um estudo da intervenÇÃo do estado na ordem … · dedico este trabalho à minha querida irmã...

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MARÍLIA 2014 CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA UNIVERSIDADE DE MARÍLIA UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS: A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

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MARÍLIA

2014

CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:

A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

MARÍLIA

2014

UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:

A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Jonathan Barros Vita.

CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA

Fonseca, Cátia Regina Rezende

Um estudo da intervenção do estado na ordem econômica aplicado às

barreiras de comercialização dos transgênicos: a sustentabilidade no plano das

medidas fitossanitárias / Cátia Regina Rezende Fonseca -- Marília: UNIMAR,

2013.

144 p.

Dissertação (Mestrado em Direito) -- Curso de Direito da Universidade

de Marília, Marília, 2013.

1.Intervenção do Estado na Economia 2. Sustentabilidade 3. Medidas

Fitossanitárias I. Fonseca, Cátia Regina Rezende

CDD - 341.347

Aprovado pela Banca Examinadora em 14/03/2014

Prof. Dr. Jonathan Barros Vita

Orientador

Profª. Drª. Lívia Gaigher Bósio Campello

Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr

CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA

UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:

A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília

como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr.

Jonathan Barros Vita.

Dedico este trabalho à minha querida irmã Isabel

Cristina, cuja atenção, cuidado, zelo e preocupação

são como de uma mãe.

Agradeço

À Deus, pelo seu imenso amor por nós, manifestado

através de seu filho Jesus;

Aos meus amados filhos Caio e Nara, os quais faz

tudo valer a pena;

Ao meu esposo Paulo, pelo incentivo, carinho e

compreensão;

À minha querida mãe pelo embasamento sólido e

pelo estímulo sempre presente;

Ao meu cunhado Noboro, por ter nos acompanhado

nas viagens até Marília;

Ao Professor Jonathan pela orientação efetiva,

atenção e paciência admiravelmente dispensada;

Aos colegas do curso de mestrado pelo apoio

espetacular, principalmente nos momentos mais

complicados;

Ao secretário Augusto, pela disposição em sempre

nos atender com maior presteza.

“‘Não entender’ era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. (...)

Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável:

queria entender o bastante para pelo menos ter mais

consciência daquilo que ela não entendia.”

Clarice Lispector

UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:

A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo descrever e compreender o mecanismo de

intervenção de Estado na Economia, através da adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias,

mais precisamente no caso dos transgênicos. Procurou-se descrever as formas de intervenção

do Estado na economia, direta e indireta, que manifesta-se objetivando o equilíbrio das

relações sociais e econômicas, alicerçado no comando constitucional do art. 170, da

Constituição Federal. Inicialmente, traçou-se um paralelo entre o direito ambiental e o

desenvolvimento sustentável, com enfoque do tripé da sustentabilidade – econômico, social e

ambiental. Posteriormente, descreveu-se as formas de regulação dos transgênicos no Brasil,

enfocando, ainda, os argumentos favoráveis e contrários a liberação e comercialização dos

organismos geneticamente modificados. Também foi analisado a disciplina normativa em

relação às medidas sanitárias e fitossanitárias no âmbito da Organização Mundial da Saúde. A

metodologia utilizada foi a dedutiva baseada em pesquisa doutrinária e análise de trabalhos

científicos e períodos, além da legislação constitucional, infraconstitucional e estrangeira.

Neste contexto, o trabalho apresenta que as discussões em torno da liberalização e

comercialização dos OGMs e seus derivados não podem se restringir ao campo ideológico,

mas que a análise da biossegurança deve compreender aspectos técnicos, que não se limita à

ocorrência de riscos à saúde humana e ao meio ambiente, devendo ser observado pelas

medidas fitossanitárias, especialmente no caso dos transgênicos.

Palavras-chave: Intervenção do Estado na economia. Sustentabilidade. Medidas

fitossanitárias.

A STUDY OF STATE INTERVENTION IN ORDER TO APPLIED

ECONOMIC BARRIERS OF MERCHANTABILITY TRANSGENICS:

SUSTAINABILITY PLAN OF PLANT HEALTH

Abstract: This study aimed to describe and understand the mechanism of state intervention in

the economy, through the adoption of sanitary and phytosanitary measures, more precisely in

the case of GM. We sought to describe the forms of state intervention in the economy, direct

and indirect, which manifests aiming the balance of social and economic relations, founded in

the constitutional command of Art. 170 of the Federal Constitution. Initially, drew a parallel

between environmental law and sustainable development, focusing the triple bottom line -

economic, social and environmental. Later, he described the forms of regulation of GMOs in

Brazil, also focusing on the arguments for and against the release and marketing of genetically

modified organisms. Was also analyzed in relation to rules subject to sanitary and

phytosanitary within the World Health Organization measures The methodology used was

based on deductive doctrinal research and analysis of scientific papers and periods beyond

constitutional and infra foreign law. In this context, the paper presents that the discussions on

the liberalization and commercialization of GMOs and their derivatives cannot be restricted to

the ideological field, but that the analysis of biosecurity must understand technical aspects is

not limited to the occurrence of human health risks and the environment and must be observed

by phytosanitary measures, especially in the case of GM.

Keywords: State intervention in the economy. Sustainability. Phytosanitary measures.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACORDO SPS – Acordo Sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias

ACORDO TBT – Acordo Sobre Barreiras Técnicas

ACP – Ação Civil Pública

ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADR/ARN – Ácido Desoxirribonucléico/Ácido Ribonucléico

ANA – Agência Nacional de Águas

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

BNT´s – Barreiras Não Tarifárias

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CF – Constituição Federal

CIPP – Convenção Internacional de Proteção das Plantas

CQB – Certificado de Qualidade em Biossegurança

CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

DOU – Diário Oficial da União

DSB – Dispute Settlement Body

DSU – Entendimento Sobre Soluções de Controvérsias

ECO-92 – Declaração do Rio de Janeiro Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EPIA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental

ESC – Entendimento Sobre Solução de Controvérsias

EUA – Estados Unidos da América

FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FDA – Food and Drug Administration

FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações

GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

GM – Geneticamente Modificado

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ISAAA – Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas

LOA – Lei Orçamentária

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia

MP – Medida Provisória

MPF – Ministério Público Federal

NB – Nível de Biossegurança

OGM – Organismo Geneticamente Modificado

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONU – Organização das Nações Unidas

OSC – Organismo de Solução de Controvérsias

PIB – Produto Interno Bruto

PL – Projeto de Lei

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PPA – Plano Plurianual

RIMA – Relatório de Impacto no Maio Ambiente

RNC – Registro Nacional de Cultivares

RR – Roundup Ready

SPS – Acordo Sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias

SUS – Sistema Único de Saúde

TAC – Termo de Ajustamento de Conduta

TNS – The Natural Step

TRIPS – Trade Related Intellectual Property Rights

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12

1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ........................................... 15

1.1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL .................................................... 15

1.2 DIREITO E ECONOMIA ........................................................................................ 21

1.3 DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA

ECONOMIA ............................................................................................................ 24

1.3.1 Intervenção Direta .................................................................................................... 25

1.3.2 Intervenção Indireta .................................................................................................. 26

1.4 FUNÇÕES DO ESTADO SOBRE A ECONOMIA .................................................. 27

1.4.1 Função de Fiscalização ............................................................................................. 28

1.4.2 Função de Incentivo ................................................................................................. 32

1.4.3 Extrafiscalidade ........................................................................................................ 34

2 COMÉRCIO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE ............................ 38

2.1 VÍNCULO ENTRE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE .......................................... 38

2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CRESCIMENTO ECONÔMICO ....... 40

2.3 ASPECTOS DA SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE ATUAL ..................... 44

2.3.1 Sustentabilidade e Direito Econômico ...................................................................... 48

2.3.2 Sustentabilidade e Saúde Pública .............................................................................. 55

2.3.3 Sustentabilidade e a Teia da Vida ............................................................................. 57

2.4 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE (THE TRIPLE BOTTON LINE) ....................... 60

3 AS FORMAS DE REGULAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL ........... 65

3.1 PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS: TRANSGÊNICOS NO BRASIL ................... 65

3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ..................................................................... 71

3.3 PRINCÍPIOS QUE SUSTENTAM A REGULAMENTAÇÃO DOS

TRANSGÊNICOS.................................................................................................... 72

3.3.1 Princípio da Participação Popular ............................................................................. 73

3.3.2 Princípio da Publicidade ........................................................................................... 74

3.4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES À

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA .............................. 75

3.4.1 Definições Gerais Vinculadas à Biossegurança ......................................................... 75

3.4.2 Aspectos Legais da Biossegurança ........................................................................... 76

3.4.3 Lei 11.105/2005- Lei de Biossegurança .................................................................... 80

3.4.4 Código de Defesa do Consumidor ............................................................................ 83

3.5 ÓRGÃOS REGULADORES DA ATIVIDADE DE PLANTIO DE

TRANSGÊNICOS NO BRASIL .............................................................................. 87

3.5.1 As Agências Reguladoras ......................................................................................... 88

3.5.2 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ......................................... 91

3.6 A PRODUÇÃO ILEGAL DE VEGETAIS TRANSGÊNICOS NO BRASIL ............ 92

3.7 ROTULAGEM OBRIGATÓRIA DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS ................. 97

4 UMA ANÁLISE DO SISTEMA OMC EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS

FITOSSANITÁRIAS E SUA APLICAÇÃO AOS TRANSGÊNICOS .............. 101

4.1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO ................................ 101

4.2 Barreiras Não-Tarifárias e o Comércio Internacional de Alimentos......................... 104

4.3 MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS DA OMC ............................... 109

4.3.1 Verificação de Riscos ............................................................................................. 114

4.4 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC .......................... 115

4.4.1 Utilização de Painel ................................................................................................ 117

4.4.2 Cumprimento da Decisão ....................................................................................... 118

4.5 PRINCÍPIOS DA OMC VINCULADOS ÀS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS ..... 120

4.5.1 Princípio da Precaução ........................................................................................... 120

4.5.2 Princípio da Equivalência ....................................................................................... 123

4.6 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE, MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS E

BARREIRAS AOS TRANSGÊNICOS .................................................................. 124

4.6.1 Limites da Sustentabilidade para Impedir os Transgênicos ..................................... 125

4.6.2 A Sustentabilidade Ambiental e Medidas Fitossanitárias ........................................ 130

CONCLUSÕES ................................................................................................................ 133

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 135

12

INTRODUÇÃO

Os transgênicos, denominados pela Lei 8.974/95 de organismos geneticamente

modificados, são resultado de experiência recente da engenharia genética, que foi capaz de

descobrir e desenvolver novas formas de utilização para este ramo do desenvolvimento

tecnológico a partir do mapeamento e sequenciamento das moléculas de ADN/ARN

recombinante, no início da década de 90, o que culminou no desenvolvimento de uma técnica

denominada transgenia, inserida no campo das biotecnologias.

O foco da presente pesquisa é a análise jurídica-econômica das medidas fitossanitárias,

mais precisamente no caso dos produtos transgênicos, bem como a relação dessas medidas

com o tripé da sustentabilidade. Destaca-se, também, a importância da adoção das medidas

fitossanitárias, como proteção à saúde humana, vegetal ou animal e não como barreira

protecionista ao comércio de produtos transgênicos.

O advento e utilização de uma nova tecnologia acarretam inúmeras polêmicas e

reflexões, as quais são objetos da presente pesquisa. Acredita-se que o desenvolvimento

científico e tecnológico são elementos fundamentais para o desenvolvimento e crescimento

sustentado de uma nação, para a preservação do meio ambiente, para o aumento da produção

e das receitas, para o dinamismo do mercado, para a manutenção da livre concorrência, para a

manutenção e implemento da qualidade de vida, e até mesmo para uma distribuição de renda

mais equitativa.

Certo é, entretanto, que a expansão dos transgênicos faz surgir, consequentemente,

considerações de ordem econômica, social, ética, científica e ambiental, as quais levaram, no

cenário nacional e internacional, a adoção de medidas de proteção à vida, a saúde humana e

animal e as plantas e vegetais contra doenças, pestes e organismos causadores de doenças, em

decorrência das polêmicas em torno da segurança à saúde e ao meio ambiente no uso dos

transgênicos.

Neste contexto, a importância das normas sanitárias e fitossanitárias tem sido

amplamente discutida, notadamente no âmbito comercial e no das negociações multilaterias e

regionais, cujos parâmetros são definidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC) -

visando à definição de normas e padrões sanitários e técnicos, fundamentados cientificamente,

e que possam ser adotados por todos os países, buscando a sua harmonização, para facilitar o

comércio e evitar que medidas dessa natureza sejam utilizadas como protecionismo.

Diante das discussões existentes em torno do uso de OGM na produção de alimentos e

com base no direito fundamental de informação, devidamente previsto no ordenamento

13

jurídico brasileiro, a rotulação dos produtos contendo OGM passa a exigido como forma de

escolha para o consumidor.

No primeiro capítulo, trata-se da intervenção do Estado na economia, sendo o indutor

do desenvolvimento econômico e social, faz-se explanação sobre as fases históricas

apresentando a função do Estado nos momentos históricos. Também, aborda-se a relação

entre Direito e Economia, constatando que um exerce influência sobre outro, devendo

destacar que ambos são influenciados pelo contexto social em que estão inseridos.

Neste sentido, observa-se a importância no Estado quanto à intervenção relativa aos

transgênicos e sua influência na regulamentação de sua comercialização. Sendo uma das

funções do Estado possibilitar o desenvolvimento econômico e social, este deve posicionar-se

quanto à transgenia.

No segundo capítulo, trata-se do desenvolvimento sustentável, crescimento econômico

e aspectos ambientais, em especial o Tripé da Sustentabilidade que refere-se a aspectos

econômicos, sociais e ambientais. Faz-se uma análise sobre o direito a saúde humana,

qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo estes elementos

essenciais ao desenvolvimento sustentável.

Também, neste capítulo, trata-se da teia da vida em que destaca-se a interdependência

ecológica e de relações, sendo fundamental que todos façam a sua parte pois uma atitude

influencia a vida de todos os outros, tendo em vista esta interligação.

No terceiro capítulo, faz-se referência as formas de regulamentação dos transgênicos

no Brasil, apresentando a Lei de Biossegurança e outras legislações aplicadas aos OGMs,

destacando aspectos históricos e momentos marcantes desde que se iniciou o investimento na

transgenia. Comenta-se sobre as agências reguladoras, aspectos legais e importância na

regulação de serviços públicos, abrangendo atividades econômicas em sentido amplo.

Neste sentido, destaca-se a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),

responsável pelo estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos

referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, enfim,

atividades que envolvam OGMs e derivados.

No quarto capítulo, aborda-se sobre o sistema da Organização Mundial do Comércio

(OMC) em relação às medidas fitossanitárias. Apresenta-se contextualização da OMC,

surgimento, função e acordos, dentre eles o Acordo SPS. Este acordo impõe adoção de

medidas sanitárias e fitossanitárias que avaliam objetivamente os riscos dos transgênicos com

base científica, com a finalidade de evitar argumentos de barreiras comerciárias.

Faz-se análise do princípio da precaução que dispõe sobre a proteção da saúde e

14

qualidade de forma paritária. A pauta deste princípio é a proibição da repetição de atividade

que já se sabe perigosa. E o princípio da equivalência, que tem como função principal a

promoção de medidas sanitárias e fitossanitárias condizentes com o fim comumente

perseguido.

Estuda-se, ainda, neste capítulo se o Tripé da Sustentabilidade, as medidas

fitossanitárias e barreiras aos transgênicos são impeditivos da comercialização dos

transgênicos e, consequentemente, dificultam o desenvolvimento econômico do país.

Como é sabido o fim da ordem econômica não é outro, senão, assegurar a todos a

existência digna, conforme os ditames da justiça social, passando necessariamente pela

convergência da proteção dos recursos naturais e da preservação da qualidade ambiental,

buscando o equilíbrio entre o jurídico e o econômico.

Diante das premissas expostas anteriormente, ficam evidenciadas a atualidade e a

importância do tema em apreço, que justificaram a escolha deste como objeto da presente

pesquisa.

Neste trabalho foi utilizado, basicamente, pesquisa bibliográfica sobre o tema em

jornais, revistas, livros e em sites, através da internet. Utilizou-se do método dedutivo e da

análise crítica.

15

1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA

O Estado Democrático de Direito, modalidade apresentada na Magna Carta, tem

conteúdo transformador da realidade. Este se apresenta como uma evolução das condições

sociais de existência, resultado de um processo histórico. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o

aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente

como incentivador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um

projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma

perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a questão da

democracia contém e implica, a solução do problema das condições materiais de existência.

Dentre este conteúdo transformador, está o da intervenção do Estado na economia que

manifesta-se objetivando o equilíbrio das relações sociais e econômicas. O Estado intervém

de modo direto ou indireto.

De acordo com Grau, o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público

ou regula a prestação de serviço público.1 Neste caso ele atua em área de sua própria

competência. Intervenção é quando o estado atua em área de titularidade do setor privado.

Intervenção é quando o Estado atua tanto na área de titularidade própria quanto no setor

privado, ou melhor, quando atua no campo da atividade econômica em sentido estrito; atuação

estatal, ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo.

A preocupação fundamental do Estado deve ser o desenvolvimento social e econômico

da nação, desta forma as Políticas Públicas devem estar voltadas a estes objetivos, no entanto

os princípios fundamentais da ordem econômica como a livre iniciativa e a livre concorrência

devem ser respeitadas.

Para que haja compreensão da fundamentalidade da intervenção, ou não, do Estado na

economia como resultado à efetivação de Direitos e Princípios Fundamentais do homem, faz-

se necessário apresentar breve contextualização para alcançar o modelo atual.

1.1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL

O Estado Liberal possui como fundamento principal a premissa de que o homem tem

direito à propriedade privada, sendo este elemento essencial e a ratificação do seu direito à

liberdade.

1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90-

91.

16

De acordo com Tavares, o fundamento do liberalismo é o total respeito às liberdades

individuais na atuação do Estado. Este sistema encarece a necessidade de garantir a liberdade

individual já que a considera como indispensável para que os homens alcancem a sua

satisfação.2 A principal manifestação econômica da doutrina liberal, de acordo com o mesmo

autor, é a livre iniciativa que consagra o direito, atribuído a qualquer pessoa, de exercer

atividade econômica livre de qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida do

Estado.

Nos séculos XVII e XVIII, de forma expressiva em países como a Inglaterra e a

França, o pensamento liberal legitimou a ascensão econômica, social e política da burguesia.

Esta classe propagou a ideologia do Estado Liberal ou liberalismo, segundo a qual todos

tinham direito à liberdade individual; escolha de seus representantes; ser proprietário de bens

móveis e imóveis; gerir livremente seus negócios.

Liberalismo é definido no dicionário Houaiss como “doutrina baseada na defesa da

liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra as

ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal.”3

A burguesia solicitava ao Estado que este deixasse de intervir nas relações econômicas

e sociais, devendo sua atuação se limitar a garantir a livre iniciativa e o direito à propriedade

privada.

Para Chauí: “[...] a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza, a

nobreza e, [...] surge como superior a elas, uma vez que acredita que é proprietário graças ao

seu próprio do trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade.”4 A mesma autora

declara que:

O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres,

mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez a todos iguais, se a

todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados,

são culpados por sua condição inferior.5

De acordo com a citação da referida autora, a burguesia considerava que a propriedade

privada era um direito daqueles que trabalharam e conquistaram este direito e aqueles que não

possuem propriedade não se esforçaram para adquiri-lo.

2 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 47. 3 LIBERALISMO. In: HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão monousuário 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 4 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 11. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 401. 5 Id., Ibid., p. 401.

17

A partir da Revolução Francesa ocorrida no ano de 1789, o sistema econômico

capitalista passa a predominar em grande parte dos Estados industrializados e, conforme

apresenta Sandroni as principais características apresentadas por este sistema são a separação

entre trabalhadores livre, que dispõem apenas da forma de trabalho e a trocam por salário,

para garantir a própria sobrevivência, e capitalistas que são os proprietários dos meios de

produção e contratam os trabalhadores para produzir mercadorias objetivando obter lucro.6

O Estado Liberal predominou no período compreendido entre o final do Século XVIII

e o início do Século XX, e aparecem em textos constitucionais, dentre os quais se destacam os

dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791.

O que se observou foi que o funcionamento da Economia com as características do

Liberalismo, não foi capaz de resolver os conflitos sociais e econômicos existentes à época de

sua hegemonia. Os ideais da propriedade privada e da liberdade econômica se concretizaram e

se sobrepuseram aos da liberdade, igualdade e da fraternidade, que existiram apenas

formalmente. Assim, a grande massa de trabalhadores deixou de ser explorada pelos senhores

feudais e passou a ser oprimida pela Burguesia, sem qualquer intervenção do Estado

capitalista liberal.

O povo insatisfeito com os resultados de políticas liberais nas esferas social e

econômica exige maior intervenção do Estado nestas áreas. A sociedade deseja, portanto, um

novo modelo de Estado. Este deveria proporcionar o desenvolvimento social e,

consequentemente, existência digna a todos os homens.

