra de arte que eu já vi!

Dei um sorriso forçado.

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Celso Innocente

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— Por que você não ri direito? Ãh!

— Porque estou muito triste! — Aleguei, fechando o

caderno.

— Está triste porque quer! Já passou da hora de

voltar a sorrir! Vamos ficar feliz?

Pegou-me, me jogando de bruços em seu ombro,

dizendo:

— Vamos dar uma pequena voltinha! — E foi saindo.

— Pare com isso, senhor Rud! Ponha-me no chão!

— Ponho nada! Não quero mais ver você triste.

— Me deixe no chão! — Pedi rindo.

— Desça se for capaz!

E seguiu comigo até a cabine da nave. O que

importava, era que por um momento, eu estava sorrindo.

— Tony, agora você vai descansar, porque está na

hora de pôr o Regis pra trabalhar!

— Acho bom mesmo! — Insinuou Tony. — Estou

precisando tirar uma soneca.

Levantou-se e ao sair, ainda disse:

— Boa sorte, aos dois!

— Obrigado! — Agradeceu Rud, me colocando na

poltrona.

— Sente-se aqui! Agora é você quem vai pilotar esta

coisa!

Estava no comando daquele enorme disco voador e

acionei a chave manual. O que importava, era que a tristeza

havia desaparecido de meu semblante e um sorriso, fazia

parte de meu ser. O senhor Rud sentou-se na outra poltrona

e ficou me observando.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Senhor Rud, por que vocês não deixam a nave

seguir sozinha, no automático?

— Porque ela pode se desviar de nossa rota.

— Se é automático, ela deveria obedecer ao mapa.

Afinal, não é um computador?

— Claro! Porém, é melhor pilotarmos no manual! Ou

você já está com preguiça?

— Eu não! Vou pilotar, até chegarmos a Suster!

— Não vai mais dormir?

— Eu não! Durmo quando chegarmos lá!

— Ainda temos pela frente, quatrocentos e quarenta e

três horas, Regis.

— Mas vou ficar aqui! Quando estiver cansado, ligo o

automático e durmo aqui mesmo!

Ele riu e ficou me observando com o olhar de

conquista.

— Senhor Rud...

— Primeiramente, por que você não para de me

chamar de senhor Rud! — Interferiu ele.

— Como devo chamá-lo?

— De papi, seria muito pedir pra você me chamar!

Não?

— Já tenho meu pai, senhor Rud! — Insinuei triste.

— O que custa ter mais alguns bilhões de pais? — Riu

ele.

— To ferrado! — Esbocei leve sorriso.

— Só vai ficar muito mimado! O que você ia

perguntar?

— A gente viaja durante muitos dias, sempre assim e

nunca toma banho?

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— Aqui na nave não se precisa tomar banho. O clima

aqui é sempre o mesmo. A gente não sente calor, nem frio. A

gente não sua, porém, não cheira mal.

— Gostaria de ficar sempre aqui!

— Por quê? Você não gosta de tomar banho?

— Enche o saco!

— Mesmo depois de entrar no galinheiro da vovó e

se encher de piolhos?

— Ãh! — Me admirei. — Como o senhor sabe disso?

— O senhor Frene me mostrou!

Nos calamos por alguns segundos.

Os tais piolhos, no galinheiro de vovó, foi quando eu

contava sete anos de idade e fôra passear na cidade de

Barbosa, em sua grande e bonita chácara; local ideal para

uma criança peralta e aventureira, como eu era. Com isto,

embora morasse no sítio grande e cheio de aventuras,

explorava ao máximo aquela grande chácara, cheinha de

novidades e como já era final de tarde e já tivesse tomado

banho, acabei entrando em seu galinheiro... Ao dormir à

noite, comecei a virar na cama para todos os lados sem

conseguir dormir, sentindo bilhões, de alguma coisa

minúscula, andando sobre meu corpo inteiro. Quando

mamãe me questionou o que estaria havendo, vovô gritou:

— Moleque arteiro estava no galinheiro! Deve estar

cheio de piolhos!

A luz foi acesa e mamãe me investigou.

Resultado final: um novo e delicioso banho, no chuveiro

incrementado de vovó e toda a roupa, inclusive da caminha

de ferro, substituída.

Cortei o silêncio:

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— Chegando a Suster, as pessoas vão querer me

tratar como bebezinho novamente?

— Por quê? Elas te tratavam assim?

— Claro! Viviam me paparicando! Regis, você está

bem? Regis, vamos tomar banho! Regis, você é uma

gracinha! Que menininho bonitinho!... Até o senhor Frene,

agia assim!

— Impressão sua! As pessoas te adoram e você é uma

criança! Não te tratam como um bebezinho!

— E o Luecy? Ele ficava caçoando de mim!

— O robô? O que ele fazia?

— O menino da Terra está vazando! — Imitei-o. —

Seu corpo sem casca é uma gracinha!...

— Sem casca? — Não entendeu o homem.

— Sem roupa!

— E vazando por quê? Chorando ou fazendo xixi?

— Os dois!

— Até ele está te aguardando!

— Tenho saudades dele!

— E de quem mais?

— Da Leandra, do senhor Frene… e de meus pais…

— Entendo.

Apertou algumas teclas, o botão erre cinco (R-5) e

chamou pelo rádio:

— Espaçonave chamando Suster! Responda coman-

do!

Apareceu a imagem do computador gigante; porém o

senhor Frene não estava. Através de outra tecla, o senhor

Rud, fez disparar um alarme, na grã-fina residência

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susteriana. Alguns segundos depois, entrou o senhor Frene,

que se sentando em sua poltrona, acionou uma tecla e disse:

— Veja só quem está na cabine! Como vai, Regis?

— Estou com muita raiva do senhor!

— Ora! Por quê?

— Não preciso dizer! E não quero falar com o senhor!

— Você sabe que nós só queremos o seu bem!

— Então faça esta nave me levar de volta à Terra!

— Calma aí! Você ainda nem chegou a meu planeta!

— E nem pretendo chegar!

— Que ingratidão!

— Me lembro muito bem, quando o senhor me disse,

que só me buscaria na Terra, caso eu chamasse. E pelo que

estou sabendo, nunca chamei!

— Concordo! Mas resolvi pedir pra buscá-lo assim

mesmo! Prometo que você será feliz conosco!

— Não serei mesmo! Acho bom o senhor não

conversar mais comigo!

— Por quê?

— Porque eu te odeio!

— Mentira! — Riu ele.

— Te odeio mesmo!

— Em seu coraçãozinho não há lugar pra ódio, Regis!

— O senhor é que pensa! Desligue este rádio, senhor

Rud.

— Não faça assim, Regis! — Pediu-me o senhor Rud.

— Faço sim! — E apertei a tecla R-5, que me fez cortar

a transmissão com o senhor Frene. Só que eu ainda o via e

ouvia.

— Regis, não pare de falar comigo! Por favor!

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— Senhor Rud, desligue isso, ou então vou sair

daqui!

Ele acionou a tecla R-5 e disse:

— Senhor Frene, vou desligar! Voltarei a chamar mais

tarde!

E realmente desligou o chefão.

— Por que fez isso, Regis?

— Porque não gosto dele!

— Nós dois sabemos que não é verdade!

— Se eu amolecer, ele não me levará de volta pra

casa!

— Se soubesse que você ficaria triste novamente, não

teria chamado o senhor Frene.

— Podia ter perguntado antes!

— Agora dê um sorriso! Vai!

Estava realmente chateado.

— Adulto, acho que não tem coração!

— Como assim?

— Não dá pra acreditar, que não sabe que estou com

raiva do senhor Frene! Não tenho uma chavinha no peito,

que posso acioná-la, mudando meus sentimentos, me

desligando da Terra pra me ligar com Suster!

— Desculpe! — Acho que ele me entendeu, um

pouquinho.

Durante algumas horas, seguimos juntos, conver-

sando sobre muitos assuntos, diante daquele comando. É

lógico, que mesmo em comando manual, a nave continuava

sendo praticamente pilotada pelo computador; caso

contrário, qualquer pequeno desvio de nossa atenção, ela se

chocaria com gigantescos meteoritos no espaço, ou no

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mínimo, se desviaria da rota correta, nos levando a qualquer

lugar perdido, menos Suster. Já sabia, desde a outra vez, que

se a nave se desviasse da rota original, apenas um milímetro,

era suficiente para se desviar de Suster, em milhares de

quilômetros.

O senhor Frene, não voltou a nos chamar. Ele, com

certeza, sabia, que seria melhor dar um tempo, para que o

senhor Rud, me conquistasse de vez.

Mais tarde, quando o senhor Tony, retornou à cabine,

o senhor Rud, acionou o automático e nós três, juntos, nos

dirigimos à considerada cozinha, onde, depois de vários dias

em jejum, fomos nos alimentar, com comidas em conservas.

©©©

Ora alegre e às vezes triste, ao me lembrar de minha

Terra, nossa viagem seguia normal. Algum tempo, no

aposento. Às vezes só e muitas vezes, com o senhor Rud, me

fazendo ser alegre. Outras vezes, só ou acompanhado,

passeando pelos diversos pontos daquela gigantesca

espaçonave. A maior parte, ali na cabine, protegido por

temperatura agradável e espiando as diversas fazes do quase

congelado, espaço sideral, que mudava constantemente de

formas e espectros, que a nossos olhos, pareciam muito

distorcidos devido a um efeito chamado de dobles3, por

causa das altíssimas velocidades, com temperaturas

chegando perto do zero absoluto em graus Kelvin, em torno

dos duzentos e quarenta graus Celsius negativo. Muitas

vezes, escuro; outras claras, de cores exorbitantes. Azulado,

3 É o mesmo efeito que qualquer um de nós, mesmo na Terra, vemos ao

estar dentro de um trem ou carro, em altíssima velocidade; ou gravarmos

um vídeo fazendo movimentos bruscos com a câmera.

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esverdeado, amarelado, rosa... De acordo com o lugar, por

onde passávamos: planetas, asteróides, satélites naturais e

até mesmo cometas. Alguns deles, de cauda tão grande, que

levava várias horas, para deixá-lo; pois, segundo o senhor

Rud, alguns cometas têm a cauda iluminada, tão grande, que

chega ser maior do que a distância entre a Terra e outro

planeta (Marte, por exemplo) e às vezes se locomovendo no

mesmo sentido, paralelo ao nosso, demorava em ser

ultrapassado.

— Sua cauda é de puro fogo! — Insinuei admirado.

— Na verdade é de puro gás! — Explicava Rud.

O relógio da espaçonave acusava então: quinze horas

e sessenta e cinco minutos (lembrando que em Suster, o dia é

formado por trinta e duas horas; cada hora, oitenta minutos

e cada minuto, oitenta segundos). O relógio acusava ainda,

faltar, duzentos e cinquenta e nove horas e cinco minutos

susterianos; ou seja: Vinte e três e meio anos-luz, para

chegarmos a Suster. O senhor Rud, com uma calculadora

infalível descobriu, que ainda teríamos quatrocentos e

sessenta horas, trinta e três minutos e vinte segundos

terráqueos de viagem; ou seja: pouco mais de dezenove dias.

De repente, ao mesmo tempo em que uma luzinha

azul, ascendeu no painel, um alarme sonoro, foi acionado. O

senhor Rud, rapidamente, apagou o alarme sonoro,

acionando uma tecla. Porém, a lampadinha continuava

acesa.

Trinta segundos depois, o senhor Tony entrou na

cabine, perguntando:

— O que houve?

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— Não sei! — Negou o companheiro. — Há um

alarme de defeito.

— Continua o alarme?

— Continua.

— Passa pro automático!

Bastou Rud, passar para o automático e o alarme

desapareceu.

— Volte ao manual! — Pediu Tony.

— Acha que convém?

— Claro!

O senhor Rud obedeceu.

O alarme não voltou.

Passado dois minutos, quando Tony, já ia se retirar,

novamente, em forma de luzinha azul e cigarra, o alarme,

tornou a chamar a atenção. O senhor Rud, tornou a acionar o

automático e assim deixou, enquanto o senhor Tony, seguiu

para a casa das máquinas, que ficava quase junto à cabine,

no corredor, a observar alguma falha.

— Precisa de ajuda? — Perguntou-lhe o senhor Rud.

— Acione novamente o manual.

Após acionar o comando manual, ele passou a pilotar

a espaçonave, por um período de uns cinco minutos sem o

alarme, que então, retornou, com a luzinha e a cigarra.

Voltou a acionar o automático, se levantou, indo

ajudar o companheiro, na procura do possível defeito.

Durante uns dez minutos, continuou assim e eu, em

silêncio, continuava sentado; agora, na poltrona do piloto.

De repente, me assustei, quando o alarme voltou a

disparar. O senhor Rud veio depressa, chamando minha

atenção:

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— Não mexa aí, Regis! Deixe no automático!

— Ainda está no automático, senhor Rud. Não mexi

em nada!

— Hum! Então está piorando!

— O que está acontecendo? — Perguntei indiferente.

— Um pequeno defeito! Não se preocupe!

Desligou o alarme sonoro, voltando a ajudar o

parceiro e lhe explicando, o que se passara então.

Dez minutos depois; como nada se resolvia, Tony,

voltou ao comando, sentando-se a meu lado, na poltrona do

co-piloto e me pedindo:

— Regis, acione o manual.

Obedeci, apertando uma tecla. A nave voltou a ser

pilotada manualmente; porém a luzinha azul continuava

acesa. Usando o rádio, ele chamou o senhor Frene, que o

atendeu rapidamente.

— O que houve Tony? Regis resolveu falar comigo?

— Não é isso! É coisa séria!

— O que está havendo?

— Estamos com um alarme de defeito e não estamos

conseguindo localizá-lo.

— Já tentou dar reset no alarme?

— Já! Mas ele torna a voltar!

— Tentou deixar a nave no automático?

— Não adianta!

— Foi Regis, quem mexeu?

— Não mexi em nada! — Neguei chocado.

— Desculpe-me! — Pediu ele. — Não quis ofendê-lo!

— O que devemos fazer senhor Frene? — Perguntou-

lhe Tony.

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— O que vocês notaram de anormal?

— Nada de anormal!

— Vou providenciar um técnico e trazê-lo aqui.

Continuem em contato comigo.

— Continuamos procurando o defeito?

— Dêem uma olhada! Eu observarei vocês daqui.

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Fora de rota

proximadamente uma hora depois, Rud e Tony,

continuavam procurando pelo defeito. Eu

continuava sentado na poltrona do piloto e a nave seguia no

automático.

Neste tempo, eu já havia acompanhado os dois

pilotos, já havia estado em meu quarto e andado pela nave

inteira. Agora, sentado na poltrona, estava despreocupado;

ao contrário dos homens, que começavam a ficar bastante

irritados, com aquele estranho defeito.

De repente, observando nossa posição, através dos

diversos velocímetros e altímetros quadrados e uma bússola

esquisita, percebi que a nave estava se desviando de nossa

rota. Calmamente me levantei, fui até o senhor Tony,

chamando-o:

— Senhor Tony, venha ver uma coisa!

— Agora não Regis, por favor! — Negou ele nervoso.

Fiquei chateado, pois só pretendia ajudar. Segui para

meu quarto, sem falar mais nada. Deitei-me de bruços e

A

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fiquei desejando que a nave caísse em um planeta cheio de

monstros.

Poucos minutos depois, entrou Rud, sentou-se em

minha cama e pediu:

— Desculpe o Tony, ele está preocupado com o

alarme.

— Não tem importância!

— Não precisa se preocupar. Não é nada grave!

— Não estou preocupado!

Então ele sorriu dizendo:

— É isso aí! Logo tudo se resolverá e em poucos dias

estaremos em casa!

— Acho que não! — Neguei.

— Por quê?

— Estamos indo cada vez mais longe de casa!

Ele colocou a mão em meu peito e disse:

— Nós iremos compensar isso, Regis! Pense nas

vantagens!

— Por que vocês não fazem diferente?

— Como assim?

— Ao invés de roubarem a mim; por que não pegam

um garoto abandonado? Ele lhes agradeceria.

— Não é a mesma coisa!

— Eu tenho um amiguinho de nove anos, que

adoraria ir pra Suster, em meu lugar!

— Como assim?

— É o Erick! Ele não tem pai e a mãe dele, não liga

nenhum pouco pra ele; vive no mundo, com outros homens,

deixando o coitado abandonado com estranhos. Ele é bonito,

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senhor Rud! É bom, educado... meu amigo e disse que

gostaria de vir até seu planeta, morar com vocês.

— Não é assim Regis! Isso não é simples! Você foi

escolhido e preparado para morar conosco!

— Não precisa ser preparado! — Neguei. — Basta ser

uma criança, igual a mim! Não é o sorriso de uma criança,

que vocês estão querendo?

— Quando a gente ama alguém, esse alguém passa a

ser único pra gente. Você é único, Regis! Diferente e mais

especial do que qualquer outra criança!

— Vocês iriam gostar do Erick! Eu garanto!

— Acredito! Passaríamos a amá-lo também! Só que

mesmo assim, jamais o esqueceríamos também! Você

continuaria dentro de nós!

Nesse momento, entrou Tony, chamando:

— Rud, pode me ajudar? Depois você conversa com o

garoto!

— Já estou indo!

E se levantou.

Tony saiu primeiro.

— A propósito: o que você queria mostrar ao Tony,

àquela hora na cabine? — Perguntou-me o senhor Rud.

— A nave está se desviando da rota pra Suster! —

Informei-o

— O que? — Se espantou ele.

— Estamos indo em direção errada, senhor Rud!

— Quem falou isso, Regis?

— Eu vi nos relógios!

— Não pode ser!

E saiu para a cabine da espaçonave.

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Levantei-me e o acompanhei.

Na cabine, ele percebeu que eu tinha razão e

apavorado, chamou o senhor Tony e pelo rádio, tentando

controlar a nave, chamou o senhor Frene:

— Senhor Frene: Rud chamando! Emergência!

— Fala Rud. O que está havendo? — Atendeu

rapidamente o senhor Frene.

— A nave não obedece nossos comandos e está fora

de nossa rota!

— Aguenta algum tempo! Os técnicos já estão

chegando!

— Mas estamos nos desviando de nossa rota! O que

fazer?

— Tente fazer a nave parar, ou seguir mais devagar!

— Não consigo! — Negou ele. — Já estou tentando!

Ela não me obedece!

— Não conseguiram localizar nenhum defeito?

— Ainda não!

Virou-se para mim, que continuava tranquilo e disse:

— Por que você não falou antes, Regis?

— Eu tentei! — Dei de ombros. — Não quiseram me

ouvir!

— Regis, quando a gente tem razão em algo, a gente

grita e se faz ouvir!

— Na Terra não é assim, senhor Rud!

— Claro que é assim, garoto!

— Não! Não é! Papai disse que criança, tem que

respeitar os mais velhos! Os mais velhos sempre sabem das

coisas! Crianças nunca dão palpite!

— Não! Não está certo! Criança é gente também!

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— Se eu fizesse Tony me ouvir e tivesse razão, ele me

agradeceria! Não é verdade?

— Claro que sim!

— Mas se eu me enganasse! Ele, nervoso, diria que

sou mal-educado! Não é verdade?

— Claro que não! Todos podem se enganar! As

crianças também!

— Na terra, criança ainda não tem vez, senhor Rud!

— São sarcásticos assim?

— Sar... Sarc... O quê? — Me perdi.

— Hipócritas! Malvados!

— Não! Os adultos amam as crianças! Mas precisa-

mos ser santinhos! Não interferimos em suas idéias!

— E assim mesmo, você ainda quer ficar lá! Não é?

— Lá é meu lugar! É onde nasci! Nem o senhor, nem

o senhor Frene, devem mudar o meu destino!

— E agora Regis? — Perguntou-me o senhor Tony. —

Estamos vagando pelo espaço, sem saber pra onde! O que

fazer?

— Pra mim, o senhor pergunta? — Me admirei.

— Lembra-se da outra vez, em que você se perdeu no

espaço? — Perguntou-me o senhor Rud.

— Como não?

— Você não teve medo?

— Fiquei apavorado! Mas tudo se resolveu!

— E se dessa vez não se resolver? — Perguntou-me

Tony.

— Não sei!

— Você não está com medo?

— Nem um pouco!

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— Como não? — Admirou-se o senhor Rud.

— Tanto faz seu planeta, ou outro qualquer! Estarei

fora de casa, do mesmo jeito!

— Mesmo assim, acho que iria preferir um local

conhecido, a outro, que pode ser muito estranho! — Riu de

leve Tony.

— Pode ser verdade! — Insinuei sério.

— De que você teve mais medo da outra vez?

— Daquela aranha monstruosa. — Respondi calma-

mente. — Quase morri só de pavor! Ah se não fosse o pai de

Mira!

— Então, garoto! — Insinuou Rud. — Já pensou se a

gente cair em um planeta cheio de monstros?

— Regis: — Chamou-me o senhor Frene, que

continuava na escuta. — Procure nos ajudar! Eu farei de

tudo pra que você seja muito feliz! Prometo!

— Só quero voltar pra casa, senhor Frene! — Pedi

com lágrimas.

— Primeiro vamos tentar chegar até aqui; depois a

gente conversa. Tá?

©©©

Três horas depois, com a chegada em Malderran, de

um grupo de cinco técnicos, Tony e Rud, apesar de serem

doutores em mecatrônica, passaram a receber novas

instruções, de como operar certos instrumentos eletrônicos

da espaçonave. Os técnicos ouviam e viam tudo o que

acontecia ali dentro, mesmo que estivéssemos distante do

microfone do rádio. Da mesma forma, nós víamos e

ouvíamos tudo o que eles falavam lá no controle, a trilhões

de quilômetros de distância.

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Uma das primeiras insinuações dos técnicos foi:

— Nós iremos trabalhar com suas mãos. Ou seja:

diremos o que fazer e vocês farão. E não precisam se

preocupar, pois traremos todos de volta, sãos e salvos!

E assim se passou: eles instruíam e nós mexíamos. É

isso mesmo: nós mexíamos. Até eu, entrei na luta, para

repararmos o estranho defeito, que estava nos desviando de

nossa rota original.

Os equipamentos da nave eram tão estranhos e

complicados, que acredito, jamais terem sido vistos, por

outro terráqueo qualquer. Eram aparelhos totalmente

eletrônicos; uma vez, que os susterianos, sendo imortais,

vivendo a milhares de anos, em um planeta muito avançado,

conseguiram desenvolver.

A nave era como um ser vivo, viajando pelo espaço, a

uma velocidade incrível, totalmente automática e consumin-

do pouquíssima energia. Parecia que ela tinha vontade

própria e quando ficava emburrada, assim como eu, não

obedecia a mais ninguém; e acho que ela se emburrou em

solidariedade a mim. Seu combustível era o dióxido de

carbono, mais conhecido por gás-carbônico, que ela recolhia

sozinha, quando nós, os seres humanos, expirávamos de

nossos pulmões. Ao mesmo tempo, ela, assim como, quase

igual uma planta, em processo de fotossíntese, eliminava o

oxigênio, que então, conservava a população viva4.

Sendo assim, tal nave contrariava todos os estudos da

física humana, segundo as leis da relatividade, descoberta

4 É preciso ponderar que a planta, assim como todos os seres vivos,

respira o oxigênio. Mas ela recolhe o gás carbônico, como forma de

alimento na fotossíntese e expira oxigênio na atmosfera.

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com muito cuidado pelo grande francês Albert Einstein, que

diz que nada é capaz de ultrapassar a velocidade da luz,

principalmente porque, caso isso ocorra, a energia

empregada para levar tal objeto, precisa ser tão alta (em

números de giga watts) que destruiria o próprio objeto.

Para não contrariarem o famoso Einstein, que quando

menino, sequer aprendia a ler e em dias atuais seria

chamado de dislexo, os escritores de ficção científica criam

formas de se viajar pelo cosmos, criando a tal velocidade de

dobra, que vem a ser, quase o mesmo que pegar o universo,

transformando-o em um pedaço de papel e o dobrando ao

meio, diminuindo drasticamente as grandes distâncias de

centenas ou milhares de anos-luz entre as galáxias.

O defeito que então surgiu, pegou Tony e Rud de

surpresa e mesmo os técnicos de Malderran, estavam tendo

grande dificuldade para saná-lo.

A correria e o nervosismo dentro da nave eram

visíveis e para não sofrer repreensão de Tony, procurei me

afastar, não estorvando e nem mesmo fazendo perguntas.

Viajando assim, várias horas, em verdadeiro silêncio,

ouvindo tudo o que era falado em Malderran e por meus

dois algozes.

Já cansado, daquele rotineiro nervosismo, segui para

meu quarto, onde, apanhei um livro escolar de Linguagem e

Literatura, sentei-me em minha cama e comecei a ler

pequenas fábulas como: A coruja e a águia, A vespa e o leão,

o lobo e o carneirinho, festa no céu...

De sentado, acabei deitado, continuando a ler: O que

você vai ser quando crescer, o poema da pequena bailarina...

©©©

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Celso Innocente

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Passado algumas horas, acordei e vi o livro escolar,

caído ao lado da cama. Percebi que havia adormecido e

então, curioso, para saber o que estava acontecendo na

cabine da nave, levantei-me apressado e corri ao encontro

dela.

Tony e Rud estavam sentados nas poltronas de

controle, visivelmente cansados e em silêncio.

— Senhor Rud: — Chamei-o. — Conseguiu consertar

a nave?

— Não! — Negou ele. — O defeito continua.

— Vocês não vão mais procurar?

— Só depois que estivermos descansados!

— Os homens do senhor Frene, não vão mais ajudar?

— Sabe Regis: — Interferiu o senhor Tony. — Nós

perdemos o contato com Malderran! Perdemos o contato

com nosso planeta!

Fiquei em silêncio.

— Sabe o que isso significa? — Perguntou-me o

senhor Rud.

— Estamos... perdidos! — Disse lentamente.

— Exatamente! — Confirmou ele. — Você não se

preocupa! Não é?

— Me preocupo sim, senhor Rud!

— Você disse que não se importava! Que tanto fazia

Suster, ou outro planeta do Universo!

— Mas eu me preocupo por vocês dois! Vocês sentem

falta de suas casas, assim como eu!

— Você está falando sério? — Perguntou-me Tony.

— Claro que sim, senhor Tony! O senhor também

está com saudades de sua casa!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Você é um grande garoto! — Insinuou Tony, com

leve embaraço na voz.

Levantou-se e desceu do único degrau da poltrona.

Colocou-me em seu lugar.

— Por que o senhor está chorando?

— Não estou!

Deu-me um beijo na face

— Hei! — Reclamei, limpando imediatamente a face.

— Sou homem!

— Sei que é! E dos dignos! Fique aqui com Rud, que

eu preciso descansar um pouco.

Seguiu para o dormitório, me deixando sentado na

principal poltrona do comando, onde, olhando o relógio do

painel, disse a Rud:

— Como pode: O relógio da nave está aumentando à

distância de Suster; ao invés de diminuir!

— Claro! Estamos indo ao sentido contrário!

— Quer dizer... Que estamos voltando pra Terra?

— Também não!

— E pra onde estamos indo?

— Não sei!

— Quem sabe, estamos indo ao planeta de Mira! —

Me animei. — O planeta dos gigantes!

— Acho impossível, Regis!

— Por quê?

— O planeta, o qual você foi da outra vez, está

escondido no Universo. Você jamais voltará lá! Mesmo que

queira!

— Deus é bom, senhor Rud! Acredite nele! Tudo vai

se resolver.

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Celso Innocente

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— Como pode ter tanta certeza?

— Da outra vez que vim à Suster, todos os dias, pedia

a Deus, pra fazer o senhor Frene me devolver à Terra, até

que um dia ele resolveu me levar de volta.

Ele se levantou e me abraçou dizendo:

— Muito bem Regis: reze muito à seu Deus, pra

ajudar a gente desta vez! Pois a coisa não está nada boa!

— Ele vai nos ajudar! Pode acreditar!

— Me diz uma coisa: No fundo de seu coração, você

acredita mesmo em um Deus transcendental, que criou o

céu, as estrelas, os planetas e tudo o que existe?

— Deus trans...cre...sental! — Fiz micagem.

— Transcendental! É aquilo que existia antes de tudo!

Antes do universo ser criado!

— Claro que acredito! Quem criou o universo?

— Quem criou o tal Deus?

— Deus é Uni... Uni...

— Unigênito você quer dizer! — Ajudou-me ele. —

Deve ter aprendido no catecismo! Aquele que nunca teve

início e jamais terá fim!

— Como sabe que aprendi no catecismo?

— Lógico! — Riu ele.

Calou-se por alguns segundos, depois continuou:

— Não seria mais viável, acreditar que o universo foi

realmente criado, por volta de treze bilhões e meio de anos

terráqueos, obra e um famoso big-bang?

— O que existia antes?

— Nada! Só escuridão!

— De onde veio o big-band?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Big-bang! — Corrigiu-me ele. — Grande explosão!

Antes do universo ser formado, só existia uma grande e

única matéria. Na verdade duas: pra cada matéria, existe

uma antimatéria igual, porém com energia oposta. Quando

estas duas se chocam o que pode acontecer?

Dei de ombros como a dizer “sei lá”!

— Na energia elétrica de sua casa, existe um polo

positivo e um negativo; se você encostar um no outro, o que

vai acontecer?

— Bloom! — Fiz gesto de explosão. — Já aconteceu

com meu irmão Carlos em minha casa. Ele colocou dois

pregos em uma tomada e com a faca, empurrou os dois

pregos juntos...

— Não foi o que o senhor Frene me mostrou!

— Ãh!? — Estranhei.

— Eu vi um menininho, idêntico a você, jogar um

arame torto nos dois polos, na entrada de energia elétrica de

sua casa.

— Éh! — Concordei. — Menino burro!

— A mesma coisa aconteceu com o famoso big-bang!

A matéria se chocou com a antimatéria, provocando essa

grande explosão e pra encurtar a estória, a criação do

esplendoroso mundo em que vivemos.

— Até acredito no senhor! Mas quem foi o menino

burro, que empurrou a matéria, de encontra a antimatéria?

— Gesticulei.

— Como assim?

— Deus trans...pe...mental! — Ri.

— Tá bom, Regis! — Riu ele. — Continue pedindo a

seu Deus, pra guiar esta nave.

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— É verdade que no cós...mos, existe lugares que

mesmo a gente passando a milhões de quilômetros dele, será

sugado?

— Quem te disse?

— O senhor Frene! Da outra vez em que fugi de lá!

Acho que ele só queria me amedrontar!

— Não queria! Os cientistas da Terra os chamam de

buracos negros. Existem bilhões deles no Universo. Alguns

são hiper grandes que são capazes de devorar sistemas

estelares inteiros, fazendo planetas se chocarem contra

planetas, engolindo a atmosfera e até a luz.

— Acho que tudo isso é exagero, senhor Rud. Deixa

pra lá, porque minha cabeça fica até tonta.

Calou-se por um instante, depois prosseguiu:

— Outra coisa: Quando vai concordar em deixar de

me chamar de senhor Rud?

— Não consigo chamá-lo de papi! — Insinuei triste.

— Desculpe.

— Tudo bem! Eu te entendo! Mas não precisa me

chamar de senhor Rud! Basta Rud, então!

©©©

Dezenas de horas depois, conseguimos pousar nossa

nave, em um planeta de uma cor bem escura, com enormes

pedras e um solo, que parecia totalmente sem vida, animal

ou vegetal. Nada de água, nada de terra… Portanto, um

lugar muito triste.

Rapidamente, ansioso por liberdade, saí de minha

poltrona, abri a porta da nave e me vendo livre, saí correndo

por aquele espaço morto, por aproximadamente uns cem

metros. Só então, cansado, percebi que algo não estava bem:

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Não conseguia respirar e me senti afogando, com os ouvidos

tapados, como se estivesse no fundo do mar. Tentei voltar à

nave, mas não conseguia. Tentei gritar por socorro e minha

voz não saía.

Quando avistei o vulto de meus dois companheiros,

vindo a meu encontro, usando máscaras, não mais resisti à

vida e desmaiei, caindo ao encontro do solo morto.

Segundo me contou depois o senhor Rud, meu

restabelecimento, deitado em minha cama, foi muito difícil,

com massagens cardíacas e auxílio de um tubo de oxigênio,

pelas narinas, por pelo menos, meia hora susteriana.

Quando recuperei os sentidos, estava apenas de

short, deitado em meu leito, assistido pelos dois tripulantes.

Meu corpo estava suado e experimentava uma febre de

quarenta graus.

— O que aconteceu comigo? — Perguntei-lhes.

— Você desceu da nave em um lugar impróprio. —

Respondeu-me Tony.

— Como assim?

— Espere que eu lhe mostro! — Disse-me o senhor

Rud, saindo do quarto.

— Senhor Tony: eu ainda não estou bem!

— Eu sei! Você está com muita febre!

— Eu não vou morrer não! Vou?

— Claro que não! Você ficará bom, logo! Não se

preocupe!

— O que aconteceu? Por que eu desmaiei?

— Acontece Regis, que neste planeta, não há

oxigênio! Não há vida! Não há nada!

— Nem monstros?

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— Nem insetos! É um lugar anecúmeno!

— Ane... Anecu... Anec o quê?

— Anecúmeno! Significa: Planeta sem vida de

qualquer natureza! Planeta morto!

O senhor Rud retornou com um relógio estranho nas

mãos, sentou-se a meu lado e me mostrando com o

indicador, disse:

— Está vendo aqui, quanto de oxigênio, há neste

planeta?

— Não está marcando nada! — Neguei.

— Por isso mesmo! Não há nada de oxigênio! Não há

nitrogênio! Não há água! É um local totalmente morto!

— Eu me afoguei lá fora, como se estivesse dentro

d´água!

— Em qualquer planeta que você pousar, você não

pode descer da nave, sem antes consultar este registrador! E

se fosse um planeta com radiação?

— O que aconteceria?