Keynes, através da obra “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”

comprovou ser possível que o mercado não fosse capaz, por si só, de retirar a Economia da

condição de estagnação em que se encontrava. Argumentou que a Economia só retomaria seu

ciclo normal se houvesse investimentos. Mas, estes investimentos, não seriam feitos por

empreendedores privados. Nessa situação de instabilidade econômica, os investimentos

deveriam ser feitos pelo Estado, de modo a estimular o poder de compra da população e, com

isso, desenvolver a Economia.

Keynes fez as seguintes considerações sobre a necessidade de investimentos

econômicos, pelo Estado, para o reaquecimento da Economia:

Se o Tesouro se dispusesse a encher garrafas usadas com papel moeda, as enterrasse

a uma profundidade conveniente em minas de carvão abandonadas que logo fossem

cobertas com o lixo da cidade e deixasse à iniciativa privada, de acordo com os bem

experimentados princípios do laissez-faire, a tarefa de desenterrar novamente as

6 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 5. ed. São Paulo: Best Seller, 2000, p. 561.

18

notas (naturalmente obtendo o direito de fazê-lo por meio de concessões sobre o

terreno onde estão enterradas as notas), o desemprego poderia desaparecer e, com a

ajuda das repercussões, é provável que a renda real da comunidade, bem como a sua

riqueza em capital, fossem sensivelmente mais altas do que, na realidade, o são.

Claro está que seria mais ajuizado construir casas ou algo semelhante; mas se tanto

se opõem dificuldades políticas e práticas, o recurso citado não deixa de ser

preferível a nada.7

Este economista sugeriu uma forma de intervenção do Estado na economia,

considerando-a condição para o desenvolvimento da mesma. Este deveria atuar de forma

determinante na elaboração e execução de medidas necessárias ao desenvolvimento das

economias capitalistas. Através do contexto econômico, apresentado neste período, e dos

estudos de Keynes, apresenta-se como alternativa o Estado Social.

A liberdade e o individualismo, características do Estado Liberal, eram características

da sociedade de economia fundamentalmente capitalista, economia esta que favorecia aos

detentores dos meios de produção, em detrimento dos trabalhadores que viviam da venda de

sua força de trabalho.

Verificando-se o aumento das desigualdades sociais e da concentração da propriedade

privada, faz-se necessário que o Estado intervenha no meio social e econômico para que

desenvolva políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento econômico social e

diminuição das desigualdades.

A intenção da intervenção estatal é que os trabalhadores tivessem realizados os

direitos previstos na Constituição, principalmente o princípio fundamental que é o da

dignidade da pessoa humana e, ainda, a realização dos Direitos Sociais. Sobre o Estado

Social, comenta Bonavides:

Quando o Estado coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a

impaciência do quarto estado [povo] faz ao poder político, confere, no Estado

constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação,

intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os

preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as

exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê

necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as

classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em

suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com

justiça, receber a denominação de Estado social.8

Para este doutrinador, ao Estado Social cumpre possibilitar a todos os seres humanos a

7 KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tradução de Mário R. da Cruz. São

Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 145. 8 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 186.

19

realização de seus Direitos Fundamentais Sociais como o direito ao trabalho, a educação, etc.,

ratificando o princípio da livre iniciativa como princípio do Estado Democrático de Direito.

Para Tavares, ao se citar o Estado Social, é necessário destacar que, embora se trate de

um Estado interventor, no sentido de que não assume uma postura liberal clássica, o certo é

que se caracteriza, tal Estado, por ter um ideal, uma meta, consistente na busca da melhoria

das condições de vida pela prestação positiva do Estado em diversos setores.9 A demanda por

um Estado interventor decorre da existência de falhas na concepção liberal da economia.

As falhas de mercado, que demandam a intervenção estatal são: a ausência de

mobilidade dos fatores; acesso falho às informações relevantes; concentração econômica;

existência de externalidades positivas e negativas e a impossibilidade de sua internalização

pelo ente que a produz; e a falta de incentivo à produção de bens coletivos.10

O Estado também passou a assumir responsabilidades sociais crescentes, como a

previdência, a habitação e a assistência social, incluindo saúde, saneamento e educação,

ampliando seu leque de atuação como prestador de serviços essenciais. Também se aprimorou

o papel do Estado como empreendedor substituto, o que ocorre em setores considerados

estratégicos para o desenvolvimento, como no energético, minerário e siderúrgico, ou mesmo

nos setores de informática e tecnológico.11

No entanto, a crise apresentada nos anos 80 demonstrou que a intervenção do Estado,

mesmo que inseridas em momentos de falha do mercado, demonstra a ineficiência destas

ações como incentivo à economia, conforme comenta Bresser-Pereira: “[...] esta Grande Crise

teve como causa fundamental a crise do Estado – uma crise fiscal do Estado, uma crise do

modo de intervenção do Estado no econômico e no social, e uma crise da forma burocrática

de administrar o Estado.”12

Esta crise ocorreu, também, devido a incapacidade do Estado em atuar no cenário de

concorrência, especialmente em um contexto globalizado. As dificuldades de gerenciamento

da máquina estatal levaram à ineficiência do modelo intervencionista-social. Pode-se dizer

que o Estado assumiu responsabilidades acima de sua capacidade, gerando a explosão do

déficit público, por conta dessa prestação de serviços e atuação econômica maciça.

Para a solução desta tensão, uma das propostas apresentadas foi denominada de

9 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 49. 10 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 139-165. 11

TAVARES, op. cit., p. 57. 12 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua

Nova Revista de Cultura e Política, n. 45, p. 49-95, 1998. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

view.asp?cod=493>. Acesso em: 22 out. 2013, p. 1.

20

neoliberalismo. No Estado Neoliberal deve haver o afastamento deste nas questões

econômicas e sociais.

Esta nova concepção de Estado se funda na revalorização das forças do mercado, na

defesa da desestatização e na busca de um Estado financeiramente mais eficiente, probo e

equilibrado, reduzindo-se os encargos sociais criados no pós-guerra, sem afastar totalmente o

Estado da prestação de serviços essenciais.13

Bastos comenta que: “O Estado neoliberal se caracteriza por buscar uma economia de

mercado sem limites, por dedicar especial atenção à atividade econômica em detrimento da

atividade social e política.”14

Nesta linha de pensamento, se estrutura o Estado Social-Liberal, denominação

sugerida por Bresser-Pereira:

[...] Estado Social-Liberal: social porque continuará a proteger os direitos sociais e a

promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os

controles de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus

serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-

estatais competitivas, porque tornará os mercados mais flexíveis, porque promoverá

a capacitação dos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação e a

competição internacional.15

No Estado Social-Liberal, é apresentada a garantia dos Direitos Sociais através da

intervenção do mesmo nas relações econômicas. No entanto, esta intervenção será indireta, de

forma que não haja o descumprimento de princípios fundamentais como a livre concorrência e

a livre iniciativa. Bonavides acrescenta alguns comentários sobre o conceito de um Estado

Social:

É um Estado social onde o Estado avulta menos e a sociedade mais; onde a liberdade

e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para trasladar ao campo da

concretização direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da

possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno.16

O que se verifica é que o desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo

desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero

avanço econômico pouco significa.

Observa-se que houve um aprendizado com o passar do tempo, pois a história

13 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 61. 14

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 219. 15 BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 1. 16 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 33.

21

demonstrou as características de um Estado eficiente, onde a sociedade é a principal

protagonista e a Constituição Federal de 1988 veio de encontro com o contexto histórico,

demonstrando a importância da economia no direito ou do direito na economia.

1.2 DIREITO E ECONOMIA

As Constituições e legislações, em Estados Democráticos de Direito, como o Brasil,

decorrem da vontade da sociedade e servem de paradigma para as relações econômicas e

sociais.

De acordo com Vilanova, o Direito é posto pela sociedade e decorre de norma

objetiva, pertencente a um determinado ordenamento positivo.17

Assevera, ainda, que o

Direito é força social que ora retarda, ora incrementa a mudança social. O Direito, assim, é

inseparável da estabilidade e da alteração social. Observa-se a importância da visão sistêmica

do Direito, analisando o todo social, a realidade onde está inserido para que se adeque a este

cenário.

Reale acredita que existe influência mútua entre a Economia e o Direito: “[...] há, pois,

entre Economia e Direito uma interação constante, não se podendo afirmar que a primeira

cause o segundo, ou que o Direito seja mera ‘roupagem ideológica’ de dada forma de

produção.”18

Portanto, o Direito exerce influência na Economia e a Economia exerce influência no

Direito, no entanto há de se destacar que ambos são influenciados pelo contexto social em que

estão inseridos.

Para Nusdeo, as relações econômicas dependem diretamente do conjunto de normas

que as regem. Mas, estes fatos influenciam, também, na formulação e aplicação da legislação

vigente em determinada sociedade.19

A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores

econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica,

conforme preconiza a Constituição Federal, artigo 170. O princípio da livre iniciativa é

fundamento da República e da Ordem Econômica, de acordo com a Magna Carta, artigo 1º,

IV; artigo 170, inciso II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em

17 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: AXIS MVNDI; IBET, 1997. v. 2, p. 464-475. 18 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 21. 19 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 30.

22

desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da

atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato

celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de

embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei.

De acordo com Bastos, a Economia é uma ciência social que tem como campo de

atuação a sociedade e como objeto o estudo dos fenômenos relativos à produção, distribuição

e consumo dos bens materiais.20

Esta ciência também verifica as necessidades materiais da

coletividade e a sua satisfação, a organização da produção, a circulação de bens e a repartição

de riquezas. Deve-se verificar que as necessidades humanas são infinitas e múltiplas, no

entanto os recursos são limitados e escassos.

Desta forma, quando a Economia é praticada como instrumento para o

desenvolvimento, esta beneficia toda a sociedade e não apenas os segmentos econômicos ou a

indivíduos específicos. Esta atitude pretende desenvolver atividades econômicas focadas na

ética, atender às necessidades fundamentais do ser humano e, desenvolver atividades

econômicas que promovam o desenvolvimento da comunidade próxima a ação direcionada.

Cortina declara que ética empresarial ou dos negócios, se centra em uma concepção da

empresa como organização econômica e como instituição social, ou seja, um tipo de

organização que desenvolve uma atividade especifica. A mesma apresenta alguns passos a

serem seguidos pelas organizações para se desenhar uma ética nas organizações, são eles: (i)

determinar claramente qual é o fim específico, o bem interno à atividade que lhe é própria e

pela qual cobra sua legitimidade social; (ii) averiguar quais são os meios adequados para

produzir esse bem e que valores é preciso incorporar para alcançá-los; (iii) indagar que

hábitos hão de ser adquiridos pela organização e por seus membros formando um caráter que

lhes permita deliberar e tomar decisões acertadas, (iv) discernir que relações devem existir

com as distintas atividades e organizações; (v) discernir também entre os bens internos e

externos.21

A atividade econômica deve atender às necessidades do ser humano, devendo estar

focada nas necessidades reais do indivíduo, a fim de que se efetive o princípio da dignidade

da pessoa humana e a igualdade entre as pessoas.

Referente ao desenvolvimento com foco no respeito ao ser humano, Sen faz a seguinte

consideração:

20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 7-8. 21 CORTINA, Adela. Ética de la empresa Claves para uma nueva cultura empresarial. 8. ed. Madrid: Trotta,

2008, p. 19.

23

[...] as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade

– na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas

dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade

têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas.22

Portanto, de acordo com referida autora, o indivíduo é protagonista das atividades

econômicas e estas devem ser participantes das ações, podendo opinar e influenciar as

intervenções tanto do Estado quanto das empresas particulares.

A atividade econômica deve ter como foco o desenvolvimento da sociedade e

contribuir para que se efetive a justiça social.

Juntamente com as Políticas Públicas, os empreendimentos econômicos privados são

considerados corresponsável pela melhoria da condição de vida das pessoas que se relaciona

ou a região em que atua.

Grau comenta sobre a ordem econômica apresentando-a “[...] como o conjunto de

normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica.

Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser), não é senão o

conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica.”23

Tavares dispõe sobre a ordem econômica disposta na Constituição Federal:

A ordem econômica constitucional seria um conjunto de normas que realizam uma

determinada ordem econômica no sentido concreto, dispondo acerca da forma

econômica adotada. ‘Designando o conjunto de normas e instituições jurídicas que

têm por objeto as relações econômicas, ela abrange necessariamente planos jurídicos

distintos (direito público, direito privado) e ramos jurídicos diversos (direito

comercial, direito civil, direito do trabalho, direito administrativo etc.).24

De acordo com o autor, a Constituição Federal se caracteriza como econômica por

estabelecer o ordenamento fundamental à atividade econômica praticada no País, tanto por

empreendimentos particulares quanto pelo Estado, determinando o que é possível e o que não

é no ambiente econômico.

Bresser-Pereira caracteriza o sistema econômico como um conjunto de elementos

articulados entre si de forma a constituir um todo. Essa articulação ou coordenação dos

elementos obedece a uma lógica, que é a da sobrevivência, quando se trata de sistema vivo,

completando:

22

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. 8. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2000, p. 71. 23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

72. 24 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 87.

24

[...] todo sistema econômico tem como princípio de coordenação o mercado. Através

do mercado e com o uso do dinheiro, os produtores competem entre si, e dessa

forma o mercado aloca recursos e determina a distribuição da renda. No papel de

alocador de recursos, o mercado é um mecanismo maravilho só embora cheio de

falhas, e depende da ação regulatória do Estado para poder ser efetivo. Como

instrumento distribuidor de renda, é cego e injusto. Por isso, a ação deliberada da

sociedade através do Estado está sempre presente na regulamentação do mercado, e

na tentativa de correção das suas falhas.25

Este autor inclui o mercado como o ambiente de atuação do sistema econômico, neste

ambiente que circulam os recursos e que se realiza a distribuição da renda. Quando se

verificam as falhas, é necessário estudar e propor as ações que devem ser realizadas para

corrigi-las.

No Brasil o sistema econômico, expresso na Constituição Federal, é o sistema de livre

mercado ou capitalista, apresentado por Tavares como

[...] o sistema econômico no qual as relações de produção estão assentadas na

propriedade privada dos bens em geral, especialmente dos de produção, na liberdade

ampla, principalmente de iniciativa e de concorrência e, conseqüentemente [sic], na

livre contratação de mão-de-obra.26

A Constituição Federal definiu o capitalismo como sistema econômico a ser adotado

no País, considerando como características deste sistema o individualismo, a propriedade

privada e a livre iniciativa, no entanto o mesmo documento prevê a possibilidade da

intervenção do Estado na economia, através dos artigos 173 e 174, sendo necessária para

possibilitar o desenvolvimento e justiça social.

1.3 DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA

ECONOMIA

O Estado pode interferir na economia utilizando-se de diversos métodos e através de

diversas ações como, por exemplo, através da atuação direta no mercado (assunto que será

estudado a seguir) ou regulando as atividades produtivas, tributando, oferecendo incentivos

fiscais ou política creditícia, coibindo o monopólio e a cartelização, etc.

25

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O sistema econômico brasileiro. Conjuntura Econômica, v. 59, n. 4, p. 16-

17, abr. 2005. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1539>. Acesso em: 22 out. 2013. 26 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 32.

25

1.3.1 Intervenção Direta

Os princípios da “ordem econômica” contidos na Constituição Federal, artigo 170,

divulgam os fundamentos sobre as quais devem se pautar as atividades econômicas internas.

A intervenção Direta do Estado na economia é autorizada de modo extraordinário no Texto

Constitucional e permite que o mesmo atue como agente econômico. Tal permissão aplica-se

apenas nos casos taxativamente definidos na Constituição, artigos 173 e 177.

Na intervenção estatal direta a participação do Estado na economia ocorre na

modalidade de empresário, através de suas empresas. Neste caso, o Poder Público participa

diretamente da atividade econômica exercendo atividade produtiva. De acordo com a Magna

Carta, o Estado brasileiro intervirá diretamente no domínio econômico sob os regimes de

monopólio e concorrencial.

A intervenção direta do Estado na Economia encontra-se normatizada na Constituição,

no artigo 173, que declara haver “casos” em que a exploração direta de atividade econômica é

permitida ao Estado, nos limites do próprio Texto Constitucional e, neste mesmo artigo,

declara que há permissão para a atuação direta do Estado na Economia na hipótese em que a

ação estatal se apresenta como “necessária aos imperativos da segurança nacional ou a

relevante interesse coletivo”, de acordo com o definido em lei.

Na Constituição Federal, artigo 177, está enumerada às situações em que há

autorização constitucional para que o ente público atue diretamente na atividade econômica,

na exploração de atividade econômica em regime de monopólio.

Assim, conforme disposto na Constituição de 1988, nos artigos 173 e 177, o Estado

está autorizado a atuar como agente econômico em duas hipóteses: a) nos casos

expressamente ressalvados na Constituição: exploração, pela União, dos monopólios

enumerados no artigo 177 e no artigo 21, XXIII, da Constituição e; b) na exploração de

atividade econômica necessária aos imperativos da segurança nacional ou ao atendimento de

relevante interesse coletivo.

Para Grau a expressão “atuação estatal” presta-se para enunciar as formas de atuação

do Estado em relação ao processo econômico na sua totalidade, inclusive quando alcançar a

esfera pública. O mesmo autor declara ser adequado o uso do vocábulo intervenção para

expressar que o Estado está atuando em atividade própria do setor privado. Completa

afirmando que esta intervenção pode ser praticada no domínio econômico, na oportunidade

em que o Estado desenvolve atividades econômicas na condição de empreendedor privado, e

por práticas estatais decorrentes do poder do Estado para editar normas e regulamentos e, por

26

meio destes, induzir a iniciativa privada a desenvolver suas atividades no mesmo sentido das

políticas públicas apresentadas pelo Estado.27

Esta forma de intervenção será analisada no

próximo capítulo.

1.3.2 Intervenção Indireta

Os princípios contidos na Constituição Federal, artigo 170, em conjunto com outros

preceitos constitucionais aplicáveis às relações econômicas e sociais, são utilizados como

fundamento para a atuação indireta do Estado sobre a Economia. Na atuação indireta o

Estado, no exercício de seu poder e dever de editar normas e regulamentos que tratem de

matéria econômica, induz o mercado a atuar no sentido por ele orientado.

A atuação indireta do Estado sobre a Economia se efetiva por meio das funções

estatais de incentivo, fiscalização e planejamento. Tais funções, que são usadas pela

Administração Pública com habitualidade, serão analisadas a partir dos parâmetros da

Constituição Federal, artigo 174.

Esta modalidade de intervenção caracteriza-se pelo poder estatal para atuar nas

relações econômicas de modo a possibilitar a realização dos princípios da ordem econômica,

com a finalidade de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Grau comenta que, na intervenção indireta, o Estado atuará sobre a Economia por

direção ou por indução. Na primeira, intervenção por direção, o Estado, por meio de

mecanismos e normas, impõe à Economia comportamento compulsório.

Na segunda, intervenção por indução, o Estado altera sua vontade sem impor,

expressamente, determinado comportamento ao segmento econômico. Isto é efetivado por

meio das políticas públicas que causam reflexos na Economia a ponto de induzir os

empreendimentos econômicos a seguirem no caminho desejado pelo Estado. Sobre a

intervenção indireta por indução, declara Grau:

No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que,

embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que

afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não,

contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, [...], no de

‘levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os

limites do querer individual.’ Nelas, a sanção, tradicionalmente manifestada como

comando, é substituída pelo expediente do convite. [...]. Ao destinatário da norma

resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à

prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto, resultará

27 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

147-148.

27

juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios

usufruídos em decorrência dessa adesão.28

Norma indutora, que em regra é usada para estimular os agentes econômicos a

desenvolverem suas atividades na forma esperada pelo Estado, pode, também, ser aplicada em

sentido negativo. Neste, define-se o ônus a ser absorvido por empreendimento econômico que

executar suas atividades em desacordo com determinada política pública.

Conforme disposto na Constituição Federal, artigo 170, a melhoria da qualidade de

vida da pessoa humana está interligada com a finalidade da “ordem econômica” que é

“assegurar a todos existência digna” dentro dos parâmetros da “justiça social”.

Silva apresenta o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio que deve

acompanhar o homem do seu nascimento até a sua morte, visto ser a essência da natureza

humana. Completa dizendo que este princípio reclama por condições mínimas de existência,

conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica.29

O legislador constituinte, que deve representar a vontade da sociedade, caracterizou a

“dignidade da pessoa humana” como um dos fundamentos do Estado e a “existência digna”

como finalidade da “ordem econômica”; direcionou o Poder Público a atuar nas relações

sociais e econômicas, ou seja, o Estado passa a ter poder e dever de desenvolver ações que

tornassem real a “dignidade da pessoa humana” no País.

Para Del Masso, valendo-se de escritos de Alberto Venâncio Filho, o que interessa e

limita a atuação do Estado na economia, sob análise jurídica, é a conciliação entre as medidas

de intervenção e os direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal.30

Os limites constitucionais à intervenção do Estado no domínio econômico devem ser

vistos como garantia à sociedade de que os interesses econômicos não se sobreporão aos

direitos fundamentais e garantias definidas na Constituição Federal.

1.4 FUNÇÕES DO ESTADO SOBRE A ECONOMIA

Um dos principais objetivos do Estado é estabilizar a atividade econômica, evitando e

corrigindo os desequilíbrios que possam provocar uma crise econômica, ou seja, assegurar o

crescimento, a geração de empregos, a estabilidade dos preços e o equilíbrio das relações

comerciais nacional e internacional

28

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

149-150. 29 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 39. 30 DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 27.