— Todos nós estaríamos mortos!

— Desculpe-me senhor Rud! Eu sou tão burro!

Tony se retirou dizendo:

— Vamos prosseguir viagem!

— A nave obedece?

— Pra prosseguir sim! — Afirmou senhor Rud. —

Porem, não se sabe pra onde! Quem sabe logo o senhor

Frene, encontre a gente!

— Ele está procurando?

— Claro! Ele já mandou uma nave de resgate! Como

você está?

— Acho que ainda tenho febre!

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Colocou a mão em meu rosto e disse:

— Fique aqui deitado, que logo você vai melhorar!

— Este planeta não tem radia...tiv...?

— Nada vive aqui! Nem mesmo a radiação!

Continuei deitado, enquanto ele se foi, para ajudar

Tony, a pilotar a espaçonave.

— Lembre-se: Não é senhor Rud! — Brincou o

homem.

Acho que se eu o chamasse de papi, ou pai, ele se

tornaria o homem mais feliz do Universo...

...Mas eu não conseguia.

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Um planeta ideal

urante vários dias, a nave esteve sendo pilotada

em posição praticamente no automático;

enquanto Rud e Tony passavam horas diárias, tentando

localizar o estranho defeito, sem, contudo, obter nenhum

sucesso. Também, não conseguimos mais contato com

Malderran.

Nosso objetivo agora era encontrar um planeta, onde

tivesse oxigênio suficiente e a gente pudesse desligar os

motores e até, descer, para com isto, procurar melhor o

estranho defeito da nave, que nos desviou da rota principal.

Ainda sentia falta da Terra, de meus familiares e

colegas. Já fazia quarenta e cinco dias susterianos, mais de

cem dias terráqueos, que eu estava no espaço. Tempo mais

do que suficiente, para termos chegado a Suster.

Sentado na poltrona do co-piloto, na cabine de

comando, perguntei a Tony, que estava na poltrona

principal:

D

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Por que o senhor não me fala mais sobre seu

planeta?

— Você já sabe tudo! Sabe tanto quanto eu!

— Ah sei sim! Nunca estive em outro lugar, a não ser

Malderran!

— Você não sabe nada de Merlin?

— Sei apenas que Luecy foi construído lá.

— O nome dele não é Luecy! É Mark Três!

— Por que Mark Três? Já existiu Mark um… Mark

dois…

— Que eu saiba não! — Negou Tony.

— Então por que Mark Três?

— Os fabricantes quiseram dar este nome e pronto!

Provavelmente algum protótipo!

— Pra mim ele continua sendo Luecy!

— Por que Luecy?

— Porque ele é metido à inteligente, igual a um

amigo meu da Terra, que tem esse nome.

— Você sabia que Merlin é a cidade mais avançada

de todo o Universo? É lá que foi fabricada esta espaçonave. É

lá que foi fabricado aquele computador do senhor Frene. É lá

que foi fabricado a mais de quinze anos, o sistema pelo qual

o senhor Frene, acompanha sua vida na Terra. Tudo que

existe de sofisticado em eletrônica em nosso planeta, foi

fabricado em Merlin. Atualmente, eu e Rud, estamos

morando lá.

— Tem algo que não entendo! Os caras da NASA até

duvidaram de mim por isso!

— O que é?

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— Em seu planeta, o dia é mais longo do que o dia na

Terra, porém o ano passa mais depressa. Deveria ser o

contrário.

— É garoto! Num ponto você tem razão. Só que quem

controla o dia, é o que vocês chamam de movimento de

rotação, Suster girando em torno de seu próprio eixo e quem

controla o ano, é o movimento de translação. No caso da

Terra, ela gira em torno do Sol. É algo muito complexo! Você

já estudou isto?

— Que jeito? Vocês não me deixaram! Me roubaram

da escola! Sabia que estou ficando atrasado? Já tenho dez

anos e ainda estou na terceira série. E vou perder este ano

novamente!

— Não se preocupe! Enquanto você estiver conosco,

tudo em você continua sendo de seus nove anos! Você não

envelhece! Continuará sendo criança pra sempre!

— Já sei disso! E não me interessa muito!

— Por quê? Não é bom?

— Até seria bom! Se fosse na Terra!

— Meu planeta é tão ruim assim?

— Não! Não é! Eu até faço um acordo com vocês! Se

toparem, eu viverei em seu planeta pra sempre e estarei

muito feliz!

— Que acordo?

— Comigo, vocês levam pra lá, meus pais, meus

irmãos, minha irmã e todos meus amigos!

— Oh louco Regis! Aí foge de nosso objetivo!

— Vocês não me amam?

— Muito! Mas e os demais?

— É o preço pra que eu fique feliz com vocês!

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— Em se falando de seus pais e irmãos; até aí vai.

Agora: e seus coleguinhas? Eles vão querer levar os pais e os

coleguinhas deles! Teríamos que encher uma espaçonave

gigante! Nós estaríamos mudando o destino de muita gente.

E isso não é certo!

— Vocês estão mudando meu destino! Acham isto

certo?

— O seu não estamos mudando! Desde o seu

nascimento, seu destino já era o de morar conosco, em nosso

mundo!

— Quem disse? Deus?

— Talvez sim!

— Não acredito! Eu nasci na Terra! Lá é meu lugar!

— Regis: já falamos muito sobre isso! Nós precisamos

de uma criança! Precisamos de você!

— Não há mesmo jeito, de uma mulher de seu

planeta, ficar grávida?

— Não, Regis! Não há!

— Mesmo que seja com um homem da Terra?

— Você, Regis? — Riu ele. — Já pensa que é hominho

pra sexo? Você não gera filhos!

— Não me referi a mim! — Neguei bravo. — Não sou

doido!

— Não há jeito! Nossas mulheres são estéreis!

— E um homem de seu planeta com uma mulher da

Terra?

— Os homens de meu planeta, também são estéreis!

— Quer dizer que, se eu viver em seu planeta,

também serei estérico?

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— Estéril, Regis! Histérico você está é aqui conosco

agora!

— O que que é isso?

— Histérico? — Riu ele. — É como você anda!

Sempre bravo! Nervoso! Mal educado!

— Troque de lugar comigo! Aí o senhor vai ver quem

ficará estérico!

— Alem do tal histérico, em meu mundo você será

sim, também estéril!

— Não poderei ter filhos?

— Você será sempre criança! Será bom! Eu garanto!

— Senhor Tony: busque o Erick. Sei que ele vai

gostar! E garanto ao senhor que ele é muito bom e educado.

Vocês irão amá-lo e ele também vai amar a todos de seu

mundo!

— Não, Regis! Isso não é comigo!

— Já que Merlin é tão avançado, por que o povo de

lá, não estudam direito e cria um jeito de fazer um tipo de

insi... Um clone, ou bebê de aproveita!

— Inseminação artificial! Bebê de proveta! — Corri-

giu-me ele.

— Sei lá! Na Terra, que é tão atrasada, isso já acontece

há muito tempo!

— Acho que estaríamos mudando os planos de Deus!

— Insinuou ele.

— Isso vocês já estão mudando, comigo!

— Mesmo que quiséssemos fazer o que diz, não há

como fazer uma inseminação artificial com óvulos e

espermatozóides mortos!

— E um clone humano?

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— Só se clonarmos você!

— Seria outro eu? Idêntico e gêmeo?

— Idêntico sim! Gêmeo não dá! Ninguém nasce

grande!

Calamos-nos por alguns segundos, depois insisti:

— O senhor não me respondeu ainda, por que o ano

em Suster, é mais curto do que na Terra, enquanto que o dia

é mais longo.

— O ano em Suster, é composto de noventa e nove

dias!

— O senhor Frene já me falou isso, mas eu não

entendi patavina! Na Terra, noventa e nove dias, são apenas

três meses! Quer dizer que, enquanto na Terra, passa um

ano, em Suster, passam quatro?... Está errado!... Da outra vez

que estive lá, eu tinha nove anos na Terra e lá eu tinha

quatorze. Do jeito que o senhor fala, eu teria nove vezes

quatro… trinta e seis anos…

— Parabéns! — Riu ele. — Prova que você sabe

tabuada.

— Lógico! — Me exibi. — Aprendi no segundo ano!

— Mas é claro que a lógica está errada! A conta é bem

mais complexa! Noventa e nove dias susterianos!

— Ah, é verdade! Cada dia em seu planeta tem trinta

e duas horas! É diferente da Terra!

— E cada hora, oitenta minutos! E cada minuto

oitenta segundos! Portanto, um minuto em meu planeta, é

maior do que um minuto em seu planeta. Por isso que o ano

é mais curto. O dia é mais comprido devido o movimento de

rotação. Suster gasta trinta e duas horas, para dar uma volta

em torno de si mesmo! Isto tem lógica, em se comparando à

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Terra, pois ele é bem maior. O ano é mais curto, devido o

movimento de translação. Ou seja: Suster demora noventa e

nove dias, para dar uma volta em torno de nossas duas

estrelas. É complicado. Você entendeu?

— Só um pouco!

— Não esquenta muito com isso não! É mais

complexo ainda! Suster nem gira em torno das estrelas! Ele

fica dançando no meio delas, como um pião quando tá

acabando a força, preso em dois campos magnéticos

distintos.

— Por que na Terra o ano é dividido em meses e

semana e em Suster não?

— Suster também funciona de maneira semelhante.

Isso tem a ver com as diferentes fases da lua. Quantas luas

tem na Terra?

— Uma só! Ué!

— Quer dizer: Quantas fases da lua?

Dei de ombros como quem não sabe.

— São quatro fases: Minguante, quarto crescente,

nova e cheia. Somando as quatro fases, dura o tal período de

um mês.

— Por que tem mês com trinta dias e outros com

trinta e um?

— Porque é o tempo que demoramos pra fazer a

viagem de sua Terra até meu planeta Suster! — Ironizou ele.

— Acha!

— Brincadeira! Não liga pra isso não! O mais

importante agora é a gente tentar voltar pra casa!

— Será que vamos conseguir?

— Claro! Veja na frente, nossa próxima parada.

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— Um planeta!

— Logo estaremos lá!

— Será que a gente vai poder descer?

— Ainda não dá pra saber!

Nossa nave, apesar de direção ignorada, seguia de

encontro àquele novo planeta, a uma velocidade de cento e

trinta e quatro milhões, trezentos e oitenta e seis mil,

trezentos e sessenta e três quilômetros por segundo. Ou seja:

uma velocidade inacreditável. Muito alem da velocidade da

luz.

Durante algum tempo, em busca daquele novo

planeta, segui conversando com meu companheiro e fazendo

muitas diferentes perguntas a respeito do Universo. Fiquei

sabendo, por exemplo, que o nome Mira, da garota do

planeta dos gigantes, era o nome de uma estrela variável,

gigante vermelha, conhecida como “a maravilhosa”, na

constelação da Baleia; a lua está a apenas trezentos e oitenta

e quatro mil e quatrocentos quilômetros distante da Terra e

que aquela espaçonave susteriana, faria tal viagem em bem

menos de um segundo; e em volta da Terra, que tem

quarenta mil, duzentos e cinquenta quilômetros de

circunferência, em apenas um trilhonésimo desse tempo e

até ao Sol, que está a cento e quarenta e nove milhões de

quilômetros, em pouco mais de um segundo5. E que o Sol,

tem cento e nove vezes, o diâmetro da Terra, ou que cabem

um milhão e trezentos mil planetas Terra em seu interior.

5 É preciso ponderar que tal nave atinge tais velocidades no vácuo, onde

não há atritos. Em passagem por trechos com atmosfera, esta velocidade

se limita à velocidade da luz: 299.792.458 metros por segundo.

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— Como o senhor pode saber de tudo isso? —

Interroguei-o.

— Estudei muito sobre seu sistema solar! Sou um

viajante do espaço!

Rud, entrou na cabine e percebendo o planeta que se

aproximava, sorriu dizendo:

— É garoto! Parece que seu Deus, está de nosso lado!

Agora que a nave já se preparava para pousar, ele leu

o relógio computadorizado:

— Dezenove per cento de oxigênio, três per cento de

gás-carbônico, setenta e oito per cento de nitrogênio, zero de

radiação, trinta graus centígrados, sessenta por cento de

umidade no ar. Zero de raios ultravioleta.

— É um planeta apto à vida. — Confirmou Tony. —

Iremos pousar.

— Eu não me sentirei mal? — Perguntei-lhes.

— Tenho certeza que não! — Confirmou Rud.

— O que é ultravioleta?

— São raios nocivos, emitidos por estrelas e que

atravessam o espaço, atingindo o planeta. Na terra eles

provocam até câncer, mas são barrados por uma camada que

fica lá na estratosfera, que o homem diz ser a tal camada de

ozônio.

— Minha professora já falou sobre isso!

— É isso! Ozônio é formado por três moléculas de

oxigênio.

O solo daquele planeta era idêntico ao da Terra, com

grandes florestas verdes e até mesmo, pequenos e diversos

rios, de águas muito límpidas e possivelmente potável.

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Nossa nave pousou tranquilamente em um grande

cerrado, porém, ao lado de uma grande selva, possivelmen-

te, jamais explorada por alguém.

Após a porta se abrir, o senhor Rud, me disse:

— Pode descer, Regis.

— Desce o senhor primeiro! — Pedi, desconfiado.

— Está com medo de que?

— De nada! O senhor é mais velho! — Esbocei leve

sorriso.

— Da outra vez, você não viu que eu era mais velho!

Pode descer primeiro! Dou-lhe permissão!

— Não quero descer!

— Que isso garoto! — Exclamou Tony, me apanhan-

do nos braços e descendo comigo. — Aqui você se sentirá

bem!

Estando em solo, aspirei bastante ar, forçando os

pulmões e pude perceber um clima saudável, com uma

temperatura mais quente do que na nave.

Enquanto os dois companheiros começaram a

vistoriar a nave externamente, eu, aproveitando as delícias

de, talvez curta liberdade, segui devagar, ao encontro

daquela vasta floresta, de árvores verdes.

— Regis, não vá muito longe! — Gritou o senhor

Rud, quando eu já me encontrava a mais de cem metros de

distância.

Na entrada da floresta, segui por estreitas trilhas, que

acusavam ter sido usada por algum ser vivo, por diversas

vezes.

Caminhando devagar, só se ouvia o ruído de algum

inseto e a brisa calma, daquele planeta, iluminado por uma

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estrela muito distante e por isto, diferente do clarão de nosso

Sol.

De repente, em um pequeno declive do terreno, me

encontrei com um riacho, de água límpida e com certeza,

saudável.

Descendo ao lado de sua margem, podia ouvir o

barulho de água caindo e não demorou para me deparar

com uma pequena e muito bonita cachoeira, que terminava

em grande volume de água, represada naturalmente, em um

espaço aberto e claro na floresta.

Criança, naturalmente, procura fugir um pouco de

banho. Só que banho de casa, de chuveiro. Uma piscina. Ou

melhor: um belo rio, de água muito limpa, em dia de trinta

graus de temperatura; uma criança, que a mais de cem dias

terráqueos, não entrava em qualquer tipo de banho; aquele

encontro, era uma tentação irresistível; tanto que, sem pensar

duas vezes, estando sozinho, me despi por completo e saltei,

para aquela tentação refrescante.

Por muito tempo, fiquei nadando sozinho, comple-

tamente nu e livre, naquelas águas cintilantes, dentro

daquela piscina criada pela natureza.

— Regis! — Chamou-me alguém.

Quando olhei, eram Tony e Rud, que haviam me

encontrado.

— Você não tem medo de nadar aí? — Perguntou-me

o senhor Tony.

— Por que teria, senhor Tony? — Perguntei-lhe.

— É um local estranho! Não se sabe o que vai

encontrar!

— Não há nada de errado! Venha nadar também!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Já faz tempo que você saiu da nave! — Alegou o

senhor Rud.

Porém, os dois se despiram também, ficando apenas

de cuecas e saltaram dentro d’água, no maior estilo

“bomba”, criado por meninos sapecas.

— Que água gelada, Regis! — Exclamou o senhor

Rud.

— Que nada! — Neguei rindo e jogando-lhe água. —

Está uma delícia!

— Pare com isso, seu peraltinha!

— O senhor tem medo d’água?

E continuei jogando-lhe água, com ambas as mãos.

Porem, os dois homens juntos, reagiram, me pegando e me

jogando para o alto, para que caísse, de encontro ao paraíso,

em forma de represa.

Aquela brincadeira se tornara uma felicidade comple-

ta, tal que me fizera esquecer a saudade que sentia de meu

mundo, perdido no Universo de Deus.

Mais tarde, quando saímos da água e vestia minha

cuequinha, o senhor Rud, me perguntou em tom de gozação:

— Regis, não é você que não gosta, que a gente o veja

peladão?

— Não gosto mesmo!

— E como estava nadando igual Adão?

— Não sabia que vocês iriam aparecer por aqui!

— Por que tem vergonha da gente?

— Não tenho vergonha! Só não gosto de me expor,

do jeito que vim ao mundo!

— Você é uma criança! Não tem nada demais!

— O senhor gosta de ficar pelado?

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Celso Innocente

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— O que você tem por baixo da cueca, eu também

tenho! — Brincou o senhor Tony. — Não me interessa ficar

olhando!

— E por falar nisso: — Insinuou o senhor Rud. — Seu

pingolim está diferente! O que aconteceu?

— Promessa idiota de meu pai! Fui operado de

pintose!

— O quê? — Riu o senhor Tony. — Não seria...

fimose?

— Sei lá! — Dei de ombros. — Onde que é a

operação?

— Só você mesmo, Regis!

Com as roupas nas mãos, seguimos seminus, de volta

à espaçonave, a qual se encontrava a pelo menos quinhentos

metros distante.

©©©

Algumas horas mais tarde, de dentro da nave, deu

para perceber, que a claridade lá fora, aumentara considera-

velmente e ao descermos para ver, percebemos que, antes da

estrela anterior, desaparecer no horizonte azul, outra estrela,

surgia, trazendo muito mais luz e calor, em uma distância

bem inferior.

— Senhor Rud, outro Sol! — Exclamei.

— Não é um Sol, Regis! — Negou o senhor Rud. — É

outra estrela! Porém, ainda não deve ter nome!

— Eu posso batizar ela? — Perguntei.

— Claro! Que nome você dará a ela?

— Regis! Estrela Regis! Pode ser?

— Por que seu nome, a uma estrela?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Uma homenagem pra mim! Não tem a estrela

Mira, em homenagem a menina dos gigantes?

— Acha certo, você mesmo se homenagear?

— Deixa, senhor Rud! — Pedi manhoso. — Acho que

ela não vai se importar!

— Está bem! Não estou me opondo! E a outra estrela:

como deve se chamar?

— A outra se chamará… Estrela… Rud! Que tal?

— Obrigado! Não mereço, mas agradeço!

— E este planeta vai se chamar…

Pensei por alguns segundos e não descobria um

nome apropriado:

— Tony! — Sugeriu o senhor Rud.

— O senhor acha mesmo!?

— Por que não?

— Não achei adequado! Que tal Mark Três?

— Esse é o nome do Luecy!

— Não importa! Parece ideal!

— Se você deseja: tudo bem!

Voltei às pressas até a nave, apanhei meu material

escolar e em uma folha de meu caderno de tarefas, escrevi

uma pequena mensagem, dobrei o papel e o coloquei dentro

de uma pequena caixa de acrílico transparente, que ganhara

do senhor Tony e então, corri até a floresta próxima,

encontrei umas árvores pequenas, fortes e bem visíveis,

coloquei a caixinha com muito jeito e sorrindo disse a mim

mesmo:

— Acho que aqui, os exploradores do espaço vão

encontrar fácil.

Depois, pensando melhor:

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— Só tem um problema: e se eles não souberem ler

em Português?

Nisso apareceu o senhor Tony, que me seguira,

pensando que eu voltara a nadar.

— O que está fazendo Regis?

— Deixei uma mensagem, aos exploradores do

espaço!

— Oh! Muito bom! Posso ver?

— Claro!

Apanhei a caixinha, abri-a e lhe entreguei o bilhete.

Após ele abrir o bilhete e olhá-lo, perguntou-me:

— O que está escrito aqui?

— O senhor não sabe ler?

— Não sua letra!

— É tão feia assim?

— Até que não, para uma criança! Acontece que eu

não sei ler seu idioma maluco!

— E como o senhor me entende?

— O aparelho em seu pescoço, traduz as nossas

palavras, mas não as nossas letras!

— Estou novamente confuso!

— Por quê?

— Como eu consigo ler as coisas escritas em seu

planeta?

— O senhor Frene, sabe ler e escrever sua linguagem,

como você. Ele te acompanhou a vida toda. Aprendeu com

você. O que há de escrito em meu planeta que você entende,

é o que ele fez, para você se familiarizar.

— Não está certo! Ele está mudando o destino de

muita coisa, por minha causa… Isto não está certo!

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— Leia pra mim, o que está escrito em seu bilhete.

Então eu li:

— Não quis dar meu nome a nada! — Chamou-me a

atenção Tony. —Por quê? Não gosta de mim?

Fiquei sem jeito, vermelho de vergonha e sem saber o

que dizer:

— Sabe o que é… Não tinha outra coisa… Que tal o

nome do rio?

— Não acho tão importante!

— Desculpe-me senhor Tony… Eu gosto do senhor…

espere que eu já volte…

Saí correndo com o papel na mão, de volta à

espaçonave; entrei em meu quarto, apanhei uma borracha e

um lápis preto, apaguei o nome Regis e em seu lugar escrevi:

“Estrela Tony”. Abaixo de minha assinatura acrescentei o

nome do rio.

Tornei a guardar o lápis e a borracha na bolsa escolar

e voltei ao encontro do senhor Tony, dizendo:

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— Agora está tudo certo, senhor Tony!

— O que você fez?

Então eu reli o bilhete inteiro:

Ele, sem jeito, tentou explicar que só estava

brincando. Tentou me pedir para voltar do jeito que estava

antes. Só que sem jeito, só me abraçou dizendo:

— Obrigado garoto! É por isso que a gente te ama!

Sabe?

— O senhor me faz um favor?

— Qual?

— Os exploradores do espaço, podem não saber ler

Português. Então o senhor escreve um bilhete igual a este,

em sua linguagem?

— Faremos isso agora mesmo! Vamos?

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E então, seguimos abraçados de volta à nave.

Arranjei-lhe uma folha de papel e uma caneta, onde ele

rabiscou em uma linguagem tão estranha, que mais parecia

tudo igual, mas como ele alegava que estava escrito a mesma

coisa de meu bilhete, decidi então colocá-lo na mesma

caixinha.

Juntamente com as mensagens, deixei o seguinte

desenho:

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Os alienígenas

ais tarde, enquanto os senhores Tony e Rud

voltaram a examinar a nave, me despi e apenas

de cueca, segui novamente de encontra ao rio, seguindo até a

cachoeira, onde acabei de me despir e num salto,

aproveitando o calor de mais de quarenta graus, estava

novamente dentro d´água.

Durante algum tempo, fiquei brincando sozinho,

entre a cachoeira e toda a extensão de água represada.

Apesar do clima saudável, era estranho que aquele

planeta, aparentava não ter vida animal, pois não se ouvia

sequer o chilrear de um pássaro, mas sim, o ruído de alguns

insetos. Dentro de toda aquela água potável, nem uma forma

de vida. Nem um peixinho sequer…

Uns quinze minutos, após entrar na água, um

barulho de passos chamou minha atenção e quando olhei

para ver se eram meus companheiros, avistei um bando de

seres estranhos, que se aproximavam rapidamente. Eram

criaturas com formato humano, andando em pé, com o corpo

M

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muito ereto; estatura de um homem adulto; brancos, como se

jamais tivessem sido expostos a luz de qualquer estrela;

cabeça igual a de uma coruja, sem pelos ou penas; olhos e

orelhas grandes; nariz pequeno; sem pescoço; tronco, quase

que de um ser humano; sem umbigo e praticamente sem

tórax e sem mamilos; os braços, aparentando um par de asas

sem penas; as pernas, quase iguais as de um homem, porem,

com pés de quatro dedos. Todos nus e machos, com órgãos

genitais, tão pequenos e semelhantes aos meus (só que eles

eram adultos). Apesar do estranho formato e nem um pelo,

eram até bonitos. Por trás, também, quase idêntico a um

homem, com costas bem largas e musculosas e nádegas bem

semelhantes às minhas, perfazendo um bumbum perfeito.

Eram pelo menos vinte deles e se comunicavam com

estranho ganido, muito estridente, os quais, talvez por meu

aparelho em meu pescoço, estar molhado, não conseguia

entendê-los.

— Quem são vocês? — Perguntei assustado.

Não responderam. Apenas ganiram, uns com os

outros, à beira da represa.

Um deles apanhou minha cueca, que estava sobre o

solo e a vistoriou encantado. Não sabia o que era ou para

que servisse aquilo, em formato triangular, feito de algodão:

um material, talvez estranho à eles.

Eu, assustado, continuava parado dentro d’água. Se

saísse, não sei o que fariam comigo. Se ficasse, eles

continuariam ali. Quem sabe, logo meus dois amigos

resolvessem aparecer.

Três deles resolveram pular dentro da represa e eu

apavorado, procurei nadar o mais rápido possível, de

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encontra a outra margem; mas foi em vão: aqueles seres

estranhos, ao contrário de mim, péssimo nadador, nadavam

tão rápido quanto apareceram, cortando a água límpida,

como se fosse um barco com motor, conseguindo me

alcançar, me pegando no meio da represa. Meu coraçãozinho

de criança, parecia querer saltar fora do peito e eles nem

ligaram. Um deles me abraçou, com seus braços fortes e em

poucos segundos me tirou fora d’água.

Todos ficaram me olhando e ganindo entre eles.

Talvez, fazendo comparações entre eu e seus filhotes.

Jogaram minha cuéquinha no chão e dois deles, me

segurando pelos braços, me fizeram caminhar à frente do

bando.

Continuamos descendo ao lado do riozinho, por pelo

menos um quilômetro, onde atravessamos uma ponte feita

de três troncos paralelos de árvores, atravessando as duas

margens. Caminhamos por mais uns dois quilômetros, com

eles sempre ganindo muito e meu coraçãozinho

descompassado. Então, chegamos a uma clareira, onde havia

alguns barracões muito grandes, todos construídos de

madeira. Aparentemente, o menor daqueles barracões,

tinham pelo menos trezentos metros quadrados.

Conforme nos aproximávamos, muitos outros,

daqueles estranhos seres, vinham a nosso encontro, me

admirando dos pés à cabeça, como se jamais tivessem visto,

outro ser igual a mim.

Esses que vieram a nosso encontro eram filhotes e

algumas fêmeas, que eram idênticas aos machos, com

exceção dos órgãos genitais (é claro) e do tórax, que era mais

desenvolvido e tinha mamilos. Ou seja: puxava muito, para

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uma menina terráquea. Acho que Deus, quando criou os

seres vivos que dominariam os lugares do Universo, não

quis perder muito tempo, inventando formas muito

diferentes, ou, depois de se divertir muito, inventando

dinossauros, vacas, galinhas, sapos, jacarés... Na hora do ser

humano, não tinha muitas opções, mesmo em planetas

distintos. Com certeza, aqueles bichos deveriam ter coração,

estômago, pulmão, fígado, intestino e tudo mais.

Entraram comigo no maior dos barracões, o qual

deveria ter pelo menos mil metros quadrados, todo de

madeira, inclusive o telhado arredondado. Levaram-me à

presença de um deles, a qual deveria ser a chefe; deixaram-

me livre e recuaram pelo menos uns cinco passos. A chefe

ganiu algo, como se me perguntasse alguma coisa, que não

entendi.

Não podia compreender: o aparelhinho em meu

pescoço, já havia secado há muito tempo e eu continuava

não entendendo a linguagem deles; seus ganidos estridentes.

Talvez quisessem saber de onde eu vinha e o que fazia em

seu mundo.

Estava com medo… Muito medo! E com vergonha

também! Apesar deles também estarem nus! Mas eu era eu...

Nada a ver com alienígenas! Temia que eles resolvessem me

sacrificar a algum deus pagão, ou mesmo, comer minha

carne humana. Porém, eles não pareciam ser carnívoros e

nem mesmo perigosos. Acredito que só estavam admirados,

em terem encontrado um ser tão diferente em seu planeta.

A chefe, se aproximou, deslizou as mãos sobre meus

cabelos, já secos; segurou uma mecha, que não era muito

curta; passou as mãos em meu rosto, segurou meu braço

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direito; segurou minha mão, diferente da sua, que era de

apenas quatro dedos; passou a mão em meu umbigo,

apertando-o de leve, ocasionando um pouco de mal estar por

dentro; analisou a marca mais branca, que a cueca deixara

em minha virilha... Protegi meus genitais, com ambas as

mãos, o que a fez ganir, talvez como a rir; analisou minhas

pernas e pés, diferente dos seus…

— O que vocês vão fazer comigo? — Perguntei ainda

assustado.

Ela olhou de repente para meu rosto, sem ter

entendido minha pergunta; percebeu meu pavor e passou a

mão em meu tórax, sentindo as batidas forte de meu coração.

Ganiu lentamente, como a perguntar alguma coisa.

Sentindo um pouco mais de confiança, meu pavor

diminuiu um pouco e então insinuei devagar:

— Não sei por que, mas não consigo entender você!

Com as mãos, fiz gestos, tentando explicar que vim

do espaço, só que acredito que ela nada entendeu. Só então,

segurou em meu aparelhinho tradutor, observando-o, sem

saber sua verdadeira utilidade.

Talvez para me acalmar, um filhote macho, de meu

tamanho, surgiu com uma vasilha, feito de bambu, cheia de

água e me ofereceu. Aceitei, tomando toda a água, que como

a da Terra, era límpida, incolor e inodora, parecendo ser

potável e saudável; deixando, porém, cair um pouco sobre

meu peito. Devolvi-lhe a vasilha e agradeci com um simples

“obrigado”, o qual ele nada entendeu e saiu.

Pouco depois, a chefe se afastou e dois outros, me

levaram a um canto do barracão, onde me deitaram no chão,

sobre algumas peles de algum animal. Então se afastaram e

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alguns filhotes, machos e fêmeas, vieram me fazer

companhia.

Naturalmente, não me sentia nada à vontade, nu

diante daqueles seres, também nus, com seus órgãos

genitais, bem menores do que os meus. Eles eram habituados

a viverem assim, como os indígenas do passado de meu

mundo; mas eu, acostumado a proteger meu corpo, com o tal

acessório roupa, desde o nascimento, me sentia desconfor-

tável, diante da situação constrangedora.

Eles mexiam comigo, como se eu fosse apenas um

brinquedo vivo, pegando em meus cabelos, meus braços,

meu aparelhinho tradutor, querendo até mesmo, tirá-lo de

mim, só que eu me esquivava. Já estava ficando de saquinho

cheio, quando eles finalmente, resolveram se aquietar. Só

que continuavam me observando.

Sentei-me junto a eles e resolvi retribuir na mesma

moeda, ou seja, fazer com eles o que fizeram comigo: Segurei

na orelha grande e áspera de um filhote; peguei em seu

braço, em forma de asa, com a pele grossa; segurei seus

dedos sem unhas e então, demonstrando carinho, beijei o

rosto de uma fêmea (não beijaria um macho!). A princípio,

todos se assustaram, mas depois, seguindo meu exemplo,

beijaram-se entre si e eu sorri, mostrando-lhes meus dentes

brancos. Eles assustaram-se com meu sorriso e deram um

pulo, depois ganiram, forçando a boca em certa careta,

mostrando-me também, seus dentes serrilhados e brancos.

Apanhei a menor das peles, que estava atrás de nós e

cobri a parte inferior de meu corpo. Eles, me remedando,

com a mesma pele, fizeram o mesmo.

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Tornei a me deitar e eles se deitaram comigo, uns por

cima dos outros e de minha barriga, minhas pernas… Um

deles me abraçou e assim permaneceu, até que eu, exausto,

acabei adormecendo.

©©©

Algumas horas mais tarde, sendo chacoalhado,

acordei assustado. Eram os filhotes, que não querendo me

ver dormir, faziam de tudo para que acordasse.

Levantei-me e acompanhado por eles, saí do barra-

cão. Lentamente, fui até o início da vasta floresta, onde, de

uma árvore baixa, de folhas largas, apanhei duas folhas e de

seu tronco, arranquei uma tira seca; então, usando a tira

como amarres e as duas folhas, cobrindo minhas nádegas e

meus genitais, fiz do tipo uma tanguinha, semelhante à de

Tarzan. Os filhotes, sempre me imitando, fizeram o mesmo.

Dali, tramando uma fuga, sempre acompanhado,

agora por uns vinte deles, voltei até a parede do barracão,

apanhei um dos mais velhos e o coloquei com o rosto na

parede; então, fazendo sinal aos demais, saímos correndo a

nos esconder. Porém, aquele que estava com o rosto na

parede, também deixou seu posto e nos acompanhou, todos

na maior ganição (Acho que nem existe esta palavra).

Parei, apanhei novamente o mesmo, coloquei-o junto

à parede e com os demais, saí correndo a nos esconder. Não

adiantou, pois aquele que estava junto à parede, não sabia

mesmo brincar de esconde-esconde.

Vendo que não teria jeito, coloquei o rosto junto à

parede e todos os demais saíram correndo. Correram uns

dez metros e então, percebendo que eu não iria, pararam e

retornaram.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Apanhei o menorzinho, o qual se fosse um menino,

teria seus cinco anos de idade; coloquei-o com a cara na

parede e com os demais, saí correndo. Dentro da floresta, me

escondi por trás de um arbusto e todos se esconderam no

mesmo local que eu. O menorzinho saiu de seu posto e

correu a nos procurar, até nos encontrar, o que não foi nada

difícil, pois aquele bando não parava de ganir. Assim que ele

nos encontrou, acompanhado por todos, menos por ele, saí

correndo de encontro ao pique. Logo depois, ele chegou,

cabisbaixo, julgando querermos desprezá-lo.