28

Para realizar com eficácia esta função o Estado deverá fixar as metas a atingir e

escolher os meios que poderá utilizar-se para atingir esses objetivos. O Estado, para isso,

dispõe de instrumentos de intervenção na atividade econômica, de elaborações de planos

reguladores da economia, da produção de bens e serviços para satisfazerem necessidades

coletivas ou para serem comercializados.

A seguir, estuda-se as formas como o Estado pode atingir seu objetivo de estabilizar a

atividade econômica por meio da fiscalização, incentivo e extrafiscalidade.

1.4.1 Função de Fiscalização

Disposta na Constituição Federal, artigo 174, a função de fiscalização provêm da

atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. No exercício

da função de fiscalizador das atividades econômicas é atribuído ao Estado verificar a

adequação de determinada atividade com o ordenamento jurídico ao qual ela está obrigada.

Neste sentido verifica Grau:

Trata-se de normação e regulação que, como já anotei neste ensaio, reclamam fiscalização. Essa atividade, de fiscalização, é desenvolvida, evidentemente, em

torno de um objeto. Fiscalizar significa verificar se algo ocorre, sob a motivação de

efetivamente fazer-se com que ocorra - ou não ocorra. Assim, fiscalizar, no contexto

deste art. 174, significa prover a eficácia das normas produzidas e medidas

encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica. Essas normas e

medidas, [...], hão de necessariamente estar e dar concreção aos princípios que

conformam a ordem econômica. Por isso hão de, quando atinjam a atividade

econômica em sentido estrito, necessariamente configurar intervenção sobre o

domínio econômico.31

A função de fiscalização do Estado é executada por diversos órgãos públicos da

administração direta ou indireta da União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios.

Dentro de suas respectivas competências cada ente da Federação cria órgãos com a função de

fiscalizar atividades econômicas, estes órgãos têm, em regra, o poder de regulamentar as

atividades que lhes cabe fiscalizar.

Para o exercício da função de fiscalização é fundamental que tenha sido definido,

previamente, pela pessoa jurídica competente e por meio de instrumento jurídico adequado,

padrão de comportamento a ser observado por empreendimento ou atividade econômica

sujeita à fiscalização. A existência de norma (sentido amplo) que defina parâmetros para a

31 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

307-308.

29

atuação dos empreendimentos econômicos e dos órgãos de fiscalização é indispensável para a

intervenção estatal na Economia, no exercício da função de fiscalização, dentro dos limites

constitucionais do Estado de Direito.

Sobre os limites à atividade estatal de fiscalização, Carvalho informa:

[...] tenho que é necessária a elaboração de planos gerais de fiscalização, imperativo

do equilíbrio entre os direitos da Administração e do Administrado, como se pode

verificar do trabalho daqueles que reivindicam um ‘Código de Defesa do

Contribuinte’. A publicidade dos critérios em lei se converte em condição necessária

para que a sua aplicação por parte dos contribuintes possa ser controlada,

comportando assim a possibilidade de impugnação da discricionariedade

administrativa por desvio de poder. A fiscalização deve exercer-se com estrita

observância dos direitos e garantias individuais, devendo-se evitar uso distorcido

desse instrumento como expediente sancionatório, além do respeito ao direito da

intimidade, que há de ser exigido.32

O exercício da função de fiscalizar permite ao Estado verificar se as atividades

econômicas estão sendo executadas em conformidade com as normas internas a elas

aplicáveis. Caso seja constatado o descumprimento de tais normas, em regra, o agente

fiscalizador tem competência legal para aplicar sanções, definidas em lei, que obriguem o

empreendimento econômico a corrigir suas ações, de forma a adequá-las às leis e

regulamentos dirigidos ao setor.

As sanções aplicáveis quando da fiscalização não têm finalidade apenas punitiva,

podem, também, servir para limitar direitos individuais em benefício da coletividade, fazendo

com que agentes econômicos atuem sem desrespeitar direitos da sociedade, explicitados no

Texto Constitucional e na legislação infraconstitucional.

Neste sentido, afirma Bastos que:

De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas atividades que, sem implicarem na

prestação direta da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar,

com o processo de maior conformação da atividade dos particulares, ao atingimento

mais pleno possível dos objetivos elencados no art. 170 do Texto Constitucional.

Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder amplo de que desfruta o ente

estatal, denominado poder de polícia. Por seu intermédio objetiva-se manter a

atividade privada dentro do Estabelecido na Constituição e nas leis.33

Instituído pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que dispõe sobre o Sistema

Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e

Municípios, o Código Tributário Nacional, artigo 78, demonstra o significado de poder de

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008, p.

813. 33 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 262.

30

polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,

limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,

à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de

atividades econômicas dependente de concessão ou autorização do Poder Público, a

tranqüilidade [sic] pública ou ao respeito à propriedades e aos direitos individuais ou

coletivos.34

Dispõe o Art. 145 da Constituição que:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir

os seguintes tributos:

[...]

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou

potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou

postos a sua disposição.35

Di Pietro recorda que o conceito de poder de polícia está atrelado à concepção liberal

do século XVIII, quando o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o

exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. Comenta que através do

conceito moderno adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado

consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.36

Para Meirelles poder de polícia é

A faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas

do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do

próprio Estado. Esse poder é inerente a toda Administração e se reparte entre todas

as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.37

A função estatal de fiscalização está contida no poder e dever da Administração em

agir, com fundamento no ordenamento jurídico, na limitação da liberdade e da propriedade

individual e, com isto, garantir que o interesse público seja efetivado. Tal atuação independe

da denominação dada pela doutrina ao referido poder estatal – se poder de polícia ou

limitações administrativas à liberdade e à propriedade.

A fiscalização das atividades econômicas por meio das agências reguladoras, com

34 BRASIL. Vade mecum. Colaboração Editora Saraiva, Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti.

13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, CTN, art. 78. 35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, art.145. 36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 111. 37 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 128.

31

poderes para criar normas específicas para disciplinar determinadas atividades econômicas e,

também, para fiscalizar se tais normas estão sendo observadas ou não, mostra-se como uma

das opções do Estado, a partir da Constituição de 1988, para implantar sua atuação na

Economia, como agente normativo e regulador das atividades econômicas no exercício de sua

função de fiscalização. Neste sentido, Di Pietro apresenta a definição de agência reguladora:

Assim, agência reguladora, em sentido amplo, é, no direito brasileiro, qualquer

órgão da Administração Direta ou Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Em sentido estrito, e abrangendo apenas o modelo mais

recente, a agência reguladora é entidade da Administração Indireta, em regra

autarquia de regime especial, com a função de regular a matéria que se insere em sua

esfera de competência, outorgada por lei.38

Como exemplo da atuação estatal, por meio das agências reguladoras, apresenta-se as

disposições contidas na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Esta Lei “dispõe sobre a

organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão

regulador e outros aspectos institucionais.” Este órgão é a Agência Nacional de

Telecomunicações (ANATEL), entidade integrante da Administração Pública Federal

indireta, submetida a regime autárquico especial168 e vinculada ao Ministério das

Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações. Na Lei nº 9.472/1997

está definido que:

Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das

políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a

exploração dos serviços de telecomunicações.

Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a

fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e

funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências [sic].

Art. 2° O Poder Público tem o dever de:

I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços

razoáveis, em condições adequadas;

II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos

serviços de interesse público em benefício da população brasileira; III - adotar

medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua

oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

IV - fortalecer o papel regulador do Estado;

V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e

industrial, em ambiente competitivo;

VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.39

38 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,

terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 188. 39

BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações,

a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda

Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm>. Acesso

em: 23 out. 2013, art. 1º-2º.

32

A Lei nº 9.472/1997, no parágrafo único do artigo 22, define que a fiscalização do

cumprimento das normas aplicáveis ao segmento econômico regulado pela ANATEL deve

ficar a cargo dos agentes públicos da própria Agência: “Parágrafo único. Fica vedada a

realização por terceiros da fiscalização de competência da Agência, ressalvadas as atividades

de apoio.” Para executar a fiscalização a ANATEL dispõe de recursos de várias fontes,

inclusive dos destinados ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL),

administrado exclusivamente pela Agência.

Vê-se, pelo exemplo da Lei que criou a ANATEL, a importância das agências

reguladoras na execução da função estatal de fiscalização das atividades econômicas. Mas, o

Estado não executa a sua função de fiscalização apenas por meio das agências reguladoras.

1.4.2 Função de Incentivo

A função estatal de incentivo às atividades econômicas, prevista na Constituição

Federal, artigo 174, abrange qualquer benefício estatal concedido pelo Estado a

empreendimento econômico.

No exercício da função de incentivo o Estado oferece aos empreendimentos

econômicos, que aderirem à determinada política pública, condições privilegiadas para

desenvolverem suas atividades em relação àqueles que não aderirem. O incentivo serve de

instrumento para que o Estado, sem intervir diretamente na Economia, induza o mercado ou

parcela dele a se comportar de modo a contribuir para a concretização de interesse público.

Bastos40

afirma que “O incentivo já traz em si a ideia de estímulo, de ajuda, enfim, de

concessão de benefícios no implemento da atividade privada. É dizer, o Estado pode

incentivar determinados ramos da economia, quando no seu mais rápido desenvolvimento vir

um interesse coletivo.” Nascimento apresenta o incentivo como sendo:

[...] incentivo é criar estímulos favoráveis ao progresso da atividade econômica, é

dar condições positivas para o seu desenvolvimento, é incitar, possibilitando um

melhor e mais adequado resultado da atividade econômica. Aqui, também, no

relativo ao incentivo, a função estatal será exercida conforme dispuser a lei.41

Silva faz a seguinte observação sobre a função estatal de incentivo prevista na

Constituição Federal, artigo 174:

40 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 263. 41 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a nova Constituição. Rio

de Janeiro: Aide, 1989, p. 34.

33

Incentivo, como função normativa e reguladora da atividade econômica pelo Estado,

traz a idéia do Estado promotor da economia. É o velho fomento, conhecido dos

nossos ancestrais, que consiste em proteger, estimular, promover, apoiar, favorecer e

auxiliar, sem empregar meios coativos, as atividades particulares que satisfaçam

necessidades ou conveniências de caráter geral. A própria Constituição já

determinou apoio, estímulo e favorecimento a atividades específicas: o

cooperativismo e o associativismo, as microempresas, nos termos dos arts. 174, §§

3º e 4º e 179. [...] O art. 174 declara que o Estado exercerá sua atividade de agente

normativo e regulador, ‘na forma da lei’. Não se quer, com isso, dizer que a

intervenção, nesses termos, dependa sempre de lei em cada caso específico. De fato,

não se exige lei em cada caso para estimular e apoiar a iniciativa privada na organização e exploração da atividade econômica, como também não é mediante lei

que se limitam atividades econômicas. Essas intervenções todas se realizam

mediante ato administrativo, embora não possam efetivar-se senão de acordo com

previsão legal. As limitações, sim, como ingerência disciplinadora, constituem

formas de intervenção por via de regulamentação legal; mas o fomento nem sempre

demanda lei - tais a implantação de infra-estrutura, a concessão de financiamento

por instituições oficiais, o apoio tecnológico.42

É necessária a previsibilidade legal para que ocorra a prática do incentivo, como está

estabelecida na Constituição Federal, artigo 174. Mesmo nos casos destacados por Silva:

“implantação de infra-estrutura, a concessão de financiamento por instituições oficiais, o

apoio tecnológico”, só pode o Estado implementar tais atividades de fomento se houver

previsão em lei. As ações destacadas pelo autor devem estar, por exemplo, previstas nos

instrumentos legais de planejamento e orçamento: Plano Plurianual (PPA), na lei de diretrizes

orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária (LOA), leis em sentido estrito, para serem

executadas pela Administração Pública, conforme apresentado na Constituição Federal,

artigos 165 e 167:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as

diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração

continuada.

§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da

administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício

financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá

sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das

agências financeiras oficiais de fomento.

[...]

§ 4º - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta

Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados

pelo Congresso Nacional.

[...] § 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo

regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias,

remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

42 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 721-722.

34

[...]

Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual.43

De acordo com Tavares44

a legislação não pode beneficiar grupos específicos de

interesse exclusivamente privados. A legislação deve ser objetiva e genérica, devendo

conceder benefícios somente em casos que haja interesse público.

A imposição constitucional de que deve ser editada lei dispondo sobre a concessão de

incentivo pelo Estado tem como objetivo permitir a participação do Poder Legislativo na

decisão sobre a aplicação dos recursos públicos. Desta forma, amplia-se a participação e o

conhecimento da sociedade sobre as ações do ente federativo que impliquem na destinação de

recurso público ao setor econômico.

Incentivar a atividade econômica com recursos públicos deve ter por objetivo principal

contribuir para melhorar as condições de vida das pessoas pois, por meio do crescimento do

empreendimento econômico incentivado, espera-se a ampliação de postos de trabalho, oferta

de produtos de melhor qualidade e com custo mais baixo, inovação tecnológica, agregação de

valor aos produtos primários, ampliar as exportações, aumento do valor da remuneração dos

trabalhadores.

A função incentivadora tem na desoneração parcial ou total da obrigação de natureza

tributária – isenção, redução de alíquota e/ou base de cálculo, concessão de crédito

presumido, anistia e remissão, relativos a impostos, taxas e contribuições –, seu principal

método de manifestação.

Destaca-se que a competência para conceder incentivo de natureza tributária guarda

relação direta com a competência para instituir tributos, descrita no Título VI da Constituição.

Assim, a União, os Estados Federados, o Distrito Federal e os Municípios têm, nos limites

definidos no referido Título e em outros dispositivos constitucionais, a base para a criação e

execução de política pública extrafiscal voltada à Economia, cujo principal instrumento é a

concessão de incentivo fiscal.

1.4.3 Extrafiscalidade

A utilização do tributo com finalidade extrafiscal tem sentido amplo, ou seja, engloba

todas as formas de tratamento diferenciado dado pela Administração Pública aos sujeitos

43 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003,

art.165, 167. 44 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 140.

35

passivos da relação tributária, em conformidade com o sistema jurídico vigente.

Com a extrafiscalidade, através de medidas do Estado, surgem possibilidades para a

existência dos incentivos fiscais que visam ao desenvolvimento nacional, à redução das

desigualdades sociais e regionais, possuindo como finalidade maior se fazer a justiça social.

A finalidade de política tributária com viés extrafiscal, em regra, é induzir os agentes

econômicos a se comportarem do modo pretendido pela Administração Pública. Esse

entendimento vai ao encontro de diferentes, mas convergentes, definições de extrafiscalidade.

Para Machado a política tributária será “Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a

interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de

recursos financeiros.”45

Sobre a finalidade extrafiscal dos tributos ensina Becker:

A principal finalidade dos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade

sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou

tradicional) não era a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio

das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada.46

Nas duas definições verifica-se o pensamento comum de que o tributo pode ser usado

pelo Estado com finalidade diversa daquela de arrecadar recursos para a execução direta das

atividades estatais. A “interferência”, por Machado, ou “intervenção”, por Becker, do Estado

sobre o domínio econômico, por meio do tributo para atingir objetivos extrafiscais, se justifica

no seu poder-dever de atuar em benefício da sociedade e, por consequência, do próprio

sistema econômico.

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela

se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada.

A política tributária extrafiscal, como já afirmado, não se dá pela imposição/coerção

do Estado sobre a atividade do particular, mas por indução a determinado comportamento do

mercado. Com isto, o Estado dá aos agentes econômicos a opção de aderir ou não à

determinada política estatal extrafiscal.

O artigo jornalístico escrito por Fariello e Romero, veiculada no Jornal Valor

Econômico, apresenta a intervenção do Estado na Economia por meio de política tributária.

[...] a política tributária, embora consista em instrumento de arrecadação tributária,

necessariamente não precisa resultar em imposição. O governo pode atuar em

45 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 61. 46 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 587.

36

termos de política tributária utilizando-se de mecanismos fiscais através de

incentivos fiscais, de isenções entre outros mecanismos que devem ser considerados

com o objetivo de conter o aumento ou estabilidade da arrecadação de tributos. [...]

Através da política extrafiscal, o legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular

comportamentos, de acordo com os interesses da sociedade, por meio de uma

tributação regressiva ou progressiva, ou quanto à concessão de incentivos fiscais.

Pode-se dizer que, através desta política, a atividade de tributação tem a finalidade

de interferir na Economia, ou seja, nas relações de produção e de circulação de

riquezas. [...] De igual modo o Estado poderá atender suas finalidades através da

distribuição de riquezas, satisfação das necessidades sociais, de políticas de

investimentos, entre outras, que podem ser alcançadas por meio de uma política tributária e não necessariamente pela imposição tributária.47

Tem-se, então, que a política tributária, por meio da função extrafiscal dos tributos,

pode ser voltada à promoção de mudanças de comportamento do mercado e da sociedade.

Assim, o Estado sem usar do tributo, exclusivamente, de forma impositiva, função fiscal,

pode definir e executar políticas tributárias que contribuam para a concretização dos

princípios da “ordem econômica”, por exemplo.

A política tributária, em seu viés fiscal ou extrafiscal, pode, por indução, conduzir a

Economia e os indivíduos a agirem ou omitirem-se em determinadas situações. Nesse sentido,

argumenta Sebastião:

O tributo, considerado não só em sua estrutura, mas também em sua função, em

especial a extrafiscalidade, é poderoso instrumento pedagógico e de transformação

socioambiental, com vistas ao estabelecimento de um desenvolvimento sustentável e

à conscientização ecológica da população em todos os seus segmentos.48

A extrafiscalidade dos tributos pode impactar a Economia ao ponto de levar o mercado

a tomar a direção pretendida nas políticas públicas voltadas ao setor. Com isto, ao Estado cabe

agir nessa seara com prudência e nos limite impostos pelo ordenamento jurídico vigente. A

preocupação da sociedade com essa questão pode ser verificada no texto constitucional,

merecendo relevo o disposto nos artigos 150, § 6º, 155, § 2º, XII, g, abaixo transcritos e o

art.165, § 6º182.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito

presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só

poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que

47 FARIELLO, Danilo; ROMERO Cristiano. União dará incentivos fiscais à produção de fertilizantes. Valor

Econômico, São Paulo, mar. 2010. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/?impresso/caderno_a/ 83/6099195/uniao-dara-incentivo-fiscal-a-producao-de-fertilizantes&scrollX=0&scrollY=0&tamFonte>. Acesso

em: 23 out. 2013. 48 SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. Curitiba:

Juruá, 2008, p. 332.

37

regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou

contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

[...]

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

XII - cabe à lei complementar:

[...]

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,

isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.49

Destaca-se, nos artigos citados da Constituição Federal, que todo incentivo,

necessariamente, deve estar prescrito em lei e todo órgão público competente deve respeitar

as disposições normativas.

De modo que tanto a política fiscal quanto a extrafiscal devem respeitar a função

social em suas práticas, sendo esta a forma do Estado proporcionar à sociedade uma isonomia,

um equilíbrio tributário, garantindo a redução das desigualdades sociais e regionais e os meios

adequados para o desenvolvimento de todas as regiões para, ao final, este desenvolvimento se

dar como um todo, em toda a esfera nacional.

Nesta seara, o Estado pode intervir, também, adotando medidas sanitárias e

fitossanitárias, entendidas como barreiras não tarifárias ao comércio, que visa a proteção a

saúde humana, animal ou vegetal, buscando a manutenção do bem estar do homem e da

natureza.

Desse modo, deve-se destacar a importância da busca pelo desenvolvimento

sustentável, cujo tema será desenvolvido no capítulo seguinte.

49 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003,

150, § 6º, 155, § 2º, XII, g.

38

2 COMÉRCIO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

A origem da sustentabilidade se deu com o surgimento do conceito de

ecodesenvolvimento, advindo da preocupação com a preservação do meio ambiente associada

com a melhoria das condições socioeconômicas da população. A construção desse conceito

refere-se a crítica à visão economicista e ao desenvolvimentismo, que geraram o

reducionismo econômico e problemas sociais e ambientais.50

No Relatório Brundtland “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem

as suas próprias necessidades.”51

Este demonstra a preocupação com o futuro, concordando

que os recursos naturais são finitos e que deve-se preservar o meio ambiente. De acordo com

o mesmo relatório, o desenvolvimento sustentável requer o atendimento às necessidades

básicas de todos, dando a todos a oportunidade de realizar suas aspirações a uma vida melhor.

Em complemento a este raciocínio:

É desenvolvimento porque não se reduz a um simples crescimento quantitativo, pelo contrário, faz intervir a qualidade das relações humanas com o ambiente natural, e a

necessidade de conciliar a evolução dos valores socioculturais com a rejeição de

todo processo que leva à deculturação. É sustentável porque deve responder à

eqüidade intrageracional e à intergeracional.52

De acordo com o comentário efetuado por Montibeller, desenvolvimento sustentável é

o crescimento quantitativo e qualitativo da relação do ser humano com o meio ambiente em

que está inserido. Este capítulo é todo dedicado ao desenvolvimento deste tema.

2.1 VÍNCULO ENTRE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE

As medidas sanitárias e fitossanitárias variam entre os países observando os fatores

que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração durante sua criação, tais

como, os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos consumidores aos riscos, as

condições climáticas e geográficas, o nível de desenvolvimento tecnológico e os recursos

econômicos disponíveis. A diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias tem um

50 MONTIBELLER, G. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno

sistema produtos de mercadorias. Florianópolis: EdUFSC, 2004. 51 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.

Acesso em: 29 out. 2013. 52 MONTIBELLER, op. cit., p. 50.

39

impacto negativo no comércio, visto que os exportadores precisam atender um conjunto

grande de padrões para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é importante para países

em desenvolvimento que não dispõem de recursos e capacidade técnica para a implementação

desses padrões diversos.53

Um país poderá sustentar níveis de proteção ambiental mais elevados do que aqueles

previstos pelos padrões internacionais, mas em tal caso deverá cuidar do seu dever de

consistência: as barreiras sanitárias e fitossanitárias não devem ser elevadas em relação aos

padrões internacionais somente naqueles casos em que a medida venha justamente a servir,

simultaneamente, propósitos comerciais. Caso a política ambiental de um país seja

inconsistente, sendo acentuada quando coincidem os interesses econômicos, presumir-se-á

que não se tem uma coincidência, mas sim uma medida protecionista, contrária ao princípio

da não discriminação.

Deve-se buscar uma complementaridade entre as políticas de comércio e meio

ambiente.

Oliveira observa que “a proteção ambiental preserva os recursos naturais em que são

uma das bases em que o crescimento econômico se apoia, e a liberalização do comércio

conduz ao crescimento econômico necessário a uma adequada proteção ambiental.”54

Aduz ainda que o diante desse contexto, o papel do OMC é o de promover a

liberalização comercial, assegurando que as políticas ambientais não atuem como barreiras ao

comércio e por outro lado que as normas comerciais não impeçam a proteção ambiental em

âmbito doméstico.55

Conforme disposto no art. 2.1 do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias

(SPS), os membros têm liberdade para adotar medidas nacionais de proteção ambiental desde

que não discriminem entre os produtos produzidos domesticamente e aqueles importados ou

entre produtos importados de diferentes parceiros comerciais.

O objetivo da norma é evitar o abuso das políticas ambientais e seu uso como restrição

disfarçada ao comércio internacional, como se dá com a comercialização dos produtos

transgênicos, acusados de causarem danos à saúde humana e ao meio ambiente, sem, contudo,

haver comprovação científica de que isso efetivamente ocorre.

É certo que o princípio da precaução, estudado no item 4.5.1, presume que medidas

53 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 20. 54 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao

desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 399. 55 Id., Ibid., Loc. cit.

40

ambientais sejam adotadas mesmo quando as informações científicas sejam incompletas.

Entretanto, o uso do princípio da precaução e de outras abordagens baseadas em riscos deve

ser esclarecido de forma transparente e democrática. Deve-se buscar o equilíbrio, permitindo

que o Estado adote medidas de proteção ao meio ambiente e estabeleça, ao mesmo tempo,

critérios cuidadosos para aplicação de medidas com base no princípio da precaução.

Não há melhor forma para implantar desenvolvimento sustentável do que relacionar

seus três pilares: econômico, ambiental e social. Para isso, a política de desenvolvimento

sustentável implica a necessidade de assistência técnica e financeira para capacitar os órgãos

envolvidos a adotar padrões de produção não prejudiciais ao meio ambiente e cumprir com as

normas de proteção ambiental.

2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CRESCIMENTO ECONÔMICO

De acordo com Andrade, Tachizawa e Carvalho, o crescimento econômico é entendido

como crescimento contínuo do produto nacional em termos globais ao longo do tempo,

enquanto desenvolvimento econômico representa não apenas o crescimento da produção

nacional, mas também a forma como é distribuída social e setorialmente.56

Veiga reforça essa diferença, quando verifica que o crescimento é uma mudança

quantitativa, enquanto o desenvolvimento seria uma mudança qualitativa de um determinado

cenário.57

No entanto, esse tema ainda é repleto de controvérsias, apresentando diversas

correntes radicais. Furtado escreveu que a ideia de que o desenvolvimento é um simples mito,

defendendo que os mitos congregam uma série de hipóteses que não podem ser testadas.58

Essa renúncia, segundo Veiga, deve-se ao fato de “a ideia ter funcionado como armadilha

ideológica inventada para perpetuar as assimétricas relações entre as minorias dominantes e as

maiorias dominadas, nos países e entre países.”59

Trinta anos depois, Furtado resume: “o crescimento econômico, tal e qual se conhece,

vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de

modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor

de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro

56 ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Makron Books, 2000. 57 VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. 58 FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. 59 VEIGA, op. cit.

41

para a massa da população.”60

Para Sachs, o desenvolvimento “pode permitir que cada indivíduo revele suas

capacidades, seus talentos e sua imaginação na busca da auto-realização e da felicidade,

mediante esforços coletivos e individuais... E enfatiza que os aspectos qualitativos são

essenciais.”61

O desenvolvimento tem a ver com a possibilidade de as pessoas viverem a vida

que escolheram.

Por isso, Carvalho, Mauro e Costa afirmam que a simples compreensão plena do

conceito de desenvolvimento torna redundante qualquer adjetivo: sustentado, sustentável ou

autossustentado.62

Constanza entende que o desenvolvimento sustentável deve ser inserido na relação

dinâmica entre o sistema econômico humano e um sistema maior, o ecológico.63

Para que essa

relação seja sustentável, a vida humana deve estar garantida, podendo continuar

indefinidamente, com crescimento e desenvolvimento da sua cultura, respeitando os limites de

modo a não destruir a diversidade, a complexidade e as funções do sistema ecológico, as quais

dão suporte à vida.

Bossel entende que o conceito de desenvolvimento sustentável deve ser dinâmico, já

que a sociedade e o meio ambiente sofrem mudanças contínuas, havendo uma modificação

constante de tecnologias, culturas, valores e aspirações. De acordo com o autor, sustentar

significa manter em existência, prolongar, e uma sociedade sustentável deve permitir todas

essas modificações.64

A ideia de sustentabilidade, segundo Hardi e Zdan, está atrelada à persistência de

certas características necessárias e desejáveis das pessoas, suas comunidades e organizações,

bem como dos ecossistemas que as envolvem, dentro de um longo ou, até mesmo, indefinido

período de tempo.65

A Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU conceitua

desenvolvimento sustentável:

Desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração

dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento

tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforça o potencial presente

60 FURTADO, Celso. Os desafios da nova geração. Revista de Economia Política, v. 24, n. 4 (96), p. 483-486,

out./dez. 2004. 61 SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. 62 CARVALHO, Pompeu Figueiredo de; MAURO, Cláudio Antônio de; COSTA, José Luiz Riani. O novo mapa

do mundo: natureza e sociedade de hoje: uma leitura geográfica. São Paulo: Hucitec, 1993. 63 CONSTANZA, R. Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia Press, 1991. 64 BOSSEL, H. Earth at a crossroads: paths to a sustainable future. Cambridge: Cambridge University Press,

1998. 65 HARDI, P; ZDAN, T. J. Assessing sustainable development: principles in practice. Winnipeg: IISD, 1997.

42

e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações futuras [...] é aquele que

atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações

futuras atenderem as suas próprias necessidades.66

Ressalta-se a interdependência entre o bem estar humano e dos ecossistemas,

ponderando que o progresso de cada uma dessas esferas não deverá ser alcançado em função

da degradação da outra. O desenvolvimento sustentável deve ser qualitativo e quantitativo, o

que o diferencia da noção de crescimento econômico, como foi tratado anteriormente.

Van Ballen observa que a ideia de desenvolvimento sustentável tem sua origem nos

primeiros debates sobre o conceito de desenvolvimento, predominantemente ligado à ideia de

crescimento, até o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável.67

O primeiro impacto sobre a ideia de desenvolvimento sustentável foi o produzido pelo

Clube de Roma, uma associação de cientistas políticos e empresários preocupados com as

questões globais, o qual encomendou alguns projetos relacionados ao tema. Então, em 1972,

foi elaborado um dos estudos mais conhecidos decorrentes das ações do referido Clube, o

relatório mundialmente conhecido como The limits to growth.68

Em junho do mesmo ano, foi realizada uma conferência em Estocolmo sobre o Meio

Ambiente humano. Essa conferência ressaltava que a maioria dos problemas relacionados ao

meio ambiente ocorria na escala global e se acelerava de forma exponencial. O relatório veio

contrapor à concepção de crescimento contínuo da sociedade industrial, rompendo com a

ideia da ausência de limites para exploração dos recursos naturais.69

Pode-se dizer que, pela primeira vez, representantes de governos se uniram para

tratarem sobre a necessidade de tomarem medidas efetivas para o controle dos fatores

causadores da degradação ambiental.

Em 1987, a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

apresentou um documento denominado Our Common Future, mais conhecido por Relatório

Brundtland, o qual afirmava que o progresso econômico e social não pode ser obtido através

da exploração indiscriminada e predatória da natureza.70

66 UNITED NATIONS. Department of Economic and Social Affairs. Commission on Sustainable Development.

Ninth Session, 16-27 Apr. 2001. Indicators of sustainable development: framework and methodologies:

background paper, n. 3. New York: DESA/DSD, 2001. Disponível em: <http://www.un.org/esa/sustdev/csd/

csd9_indi_bp3.pdf>. Acesso em: 29 out. 2013. 67 VAN BALLEN, Hans Michael. Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro:

FGV, 2005. 68 MEADOWS, D. et al. The limits to growth. London: Potomac, 1972. 69

VAN BALLEN, op. cit. 70 AJARA, C. As difíceis vias para o desenvolvimento sustentável: gestão descentralizada do território e

zoneamento ecológico-econômico. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2003. (Textos para

discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, n. 8).

43

O Relatório Brundtland apresenta uma das definições mais conhecidas e aceitas sobre

o desenvolvimento sustentável, a qual relaciona problemas do meio ambiente com o processo

de desenvolvimento, além de refletir sobre as gerações futuras e suas possibilidades,

necessidades e limitações. Foi nessa ocasião que a maioria dos países do mundo iniciou a

discussão sobre o desenvolvimento socioeconômico conectado com as transformações do

meio ambiente.

Vinte anos após a reunião de Estocolmo, em 1992, ocorreu no Rio de Janeiro, uma

nova conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, aumentando a

consciência das pessoas sobre o modelo de desenvolvimento adotado mundialmente, bem

como sobre as limitações que ele apresenta.71

Um dos principais resultados desse encontro foi o documento Agenda 21, que é um

plano de ação composto por quarenta capítulos, acordado e adotado dentro da conferência

realizada no Rio de Janeiro.72

Neste documento observam-se a declaração de objetivos, o

esboço das ações necessárias, as linhas de orientação para a definição de um programa de

ação, as condições institucionais necessárias, assim como os meios de execução para atingi-

las, abordando, inclusive, temas relacionados a financiamentos.

A Agenda 21 reflete o consenso global e o compromisso político em seu mais alto

nível, objetivando o desenvolvimento atrelado à responsabilidade com o meio ambiente. O

documento convoca as organizações a uma participação ativa na implementação de seus

programas, com a finalidade de atingir o desenvolvimento sustentável. Para a Agenda, as

políticas das indústrias e comércio, sobretudo de empresas multinacionais, têm um papel

essencial na redução do impacto ao meio ambiente e no uso racional dos recursos naturais.73

A Agenda 21 foi publicada e adotada por 178 países, sendo que cada um deles

adaptou-a para sua realidade. No caso da Agenda 21 brasileira, por exemplo, consta que:

[...] o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como um conjunto de

mudanças estruturais articuladas, que internalizam a dimensão da sustentabilidade

nos diversos níveis, dentro do novo modelo da sociedade da informação e do

conhecimento; além disso, oferece e apresenta uma perspectiva mais abrangente do

que o desenvolvimento sustentado, que é apenas uma dimensão relevante da

macroeconomia e pré-condição para a continuidade do crescimento.74

71 GUIMARÃES, R. P. El desarrollo sustentable: propuesta alternativa o retorica neoliberal?. Revista Eure

(Santiago), v. 20, n. 61, p. 41-56, dic. 1994. 72 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the United Nations conference on environment and

development. Rio de Janeiro: ONU, 1993. 73

ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão

ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Makron Books, 2000. 74 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/

responsabilidade-socioambiental/agenda-21>. Acesso em: 29 out. 2013.

44

A relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente deve, ao menos, ser planejada

de forma harmoniosa, minimizando o risco de impactos negativos. O conceito de

desenvolvimento sustentável trata de uma nova maneira de a sociedade se relacionar com o

ambiente, sem deixar de se preocupar com a garantia da sua própria continuidade. No entanto,

destaca-se que o desenvolvimento econômico faz parte do tripé da sustentabilidade, devendo

este auxiliar e corroborar com o desenvolvimento social e ambiental. Tratar-se-á deste tema a

seguir.

2.3 ASPECTOS DA SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE ATUAL

O Relatório Brundtland apresenta fundamentação crítica ao modelo de

desenvolvimento adotado pelos países desenvolvidos e implantados pelas nações em

desenvolvimento, destacando que um progresso econômico e social cada vez maior não

poderá basear-se na exploração indiscriminada e devastadora da natureza,75

sendo um dos

elementos essenciais do desenvolvimento sustentável o reconhecimento da insustentabilidade

ou inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades

contemporâneas.76

Os principais objetivos das políticas ambientais e desenvolvimentistas derivadas desse

conceito de desenvolvimento sustentável são: retomar o crescimento como condição

necessária para erradicar a pobreza; alterar a qualidade do crescimento para torná-lo mais

justo, equitativo e menos intensivo em matérias-primas e energia; atender às necessidades

humanas essenciais de emprego, alimentação, energia, água e saneamento; manter um nível

populacional sustentável; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e

administrar o risco; e incluir o meio ambiente e a economia no processo decisório.

O Relatório Brundtland leva a compreensão de que o desenvolvimento sustentável é

um modelo de desenvolvimento socioeconômico com justiça social e em harmonia com o

ecossistema. Sendo o desenvolvimento econômico, social, científico e cultural das sociedades

garantindo qualidade de vida e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do planeta.77

Isso porque se observa neste relatório não somente a preocupação com o atendimento às

75 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao

desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 76 BECKER, D. F. (Org.) et al. Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade?. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. 77 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987.

Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.

Acesso em: 29 out. 2013.

45

necessidades básicas de todos, com a extensão para todos das oportunidades para satisfazer

suas aspirações para uma vida melhor, como também a preocupação com o atendimento às

necessidades humanas essenciais de emprego.

Os autores Haavelmo e Hansen78

declaram que há contradições nas abordagens

efetuadas pelo relatório Relatório Brundtland79

, referente ao desenvolvimento sustentável. De

acordo com eles, a proposição básica de “produzir mais com menos” deste relatório e em

autores que lhe deram sequência, implica aceitar: i) que o padrão de consumo vigente no

mundo industrializado pode ser mantido, expandido e difundido globalmente; ii) que

prevalece o status do consumidor; iii) que a tecnologia será capaz de produzir cada vez mais

utilizando menos recursos.

Já Becker et. al. questiona a quem caberia definir os parâmetros valorativos e políticos

capazes de nortear a integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social – entre a

exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social –,

derivada da noção de desenvolvimento sustentável. Eles perguntam: trata-se de sustentar o

quê? Futuro comum de quem e para quem? Também para esses autores, os esforços dos

organismos oficiais para alcançar uma conceituação de desenvolvimento sustentável capaz de

ser aceita pela maioria dos atores e agentes econômicos não têm sido promissores. Também

não há consenso acerca das vias de crescimento econômico que devem ser seguidas na

perspectiva do desenvolvimento econômico. Conforme Becker et. al. essas vias deveriam

levar em conta aquelas traçadas pelos países mais avançados industrialmente ou as dos países

pobres ou em desenvolvimento?80

O desenvolvimento sustentável enfrenta posicionamentos divergentes como o de

algumas vertentes do ramo da economia ambiental que se dedica ao estudo da inter-relação

entre desenvolvimento socioeconômico e meio ambiente. Para a primeira, os problemas

sociais e ambientais derivados de falhas do mercado tendem a ser resolvidos pelo próprio

sistema, de forma espontânea ou induzida. Para uma segunda vertente, o mercado absorve

somente uma parte dos custos sociais e ambientais, quando exigido por pressão social e

política. A sustentabilidade seria alcançada mediante a subjugação da racionalidade

78 HAAVELMO, T.; HANSEN, S. On the strategy of trying to reduce economic inequality by expanding the

scale of human activity. In: GOODLAND, R. et al. Environmentally sustainable economic development:

building on Brundtland. Paris: UNESCO, 1991, p. 41-50. 79 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987.

Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.

Acesso em: 29 out. 2013. 80 BECKER, D. F. (Org.) et al. Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade?. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC, 2002.

46

econômica à racionalidade ambiental. Uma terceira vertente defende que os custos sociais e

ambientais são inerentes ao funcionamento do sistema capitalista, que, por sua vez, não

poderá deixar de gerá-los, sob pena de aprofundar a tendência da taxa de lucro à queda, com

consequências negativas para a acumulação do capital.81

O desenvolvimento sustentável propõe-se enquanto modelo para todo o planeta, para

atender a todos, sem exceção. No Relatório Brundtland, não há diferenças.82

Os termos

usados são universais: o planeta Terra, os homens, a humanidade.

Suas características principais podem ser resumidas em transformar em utopia o que é

visto de modo negativo, como a poluição, a degradação; manifesta um conteúdo ético,

preocupação com todas as gerações humanas; apazigua as preocupações com relação ao

futuro; abriga as apropriações diversificadas, dada sua flexibilidade; e abre a possibilidade de

revisão dos conteúdos econômicos e sociais na problemática do desenvolvimento.

A sustentabilidade é um modelo de gestão de negócios que visa o retorno financeiro

para os acionistas, envolvendo, e ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico, a

promoção social e a proteção dos recursos naturais do planeta. “Os negócios precisam ser

gerenciados não apenas do ponto de vista financeiro, mas também considerando aspectos

sociais e ambientais”.83

É importante destacar que um projeto de desenvolvimento sustentável deve ser

praticado por todos os indivíduos, não apenas o Estado, daí a necessidade de assegurar a

participação efetiva de todos os seus segmentos.

O Relatório Brundtland aponta que, caso uma via de desenvolvimento se sustente em

sentido físico, teoricamente, ela pode ser experimentada mesmo num contexto social e

político rígido.84

Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econômico e

social, é preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os países – desenvolvidos ou

em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central.

De acordo com o economista Welford, a sustentabilidade está mais relacionada a

processos do que a resultados tangíveis, sendo os elementos-chave da sustentabilidade: a

equidade (estímulo à participação dos interessados, proporcionando-lhes poder de decisão); a

futuridade (precaução e uso consciente dos recursos); a preservação da biodiversidade; o

81 MONTIBELLER, G. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno

sistema produtos de mercadorias. Florianópolis: EdUFSC, 2004. 82 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.

Acesso em: 29 out. 2013. 83 ELKINGTON, J. Cannibals with forks. Canada: New Society, 1999, p. 397. 84 WORLD…, op. cit.

47

respeito aos direitos humanos; e a incorporação do conceito de ciclo de vida e

responsabilidade sobre os produtos.85

O’Riordan e Voisey afirmaram que a transição para a sustentabilidade é um processo

permanente, uma vez que a “sustentabilidade pura” nunca será, de fato, alcançada. Dentro

dessa perspectiva, os autores identificam os vários estágios da sustentabilidade, variando em

uma escala que vai de sustentabilidade muito fraca, implicando pequenas mudanças de

práticas ambientais, até sustentabilidade muito forte, mais inclusiva, autossustentada e que se

preocupa em envolver as pessoas afetadas pelos processos produtivos nas decisões.86

A

sustentabilidade envolve, portanto, educação, mudança cultural e consideração dos interesses

coletivos nas decisões.87

Conforme Serageldin88

, os esforços no sentido de identificar as implicações

operacionais da sustentabilidade só atingirão seus objetivos com a integração dos pontos de

vista econômico, ecológico e social. Isto porque todas as atividades comerciais e econômicas

estão inseridas em sistemas ecológicos e sociais mais amplos e deles dependem

fundamentalmente, devendo ser ressaltado que se um aspecto for comprometido a estabilidade

dos outros elementos inter-relacionados estará ameaçada.89

Ressalta-se que a sustentabilidade está também associada ao tipo de negócio e à sua

relação com os recursos naturais e com o contexto social. As empresas que, pela sua natureza,

são consumidoras intensivas de recursos naturais, energia ou água e aquelas atividades que

implicam altos riscos para as populações ou geram grandes impactos ambientais ou sociais

(ex. usinas nucleares, indústria de cigarro), sem uma profunda transformação na sua forma de

produzir ou das características dos seus produtos, teriam maiores dificuldades de se enquadrar

no conceito de sustentabilidade.90

As definições de sustentabilidade no contexto de desenvolvimento sustentável são

muito amplas, comportando diversas interpretações, de acordo com a perspectiva e os

interesses envolvidos na análise. Dentre as diferentes abordagens identificam-se os seguintes

modelos conceituais que servem como base para as estratégias de gerenciamento em busca da

85 WELFORD, R. J. Hijacking environmentalism: corporate responses to sustainable development. London:

Earthscan, 1997. 86 O’RIORDAN, T.; VOISEY, H. The political economy of the sustainability transition. In: The transition to

sustainability: the politics of agenda 21 in Europe. London: Earthscan, 1998, p. 3-30. 87 MARINHO, M. M. O. A sustentabilidade, as corporações e o papel dos instrumentos voluntários de gestão

ambiental: uma reflexão sobre conceitos e perspectivas. Bahia Análise & Dados, v. 10, n. 4, p. 342-349, 2001. 88 SERAGELDIN, I. The fortune at the bottom of the pyramid. In: Finanças e Desenvolvimento, 1993, p. 6-10. 89

WAAGE, Sissel. Uma reavaliação dos negócios a partir de uma perspectiva sistêmica: a mudança para

empresas e serviços financeiros pautados na sustentabilidade. Reflexão, São Paulo, ano 5, n. 12, jul. 2004, p. 24. 90 MARINHO, op. cit.