Então, outro deles, colocou o rosto na parede e nós,

os demais, fomos nos esconder, novamente todos juntos.

Na próxima vez, eu coloquei o rosto junto à parede e

todos foram se esconder. Em seguida, saí a procurá-los,

onde, apesar de saber de antemão onde estavam, pois seus

ganidos, ouvidos a um quilômetro de distância, os denuncia-

vam; fingi dificuldade para encontrá-los, passando por eles,

fingindo não os ver. Andei mais uns dez passos e retornei.

Ao encontrá-los, saí correndo à frente e chegando ao pique,

bati a mão na parede gritando:

— Pique a todos, um, dois, três…

Pensando em fugir, tentei esconder o rosto

novamente, mas, como um deles já se prontificara, fui me

esconder com os demais.

Depois de umas cinco ou seis vezes, consegui ser eu a

procurá-los. Então, escondi meu rosto, eles foram se

esconder e quando fui procurá-los, com um plano de fuga,

passei disfarçadamente a uns cinco passos deles e após

caminhar uns dez metros à frente, saí disparado rumo ao rio.

Todos se levantaram e saíram disparado a meu encalço, me

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alcançando em menos de vinte metros de corrida. Eles

corriam muito mais rápido do que eu, chegando até a saltar,

como em pequeno vôo, devido seus braços em forma de

asas, embora sem penas. Levaram-me novamente ao pátio,

sem maliciar meu plano de fuga, imaginando eu estar

apenas brincando.

Nessa altura dos acontecimentos, a maioria deles, já

haviam perdido suas tangas de folhas e estavam novamente

nus; os demais, alguns estavam com a tanguinha de folhas

de atravessado, outros, com as folhas todas rasgadas. A

minha, porém, como eu cuidava com carinho dela, devido

minha timidez, estava perfeita, como se fosse parte de mim.

Porém, quando eu corria, ela voava e era a mesma coisa que

eu estivesse pelado, mas quanto a isso, não me importava,

pois todos estavam nus mesmo.

Já que não conseguia fugir mesmo, pensando em

outra brincadeira, apanhei dois pequenos pedaços de paus

secos e em um terreno arenoso, coloquei um distante do

outro, aproximadamente um metro e então, correndo e com

impulso, saltei sobre eles. Todos os filhotes, inclusive as

fêmeas me imitaram. Aumentei a distância entre os paus,

pelo menos vinte centímetros, saltando-os novamente,

sendo, contudo, imitado por eles. Após aumentar a distância

umas quatro vezes, sem sequer o menorzinho errar, saltei,

pisando por cima dos paus. Nenhum deles errou novamente.

Tornei a aumentar a distância, corri uns cinco metros, tomei

impulso, saltei… e errei, pisando no meio do lance. Os

demais, todos saltaram, sem cometer o mínimo erro. Eram

mais velozes do que eu… tinham mais impulso do que eu…

Faziam mais algazarra do que eu. E eu, apesar de mais uma

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vez prisioneiro, acho que até me esquecia deste detalhe e ria

extravagantemente.

Parando aquela brincadeira, me fizeram acompanhá-

los até o início da floresta, onde todos, inclusive eu, insistido

por eles, subimos no mais alto das árvores e lá de cima,

saltavam, ganindo ao chão.

No mesmo galho em que me encontrava, outros dois

machinhos, me faziam companhia e faziam sinal para que eu

saltasse.

— Nããão! — Neguei assustado.

Para eles, parecia moleza, mas para mim, caso eu

saltasse de lá, no mínimo, quebraria as duas pernas.

Vendo que eu recusava a saltar, um deles me

empurrou e eu, gritando apavorado, caí rapidamente.

Quando pensei que me esborracharia no chão, caí

sobre os braços fortes, de um dos filhotes mais velhos.

Sabia que eles eram muito fortes e eles perceberam,

que eu era apenas um frágil ser vivo; de onde: não sabiam.

Naturalmente, os braços em forma de asas, embora

não os fizessem voar, os ajudavam muito. Eles sabiam

também, que a falta daquilo, era a principal razão, de eu não

poder saltar tão longe ou de tão alto, quanto eles.

Novamente subiram todos nas árvores, sem, contudo,

fazerem questão que eu subisse e por isso, como fiquei

sozinho embaixo, pensei em fugir, mas sabendo que em

menos de um minuto, eles saltariam e me alcançariam, optei

apenas em me esconder atrás de um arbusto.

O bando de filhotes, saltaram em algazarra e não me

vendo, começaram a me procurar, ganindo muito entre eles.

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Conforme surgia oportunidade, procurava me afastar

mais e mais, até conseguir alcançar a trilha de volta ao rio,

onde, percebendo não ser mais visto, comecei a correr com

todas as minhas forças. Quando pensei que já podia me

considerar livre, eis que surgem dois deles, bem à minha

frente. Tentei me esquivar, mais eles eram mais espertos do

que eu podia imaginar e me agarraram com todas suas

forças, quase arrancando meus frágeis bracinhos infantis.

— Me deixe ir embora! — Pedi chorando.

Embora ganindo, de modo a achar engraçado minhas

lágrimas, mas sem dar bolas à elas, me arrastaram de volta

aos demais filhotes e em seguida, ao grande pátio, contando

o ocorrido, em sua linguagem, a um adulto. Este me levou à

presença da chefe, contando o ocorrido. Ela se abaixou

diante de mim, passou sua mão áspera em meu rosto

molhado de lágrimas e ganiu algo lentamente, como se fosse

uma palavra de ternura. Levantou-se a seguir, deu alguma

ordem aos dois machos, que, me segurando pelos braços, me

levaram até o pátio, onde, ganindo alguma coisa, me

apontou a floresta e me deixou sair.

Desconfiado, comecei a caminhar lentamente ao

rumo daquela densa floresta e então, percebendo que eles,

realmente me deixariam ir, comecei a andar mais rápido.

Então, eles começaram a me seguir.

Pela mesma trilha que me trouxeram, eu retornava:

atravessei a ponte de troncos de árvores, caminhei ao lado

do rio, até a cachoeira, onde tentei em vão, achar minha

cuéquinha, a que provavelmente o senhor Tony ou Rud,

encontrou. Continuei caminhando até a saída da floresta, de

onde podia ver o grande disco voador preto e dourado. Ali,

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Um menino no espaço – 2ª parte

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os dois deles, me seguraram novamente, evitando que eu

voltasse à nave. Percebendo que eles só queriam saber de

onde eu vinha e sabendo que eles me levariam de volta, só

me restava, na esperança que Tony ou Rud me ouvisse,

gritar chorando:

— Me ajudem…

Foi aí que eles me arrastaram correndo, de volta a sua

colônia.

Fui então trancado em uma sela de paus, onde

continuei chorando e eles sem se importar, se afastaram,

indo contar à chefe, o que viram lá no campo cerrado.

Quatro filhotes se aproximaram, comendo um fruto

diferente e a me ver ainda chorando, uma das fêmeas, me

apontou um daqueles frutos redondo, do tamanho de um

abacate marrom. Faminto, porém, sem muito apetite,

apanhei aquele fruto de polpa amarela, rachando-o com as

mãos, retirando sua única semente redonda, grande igual de

abacate e lentamente, experimentei seu sabor, pouco

adocicado. Era verdadeiramente um abacate, naquele

planeta distante.

A feminha, julgando ter feito uma boa ação, mostrou-

me seus dentes serrilhados brancos, no que seria um sorriso

e eu, com fome, devorei todo aquele fruto, observado por

eles, grudados à jaula, como se eu fosse um animal, em um

jardim zoológico interplanetário.

— Me deixe ir embora, por favor! — Pedi, na

esperança que entendessem.

Mas era claro que não me entendiam. Meu

aparelhinho tradutor, devia ter se danificado, em contato

com a água da represa.

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Celso Innocente

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Logo depois, apareceu a chefe, que, desamarrando a

porta da jaula e comentando algo com os filhotes, me

libertou, me deixando sair com eles. Fomos até atrás do

último dos barracões, a mais de quinhentos metros, onde

havia uma bica, jorrando água permanentemente. Os

filhotes, juntando-se a pelo menos outros dez, entraram

embaixo daquela água, na maior algazarra. Sabendo que não

conseguiria mesmo fugir, resolvi fazer o mesmo. Despi

daquela tanguinha de folhas, já murchas, devido o calor e

entrei no meio daquela farra molhada.

Ao longe, os adultos nos observavam sem cessar, pois

sabiam que a qualquer descuido eu fugiria.

Uns dez minutos sobre aquela bica e então, resolvi

sair. Tornei vestir minha tanguinha improvisada e

acompanhado pelos demais filhotes, fomos até uma árvore

alta, carregada daqueles frutos, que ganhara da feminha.

Três daqueles filhotes machinhos subiram com muita

facilidade na árvore e apanhando os frutos, jogavam um a

um aos demais.

Quando todos, inclusive eu, já estava com apenas um

fruto cada, eles, também com o seu, saltaram lá de cima,

caindo de pé. O interessante era que eles não esbanjavam

frutos. Distribuíam apenas um para cada filhote. Caso

alguém entre eles, quisessem mais, acredito que poderiam

apanhar; desperdiçar, jamais.

Agora aquela estrela mais baixa, porem mais quente,

a qual eu batizara como sendo “Estrela Tony”, já se escondia

por trás do horizonte daquele planeta, fazendo escurecer

bastante, já que a outra estrela, ainda não surgira.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Os filhotes me levaram de volta a chefe, que mesmo

sob minha recusa, me trancou novamente naquela jaula de

madeira, amarrando sua porta, com corda de cipó. Lá

dentro, me deitei sobre algumas peles, de algum tipo de

animal estranho. Quatro filhotes deitaram-se igualmente em

peles de animais, perto de mim, do lado de fora da jaula.

Prisioneiro, porém cansado, acabei adormecendo

logo, sem saber, até quando iria permanecer por ali. Apesar

de eles serem muito dóceis e com certeza não me fariam

nenhum mal, preferia muito mais, ser prisioneiro do senhor

Frene, do que daqueles seres, de certa forma, diferentes dos

humanos.

©©©

Cansado, dormi bastante e quando acordei, a outra

estrela, batizada como “Estrela Rud”, já havia surgido. Eu

me encontrava novamente nu, pois enquanto dormia, me

movimentava em sonhos e as folhas, haviam se rasgado,

permanecendo amarrado em minha cintura, apenas a fita do

galho de árvore. Todos aqueles animais diferentes continua-

vam dormindo, inclusive os filhotes, deitados em frente

minha jaula.

Levantei-me com cuidado e tentei desamarrar a porta

daquela jaula, mas logo percebi o quanto eles eram hábeis

nessa arte de amarração e aquela corda, bem feita, não me

deixou ter nenhum sucesso. Se pelo menos tivesse uma faca,

ou outro objeto cortante! Mas como? Se nem roupa para

vestir, eu tinha! Que horas para ser sequestrado, por

estranhos alienígenas! Justo quando me encontrava pelado,

peladinho, peladão!

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Já que não tinha nenhum sucesso, resolvi me sentar

num canto da jaula, onde aproveitei para cobrir a parte

inferior de meu corpo, com uma daquelas peles de animais.

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Um acidente

pós muito tempo sentado sozinho, um daqueles

filhotes, acordou, se levantou e veio me olhar

pela jaula. Levantei-me, cheguei até ele, fiz sinal com as

mãos, sobre as folhas de minha tanguinha improvisada.

Entendendo o que eu queria, ele saiu devagar, voltando logo

depois, com quatro folhas e uma tira de galho de árvore.

Deu-me duas folhas e aproveitou, para junto comigo, fazer

outra tanguinha para si, já que todos tinham perdido as suas,

muito antes de dormir.

Pouco depois, todos estavam de pé e eu continuava

naquela jaula, trancado. Os filhotes me esqueceram, saindo

para, talvez brincar lá fora e os adultos, às vezes passavam

por mim, dando uma rápida olhada.

Durante muitas horas, permaneci sozinho, com o

coraçãozinho batendo muito forte e triste.

— Preciso sair daqui! — Dizia sozinho. — Senhor

Tony! Senhor Rud! Quando virão me socorrer?

A

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Sozinho, comecei a chorar, mesmo sabendo, que

aquilo de nada adiantaria.

Uma fêmea adulta se aproximou, se abaixou diante

de minha prisão e como se jamais tivesse visto algo parecido

comigo, ficou me observando dos pés à cabeça. Fez sinal

para que me aproximasse. Resisti um pouco; mas depois,

sabendo que ela nada de mal me faria e talvez até me

ajudasse, resolvi atendê-la. Ela ganiu alguma coisa que eu

não sabia o que era e acariciou meus cabelos castanhos.

Fiquei olhando-a, com minha carinha de implorar piedade…

de choro mesmo…

— Me deixe ir embora, por favor! — Pedi calmamen-

te.

Ela não podia entender minhas palavras, mas enten-

deu perfeitamente o que eu queria dizer. Não só ela; todos

eles sabiam; inclusive os filhotes. Eu sim, não conseguia

saber, o que eles queriam de mim. Eu era apenas um frágil

menino da Terra. Que utilidade poderia ter para eles? Se eu

conseguisse pelo menos, uma maneira de me comunicar com

eles… Gostaria de saber, o porquê dos filhotes terem

desaparecidos; não só de mim, mas também das proximida-

des. Com certeza eles teriam ido para longe, pois quando

estavam por ali, a algazarra que faziam se ouvia a quase um

quilômetro. E tantas outras coisas.

Mas como já tinha notado antes, eu era um menino

de sorte. Aqueles seres estranhos pareciam ser de boa índole;

caso contrário, como sou para eles um etê, poderiam querer

me cortar em pedaços, para me estudar: ver como eram

meus órgãos internos, a cor de meu sangue e tudo o mais

dentro de mim. Oh doido sô!

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Aquela fêmea, talvez imaginando meus sentimentos,

levantou-se, abriu a porta da jaula, entrou em seu interior e

sentou-se a meu lado, forçando minha cabeça sobre seu

peito, acariciando todo meu corpo sentido, talvez, me

imaginando como um de seus filhotes.

Muito tempo se passou e aquela fêmea, continuou

comigo, conversando suavemente, em sua linguagem

estranha (Ah, se pelo menos meu aparelhinho não tivesse se

danificado na água!). Ela me fazia companhia e acariciava

meus cabelos, braços e peito, com um jeitinho tão especial,

que me fazia lembrar de mamãe. Parecia até que ela sabia

que meu coraçãozinho, estava há muito tempo, sentindo

falta de um verdadeiro carinho de mãe.

©©©

Só bem mais tarde, quando a estrela mais forte voltou

a brilhar, é que os filhotes retornaram. Foi quando a chefe,

resolveu abrir a porta da jaula e me deixar sair. Livre,

acompanhei quatro filhotes, até outro barracão, onde, com

um grande número de outros filhotes e adultos, fomos comer

alguns frutos, desconhecidos da Terra. Eram como marolos,

figos e caquis; mas todos com sabor bem diferente, porém

agradável.

O que mais me chamava à atenção, era a educação e a

disciplina de todos, inclusive dos filhotes, mesmo os

menores. Todos se sentavam no chão e recebiam alguns

frutos; comiam os que quisessem e os demais eram

devolvidos, para serem usados novamente.

Para mim, o mais saboroso ou gostoso, era o que se

parecia com abacate, inclusive no formato, na cor e no sabor.

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Após aquele lanche, acompanhado por uns dez

filhotes machos, saímos juntos em direção à floresta, por

novos caminhos, ainda ignorados por mim.

Dez minutos de caminhada, por uma trilha pouco

usada, passando por árvores frutíferas, chegamos a um rio,

que até poderia ser o mesmo, onde eu havia estado antes de

ser capturado; porém, em outro ponto.

Ali não havia cachoeira, mas a água represada era em

maior quantidade e igualmente limpa. Havia uma grande

árvore, tombada sobre a água represada, onde aqueles seres

usavam como trampolim, apesar de ter uma altura razoável,

talvez uns três metros.

Assim que chegamos, alguns filhotes, rapidamente

subiram naquela árvore e lá do alto, saltavam na água.

Outros saltavam do barranco. Saltavam de pé, de pirueta, de

mergulhão… como sempre, na maior algazarra e gritaria,

que como já disse, com certeza era ouvida lá de onde

vínhamos.

Aproveitando o calor que fazia, me despi também,

tirando inclusive meu aparelho tradutor do pescoço, que já

estava danificado, mas que ainda poderia ter conserto

quando chegássemos a Suster. E então, como não tinha

coragem de pular da árvore, onde no mínimo, quebraria o

pescoço, entrei pela parte plana, a qual mais se parecia com

uma bela praia.

Os filhotes, ao contrário de mim, eram muito ágeis:

Ágeis no salto, ágeis na água, ágeis em nado, ágeis em tudo.

Mergulhavam naquelas águas, só voltando à tona, em pelo

menos quatro minutos depois. Se não fosse a transparência

daquelas águas límpidas, eu diria que eles haviam morrido

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afogados. Até pareciam com anfíbios e que conseguiam

respirar debaixo d’água.

A diversão e a algazarra eram gerais, por todo aquele

bando de seres diferentes e até mesmo por mim, é claro. Às

vezes, assim me esquecia que era prisioneiro.

Durante toda aquela diversão, eles nem se preocupa-

vam em me vigiar e, foi por isso, que de repente, resolvi

bolar outro plano de fuga. Sairia de mansinho da água e

quando eles dessem por minha falta, já estaria de volta à

nave.

Foi quando, de repente, lá do galho mais alto,

daquela árvore tombada sobre a cachoeira, saltou o mais

velho dos filhotes e lá na água, surgia à tona, o mais jovem

deles, que teria se fosse um menino da Terra, seus seis a sete

anos de idade.

Acidentalmente, o jovem que saltou, pela força da

gravidade, caiu forte sobre o menorzinho dentro d’água,

batendo com muita força, seus pés sobre o rosto do pequeno.

Aquele pequenino, afundou, retornou à tona e sem sentidos,

tornou a afundar. Eu, que estava quase ao seu lado,

mergulhei, apanhei-o e puxei-o para cima, segurando-o pelo

braço e gritando, ao chegar à margem:

— Me ajudem aqui!

Mesmo sem entender minhas palavras, um dos

filhotes que se encontrava na água, agarrou o amigo com

facilidade e o entregou para o outro que estava fora da água,

que o colocou deitado sobre o solo.

Todos saíram da água, inclusive eu e vendo o

pequenino inerte, aproveitando cenas vistas em filmes, com

as duas mãos, procurei fazer-lhe massagem cardíaca por

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alguns segundos, sendo observado pelos demais filhotes.

Percebendo que aquilo, de nada estava adiantando,

procurei fazer-lhe respiração artificial, soprando com toda a

pequena força de meu pulmão infantil, para dentro de sua

boca e fazendo gestos, para que um dos filhotes me ajudasse

na massagem cardíaca; o que, apesar de não entender nada

do que estava fazendo, ou para que servia aquilo, um deles

me ajudou prontamente.

Demorou pelo menos uns três minutos, que mais

pareceram três séculos, para que o pequeno desse algum

sinal de vida, balançando a cabeça e abrindo os grandes

olhos, num ganido choroso…

Percebendo o sucesso, suspirei aliviado e sorri

contente. Os demais filhotes, ignorantes a este tipo de

cuidado, continuaram em silêncio, talvez não acreditando,

que o amigo pudesse ter voltado à vida.

Talvez e provavelmente, o pequeno nem mesmo

tivesse sofrido uma parada cardíaca ou respiratória, teria

sofrido apenas um forte desmaio devido a pancada na

fronte. Mas meus simples dez anos de idade, não permitia

diferenciar isto.

Tornei a vestir minha singela tanguinha, enquanto o

pequeno se levantava lentamente e ninguém mais retornou

aquela água, que agora tinha uma aparência triste e

assustadora.

— Você está bem? — Perguntei ao pequenino.

É claro que ele nada me respondeu.

Devagar, retornamos ao pátio e novamente, meu

plano de fuga se tornara em vão.

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Durante todo o caminho de volta, o silêncio era geral.

Todos estavam muito tristes com o ocorrido e ao mesmo

tempo, encantados com meu método de socorro. O problema

será no futuro, no caso de alguma morte real, alguém pensar

que poderá ressuscitar o infeliz, com o método aplicado ali,

crendo ser um tipo de milagre.

De volta ao pátio, todos se mantiveram em silêncio,

talvez na intenção de ocultar o ocorrido. Mas, assim como na

Terra, lá também, os adultos não são nada bobos e descon-

fiam de tudo; então, percebendo que algo não estava certo,

resolveram interrogá-los, vindo rapidamente descobrir o

ocorrido.

Todos os filhotes envolvidos foram colocados de

castigo, dentro da mesma jaula em que eu estivera

prisioneiro. O menorzinho ferido e eu fomos levados a outro

barracão, onde, duas fêmeas examinaram o ferido, deixando-

o em seguida de repouso, em uma cama muito baixa.

Aquelas fêmeas devia ser um tipo de médicas deles e

então, mandou que buscassem o filhote, que me auxiliou nos

primeiros socorros, levou-nos a outra saleta, onde, o

interrogou, ficando sabendo como se dera o salvamento.

Com isso, uma das fêmeas, se aproximou e acariciou meus

cabelos, murmurando algo, que deveria ser um tipo de

agradecimento.

Novamente, fazendo gestos com as mãos, pedi muito

triste:

— Deixe que eu vá embora!

Ela me entendeu perfeitamente e com a cabeça negou

meu pedido, dando a entender, que não caberia a ela, dar

minha liberdade.

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Buscou uma vasilha de bambu, com um tipo de suco

avermelhado, me entregando e então, tomei devagar. Tinha

sabor de amora sem açúcar e não estava gelado, mas serviu

para matar minha sede.

©©©

Quando voltou a escurecer, os filhotes foram liberta-

dos, esvaziando a jaula, dando lugar a seu novo prisioneiro:

eu. Deitei-me sobre as peles de animais e fiquei durante

muito tempo, imaginando um plano de fuga. Até que,

exausto, adormeci.

©©©

Novamente, acordei primeiro do que todos. Minha

tanguinha havia desaparecido durante o sono e então,

novamente nu, me protegi com a pele de animal,

permanecendo sentado, ali no canto da jaula.

Devo ter ficado pelo menos uma hora, ali sentado

sozinho, até que uma dos filhotes fêmea acordou e veio junto

à jaula. Fiz-lhe sinal, para que buscasse duas folhas de árvore

para mim. Ela correu até a árvore de folhas largas, voltando

a seguir, com as folhas nas mãos, me entregando e então, fiz

nova tanguinha. Naquele planeta, todos andavam muito

bem à vontade, estando nus, mas eu, recém-chegado, apesar

de muito criança, sentia tímido de estar assim, pois o

costume da Terra, era diferente. As roupas pareciam fazer

parte da gente. Sem elas, parecia que faltava um pedaço em

mim.

Quando fiz minha primeira tanguinha de folhas, os

filhotes seguiram meu exemplo, fazendo também. Mas

parece não terem gostado, porque, pouco depois, já estavam

quase todos nus, novamente.

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Algum tempo depois, todos os filhotes se levantaram

e desapareceram como no, digamos, dia anterior, me

deixando sozinho, trancado naquela jaula, por longas horas,

que mais parecia uma eternidade, sem ter nadinha para se

fazer. Às vezes um dos adultos se aproximava e ficava me

admirando, me fazendo mesmo parecer, um macaquinho

enjaulado.

Só quando a estrela mais forte voltou a brilhar, é que

eles retornaram apavorados, ganindo muito ardido,

contando alguma coisa para a chefe e os demais adultos, que

começaram a me olhar muito, com cara de certo pavor e de

jeito apreensivo, como se eu tivesse feito a coisa mais terrível

daquele mundo.

Alguma coisa, certamente não estava bem e eu não

sabia o que era. Todos persistiam me olhando muito, me

deixando muito assustado. Apavorado mesmo! Será que o

filhote, que havíamos salvado na água, teria morrido? Não

vira mais ele, desde então. Gostaria de perguntar. Mas

como? Se eles não me entendiam.

Os ganidos desesperados deles continuavam e eu

sabia que deveria ser muito grave, pois, geralmente eles

eram bastante calmos. Só podia ser: O filhote havia falecido e

agora, eles me acusariam. Sabe-se lá o que iriam querer fazer

comigo.

Pouco depois, chegava à resposta para minhas

dúvidas. O filhote não havia falecido. O que acontecia, era

que o senhor Rud, trazendo um de seus filhotes, entrara

naquele barracão e seguira direto até a chefe. Fiquei feliz em

vê-lo e sabia que todo o mal era aquele. O filhote ganiu

muito com a chefe, que seguida pelo então novo visitante,

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veio até minha jaula. Sorri contente e meu salvador, piscou o

olho direito. A chefe abriu a porta da jaula e fez sinal para

que eu saísse. Obedeci imediatamente, abraçando o tal herói

do dia, que me perguntou:

— Você está bem? Peladão!

— Não estou pelado! — Neguei.

— Quem fez esta roupa chique pra você?

— Como veio até aqui?

— Com a ajuda do bichinho!

— Ele foi te buscar?

— Nós o raptamos!

— Nós!

— Eu e Tony! Pegamos três deles! Dois continuam

com a gente na nave, o outro veio comigo, te buscar.

— O senhor não vai levar eles conosco! Vai?

— Claro que não! Eles são apenas reféns, para

trocarmos com você!

— Como sabia que eu estava aqui?

— Ouvimos quando você pediu socorro, perto da

nave.

— E por que demorou tanto pra me socorrer?

— Tentamos! Até conseguirmos estes três álibis!

Ao sairmos, a chefe, seguida por outros dois adultos,

nos acompanhou. Na entrada para a trilha da floresta, parei,

olhei para trás e pedi:

— Espere um pouco!

Saí correndo, indo até o local, o qual seria a

enfermaria, ver o filhote ferido. Só que tive uma pequena

surpresa: ele já não se encontrava mais lá. Olhei para a

médica, como a perguntar por ele. Ela, apenas mostrou seus

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dentes serrilhados, como se fosse um sorriso e então percebi

que ele estava muito bem. Voltei até o senhor Rud e

tomamos nosso caminho, rumo à nave.

— O que houve com você, Regis? — Perguntou-me

ele.

— Eles me pegaram!

— Por que deixou sua cueca na beira do rio?

— Estava nadando!

— Ficou com vergonha deles?

— Não tive tempo! — Ri. — Estava com medo!

— De nós, que te amamos, você tem vergonha! Deles,

que te prenderam, você não tem?

— Claro que não! Todos eles, até as fêmeas andam

pelados!

— Eles te fizeram algum mal?

— Não! São boa gente! Só não me deixavam vir

embora.

Chegamos à espaçonave e quando íamos entrar, a

chefe, ganiu brava, me segurando pelo braço.

— Ela quer que eu espere! — Insinuei.

Em seguida, o senhor Tony, desceu com os dois

filhotes capturados e eu tive outra grande surpresa: um deles

era o que sofrera acidente, no dia anterior.

Os dois foram libertados e eu também. O mesmo do

acidente se aproximou, me olhando timidamente. Então sorri

a ele, piscando simultaneamente um olho. Eles tomaram o

caminho, de volta à suas casas.

Dentro da nave, o senhor Rud, puxou as folhas de

árvore, as quais eu usava como tanguinha, rasgando-as e em

seguida, mostrando-me minha cuéquinha, disse:

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— Sabe o que é isto?

— Me dê aqui! — Pedi.

— Tem vergonha de nós?

— Não tenho! Mas não vou ficar pelado!

— Então venha pegar!

— Me dê aqui! — Pedi, correndo atrás dele.

Jogou-a ao senhor Tony, que caçoou:

— Venha buscar, Regis.

Virei-me a ele, exigindo:

— Me dê aqui senhor Tony! Não gosto desse tipo de

brincadeira!

— Pegue Regis, pegue!

Jogou-a para Rud, por cima de mim, mas errou, ou

fingiu errar o cálculo e então a apanhei. Vesti-a rapidamente

e fui até meu quarto, onde vesti o resto de meu uniforme

escolar, sempre acompanhado pelo senhor Rud.

— Pensei que não iríamos encontrá-lo nunca mais,

garoto.

— Aposto que nem se preocuparam!

— Não!? Naquele mesmo dia, acabamos de consertar

a nave e fomos até o rio, para te buscar. Só encontramos sua

cueca, o resto de você havia desaparecido. Puxa, que susto

você nos deu!

— Como assim?

— Pensamos que você tivesse morrido afogado!

— Que isso! Sou bom de natação!

— Não sei!… Logo percebemos que a coisa não era

tão grave assim! A água limpa deixava a gente ver o fundo

da represa e você não estava lá.

— O senhor disse que não era tão grave!

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— Chegamos a pensar também, que algum monstro

alienígena tivesse te devorado.

— Credo!

— Mas preferimos pensar que você tivesse se perdido

e logo apareceria. Não era mesmo tão grave!

— Eu estava prisioneiro, pelado… e o senhor acha

que não era tão grave?

— Se tivesse morrido, não seria mais grave?

— Esqueceu que sou imortal, estando com vocês?

— Em Suster! No planeta em que estávamos não!

— Qual planeta, o senhor se refere?

— Mark III. Lembra?

— Não estamos mais?

— Já estamos voltando pra casa! A milhões de

quilômetros por segundo!

— Consertou a nave?

— Com certeza!

— Logo estaremos em Suster?

— Assim que conseguirmos reencontrar o caminho

novamente.

Corri para a cabine da nave, onde pude reparar que

era verdade o que o senhor Rud, falara. Já estávamos

novamente cortando o espaço sideral, rumo ao planeta

imortal. Sentei-me na poltrona do co-piloto.

— Tudo bem agora, senhor Regis? — Perguntou-me o

senhor Tony.

— Agora está! Tem uma coisa que não entendi até

agora, senhor Tony! Por que aqueles seres estranhos, não

podiam me entender, apesar de estar usando o aparelhinho?

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— Não sei dizer, garoto! Talvez este aparelho não seja

tão sofisticado assim!

— É, Regis! — Insinuou o senhor Rud, que se

encontrava de pé, atrás das poltronas. — Acho que este

aparelho, só serve mesmo, pra traduzir a minha linguagem e

a sua!

— Não, senhor Rud! — Neguei. — Quando estava no

planeta de Mira, ela me entendeu perfeitamente. Quando fui

para a NASA, nos Estados Unidos, onde eles falam Inglês,

eles me entenderam perfeitamente!

— É verdade! Talvez sirva para alguns lugares.

— Quem é o povo do planeta Mark três? —

Perguntei.

— Os markianos! — Riu o senhor Rud.

— O que você ficou sabendo sobre eles Regis? —

Perguntou-me o senhor Tony.

— Eles não têm vergonha de andar pelado; são muito

eficientes em natação, salto em altura e distância; não brigam

entre si; são organizados; não desperdiçam nada e parecem

ser muito bons! Quando voltar pra Terra, acho que vou levar

alguns pra participar de nossas olim...píadas! — Insinuei

brincando.

— Você ficou preso naquela jaula, durante todo

tempo? — Perguntou-me o senhor Rud.

— Não! Tomei banho, nadei, brinquei! Ajudei a

salvar aquele filhotinho que o senhor capturou…

— Então lá estava melhor do que aqui! — Caçoou o

senhor Tony. — Aqui você fica preso!

Uma sombra de tristeza dominou meu semblante:

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— Mas aqui eu tenho esperança de voltar pra minha

casa!

— Ainda continua com essa idéia? — Insinuou o

senhor Rud.

— Nunca mudarei de idéia! Por mais que vocês me

tratem bem!

— Que ingrato! Não? — Alegou o senhor Tony.

— Não sou não senhor! Vai me dizer que o senhor

não sente saudades de seu planeta?

— Tudo bem, Regis! — Entendeu Tony, que

realmente já sentia muitas saudades de Suster. — Concordo

com você!

— O senhor tem família? — Lhe perguntei, já que

estávamos no assunto de saudade.

— Minha esposa Lariana, dois irmãos semelhantes a

mim e meus pais! Alem de tios e primos... Uma grande

família. Acho que só me falta mesmo um filhinho!

— Sinto muito! — Senti pena daqueles dois homens e

do senhor Frene... E de todos os susterianos. E me senti

importante por ser um filho... De meus pais...

O senhor Rud, se retirou e eu continuei ao lado do

senhor Tony, lhe contando o que acontecera comigo, no

planeta batizado por mim de Mark III.

— Como eu seria feliz, se você topasse ser meu

filhinho, — Insinuou o senhor Tony, com certa tristeza nos

olhos. — a quem eu veneraria com todo meu amor...

Confesso que senti lágrimas de compaixão. Porém

aleguei:

— Gosto muito do senhor, senhor Tony! Quase tanto,

como gosto de meus pais!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Ele sorriu com os olhos marejados de lágrimas.

A velocidade de nossa espaçonave era inacreditável,

pois faríamos nossa viagem de oitenta e sete anos-luz; ou

seja, uma distância de quase vinte e sete parsecs6, em apenas

trinta dias susterianos, que era o mesmo que setenta e um

dias terráqueos. Às vezes passávamos por parte escura no

espaço; às vezes, por parte clara; às vezes o infinito se

tornava azul escuro, às vezes rosado, às vezes amarelado (Sei

que já relatei isto, mas é preciso repetir, para que consiga

entender meu drama... minha aventura). Quando, um ser

humano, criança de minha idade, poderia pensar em tal

viagem pelo espaço? Uma espaçonave, cortando milhares de

vezes a barreira da velocidade da luz, que é de míseros

trezentos mil quilômetros por segundo.

— Como alguém pode acreditar que esta espaçonave

consiga velocidade tão grande? Não consigo entender como

ela pode voar mais rápido do que a luz!