48

sustentabilidade das organizações: Tripé da sustentabilidade (The Triple Botton Line); Modelo

dos capitais; The Natural Step (TNS) e Capitalismo natural.

Em artigo publicado na Revista Brasil Sustentável, para a conquista da

sustentabilidade, “é necessário que se combinem três requisitos, que se aplicam tanto aos

indivíduos, como às organizações: capacidade de antevisão, estratégia e implementação”.91

Em continuidade ao estudo sobre sustentabilidade, apresenta-se no próximo item

definição e contribuições doutrinárias a respeito do desenvolvimento sustentável e a

necessidade eminente de sua efetivação.

2.3.1 Sustentabilidade e Direito Econômico

A Constituição Federal de 1988, em seu Título VII, Capítulo I, no artigo 170,

apresenta os Princípios Gerais da Atividade Econômica, que devem pautar a “ordem

econômica”, baseada na valorização da dignidade da pessoa humana, no trabalho humano, na

livre iniciativa e na justiça social, observados os seguintes princípios: I) soberania nacional;

II) propriedade privada; III) função social da propriedade; IV) livre concorrência; V) defesa

do consumidor; VI) defesa do meio ambiente; VII) redução das desigualdades regionais e

sociais; VIII) busca do pleno emprego; IX) tratamento favorecido para as empresas de

pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no

país. O entendimento destes princípios são necessários para entender os argumentos à respeito

dos transgênicos.

Deve-se destacar que a Constituição de 1988 é dirigente, ou seja, o conjunto de

diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem realizados pela sociedade e pelo Estado,

conferem a ela o caráter de plano global normativo. Portanto, constitui um norte para o futuro,

um objetivo a alcançar, cuja forma está previamente estabelecida. Cabe ao Estado observar

estes parâmetros ao regular a atividade econômica no país. Entre todos os princípios citados, o

que está elencado no inciso VI, a defesa do meio ambiente, é o que mais se aproxima da

temática proposta no presente trabalho, e merecerá maior atenção.

A valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho

consubstanciam cláusulas principiológicas que objetivam a conciliação e composição entre

capital e trabalho, portam em si evidentes potencialidades transformadoras. O trabalho

humano é consagrado como objetivo a ser valorizado, pois a ordem econômica dá prioridade

91 ALMEIDA, Álvaro. O planeta cobra juros. Entrevista com Eduardo Giannetti da Fonseca. Revista Brasil

Sustentável, Rio de Janeiro, v. 16, p. 26-29, set./out. 2007.

49

aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.

No seu art. 1º, alínea i, do inciso IV, a Constituição de 1988 enuncia como fundamento

da República Federativa do Brasil o valor social da livre iniciativa; no art. 170, caput, afirma

dever estar a ordem econômica fundada na livre iniciativa; e mais, neste mesmo artigo, refere

como um dos princípios da ordem econômica a livre concorrência. Desta forma, a livre

iniciativa é notada como um princípio socialmente válido e necessário.

Livre iniciativa é termo amplo, que expressa desdobramento da liberdade. Assim,

considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como

reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e

econômica), descreve-se a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de

conduta e de resultado. Pois não se pode chamar de livre aquele que nem ao menos sabe de

sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento (sensibilidade);

também não se pode chamar de livre aquele ao qual tal acesso é negado (acessibilidade).

Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de

iniciativa econômica, sendo a empresa a titular. Nesta concepção, inúmeros sentidos podem

ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e

indústria e enquanto liberdade de concorrência.

A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas

também pelo trabalho. A livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso

mesmo, colaboradora da valorização do trabalho, do trabalho livre, em uma sociedade livre e

pluralista.

A livre concorrência é pela Constituição de 1988 erigida à condição de princípio.

Como tal contemplado no art. 170, i, IV compõe o grupo dos “princípios da ordem

econômica”.

O parágrafo único deste mesmo artigo 170 assegura a todos, o livre exercício de

qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo

nos casos previstos em lei. Tal dispositivo legal lança as bases para uma economia informal,

que vêm suplantando a economia que está sob o manto do Estado, gerando milhares de

empregos. A liberdade de iniciativa econômica é a garantia da legalidade, pois liberdade de

iniciativa é liberdade pública precisamente ao expressar não sujeição a qualquer restrição

estatal senão em virtude de lei.

O princípio da justiça social, assim, conforma a concepção de existência digna cuja

realização é o fim da ordem econômica e compõe um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil (art. 1º, i, III).

50

A justiça social é expressão que, no contexto constitucional, não designa meramente

uma espécie de justiça, porém um dado ideológico, pois o termo social não é adjetivo que

qualifique uma forma ou modalidade de justiça, mas que nela se compõe como substantivo

que a integra. Não há como fugir, assim, à necessidade de se discernir sentido próprio na

expressão, naturalmente distinto daquele que alcançamos mediante a adição dos sentidos,

isolados, dos vocábulos que a compõem.92

Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a

nível pessoal, do produto econômico. Passa a conotar cuidados, referidos à repartição do

produto econômico, inspirados em razões micro e macroeconômicas que se referem as

correções na injustiça da repartição. Deixa de ser apenas uma imposição ética, passando a

consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista. A posição ocupada pelo

princípio na Constituição de 1988, como determinante da concepção de existência digna lhe

confere extremada relevância enquanto conformador, também, de todo exercício de atividade

econômica.93

A soberania nacional, assim como os demais princípios elencados nos incisos do art.

170, consubstancia, concomitantemente, instrumento para a realização do fim de assegurar a

todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado.

A Constituição cogita, aí, da soberania econômica, o que faz após ter afirmado,

excessivamente a soberania política, no art. 1º, como fundamento da República Federativa do

Brasil, e, no art. 4º, i, I, a independência nacional como princípio a reger suas relações

internacionais. A afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento

econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia e da sociedade, além da

ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas. Portanto,

afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de

assegurar a todos existência digna e como objetivo particular a ser alcançado é definir

programa de políticas públicas voltadas a viabilizar a participação da sociedade brasileira, em

condições de igualdade, no mercado internacional.

A soberania política dificilmente sobrevive se não se completar com a soberania do

ponto de vista econômico. As políticas econômicas a serem adotadas devem levar o Estado a

firmar sua posição de soberania independente frente aos demais Estados. A soberania

nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguida pelas pessoas que integram a

Nação. Não se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem são

92 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 119. 93 Id., Ibid., Loc. cit.

51

incapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana.94

O princípio da soberania, ao lado dos princípios da igualdade e da solidariedade,

integra os chamados princípios fundamentais do direito internacional do desenvolvimento.

Como tal, ele é defendido pelos países do chamado Terceiro Mundo, como instrumento de

implementação dos princípios da não-intervenção e de não-agressão.

A soberania, quer política, quer econômica, vem encontrando limites em sua

conceituação e extensão a partir da implantação, e principalmente da solidificação, dos

Mercados Comuns. A soberania é hoje vista como integrada aos princípios consagrados pela

ordem jurídica internacional.

Os incisos II e III do art. 170 enunciam como princípios da ordem econômica,

respectivamente, a propriedade privada e a função social da propriedade. Também são

princípios constitucionais impositivos que reivindicam a realização de políticas públicas para

que os objetivos listados sejam alcançados. Pressuposto necessário da função social da

propriedade é a propriedade privada. A ideia de função social como vínculo que atribui à

propriedade conteúdo específico, de sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e

razão de ser quando a referida propriedade for privada.95

A propriedade, disposta no texto constitucional, art. 5º, i, XXII, e no art. 170, i, III

constitui-se em um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens.

Desta forma, cumpre distinguir a propriedade de valores mobiliários, a propriedade literária e

artística, a propriedade industrial, a propriedade do solo (rural, urbano e subsolo), sendo nesta

última que incidirão estas concepções.

O inciso III do artigo 170 deve ser visto em consonância, com o disposto no inciso

XXIII do art. 5º. O princípio da função social da propriedade passou a integrar os textos

constitucionais desde 1934, contrariando o direcionamento do liberalismo impresso nos textos

de 1824 e 1891 em que se garanta o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Nas

palavras de Giorgianini, a fundamentação:

[...] Neste contexto traçado pela Constituição, não restam dúvidas de que estamos

muitos distantes daquele Estado abstencionista, fundado no pressuposto ideológico

de que a garantia do interesse individual pelo próprio interessado através do exercício de sua autonomia privada é a força motriz do bem-estar social. Ao

contrário, no atual quadro constitucional, a atividade econômica privada por

excelência, está condicionada à realização de finalidades que importam à

coletividade (e não à soma, repartida, dos indivíduos), como seja a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I), que assegure ‘a todos a existência

digna, conforme os ditames da justiça social’ (art. 170, caput). São os princípios

94 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 120. 95 Id., Ibid., Loc. cit.

52

acima identificados que conferem à intervenção do Estado nas relações econômicas, intersubjetivas "um sentido de unificação e de coerência [...].96

O constituinte garante a liberdade de concorrência como forma de alcançar o

equilíbrio entre os grandes grupos e o direito de estar no mercado também para as pequenas

empresas. Os textos constitucionais se preocupavam em reprimir o abuso do poder

econômico.

O parágrafo único do artigo 170 assegura a todos, o livre exercício de qualquer

atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos

previstos em lei. Tal dispositivo legal lança as bases para uma economia informal, que vêm

suplantando a economia que está sob o manto do Estado, gerando milhares de empregos. De

acordo com Gasparini97

, este preceito tem relevância normativa menor, a liberdade de

iniciativa econômica é a garantia da legalidade, pois esta é liberdade pública ao expressar não

sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei. O que esse preceito pretende

introduzir no plano constitucional é a sujeição ao princípio da legalidade em termos absolutos,

da imposição, pelo Estado, de autorização para o exercício de qualquer atividade econômica.

Outro dos princípios da ordem econômica é o da defesa do consumidor (art. 170, i, V).

A este princípio confere a Constituição, desde logo, concreção nas regras inscritas nos seus

arts. 5º, i, XXXII, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, art. 24, i,

VIII e 150, § 5º. A par de consubstanciar a defesa do consumidor, um modismo modernizante

do capitalismo, a ideologia do consumo contemporizada afeta todo o exercício de atividade

econômica, inclusive tomada à expressão em sentido amplo, como se apura da leitura do

parágrafo único, i, II, do art. 175.

A proteção ao consumidor protege-o dentro de uma perspectiva microeconômica e

microjurídica; mas ao Estado interessa, também como uma das formas de preservar e garantir

a livre concorrência, proteger o consumidor mediante a adoção de políticas econômicas

adequadas.

No Brasil, na linha dessa conduta, o princípio constitucional da defesa do consumidor

veio tomar corpo no art. 4º da Lei n. 8.078/90, estabelecendo os parâmetros da Política

Nacional de Relações de Consumo, e fixando os princípios que deverão nortear o Estado na

implementação dessa política.

O artigo 170, i, VI dispõe sobre a defesa do meio ambiente como um dos princípios da

96 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e os seus atuais confins. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 87,

n. 747, p. 35-55, jan. 1998. 97 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 122.

53

ordem econômica. Esse princípio constitui-se numa limitação ao uso da propriedade, pois visa

colocar a atividade industrial ou agrícola nos limites dos interesses coletivos. Tal princípio

está em sintonia com os objetivos estabelecidos no art. 225 da CF de 1988.

Ao inserir no texto constitucional, o princípio garantidor da defesa do meio ambiente

está tornando-se um eco das preocupações internacionais a respeito do assunto. Em 1972,

quando da realização da Conferência de Estocolmo, como determinado na Resolução n. 2.398

da ONU, estabeleceu-se a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o meio

ambiente humano.

Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas atribuiu ao Programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) a tarefa de estabelecer as estratégias a serem

adotadas para proteção do meio ambiente. Para tanto, foi criada uma Comissão, presidida pela

Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Tal Comissão publicou em 1987 um

relatório, que ficou conhecido como Relatório Brundtland, no qual se destacava o princípio

que se firmou como o do desenvolvimento sustentável.

Em 1988, pela Resolução n. 43/196, a XLIII Sessão da Assembleia Geral das Nações

Unidas decidiu realizar até 1992 uma conferência sobre meio ambiente. O Brasil se ofereceu

para sediar o evento. Realizou-se, então, no Rio de Janeiro, no período de 3 a 14 de junho de

1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Desta

conferência surgiu a Declaração do Rio de Janeiro, com 27 princípios, que instituiu o

princípio da precaução como norma de Direito Ambiental Internacional. Dez anos mais tarde,

em 2002, realizou-se a Conferência de Johanesburgo (África do Sul), que avaliou as políticas

das nações a partir da Eco-92.

Entretanto, percebe-se que a economia de mercado acaba privilegiando a manutenção

dos níveis de produção, industrialização e consumo em detrimento de políticas que assegurem

o bem-estar e a manutenção da qualidade de vida e dignidade das gerações presentes e

futuras. Um exemplo é o fato dos Estados Unidos da América (EUA) não se submeterem ao

Protocolo de Kyoto, que prioriza a redução da emissão de poluentes e dá prazo para que isso

ocorra.

Verificada a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica,

condiciona-se a atividade produtiva ao respeito ao meio ambiente, possibilitando ao Poder

Público interferir incisivamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a

biodiversidade e os elementos naturais, além de garantir um meio ambiente ecologicamente

equilibrado para as gerações futuras. Nas palavras de Ferreira Filho, citado por Mukai:

54

A primeira observação que eu faria a esse propósito é que a ordem econômica

estabelecida pela atual Constituição é extremamente ambígua. E é exatamente aqui

que nós temos os melhores exemplos de como, selecionando princípios, faremos a

Constituição dizer uma coisa ou dizer outra. É claro que isto não é a boa regra, mas,

na prática forense, isso se faz com freqüência [sic]. Vejam os senhores que há uma

contradição de princípios no texto da Constituição, particularmente, no que concerne

à ordem econômica, o que, na verdade, já provocou grandes controvérsias entre

ilustres juristas.98

Desta forma, para que o cumprimento do princípio maior elencado pelo legislador de

1988 seja efetivo, ou seja, para que a democracia econômica e social seja implementada, faz-

se necessário compatibilizar todos os princípios elencados pelo artigo 170, que se encontram

no mesmo pé de igualdade. Para tanto, a observância do princípio da proporcionalidade dos

meios aos fins há que ser observada, além da “obrigação de ponderação” dos interesses

contrapostos, com a garantia de que todos os princípios sejam observados, de maneira que não

se anulem uns aos outros.99

Visualiza-se que os princípios gerais da ordem econômica devem compatibilizar o

desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.

Em sua Tese de Doutorado, a professora Campello, assim menciona:

O direito ao meio ambiente representa, na atualidade, o marco histórico para um

redirecionamento das relações do homem com seu entorno. Enquanto pilar dos

direitos de terceira geração, a solidariedade pode redundar na racionalização da

utilização dos recursos naturais e na substituição do modelo de crescimento

desenfreado com vistas ao desenvolvimento sustentável, na medida em que

fundamenta a progressiva ampliação e concretização das normas de proteção

ambiental.100

Quando o Poder Público, visando um incremento no agronegócio nacional, permite o

cultivo e a comercialização de OGMs, sem a observância do estudo de impacto ambiental,

está cometendo um grave erro, que não se coaduna com a democracia econômica e social. No

Brasil, as políticas públicas têm se utilizado de argumentos enganosos para colocar a busca do

desenvolvimento econômico em primeiro plano, relegando a defesa do meio ambiente a uma

posição secundária.

Pela intelecção dos dispositivos constitucionais relativos à ordem econômica, impõe-

se a compatibilização entre estes interesses, e não a supremacia de um sobre o outro.

Entretanto, se houver um conflito real, há que se efetuar uma ponderação de interesses, como

salienta Mukai:

98 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 30. 99

Id., Ibid., p. 33. 100 CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio. Mecanismos de controle e promoção do cumprimento dos tratados

multilaterias ambientais no marco da solidariedade internacional. São Paulo. 2013. p. 54-55. Disponível em

http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16503. Acesso em 24 fev. 2014.

55

A ‘obrigação de ponderação’ dos diferentes interesses, no momento de se planificar

o território ou de se legislar para a ordenação deste, é saliente no Direito alemão.

A ‘obrigação de ponderação’ deve conduzir uma fusão e a um entrelaçamento de

todos os interesses relevantes atingidos pelo plano, que é um procedimento de

ponderação, ele mesmo, e uma determinação do peso relativo dos interesses a

ponderar.

[...]

Todavia, é importante sublinhar que nós estamos refletindo sobre a contraposição de

princípios constitucionais, expressamente contemplados pela Constituição brasileira

de 1988. Por essa razão, a ‘obrigação de ponderação’, no nosso caso, não pode ir a

ponto de preferir (e preterir) um princípio em detrimento de outro. A ponderação, no caso, deve permanecer no nível da adequação, da harmonização e

da justa medida e dos sacrifícios dos interessados, sem aniquilar as atividades

econômicas, de um lado, e sem causar prejuízos à defesa do meio ambiente, de

outro. O fio condutor da ‘obrigação de ponderação’ deverá ter, entre nós, esse

parâmetro de decisão em face dos eventuais conflitos entre aqueles princípios.101

Portanto, nunca poderá preterir os preceitos relativos à proteção ambiental em

benefício de um desenvolvimento econômico que não se atenha aos princípios constitucionais

que garantem o bem-estar e a qualidade de vida, bem como a dignidade humana, além de

proteger os recursos naturais e o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações

presentes e futuras. O desenvolvimento econômico deverá ser sustentável, com a

compatibilização da livre concorrência e do direito à propriedade com os princípios de defesa

do meio ambiente. No próximo item verifica-se a importância de exercer a sustentabilidade

em consonância com a saúde pública, iniciando o debate sobre os transgênicos.

2.3.2 Sustentabilidade e Saúde Pública

O direito à saúde, à qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

são elementos do conceito e dos objetivos do desenvolvimento sustentável. É inegável o fato

de que as condições ambientais são fatores fundamentais e estritamente relacionado com a

qualidade de vida dos seres humanos. O direito à vida e à saúde, só podem ser exercidos de

maneira plena, se envoltos em um meio ambiente que seja capaz de proporcionar condições

mínimas para a existência do ser humano.

A preservação de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é condição

inexorável de subsistência da espécie humana. Mediante a proteção da qualidade de vida do

ser humano, abrange-se o conceito de saúde, que é um direito de personalidade individual do

ser humano.

Ressalta-se, portanto, que o conceito de saúde deve ser compreendido de forma ampla,

101 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 34-

35.

56

não se referindo somente à ausência de doenças, mas sim ao completo bem-estar físico,

mental, social e ambiental de um indivíduo. Nesse sentido, é a orientação que se extrai da

disposição contida no artigo 3º da Lei n. 8.080/90, que regula em todo país as ações e serviços

de saúde, assevera que "a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre

outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda,

a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais".

O artigo 3º, portanto, considera o meio ambiente como um dos vários fatores

condicionantes para a saúde, além de prever uma série de ações integradas relacionadas à

saúde, meio ambiente e saneamento básico. Desta forma, o termo "saúde" engloba uma série

de condições que devem estar apropriadas para a manutenção e desenvolvimento do bem-

estar e da qualidade de vida dos seres humanos, o que inclui a garantia de um meio ambiente

equilibrado.

A Constituição Federal, em seu artigo 225, vislumbra a interação obrigatória entre

meio ambiente e saúde humana. Tal artigo assevera que: “Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de

vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para

as presentes e futuras gerações". Portanto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é

essencial à sadia qualidade de vida e, por extensão, à própria saúde humana.

Também no artigo 200 da Constituição Federal de 1988 pode-se verificar a intrínseca

relação entre meio ambiente e saúde, visto que entre as atribuições do Sistema Único de

Saúde (SUS), encontra-se a obrigatoriedade de colaborar com a proteção do meio ambiente

(inciso VIII). Até mesmo a Política Nacional do Meio Ambiente, exteriorizada na Lei

6.938/1981, em seu artigo 2º, assegura o objetivo da preservação, melhoria e recuperação da

qualidade ambiental favorável à vida e, portanto, à saúde, com o intuito de assegurar

condições ao desenvolvimento socioeconômico e à proteção da dignidade humana. Na própria

definição de poluição contida na lei, vislumbra-se a ligação entre meio ambiente e saúde.

Na interpretação biotecnológica da adoção da transgenia, a manutenção do direito à

saúde e à vida engloba a questão da segurança alimentar, um direito difuso que está sendo

afrontado com a recente utilização dos produtos geneticamente modificados destinados ao

consumo humano e animal. Ademais, para que estes direitos se consolidem, é necessária uma

convivência harmoniosa com a natureza, de modo a garantir uma sustentabilidade física,

química e biológica frente às interações do ser humano com o meio natural.