— Fora de sua atmosfera, existe um vácuo complexo

do Universo. Nesse lugar, a massa é menos densa e a

velocidade se torna muito diferente. Graças a esse e outros

fatores mais complexos ainda, a gente consegue desenvolver

velocidades, que em sua atmosfera, ou em qualquer outra,

desintegraria qualquer material. Você já viu estrela cadente?

— Muitas!

— São apenas pedaços de matérias que vagam pelo

espaço. Seu povo chama de meteoros ou meteoritos. Eles não

são brilhantes como se vêem. O que acontece é que, devido a

6 [Astronomia] Unidade astronômica de distância equivalente à distância

de uma estrela cuja paralaxe anual seria de um segundo. (O parsec equivale a 3,26 anos-luz, ou seja, 3,08.1013 quilômetros.)

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Celso Innocente

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alta velocidade em que vagam pelo espaço, quando atinge

sua atmosfera, se desintegram, em bola de fogo, que pode

ser maior do que sua cidade inteira.

— Quando vocês entram em nossa atmosfera, o que

acontece?

— Acho que já lhe falei que nossa nave é construída

de um material meio líquido, assim como estanho derretido.

Mesmo assim, em contato com sua atmosfera nossa

velocidade é reduzida a um décimo da real, por questões de

segurança.

— Se as estrelas cadentes se incen...deiam ao chegar

na atmosfera, tudo bem que com esta nave não aconteça o

mesmo. Mas e o calor por qual ela passa? Não torra a gente

aqui dentro?

— Estamos dentro de um poderoso isolante térmico!

Nada do que se passa do lado externo nos atinge aqui

dentro!

— Tem certeza? — Franzi o rosto.

— Cinco mil anos de experiência! — Riu ele. — Esta

nave foi desenvolvida para enfrentar todas as tribulações do

Universo! E até dos multiversos!

— Como pode ter certeza?

— Os maiores perigos no espaço sideral, alem dos

grandes buracos negros maciços, são os ventos estelares,

carregados de radiação. E a gente sobrevive a isso.

— Quando conseguiremos encontrar o caminho de

volta?

— Não sei ainda! Mas confesso que estou muito

ansioso em reencontrá-lo logo.

— E como saberemos, quando encontrarmos?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Mostrou-me no painel, uma luzinha amarela,

apagada, dizendo-me:

— Assim que voltarmos a nossa rota original, esta

luzinha vai se ascender.

— Então precisamos ficar de olho nela?

— É! Mas acho bom você ir descansar um pouco, em

seu quarto.

— Não estou cansado!

— Então façamos o seguinte: Vou conversar um

pouco com Rud e você fica aqui. Pode ser?

— O senhor confiaria em me deixar aqui?

— E por que não?

— Estou com muitas saudades da Terra! Poderia

desviar a nave pra lá!

— De que jeito? Se estamos fora de rota?

— É! O senhor tem razão! Pode confiar em mim!

— Deixe a nave seguir sempre no automático, pra

que ela encontre a rota. Tudo bem?

— Sim senhor!

Quando ele já saia da cabine, o chamei:

— E se a luzinha ascender, o que faço?

— Dê um salto de alegria! — Riu ele.

— E o que mais?

— Mais nada! — Deu de ombros, ele. — Deixe que a

nave viaje feliz de volta pra casa!

— Sua casa... — Dei leve sorriso triste.

Ele se retirou, então me sentei em seu lugar, apenas

para observar o espaço e principalmente a luzinha amarela,

que continuava apagada. Alem do mais, antes que ela se

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ascendesse, com certeza, já estaríamos novamente em

contato com Malderran.

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Celso Innocente

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Chegada a Suster

urante muito tempo, segui sozinho naquela

cabine, a princípio, brincando de piloto de

aeronave poderosa, fingindo apertar cada botão e até mesmo

conversando sozinho, pelo microfone ligado com ninguém,

alem de permanecer atirando com poderosas armas espaciais

imaginárias, contra uma frota de alienígenas assassinos, que

tentava me capturar.

Depois de uma hora, perdi tal interesse e sem ter o

que fazer, ou com quem conversar, fui ficando sonolento e

acabei adormecendo.

Pouco depois, acordei assustado, com o senhor Rud,

balançando minha poltrona e dizendo:

— Belo guardião é você! Não, garoto?

D

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— O que houve?

— Você estava de guarda e acabou dormindo!

— Não há problema algum! A nave está no automáti-

co.

— Isso é verdade! Mas acontece que estamos

procurando nossa rota original. Caso você esteja dormindo

quando a nave chegar nela, passaremos direto e continuare-

mos perdidos. Portanto: cada um de nós, que ficar aqui na

cabine, deve manter os olhos bem abertos.

— O se...nhor... Tony disse... que ela mesmo corrige a

rota.

— Não é bom acreditar nisso! — Negou ele. — Não

confio muito!

— Nossa! E se enquanto eu dormi, nós passamos por

ela?

— Não acredito que você tenha dormido tanto! E

depois, antes de chegarmos a nossa rota, o senhor Frene vai

nos acordar!

— Será que ainda vai demorar?

— Pra que?

— Acharmos nosso caminho de volta!

— Não sei! Pode demorar uma hora; um dia, cem

dias…

— O senhor não está com medo?

— Claro que estou, Regis! A gente pode ter se

desviado de nossa rota pra sempre e jamais reencontrá-la.

— Nã... Não... Senhor Rud! — Gaguejei assustado. —

Isso não vai acontecer!

— Reze a seu Deus, para que não aconteça mesmo!

Peça pra que Ele nos ajude. Você não tem sua poderosa fé?

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— Se minha fé fosse poderosa, eu não estaria aqui!

Concorda?

Pensei um pouco e continuei:

— E se Ele estiver zangado conosco?

— Por que estaria?

— Porque vocês querem mudar o destino de seu

planeta e o meu destino também!

— Como assim?

— Já falei mais de uma vez! Meu destino é viver na

Terra! É lá que eu nasci! O destino de seu planeta é não ter

mais crianças! Vocês querem mudar isso! Não está certo!

— Regis: Deus não está zangado conosco, por causa

disso não! Pode acreditar!

— Como sabe?

— Eu sei! Só queremos ter você conosco!

— Mas eu não quero ir pra lá! O senhor sabe disso

também!

— Garanto que você vai acabar gostando.

— Não vou nunca! — Neguei bravo. — Prefiro ficar

na Terra, com a Beth, com Erick, com Luecy, com meus pais

e outros colegas; do que ir a um planeta tão distante, onde

vou ser sempre criança, mas não terei com quem brincar.

Não terei ninguém!

— Muito bem! Você diz que não terá ninguém. Não

adianta lhe oferecer amizade, querer o seu bem… você é

ingrato mesmo!

Diante da atitude do senhor Rud, senti o coração

bater mais forte; um aperto na garganta. Sem dizer nada, me

levantei, fui direto a meu quarto, deitei-me de bruços e

estava novamente chorando. Eles não queriam me entender

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Um menino no espaço – 2ª parte

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e eu já me decidira: não lhes dar mais atenção; não conversar

mais com eles; ignorá-los e ficar sozinho, trancado em meu

quarto. Torcia para que jamais encontrassem o caminho de

volta a Suster. Alem do mais, com raiva, tirei meu

aparelhinho tradutor de meu pescoço. O bonito acessório, o

qual tanto estimava e o atirei com toda minha força, contra a

parede da nave, fazendo-o em dezenas de pedaços.

©©©

Fiquei sozinho por várias horas. Chorei bastante e

com os olhos cheio de lágrimas, rolei na cama, mas... de

barriga pra cima, continuei deitado, olhando os pormenores

daquele quarto, de paredes douradas; aquela elegante

mobília de acrílico, com a cama azulada, forrada por tecidos

de seda e lã; as paredes espelhadas, por onde me admirava,

me sentindo sofrido; a porta que se abria com o simples

desejo, de alguém querer entrar ou sair…

Muito tempo depois, a porta se abriu e entrou o

senhor Rud. A primeira coisa que ele viu, foi meu

aparelhinho, jogado no chão, todo quebrado. Apanhou todos

os pedaços, me dizendo a seguir:

— Ist ny trul mir 1 tresyiri roch gusgs i 1 fracinu esc 1

kusth is crapishunint i sispuntir.

— Não entendo porcaria nenhuma do que está

dizendo! — Neguei bravo.

Ele se retirou, xingando palavras que nem ele mesmo

sabia o que era e eu continuei deitado, soluçando.

Um minuto depois, ele retornou dizendo:

— Como se pode dar um presente caro desses, a um

moleque, sem um pingo de responsabilidades e gratidão!

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— Sou mesmo um moleque! — Insinuei, ainda

chorando. — Não é uma criança que vocês querem? Criança

é assim como eu! Má! Ingrata! Sem educação! Chorona...

Ele usava um aparelhinho tradutor, igual ao que

quebrei. Se retirou, me deixando novamente sozinho.

Embora, muito arrependido, em ter quebrado aquele

ótimo presente, continuei deitado, me olhando nos espelhos

e pensando mil bobagens.

— Quebrei mesmo! — Pensava magoado. — Odeio a

todos eles e queria que esta nave pegasse fogo! Bem que eu

poderia ter ficado em Mark três! Pelo menos lá, os bichinhos

brincavam comigo.

Pouco depois, quem entrou foi o senhor Tony.

Também usava um daqueles lindos aparelhos, pendurado

em seu pescoço. Sentou-se a meu lado, perguntando-me:

— O que houve com seu aparelhinho?

Não respondi. Confesso ter sentido remorso.

— Regis, quando alguém nos dirige à palavra, é

muito feio, fingir ignorância.

Continuei calado.

— Você brigou com Rud. Eu não tenho culpa disso!

Nem seu aparelhinho tinha!

Continuei calado.

— Sabia que custa muito caro, um aparelho daquele?

Sabia também, que aquele não tem mais conserto?

Apenas franzi os lábios.

Vendo que eu nada respondia, ele insinuou:

— Tudo bem! Brigou com Rud e ficou com raiva de

mim também! Não é? Não mereço, mas aceito! Quando você

resolver conversar, vá até a cabine. Estarei lá e apesar de

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Um menino no espaço – 2ª parte

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você me ignorar, não farei o mesmo. Porém, aqui neste

quarto, não voltarei.

— Não estou pedindo! — Só pensei.

Acho que meu silêncio era minha maior vingança.

Ele se retirou. Continuei deitado, pensando as

maiores bobagens do mundo.

Não mais do que cinco minutos depois, ele retornou

sorrindo, muito alegre; deitou-se comigo, me abraçando e

dizendo:

— Conseguimos encontrar nossa rota original.

Estamos novamente a caminho de Suster.

A grande novidade, não mudou em nada minha

fisionomia. Eu continuava carrancudo e mudo.

— Você não percebe garoto! Nós estamos salvos e em

breve estaremos em casa!

— Eu não estarei em casa e não estou feliz! Sou

ingrato; sou mal educado; sou arteiro. Sou tudo o que vocês

quiserem e nunca vou estar feliz junto de vocês. — Estava

chorando novamente.

— Só não quero que você seja mal educado comigo,

Regis! Sou seu amigo!

— Se você fosse meu amigo, teria me deixado na

Terra!

— Vamos fazer o seguinte: vou deixar você aqui,

quietinho, porque você está nervoso e fica brigando comigo,

que não mereço. Quando seu nervosismo acabar e você

quiser conversar, vá realmente à cabine. Está bom assim?

Nada respondi e ele se retirou novamente.

Agora a nave consertada, seguia em direção a Suster.

Com certeza, o senhor Frene e todos de lá, já sabiam das

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novidades. Eu imaginava todos felizes, apenas eu estava

triste, pensando em meus familiares e amigos. Parecia que

estava vendo, todas as crianças da escola, no intervalo do

recreio, na maior algazarra, brincando de salva, rela-rela, ou

mesmo, conversando num grupinho, com as meninas e

outros meninos. Fazia muito tempo que não participava

daquilo. Parecia que todos meus amiguinhos estavam

crescendo e eu, continuando na mesma; um garotinho,

aparentando seus nove anos de idade e sabendo, que já

deveria estar com onze. Ou quase.

A viagem prosseguia calma. Só que meus

companheiros, não retornaram mais a meu quarto e também

não fui à cabine visitá-los. Estava sozinho e continuava

muito aborrecido; principalmente com o senhor Rud, que

fingia não entender meu sofrimento... minha saudade...

meus sentimentos. Acho que ele não conseguia entender as

crianças; não devia saber que eu também tenho coração. Ele

deve ter se esquecido, que também já foi criança um dia; se

bem que já fazia muito tempo (muito tempo mesmo)!

Faminto, me dirigi à saleta de refeição, abri a

geladeira, apanhei uma caixinha comestível, com produto

em conserva em seu interior. Abri-a e comi seu conteúdo,

com uma colherinha. Uma pasta branca, a qual na Terra seria

queijo. Devorei também a caixinha e então, lentamente,

retornei a meu quarto, apanhei meu material escolar, sentei-

me na cama, apanhei meu caderno de tarefas e um lápis,

onde, sozinho, fui fazer a lição, que há muito tempo, minha

professora, dona Regina, havia passado:

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Acabando de fazer as tabuadas, à tarefa continuava,

mas, sabendo que de nada adiantaria mesmo fazê-la, resolvi

parar, guardar meu material, apanhar um carrinho à fricção,

tipo Passat, que sempre carregava na bolsa, sentar-me no

chão e brincar sozinho, embora a fricção estivesse com

defeito.

Pouco depois, entrou o senhor Tony.

— Vejo que resolveu brincar! — Insinuou ele. — É

assim que se deve fazer.

Levantei-me com o carrinho, tornando a guardá-lo na

bolsa escolar.

— O senhor Frene está no rádio. — Disse-me ele. —

Ele quer falar contigo.

— Não quero falar com ele!

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— Como não quer? Você não sabe o que ele quer

falar! Pode até ser alguma coisa boa!

— Pra mim! Duvido!

— Vamos lá Regis! Deixe de chatice!

Pegou–me no colo, jogou-me em seus ombros e me

levou à cabine, onde, me sentei ao lado do senhor Rud.

— Ist niskrow nark fracindu? — Perguntou-me o

senhor Frene pelo rádio.

Não entendi pissirica. O senhor Tony tirou seu

aparelhinho, colocando-o em meu pescoço.

— Hem! — Exclamei.

— Como você está garoto? — Tornou a perguntar-me

ele.

— Nem um pouco bem! — Respondi, sem olhar para

o monitor.

— Por quê? O que aconteceu?

— Fui sequestrado, estou preso, torturado e quero

voltar pra minha casa!

— Calma aí! Você nem chegou à Suster ainda!

Digamos que você só esteja vindo nos fazer uma visita!

Então, com pequeno sorriso, olhei para o monitor de

tevê e perguntei contente:

— Quer dizer que o senhor vai me devolver à Terra?

Ele se embaraçou e apenas disse:

— Vamos conversar!

— Não quero conversar! — Neguei bravo. — Quero

voltar pra casa!

— Regis, você é tão bom, garoto! Não faça assim!

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— Eu não sou bom garoto não, senhor Frene! Sou

muito mau e não gosto de nenhum de vocês! Tá bom? E só

quero voltar pra minha casa.

— É isso aí! Você não é mau; só quer voltar pra sua

casa! Vamos chegar até Suster, rever o Mark três, a Leandra,

conversar um pouco…

— Ta bom! Vou até aí! Mas depois, quero que o

senhor me prometa, que vai me levar de volta!

— Acabe de chegar até aqui. Então a gente senta e

conversa pessoalmente sobre isso. Tudo bem?

— Tá!

Levantei-me e saí para meu quarto.

©©©

Fazia sessenta dias susterianos, ou seja: cento e

quarenta e dois dias terráqueos, que havíamos saído da

Terra. Para mim, apesar da saudade, revolta, tristeza e stress,

que na verdade fazia o tempo parecer mais longo, dentro da

nave, era como se não fizesse nem duas semanas. Estávamos

em quatorze de Janeiro de um mil novecentos e oitenta e

dois, Quinta-feira. Já teria perdido mais um ano escolar,

perdendo com certeza, também, todos aqueles novos

coleguinhas, que conquistara no mês de março passado.

Nossa espaçonave pousava novamente; só que desta

feita, no local certo: o gigantesco campo de pouso de Malder-

ran, conhecido por eles como astródromo, que ficava à frente

da gigantesca e grã-fina residência do senhor Frene, que era

uma espécie de governo geral, daquele imenso planeta

metálico.

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A porta se abriu e eu, com meu material escolar, saí à

frente dos dois astronautas, diante de muita gente e de

várias câmeras de televisão.

Suster, como já disse, é um planeta rochoso, muito

semelhante à Terra, porém, muito mais avançado, com suas

casas construídas em aço ou níquel; que alem de ser um

metal bem trabalhado, se enfeitava com cores diversas,

vitrificadas, ardendo nos olhos, devido o reflexo de suas

duas estrelas: Brina e Kristall. Os carros, construídos em

metal, com duas rodas azuis, iguais às rodas de um rolo

compressor, só que de um material tipo borracha; sem faróis,

porém com quatro setas e luz de freio, que também ascende

em vermelho. É como se fosse um pequeno iate, navegando

no solo.

Sabendo que seria correspondido, apesar de pouca

vontade, mas para me mostrar menino educado, acenei para

os presentes e sem nada falar, seguimos para a residência, ao

encontro do todo-poderoso, senhor Frene. Atravessamos o

longo pátio, o jardim de entrada, andamos pelo longo e belo

corredor e após a porta se abrir sozinha, entramos na

gigantesca sala do computador, onde, por trás da grande

escrivaninha de metal e acrílico, à nossa espera, estava o

senhor Frene, que se levantou com a nossa chegada.

— Novamente missão cumprida, senhor Frene! —

Insinuou o senhor Tony.

— Suponho que tenha sido uma experiência incrível,

esta viagem! Não?

— Foi sim! — Confirmou Tony. — Um pouco

assustadora, mas conseguimos!

— E você Regis? Teve medo, ou não?

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— Ainda estou com medo! — Insinuei, realmente

com o coração apertado.

— Agora estamos todos a salvos! Não há o que temer!

— Vamos descansar! — Insinuou o senhor Rud.

— Podem ir e muito obrigado pela longa tarefa!

O senhor Tony, me abraçou dizendo:

— Regis, desculpe-me alguma coisa de mal que lhe

fizemos. Vamos passar algum tempo sem nos ver, agora.

— Por quê? — Perguntei-lhe.

— Como já lhe disse, eu e Rud moramos em Merlin e

dentro de algumas horas, estaremos indo embora. Qualquer

dia, a gente volta.

— Volte logo pra me devolver à Terra! — Pedi.

— Não se preocupe garoto! — Pediu Rud. — A gente

ainda vai brigar muito! Você não vai mesmo me chamar de

papi?

Abraçou-me também, deu-me um beijo na face e se

retirou.

Sentei-me em uma poltrona branca e aguardei.

— Fizeram boa viagem, Regis?

— Fizemos! Quase morri na viagem, mas fizemos!

— Estou sabendo! Rud já me contou toda sua

façanha. Agora acho bom, você ir pro seu quarto,

descansar…

— Não estou cansado! — Neguei. — O senhor me

prometeu que conversaríamos quando eu chegasse aqui!

Vamos falar sobre me devolver à Terra!

— Concordo! Prometi mesmo e vamos conversar!

Mas não tão já! Você acabou de chegar! Vamos tomar um

banho, se alimentar, rever o Mark três, a Leandra…

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— E quando o senhor vai me devolver?

— Primeiro vamos fazer o que lhe propus!

— Tudo bem!

Levantei-me para sair. O senhor Frene, que também

se sentara, se levantou, me chamando:

— Regis…

Parei, olhando-o.

— Posso lhe dar um abraço e um beijo, de boas

vindas?

Acenei que sim. Ele se aproximou e assim como o

senhor Rud, me deu um abraço apertado e um beijo no rosto.

— Sabe garoto: você não gosta... Pode até ser errado!

Mas nós lhe buscamos na Terra, porque precisamos de você.

— Precisam de mim pra que? Não vou fazer nada!

Não vou trabalhar! Só vou dar despesas e trabalho! Vou

acabar sendo mal educado e brigar com vocês!

— Nós precisamos de seu amor, garoto!

— Garanto que vou amar mais o senhor, se me

devolver pro meus pais.

— Entenda a gente, por favor!

Levantei-me e saindo, disse:

— Vou pro meu quarto! Ainda é o mesmo?

— Do jeito que você deixou!

Sai para o corredor, onde tornei a encontrar Tony.

Tirei o aparelhinho tradutor de meu pescoço e o entreguei,

lhe dizendo apenas:

— Obrigado! É do senhor.

Segui para meu quarto: um grande dormitório, com a

cama e o armário de acrílico escuro, uma poltrona dourada e

as roupas de cama, em seda e lã. Abri o armário, que estava

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Um menino no espaço – 2ª parte

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repleto de roupas de todas as cores, inclusive, semelhantes

as que eu usava na Terra. Guardei meu material escolar,

apanhei uma toalha grande, me despi por completo, enrolei-

me na toalha e segui para o banheiro, que ficava dentro do

próprio quarto.

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Celso Innocente

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Encontro com o robô

eia hora depois, sem camisa, trajando um

shortinho dourado, feito talvez de seda,

próprio para dormir, estava deitado em minha cama,

quando a porta se abriu e entrou Luecy.

— O menino terráqueo voltou à seu lugar! — Disse

ele com voz metálica.

— Aqui não é meu lugar, Luecy! — Neguei, me

sentando na cama.

— Seu destino foi transformado. Você viverá em

Suster, eternamente!

— Não! O senhor Frene vai me devolver. A gente

ainda vai conversar… Mas você esqueceu meu nome?

— Não poderia esquecer! Seu nome está gravado em

meu cérebro eletrônico!

— E como me chamo?

M

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Regis Fernando de Araújo! Nascido na Via-Láctea,

Sistema Solar, planeta Terra, Brasil, estado de São Paulo,

município de Penápolis, no ano de Nosso Senhor Jesus

Cristo, de um mil novecentos e setenta e um; mês de Março,

dia oito, cinco horas e quarenta e três segundos antes do

meio dia.

— Puxa! Você sabe tudo! Mas minha mãe sempre me

disse que eu nasci as quatro e cinquenta e nove da

madrugada!

— Sou um robô de programa armazenado, melhor

programado de todo o Universo! Você chegou a seu mundo

materialista às quatro horas, cinquenta e nove minutos e

dezessete segundos.

— Você sentiu saudades de mim?

— Saudade: um sentimento do coração! Robô não

sente saudades!

— Que ingrato! Eu senti saudades!

— Robô não tem coração!

— Luecy: por que o aparelho tradutor, não conseguiu

traduzir minha linguagem, com os habitantes do planeta

Mark Três?

— Planeta Mark três! Meus sensores desconhecem

esse planeta!

— Fui eu quem o batizou assim! Lembra do nome

Mark Três?

— Mark III: robô susteriano, mais desenvolvido do

Universo, construído na cidade de Merlin, planeta Suster, na

Via Láctea, no ano cinco mil duzentos e sessenta.

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Celso Innocente

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— É verdade! Mas eu dei, em sua homenagem, o seu

verdadeiro nome, ao planeta que pousamos pra consertar a

nave.

— Não mereço, mas agradeço!

— Que isso Luecy! Você é meu amigo!

— Amigo: companheiro, camarada, afetivo, bondoso;

alguém que tem amizade a outro.

— Engraçado: você não está usando aparelhinho

tradutor. Nem eu! Como então, estamos conseguindo nos

entender?

— Meus sensores, muito bem construídos, conse-

guem decifrar qualquer linguagem falada no Universo!

— Convencido! — Me levantei. — Espere um pouco,

que preciso ir ao banheiro!

— Vou consigo!

— Então vamos!

Fomos até o banheiro, que ficava ali mesmo no

quarto; baixei um pouco o short sem cueca, para urinar.

— Menino da Terra, está vazando! — Caçoou ele.

— Que vazando o que, oh! Só estou fazendo xixi!

— Xixi: planta leguminosa do Brasil!

— Seu metido a inteligente! Xixi: urina…

— Urina: líquido segregado pelos rins, com impure-

zas orgânicas, sendo eliminado pela uretra, após descer

pelos ureteres, para a bexiga. Robô não tem urina!

— Claro que não! — Ri exagerado. — Você nem bebe

água!

Ainda acompanhado pelo amigo de metal, retornei

ao quarto. As roupas sujas, que havia deixado no chão, já

não estavam. Com certeza, Leandra havia recolhido.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Pulei na cama macia, rindo e fiquei observando o

robô caçoador.

— Você achava que eu estava vazando? Só você

mesmo, Luecy!

— Relate suas proezas!

— Que proezas?

— As pessoas ainda o querem vê-lo in jejum?

— Que quê isso?!

— Precisa aprender a falar corretamente! — Caçoou

novamente.

— Quero saber o que é in jejum!

— Despido!

— E o que você perguntou?

— As pessoas ainda o querem vê-lo in jejum?

— Não muito! Acho que já perceberam que sou

homem!

— Homem: indivíduo humano, adulto, do sexo

masculino. Você não é isso!

— Muito bem sabichão! E o que eu sou? Um menino?

— Menino: criança do sexo masculino; garoto;

pequeno.

— Está bem! Sou criança, garoto… Mas prefiro ser

assim mesmo! Instalaram um dicionário terráqueo em seus

neur... Neurô... Em seu célebro?

— Célebro! Palavra desconhecida!

— Desconhecida o que, ou! Célebro... Cabeça!

— Opção encontrada! Cérebro! A parte anterior e

superior do encéfalo... Parte que pensa, inteligência...

Após ficarmos em silêncio por alguns segundos,

resolvi perguntar:

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— Luecy, por que os habitantes do planeta Mark três

não conseguiam me entender? Mesmo eu usando o

aparelhinho que traduz tudo!

— Meus sensores não encontram planeta Mark Três!

— Estamos falando em círculo! — Reclamei bravo. —

Já falamos sobre isso! Grave em sua memória! Planeta Mark

Três!

— Minha memória eletrônica não reconhece Planeta

Mark Três!

— Deixe pra lá! — Desanimei.

Por um instante, fiquei pensando vazio, depois

mudei de assunto:

— Luecy, qual é minha idade de verdade?

— Considerando a hora local igual a quatorze horas,

sessenta e oito minutos e dez segundos, sua verdadeira

idade é igual a dezesseis anos, oitenta e nove dias, treze

horas, vinte minutos e cinquenta segundos.

— O quê?!

— Na Terra: dez anos, trezentos e doze dias, quatorze

horas, quarenta minutos e cinquenta segundos.

A porta se abriu e entrou o senhor Frene. Em suas

mãos, ele trazia outro aparelhinho tradutor, igualzinho ao

anterior.

— U ras nark is u fuy tresyiri gusgs, Ruhtra?

— Que loucura e esta? — Não entendi patavina.

— O que houve com o seu aparelhinho deste?

Estranho, mas então entendi.

Colocou o tal aparelho em meu pescoço insistindo:

— Agora você me entende! O que houve com o seu

aparelhinho deste?

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— O senhor Rud não contou?

— Disse apenas que quebrou e que você sabia como.

Tive medo de lhe dizer a verdade. Porém, acho que

não adiantava mentir.

— Eu fiquei nervoso e o joguei na parede.

— Que culpa o aparelhinho tinha de seu nervosismo?

— Nem uma! Sei disso! Mas aconteceu!

— Sabe quanto nos custa um aparelho desses?

— Não senhor!

— O equivalente ao aparelho de vídeo-cassete de seu

pai7.

— Me desculpe!

— Aqui não se desculpa; castiga-se!

— O senhor vai me fazer ficar pelado, me bater e me

amarrar?

— Não a esse ponto! Depois: pelado você já está!

— Não estou! — Neguei bravo. — Isto é roupa de

dormir! Só que ninguém me deixa dormir por aqui!

— Você chegou hoje à Suster. Seria um prazer, fazer-

lhe uma grande festa. Seu castigo será esse: não haverá festa!

Sorri me levantando e o abraçando dizendo:

— Obrigado!

— Não haverá festa, eu disse! Como você me

agradece?

— Eu pensei… — Que apanharia. — Alem do mais,

não quero festa!

E não queria mesmo! Festa reuniria dezenas de

pessoas e eu não estava a fim de reencontrar nenhuma delas.

Provavelmente reuniria também a televisão, para me

7 (Mais de quinhentos dólares).

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mostrar como bichinho a toda sua população. Marketing era

o que eu menos queria.

Segurou o novo aparelhinho em meu pescoço.

— É meu? — Perguntei contente.

— Promete que mesmo ficando nervoso, não o que-

brará novamente?

— Prometo!

— Não descontará seu nervosismo no inocente?

— Arrependi muito em ter quebrado o outro!

— É seu pra sempre!

E se retirou, me deixando com Luecy, que insinuou,

enquanto eu me sentava novamente na cama:

— Escapou de apanhar no traseiro!

— Eu faço aniversário, duas vezes por ano!

Ele se aproximou, esticou uma de suas mãos

compridas, puxou minha orelha direita, dizendo:

— Leva puxão de orelhas, duas vezes por ano!

— Você que é assim, tão inteligente! Alguma vez na

vida, vai coincidir de meu aniversário susteriano, cair no

mesmo dia, de meu aniversário terráqueo?

Ele calculou rapidamente em seu cérebro eletrônico e

afirmou:

— Considerando-se um ano susteriano, igual a

duzentos e trinta e quatro dias, dezesseis horas, dois minutos

e vinte e nove segundos terráqueos; as datas jamais

coincidirão corretamente, porém, a data em que mais se

aproximará será a de seus cento e noventa e três aniversá-

rios, que será no dia terráqueo de oito de Março do ano dois

mil e noventa e cinco, às quatro horas, cinquenta e nove

minutos e dezessete segundos; o qual será seus cento e vinte

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e quatro aniversários terráqueo, dia trinta e um do ano cinco

mil quatrocentos e trinta e nove, a uma hora, quarenta e seis

minutos e setenta e sete segundos; com defasagem de apenas

quarenta e três segundos.

— Nossa! Quanto tempo! Eu já estarei morto!

— Serás o mesmo que é hoje!

— Serei nada! Eu voltarei à Terra! Promessa do

senhor Frene!

— Duvido muito!

— Espere pra ver!

Pensei um pouco e prossegui:

— Por que o ano de vocês, contam em data de cinco

mil duzentos e não sei o quê...?

— Cinco mil duzentos e sessenta e três! — O comple-

tou.

— Por quê? Teve algum Jesus, filho de Deus, criando

um Novo Testamento?

— Quando o planeta foi atingido pela explosão

nuclear não letal, causada pela morte de uma estrela

distante, que transformou sua vida, em células não

renováveis e seres inférteis, foi decidido em comissão de

governo, o início de uma nova era susteriana, começando

pelo ano zero.

A porta se abriu e entrou Leandra, trazendo minhas

roupas, já limpas, secas e passadas. Quando a vi, corri a

abraçá-la e beijá-la.

— Quantas saudades, meu amiguinho sapeca! —

Insinuou ela.

— Não vou segurar velas! — Alegou Luecy, se

retirando.

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— Espere! — Pedi. — Nós não somos namorados!

— Um é pouco; dois é bom; três é demais! Voltarei

depois! — E sumiu pelo corredor.

Leandra riu e sentamos juntos na cama.

— Que tal sua estadia na Terra?

— Eu amo meu planeta!

— E o meu?

— Amo ele também! Mas não posso ficar aqui!

— Já quer ir embora?

— Quero! — Fechei a cara.

— Fique conosco, Regis! Eu gosto tanto de você!

— Não posso Leandra! Eu gosto de você também!

Mas ponha-se em meu lugar!

— Faremos de tudo pra que você seja muito feliz! O

que depender de mim, pode contar a toda hora!

— Sei disso! Mas não adianta! Aqui eu jamais serei

feliz!

— A gente precisa tentar

— Não! — Me levantei. — Mesmo que vocês me

derem um Céu de presente! Como conseguirei ser feliz longe

de minha família?

— Meu amiguinho! — Insinuou ela sentida. — Eu te

amo tanto!

— Agora preciso ir falar com o senhor Frene!

Vesti uma bermuda por cima de tal short de seda e

acompanho por ela, segui para a sala do grande computador.

Ela passou direto pelo corredor e eu entrei. A porta se fechou

atrás de mim. O senhor Frene não estava. Sentei-me na

poltrona branca e olhando para a porta que poderia se abrir

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a qualquer momento, lentamente, comecei a operar as teclas

daquela enorme máquina.

Não demorou muito tempo e o senhor Frene entrou,

já gritando:

— Regis, não mexa aí!

Assustado, me levantei dizendo:

— Só queria observar a Terra!

— Não autorizo você mexer aí, sem que eu esteja

junto!

— Vim aqui pra conversarmos.

— A Leandra me disse que você estava aqui! Você

não iria dormir?

Dei de ombros, sentei-me na outra poltrona e

perguntei-lhe:

— Quando o senhor vai me levar de volta?

— Ainda é muito cedo pra falarmos sobre isso!

— Não! Não é cedo! Eu preciso ir embora!

— Você acabou de chegar!

— Mas eu tenho que ir embora! Se o senhor não me

levar, já vou dizer: serei capaz de roubar-lhe um disco

voador e ir sozinho!

— Você se perderá novamente!

— Agora eu já aprendi! Não me perco mais!

— Até Rud e Tony, que são muito experientes se

perderam! Imagine mero garotinho lindo, que nasceu ontem!

— Tenho dezessete anos!

— Grande idade! — Riu o senhor Frene.

— Muita experiência! — Falei convicto.

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— Os controles computadorizados das naves, não

ficam mais nelas como antes. Eu os guardo comigo e sem

eles, as naves não saem do solo.

— Senhor Frene: vocês querem uma criança! Eu

aceito! Vocês precisam de uma criança! Eu entendo! Tenho

até uma proposta pro senhor.

— O que é?

— Tenho um amiguinho de minha idade, que

gostaria muito de vir morar aqui. A mãe dele, não liga nada

pra ele; vive biscateando, deixando ele sozinho abandonado,

nas mãos dos outros. O pai dele me disseram que nem a mãe

dele sabe quem é. Sabe senhor Frene: ele é muito bom,

inteligente, educado, estudioso… sabe: homem não acha

homem bonito, mas o Erick é muito simpático. Tenho certeza

de que ele ficaria muito feliz, em vir morar aqui. Sei que aqui

ele terá carinho e amor.

— Eu conheço seu amiguinho, Regis!

— Como?

— Muitas vezes eu vi vocês conversando!

— E então? O senhor não me trocaria por ele?

— Não posso! O Erick não vai substituir você! Tenho

certeza que nós passaríamos a amá-lo muito também! Mas

isso jamais faria deixarmos de amar você!

— Por favor!

— Se você quiser, eu posso mandar buscá-lo, pra ser

seu amiguinho; pra você ter alguém de sua idade pra brincar

e fazer companhia.

— Não quero nada! — Neguei bravo, me levantando.

— Só quero ir embora!

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— Regis, eu já lhe disse, que aqui você será eterno,

sempre jovem, enquanto que na Terra você ficará velho, com

o corpo enrugado, dolorido e doente!

— Sei muito bem o que acontecerá comigo!

— Mas tem algo muito grave, que você não sabe!

— Senhor Frene, por que não me deixa viver minha

vida, junto com minha família? Por favor! Me ame um

pouquinho!

— A vida na Terra está condenada em poucos anos!

— Mentira!

Saí correndo de volta a meu quarto, deitei-me de

bruços, chorando.

Luecy, que me seguira, entrou e a me ver chorar,

caçoou:

— Está vazando de novo!

— Não estou vazando nada, sua lata velha! Estou é

chorando de raiva! Vá embora daqui!

— Mal educado!

— Sou mesmo! Vá embora!

— Não vou! Daqui não saio! Daqui ninguém me tira!

— Então fique aí plantado, feito um boboca!

— Boboca, é um filhote de gente, vazando!

Como ele tinha respostas para tudo, parei de falar e

continuei chorando durante algum tempo, até conseguir

adormecer.

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Notícia triste

urante muitos dias, continuei naquele planeta,

sempre brigando com todos, principalmente

com Luecy. Sabia que eles me amavam e só queriam me ver

feliz, mas ali, por mais e por tudo o que eles fizessem e me

tolerassem, eu não conseguia ser feliz, embora fosse um local

bonito e minhas vestes, muito ricas e confortáveis, de um

colorido especial, que me deixava muitas vezes orgulhoso e

até mesmo contente. Só que de repente, lembrando da Terra,

que já ficara longe a muitos meses, a saudade e a tristeza,

voltava ainda mais forte. Estava próximo a completar onze

anos terráqueos e naquele planeta de seres imortais, já tinha

dezessete. Todas as pessoas que me encontravam, gostavam

de acariciar meus cabelos castanhos e meu rosto infantil. Era

o amor que eles sentiam por mim e eu, embora tentasse, não

conseguia retribuir igualmente. Eles me achavam um garoto

muito bonito, mas já, não tão educado, quanto era antes. Os

senhores Tony e Rud fazia tempo que não os via; Leandra

D

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me compreendia muito bem, às vezes, passando horas

conversando comigo, no quarto, no jardim cheio de flores, na

cozinha, piscina e em outros lugares, tentando me ajudar.

Talvez ela fosse a única com quem eu não conseguia ser

descortês. Luecy era meu companheiro de sempre, com sua

memória, como ele diz, de programa armazenado e que tem

respostas para tudo; sempre gozador comigo, em torno de

qualquer situação. Na verdade, as pessoas do planeta Suster

são humanas, muito mais desenvolvidas do que nós, os

terráqueos; quer sejam homens ou mulheres, todos muito

bonitos, sem apresentar um único fio de pelo branco, ou

barba no rosto (não mencionara isto ainda); o que me fazia

admirá-los, pois eu sempre achava papai muito bonito,

quando fazia a barba e não gostava nada, quando ele

deixava a barba por fazer e até mesmo eu, não queria me

tornar adulto, só para não ter o rosto, braço ou perna,

peludos. É claro que o planeta Suster, me traria esta

vantagem. O que mais um ser humano, filhote de gente,

como Luecy mencionara, poderia querer? Passar milhares de

anos e continuar sendo criança, como eu, sem envelhecer, ou

ter pelos no rosto, pernas, peito e regiões do púbis; sempre

com uma vozinha infantil, amado por todos e imortal. É!

Mas eu era de um outro mundo e não podia, pois tinha meus

entes na Terra, a trilhões de quilômetros de distância e sentia

muita falta deles.

Sempre achei que Suster, era um planeta ideal a meu

amiguinho Erick; só que o senhor Frene, sem perceber que

eu era a criança errada, para fazê-los felizes, não aceitava

esta troca…

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Contemplando as flores, daquele bonito jardim, sob a

luz forte da estrela Kristall, cinco vezes maior do que o Sol,

que às primeiras quatorze horas daquele dia, estava para se

pôr e trazer em seu lugar, a outra gigante, Brina, quinze

vezes maior do que o sol.

Em passos lentos, chegou o senhor Frene, que, em

silêncio, sentou-se a meu lado e após alguns segundos,

passou um braço sobre meus ombros, dizendo:

— Regis, tenho algo bastante triste, pra lhe contar.

Fingindo indiferença, perguntei-lhe triste:

— O que é?

— Hoje, para ver como se portava sua família, estive

em contato com a Terra…

Meu coraçãozinho triste disparou desesperado.

— O que aconteceu? — Perguntei apavorado. —

Mamãe!

— Não foi nada com sua mãe! Nem com seu pai!

— O que foi senhor Frene?

— Seu irmãozinho, Paulinho… Ele... Brincando... Foi

atravessar à rua e foi atropelado por um carro.

— Mentira! — Gritei, tentando fugir.

— Não, não é mentira! — Negou ele, me segurando e

me abraçando forte, sem que eu o retribuísse. — Eu pensei

muito antes de contar-lhe; mas acho que não seria justo,

esconder.

— Ele… Mor…reu? — Estava chorando.

— Está no hospital… Em estado de coma, irreversí-

vel…

— O que é isso?

— Significa Regis… Que ele não vai… sarar!

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— Ele vai morrer! É isso?

— Infelizmente!

— Senhor Frene: — O desespero tomou conta de meu

ser. Correspondi o abraço apertado daquele homem. — Se o

Paulinho morrer, mamãe morre também! Vai ser muito pra

ela, depois de ter me perdido, perder o Paulinho também!

As lágrimas banhavam meu rosto infantil.

— O senhor poderia me mostrar ele? — Perguntei

chorando.

— Claro! — Disse ele, se levantando. — Vamos!

Segui abraçado a ele, até a sala do computador, onde,

sentamos e ele acionou algumas teclas, me mostrando a

Terra, em momento atual, graças a um sistema de atalho

inventado por eles, que era como se criasse um buraco

virtual, alterando o tal espaço e fazendo com isto o tempo ser

zero em relação aos dois mundos (não para viagens

espaciais, mas para transmissão de voz e imagens) e assim,

direcionou sua câmera para o hospital da Santa Casa, a UTI,

o meu irmãozinho caçula, com seis anos de idade, todo

coberto por um lençol branco, com um tubo de oxigênio no

nariz, dormindo um sono profundo. Ele era um menino

muito bonito. Eu nunca havia reparado nesse detalhe. Era

meu irmãozinho favorito, pois ele gostava muito de mim e

me acompanhava para todo lado; até atrapalhava minhas

brincadeiras com os amigos, principalmente depois de eu ter

voltado do espaço, da primeira vez. Agora ele iria morrer e

eu jamais iria vê-lo ou conversar consigo. Como sempre,

continuava chorando, então o senhor Frene desligou o

computador e me abraçou dizendo:

— Tenho uma proposta pra lhe fazer, Regis.

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— O que é?

— Não fui eu quem quis que seu irmãozinho se

machucasse e não sou eu quem quer que ele morra. Isto é um

fato e é o destino dele. Sei também, que é uma espécie de

chantagem o que vou lhe propor. Mas eu preciso. Porque eu

te amo e quero você comigo!

— Fala senhor Frene. Pode falar!

— Nós podemos salvar seu irmãozinho! Se fizermos

isto, estaremos novamente interferindo no destino da Terra,

alterando o livre arbítrio das pessoas. Mas nós podemos

salvá-lo... com uma condição.

Esperou que eu dissesse algo, mas como me calei, já

sabendo o que ele diria, ele continuou:

— Você me promete, nunca mais querer voltar à

Terra e eu lhe prometo, em troca... Salvar Paulinho.

— Salve ele senhor Frene. Por favor!

— Você me promete... Regis?

— O senhor não me ama, senhor Frene?

— É por isto que eu quero você conosco, garoto!

— Não faça isso comigo, por favor! Eu não posso lhe

prometer isso!

— É a vida de seu irmãozinho!

— Não acredito que o senhor, podendo salvá-lo, o

deixará morrer sem fazer nada!

— Lembre-se: eu estarei interferindo no destino dele!

— Pouco me importa o destino dele! O que quero, é

que o senhor salve ele da morte!

— Promete ficar aqui pra sempre, Regis?

— Não!

— Então eu não posso interferir no destino dele!

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— E o senhor podia interferir em meu destino?

— Regis, eu o amo muito! Sei que é chantagem o que

estou lhe propondo. Mas eu preciso!

— Deixa meu irmãozinho morrer! — Gritei, me

levantando. — Também não me interessa seu amor! Só quero

voltar pra minha casa! Vou ficar no lugar de Paulinho!

Saí correndo pelo corredor, fui até o campo de pouso,

segui até a mesma espaçonave, que me trouxe àquele

planeta, entrei, indo até a cabine de controle, sentei-me na

poltrona principal e acionei a tecla que fazia o motor daquilo

funcionar. Uma luzinha vermelha ascendeu no painel,

indicando falta de componente.

Chorando, desci daquela nave e fui até outra,

repetindo o mesmo ato e percebi que também, a luzinha

vermelha se ascendeu. Lembrei-me do que o senhor Frene,

havia me dito: as naves estavam sem o controle do

computador. Desci e ainda chorando muito, em passos

lentos, fui me esconder, atrás de um grande galpão, todo

construído em chapas de níquel e metal.

De repente, senti meu estômago embrulhar e um

gosto amargo na garganta, me fazendo ajoelhar no solo e

vomitar muito líquido amarelado.

Durante uns quinze minutos, continuei chorando,

com aquele gosto de fel na boca; depois, devagar as lágrimas

foram diminuindo e os pensamentos me dominando: meu

irmãozinho morrendo, o senhor Frene poderia salvá-lo, mas

como me queria a qualquer preço, não perderia a

oportunidade de me chantagear. Eu não acreditava que ele

deixaria meu irmãozinho morrer. Mas e se deixasse? Então

eu ficaria o resto de minha vida, com a consciência pesada,

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por, podendo ajudá-lo, nada ter feito. É claro que também

odiaria o senhor Frene para o resto de minha “longa” vida!

Na verdade, mamãe havia me perdido, mas deveria saber

que eu estava vivo, perto de uma estrelinha, visto de longe,

em algum lugar, perdido no Universo. Paulinho, se

morresse, seria irreversível. Nunca mais retornaria. Sendo

assim, mamãe e também papai, sofreriam muito mais.

Algum tempo depois, já sem lágrimas, em passos

lentos, retornei à residência, atravessei o longo corredor e

entrei na sala do computador, onde encontrei o senhor Frene

no mesmo local. Aproximei-me em passos muito lentos, até

chegar bem próximo da grande máquina.

— Pensou bem, Regis? — Perguntou-me ele.

— Como está Paulinho?

— Continua na mesma situação!

— Salve-o, por favor, senhor Frene!

— Você ficará com a gente?

— Quem me ama não me chan...chant... Não me

explora! — Lhe disse corajosamente, porem com lágrimas

sentidas.

— Você já me disse isso! Não precisa continuar

repetindo!

— Prove que o senhor me ama, senhor Frene! Salve

meu irmãozinho, sem exigir nada em troca!

— Os médicos curam as pessoas sem cobrar consulta?

— Ironizou ele.

— Em caso de emergência, primeiro eles salvam a

vida, como está em seu juramento, depois eles cobram o

trabalho!

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— Entendi! Salvo Paulinho, depois lhe cobro por

isso?

— Não!

Chorando muito, me retirei, voltando a meu quarto,

onde me deitei de bruços e desesperado, sem poder fazer

nada, permaneci pensando milhões de bobagens a respeito

de tudo e de todos. Achava até que o próprio senhor Frene,

houvesse jogado meu irmãozinho debaixo do carro, para ter

esse trunfo a seu favor. Ele não era nada ignorante e sabia

com certeza, que sua proposta era imoral, mas creio que ele

pensava que eu era um menininho ingênuo e acabaria

cedendo a esse trunfo em me prender para sempre. Tinha

certeza de que sua proposta, não fôra analisada pelos demais

susterianos, que talvez nem soubessem do terrível acidente

na Terra, pois sendo assim, com certeza, todos seriam contra

aquela chantagem emocional.

Depois de muito tempo sozinho, já sem lágrimas, me

levantei e voltei à sala do computador, como o senhor Frene

não se encontrava, saí novamente, fui até um banheiro, onde

lavei e enxuguei o rosto manchado de tanto chorar e me

observei no grande espelho. Meus olhos estavam vermelhos.

Com Paulinho no hospital e eu desaparecido a mais

de seis meses, meus pais e demais irmãos, deviam estar

sofrendo muito. Não podia deixar isto continuar assim. Pelo

menos, tentaria ajudar a salvar o caçulinha. Retornei ao

corredor e fui até a copa, onde o senhor Frene estava

sentado, tomando um suco de cor azul. Leandra a me ver

ofereceu:

— Quer um suco, Regis?

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Neguei com a cabeça e ela se retirou. Aproximei-me

do todo-poderoso e pedi:

— Senhor Frene, salve meu irmãozinho.

Ele me olhou, querendo dizer algo, enquanto eu

baixei a cabeça e continuei dizendo:

— Lhe prometo nunca mais querer ir embora! Ficarei

aqui pra sempre!

Leandra retornou com um copo de suco, a tempo de

me ouvir completar a frase e então rindo, perguntou-me:

— Você está falando sério, Regis? Você resolveu ficar

conosco pra sempre?

Acenei que sim e ela me deu um beijo. Com certeza

ela não sabia que minha decisão, era o preço que pagava por

algo muito cruel; que meu irmão estava em estado de coma

profundo, em uma triste UTI, a trilhões de quilômetros de

nós.

— Tome o suco! — Pediu-me ela.

— Não quero, obrigado!

— Muito bem, garoto! — Insinuou o homem. —

Acredite: tudo é por amor a você!

Levantou-se e antes de sair, disse:

— Me dão licença, pois não posso perder um minuto

sequer!

E saiu quase correndo, para a sala do computador.

— O que deu nele, Regis? — Perguntou-me Leandra.

— Vai salvar meu irmãozinho, Paulinho!

— Salvá-lo de que?

— Da morte, Leandra! — Articulei soluçando. — Eu

preciso ir! Dá licença!

— Regis… Espere!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Não a esperei e segui, praticamente correndo, até a

sala do computador, onde o senhor Frene, observava pelo

monitor, Paulinho, acompanhado por duas enfermeiras.

— Veja Regis: — Disse-me ele. — Seu irmão já está

bem melhor!

— Já? — Admirei com sorriso triste.

— Claro! Eu conheço seu coraçãozinho e sabia que

você não o deixaria morrer, sabendo que poderia salvar-lhe a

vida. Ele vai sarar e voltará a ser como antes. Você tem um

grande coração, garoto!

— Eu o agradeço muito, senhor Frene!

— Não me agradeça Regis! Meu preço é muito alto e

você sabe disso!

— Sei sim senhor! — Confirmei abatido.

— Nunca irá se arrepender! Não é mesmo?

— Não senhor! Pelo menos, viverei pra sempre!

— E será sempre um menino bonito! Como é agora!

— Olhe pra mim!

Ele levantou os olhos, me observando dos pés à

cabeça:

— Acha que estou bonito?

Continuava abatido, com os olhos vermelhos, cheio

de lágrimas e o coração despedaçado.

— É o menino mais lindo do Universo! — Riu ele.

— Só tem um problema! Eu sinto muitas saudades de

casa! Nunca conseguirei ser feliz!

— Nós faremos com que você se esqueça de lá!

— Não! — Neguei assustado. — Não concordei em

fazer aquela cirurgia!

— Só faremos, se você quiser!

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Celso Innocente

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— Nunca vou querer!

— Muito bem! O importante agora é cuidarmos de

seu maninho.

Com aquele monitor ligado, permaneci durante

muitas horas, com o senhor Frene, observando o trabalho

das enfermeiras e dos médicos, em torno de Paulinho, que

continuava dormindo.

— Como o senhor pode salvá-lo?

— Na verdade não sou eu! — Negou ele. — Em

Merlin, existe um sistema backup deste nosso e lá, uma junta

com três grandes médicos, cuidam de Paulinho pra nós.

Aqui, nós apenas o observamos.

— Isso eu não sabia!

— Não havia lhe contado ainda! Desde que fiquei

sabendo do ocorrido, já organizei os médicos, que começa-

ram a trabalhar imediatamente.

— Enquanto o senhor me chant...

— Chantageava! — Corrigiu ele.

— Enquanto isso, os médicos já estavam cuidando de

Paulinho?

— Claro! Eu conheço sua índole menino!

— O que é índole? Minha professora já falou isso!

— O coração! A criação! A personalidade!

— Daqui, tão longe, como os médicos podem curar?

— Eles interferem nos pensamentos dos médicos e

enfermeiras da Terra.

— Como assim?

— Os médicos da Terra, agem da forma que nossos

médicos determinam, através de um sistema, o qual vocês

chamam de telepatia.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Como é que pode?

— Não se preocupe! — Pediu ele. — Eu também sou

médico! Centenas de anos antes de você nascer, eu já havia

me formado em medicina. Fique sossegado, seu maninho vai

sobreviver.

— Acredito no senhor!

— Dentro de no máximo uma hora, ele vai acordar.

Olhei confiante para aquele homem. Ele até parecia

um deus. Podia até salvar uma vida; sabia de tudo…

— Ajudei a fazer seu parto, garoto! — Insinuou ele.

— Sua mãe não lhe contou, que não deu tempo de ir ao

hospital?

— Não senhor! Mas sei que todos meus irmãos e eu

nascemos em casa.

— Pois é! Seu pai demorou muito e você acabou

nascendo em casa. Mas graças a nossos cuidados, tudo

correu bem! Qualquer dia, lhe mostro!

— Por que vocês precisam de médicos, se aqui não

existem doenças, nem sofrimentos?

Ele me olhou sério e disse:

— Na verdade, aqui também existem muitas mortes.

Existem até cemitérios. Nós somos considerados imortais,

pois não existem doenças e não envelhecemos. Mas se um

atrapalhado, desrespeitar as leis de trânsito e se envolver em

um grave acidente, com certeza, não há imortalidade que

resista.

— Isso quer dizer que…

— Para sermos imortais, também temos que cumprir

nossas obrigações. Caso contrário, adeus!

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— Então, com o passar do tempo, sua população

pode desaparecer?

— Tem lógica! Mas nossos cidadãos se amam muito,

pra viverem se envolvendo em acidentes de qualquer

espécie. Por isso eles são raros.

— O senhor vai viver por toda eternidade?

— Pra falar a verdade, não sei quanto tempo vou

viver! Imortal ninguém é! Nem mesmo os vampiros de seus

pesadelos são!

— Claro que não! — Ri, dando de entendido. — Com

estaca de aroeira, faca de prata, luz solar ou água benta,

adeus vampiro!

— Nem mesmo nosso planeta é imortal!

— Como assim?

— Suster está condenado a morrer torrado pela

Estrela Brina!

— Verdade! — Me espantei.

— A Estrela Brina também está condenada!

— Também?

— Mas não se preocupe que isto não é um privilégio

triste só nosso! Sua Terra, também será torrada por seu Sol!

— O senhor só quer me assustar! — Neguei

preocupado.

— Não quero te assustar! O Sol... Brina... Kristall e

qualquer estrela do universo vivem graças a uma grande

quantidade de combustível, chamado nitrogênio. Esse

combustível vai se acabar um dia, então estas estrelas irão

inchar, aumentando muito seu tamanho real, até engolir os

planetas mais próximos, depois elas também morrerão. O

Sol, por exemplo, se transformará em uma estrela, chamada

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por seus astrônomos e cientistas como anã branca; seu

núcleo se transformará em um gigantesco diamante. Estas

coisas são muito complicadas pra explicar à você. No futuro,

nenhuma estrela brilhará nos céus e o universo voltará a

ficar no escuro.

— Essa conversa está me deixando ainda mais triste!

— Insinuei com o coração assustado.

— Não se preocupe! — Riu o senhor Frene. — Isso

ainda vai demorar pelo menos cinco bilhões de anos!

— Mas outro dia, o senhor me disse que a vida na

Terra está condenada nos próximos anos.

Ele se lembrou do que me dissera em momento de

desespero por eu querer voltar à meu lar e então resolveu me

explicar:

— O homem... Terráqueo, é um verdadeiro irrespon-

sável com sua própria descendência; vive criando bombas

letais, capazes de destruir a pobre Terra por várias vezes...

Mas isso não é o mais grave! Vocês são irresponsáveis, no

desmatamento desordenado das florestas nativas, das fontes

de água potável, que não é renovável, da destruição da

camada que protege o próprio planeta8. Infelizmente a vida

na Terra está realmente condenada nas próximas décadas.

Seus descendentes morrerão de sede e doenças de pele.

Ouvindo seu comentário real, meu coraçãozinho

infantil, pulsava triste.

8 Com a destruição da camada de ozônio, os nocivos raios ultravioletas do

Sol, penetrara na atmosfera da Terra, causando principalmente o câncer

de pele, entre outros mal.

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— Pra Terra escapar de trágico destino, — Continuou

ele. — os terráqueos deveriam retroagir em respeito ao

progresso, pelo menos uns cem anos.

Quase uma hora de espera e Paulinho deu sinal de

que sua vida continuaria. Balançou levemente a cabeça e um

bracinho, pois o outro estava amarrado a um frasco de soro.

Começou a chorar e foi socorrido por uma enfermeira,

enquanto a outra se retirava; talvez a procura de um médico.

Vendo Paulinho chorar, eu e o senhor Frene sorrimos.

Assim como em um recém-nascido, Aquele era o choro da

vida, do milagre…

O médico apareceu apressado e vendo o menino

chorando, também sorriu. Deu para perceber, que aquele

médico, realmente trabalhava por amor à profissão e ao

próximo. O senhor Frene, ficara sério, mas deu para ver

através de seus olhos, que ele se sentia vitorioso. Era o meu

sacrifício e acho que valeria à pena: mamãe recuperaria

Paulinho e também não me perderia para sempre. Muito

pelo contrário: através dos anos que se passasse, ela saberia

que eu ainda continuava sendo uma criança. O que mudaria

em mim, seria apenas o mais importante; conhecimentos por

exemplo. Pois a cada dia que passasse, eu aprenderia mais e

mais e quem sabe, tão logo, ensinado pelo senhor Frene,

aprenderia telepatia e através do espaço, enviaria mensagens

para mamãe e papai.

Naquele mesmo dia, duas horas depois, eles

estiveram no hospital e puderam ver Paulinho na UTI,

acompanhado pelo médico, que lhes explicava com

sinceridade, o milagre da recuperação do pequeno, já que

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seu quadro clínico era muito grave. Ele, porém, estava

dormindo.

Naquele momento, tive a oportunidade de, depois de

muito tempo, rever meus queridos pais, sem que eles

soubessem, é claro. Deu para notar o quanto mamãe estava

sofrendo, embora ali, ela sentira um grande alívio, em saber

das novidades, a respeito do filho caçulinha.

Nem precisava contar que ali, diante daquele

monitor, eu, novamente estava chorando. Estava feliz com

Paulinho e em rever meus pais, mas me emocionei ao vê-los

e a saudade, naturalmente aumentou muito. Eles, porém,

não ficaram nem cinco minutos, naquela breve visita, pois o

médico os aconselhou a sair, pela saúde do menino. Mamãe

porem, antes de se retirar, entregou ao médico e ele colocou

uma chupeta na boca do maninho, me fazendo até rir

emocionado. Eu e o senhor Frene, embora, praticamente

calados, continuamos durante muitas horas, sem sair da sala

do computador e mesmo, quando ele resolveu sair,

excepcionalmente me autorizou que eu permanecesse ali o

tempo que quisesse.

Normalmente ele não me deixava ter contato com a

Terra, pois, talvez acreditasse, que se eu não à visse acabasse

me esquecendo dela e me habituando à seu mundo. Não

dava para acreditar que um homem tão evoluído, com cinco

mil anos de experiência, pudesse ser tão ignorante em

questões do coração.

Eu, naturalmente, permaneci ali, observando, até que

me sentindo cansado, acabei adormecendo, debruçado na

escrivaninha.

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Quando acordei, muitas horas depois estava de

pijamas, deitado em minha cama. Saltei rapidamente da

cama, troquei de roupas, corri ao banheiro para esvaziar a

bexiga e mesmo sem lavar as mãos, corri de volta à sala do

computador, onde reencontrei o senhor Frene e permanece-

mos de plantão, observando.

Ao perceber meu olhar muito triste, ele acionou uma

tecla de sua poderosa máquina e em vídeo tape apareceu na

tela: papai, montado no cavalo acinzentado Hércules, com

meu irmão Carlos na garupa e abraçado à Leandro, em sua

frente. Por outro lado, apareceu mamãe, montada ao cavalo

Bainho, comigo aos quatro anos de idade, na garupa e

abraçada à minha maninha Leticia, aos dois anos. Os dois

cavalos, seguiam a pequenos trotes pelo estradão de terra

batida, seguindo de nosso sítio no Bairro Córrego dos Pintos,

em direção à cidade.

Fiquei em silêncio admirando aquela cena perdida na

memória da existência, depois insinuei:

— Não me recordo deste dia!

— Agora você recordará! — Riu ele.

— Nem sabia que eu já tivesse andado à cavalo

algum dia!

— Menino aventureiro do sítio, que nunca andou à

cavalo! — Riu ele. — Isso não existe!

©©©

Com os dias passando, a recuperação de Paulinho

fôra sentido com muita rapidez. No dia seguinte, ao

recuperar os sentidos, ele fôra transferido para um quarto

comum e então mamãe ou papai, passava quase todo o

tempo com ele e eu, aproveitava para curtir um pouco, desse

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convívio perdido. Só chorava algumas vezes, mas era de

emoção, ou até certa alegria. Mas sabia também, que não

seria nada fácil, cumprir a promessa que fizera ao senhor

Frene. E ele também sabia disso.

Mais um dia e Paulinho já conseguia conversar com

alguma dificuldade...

...um novo dia, já se levantava, indo ao banheiro,

acompanhado...

...mais um dia e ele já podia até mesmo tomar banho

sozinho, sempre sendo observado por alguém, inclusive eu e

o senhor Frene, sentados na mesma poltrona.

— Você reclama que eu te observava tomando banho

na Terra, Regis. — Insinuou o senhor Frene. — Estamos

vendo seu irmão. E daí?

— Não tem nada de mais! — Aleguei.

— Quando era você, também não tinha nada de mais!

— Ironizou ele.

— Paulinho tem só seis anos! — Expliquei.

— Você tinha no máximo nove! Nada de mais!

Embora ele se recuperasse rapidamente, ainda conti-

nuava com algumas escoriações, principalmente no braço

direito e no rosto.

Na Terra, meus pais pareciam felizes, com a rápida

recuperação do filho caçula e pareciam até conformados com

minha ausência. Será que eles sabiam que a recuperação de

Paulinho, se dera graças à interferência do pessoal do senhor

Frene? Será que eles esperavam que um dia eu fosse voltar?

Agora iria ser difícil mamãe! Minha promessa era para

sempre. Agora eu faria de verdade, parte do mundo

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susteriano e embora não conseguisse retribuir, era muito

querido ali.

Cinco dias após a recuperação dos sentidos, Paulinho

tivera alta hospitalar, retornando ao lar. Eu e o senhor Frene,

continuávamos passando horas e horas, o observando em

casa. Com isto, já fazia esse tempo que não via outras

pessoas, a não ser, muito pouco, Leandra nas refeições e

Luecy, que dormia; aliás, ficava em meu quarto, enquanto eu

dormia.

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Pequena Viagem

á se passara vinte dias, do acidente de Paulinho,

que então, já estava completamente restabelecido,

em uma recuperação milagrosa e nós, ainda o observávamos

todos os dias, porém, por apenas alguns minutos. Então,

minha vida começava voltar à rotina.

— Agora que está decidido sua permanência conosco,

precisamos renovar seu quarto. — Disse-me o senhor Frene.

— Meu quarto está ótimo, do jeito que está!

— Amanhã mesmo iremos a Orington, fazermos

algumas compras.

— Por que Orington?

— Em partes de móveis, é a melhor cidade de Suster.

É lá que a gente costuma fazer compras.

— É muito longe! Não é?

— Longínquo! Está a quase oito mil quilômetros

daqui!

— E por que precisamos ir tão longe?

J

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— Quero que você a conheça! Depois, lá existe tudo

de melhor!

— Preferia ir para Merlin!

— Por quê?

— Agradecer os médicos que cuidaram de Paulinho!

— Não será preciso! Eles sabem que você está

agradecido! Mas se quiser, a gente dá um jeito!

Dali, segui direto a meu quarto, onde me despi para

tomar um banho, acompanhado de Luecy, que ficou na

saleta, antes do chuveiro, próximo ao armário de roupa.

— Leandra, virá lhe dar banho! — Insinuou Luecy.

— Vem nada! — Neguei.

— Espere e verás!

Realmente, Leandra acabou de entrar e eu, tímido,

segui para o banho, tentando me esconder.

— É bom passar acreditar em mim! — Caçoou Luecy.

— Não precisa ter vergonha, Regis! — Insinuou

Leandra. — Só vim lhe ajudar no banho!

— Já lhe disse outras vezes, que não sou mais

bebezinho e tomo banho sozinho! — Reclamei zangado.

— Ela só quer vê-lo peladão! — Continuou Luecy.

— Pare de ser fofoqueiro, sua lata velha! — Reclamou

Leandra.

— Fofoqueiro, é sua língua de trapo!

Deixando os dois discutirem, liguei o chuveiro

automático e fui me banhar, com aqueles braços eletrônicos

esquisitos e tudo.

Como ninguém podia vencer Luecy, Leandra se

retirou brava e eu no banho, ria dos dois.

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— Você não pode maltratar a moça, Luecy! — Pedi

ainda no chuveiro.

— Estava lhe defendendo!

— Coitada! Ela é boazinha e cuida da gente!

— Queria vê-lo em trajes de Adão!

— O que tem isso? Já não me importo tanto!

— Sem vergonha!

— Não tem nada demais! Afinal, também fico pelado

perto de você.

— Somos homens! — Alegou o robô.

Saí do banho e comecei me enxugar:

— Você é uma máquina! Lembra-se?

— Diferente de uma mulher!

— E diferente de um homem!

— Fui construído com traços masculinos!

— Claro que sim! Mas a Leandra é minha amiga!

Vesti uma cueca limpa, voltei ao quarto e me sentei

na cama. Luecy ficou bem perto e reclamou:

— Banho de gato!

— Só resolvi tomar uma ducha!

— Ducha de gato!

— Isso é plagio!

— Banho de gato!

— Já repetiu muito isso!

— Banho de gato!

— Cala a boca!

— Cala a boca já morreu...

— Plagio!

— Banho de gato!

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— Você vai conosco pra Orington, amanhã? —

Perguntei-lhe, tentando mudar o assunto.

— Robô não faz compras!

— Passear!

— Não tenho necessidades de passear!

— Vamos assim mesmo! Você não gosta de estar

comigo? Não me ama como os outros?

— Robô não ama! Robô não tem sentimentos!

— É! Você não tem coração! Mas uma vez, você disse

que me pertencia! Sendo assim, ordeno que você vá conosco!

— Irei com você! Mas não porque estás me

mandando!

Levantei e o abracei dizendo:

— Quem é que entende você? Meu amigo de lata!

— Metal muito bem trabalhado!

©©©

Após dormir por pelo menos oito horas, Luecy, com

suas mãos compridas, me chacoalhou dizendo:

— Garoto Regis: hora de levantar!

Virei-me de lado, me espreguicei e com muito custo,

me levantei. A estrela Brina, que surgira a pouco, mostrava

ser quase uma hora da manhã. Exatamente: em Suster, as

estrelas marcavam o dia assim; das zero às quinze horas,

setenta e nove minutos e setenta e nove segundos, o planeta

era iluminado pela estrela Brina; das dezesseis horas, até as

trinta e uma horas, setenta e nove minutos e setenta e nove

segundos, o planeta era iluminado pela estrela Kristall.

Porém, como este negócio de astronomia é muito complica-

do, ficava difícil realmente entender, seus processos de

rotação e translação, sendo que em dado período do ano, a

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estrela Brina, tem um período maior de rotação, ou seja:

chega a ter duas estrelas iluminando certa parte do planeta

ao mesmo tempo. Ou seja, o que estou mencionando, é

válido apenas nas proximidades de Malderran; ou seja:

Merlin, que fica praticamente do lado oposto no planeta, a

situação é completamente o oposto. Agora, quase uma hora

da manhã em Malderran; em Merlin são quase dezessete

horas.

Despi-me daquele pijama suave, com short e

camiseta, entrei no chuveiro, tomando apenas uma nova

ducha bem rápida, retornei ao quarto, me enxuguei e me

troquei, vestindo, um lindo macacãozinho susteriano e uma

botinha, ambos em cores brancas.