Para que o prolongamento e a manutenção da vida do ser humano contemporâneo

sejam possíveis, pressupõe-se uma convivência harmoniosa com as outras espécies, de modo

57

que o ser humano seja realmente inserido num conceito sistêmico, no qual a interdependência

entre as diversas espécies que habitam a Terra seja reconhecida e respeitada. Tal concepção,

para ser formulada, necessita de uma revisão paradigmática do conceito antropocêntrico, no

qual o homem racional é senhor da natureza e se utiliza dela de forma indiscriminada e

irresponsável.

No atual contexto mundial, marcado pela globalização geopolítica, pela economia de

mercado e pela era da informação, as relações comerciais dinamizaram-se e exponenciaram-

se de modo a transformar o modelo capitalista de desenvolvimento numa intrincada teia de

organismos multilaterais e empresas transnacionais, que fragmentarizam o território mundial

em mercados produtores e consumidores, além de ditarem as políticas públicas de diversos

Estados, principalmente dos subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que tem sua soberania

política, econômica, cultural e social ameaçadas por este modelo de exclusão, que,

historicamente, desde a fase mercantil, foi responsável pelo alargamento das desigualdades

sociais e uma intensa degradação ambiental.

Hodiernamente, vive-se em um contexto onde se baseia na existência de um modelo

de desenvolvimento que prima pelo individualismo e pela apropriação privada dos bens e

recursos naturais.

Apenas a formulação de um conceito de desenvolvimento sustentável que opte por

uma acepção humanizada e social do capitalismo, bem como a plena inserção do ser humano

no ecossistema terrestre seria capaz de reverter o quadro autodestrutivo e autofágico que o

capitalismo vem apresentando, principalmente nos dois últimos séculos. Tal análise pressupõe

uma suplementação do modelo antropocêntrico atual, que além da fundamentação baseada no

princípio da dignidade da pessoa humana, deve pautar sua interpretação numa abordagem

sistêmica, que propicie uma reformulação dos parâmetros econômicos, sociais, ambientais,

jurídicos e humanos do conceito. Em continuidade com a importância da visão do todo,

abaixo verifica-se que todos estão interligados e toda ação ou omissão influencia todo o

planeta.

2.3.3 Sustentabilidade e a Teia da Vida

Todos estão interligados, por isso a prática ou a omissão de alguém influencia a todos.

Para que haja sustentabilidade é necessário o comprometimento de todo ser humano.

Conforme Capraquando entende-se a interdependência ecológica também entende-se

relações. Isso determina as mudanças de percepção que são características do pensamento

58

sistêmico - das partes para o todo, de objetos para relações, de conteúdo para padrão.102

Uma

comunidade humana sustentável está ciente das múltiplas relações entre seus membros. Nutrir

a comunidade significa nutrir essas relações. Preservar o meio ambiente significa preservar

vidas.

Portanto, entende-se que para que o mundo seja sustentável é essencial que todos

participem deste processo. Como todos estão interligados, as ações influenciam a todos e,

dependem destas ações a sustentabilidade das gerações presentes e, principalmente, as

gerações futuras.

Segundo Capra103

sustentabilidade é a consequência de um complexo padrão de

organização que apresenta cinco características básicas: interdependência, reciclagem,

parceria, flexibilidade e diversidade. Ele sugere que, se estas características, encontradas em

ecossistemas, forem 'aplicadas' às sociedades humanas, essas sociedades também poderão

alcançar a sustentabilidade.

Para Capra, "sustentável" não se refere apenas ao tipo de interação humana com o

mundo que preserva ou conserva o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais

das gerações futuras, ou que visa unicamente à manutenção prolongada de entes ou processos

econômicos, sociais, culturais, políticos, institucionais ou físico-territoriais, mas uma função

complexa, que combina de uma maneira particular cinco variáveis de estado relacionadas às

características acima. Capra exemplifica:

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos

levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas

sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por

exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for

reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala

massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente

combina-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das

comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a característica mais

importante da era pós-guerra fria.104

Para que a sociedade una-se novamente a teia da vida deve construir, nutrir e educar

comunidades sustentáveis, nas quais pode-se suprir vontades e necessidades sem

impossibilitar as chances das gerações futuras. Para realizar essa tarefa, pode-se aprender

valiosas lições extraídas do estudo de ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de

plantas, de animais e de microrganismos. Para compreender essas lições, é necessário

102 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 232. 103 Id. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 25. 104 Id. Ibid., p. 23.

59

aprender os princípios básicos da ecologia.

É necessário que todos se tornem, por assim dizer, ecologicamente alfabetizados. Ser

ecologicamente alfabetizado, ou 'eco-alfabetizado', significa entender os princípios de

organização das comunidades ecológicas (ecossistemas) e usar esses princípios para criar

comunidades humanas sustentáveis. Precisa revitalizar as comunidades - inclusive as

comunidades educativas, comerciais e políticas - de modo que os princípios da ecologia se

manifestem nelas como princípios de educação, de administração e de política.

O impacto da nova economia no bem estar do ser humano, capitalista e neoliberal, tem

sido negativo até o presente momento. Esta economia não praticou os princípios da

sustentabilidade e não houve preocupação com a teia da vida, onde toda ação influencia o

todo. Enriqueceu a elite global de especuladores financeiros, empresários e profissionais de

alta capacitação técnica, mas as consequências sociais e ambientais no seu todo, tem sido

desastrosas, além da ênfase na desigualdade social. Conforme Capra:

A fragmentação e a individualização do trabalho e o gradativo sucateamento das instituições e leis de bem-estar social, que cedem à pressão da globalização

econômica, significam que a ascensão do capitalismo global tem sido acompanhada

por uma desigualdade e uma polarização social crescentes. O abismo entre os ricos e

os pobres aumentou significativamente, tanto em nível internacional quanto dentro

de cada país.105

Nos últimos anos, o impacto social e ecológico da globalização vem sendo discutido

extensivamente por acadêmicos e líderes comunitários. Suas análises demonstram que a nova

economia está produzindo uma resultante de consequências interligadas e de consequências

danosas – aumentando a desigualdade social e a exclusão social, um colapso da democracia,

deterioração mais rápida e abrangente do ambiente natural e ascensão da pobreza e alienação.

O novo capitalismo global ameaça e destrói as comunidades locais por todo o globo; e

amparado em conceitos de uma biotecnologia deletéria, invadiu a santidade da vida ao tentar

mudar diversidade em monocultura, ecologia em engenharia, e a própria vida numa

commodity.

Torna-se cada vez mais claro que o capitalismo global na sua forma atual é

insustentável e necessita ser fundamentalmente replanejado. Os acadêmicos, líderes

comunitários e ativistas populares, no mundo todo, precisam erguer suas vozes, exigindo o

“virar do jogo” e sugerindo as maneiras concretas de fazê-lo, como explicita Capra:

105 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 155.

60

A meta central da teoria e da prática econômica atual – a busca de um crescimento econômico contínuo e indiferenciado – é claramente insustentável, pois a expansão

ilimitada num planeta finito só pode levar à catástrofe. Com efeito, nesta virada de

século, já está mais do que evidente que nossas atividades econômicas estão

prejudicando a biosfera e a vida humana de tal modo que, em pouco tempo, os danos

poderão tornar-se natural.106

O mercado global, como é conhecido, é na verdade uma rede de máquinas

programadas de acordo com o princípio fundamental que gerar dinheiro deve preceder os

direitos humanos, democracia, proteção ambiental ou qualquer outro valor. Entretanto, as

mesmas redes eletrônicas de financiamento e fluxo da informação poderiam incorporar outros

valores, neles inseridos. O ponto crítico não é tecnologia e sim política. Pois observa-se que

os interesses políticos se sobrepõe a tudo, inclusive a sobrevivência da humanidade.

Atualmente os principais projetos políticos objetivam o marketing e não ações efetivas de

sustentabilidade. No próximo item, apresenta-se pesquisa sobre o tripé da sustentabilidade

onde ratifica-se que é necessário que haja o desenvolvimento econômico e social, no entanto

estes devem ser efetuados observando os principais elementos da sustentabilidade e da

preservação ambiental.

2.4 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE (THE TRIPLE BOTTON LINE)

Em consonância com o Tripé da Sustentabilidade as empresas não são focadas apenas

no valor econômico que produzem, mas também nos valores ambientais e sociais que

produzem ou destroem. Neste sentido, muitas empresas falham em não reconhecer que o

sucesso financeiro não é igual ao sucesso econômico, e que as suas escolhas econômicas são

críticas para a realização de resultados social e ambiental, uma vez que, por natureza, o pilar

econômico é intrinsecamente ligado aos pilares sociais e ambientais.107

No tripé estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem

interagir, de forma holística, para satisfazer o conceito. Anteriormente, uma empresa era

sustentável se tivesse economicamente saudável, ou seja, tivesse um bom patrimônio e um

lucro sempre crescente, mesmo que houvesse dívidas. Para um país, o conceito incluía um

viés social. O desenvolvimento teria que incluir uma repartição da riqueza gerada pelo

crescimento econômico, seja por meio de mais empregos criados, seja por mais serviços

106 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 157. 107

MONAGHAN, P.; SABATER, C.; WEISER, J. Business and economic development: the impact of corporate

responsibility standards and practices. Disponível em: <www.accaglobal.com/pdfs/environment/

newsletter/060303_bus_ed.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2003.

61

sociais para a população em geral. Esse critério, na maioria das vezes, é medido pelo Produto

Interno Bruto (PIB) do país, o que para o novo conceito é uma medição limitada. A perna

ecológica do tripé trouxe, então, um problema e uma constatação. Se os empresários e os

governantes não cuidassem do aspecto ambiental podiam ficar sem matéria-prima e talvez,

sem consumidor, além de causarem danos ambientais.

A dimensão econômica da sustentabilidade refere-se aos impactos da organização

sobre as circunstâncias econômicas de seus stakeholders e os sistemas econômicos nos níveis

local e global. Assim, o desempenho econômico engloba todos os aspectos das interações

econômicas da organização, incluindo as medidas tradicionais usadas na contabilidade

financeira e os valores intangíveis que não aparecem sistematicamente nas citações

financeiras.

Essencialmente, a ideia do tripé da sustentabilidade é que as empresas obtenham sua

licença para operar não somente satisfazendo os seus acionistas através de lucros e dividendos

(tripé econômico), mas pela satisfação simultânea de outros stakeholders da sociedade

(empregados, comunidades, clientes e outros), através do melhor desempenho nos tripés

ambiental e social.108

Estas três dimensões também são reconhecidas pelo Instituto Ethos109

, fundado em

1998 e referência no mercado brasileiro em responsabilidade social empresarial, que afirma

que o adjetivo sustentável traz ao conceito de desenvolvimento um enorme desafio: conciliar

eficiência econômica, equidade social e equilíbrio ecológico. Por isso, para Veiga110

,

“desenvolvimento sustentável é uma forte expressão utópica que veio para ficar”. Conforme

Sachs111

, precursor do termo ecodesenvolvimento, acrescenta-se, ainda, as dimensões espacial

e a cultural. Segundo Sachs112

:

- Sustentabilidade social – busca o estabelecimento de um padrão de desenvolvimento

que conduza à distribuição mais equitativa da renda, assegurando a melhoria dos direitos das

grandes massas da população e a redução das atuais desigualdades sociais.

- Sustentabilidade econômica – é possível através de inversões públicas e privadas e

da alocação e do manejo eficiente dos recursos naturais para redução dos custos sociais e

108 SIGMA PROJECT – SUSTAINABILITY INTEGRATED GUIDELINES FOR MANAGEMENT. The

SIGMA guidelines. Disponível em: <http://www.projectsigma.co.uk/>. Acesso em: 23 out. 2013. 109 INSTITUTO ETHOS. Critérios essenciais de responsabilidade social empresarial e seus mecanismos de

indução no Brasil. São Paulo: Instituto Ethos, 2006. 110 VEIGA, José Eli da. Do global ao local. Campinas: Armazém do Ipê, 2005, p. 11. 111

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Nobel,

1993. 112 Id., Ibid.

62

ambientais.

- Sustentabilidade ecológica – entendida como o aumento ou a manutenção da

capacidade de suporte do planeta, mediante intensificação do uso do potencial de recursos

disponíveis, compatível com um nível mínimo de deterioração deste potencial; e a limitação

do uso dos recursos não-renováveis pela substituição por recursos renováveis e, ou,

abundantes e inofensivos.

- Sustentabilidade espacial – busca uma configuração urbano-rural mais equilibrada,

evitando-se a concentração da população em áreas metropolitanas ou em assentamentos

humanos em ecossistemas frágeis.

- Sustentabilidade cultural – garantia da continuidade das tradições e continuidade da

pluralidade dos povos.

Barbieri e Lage113

acrescentam uma sexta dimensão a este modelo: a política. Esta é

entendida como o fortalecimento das instituições democráticas e a promoção da cidadania,

devendo relembrar o primeiro capítulo onde declara-se a importância as políticas estatais no

desenvolvimento social e econômico. Dispõe estes autores que é necessário promover os

direitos e as garantias fundamentais do ser humano, dentre elas, a liberdade de expressão, de

associação, de locomoção, de acesso às informações e outras indispensáveis ao

desenvolvimento pessoal e coletivo.

Em termos estratégicos, esse modelo propõe que através de um bom gerenciamento do

seu desempenho e dos seus impactos econômicos, ambientais e sociais, as empresas

aumentam o seu valor a curto e a longo prazo, bem como criam maiores oportunidades e

reduzem riscos.

Os pontos a seguir representam o comportamento e as atitudes essenciais que são

evidenciados nas empresas que buscam gerenciar e reportar de acordo com a linha do tripé da

sustentabilidade:114

- Aceitação de responsabilidade: o modelo é baseado na concepção de que as empresas

são responsáveis não somente pela geração de valor para os acionistas ou proprietários, mas

também para os stakeholders.

- Transparência: as empresas têm a obrigação, dentro dos limites comerciais, de ser

113 BARBIERI, J. C.; LAGE, A. C. Conceitos, problemas e pontos de partidas para políticas de desenvolvimento

sustentável. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO (ENANPAD), 25., 2001, Campinas. Anais... Campinas: ANPAD, 2001. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/evento>. Acesso em: 28 out. 2013. 1 CD. 114 SUGGETT, D.; GOODSIR, B. Triple bottom line measurement and reporting in Australia: making it

tangible. Melbourne: Document Printing Australia (DPA), 2002, p. 50.

63

transparentes em relação às suas atividades e aos seus impactos, além do desempenho

financeiro.

- Operações e planejamento integrados: para a empresa contribuir para a prosperidade

econômica (incluindo o retorno aos acionistas), a qualidade ambiental e o bem-estar social, é

necessário que essas dimensões sejam refletidas no planejamento estratégico.

- Comprometimento com o engajamento dos stakeholders: a interação com os

stakeholders internos e externos é um processo que informa os objetivos do negócio e é

desenvolvido com base em rigorosa pesquisa e diálogo.

- Avaliação e relatório multidimensional: a análise sistemática e a verificação do

desempenho econômico, ambiental e social, em conjunto com uma comunicação estruturada

dos resultados, são os mecanismos mais frequentes para tornar concreto o que a empresa

sustenta, como age e como assume os seus compromissos.

O conceito do tripé da sustentabilidade tornou-se amplamente conhecido entre as

empresas e os pesquisadores, sendo uma ferramenta conceitual útil para interpretar as

interações extra-empresariais e especialmente para ilustrar a importância de uma visão da

sustentabilidade mais ampla, além de uma mera sustentabilidade econômica.

De encontro com este conceito deve-se destacar o tratamento do capital humano de

uma empresa ou sociedade. Além de salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é

preciso cuidar do bem estar dos seus funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho

agradável, saúde do trabalhador e da sua família. Também deve-se verificar as consequências

da prática das atividades econômicas nas comunidades.

Também, capital natural de uma empresa ou sociedade é um elemento ambiental do

tripé. Acredita-se que toda atividade econômica tem impacto ambiental negativo. Nesse

aspecto, a empresa ou a sociedade deve pensar nas formas de diminuir esses impactos e repor

ou compensar o que não é possível amenizar. Assim uma empresa que usa determinada

matéria-prima deve planejar formas de repor os recursos ou, se não é possível, diminuir o

máximo possível o uso desse material, assim como saber medir a pegada de carbono do seu

processo produtivo. Além disso, deve ser considerada a adequação à legislação ambiental e a

vários princípios discutidos hodiernamente como o Protocolo de Kyoto.

Esses sistemas têm como filosofia a avaliação e o monitoramento dos efeitos

ambientais, sociais e econômicos das atividades e a participação e a priorização de benefícios

às comunidades sob influência do empreendimento florestal.115

115 GARLIPP, R. C. O boom da certificação: é preciso garantir a credibilidade. Silvicultura, São Paulo, v. 16, n.

60, p. 15-22, 1995.

64

Dentro deste contexto de necessidade de desenvolvimento social, econômico e

ambiental, estuda-se no próximo capítulo os argumentos a respeito dos transgênicos e a

inserção destes alimentos no contexto do tripé de sustentabilidade.

65

3 AS FORMAS DE REGULAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL

A biotecnologia é, por muitos, colocada entre as tecnologias mais prometedoras para

as próximas décadas, tendo em conta as importantes descobertas científicas dos últimos anos,

possibilitando novas aplicações no domínio dos cuidados da saúde, da agricultura, da

produção de alimentos, da proteção do meio ambiente, com amplitude mundial.

No domínio agroalimentar, a biotecnologia tem potencial para produzir alimentos de

melhor qualidade e em maior quantidade e com benefícios ambientais através das culturas

agronomicamente melhoradas, uma vez que reduz consideravelmente a utilização de

pesticidas em culturas com resistência modificada. A biotecnologia tem também potencial

para melhorar em outros campos, como na produção de matérias-primas para a indústria ou de

novos materiais, tais como plásticos biodegradáveis e tecidos coloridos naturalmente. Há

também pesquisas para buscar outras formas de gerar energia, como os bicombustíveis

líquidos e sólidos, utilizando-se de materiais como girassol, milho, soja e cana-de-açúcar, que

não prejudicam o meio ambiente e que sejam mais baratos.

Na melhoria do meio ambiente, a biotecnologia contribui com novas formas de

proteção, incluindo a reposição biológica do ar poluído, do solo, da água e dos resíduos, bem

como o desenvolvimento de produtos e processos industriais mais limpos, por exemplo, com

base na utilização de enzimas (biocatálise). Todos esses avanços obtidos a partir de

organismos geneticamente modificados (OGMs).

Em consonância, verifica-se a importância de legislação específica para

regulamentação e controle dos transgênicos no Brasil, destacando também sua importância

econômica e social. Neste diapasão, trata-se neste capítulo de breve histórico de fatos

importantes, envolvendo os transgênicos e das principais leis vigentes no Brasil.

3.1 PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS: TRANSGÊNICOS NO BRASIL

O investimento do Brasil em pesquisa com transgênicos iniciou-se do começo da

década de 90, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) assinou

protocolo de cooperação com a Empresa Monsanto para desenvolver plantas transgênicas, em

particular as variedades de soja.116

Em 1995 foi editada a Lei Federal nº 8.974 criando a

116

LISBOA, Marijane Vieira. Transgênicos no governo Lula: liberdade para contaminar, PUCviva Revista, v. 29,

p. 36-46, set. 2007. Disponível em: <http://antigo.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/

contaminacao-x-coexistencia/transgenicos-no-governo-lula-liberdade-para-contaminar-artigo-de-marijane-

lisboa/>. Acesso em: 02 nov. 2013.

66

CTNBio cujo fim era estabelecer normas para o uso das técnicas de engenharia genética e

liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.

Em junho de 1998 a Monsanto envia à CTNBio (seu estudo detalhado será efetuado

em item específico), pela primeira vez, um pedido de liberação para cultivo comercial da

semente de soja geneticamente modificada resistente ao herbicida glifosato – a soja RR é

objeto do primeiro pedido para uso de transgênicos em escala comercial – até então, todos os

pedidos haviam sido para cultivos experimentais, e obtém parecer favorável. Em Setembro

deste mesmo ano o Greenpeace e o Instituto de Defesa dos Consumidores (IDEC) ingressam

com Medida Cautelar, com o objetivo de reverter a decisão da CTNBio, uma vez que a

matéria não estava devidamente regulada e não havia sido realizado Estudo (Prévio) de

Impacto Ambiental (EIA).

A Justiça Brasileira concede liminar proibindo a União Federal de autorizar o plantio

comercial da soja transgênica enquanto não fosse regulamentada a comercialização de

produtos GM e não se realizasse o EIA.

Neste momento de embate entre a decisão de um órgão vinculado ao Ministério de

Ciência e Tecnologia (MCT) do Governo Federal e a decisão do Judiciário constitui-se o

momento crítico gerador da controvérsia sobre a liberação comercial de OGMs, sobre a

regulação da matéria e sua interface com a questão ambiental.

Apesar da proibição judicial, a CTNBio, naquele mesmo mês, por 13 votos contra um

decide que não havia razões científicas para interditar a comercialização da soja RR na

medida em que não existiam evidências de risco à saúde humana e ao ambiente.

Apesar do parecer favorável da CTNBio, a ação liminar impetrada na justiça federal

inviabilizou o registro comercial da soja RR junto ao Ministério da Agricultura. A Medida

Cautelar foi reforçada pela proposição de uma Ação Civil Pública (ACP), em outubro de

1998, com o fim de impedir que a CTNBio autorizasse qualquer pedido de plantio de

transgênicos antes da devida regulamentação da matéria e exigência do EIA.