— Outro banho de gatos! — Caçoou novamente

Luecy.

— Já sei! — Confirmei com jeito de “basta disso”.

Acompanhado por ele, retornei ao banheiro, escovei

os dentes, abri o zíper do macacãozinho e enquanto urinava,

ele voltou a caçoar:

— Está vazando novamente!

— Deixe de ser um robô bobo! Esta baboseira já

perdeu a graça!

— Bobo quem me chama!

Tornei a lavar as mãos, só com água e seguimos à

copa, onde encontramos Leandra, que sorriu dizendo:

— Como você está bonito com essa roupa, Regis!

Sorri, me exibindo.

— Quer se casar comigo? — Brincou ela, me beijando

no rosto.

— Só se você esperar eu crescer!

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— Crescer? — Caçoou Luecy. — Você será sempre

nanico!

— Nanico é a vovozinha! Tá bom? — Fiquei bravo de

verdade.

— Robô não tem vovozinha! — Negou ele.

— Então, nanico é você mesmo, seu enlatado!

Leandra se retirou, indo buscar uma refeição matinal.

— Garoto Regis, eu lhe desintegro!

— Vou mandar o senhor Frene, te desligar pra

sempre!

— Ninguém pode me desligar!

— Então mando o senhor Frene, reprogramar você, te

transformando em uma galinha!

— Galinha garnisé! Có-co-ri-có... Eu lhe mandarei de

volta ao planeta dos alienígenas em trajes de folhas de mato!

— Se você continuar caçoando de mim, não te levarei

a Orington!

— Não tenho necessidades em ir até lá!

Leandra retornou com uma bandeja, cheia de

alimentos: o famoso suco azul, com sabor de amora e muitos

alimentos à base de carne e leite de soja, que crescia aos

montes naquele lugar.

— Se vocês dois não pararem de brigar, vou pedir ao

senhor Frene, para separá-los. — Ameaçou Leandra.

— Ah! É esse enlatado que só vive caçoando de mim!

— Esse pivete terráqueo, abusa de meus poderes

eletrônicos!

— Poder eletrônico!? Você não passa de uma lata

enferrujada!

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— Mais uma gracinha e lhe mandarei para o espaço

sideral!

— Mande logo!

— Podem parar vocês dois! — Ordenou Leandra, se

fazendo de séria. — Regis, sente-se e coma!

Sentei-me a saborear aquela ótima refeição da manhã.

A estrela Brina, que surgira a pouco mais de uma hora, já

trazia uma temperatura de uns trinta e quatro graus

centígrados.

— Robô não dá trabalho! Robô não dá despesa! Robô

não se alimenta!

— Seu engraçadinho! E o preço de sua construção?

Dá pra alimentar uma criança, a vida toda!

— E o preço de sua fabricação? — Caçoou ainda.

— Seu analfabeto! — Caçoei. — Não fui fabricado!

Não custei dinheiro!

— Veja quem fala! O hospital em que nasceste não

cobra honorários? Materiais cirúrgicos, descartáveis… O

médico não cobra o parto? O táxi não cobrou honorário?

— Seu burro! Eu não nasci em hospital! Não precisei

de médico, nem de táxi!

— Suas fraldas de montão, não custaram uma nota

preta? Sua chupeta!

— Nunca chupei chupetas!

— O registro civil, não custou…

— Basta! Vocês dois! — Se irritou de verdade

Leandra. — É pecado brigar durante as refeições.

©©©

Uma hora mais tarde, a bordo de uma pequena

espaçonave para dez tripulantes, seguia com o senhor Frene

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no comando e Luecy a meu lado direito. A espaçonave,

também de forma arredondada, mais para uma bola de

futebol americano, controlada manualmente por computa-

dor e um enorme visor, por onde podíamos ver a claridade

da estrela Brina, as nuvens e alguma coisa do solo que ficara

lá embaixo. O altímetro (acho que esse era o nome) acusava

estarmos a cinco mil metros de altura e o velocímetro (pelo

menos, os de carro tinha esse nome), acusava uma

velocidade de um mil trezentos e cinquenta quilômetros por

hora. Parecia muito, mas se levarmos em consideração que a

hora susteriana equivale a uma hora, quarenta e seis minutos

e quarenta segundos terráqueos, não era tão veloz assim.

Existia também outros tantos de marcadores e teclas

de acionamento de alguma coisa da tal nave. Entre eles, o

cronômetro, que acusava a distância já percorrida; o

cronógrafo, que criava a média percorrida; marcadores de

nível de temperatura, oxigênio, combustível...

— Quanto tempo essa viagem vai demorar, senhor

Frene? — Perguntei.

— Aproximadamente seis horas!

— Por que a gente não usou a nave que me buscou na

Terra, pra essa viagem?

— Você viu o tamanho dela se compararmos com

essa? — Riu o senhor Frene.

— Pelo menos nossa viagem seria mais rápida!

— Nem tanto!

— Os dois astronautas, me disseram que ela viaja a

milhões de quilômetros por... segundo!

— Sim! — Confirmou o senhor Frene. — Mas no

espaço sideral! Não em órbita estelar!

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— O que quer dizer?

— Que mesmo aquela nave, em uma órbita onde há

atmosfera, não pode atingir altas velocidades.

— A tá! — Dei de ombros, sem, contudo entender

nada.

— Você precisa aprender muito ainda! — Riu ele. —

Mas vai aprender! Você ainda é muito jovem!

— Comparado ao senhor, sou apenas um bebê! Por

que é que vocês não geram mais filhos?

— Já lhe expliquei isso Regis, mais de uma vez!

— Não consigo compreender! Fizeram alguma

cirurgia?

— Nada disso! Você sabe que não!

— Como foi então? — Acho que estava querendo

assunto.

— Quando isso ocorreu, eu era mais jovem do que

você; tinha treze anos de idade, oito, se fosse na sua Terra.

Houve uma grande explosão no espaço, em uma estrela, que

se transformou em supernova, liberando grande quantidade

de raios cósmicos, a bilhões de quilômetros daqui. Bilhões

não! Trilhões! Cinco anos depois, a radiação causada por

aquela explosão, inundou todo nosso sistema estelar,

atingindo nosso organismo, criando mutação em nosso de-

ene-a e nos privando de ter filhos...

— Luecy disse que foi explosão nuclear! —

Interrompi.

— Não deixa de ter sido! Só que não foi em nosso

planeta! Eu já lhe contei que as estrelas também irão morrer?

Uma dessas danadas explodiu. Eu era apenas uma criança e

todos julgavam que seria o fim de nossa espécie. Foi aí, que

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Um menino no espaço – 2ª parte

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começamos a construir espaçonaves e tentar habitar outros

planetas. Algumas dessas naves retornaram alguns anos

depois, outras, provavelmente, se perderam ou morreram no

espaço e nunca mais retornaram. Pode ser também, que

encontraram um planeta ideal! Quem sabe! A nave em que

meu pai estava conseguiu chegar até Mercúrio, em seu

sistema solar; só que era um planeta deserto e sem vida. Não

pousou, continuando viagem até encontrar a Terra. Seu

planeta era excelente, pois era muito parecido com o nosso;

então meu pai, mais quinze tripulantes permaneceram por lá

durante quinze anos, depois resolveram voltar, pra ver o que

teria nos acontecido...

— E ele o deixou aqui? Entregue aos riscos de morrer

por radioa... radioat... Radi...ação!

— Não só a mim! Mas minha mãe e meus dois irmãos

mais velhos! Mas o que ele podia fazer? As naves eram

pequenas e poucos foram os escolhidos praquela missão...

— Só homens?

— O que importa? Era uma missão!

— Pra salvar a espécie?! Homens sozinhos não

salvam a espécie!

— Não sei se você é inteligente, ou é safadinho!

— Inteligente! — Ironizei.

— Algumas mulheres fizeram parte de todas as

tripulações!

— E por que demorou tanto pra voltar?

— Eles nem esperavam que a gente tivesse sobrevivi-

do! Voltaram mais, por curiosidade, em ver ao longe, o cruel

destino de seu mundo. Mas chegando aqui, já mais idosos,

me encontrou do jeito que sou hoje. Nosso povo mais idoso,

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Celso Innocente

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realmente havia falecido, os bem jovens, envelheceram um

pouco; as crianças chegaram até a fase adulta e deixaram de

envelhecer. Durante dezenas de anos analisando e estudan-

do, inclusive eu, descobrimos que o nosso planeta não estava

condenado. Descobrimos que éramos estéreis, porém imune

a quase todas as doenças, nos tornando assim, quase que

imortais.

— Por que imortais?

— A mesma radiação em nosso organismo, criou

uma camada protetora, em torno de nossas células, evitando

assim que elas envelheçam…

— E as novas células?

— Não há novas células!

— Como não? Células se multiplicam todas as horas!

— O que são novas células? Você sabe?

— Não senhor! Nunca estudei isso! O senhor nunca

me deixa estudar! Me rouba sempre de minha escola! Só vi

falar em um filme!

— Novas células, é a divisão de uma em duas,

fazendo elas se multiplicarem constantemente, como você

disse…

Acenei com os ombros, duvidoso, pois realmente

nunca estudara isto, que vem a ser matéria didática de

biologia, estudada provavelmente no segundo grau, ou

ensino médio, como queiram.

— A célula não envelhecendo, não se divide, não se

multiplica, não morre! Basicamente, sendo assim, somos

imortais!

— O senhor disse que as crianças continuaram

crescendo até a idade adulta! Como eu não cresço?

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Provavelmente nossos organismos começaram a

sofrer tal proteção ou mutação, com o início da radiação que

nos atingia. O organismo de uma criança se desenvolve de

maneira diferente a do organismo de um adulto. Talvez por

isso, a radiação inicial não as atingia. Agora a situação é

diferente, pois o planeta já está totalmente coberto.

Resultado: você será sempre bonitinho!

— Não existe nenhuma morte aqui?

— Claro que sim! Lembra-se do lhe que falei outro

dia? Se eu, por exemplo, jogar esta nave contra uma

montanha, ela explodirá e nós dois, poderemos dar adeus à

nossa bela vida imortal.

— Até quando?

— Até quando, o que?

— Até quando vocês serão imortais? Até quando

haverá radiação?

— Acreditamos Regis, que durante milhões de anos,

a radiação ainda vai continuar.

— Quando eu voltar pra Terra, à radiação sairá de

meu organismo? Ou mesmo estando lá, serei criança pra

sempre?

— Se você voltasse à Terra, seu organismo

continuaria o mesmo, por um período de uns dois anos,

depois aos poucos, se readaptaria e voltaria a envelhecer

normalmente.

— Não há perigo de na Terra eu não ter filhos...

quando crescer?

— Acho que há! Sua maturidade levaria muitos anos

pra voltar ao normal. Então você já estaria velho!

Fiquei triste e preocupado.

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— Não te preocupeis, menino Regis! — Disse Luecy.

— Você jamais retornará à Terra!

Concordei calado.

— Regis não está feliz conosco! — Insinuou Luecy.

Deu a impressão de que, até a voz metálica do robô,

soou com um tom muito triste.

— Ele ainda vai ser feliz, Luecy. — Afirmou o senhor

Frene. — Isso eu garanto!

— Duvido muito! — Caçoou Luecy.

É! Eu também não acreditava nada nisso. Até já

estava arrependido, em ter aceitado a tal proposta, imposta

para salvar meu irmão caçula.

— Regis, eu gostaria de fazer aquela cirurgia cerebral

em você.

Assustei-me.

— Pra que eu me esqueça da Terra? Nunca!

— Você prometeu não querer mais voltar! Então será

melhor pra você!

— Prometi não amolar o senhor, pra me levar de

volta! Não prometi me esquecer de lá!

— Será melhor!

— Não!

— A cirurgia é muito simples! Nada de cortes ou

injeções! Você apenas tomará um remédio líquido pra

dormir, então injetaremos uma sonda muito fina em sua

narina, que será conduzida até o cérebro e inibiremos apenas

um de seus milhões de neurônios, te privando de lembran-

ças passadas.

— Nada de injeções no traseiro! — Ironizou o robô.

— Você só sabe falar isso?! Robô idiota!

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— É pro seu bem, meu filhinho! — Insistiu o senhor

Frene.

— Não quero!

— Regis!

— Estou até querendo pedir ao senhor, pra me deixar

ver a Terra, todos os dias!

— Outra hora a gente fala sobre isso!

— Por que não, agora?

— Porque agora estamos passeando!

— Pois é! Não existe lugar melhor pra falarmos sobre

isso! Dentro de uma nave fechada, sem ter muito o que se

fazer!

— Temos o que fazer! Admirar a paisagem e nos

deliciarmos com uma viagem inédita pra você!

— Que paisagens? — Ironizei. — Nuvens?

— Seja um pouco grato, menino!

— Tá! — Fiquei nervoso. — Obrigado por me roubar

de minha mãe!

Calamo-nos.

Luecy também, apesar de gozador, acho que se

solidarizou comigo e quase não falou durante toda a viagem.

O senhor Frene, exigente, só conversava assuntos que a ele

interessava.

— Você se lembra de quando você foi à NASA? —

Perguntou-me ele.

Balancei os ombros como a dizer: “Como iria

esquecer?”

— Se lembra de Angra dos Reis? Laboratório de a

usina nuclear?

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— Não me esqueceria daquilo! — Insinuei lacônica-

mente.

— Fizeram teste em seu sangue! Pra ver se você tinha

radiação! Lembra?]

Balancei os ombros.

— Eles não foram muito justos com você! Usaram de

sua inocência e da ignorância de seu pai e fizeram um teste

perigoso em seu corpo!

— Como assim? — Me assustei.

— Não é tão grave! Mas eles deveriam ter pedido

permissão à seu pai para tal exame!

— Meu pai não é ignorante! — Me ofendi.

— É sim! Em medicina é!

— O que eles me fizeram? — Estava deveras preocu-

pado.

— Eles usaram Isótopos Radioativos Tálio, para

analisarem seus vasos sanguíneos...

— Isóooo... Isso é grave?

— Nem tanto! O organismo das pessoas acabam

expelindo o que não lhes convém. Se injetarmos be aga ce9

em seu organismo, assim mesmo ele tentará te salvar a vida,

batalhando uma guerra violenta contra tal veneno. Mas em

seu caso, suas células não envelhecem e seu sangue também,

tem alguma diferença entre o sangue de uma outra criança

9 O BHC é um inseticida e sua sigla advém do nome inglês - Benzene Hexachloride - é um produto que combate pragas na lavoura e ao entrar em contato com a pele tem efeito cumulativo, causando danos irreverssíveis ao sistema nervoso central. A absorção pelo organismo pode ocorrer por via oral, respiratória ou simples contato com a pele. Entre os sintomas estão convulsões, dores-de-cabeça, tremores, arritmia e até óbito em casos mais graves. O BHC foi bastante usado nas lavouras de café no Paraná.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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normal. O fato é que eles agiram de má fé! E se seu

organismo não expelisse tal substância nociva?

— Eles nem acreditaram muito em mim! — Aleguei.

— Se bem que estou me lixando pra eles!

— No que eles não acreditam?

— Disseram que se uma nave pousasse em minha

cidade, a radiação mataria toda a população de lá!

— Tem certa lógica essa ideia! Mas eu não tenho

intenção de levar morte à seu mundo, portanto tenho me

precavido sobre isso. Depois, o próprio espaço do vácuo

sideral, onde a temperatura é muito baixa, mata qualquer

tipo de vírus com que minha nave possa estar carregando.

— Será? — Duvidei.

— Imagine você de repente sair de um congelador

com mais de duzentos graus Celsius negativo e cair em uma

fornalha com duzentos graus positivos.

Dei de ombros.

— Isso acontece com nossa nave, ao deixar o vácuo

do cosmos e entrar na sua atmosfera terrestre. Será que

algum vírus sobrevive a isso?

— No vácuo, como o senhor diz, não existe nada?

— Pra explicar melhor, nos espaços que existem entre

nossos dois mundos, seu Sol e minhas estrelas Brina ou

Kristall, não existe esse tal vácuo que lhe disse; o que existe

mesmo é algo pelo qual seu povo chama de energia negra.

Graças a isso, o espaço não é plano como a gente imagina,

formando uma força denominada de onda gravitacional.

— Onda do mar?

— Isso! Imagine as ondas formadas em um mar

calmo; ou em um rio largo, em dia com vento. Nós

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aproveitamos este efeito de ondas do espaço, pra podermos

viajar a uma velocidade impossível no cosmos. É como se

encurtássemos o espaço à nossa frente e alongássemoss-lo no

que já passou. É o que seus escritores de ficção científica

chamam de velocidade de dobra.

— O Universo é doido! — Fiz careta.

— Não! O Universo é algo maravilhoso e de tamanho

inimaginável. Quem nos dera podermos realmente viajar

entre galáxias diferentes! Aí sim, você conheceria o

verdadeiro vácuo, que só existe separando esses verdadeiros

monstros, onde realmente não há nada!

— Senhor Frene, nós já viajamos pelo cosmos! — será

que ele se esquecera de que pertenço à Terra.

Diante da grandeza do Universo, nossas viagens são

como se você fosse a pé, na casa de sua amiguinha do lado.

— Regina!?

— O vácuo entre as galáxias, pode ter mais de vinte

milhões de anos luz de diâmetro.

Enchi a boca de ar, assoprando tudo a seguir e

passando a mão sobre a cabeça como a dizer, “não entendi

nadinha de nada”.

©©©

Após cinco horas e setenta minutos, a nave pousou

suavemente em um grande campo denominado astródromo,

de Orington, uma das gigantescas cidades eletrônica do

planeta (outra, como já mencionei, é Merlin), onde os prédios

eram todos baixos, também construídos em metal, aço ou

níquel.

Já havia me despido daquele macacãozinho Susteria-

no, ficando apenas de short cinza escuro, camiseta amarela,

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sem cavas, boné preto e tênis preto com solado branco. A

estrela Brina, devido ao fuso horário, acabara de aparecer,

conservando uma temperatura de trinta e cinco graus, às

primeiras marcações do relógio: estávamos as zero horas e

quarenta minutos daquele dia; ou seja: era como se

tivéssemos feito uma viagem ao passado, chegando ali antes

do horário em que saímos de Malderran.

Usando um carro de duas rodas, iguais os de

Malderran, seguimos para a parte central daquela gigante e

bonita cidade. O motorista, aparentando uns trinta anos,

conhecia muito bem o caminho e conversava muito,

principalmente comigo, que lhe perguntei:

— O senhor trabalha pro senhor Frene?

— Trabalho pra todo mundo, garoto! Mas pra você

não estou trabalhando! É um prazer enorme levá-lo à cidade!

Não vou cobrar o trabalho!

— Graças a você, Regis! — Insinuou o senhor Frene.

— Puxa saco! — Caçoou Luecy.

— Sem educação! — Chamei sua atenção.

— Sincero! — Tornou caçoar.

— Não sou puxa saco! — Negou o motorista. —

Estou dizendo a verdade!

— Só não entendi: graças a Regis! — Insinuei.

— Porque ele é seu amigo, ora! — Exclamou o senhor

Frene.

— Um de meus pais! — Insinuei rindo.

— Não! — Negou o motorista. — Seu amigo! Acho

que você já tem muitos pais!

— Dizem que tenho! Mas não conheço nenhum!

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— Seria melhor ter amigos do que pais! — Alegou o

motorista.

Mas eu não entendi o que ele quis dizer. Pra mim, pai

tem que ser amigo também! Pelo menos o meu pai, é meu

eterno amigo.

— Falando nisso senhor Frene, acho que precisava

ganhar alguma mesada! — Falei sério.

— Pra quê? — Se admirou ele. — Lhe darei de tudo o

que você quiser!

— De repente eu possa querer alguma coisa muito

cara e o senhor não puder ou não querer me dar! Se eu tiver

um tipo de mesada, posso juntar e nessas emergências... Sabe

como é!

— Bom de papo, menino! — Brincou o motorista.

— Se é meu pai! Em minha casa, apesar de pobres,

papai sempre nos dava algum dinheiro!

— Vou pensar nisso! — Riu o senhor Frene.

— Posso lhe dar mesada, garoto Regis! — Caçoou o

robô. — Ou cintada! Ou chinelada!

Em poucos minutos, descemos no centro da cidade,

sem pagar o motorista de praça, que nada quis receber do

senhor Frene. Observados por todos, entramos na primeira

loja, à nossa direção. O senhor Frene conversou com uma

moça, que apanhou uma pequena filmadora, do mesmo

tamanho das existentes em sua emissora de tevê, parecendo

ser de brinquedo, injetou-lhe um minúsculo cartão de metal

e me entregou dizendo:

— Experimente Regis! Se gostar será sua!

— Como sabe meu nome?

— Todos sabem! — Exclamou ela com bonito sorriso.

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Embora sem nenhuma prática, apoiei a máquina na

mão e comecei a filmar Luecy, a moça e todos na loja.

— Gostou Regis? — Perguntou-me o senhor Frene.

— Muito!

— Então é sua! Pra quê mesada?

A máquina era excelente e pequena. Tinha uma

objetiva ajustável eletrônica ou manual para mil metros, o

que permitia filmar alguma coisa que estivesse a um

quilômetro, como se estivesse a um passo. Um teclado com

caracteres em susteriano10 e um sistema de edição de

legenda, o que permitia legendar antes ou depois das

filmagens. Diversos efeitos que poderiam ser inseridos na

gravação, com um simples toque e muitas outras vantagens

em relação às filmadoras da Terra.

Alem da filmadora, o senhor Frene adquiriu uma

tevê de quarenta polegadas, da espessura de um quadro de

fotografia, com a qualidade da imagem em terceira

dimensão tão real, que, como os já conhecidos, era como se

estivéssemos olhando por uma janela e que nos permitia

pictures-in-pictures de até seis canais, embora só o central

tivesse áudio, coisa que na Terra, ainda não existia.

Um vídeo cassete do tamanho de um de meus

cartuchos de jogos Atari, que possuía um teclado externo,

com o dobro de seu tamanho, para legendar qualquer cartão,

mesmo que já estivesse gravado e mais a vantagem de serem

dois vídeos em um, o que na Terra as pessoas apelidam de

combo11, ótimo para copiar cartões, que para facilidade, eram

do mesmo tipo usado em minha nova filmadora.

10 Não me serviria para nada. 11 Abreviatura do inglês para combination. Em Português: sequência.

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O senhor Frene deixou um endereço para a moça e

sem levarmos nada, seguimos para outra loja ao lado, onde

conversou com outra moça, que depois de me mimar muito,

inclusive com beijos, como se eu fosse um grande galã (só

faltou pedir autógrafo), entrou por um corredor e voltou a

seguir com algo pequeno nas mãos. Entregou ao senhor

Frene, que passou para minhas mãos dizendo:

— Se você gostar será seu!

Era um pequeno e lindo relógio de pulso, com um

visor de cristal e as horas em digital. Sua cor era níquel e seu

visor, puxando para um vinho transparente e a hora,

indicada em verde. Havia quinze pequenas teclas, indicando

uma calculadora, porém, orientado pela vendedora, fiquei

sabendo que aquele relógio era um protótipo e fôra

fabricado especialmente para mim e que aquelas teclas

tinham outras funções, como: Tecla 1 – Acertar o mostrador.

Tecla 2 – Hora Susteriana local.

Tecla 3 – Hora Susteriana com fuso horário, podendo determinar

+1, +2, + xis...

Tecla 4 – Hora terráquea.

Tecla 5 – Cronômetro Susteriano.

Tecla 6 – Cronômetro terráqueo.

Tecla 7 – Calculadora.

Tecla 8 – Data terráquea: dia, mês, ano e semana.

Tecla 0 – Temperatura ambiente e umidade relativa do ar.

Tecla 9– Data susteriana: Dia, mês e ano (em Suster, o ano não é

- dividido em meses)

Tecla + - Despertador terráqueo.

Tecla - - Despertador Susteriano para hora local.

Tecla x – Entre a identificação do proprietário.

Tecla : - Dispara um bip em hora cheia

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Tecla = - Demonstração.

Já com o relógio no pulso e super exibido, acompa-

nhado por Luecy e o senhor Frene seguimos a um hotel,

anteriormente reservado.

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O novo dormitório.

hotel era o mais luxuoso possível, onde, a porta

toda em acrílico esverdeado, se abriu automáti-

camente e nós, acompanhado por um anfitrião, pisando em

tapete azul, com quase um palmo de espessura, seguimos até

o final do corredor, onde colocamos um pequeno cartão

magnético em um aparelho fixo na parede, fazendo com que

a porta se abrisse e nós entramos. Era uma suíte muito

bonita, com banheiro idêntico ao da residência do senhor

Frene; porém, no lugar de idiotas braços mecânicos, havia

diversos jatos de água, ideal para um tipo hidromassagem

no chuveiro, que mais tarde, ao experimentá-lo, percebi o

quanto era ideal para relaxamento muscular, depois de

muitas horas de atividades em planeta exageradamente

quente; uma sala com tevê, vídeo cassete, telefone, poltronas

estofadas com lã. O quarto com duas camas, onde o colchão

também era em lã, geladeira e piso forrado em azul.

Algum tempo mais tarde, recebemos no hotel, nossas

compras. O senhor Frene, colocou o micro cartão de

memória na filmadora e começou a gravar.

Entusiasmado com a brincadeira, me levantei da

poltrona onde assistia tevê e abracei Luecy, dizendo:

— Grave uma lembrança de meu amigo de lata!

O

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— Não gosto de merchandise! — Negou ele.

— Mercham... no quê? — Especulei fazendo careta.

— Analfabeto! — Caçoou o robô.

— Cala a boca! — Gritei.

— Chega! — Ordenou o senhor Frene que gravava

tudo.

— Só vamos fazer uma reportagem com você Luecy!

— Aleguei. — Pode?

— Não gosto de baboseiras!

— Deixe de ser chato! Você não é meu amigo?

— Regis! — Chamou o senhor Frene. — Vamos à

piscina?

— Onde?

— Tire a roupa, que lhe mostro.

— Não trouxe nenhuma sunga pra banho! — Neguei.

— Vá peladão, com o pipi à mostra grátis! — Caçoou

Luecy.

— Vá você seu enlatado!

— Não tenho pipi!

— Vá de cueca, Regis. — Sugeriu o senhor Frene. —

Ela é justinha e não vai sair!

Despi-me, ficando apenas de cueca. O senhor Frene

me imitou, vestindo uma bermuda tipo brim. Então com a

câmera na mão, saímos pelos fundos do hotel e chegamos à

bonita piscina de água esverdeada e transparente.

— Parece aquecida!

— Pra que? Numa temperatura de quase quarenta

graus!

— Cuidado garoto Regis! — Advertiu Luecy. — A

piscina é funda!

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— Obrigado pelo conselho! Mas eu sei nadar muito

bem!

O senhor Frene ligou a câmera e eu, sem me

preocupar com ela e sim, com a delícia de uma piscina, saltei

em suas águas quentes. Realmente, ela era funda e tinha

inclusive, trampolins.

Outros hóspedes estavam desfrutando daquela

delícia e dentro d’água vinham conversar comigo. Minha

cuéquinha, apesar de justa, às vezes devido meus saltos,

escorria até quase os joelhos. Eu, porém, talvez voltando a

inocência de quando era apenas um menininho de sítio, que

nadava nu nos rios, a puxava novamente para cima, sem me

importar muito. Isso significava que minha timidez, vinha

do fato de atitudes sarcásticas de alguns e não do fato de

estar ou não, vestido.

— Senhor Frene! — Chamei-o. — Chega com esta

câmera! Venha nadar um pouco!

Ele passou a câmera à Luecy, que continuou gravan-

do. Subiu no trampolim mais alto, saltando de pirueta.

— Não faça isso, senhor Frene! — Pedi.

— Por que, Regis? Não há perigo!

— Tem sim! No planeta Mark Três, um filhote saltou

de cima da árvore e caiu em cima de outro pequeno, que

quase morreu!

— Descuido, Regis! Eu tenho cuidado!

Então saí da água e corri a subir naquele trampolim.

— Desça daí garoto! — Ordenou-me ele. — Você não

sabe saltar!

— Claro que sei!

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E antes que ele tentasse me proibir, saltei lá de cima e

de pé, caí indo bater os pés no fundo da piscina e voltando

imediatamente à margem d´água. O senhor Frene, em um

segundo, já estava junto comigo, me segurando.

— Por que você fez isso, Regis? E se você se

machuca?

— Não machuca nada! Lá na Terra eu saltava

também!

— Pulava da beira da piscina! Nunca de um

trampolim!

— É a mesma coisa!

Podia até ser, mas no planeta Mark III, eu tivera

medo de saltar junto com os filhotes da beira do barranco.

Saímos da água; então corri a apanhar a câmera das mãos de

Luecy.

— Dê-me a máquina Luecy! — Pedi.

— Está com ciúmes?

— Que ciúmes! Só quero gravar você!

Desligou a câmera e me entregou; então comecei a

gravá-lo. Ele percebendo, começou a fazer gracinha.

— Salte na piscina, Luecy! — Pedi.

— Robô detesta água!

— Ela enferruja suas patas! Não é?

— Queima meus circuitos eletrônicos!

Passamos algumas horas naquela bela piscina; então

entramos para a suíte e fomos tomar banho. Eu, sendo crian-

ça, com os jatos de hidromassagem ligado, tomava banho

com a porta aberta e claro, o box transparente fechado.

Quando percebi, Luecy com a filmadora ligada, me gravava

no banho dizendo:

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— Garoto Regis: Faça uma pose bonita!

Vendo aquilo, camuflei meus genitais com as mãos,

gritando:

— Seu enlatado, pode apagar isso!

— Impossível!

— Desligue logo!

— Você é fotogênico!

— Desligue logo, seu robô idiota!

— Não vou desligar!

Abri o box, jogando-lhe um monte de água, então ele

desligou e se retirou.

Logo depois, acabei de tomar banho, me enrolei na

toalha e segui para o quarto. Enquanto me enxugava, o

senhor Frene seguiu para o banho. Vesti uma cueca seca, um

short branco e penteei os cabelos.

— Surpresa! — Gritou Luecy, aparecendo no

corredor com a filmadora ligada.

— Não vai me dizer que…

— Está tudo registrado para a posteridade.

— Pode apagar tudo!

— É impossível!

Fui até a entrada do banheiro e reclamei com o

senhor Frene

— Senhor Frene, o Luecy me gravou sem roupa e ele

vai ter que apagar!

— Vou encaminhar para a televisão! Será exibido em

rede mundial!

— Vai uma ova! Pode me entregar aqui!

Ele ejetou o cartão de memória e me entregou a

câmera dizendo:

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— Você jamais terá pose deste documentário!

— Você é meu robô, Luecy e eu ordeno que me

devolva este cartão!

— Negativo!

— Senhor Frene, mande que ele me entregue este

cartão! — Fiquei bravo.

— Calma, Regis! Depois a gente pega!

Luecy seguiu para a sala, injetou o cartão no leitor de

vídeo, ligou a tevê e o vídeo, reproduzindo todo o conteúdo

gravado, porém, adiantando para as imagens gravadas no

banheiro. Avancei contra o vídeo, para sacar o cartão, mas

ele esperto, me segurou com força pelos braços, me

prendendo na poltrona.

— Me solta seu robô hipócrita! Está me machucando!

— Não estou lhe machucando! — Negou ele.

Realmente não estava.

— Senhor Frene: — Pedi. — desligue este vídeo!

— Deixe rodar, Regis! Quanto mais você insistir, mais

Luecy te incomodará.

— Quem é que está pelado? É o senhor?

— Até parece que eu quero ver você pelado! Nem

Luecy quer! Ele só faz isso, porque você fica bravo!

— Fico mesmo! Eu não gosto! — Aleguei chorando.

— Mande este robô enferrujado me soltar!

— Enferrujada está ficando sua cara molhada! —

Caçoou o robô.

O senhor Frene desligou o vídeo e pediu:

— Deixe o garoto em paz, Luecy!

— Estraga prazer! — Insinuou ele, me soltando.

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Celso Innocente

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Por mais alguns minutos, continuei na poltrona, com

cara de lágrimas. Luecy ejetou o cartão do vídeo e me

entregou dizendo:

— Façamos as pazes!

— Não senhor! — Neguei entre choro e riso,

tomando-lhe o cartão de memória.

— Prometo jamais filmá-lo com a torneirinha à

mostra grátis!

— Não quero mais ser seu amigo! Vou pedir ao

senhor Frene, pra transformá-lo numa galinha!

— Co-co-ré-co! — Caçoou ele.

— Por que vocês dois só vivem brigando? — Pergun-

tou o senhor Frene. — Minha idéia era que vocês fossem

amigos!

— Não quero ser amigo desta peste enlatada!

— Gosto de você, garoto Regis!

— Obrigado! Não me interessa sua amizade!

— Então me devolva o cartão!

— Devolvo uma ova! O cartão é meu!

— Empreste-me o cartão pra gente assistir, Regis. —

Pediu o senhor Frene.

Quando fui recusar, ele completou:

— O começo!

Entreguei-lhe o cartão. Ele colocou no leitor do vídeo

e passamos a assistir do início. Pouco tempo depois, estava

dormindo na poltrona, enquanto que eles continuaram

assistindo, com certeza até o final.

Senti estar sendo carregado e percebi que Luecy me

levava para a cama.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Estou levando meu nenenzão para dormir! — O

Alegou.

— Pode me soltar! — Ordenei preguiçoso. — Eu sei ir

sozinho!

— Ingrato!

Não me soltou. Levou-me até uma das camas, me

colocando com cuidado, onde, continuei dormindo.

©©©

Cansado da viagem, das compras e da piscina, dormi

por quase dez horas terráqueas e ao acordar, percebi que o

senhor Frene continuava dormindo. Olhei para meu novo

relógio no pulso e vi que eram dezessete horas e dez

minutos, ali em Orington. Apertei a tecla dois e vi que em

Malderran eram vinte e quatro horas e trinta minutos12;

apertei a tecla quatro e vi que na Terra, era então quatro de

Abril de um mil novecentos e oitenta e dois; domingo, treze

horas. Meus onze anos de idade já estavam completos há

mais de um mês. Apertei a tecla nove e vi que em Suster,

estávamos no dia cinquenta e cinco do ano sessenta e três.

Na realidade era o ano cinco mil, duzentos e sessenta e três,

da nova era. Apertei a tecla zero e vi que ali, agora,

estávamos com trinta graus centígrados e cinquenta e dois

por cento de umidade relativa do ar. A Estrela Kristall,

surgira no Céu, a pouco mais de uma hora. Apertei a tecla X

e a seguir a tecla um: a primeira letra do mostrador começou

a piscar; apertei novamente a tecla X; a primeira letra

começou a avançar lentamente, em ordem alfabética

portuguesa, uma a cada segundo. Chegando a letra R,

apertei um e a letra R parou de piscar, vindo a piscar a

12 Lá existe um fuso-horário de mais sete horas e vinte minutos.

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Celso Innocente

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segunda letra; deixei avançar até a letra E, então mudei para

a terceira letra e assim sucessivamente, até formar o nome

REGIS FA (Fernando Araújo).

Levantei-me, seguindo até o banheiro, onde escovei

os dentes e lavei o rosto; voltei até o quarto, tirei aquele

shortinho, vesti uma calça comprida e uma camisa nas cores

amarelo e azul, calcei uma botinha amarela e saí da suíte,

indo até a portaria, onde perguntei a uma recepcionista:

— Estou com fome. Onde acho o que comer?

— Siga até o final do corredor e entre à direita. Lá é o

refeitório.

Segui pelo corredor, entrei no refeitório e sentei-me

diante de uma mesa feita em metal e acrílico. Pouco depois,

uma jovem muito simpática, depois de me paparicar, me

serviu com diversas e deliciosas guloseimas, doces e

salgadas.

Às dezenove horas e quarenta minutos, tomamos um

carro de praça e com as compras, seguimos ao campo de

pouso, colocamos tudo em nossa nave e em poucos minutos,

estávamos retornando à Malderran.

©©©

Pousamos em Malderran, no grande campo de

pouso, diante da grã-fina residência, há uma hora e quinze

minutos, do dia cinquenta e seis.

O senhor Frene pediu auxilio pelo rádio e em poucos

minutos apareceu um pequeno carro sem portas, dirigido

também eletronicamente. Descarregamos à nave, carregamos

o carro, levando tudo à grande residência.

Os aparelhos adquiridos em Orington, não foram

levados a meu quarto e sim, a outro, defronte. Minha cama

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Um menino no espaço – 2ª parte

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de solteiro, fôra substituída por uma grande, linda e

confortável cama de casal; um armário com todas minhas

roupas susterianas e terráqueas; uma estante, onde foi

colocados a tevê e o vídeo; uma grande e magnífica cortina

negra, muito escura na janela; duas poltronas brancas para

visita; duas molduras grandes na parede, sendo uma delas,

de quando eu tinha uns quatro anos na Terra e outra, bem

recente, ali mesmo em Malderran; mais um pequeno

aparelho de condicionador de ar.

— A partir de hoje, este será seu novo aposento. —

Afirmou o senhor Frene.

— Por quê?

— Aqui há cortina escura, para quando você sentir

saudade de escuridão. — Fechou a cortina, deixando o

quarto, um verdadeiro breu. — E ar condicionado, devido o

calor.

— Por que tudo isso?

— Você é acostumado a dormir no escuro, Regis!

Aqui é muito claro; por isso uma cortina bem escura! Aqui

também faz muito calor!

— Tudo bem! Acho que gosto desse quarto!

— Acha, ou tem certeza?

— Acho! O outro também tem ar fresco!

— Como assim? Não gostou da noite artificial?

— Claro que gostei! Nunca gostei de dormir com

claridade!

Ele me mostrou que na porta de saída, existia uma

tranca.

— Quando você preferir ter privacidade poderá

deixar a porta trancada! O outro quarto não tinha isto!

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— Pra que?

— Têm horas em que a gente, mesmo sendo criança,

prefere ficar sozinho!

Apanhei a filmadora e guardei-a no armário, junto

com as roupas.

— Obrigado senhor Frene, pelos presentes! —

Agradeci. — Na Terra, acho que jamais teria tudo isso!

Ele sorriu dizendo:

— Depois peço a alguém, pra vir instalar a tevê e o

vídeo.

Apanhou minha bolsa escolar que estava sobre a

mesa e perguntou:

— Posso ver seus cadernos?

Acenei que sim. Ele sentou-se numa poltrona e

começou a folhear meus livros e cadernos escolares. Eu,

cansado e com calor, tirei a botinha e a roupa, vesti apenas

um short e me deitei.

— Muito bem cuidado seus cadernos! — Insinuou o

senhor Frene.

— Por que o senhor sabe ler minhas letras e os

demais susterianos não?

— Porque eu estudei com você desde o pré-primário!

Comecei fazendo bolinhas e rabisquinhos!

Imaginando o senhor Frene numa cadeira escolar,

com um montão de crianças de seis anos, achei graça e ri:

— Qual o problema, Regis? — Perguntou-me ele.

— Nenhum! O senhor também sabe falar comigo,

mesmo que eu não usar este aparelho. — Tirei o aparelhinho

tradutor de meu pescoço, deixando-o sobre a cama.

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— Como sabe? — Questionou-me ele em um Portu-

guês um pouco atrapalhado.

— Outro dia o senhor chamou minha atenção em

meu idioma! Eu estava sem o aparelhinho.

Sentei-me na cama, chamando-o:

— Por que o senhor não senta do meu lado, pra que

eu também possa ver os cadernos?

Ele atendeu meu pedido sem contestar.

Entre as folhas de meu caderno de linguagem, ele

encontrou uma redação e leu:

Acabando de ler, ele me abraçou dizendo:

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Celso Innocente

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— Você é um garoto muito inteligente!

— Escreva meu nome em seu idioma!

Ele escreveu. Quer dizer, desenhou:

©©©

Devagar o tempo foi passando e em Suster eu

continuava a mesma rotina de sempre. Meu relógio de pulso

acusava então, trinta e um de Maio de mil novecentos e

oitenta e três; terça-feira; já havia completado doze anos na

Terra; dezoito anos em Suster. O acordo firmado com o

senhor Frene, estava sendo muito difícil de ser cumprido,

pois meu coraçãozinho de criança doía muito de saudades.

Já fazia quase dois anos que havia deixado a Terra. Em

Suster, minha principal diversão era a filmadora, pelo menos

no início, depois foi ficando cada vez mais sem graça. Ainda

brigava muito com Luecy, mas era uma briga meio que de

brincadeira ou gozação. Quer dizer: eu brigava, mas ele

nunca me levava a sério. As imagens impróprias, a meu

ponto de ver, que ele gravara de mim, em um hotel de

Orington, nunca tivera coragem de apagar, então guardava

comigo, escondido de todos.

Outra e talvez a diversão a qual mais me dedicasse,

depois de abandonar a filmadora, era a bonita piscina, onde

passava várias horas diárias, geralmente sozinho, fingindo

inclusive, estar acompanhado por outras crianças, meninos e

meninas, como Erick, Beth, Regina, Paulinho...

Encontrava-me então, naquele bonito jardim da

residência; um carro chegou de repente, parando diante de

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mim; dele saltou o senhor Frene, que a me ver tão triste, se

aproximou perguntando:

— O que houve Regis? Você está muito triste!

— Estou muito magoado mesmo, senhor Frene! Faz

quase dois anos que saí da Terra; meus coleguinhas de escola

estão todos na sexta série e eu continuo um burro, parado na

terceira série.

— Não se diz burro, Regis! Você é muito inteligente e

quis dizer, analfabeto!

— Que seja! Burro ou analfabeto é a mesma coisa! Por

favor: Me deixe voltar pra casa!

Ele me abraçou, caminhou comigo até o banco da

entrada da residência, onde sentamos e ele me cobrou, como

sempre fazia:

— Lembra-se de nosso acordo?

Acenei que sim:

Então! Você foi o preço da vida de seu irmão. Você

nos pertence; tem que ficar conosco!

— Não posso mais ficar aqui! — Aleguei quase

chorando. — Se ficar, vou acabar morrendo!

— Não! Não vai! Aqui você será sempre imortal!

— De que me adianta isso, se eu nunca sou feliz!

— Nós estamos tentando fazê-lo feliz, garoto!

— Então faça senhor Frene! Faça como da outra vez!

Dê-me aquela grande prova de amor, me devolvendo pra

Terra!

— Não posso! Arrependi muito tê-lo deixado partir

da outra vez.

— Por favor! — Pedi com lágrimas.

— Aqui é seu lugar e aqui você vai ficar!

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— Mesmo que eu seja sempre infeliz?

— Nós fizemos um acordo, Regis! Seu irmão se

salvou por isso! Lembra?

— Nunca me esqueço! Mas meu coração fica doendo

muito! Por favor! Pelo amor que o senhor diz ter por mim!

— Garoto, não judie assim de mim!

— Estou sofrendo muito senhor Frene! Não estou

brincando!

— A gente te ama tanto, garoto! Não faça assim

conosco!

— Não sou eu! É meu coração!

— Seu coração é apenas um órgão de carne, como

qualquer outro órgão em seu corpo.

— Por que o senhor finge não compreender as coisas

senhor Frene? O senhor sabe do que estou falando!

— Não sei nada! — Retrucou ele. — Coração é carne!

— Acho que é minha alma… que dói! Mas o coração

de carne, também dói junto!

— Vamos fazer aquela cirurgia, Regis? É pro seu

bem!

— Não! Não quero!

— Você ficará feliz aqui! Vai se sentir um garoto de

Suster e será eterno!

— Por favor, não!

— Nós não podemos levá-lo de volta! Foi um acordo

firmado conosco e depois, devolver você à Terra, não

depende só de mim. Você pertence a todos nós.

— Eu não pertenço a ninguém! Ninguém manda em

mim! Nem meus pais, quanto mais vocês!

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— Regis, fizemos um acordo: Você fica aqui, em troca

da saúde de Paulinho.

— Foi uma chantagem!

— Pode ser! Preciso dela! Mas eu não joguei seu

maninho na frente do carro! Alterei o destino dele, salvando-

lhe a vida. Agora ele é seu substituto por lá! Você nos

pertence!

— Isso nunca foi amor!

— Este é o jeito de conseguirmos seu amor!

— Amor ou amizade, não se compra, senhor Frene!

Um verdadeiro amigo meu da Terra, que me ama de

verdade, me ensinou isso!

— Tudo bem! — Insinuou ele sério. — Faço outro

acordo com você. Alterei seu destino na Terra, então te

devolvo hoje mesmo...

Suspirei aliviado. Mas ele ainda não tinha terminado.

— ...Ao mesmo tempo, alterei o destino de Paulinho

na Terra. Ele não deveria estar mais lá! Trago ele pra cá! Ele

se parece muito contigo e já está com quase a mesma idade

que você tinha quando veio.

Senti como uma punhalada no peito.

O senhor Frene pensou um pouco e em tom irônico,

emendou:

— Topa?

— Paulinho tem apenas sete anos de idade!

— Aceito ele em troca de você! Topa?

Permaneci calado por mais alguns segundos, depois

triste neguei:

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— Não! Eu fico! Embora o senhor saiba que serei

eternamente infeliz e sendo assim, saiba também, que nunca

poderei retribuir o amor, que o senhor diz ter por mim.

— Precisamos de você, menino! Já lhe disse mil vezes

isso!

— Não vejo por que! Não tenho nada de especial! Sou

apenas um menino... triste!

— Vamos ao parque de diversões, aliviarmos a

cabeça?

— Não quero!

Levantei-me e corri para o campo de pouso, me

escondendo atrás de um galpão, onde fiquei chorando. É: eu

era chorão! Ou não? Estava era sofrendo de saudades e

quem me considerar chorão, que experimente ficar por dois

anos, longe dos pais e amigos, sem dar ou ter notícias. É

triste só de imaginar.

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Telepatia

lguns dias depois, preparado para ir à piscina,

estava de sunga, deitado em minha cama,

assistindo a um vídeo, o qual eu mesmo gravara, com

bonitas imagens de Leandra, no bonito jardim daquela

residência, quando a porta se abriu e entrou o senhor Frene,

que vendo as imagens na tevê, sentou-se em minha cama e

insinuou:

— Bonitas imagens! Você aprendeu muito a usar a

filmadora. Está apaixonado por Leandra?

— Acha? Ela é muito mais velha do que eu!

— Isso não tem problema!

— Quando ela já era adulta, eu nem sei onde que eu

estava!

— Nem seus bisavôs sonhavam em nascer! Não?

— Puxa! Partindo dessa hipótese, dá pra imaginar o

quanto ela é velha!

— Que isso Regis! Ela é bastante jovem!

Sentei-me na cama, abracei e beijei o rosto do senhor

Frene.

— O que você deseja garoto? — Perguntou-me.

— Não disse nada!

— Você não me beija de graça!

A

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— Por que o senhor não me troca pelo Erick?

— Já falamos muitas vezes sobre isso.

— Ele se sentiria feliz aqui…

— Como você sabe?

— Ele está abandonado e queria vir pra cá!

— O Erick já tem onze anos, Regis! Ele não é mais de

seu tamanho!

— Mas ele gostaria de vir! E ainda é criança!

— Depois de todo esse tempo, ele já deve ter mudado

de idéia.

— Não mudou! Tenho certeza!

— Posso lhe conceder um desejo. Você gostaria de

falar com ele?

— Posso?

— Se você quiser, eu deixo!

— Quero sim! Mas como?

— Telepatia! Transmissão de pensamentos!

— Ele vai me ouvir?

— E você o ouvirá!

— Quando?

— Que horas são agora, na Terra?

Apertei a tecla quatro de meu relógio e confirmei:

— Três e quarenta e dois da manhã.

— Então ele está dormindo agora. Quando for umas

seis e meia, ele deverá acordar pra ir à escola. Será uma

ótima hora, pra que vocês falem.

— Ele estuda à tarde senhor Frene! — Lembrei-o.

— Não! Agora ele estuda de manhã! Da quinta à

oitava série, as crianças estudam de manhã! Ele está na sexta!

— É verdade! E como eu faço?

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— Às seis e meia, a gente se encontra na sala do

computador. Tudo bem?

Acenei que sim.

— Você se lembra de quando lá na Terra você estava

na NASA e um homem lhe questionou sobre meu mundo?

— Prosseguiu o senhor Frene.

— Como assim?

— Um dos engenheiros espaciais lhe questionou, não

compreendendo o porquê de se meu planeta estar em uma

distância bem maior do que a Terra em relação as estrela

mães e o ano ser menor!

— Eu me lembro disso! Mas não sei nada sobre ano

ou estrela!

— É que os planetas possuem duas características

comuns, que os humanos usam para medir o dia, a semana e

o ano; o tal movimento de rotação e translação. No

movimento de rotação, o planeta gira em torno de seu

próprio eixo imaginário, criando o dia. No caso, sua Terra

gira assim a quatrocentos e sessenta e cinco metros por

segundo, enquanto que meu querido Suster, mais pesadão

devido seu imenso tamanho, gira do mesmo modo a onze

mil metros por segundo, perfazendo nosso dia de trinta e

duas horas...

— Como o senhor sabe tudo isso?

— Cinco mil anos de estudo! — Riu ele.

— Mas como o senhor sabe tanto sobre a Terra?

— Estudei um pouco sobre ela, para poder buscá-lo!

— Tá! — Concluí triste, sabendo que era um

prisioneiro, naquele mundo perdido no espaço sideral.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Mas ainda não lhe disse o mais incrível! Como

Suster, com uma grande distância de Brina e Kristall,

consegue fazer seu movimento de translação em prazo

menor do que a Terra!

— Girando mais rápido! Lógico! — Conclui com cara

de sabido.

— Nem só! — Discordou ele. — Como Suster

consegue transladar entre duas estrelas gigantes?

Dei de ombros. Era muito complicado, para meus

meros doze anos terráqueos.

— Na verdade, Suster, como fica na órbita entre duas

estrelas, não consegue girar em torno de nenhuma delas,

então, gira em um movimento elíptico, em um vácuo

permanente. É como se você fosse uma peça metálica e

estivesse entre dois grandes campos magnéticos, cada um

deles puxando para seu lado e assim, você permanece

perdido no centro, girando então curiosamente à mesma

velocidade de sua Terra em uma órbita maluca menor:

pouco mais de seiscentos e oito milhões de quilômetros...

— Menor!?... Tudo isso e o senhor diz menor?

— A órbita de sua Terra é de novecentos e sessenta e

cinco milhões de quilômetros!

— Chega disso! — Passeia a mão sobre a cabeça. —

Estou ficando cada vez mais confuso.

Ele se levantou e saiu. Na porta de saída, virou-se

dizendo:

— Seis e meia, na Terra!

— O que que tem?

— Na sala do computador!

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A imagem no vídeo exibia Luecy com suas gozações.

Levantei-me, desliguei o vídeo e a tevê, coloquei um short e

uma camiseta e me retirei do quarto, indo ao encontro do

pátio, nos fundos daquela mansão. Deitei-me em uma esteira

de acrílico, próximo a piscina, coloquei os braços sobre os

olhos e fiquei pensando, na conversa que teria com meu

amiguinho da escola, que era muito carente.

Quando fui raptado na Terra, Erick estava morando

próximo à minha casa, pois a mulher com que ele morava

perto da igreja de Fátima, havia brigado com a mãe dele e

então o expulsou de sua casa. A mulher que então cuidava

dele, era muito boa, mas seu marido era um alcoólatra e

ofendia muito meu amiguinho, chamando-o principalmente

de vagabundo.

Durante as três horas que faltava para ele acordar,

passei ali na piscina. A princípio, ali deitado, pensando;

pouco depois, incentivado por Leandra, que chegara, me

despi novamente e fomos nadar e brincar na água. Ela era

realmente uma garota muito linda; aparentando pouco mais

de vinte anos e ali, de maiô, estava ainda mais linda. Gostava

muito de estar comigo; aliás, como todos naquele planeta. Eu

também, entre todos, preferia estar com ela, pois alem de

minha amiga, era muito carinhosa e jamais caçoara ou

judiara de mim. Dentro d’água, me pegava no colo e me

jogava para o alto, só para me ver cair de mergulhão dentro

da água. Eu, como tinha muito tempo, como já disse, usava

muitas vezes esse tempo na piscina e com isto, me tornara

exímio nadador. Era como todos dizem: um verdadeiro

peixinho dentro d’água. Leandra não era minha namorada,

mas era minha amiga predileta; tão amiga, que se

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Um menino no espaço – 2ª parte

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dependesse dela, já teria me devolvido a meus pais, há

muito tempo.

Luecy surgira com minha filmadora, registrando toda

minha façanha com Leandra. A princípio não havia notado,

depois, quando o vi, fingi ignorá-lo. Eram cenas, as quais eu

queria mesmo que fossem registradas; cenas para serem

guardadas para sempre.

As horas passaram rápidas e quando, saindo da

piscina e olhando meu relógio na esteira, notei que já eram

seis e vinte da manhã, na Terra.

— Leandra, preciso ir agora! — Insinuei.

— Por quê?

— Tenho um encontro muito importante, agora!

— Com quem? Uma namorada?

— Não! — Ri. — Minha namorada é você!

— Então fique comigo!

— É muito importante! Depois eu te conto! Tá?

Acenou que sim e então saí apressado. Limpei os pés

no tapete de entrada e fui até meu quarto, apanhei uma

toalha no armário, me enrolei nela e corri até a sala do

computador. O senhor Frene estava sentado em sua

poltrona, diante do monitor desligado.

— Por que essa toalha? — Perguntou ele.

— Estava na piscina!

— Não teve tempo de tomar banho?

— Me esqueci da hora! O senhor não vai ligar o

televisor com a Terra?

— Claro que sim! Mas antes tenho que lhe pedir uma

coisa.

— O que é?

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— Você terá uma pequena surpresa! Promete ficar

calmo?

— O que aconteceu com o Erick?

— Ele está muito bem!

Ligou o monitor, apertou algumas teclas no computa-

dor e então vimos a Terra se aproximando, como no zoom de

uma câmera fotográfica potente. Vi o Brasil... Minha cidade...

Minha rua... Minha casa... E meu quarto. Tive realmente uma

surpresa: Erick, de cabelos castanhos, curto, dormia tranqui-

lo em minha cama.

— O que ele está fazendo lá, senhor Frene?

— Com certeza, está morando com seus pais!

— Dormindo na minha cama?

— Coitado Regis! Ele não tem uma família decente!

— Não me importa que ele more em minha casa! Até

havia falado sobre isso com minha mãe; mas ela disse que

não poderia. Acho que mudou de idéia. Mas tinha que

dormir na minha cama?

Poucos segundos depois, minha mãe chegou ao lado

da cama e o chamou:

— Erick, hora de levantar!

Ele abriu os olhos, se espreguiçou, enquanto minha

mãe fôra acordar as demais crianças.

— Regis, ele está acordado. Concentre-se e não pense

em mais nada, a não ser no nome dele, como se você o

estivesse chamando por várias vezes. Eu estarei em silêncio,

mas ele te ouvirá!

Então firmei os olhos no monitor e em pensamentos

comecei a chamá-lo:

— Erick… Erick… Erick… Você está me ouvindo?…

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Um menino no espaço – 2ª parte

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A oitenta e sete anos-luz dali, o garoto olhou para o

teto espantado e perguntou:

— Regis! É Você?

— Sim, sou eu Erick! Lembra-se de mim?

— Onde você está?

— Em Suster é claro!

— Como eu posso te ouvir?

— O senhor Frene me deixou falar com você!

— Como assim? Quando você vai voltar?

— Não sei!

— Por quê?

— Ele quer que eu fique aqui pra sempre!

— E você vai ficar?

— Não quero ficar!

— Eu estou morando em sua casa!

— Eu sei!

— Como?

— Estou vendo você!

— Duvido!

— Claro que estou!

— Então fale: que cor é minha roupa?

— Se você se descobrir eu posso ver!

Ele se descobriu e eu disse:

— Short azul e camiseta amarela.

— Que magnífico Regis!

— Parece o Zico da seleção brasileira! — Brinquei.

— Por que eu não posso te ver?

— Não tem como! Você está grande!

— E você? Que tamanho está?

— Igual quando saí daí!

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Celso Innocente

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— Que esplendido! Você continua criancinha?

— Ficando aqui em Suster, eu não cresço jamais!

— Tem certeza que não estou sonhando?

— De um beliscão em seu braço pra ver! — Ironizei

rindo.

O bobão fez isso mesmo. E fez até careta, ao perceber

que doeu.

— E minha mãe, como está? — Perguntei-lhe sério.

— Ela está bem, Regis! Sente muita sua falta! Vive

falando em você! Mas sabe onde você está!

— Você pede pra ela não sofrer por minha causa?

— Claro que falo!

— E diga a ela, que fiquei contente em ter deixado

você morar aí! Quanto tempo faz que você está aí?

— Uns dois meses!

— E sua mãe?

— Ela só me visita de vez em quando! Faz uns dez

dias que ela esteve aqui.

— Você ainda gostaria de vir pra Suster?

— Se gostaria!? Aí deve ser legal à beça! Por que você

não pede a eles pra me buscar? Eu me tornaria seu fiel

companheiro!

— Outro dia volto a falar com você, Erick! Agora

você precisa ir à escola!

— Ainda está cedo!

Antes que continuasse a falar com meu amiguinho, o

senhor Frene desligou o monitor, tirando a minha concentra-

ção.

— O senhor não vai mesmo me trocar por ele?

— Lembre-se de nosso acordo!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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©©©

O tempo continuou passando monótono. E pratica-

mente minha única diversão, era mesmo, como já disse,

brincar na piscina; às vezes sozinho, outras vezes

acompanhado por Leandra; conversava e brigava muito com

Luecy... Ia à televisão... Ao parque de diversões. Mas nunca

tive o prazer de conhecer os verdadeiros médicos, que

salvaram a vida de Paulinho, na época do acidente. O senhor

Frene, sempre me prometia que eu os conheceria, mas como

Merlin era muito distante de Malderran, a viagem sempre

era adiada. Também, ele jamais aceitou buscar Erick na

Terra, pois eu não queria a simples presença dele; queria

mesmo era ser trocado por ele, o que os susterianos não

aceitavam.

Eu continuava um mero menino, com todo o tempo

ocioso, sem fazer praticamente nada de útil... Sem conhecer

praticamente ninguém de meus supostos pais alienígenas,

me sentindo como sempre, um obsoleto boneco de

brinquedo, daquela residência dos governantes de um

planeta gigante.

Na Terra era então, vinte e três de Novembro de um

mil novecentos e oitenta e três; sexagésimo quinto ano em

Suster. Havia acabado de me levantar, abri as grandes

cortinas negras de meu quarto e corri ao banheiro para

minhas necessidades fisiológicas, depois lavar o rosto e

escovar os dentes. Estávamos nos primeiros quinze minutos

daquele dia e a estrela Brina, já surgia no horizonte,

avisando à Kristall, que era hora dela desaparecer, indo pros

lados de Merlin.

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Celso Innocente

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Segui para a sala do computador, sentei-me na

poltrona do senhor Frene e tentei fazê-lo funcionar. Tive

uma surpresa: ao acionar a tecla que o ligava, um pequeno

led azul se acendeu, disparando um alarme em forma de bip.

Assustei-me e tentei desligá-lo, sem, contudo conseguir.

Não se passou trinta segundos e o senhor Frene

apareceu:

— O que você está fazendo aqui, Regis?

— Tentando ver minha família na Terra!

Desligou o alarme dizendo:

— Você não consegue ligá-lo! Ele foi reprogramado e

apenas uma pessoa pode usá-lo. Eu!

— Não confia mesmo em mim!

— Se confiasse você teria mexido!

— Senhor Frene: lembra daquela cirurgia que o

senhor queria fazer em mim?

— O que tem ela?

— O senhor ainda quer fazê-la?

— Não a faremos contra sua vontade!

— Eu quero fazê-la!

Ele se espantou e perguntou:

— Por quê?

— Sinto muita falta da Terra! Meu coração vive

doente! O senhor disse, que fazendo esta cirurgia, tudo isso

vai passar.

— Vai mesmo!

— Eu quero fazê-la! Agora!

Abraçou-me; beijou meu rosto e disse:

— Então vamos tomar café, rápido, para irmos ao

hospital.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Aproximadamente uma hora depois, acompanhado

por Leandra e o senhor Frene, estava naquele gigante

hospital.

Duas moças, aparentando vinte anos, me cumpri-

mentaram, me levando a seguir para uma grande sala, com

grandes e diferentes aparelhos; todos em metal.

— Regis, tire a roupa! — Pediu-me uma delas.

— Pra quê? Se a cirurgia é na cabeça?

— É preciso tirar a camiseta! — Insistiu uma delas. —

Esse relógio e esse aparelho no pescoço, também serão

necessários tirar.

— Se eu tirar este aparelho do pescoço, vocês não

mais me entenderão!

— A gente o usa emprestado, se for o caso!

Já despido de tais apetrechos, puseram-me em uma

mesa cirúrgica, idêntica às da Terra, amarraram meus dois

pulsos e em seguida, arrastou à mesa, sob um dos grandes

aparelhos, baixou uma peça tipo capacete, que envolveu

quase toda minha cabeça. Uma delas se retirou, a outra

colocou meu aparelhinho tradutor em seu pescoço e me

perguntou:

— Você tem certeza de que quer fazer isso?

Acenei que sim:

— Depois não haverá jeito de se voltar atrás!

— Vai doer?

— Não! Você não sentirá nada! Vai dormir durante

umas três horas! Quando acordar já estará tudo pronto!

— Está bem!

— Regis, se você não quiser a gente não faz!

— Eu quero!

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— Por que você quer essa cirurgia?

— Estou sofrendo muito!

— Vamos fazer o seguinte: a gente aguarda mais uns

dois dias e você pensa melhor!

— Eu já pensei!

O senhor Frene e Leandra entraram. Leandra sentou-

se a meu lado, me abraçou e me perguntou:

— Rao faster is creny?

— Que língua mais doida, Leandra! — Ironizei.

— Não mudou de ideia? — Especulou o senhor

Frene, em meu idioma.

— Não senhor!

— O que iremos fazer, Regis, é irreversível! Não há

jeito de voltarmos atrás!

— Fazendo a cirurgia eu nunca mais irei sofrer! Não é

verdade?

— Você jamais sentirá saudades da Terra!

— Quero fazer!

— Está certo! Você dormirá e quando acordar já

estará feito.

Os dois já iam se retirando:

—Senhor Frene! — Chamei-o.

Retornou e perguntei-lhe triste:

— Sabe que dia é hoje?

— Claro! Dia de seu aniversário!

Luecy, apesar de muito gozador, também me era

muito útil em responder muitas perguntas duvidosas e

esclarecer certos enigmas; um deles era as datas de meus

aniversários susterianos e por isso, sabia que estava então,

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completando dezenove anos de idade, naquela data. Na

Terra, ainda eram doze anos e meio.

Vi a moça acionando alguns botões; a seguir, um leve

zunido da máquina, que se ligou. Um minuto depois, eu me

encontrava adormecido.

Sentia o peso daquele aparelho em minha testa. Os

olhos cerrados e a consciência viva. Foi então, que comecei a

sonhar com meu pai e minha mãe me chamando para eles.

Sonhei com minha escola e meus coleguinhas de sala. Vi a

Beth... o Erick... e os demais, do mesmo tamanho meu e na

mesma sala de terceira série primária, enquanto que a

realidade era outra. Sonhei com Paulinho, todo ferido, pelo

acidente que já acontecera há muito tempo.

©©©

Duas horas depois, acordei e vi o senhor Frene

sentado em uma poltrona a meu lado.

— O que houve? — Perguntei-lhe.

— Nada! — Negou-me ele.

— Quanto tempo a cirurgia levará pra fazer efeito?

— Não fará efeito!

— Por quê?

— Não a fizemos!

— Por quê?

— Não é o que o seu coração deseja!

— Como assim?

— Seu coração não deseja esquecer-se da Terra!

— E eu vou continuar sofrendo?

— Iremos apenas adiar a cirurgia!

— Meu coração é só um pedaço de carne, senhor

Frene! Lembra? Foi o senhor quem disse isso!

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— Mas não é o que sua alma deseja!

— Não consigo entender o senhor! Estava louco pra

fazer esta cirurgia, que me faria esquecer da Terra pra

sempre e então ficar aqui. Quando eu autorizo, o senhor

muda de ideia e não faz!

— Daremos um tempo!

— Então tire este aparelho de mim, me desamarre e

me leve embora! — Fiquei deveras nervoso.

Ele se levantou, chamou uma moça, que me libertou

daquilo tudo. Levantei-me, vesti minha camiseta, minha

botinha, meu relógio e meu aparelhinho tradutor e então,

acompanhado por Leandra e o senhor Frene, voltamos à

residência.

Antes de chegar, estando dentro do carro em

movimento, ainda perguntei:

— O senhor ainda pretende me trazer ao hospital?

— Não sei! Não tivemos coragem de submeter você

àquela cirurgia!

— Por quê? Ela é perigosa?

— Nem um pouco! Mas faria você ser diferente!

— Como o senhor sempre dizia: eu não sofreria mais

e seria sempre feliz aqui em Suster. Passaria a ser uma

criança susteriana!

— Será?

— O maior erro do senhor, foi escolher a criança

errada! Poderia ter escolhido uma que não tivesse família e

ela agradeceria.

— Já falamos sobre isso! Sua escolha foi um acaso!

— Mas teria que ser muito burro, pra acreditar que

eu aceitaria isso feliz da vida!

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Leandra só escutava e às vezes ria.

— Não nos preocupamos com o caso de você ter

família, pois a ideia inicial era de fazermos tal cirurgia em

seu cérebro, assim que chegasse à nosso mundo.

— O senhor tentou, mas eu não concordei.

— Porque eu lhe pedi permissão! A ideia inicial era

de fazermos a tal cirurgia, sem que você soubesse!

— O quê? — Me espantei.

— Isso mesmo! Lhe tapearíamos, lhe doparíamos e

lhe submeteríamos à cirurgia. Quando você acordasse, nem

se lembraria mais de um lugar chamado Terra e passar a

amar a nós e nosso mundo, seria questão de horas.

— O senhor... planejava... fazer isso? — Questionei-

lhe chorando.

— Sim!

— É cruel!

— Eu sei!

— Por que não fez?

— Pelo que você disse! É cruel! Não tive coragem!

Por isso, que tentei convencê-lo a fazer, de própria vontade.

Eu estava com o rosto banhado de lágrimas.

— É tão cruel, que mesmo agora, você autorizando,

não tive coragem.

— Isso significa que o senhor também tem

sentimentos! Então sabe que estou sofrendo! Por isso aceitei

a tal cirurgia.

— Você é só uma criança! Por isso tive que ponderar

em sua decisão! Ainda acho que ela é muito cruel!

— Não sei se o amo ou se o odeio!

©©©

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O senhor Frene, não consentia que eu me

comunicasse com a Terra, mas naquele dia, vinte e cinco de

Dezembro, deixou que falasse novamente com Erick. Então,

quando ele acordou, antes de se levantar, ouviu minha voz

em pensamento. Eu que o observava pelo computador,

perguntei-lhe:

— Sabe que dia é hoje, Erick?

— Regis! — Admirou-se ele.

— Você sabe?

— É natal!

— Ganhou algum presente?

— Ganhei um relógio de pulso! Minha mãe esteve

aqui, ontem e me trouxe.

— Eu também tenho um relógio incrível!

— O meu é calculadora!

— O meu também! E ele marca a hora em Suster e na

Terra.