Em Fevereiro de 1999, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (IBAMA), ingressa na ACP defendendo a realização de EIA antes da

liberação comercial de transgênicos no meio ambiente brasileiro. O Instituto foi retirado da

ação através de Medida Provisória, uma vez que o Governo Federal estava nas duas partes do

processo.

Por sua vez, a Monsanto entra com outra medida judicial, solicitando a suspensão da

liminar que impediu a autorização para cultivo e comercialização da soja transgênica. O

Tribunal rejeita o requerimento da Monsanto. A Monsanto e o Governo Federal recorreram

67

contra esta decisão.

Em julho de 1999, o Governo Federal publicou uma nota defendendo o uso de OGM e

alegou que as atividades da CTNBio expressavam a política do governo com respeito à

biossegurança.117

Além do apoio político declarado à liberação comercial dos OGM, durante o período

que vigorou a proibição judicial aos OGM no Brasil, o Governo Federal procurou, por meio

de atos normativos, criar dispositivos legais ad hoc capazes de reforçar o poder decisório da

CTNBio, a fim de garantir a rápida liberação comercial de OGM. No dia 28 de dezembro de

1999, em pleno recesso parlamentar, o Presidente da República assinou a MP nº. 2.137

alterando a Lei de Biossegurança, particularmente no que tange às competências da CTNBio

que passou a ter o poder de deliberar sobre a necessidade de EIA, poder até então atribuído

pela Constituição aos órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente.118

A fim de resolver um tema tão polêmico e urgente, uma vez que haveria uma colheita

significativa de soja GM plantada ilegalmente no estado do Rio Grande do Sul, a partir de

março daquele ano, o Presidente Lula determinou, em fevereiro de 2003, que um Comitê de

nove ministros ficasse responsável pelo aperfeiçoamento da legislação voltada à

regulamentação dos OGM (Decreto nº. 4602/2003).

A controvérsia sócio técnica sobre a regulação da biossegurança no Brasil possuía

caráter não apenas jurídico, mas também econômico e político, na medida em que a

destruição da soja, como previsto na decisão judicial, corresponderia a uma perda estimada de

mais de dez bilhões de dólares.119

Além dos interesses econômicos envolvidos, os argumentos em prol da liberação dos

OGM podem ser sintetizados pela opinião do Deputado Perondi:

A safra mundial de soja transgênica é de 51% e ela cresce na ordem de 20% ao ano

[...]. A transgenia traz benefícios à economia e ao meio-ambiente, uma vez que não

utiliza agrotóxico, o rendimento é maior em um espaço de terra menor e, com isso, a

biodiversidade é protegida.

Seguindo essa mesma linha de argumentos, o então presidente da Federação dos

Agricultores do Rio Grande do Sul – FARSUL, declarou que “quem é contra os

117 MENDES, V.; BECK, M. O Governo sai em defesa dos transgênicos. Biodiversidad en América Latina y El

Caribe, 7 jul. 2000. Disponível em: <http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/5970>. Acesso em: 02

nov. 2013. 118 ZANATTA, M. Velhas polêmicas marcam início da "nova etapa" da CTNBio. Valor Econômico, 12 fev. 2010. Disponível em: <https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/2/12/velhas-

polemicas-marcam-inicio-da-nova-etapa-da-ctnbio>. Acesso em: 02 nov. 2013. 119 A ENCRUZILHADA dos transgênicos. Zero Hora, 6 mar. 2002. Disponível em:

<http://www.webrural.com.br/webrural/artigos/ambiente/commod.asp>. Acesso em: 02 nov. 2013.

68

transgênicos, está atrelado a ideias fundamentalistas e fadadas ao obscurantismo e ao

atraso.120

A saída para este impasse, recomendada pelo comitê interministerial foi a elaboração

de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por meio do qual os fazendeiros que

plantaram ilegalmente a soja GM seriam perdoados desde que se comprometessem a não mais

plantar OGM. O documento foi enviado ao Congresso Nacional como uma MP (MP 113).121

Além do TAC, que permitiu a comercialização da safra de grãos de soja GM até

janeiro de 2004, a MP 113 estabeleceu a destruição dos estoques não comercializados após

essa data, e proibiu o seu uso como sementes.

A tramitação do PL levou a polêmica para o interior do parlamento nacional cujo

embate provou modificações substanciais no texto originalmente proposto. A principal delas

era a definição do caráter apenas consultivo, e não deliberativo da CTNBio.

Houve manifestações de desagrado de representantes dos grupos favoráveis à rápida

liberação dos OGM no país, como a de FERSUL que acusou o Ministério do Meio Ambiente

de dificultar o processo de liberação comercial desses produtos afirmando, “Lastimo que

todas as ações do [Ministério] do Meio Ambiente sejam para dificultar e atrasar os

procedimentos. Como se isso viesse a segurar o avanço da biotecnologia.”122

A nova Lei de Biossegurança (Lei 11.105) foi assinada em março de 2005, com vetos

em sete artigos do texto. Dentre esses, destaque-se o do artigo 11, § 8º: “As decisões da

CTNBio serão tomadas por maioria dos membros presentes à reunião, respeitado o quórum

[mínimo de 14 membros].”

O aspecto mais significativo da nova lei (11.105/05) foi o que deu à CTNBio a

prerrogativa de autorizar a liberação comercial de OGM, submetendo os órgãos de registro e

fiscalização dos Ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente às suas decisões,

especialmente no que tange às exigências de EIA.

A nova lei de biossegurança foi questionada por duas ADIN propostas pelo

Procurador-geral da República, respectivamente em maio e junho de 2005. A segunda

baseava-se no fato de que a competência do Ministério do Meio Ambiente, de avaliar a

120 PELAEZ, V. O estado de exceção no marco regulatório dos organismos geneticamente modificados no

Brasil: (apresentação oral). Curitiba: UFPR, 2003. Disponível em <http://www.sober.org.br/ palestra/6/848.pdf>.

Acesso em: 03 nov. 2013. 121 MIGNONE, Ricardo. Lula edita MP liberando comercialização da soja transgênica. Folha de São Paulo -

Ciência, São Paulo, 26 mar. 2003. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ ult306u8726.shtml>. Acesso em: 03 nov. 2013. 122 COMEÇA uma nova disputa depois da lei regulamentada. Valor Econômico, 24 nov. 2005. Disponível em:

<http://www.sonoticias.com.br/agronoticias/mostra.php?id=4870>. Acesso em: 03 nov. 2013.

69

necessidade de EIA, não pode ser transferida para a CTNBio, pois essa é uma atribuição

determinada pela Constituição Federal.

Em novembro de 2005, foi sancionado o Decreto Federal nº 5.591, regulamentando a

Lei de Biossegurança, autorizando assim os procedimentos para a escolha e a nomeação dos

membros que iriam constituir a nova CTNBio.

Como visto, a regulamentação dos OGM no Brasil se caracterizou por um intenso

processo de disputas nas três instâncias de poder – Legislativo, Executivo e Judiciário, bem

como junto a diversos setores da sociedade, gerando grande instabilidade institucional que

levou à edição da nova lei de biossegurança.

A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar criada para compor uma

estrutura administrativa desenhada pela Lei para gerir a Política Nacional de Biossegurança –

PNB. A CTNBio deve ser composta por vinte e sete cidadãos brasileiros de reconhecida

competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e

com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia,

saúde humana e animal ou meio ambiente. Dentre eles, doze serão especialistas de notório

saber científico e técnico e serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a

participação das sociedades científicas. Cada membro terá mandato de dois anos, renovável

por até mais dois períodos consecutivos.

A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de catorze de seus

membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas temáticas. As decisões

da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto

nos processos de liberação comercial de OGM e derivados, para os quais se exigirá que a

decisão seja tomada com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros.

A CTNBio reunir-se-á, em caráter ordinário, uma vez por mês e, extraordinariamente,

a qualquer momento, mediante convocação de seu Presidente ou por solicitação

fundamentada subscrita pela maioria absoluta dos seus membros.

O novo marco regulatório, as competências e as regras de funcionamento da nova

CTNBio instituídas não foram suficientes para alcançar a pretendida solução da controvérsia,

como pretendia o governo e os produtores interessados. Desde o início da sua atuação após a

edição da nova Lei da Biossegurança, a CTNBio vem sendo alvo de críticas dirigidas tanto

pela comunidade científica e pela sociedade civil, quanto dos próprios membros em quase

permanente estado de conflito.

Em dezembro de 2009 a CTNBio retoma em pauta a discussão sobre a flexibilização

das regras internas. Os argumentos apresentados foram no sentido da inexequibilidade e

70

desnecessidade do monitoramento após a liberação comercial de OGMs, uma vez que:

“Quando a comissão libera a comercialização de determinado organismo geneticamente

modificado, já afastou riscos ao seu consumo, assim como ao ambiente. Se (os transgênicos)

fizessem mal, os americanos já tinham morrido”.123

Em 2010 realiza-se nova nomeação de membros reafirmando-se polêmicas

semelhantes às gestões anteriores e sob ameaça de nova intervenção do MPF. Já na primeira

reunião do ano, realizada em fevereiro, foram liberadas duas novas sementes de soja GM, sob

denúncia formulada por três dos membros da Comissão apontando a ausência de testes

básicos previstos nas normas.124

Como se pode notar, a controvérsia segue um ritmo constante e cíclico de eventos

conflitivos que não apontam no sentido de uma tomada de consenso ou acordo. Ao contrário,

mantêm-se a posição autoritária dos defensores da liberação acelerada dos OGMs no Brasil

retirando do debate as posições que solicitam transparência, legalidade, participação e a

incorporação de conhecimentos alternativos ao monopólio da primazia do conhecimento

científico nos processos de tomada de decisão.

Observa-se que a adoção do novo marco regulatório foi uma tentativa de tomada de

acordo entre os atores sociais diante da controvérsia central sobre a adoção ou não de OGM

no país, contudo dito acordo não obteve o êxito esperado tendo em vista que se tratou de um

acordo imposto de cima para baixo que deixou de fora da discussão os pontos de vista e

requerimentos com menos força na negociação.

Procedeu-se na verdade uma alteração de sentido da controvérsia, mantendo-se o

conteúdo e o objeto. A discussão passa a centrar-se na competência e na atuação da CTNBio,

isto porque este órgão super poderoso passou a deter, sob o auspício da autoridade absoluta do

conhecimento científico, quase todo o poder decisório sobre a matéria.

O desenrolar do enfrentamento entre Programa e Anti-programa e frente a imperiosa

necessidade de justificação das posições adotadas e decisões tomadas, levou a que os atores

que compõe o Programa, em franca diferença de posição e poder no âmbito da controvérsia,

adotassem estratégias com o fim de fechar o círculo de atores e argumentos legitimados de

modo a fazer valer os seus interesses, sem os obstáculos democráticos participativos e com o

123 ECODEBATE - Redação. CTNBio deve abolir controle de eventuais efeitos adversos de produtos após

liberação comercial. EcoDebate Cidadania e Meio Ambiente, 10 dez. 2009. Disponível em:

<http://www.ecodebate.com.br/2009/12/10/ctnbio-deve-abolir-controle-de-eventuais-efeitos-adversos-de-produtos-apos-liberacao-comercial/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 124 ZANATTA, M. Velhas polêmicas marcam início da "nova etapa" da CTNBio. Valor Econômico, 12 fev. 2010.

Disponível em: <https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/2/12/velhas-

polemicas-marcam-inicio-da-nova-etapa-da-ctnbio>. Acesso em: 02 nov. 2013.

71

aval, direto ou indireto, do Estado.

Em reação a esta inversão de sentido e estratégias de ação, contudo, observa-se como

os representantes dos interesses excluídos do debate, no interior da própria CTNBio, lutam e

se articulam com antigos e novos atores emergentes no âmbito da controvérsia, pela

reabertura do debate e da democratização efetiva da Comissão.

Partindo desta referência teórica, podemos analisar a controvérsia científica e técnica

sobre a regulação do tema da biossegurança e o papel da CTNBio, acima mapeada,

determinando a ocorrência de um momento crítico, àquele em que os atores sociais se dão

conta que algo está errado, no contexto de uma ação coletiva125

, quando a CTNBio aprova,

sem EIA ou debate público, a primeira plantação de milho transgênico no Brasil.

3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal de 1988, artigo 225, parágrafo 1, inciso II e V, estabelece que

para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe ao

Poder Público, dentre outras atribuições: “preservar a diversidade e a integridade do

patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de

material genético e controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A Constituição Federal de 1988 trata do tema no artigo 225, § 1º, incisos II, IV e V,

que prescrevem as seguintes obrigações do Poder Público para assegurar um meio ambiente

ecologicamente equilibrado:

[...] II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

[...]

IV – exigir, na forma de lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto

Ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio

ambiente.126

O inciso II do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer a

125 BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. A sociologia da capacidade crítica. Tradução de Marcos de Aquino

Santos, a partir do artigo The sociology of critical capacity, publicado em European Journal of Social Theory, v.

2, n. 3, p. 359-377, 1999. Disponível em: <Boltanski+e+Thvenot+-+A+sociologia+da+capacidade+ critica.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2013. 126 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, art.

225.

72

responsabilidade do Poder Público em fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e

manipulação de material genético, tem o intuito de garantir a preservação da integridade do

patrimônio genético do Brasil, obrigando a Administração Pública, por meio de seus diversos

órgãos, a utilizar-se de seu poder de polícia e efetivamente regulamentar, fiscalizar e

responsabilizar qualquer entidade, seja ela pública ou privada, que tenha como atividade, a

produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos ou substâncias que comportem

risco para a vida, a qualidade de vida, e o meio ambiente, como estabelece o inciso V do

artigo citado.

No rol das entidades públicas ou privadas a serem fiscalizadas, estão as universidades,

as sociedades empresárias e não empresárias, as associações, as OSCIPS, as ONG’S, os

movimentos sociais, enfim, qualquer entidade, nacional ou estrangeira, cuja atividade se

caracterize pelas ações de pesquisar e manipular material genético (i, II) ou/e produzir,

comercializar ou empregar métodos, técnicas e substâncias (i, V) que comportem risco para a

vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Estes bens juridicamente protegidos, são

inerentes ao conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do artigo 225).

Entre os instrumentos jurídicos disponíveis para que essa fiscalização obrigatória do

Poder Público, quando alguma das ações citadas acima for potencialmente causadora de

degradação ambiental, seja eficiente e possível, está o Estudo Prévio de Impacto Ambiental,

previsto no inciso IV do mesmo artigo, que tem sido constantemente desrespeitado na

regulamentação do cultivo de OGMs, pois a obrigatoriedade do EPIA não tem sido observada

nestes casos.

3.3 PRINCÍPIOS QUE SUSTENTAM A REGULAMENTAÇÃO DOS

TRANSGÊNICOS

Muito se discute à respeito dos estudos dos princípios jurídicos dentro da teoria geral

do direito e, mais especificamente, no contexto de cada ramo do direito. A doutrina propaga a

conveniência da manutenção dos estudos a respeito dos princípios jurídicos, vez que “a

despeito de que, ao sabor do tempo e do lugar, esses princípios possam provocar

consequências diferentes daquelas imaginadas e queridas por seus idealizadores e, máxime,

pela lei que os adotou.”127

127 NERY JUNIOR. Nelson. Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. v. 3, p.

50.

73

3.3.1 Princípio da Participação Popular

O princípio da participação popular na gestão e no controle da Administração Pública

é atrelado ao conceito de Estado Democrático de Direito, presente no preâmbulo da

Constituição Federal de 1988, proclamado em seu artigo 1º e reafirmado no parágrafo único,

com a regra de que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição", além disso, decorre de várias normas

consagradoras da participação popular em diversos setores da administração pública, em

especial na parte referente à ordem social.

Nas palavras de Di Pietro, a exemplificação: de como se exterioriza o princípio da

participação pública em diversas oportunidades elencadas constitucionalmente, entre elas: a) a

participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus

interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (artigo

10); b) a participação do produtor e trabalhador rural no planejamento e execução da política

agrícola (artigo 187); c) a participação da sociedade e dos Poderes Públicos nas iniciativas

referentes à seguridade social (artigo 194); d) o caráter democrático e descentralização da

gestão administrativa, com participação da comunidade, em especial de trabalhadores,

empresários e aposentados na seguridade social (artigo 194, VII), reafirmado com relação à

saúde (art. 198, III) e à assistência social (artigo 204, II); e) a gestão democrática do ensino

público (artigo 206, VI); f) a colaboração da comunidade na proteção do patrimônio cultural

(artigo 216, § 1º).128

O princípio da participação pública é base do Estado Democrático de Direito, sendo

importantíssimo para a correta manutenção deste, que a sociedade civil organizada ocupe o

espaço que lhe é intrínseco, qual seja, o de fiscalizar, orientar e participar das discussões

públicas acerca de temas relevantes para o Estado, como é o caso dos OGMs. A sociedade

deve ser atuante acerca deste tema, evitando a prevalência dos interesses das transnacionais

sementeiras, que não demonstram preocupação com o bem-estar da população, a soberania do

país ou os impactos ambientais, apenas dimensionando os lucros que a inserção de uma nova

tecnologia agrícola num país de dimensões continentais poderá gerar.

128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 494.

74

3.3.2 Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade é aderente à Administração Pública, que tem a obrigação

de divulgar oficialmente todos os atos para conhecimento público e início de seus efeitos

externos. Esta divulgação permite que a sociedade acompanhe, fiscalize e opine acerca das

políticas públicas do Estado. Disso decorre que todas as leis, atos e contratos administrativos

que produzam consequências jurídicas fora dos órgãos que o emitem exigem publicidade para

adquirirem validade jurídica universal, isto é, perante as partes e terceiros.

Os estudos de Meirelles, detalhando as características do princípio da precaução,

destacam que a publicidade não é um elemento formativo do ato, constituindo-se em requisito

de eficácia e moralidade. Assim, os atos irregulares não se convalidam com a publicação e os

regulares não podem dispensá-la para a sua exequibilidade, desde que isto seja exigido pela

lei ou regulamento que deu os contornos legais para o ato.

A publicidade caracteriza-se como um dos princípios da administração pública (artigo

37, caput, da CF/88), abrange toda a atuação estatal, mas não apenas sob o aspecto de

divulgação oficial de seus atos, como também sob a forma de propiciar o conhecimento de

conduta interna aos agentes públicos.

Segundo o autor, o princípio da publicidade deve atingir, assim, os atos concluídos e

em formação, bem como os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e

jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os

contratos com quaisquer interessados, além dos comprovantes de despesas e as operações de

contas submetidas aos órgãos competentes. Todas estas formas devem obedecer ao princípio

da publicação, pois constituem-se em papéis ou documentos públicos, que podem ser

examinados por qualquer interessado, que destes pode obter certidão ou fotocópia autenticada

para os fins que a Constituição especifica.

Para que a publicação produza os efeitos jurídicos desejados, esta deve ser feita por

meio do órgão oficial da Administração, e não apenas divulgada pela imprensa particular, pela

televisão ou pelo rádio. O órgão oficial da imprensa que ratifica a observância do princípio da

publicidade é o Diário Oficial (da União, dos Estados e dos Municípios). Entretanto, os

jornais contratados pelas entidades públicas para publicizarem as informações oficiais

também atendem aos requisitos do referido princípio.129

Todas as leis, atos e contratos administrativos que não aplicarem o princípio da

129 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 87-88.

75

publicidade, omitindo-se ou não atendendo a legislação pertinente (Dec. 84.555, de 12.3.80),

deixarão de produzir seus efeitos regulares, inclusive os relativos aos prazos.

O princípio da informação se exterioriza por meio dos remédios constitucionais que

garantem a qualquer cidadão a possibilidade de ter acesso à documentação pública, inerente

aos assuntos governamentais, desde que não seja exigido o sigilo. Tais direitos exteriorizam-

se por meio do habeas-data, do mandado de injunção e até mesmo do mandado de segurança.

3.4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES À BIOTECNOLOGIA,

TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA

3.4.1 Definições Gerais Vinculadas à Biossegurança

Abaixo, apresenta-se algumas definições fundamentais para o entendimento de todo

trabalho, em sua maioria, foram retirados do Manual de Fiscalização de Atividades com

Organismos Geneticamente Modificados do Ministério da Agricultura.

- Ambiente: A soma total de todas as condições externas, constituindo em fatores

bióticos e abióticos, que afetam o crescimento e o desenvolvimento de um organismo.

- Biossegurança: Estabelecimento de normas de trabalho claras e bem definidas para

se delimitar o campo de ações possíveis e convenientes na área de atuação da

biotecnologia.130

Conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de

riscos inerente as atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e

prestação de serviço que podem comprometer a saúde humana, dos animais, do meio

ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

- Organismo: Toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material

genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas; Organismo

geneticamente modificado (OGM): Organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido

modificado por qualquer técnica de engenharia genética. Não se inclui na categoria de OGM o

resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material

hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante

ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução

poliplóide e qualquer outro processo natural;

130 MALAJOVICH, Maria A. Da teoria à prática no ensino de biotecnologia. In: CONGRESSO BRASILEIRO

DE BIOSSEGURANÇA, 6., Rio de Janeiro, 2009. Anais... Rio de Janeiro: CTNBio, 2009, p. 81.