— Então que horas são agora?

— Aí é sete e vinte da manhã!

— Aí onde você está também é natal?

— Não! Aqui não teve Jesus!

— Eu passei de ano! Sabia?

— E a Beth?

— Também passou! O Leandro, o Fernando, a

Regina, o Luecy…Todos passaram pra sétima série.

Fiquei triste; levantei-me da poltrona, saí da sala e fui

direto a meu quarto, onde, chorando, deitei-me de bruços. O

senhor Frene entrou em seguida, sentou-se a meu lado.

— O que houve? — Perguntou-me.

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— Todos passaram pra sétima série; só eu que ainda

estou na terceira!

— Só que você continua uma criança e eles já são

adolescentes!

— Mas eu continuo burro!

— Quando recomeçarem as aulas na Terra, você vai

assistir todos os dias pelo computador. Tudo bem?

— Qual aula?

— Terceira série, é claro!

— E vou poder passar de ano?

— Alem do mais, vou arranjar um professor extra pra

você! Quer?

Acenei que sim, me sentando na cama. Ele me

abraçou dizendo:

— Então pare de chorar.

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De volta à escola

uinze de fevereiro de um mil novecentos e

oitenta e quatro, Quarta-feira na Terra, sete e

meia da manhã; Grupo Escolar Marcos Trench, a sala da

bonita professorinha de vinte e três anos, dona Regina,

recebera trinta novas crianças com idade média de nove

anos; dezesseis meninos e quatorze meninas. As aulas

estavam recomeçando e embora ela não soubesse, eu

também era seu aluno. Dois anos seguidos, por um pequeno

período, eu fôra seu aluno; um ano no período da manhã e o

outro, no período da tarde. Agora voltava a ser e iria estudar

com fervor. Não sei por decisão de quem, ou por que, mas a

escola voltava a misturar as crianças, tendo novamente

crianças pequenas, no período vespertino e crianças maiores,

no segundo período. Sabia que na Terra, o horário seria

sempre sete e meia da manhã. Em Suster, porém, o horário

iria sempre variar. Estávamos no dia quarenta e cinco, do

ano cinco mil, duzentos e sessenta e seis, quinze horas e

dezessete minutos. Orientado por Luecy, sabia que às sete e

Q

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meia da manhã seguinte, na Terra, seria ainda, vinte e oito

horas e cinquenta e sete minutos, daquele mesmo dia em

Suster. Eu teria praticamente, que ir à aula duas vezes por

dia. Mas era o que eu queria e estava muito feliz; já havia

apertado a tecla “+” de meu relógio e acertado para que ele

despertasse, todas às sete horas da manhã, na Terra.

O senhor Frene, havia reprogramado o computador,

para ser ligado por mim. Porem, por um único comando:

liga e ele mostraria minha sala de aula.

Naquele mesmo primeiro dia de aula, quando soara o

sinal e as crianças saíram para o intervalo de recreio, dona

Regina permaneceu sentada diante de sua escrivaninha,

ajeitando seu material escolar e foi então, que aproveitei para

chamar sua atenção por telepatia, com a ajuda do senhor

Frene; pois eu ainda não dominava esta arte, de interferir nos

pensamentos das pessoas, sozinho. Concentrei-me e em

pensamentos lhe pedi:

— Dona Regina, a senhora ainda me deixa ser seu

aluno?

Ela me ouviu e se espantou. Olhou para todos os

lados da sala.

— A senhora não me verá! Mas eu posso ser seu

aluno?

— Quem é? — Perguntou ela em voz alta.

— Eu, dona Regina! Regis! A senhora não se lembra

de mim?

— Como eu posso te ouvir, Regis? Se eu não o vejo!

— Posso assistir suas aulas?

— Claro que pode! Você está invisível, ou eu estou

maluca?

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— Nem uma coisa, nem outra! — Ri. — A senhora

não está maluca! Mas a senhora se lembra de mim?

— Claro! Como poderia me esquecer? Você sabe que

era meu aluno preferido!

— Obrigado!

— Onde você está, Regis? Por que estou sonhando

com você, acordada?

— A senhora não está sonhando dona Regina! Está

falando comigo de verdade!

— Mas como?

— Nunca ouviu falar em telepatia?

— Sim! Já! Mas…

— Posso assistir a suas aulas? Todos os dias!

— Claro que pode! Mas onde você está?

— Voltei praquele planeta que lhe falei! Continuo

criancinha de nove anos de idade! Mas não quero ficar

burro! Por isso é que eu quero assistir a suas aulas!

— Será um prazer, Regis, tê-lo como meu aluno

novamente! Mas como saberei que você está na aula?

— Estarei todos os dias e a senhora saberá! Agora eu

também vou tomar meu lanche!

— Você pode me ver?

— Lógico! Estou vendo à senhora! Bonito vestido

verde! Agora posso ir tomar meu lanche?

Ela estava emocionada e desconsertada e eu muito

feliz. Segui para a copa, onde encontrei Leandra e pedi:

— Leandra, eu estou de recreio! Cadê meu lanche?

— Recreio! De que? — Se espantou ela.

— Da escola! Eu estou estudando!

— É verdade! As aulas já começaram?

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— Hoje!

—Pode ir à cozinha apanhar seu lanche.

©©©

A partir de então, era rotina e eu comecei a seguir as

horas da Terra, para dormir e acordar, com o relógio

despertando. Usava meu próprio material escolar e quando a

professora acabava de fazer sua chamada, sem mencionar

meu nome, por telepatia eu dizia:

— Regis está presente, dona Regina!

Ela dava um leve sorriso, confirmando que me ouviu.

Durante todo aquele ano, minha rotina em Suster

continuava igual antes, apenas sendo incluído o espaço de

aulas escolares. Brincava, passeava, ia à piscina, sentia

saudades da Terra, chorava e ia à escola.

©©©

Um ano escolar se passou muito rápido e então, dona

Regina, fizera uma prova oral comigo. Como eu me saíra

muito bem, ela disse:

— Parabéns Regis! Sua nota é dez! Mas como saberei

que você não colou?

— A senhora tem a minha palavra! — Ri.

— Você poderia ter passado de ano; mas temos um

probleminha: no ano que vem, a professora de quarta série

será outra e ela não conhece você.

— Fale sobre mim pra ela! Eu falarei também! Assim

que recomeçar as aulas.

— É diferente, Regis! Eu conheço você! Ela não te

conhece!

— Vai ter que conhecer!

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— Quando recomeçarem as aulas, a gente fala sobre

isso! Tá bom?

— Promete falar com ela?

— Tentarei convencê-la, de que não estou louca!

— Se ela achar que a senhora está louca por falar

comigo, como se eu fosse um fantasma. Ela também será

louca! Pois eu falarei com ela.

— E seus pais? Você tem falado com eles?

— Não senhora! — Neguei triste. — Nem sequer os

tenho visto!

— Por que não?

— O senhor Frene não deixa!

— E quando irá retornar à Terra?

— Ele não quer que eu volte jamais!

— Você não é feliz aí! É?

— A senhora vai falar com a professora do quarto

ano?

— Por que você muda de assunto, todas as vezes que

falamos sobre sua família?

— Dona Regina, obrigado por ter me dado aulas

durante todo este ano! Agora eu preciso ir! Está chegando

gente aí em sua sala…

— Regis, espere!

©©©

O tempo foi passando… Passando… Dona Regina,

com minha ajuda, convenceu dona Elza em me deixar

estudar em sua sala de aulas e com isso, fiz a quarta e a

quinta série.

Na Terra era mais da metade do mês de fevereiro de

um mil novecentos e oitenta e sete; o senhor Frene me

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Um menino no espaço – 2ª parte

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colocou a bordo se sua gigantesca espaçonave e viajamos por

um espaço escuro no Universo, a pelo menos metade de um

ano luz distante de seu planeta sem trevas.

— Onde está me levando senhor Frene?

— Vou lhe mostrar um espetáculo mortal, porém

muito bonito!

— O quê? — Franzi o nariz.

— A morte de uma estrela!

— Jura!

Praticamente desligou a espaçonave e a deixou orbi-

tando um espaço neutro no vácuo. Preparou um telescópio

poderoso, apontando-o para a tal escuridão e sincronizando-

o com uma grande estrela em uma pequena galáxia, a qual,

na Terra, lhe batizaram por “Nuvem de Magalhães”.

— Teremos que ficar atentos. — Alegou ele. — Esta

estrela vai se transformar em fogos de artifício, em poucas

horas. Morrerá e se transformará em estrela de nêutron.

— Causará radiação?

— Que pergunta Regis? — Riu o homem. — Os raios

cósmicos provocados por esta explosão, serão os mesmos

que alteraram toda a vida de meu planeta.

— E o que acontecerá agora?

— Pra nós, nada! — Riu ele. — Esta estrela está a

cento e setenta mil anos luz daqui e tais raios radioativos não

chegarão até nós.

— Os astrólogos da Terra, conseguirão ver a

explosão?

— Sim! Eles conhecem essa estrela melhor do que eu!

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— Como o senhor pode saber tanto sobre estrelas e

Universo, se o senhor vive em um mundo onde não se vê

estrelas?

— Quando me sinto estressado, me apodero desta

espaçonave e passo dias por aqui, observando o milagroso

espaço de meu Deus.

— O Universo é tão extenso, porém cheio de galáxias,

buracos negros, poeiras cósmicas e tantas outras coisas. —

Depois de tanto tempo falando sobre Universo, eu já estava

sabendo muito sobre tal. — Dizem que o Universo está se

expandindo cada vez mais. Então não sobra lugar para o Céu

ou o inferno. Onde fica Deus nessa história?

— Que tal um Universo paralelo!? — Insinuou o

homem com jeito de convicção.

— Como assim?

— O meu Céu está em Suster! O seu Céu está na

Terra! Um junto ao outro! Em perfeita harmonia! Quando a

vida corporal deixar de existir, a alma, ou espírito sairá deste

corpo e transpassará um portal para este céu, sendo

recepcionada com alegria por Deus e sua legião de anjos,

arcanjos, serafins e querubins, neste Universo paralelo.

— Eu estou fora da Terra! — Analisei. — Ou seja:

longe de meu Céu. Caso me aconteça algo e meu corpo

morra, minha alma se perderá e não conseguirá encontrar o

portal para meu Céu.

— Não te preocupeis! — Colocou a mão direita sobre

meu ombro. — Sua alma encontrará seu Céu com certeza.

Mas isto ainda vai demorar milhares de anos.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Durante dezenas de horas, passamos ali, conversando

e observando o negro espaço cósmico, com olhos atentos a

uma única estrela naquela imensidão.

Observara em meu relógio de pulso especial, que na

Terra, estávamos em uma segunda feira, vinte e três de

fevereiro do ano oitenta e sete.

Também descobrira que na Terra, tal estrela recebera

o nome de SK-6920213 e então, transpassada por uma luz que

brilhou mais do que um milhão de sóis juntos, se descon-

figurou em bilhões de pequenas partículas, lançando por

trilhões de quilômetros, os tais poderosos raios cósmicos, em

fração de poucos segundos.

©©©

Estava então cursando a sétima série. Na Terra, era

então, dezesseis de Julho de mil novecentos e oitenta e oito.

Eu já completara dezessete anos; embora meu rosto e meu

corpo fossem de uma criança de nove. Os pelos, que

deveriam ter surgido em minha puberdade, lá pelos treze

anos de idade, jamais apareceram. Em Suster, era o dia de

meus vinte e sete anos de vida. A cirurgia cerebral, também

jamais fôra feita e a saudade da Terra, permanecia viva em

meu ser.

Estava sentado ao lado da mesa do refeitório,

assistindo sem interesse a programação de televisão, com o

pensamento vago.

— O que foi Regis? — Questionou-me Leandra, que

chegara sem que eu percebesse. — Está perdido no espaço?

— Você gosta de mim? — Perguntei-lhe com a voz

mais triste do universo.

13 Foi rebatizada depois da explosão de supernova para SN1987a.

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Celso Innocente

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— Eu te amo!

— Podemos ser eternos enamorados?

— Não! — Me abraçou. — Sou muito velha pra você!

— Me ama como uma mãe?

— Pra quem já tem milhões de mães, uma a mais não

é nada mal! Por que você está triste?

— Me ajude a ir embora!

Voltou a me abraçar, ainda mais forte.

— Quem me dera, meu menino! Se eu pudesse, já

teria te devolvido a seu mundo há muito tempo!

— Por que o senhor Frene não me deixa ir embora?

— Ele te ama! Você tem um acordo com ele!

— Isso não é amor! Acho que ele mesmo jogou meu

irmão debaixo do carro, só pra me chantagear.

— Claro que ele não fez isso, Regis! Só aproveitou da

situação para convencê-lo a ficar conosco.

— Não compreendo que tipo de amor ele sente por

mim!

— Obsessão!

— O quê? — Não compreendi mesmo.

— Ele quer estar com você! Faz de tudo pra que você

esteja feliz! Mas aqui! Não abre mão disso! Entre você ser

feliz na Terra ou infeliz aqui, ele fica com a segunda opção.

— Por quê?

— Ele é obcecado pela ideia de manter uma criança

em nosso mundo! Não qualquer criança!

— O que ele vê em mim?

— Um filho! O que ele nunca pode ter!

— Um pai, dá a vida pela felicidade do filho! Ele não

dá nem minha liberdade!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Ela pensou, mas talvez não tinha o que falar.

— Me ajude a ir pra minha casa! Você consegue!

— Infelizmente eu não consigo! — Alegou ela, tão

triste quanto eu.

Pensou um pouco e continuou:

— Mas tem alguém que consegue! Luecy!

— Ele não me ajuda! — Desanimei. — Você sabe

disso!

— Se você pedir, ele não te ajuda! Mas você é um

garoto esperto! Entre na dele! Faça chantagens!

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Celso Innocente

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Quem é o mais esperto, o menino ou o robô?

temperatura estava por volta de seus quarenta

graus. Às seis horas e quinze minutos, eu,

apenas de cueca, acompanhado por Luecy, segui ao banheiro

e acabei de me despir, entrando então no chuveiro, onde fui

tomar banho, sem fazer uso daqueles braços mecânicos

esquisitos e tudo o mais, de sua sofisticação susteriana.

— Garoto Regis, você está uma gracinha! — Alegou

Luecy.

— E você está um burrinho! — Reclamei.

— Burrinho quem me chama!

— Você está cansado de me ver no banho e não enjoa

dessas baboseiras sem graça!

— Seu corpo depenado é uma graça!

— Me deixe em paz, seu robô hipócrita!

— Hipócrita quem me chama!

A

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Você quer ser engraçadinho, mas não passa de um

analfabeto. Tem uma memória cheia de palavras gravadas,

mas que são limitadas a isso! Nada mais!

— Não sou eu quem passa horas diante de um

computador, tentando deixar de ser burro!

— Sou muito inteligente! Se você quer saber! O que

quero apenas é aprender cada vez mais.

— Demora demais pra aprender quase nada!

— Não sou como você não, que parou no tempo!

Quando irão atualizar seu epronzinho fraco? Seu robô bobo!

— Meu sistema avançado, aprende um milhão de

detalhes novos, enquanto seus neurônios, não decifram dois

mais dois!

— Duvido e quero mais!

— Vamos apostar!

— O que você quiser! — Acho que estava chegando

onde queria.

— Você me faz qualquer pergunta e eu lhe respondo

rápido. Eu lhe faço perguntas fáceis e você não sabe o que é!

— Topo desafiar seu insignificante cérebro de metal.

— Se não souber responder, terá que nadar pelado!

Grudou em meus braços, me arrastando para o

quarto.

— Espere aí seu enferrujado! Espere eu me enxugar!

Está molhando o quarto!

— Não há tempo a perder!

Soltou-me no quarto. Abri o armário, apanhei uma

toalha, me enxugando. Vesti uma cueca e um roupão azul e

branco. Sentei-me na cama e ele me disse:

— Faça sua primeira pergunta!

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Celso Innocente

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— Deixe-me pensar.

Pensei um pouco e como nada surgia, lhe disse:

— Não está fácil!

— Então eu faço à primeira! Como sempre, a pergun-

ta é: qual é sua idade real?

— Muito simples: Dia oito de Março, na Terra, fiz

dezessete anos. Hoje, faço vinte e sete anos aqui! Aliás, já fiz!

Há uma hora e quarenta e sete minutos.

— Negativo! Quero sua idade susteriana real!

— Ah Luecy! Deixe de ser bobo! Eu respondi

corretamente!

— A resposta correta seria: vinte e sete anos, quatro

horas, quarenta e sete minutos e quarenta segundos.

— Engraçadinho! Se você fosse mesmo inteligente,

saberia controlar a nave que o senhor Rud me buscou na

Terra.

— Posso controlar qualquer coisa!

— Ah, duvido-dô!

— Vou lhe provar!

Encheu uma maleta de roupas minhas, grudou em

minhas mãos e me arrastou pelo corredor até a cozinha,

onde encheu uma sacola com alimentos e continuou me

arrastando, novamente pelo corredor, pelo jardim, pelo

pátio, pelo campo de pouso das espaçonaves. Entrou comigo

em outra, diferente da que o senhor Rud me trouxera da

Terra, sentou-se na poltrona principal.

— Duvido Luecy! O controle computadorizado dessa

coisa está com o senhor Frene.

— Sente-se! — Ordenou-me ele.

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Sentei-me a seu lado. Ele injetou um de seus dedos

em um jack à esquerda e acionou a tecla ligar. Imediata-

mente, para meu espanto, um forte zunido começou a exalar

daquele motor.

— Como pode? — Perguntei surpreso. — O micro-

processador desta geringonça, está com o senhor Frene?

— Meu cérebro eletrônico substitui o controle!

— Duvido que você consiga levar esta coisa até a

Terra!

— Você verá!

Enquanto Luecy fazia aquele enorme disco voador

levantar vôo, muita gente se aproximou correndo, para

tentar nos impedir. Pelo rádio, o senhor Frene ordenou:

— Regis, ponha esta nave no chão, imediatamente.

— Não é Regis quem está no comando! — Informou o

robô.

— Robô idiota! Faça esta nave pousar! — Ordenou

bravo o senhor Frene.

— Não fui programado para atender suas ordens!

— Então Regis: mande este robô idiota descer!

— Não recebo ordens de pivete! — Negou Luecy.

— Pivete quem me chama! — Gritei bravo.

— Só desligarei este troço na Terra! — Afirmou o

robô.

Eu estava achando muito bom. Pelo menos, estava

voltando pra casa.

— Por favor, Regis! — Pediu o senhor Frene. — Vocês

se perderão igual da outra vez.

— Não comigo no comando! — Alegou o robô.

— Deixe-nos ir, senhor Frene. Por favor!

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— Garoto, lá não é mais seu lugar! Seus amiguinhos

de infância estão todos adultos. Seus irmãos, inclusive o

Paulinho, estão mais velhos do que você. Seus pais…

— Não me importo! — Neguei. — Eu arranjo novos

amiguinhos!

— O Erick está adulto; tem namorada! A Beth

também!

— Não me importo! Quero voltar pra casa!

— Temos um acordo. Lembra?

— Se o senhor me ama mesmo, vai me perdoar.

— Não! Eu não vou perdoar você!

— Então o senhor não me ama e eu vou embora de

qualquer jeito!

— Um robô Susteriano, não vai trair seu planeta! —

Negou Luecy.

— Como assim? — Perguntei-lhe.

— Iremos até a Terra! Porém, retornaremos a nosso

mundo!

— Você retornará! Não eu!

— Ambos voltaremos!

— Você verá!

— Regis, ouça: — Insistiu o senhor Frene. — Você

não sabe o quanto dói um coração de saudade!

— Sei sim, senhor Frene! Sei muito! O meu dói assim

há muitos anos!

A espaçonave cortava o espaço do universo, a uma

velocidade incalculável, alem da velocidade da luz; tal que:

enquanto a luz do Sol demora oito minutos e treze segundos

para chegar até a Terra, esta mesma distância de cento e

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Um menino no espaço – 2ª parte

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quarenta e nove milhões de quilômetros, nossa nave

percorre em menos de dois segundos.

O senhor Frene, insistiu durante muito tempo, para

que a gente retornasse; até que Luecy resolveu muito fácil a

questão: desligando o rádio e o monitor.

Com meu corpo, girei a poltrona da cabine da nave,

onde me encontrava e apontei os dois indicadores para o

robô, que permanecia estático, de pé à frente dos comandos.

— Touchê! — Insinuei, com ar de vencedor. — Esta

batalha está no papo!

— Esta vitória não será sua! Será minha!

— Da Terra não volto, nem que tiver que derrubar

esta nave!

— Esta nave é à prova de sabotagem!

— Touchê!... — Conclui em voz baixa, com certo

desânimo.

Mais algumas horas, quase sem assunto, cortando o

espaço, às vezes sentia sono e até mesmo, cochilava, sentado

ao lado do robô, que, por ser máquina, não se cansava, não

se estressava, não tinha medo, nem ansiedade... Só

controlava tais comandos, que na verdade, seguia por uma

rota automática, baseada em um tal mapa estelar.

Tentando achar assunto e diminuir o estresse, pedi:

— Luecy, faça perguntas pra mim!… Fáceis!

— Muito bem! Quando chegaremos à Terra?

— Não sei! — Neguei surpreso. — Essa não é fácil!

— Você que é analfabeto! Estaremos lá, às dezenove

horas e sete minutos, do dia vinte e quatro de Setembro.

— Essa eu quero ver! Quando chegarmos vou

verificar a data!

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— Sua vez: Quantos pulmões você tem?

— Dois!

— Quantos corações?

— Um!

— Quantos dedos?

— Você está fazendo gozação comigo!

— Você só sabe coisas fáceis!

— Não tão fáceis!

— Muito bem: Quantos ossos você tem no corpo?

— Ninguém sabe isso!

— Você não! Duzentos e catorze ossos!

— Você contou?

— Você nasceu com trezentos ossos! Depois foi

diminuindo até chegar aos duzentos e catorze. Um adulto

tem duzentos e seis!

— Como pode? — Duvidei. — Que eu me lembre,

não perdi nenhum!

— Conforme a criança cresce, alguns ossos se

fundem, virando apenas um.

— Chega! — Desanimei.

— Outra fácil! Quantos dentes têm um ser humano

adulto normal?

— Sei lá! Nunca contei!

— Trinta e dois! Você estudou isso!

— Chega de perguntas bobas.

— Uma interessante e fácil: qual é a velocidade desta

nave?

— Sei que você sabe! Não eu!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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— Cento e trinta e quatro milhões, trezentos e oitenta

e seis mil, trezentos e sessenta e três quilômetros por

segundo.

— Como se pode correr tão rápido, em frações de

segundo? Ninguém acredita nisso, Luecy!

— A lei da gravidade ajuda muito! Você sabe o que é

isso?

— Quando estive na NASA americana, eu brinquei

em um balão de testes de astronautas, onde eu flutuava no

ar, como se fosse uma mecha de algodão.

Luecy era programado para saber tudo, principal-

mente em relação ao Universo e eu, um simples mortal, não

podia mesmo desafiá-lo. É lógico que os ossos e os dentes do

corpo humano eu deveria saber; afinal, havia estudado sobre

isto, em Ciências, na quarta série.

— Garoto Regis: essa você tem que saber. Qual é a

temperatura no centro de seu Sol?

— Isso eu nunca estudei, Luecy!

— Vinte milhões de graus Kelvin.

— O que é essa linguagem?

— Novecentos mil graus centígrados!

— Você fica se exibindo, só porque é uma máquina

de aço.

— Muito bem construído!

— Já ouvi isso antes!

— E ouvirá novamente!

— Vou lhe fazer uma pergunta muito difícil!

— Nada é difícil para um robô Susteriano!

— Quais seriam as datas de meus aniversários

Susterianos, estando eu na Terra?

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— Zero ano, em oito de Março de 1971; um ano em 29

de Outubro de 1971; dois anos em 20 de Junho de 1972; três

anos em 10 de Fevereiro de 1973; quatro anos em 2 de

Outubro de 1973; 5 anos em 25 de Maio de 1974; seis anos em

15 de janeiro de 1975; sete anos em 5 de Setembro de 1975;

oito anos em 28 de Abril de 1976; nove anos em 19 de

Dezembro de 1976; dez anos em 10 de Agosto de 1977; onze

anos em 1 de Abril de 1978; doze anos em 23 de Novembro

de 1978; treze anos em 14 de Julho de 1979…

— Chega Luecy!

—… Catorze anos em 6 de Março de 1980; quinze

anos em 27 de Outubro de 1980; dezesseis anos em 18 de

Junho de 1981; dezessete anos em 8 de Fevereiro de 1982;

dezoito anos em 1 de Outubro de 1982; dezenove anos em 22

de Maio de 1983; vinte anos em 12 de Janeiro de 1984…

— Basta Luecy! Não precisa dizer mais!

—… vinte e um anos em 4 de Setembro de 1984; vinte

e dois anos em 26 de Abril de 1985; vinte e três anos em 17

de Dezembro de 1985…

Saí da cabine, indo dar uma pequena volta, na

esperança de que o robô, não estando comigo, parasse de

falar. Segui até a pequena cozinha, tomei um suco rápido, fui

até o final da nave e em poucos minutos estava de volta à

cabine, onde Luecy continuava tagarelando:

—… sessenta e cinco anos em 11 de Dezembro de

2012; sessenta e seis anos em 3 de Agosto de 2013; sessenta e

sete anos em 25 de Março de 2014; sessenta e oito anos em 15

de Novembro de 2014…

— Sabe de uma coisa! Vou descansar!

— Vai nada! Ficará comigo!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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Pelo menos, parece que consegui interrompê-lo.

— Até parece que eu ficarei aqui sem dormir até

chegarmos a Terra! Tchau mesmo!

— Garoto Regis!

Olhei para ele, que prosseguiu:

— Voltando a Suster, terás que nadar pelado!

— Jamais voltarei a Suster!

— Você está perdendo a aposta e terá que pagar!

Segui para o quarto, onde deitei para dormir.

Não importava a inteligência do robô, nem sua

gozação para comigo; o importante era que ele estava me

levando de volta à Terra, de onde eu saíra a quase sete anos

passados.

©©©

O tempo passava devagar e eu me alimentava pouco,

pois sem haver planejado a fuga, o refrigerador da nave

estava quase vazio. Uma alimentação em exagero faria com

que eu morresse de fome nos próximos dias. Sorte que

Luecy, sendo uma máquina, não precisava se alimentar e

mesmo eu, estando ali, bastava uma pequena refeição, uma

vez a cada cinco ou seis dias.

O senhor Frene não nos esqueceu e era só ligarmos o

rádio, para que ele voltasse a insistir em nossa volta, o que,

nem eu e nem mesmo Luecy, pretendia.

— Regis, volte pra cá! Aqui é seu mundo agora!

— O senhor sabe que não voltarei, senhor Frene!

Mesmo com tanta insistência.

— Estou arrependido por não ter feito a cirurgia em

você, garoto!

— Agora é muito tarde e o senhor jamais a fará!

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— Você está roubando nossa nave!

— Não estou! Luecy a levará de volta.

— Escolhemos o menino errado, para nosso mundo!

— Escolheu mesmo! O senhor deveria ter escolhido o

Erick!

— Regis, na Terra você envelhecerá… Morrerá…

— Como todos! Mas irei ficar adulto… Me casar…

Ter filhos…

— Não! A radiação em seu organismo levará mais de

dois anos pra se extinguir. Só então você começará a

envelhecer. Seus testículos, jamais criarão os espermato-

zóides da fecundação; o que seria essencial pra você se

tornar pai um dia.

— Isso é mentira do senhor!

— Infelizmente não! Pergunte ao Luecy!

Olhei para o robô e ele confirmou:

— Seu organismo modificado pela radioatividade,

jamais fará de você um papai!

Eu era apenas um garotinho e nem deveria me

preocupar com isto. Mas parecia que um filho, era alguma

coisa muito importante e como eu não poderia tê-lo jamais,

comecei a chorar como uma criança perdida e exigir:

— Quero ser uma pessoa normal! Vou querer ter um

filho quando for grande. Se não vou odiar a vocês todos.

— Reconheço que foi um grande mal, tentar

conquistar você. Eu deveria saber que você jamais

concordaria em viver conosco. Acho que a necessidade em

querer ter um amor infantil em meu mundo, não me deixou

enxergar assim! Deixarei você voltar pra Terra e vou tentar

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Um menino no espaço – 2ª parte

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recompensá-lo desta perda. Junto com nossos médicos,

tentarei ajudar a expelir esta radiação.

— Poderei ter filhos? — Insisti ainda chorando.

— Faremos o possível, Regis. Eu prometo! Por

enquanto, procure se habituar a seus novos amiguinhos e a

seus pais mais velhos do que deveria. Aproveite sua infância

garoto, pois a minha já foi a milhares de anos!

— O senhor não ficará mais magoado comigo?

— Não! Admiro muito seu amor para com a Terra e

seus entes queridos! Eu continuarei te amando cada vez

mais!

— Fale comigo sempre, por telepatia e continue me

protegendo. Por favor!

— Claro! Eu posso continuar sempre te chamando de

meu filhinho?

— Claro que sim! — Sorri. — Desde que você…

Desculpe-me: O senhor aceite ser meu pai número três.

— Três?!...

— O primeiro é Deus! O segundo é meu pai da Terra!

— Prometo jamais tentar sequestrar você novamente!

Já lhe causei muitos transtornos. Muito sofrimento!

— Não sofrimentos! Eram apenas saudades! Agora

sentirei saudades daí!

— Se um dia você resolver voltar… Só se resolver

voltar, mesmo que já estiver velhinho. É só pedir que eu lhe

buscarei… E mais uma coisa: salvo a tentativa de livrar você

da radiação, jamais vou me intervir em seu livre arbítrio.

— Desligo… Desligo…— Afirmou Luecy desligando

o rádio e o monitor.

— Por que você fez isso?

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Celso Innocente

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— Chega de papo.

©©©

Exatamente setenta e um dias terráqueos de viagem

interplanetária, aparentando não mais do que sete, para

mim, a nave pousou em um terreno baldio, bem próximo à

minha casa. Luecy abriu a porta e eu me levantei da

poltrona; abracei-o e ao sair, parei na porta, olhei no relógio

e insinuei:

— Luecy, realmente você é um robô muito

inteligente! São exatamente dezenove horas e sete minutos,

do dia vinte e quatro, como você disse.

— Sou um robô Susteriano, construído sem falhas!

— Boa viagem de volta, amigão!

— Virei lhe buscar em breve, para vê-lo nadar

peladão!

— Breve! Acho que não!

— Duvida?

— Por favor, não!

— Brincadeirinha!

Desci da nave, sobre os olhares curiosos de dezenas

de pessoas adultas e crianças, encantadas com aquela

estranha visão. Entre elas, conheci Paulinho, com quase treze

anos de idade, em perfeito estado de saúde, que correu a me

abraçar sorrindo:

— Regis… Você era mais velho do que eu! Lembra?

— Agora sou o caçulinha de casa!

Erick, já com dezessete anos, se aproximou dizendo:

— Você nunca me buscou e eu deveria ser criança

como você também!

— O senhor Frene só queria eu!

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Um menino no espaço – 2ª parte

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A porta da nave se fechou e em menos de trinta

segundos desapareceu no céu.

Seguido por todos: trajando short marrom e camiseta

bege, descalço, acabei de chegar a minha casa. Era Sábado.

Papai e mamãe juntos, não acreditando, vieram a meu

encontro me abraçar... Como eles estavam diferentes! Como

eles haviam envelhecidos, nestes últimos sete anos em que se

passara.

— Meu Deus! Meu filho! Eu sabia que você voltaria

um dia! Promete que jamais deixará a gente! — Pediu

mamãe chorando.

— Nunca mais deixarei vocês, mamãe! — Prometi

também chorando. Eu era chorão mesmo. — Promessa de

meu papai número três!

Fim

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Celso Innocente

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O autor

Celso Aparecido Innocente, nome completo do autor,

nasceu em 25 de Junho de 1958, no Bairro do Degredo,

município de Penápolis – SP. Desde a adolescência, sempre

gostou de escrever livros, onde costumava misturar a ficção

criada por si e a realidade de sua infância. Foi assim, que

escreveu o primeiro livro de Regis, um menino no espaço,

isto no ano de 1982. Agora, em 2012, resolveu reescrever

estas duas histórias e escrever uma continuação de Regis,

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agora de volta à Terra e as conseqüências de ter passado

tanto tempo ausente daqui.

Desde a infância e a adolescência, traz consigo a

lembrança de uma frase de autoria desconhecida: “O homem

só se torna completo quando, planta uma árvore, escreve um

livro e tem um filho”. Já na infância, Celso plantou sua

primeira árvore, no jardim de sua nova escola “Casa da

Amizade”, recém inaugurada no ano de 1969; escreveu o

primeiro livro em 1977 e só faltava então o filho, que só veio

em 1992. Agora então, pode se considerar completo.

Penápolis – São Paulo – Brasil – Planeta Terra

Março de 2012.

Para referências acesse:-

www.innocent3.wix.com/celso

www.hino100t.jimdo.com

www.facebook.com/hino100t

www.Celsoinnocente.blogspot.com.br

[email protected]

[email protected]

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Celso Innocente

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Outros trabalhos

Sanguinário imortal 2014

Alma inocente 2009

Os três Patotas em: O sequestro 1980

Um menino chamado “Innocente” 2009

Regis, um menino no espaço 2012

Adolescentes sexuais 2009

O grande palco da vida 2013

Mensagens de esperança 1983

Simplesmente um artista 2009

Caso verdade: Leucemia 1985

Pensamentos de parede 2010

Um menino no espaço, 2ª parte 2012

O retorno do menino do espaço 2012

Simplesmente um artista – Live 2009

Simplesmente um artista (completo) 2012

Menino Anjo 2012

Anjo da cara suja 2013

Regis um menino do planeta Terra 2013

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