76

- Engenharia genética: Atividade de produção e manipulação de moléculas de

ADN/ARN recombinante;

- Ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN): Material genético que

contêm informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

- Derivado de OGM: Produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma

de replicação ou que não contenha forma viável de OGM. Não se inclui na categoria de

derivado a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos

biotecnológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante;

- Evento: É cada um dos produtos da transformação com uma construção genética;

Classe de risco do OGM: Grau de risco associado ao organismo doador, ao organismo

receptor, bem como ao organismo resultante;

- Nível de Biossegurança (NB): Nível de contenção necessário para permitir as

atividades e projetos com OGM de forma segura e com risco mínimo para o operador e para o

meio ambiente;

- Organismo doador: Organismo doador da sequência de ADN/ARN que será

introduzida por engenharia genética no organismo receptor;

- Organismo receptor: Organismo no qual será inserida a construção obtida por

engenharia genética;

- Risco: Possibilidade de promoção de evento negativo, cientificamente fundamentada,

para a saúde humana e animal, os vegetais, outros organismos e o meio ambiente, decorrente

de processos ou situações envolvendo OGM e seus derivados.

3.4.2 Aspectos Legais da Biossegurança

Segundo Antunes131

, a Lei de Biossegurança determina expressamente a observância

do princípio da precaução (este será detalhado em outro item). Ao mesmo tempo, “o princípio

da precaução não pode ser invocado, no caso concreto, como um freio à pesquisa e ao estudo,

como tantas vezes acontece”.

Para Antunes132

, “a visão do risco não pode ser confundida com o próprio dano” e

afirma que a citação anterior, apresenta uma visão unilateral e inadequada do problema. Um

aspecto do princípio da precaução que tem sido muito pouco ressaltado é “que prevenir riscos

ou danos implica escolher quais os riscos ou danos pretende-se prevenir e quais aceita-se

131 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 371-372. 132 Id., Ibid., p. 29, 31.

77

correr. Se feita racionalmente a escolha, escolhe-se o risco menor em preferência ao maior.”

Segundo Lehfeld133

, a Lei de Biossegurança, cujo escopo é a tutela da vida e saúde

humana, animal e vegetal visa proteger o meio ambiente enquanto biodiversidade, ou seja,

meio fundamental para a manutenção de todos os tipos de vida.

Em 24 de março de 2005, foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei 11.105/2005

que, regulamentada pelo Decreto 5591/2005, passou a reger todas as atividades envolvendo

organismos geneticamente modificados no país. Conforme a supracitada lei e seu

regulamento, para a liberação de pesquisa e uso comercial, os processos são submetidos a

uma análise técnica e, ainda, no caso da liberação comercial o pedido depois de aprovado pela

CTNBio deverá passar pelo crivo do CNBio.

Pela redação inicial da Lei 11.105/2005, todas as decisões da CTNBio seriam tomadas

com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto nos processos de liberação

comercial de OGM onde se exigiria os votos de pelo menos dois terços do colegiado. No final

do ano de 2006 a Lei 11460/06 alterou a Lei de Biossegurança reduzindo esse quórum para

“maioria absoluta”.

Conforme escreve Machado134

, “a lei brasileira tratou de forma unificada a questão

dos OGMS, diferentemente do sistema legislativo da Comunidade Europeia, que formulou

dois tipos de normas – um para utilização em regime de pesquisa e outro para a disseminação

voluntária de OGMS.”

A polêmica sobre os organismos geneticamente modificados, definitivamente não será

facilmente resolvida. Enquanto uns defendem a adoção da tecnologia como solução para

aumento da produção mundial de alimentos, há quem os veja como uma enorme ameaça

ambiental.

A dependência de material de plantio geneticamente manipulado é cada vez mais

acentuada, ficando o agricultor dependente das empresas de alta tecnologia que passaram a

dominar um segmento que é cada vez mais estratégico no contexto do sistema agroprodutivo.

O patrimônio genético, cuja biodiversidade já estava sendo afrontada pelo sistema de

melhoramento genético tradicional, sofre agora, a interferência direta e agressiva de materiais

geneticamente modificados, também conhecidos por “transgênicos”, cuja utilização aumenta

rapidamente na maioria dos países, principalmente naqueles com forte agricultura comercial

133 LEHFELD Lucas de Souza; CORRÊA NETO, Silmara R. B. S.; NETO JUNIOR, Valentim Corrêa. A nova lei de biossegurança: dos tipos penais. Revista Jurídica Fafibe, ano 1, n. 2, out. 2007. Disponível em:

<http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistajuridicafafibe/sumario/8/16042010160917.pdf>.

Acesso em: 23 nov. 2013. 134 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 982.

78

como é o caso do Brasil.

Diante dessa importante inovação da tecnologia, muitas são as questões pendentes de

respostas concretas, dando margem para uma acirrada discussão envolvendo os mais diversos

interesses. Na atividade agrícola, principal enfoque deste trabalho, a grande maioria dos

produtores tem muitas dificuldades em entender essa nova realidade.

Os materiais de cultivo geneticamente modificados, que se apresentam

regulamentados por um complicado emaranhado de normas que trazem novas imposições de

condutas e intervenções diversas, às quais o produtor rural, importante elo dessa cadeia, não

está suficientemente preparado para entender.

Diante da novidade e das imensas possibilidades de intervenção na natureza que

proporciona a técnica da engenharia genética, logo surgiram acirrados debates sobre o

assunto, sendo muito divergentes as opiniões, dos diversos setores interessados, envolvendo

questões técnicas, éticas, sociais, ambientais, entre outras. Para Grisólia:

A percepção pública da biotecnologia genômica passa por questionamentos éticos.

A palavra transgênico foi estigmatizada pela mídia, que abriu muito espaço para matérias jornalísticas de cunho ideológico e com pouca base científica. Devido a

isso, exemplifica o autor, até hoje enfrentamos relutância das empresas em atender a

rotulagem de produtos transgênicos e seus derivados.135

O mesmo autor faz interessante abordagem sobre a percepção pública dos riscos dos

produtos transgênicos:

As aplicações médicas, tem percepção pública favorável, pois a percepção de riscos

é menor, e nesses casos os fins justificam os meios. Isso é claramente observado até

mesmo nas matérias veiculadas pela mídia, que via de regra, não questiona a forma

de obtenção dos medicamentos desde que estes tenham a eficácia desejada. O

questionamento é maior pelo consumidor de alimentos, pessoas saudáveis e que tem

a possibilidade de optar por uma dieta que considera a mais adequada.136

No setor produtivo rural observa-se que o produtor procura utilizar os insumos,

inclusive sementes, que venham a propiciar o melhor rendimento econômico. Isso é razoável

visto tratar-se de uma atividade onde a cada dia se faz necessária a redução dos custos de

produção, em vista dos diversos fatores adversos que envolvem a atividade agrária;

adversidades essas, que as sementes transgênicas prometem amenizar, principalmente pela

facilidade no controle de pragas e doenças, maior resistência à seca e mesmo melhoria das

135

GROSÓLIA, César Koppe. A ética das novas construções genéticas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOSSEGURANÇA, 6., Rio de Janeiro, 2009. Anais... Rio de Janeiro: CtbnBio, 2009, p. 48. 136 Id., Ibid., loc. cit.

79

qualidades comerciais do produto final.

Em vista dos benefícios propostos pelas sementes transgênicas o produtor rural é

facilmente convencido a adotar a tecnologia, muitas vezes sem conhecer as regras que regem

sua utilização, em especial os regramentos da legislação de biossegurança. O pacote da

tecnologia de OGM que deve ser tido como uma alavanca de desenvolvimento vem num

emaranhado de normas, regulamentos, e condições que podem causar muitos prejuízos ao

agricultor que não observar e cumprir rigorosamente essas condições.

O maior problema legal relacionado à lei de OGMs envolvendo o agricultor é, sem

dúvida, o plantio de material não autorizado pela CTNBio. Numa entrevista com produtores

de algodão da região sul do Estado de Goiás, autuados pela fiscalização do Ministério da

Agricultura, detectou como principais causas da infração:

a) Falta de conhecimento da dimensão do prejuízo a que está sujeito, visto que a Lei

11.105/2005 c/c Decreto 5591/2005, prevê a multa mínima de R$ 60.001,00 além da

apreensão de toda a produção que não pode ser comercializada.

b) Menor custo de produção do material transgênico.

c) Acredita em uma ‘virada-de-mesa’ nos moldes do que aconteceu com o conturbado

processo de liberação da soja transgênica “RR”, resistente ao herbicida glifosato.

d) Confusão quanto aos tipos de “eventos” liberados.

As tecnologias de organismos geneticamente modificados aplicadas aos produtos

agrícolas, a maioria, desenvolvidas por empresas multinacionais, passam por um complexo

processo de estudos, testes e pesquisas desde o seu projeto inicial até a obtenção de um

resultado positivo. Quando consideradas concluídas, são submetidas aos organismos oficiais,

geralmente, em diversos países ao mesmo tempo, para que, após análise dos requisitos legais,

sejam finalmente disponibilizadas para uso comercial.

Como os critérios são distintos, de acordo com cada sistema normativo,

procedimentos, interesse político, entre outros, acontece de haver, ao mesmo tempo, produtos

liberados para a produção comercial em alguns países e com produção proibida em outros.

Devido às vantagens financeiras que o material proporciona, o produtor acaba por utilizar esse

tipo de material na ilegalidade, contrariando a legislação de biossegurança, quase sempre,

através da utilização de sementes ilegais que entram no país, provenientes dos países onde a

tecnologia já está liberada.

80

3.4.3 Lei 11.105/2005- Lei de Biossegurança

A principal Lei brasileira a tratar a questão da biossegurança é a de n. 11.105, de 24 de

março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do parágrafo 1.º do artigo 225 da

Constituição Federal, estabelecendo normas de segurança e mecanismos de fiscalização de

atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados,

cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica

Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança –

PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, além de outras providências.

O art. 1.º trata da finalidade da lei, estabelecendo normas de segurança e mecanismos

de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética, quando forem praticados atos

inseridos em qualquer um dos 14 tipos verbais descritos: construção, o cultivo, a produção, a

manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a

pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de

organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados. Este artigo também

estabelece o bem jurídico tutelado pela Lei, a vida e a saúde, dos homens, animais, plantas e o

meio ambiente. Nas palavras do jurista Paulo Affonso Leme Machado:

A lei brasileira tratou de forma unificada a questão, diferentemente do sistema

legislativo da União Européia, que formulou dois tipos de normas – um para a

utilização confinada e outro para a disseminação voluntária dos organismos geneticamente modificados.137

O art. 2.º cuida da abrangência da lei, em seu § 1.º define o que seja atividade e projeto

no âmbito das entidades, como aqueles conduzidos em instalações próprias ou desenvolvidos

alhures, desde que sob sua responsabilidade técnica ou científica. O "caput" do artigo assinala

que também as atividades e projetos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento

tecnológico e produção industrial que envolvam OGMs no território brasileiro, ficarão

restritas às entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela

obediência aos preceitos desta lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos

ou consequências advindas de seu descumprimento. Sobre a inserção de projetos e atividades

de ensino e pesquisa científica, novamente as palavras do jurista Paulo Affonso Leme

Machado:

137 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros,1995, p. 662.

81

A atividade puramente teórica do ensino e da pesquisa não está sujeita a qualquer

controle prévio do Poder Público, pois isso conflitaria com o art. 5.º, IX da CF, que

consagra a livre expressão de atividade intelectual, científica e de comunicação,

independentemente de censura ou de licença. As expressões ‘ensino e pesquisa’,

utilizadas na Lei 8.974/95, merecem ser entendidas como atividades que serão

acompanhadas de experimentos, necessitando constitucionalmente da fiscalização

do Poder Público para que o meio ambiente – bem de uso comum do povo – seja resguardado.138

O parágrafo 2.º proíbe que as pessoas físicas, enquanto agentes autônomos

independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas

jurídicas, mantenham ou realizem as atividades e projetos de que trata o artigo. Também sobre

este ponto, as palavras do doutrinador:

Há um outro empecilho de ordem constitucional para a plena higidez do art. 2.º, §

2.º, da Lei 8.974/95. O art. 170, IV, da CF consagra a livre concorrência não só entre

as pessoas jurídicas entre si, mas entre as pessoas jurídicas e as pessoas físicas. Os

princípios do art. 170 merecem ser harmonicamente integrados, sem que a

observância de qualquer deles anule ou asfixie os outros princípios.139

O parágrafo 3.º afirma que as organizações públicas ou privadas financiadoras ou

patrocinadoras das atividades e projetos referidos no artigo, sejam elas nacionais, estrangeiras

ou internacionais, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da adesão dos entes

financiados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos na

Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança,

sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu

descumprimento.

O artigo 3.º elabora um glossário próprio em que define os termos nela usados, tais

como: organismo, ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN), moléculas de

ADN/ARN recombinante, organismo geneticamente modificado (OGMs) e engenharia

genética. O parágrafo único elenca as atividades não abrangidas pela Lei 8.974/95,

enumerando as técnicas em que os organismos resultantes não são considerados OGMs, desde

que nestas não sejam utilizadas moléculas de ARN/ADN recombinante ou OGMs, que são:

fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer

outro processo natural.” Nesse mesmo sentido o art. 3.º, 3, da lei da República Federal da

Alemanha e o art. 2.º, I, do Decreto 93-774, de 27.3.93, da França”.140

O artigo 4.º refere-se à inaplicação da Lei, quando a modificação genética for obtida

138 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 663. 139 Id., Ibid., p. 665. 140 Id., Ibid., p. 666.

82

por meio de mutagênese, formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal,

fusão celular e autoclonagem de organismos não patogênicos que se processe de maneira

natural.

O artigo 7.º estabelece atribuições aos órgãos de fiscalização do Ministério da

Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, da Saúde, e do Meio Ambiente e da

Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico

conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação da lei. Sobre a

atuação do Governo Federal por meio dos Ministérios competentes, assevera o jurista Paulo

Affonso Leme Machado:

A lei designou quais os Ministérios que deverão atuar no campo da Engenharia

Genética. Como tem acontecido no Brasil, criam-se tarefas para os órgãos públicos,

mas não se apontam os recursos a serem despendidos para a implementação da lei e

nem se criam novos cargos para o desempenho das novas funções. Para que a Administração Pública Federal atue com eficiência no setor dos organismos

geneticamente modificados é preciso à criação das novas funções ou cargos,

exigindo-se alto grau de especialização desses servidores públicos. Não será eficaz,

nem ético, que a execução do controle público dos organismos geneticamente

modificados assente-se somente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

(CTNBio).141

A Lei n. 11.105/2005 também criou o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS)

vinculado à Presidência da República, com a competência de formular e implementar a

Política Nacional de Biossegurança (PNB), e reestruturou a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança (CTNBio).

Estabelece, ainda, como competência ao CNBS fixar princípios e diretrizes para a ação

administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria; analisar, a

pedido da CTNBio, a conveniência e oportunidade de pedidos de liberação para uso comercial

de OGM e seus derivados; e decidir, em última e definitiva instância, a respeito de processos

relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados. A lei define

como OGM os organismos cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica

de engenharia genética.

A CTNBio, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, deverá

acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança,

biotecnologia, bioética e afins, com objetivo de aumentar sua capacitação para proteção da

saúde humana, dos animais, das plantas e do meio ambiente.

É também a CTNBio que compete, de acordo com a lei, estabelecer normas técnicas

141 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 667.

83

de segurança para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus

derivados.

A Lei de Biossegurança também institui normas de segurança e mecanismos de

fiscalização para construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, importação,

exportação, armazenamento, comercialização e consumo de OGM, bem como penas de multa

e detenção para quem descumprir as regras gerais estabelecidas, que podem chegar a cinco

anos com acréscimos, dependendo da infração cometida.

A maior pena - reclusão de dois a cinco anos e multa - é aplicada para quem realizar

clonagem humana e também utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias

genéticas de restrição de uso. As penas podem ser dobradas caso resultem na morte de

alguém.

3.4.4 Código de Defesa do Consumidor

A defesa do consumidor foi erigida pela Constituição Federal como direito

fundamental prevista no art. 5º, XXXII, incluindo-a, igualmente entre os princípios gerais a

serem observados pela atividade econômica, conforme o art. 170, V, da CF.

O professor Amaral descreve os princípios basilares e norteadores do microssistema

jurídico que forma o direito do consumidor, afirmando que o direito à informação é princípio

basilar no sistema de proteção do consumidor brasileiro, pois apenas um consumidor

plenamente informado pode bem exercer a liberdade volitiva, o direito de escolha do produto,

que constitui-se em pressuposto do ato jurídico de consumo, evidenciando um consumo

consciente e refletido.

Além disso, o autor afirma que o as relações de consumo não são mais regidas pelo

paradigma do caveat emperor, segundo o qual compete ao consumidor, ao comprador,

informar-se para resguardar-se de eventuais danos. Após a promulgação do Código de Defesa

do Consumidor, o legislador brasileiro instituiu a regra do caveatvenditor, incumbindo ao

vendedor, ao fornecedor, inclusive o comerciante, o fabricante e o importador, prestar a mais

ampla informação ao consumidor, mesmo que em potencial. Apenas desta forma, o

consumidor pode desempenhar seus papel no ciclo econômico da produção, qual seja, o papel

de parceiro econômico e não apenas de mera referência mercadológica.

Nestes novos tempos, de evolução tecno-científica nunca dantes visto, o Direito têm

que, obrigatoriamente, adequar-se, sob pena de não poder regular eficientemente o atual

contexto biotecnológico. Desta maneira, o microssistema de proteção ao consumidor

84

fundamenta sua estrutura lógico-jurídica em alguns pressupostos e princípios norteadores que

tentam dar essa feição de modernidade ao citado dispositivo.

Para tanto, alguns princípios devem ser sempre visualizados, tais como o princípio da

vulnerabilidade do consumidor (artigo 4º, I, Código de Defesa do Consumidor); o princípio

do dever governamental (artigo 4º, II, VI e VII, Código de Defesa do Consumidor); o

princípio da garantia de adequação (artigo 4º, caput); o princípio da boa-fé nas relações de

consumo (artigo 4º, III); o princípio da ampla informação (artigos. 4º; 6º, III; 8º; 9º; 10; 12;

13; 18; 19; 20; 30; 31; 35; 36; 37; 38; 56; 60; 63; 64; 66; 67 e 72) e o princípio do acesso

efetivo e diferenciado à Justiça (artigo 6º, VII, VIII; 5º, I; 43, § 4º; 117).142

O artigo 6.º da presente norma jurídica capitula os direitos básicos do consumidor,

elencando em seus incisos, várias situações em que se tutelam as controvérsias existentes nas

relações de consumo. No que tange à matéria em estudo, apenas o inciso III tem implicações

referentes à biotecnologia, especialmente no caso dos transgênicos, e os problemas advindos

de sua rotulagem.

Em seu inciso III o legislador assegura o direito do consumidor à informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de

quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que

apresentem.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90) apresentou princípios e

estabeleceu os direitos básicos dos consumidores, dentre eles, a proteção da vida, da saúde e

da segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços

considerados perigosos ou nocivos, a educação e a divulgação sobre o consumo adequado dos

produtos e serviços assegurados à liberdade de escolha, bem como o direito à informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (art. 6º, I, II e III do CDC). Conforme

asseveram Marques, Herman e Miragem:

[...] vimos que a novidade inserida no Código de Defesa do Consumidor foi

identificar um sujeito de direitos fundamentais construindo para protegê-lo um

sistema de normas e princípios, podendo ter conotações pós – modernas fortes.

Tratando-se, pois, de um direito fundamental protegido sobremaneira pelo nosso Estado Democrático de Direito, eis que o consumidor é identificado no âmbito

constitucional pátrio. Tratando-se de um direito fundamental protegido pelo Estado,

sendo o consumidor identificado constitucionalmente.143

142 AMARAL, Luiz Otavio O. Os transgênicos e o consumidor brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano 2, n.

6, ago. 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=2115>. Acesso em: 24 nov. 2013. 143 MARQUES, Cláudia Lima; HERMAN, Antônio V. Benjamin, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de

defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 175.

85

O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece a Política Nacional das

Relações de Consumo, fixando como objetivos, dentre outros, a observância de transparência

na relação consumerista em relação à oferta, como sinônimo de clareza ao consumidor, com

informações sobre temas relevantes na relação contratual, como é os produtos contendo

organismos geneticamente modificados em sua composição.

Nesse diapasão, quando o fornecedor não informa ao consumidor sobre a quantidade

de organismos geneticamente modificados usada na produção daquilo que se está a consumir,

afronta claramente esse princípio basilar do Código de Defesa do Consumidor brasileiro,

previsto no artigo 4º.

Com isso, diante da legislação de proteção do consumidor, fica evidente que os

alimentos que contenham, ou sejam produzidos a partir de OGMs devem ser devidamente

rotulados, garantindo-se ao consumidor seu direito à informação, à liberdade de escolha e à

proteção de sua vida, sua saúde e sua segurança.

Um nível de exigência a ser observado na regulamentação da comercialização de

OGMs no Brasil refere-se ao respeito do direito básico do consumidor em ser amplamente

informado, de maneira eficaz e veraz, dos possíveis efeitos adversos destes produtos. O

direito à informação, segundo Amaral deve ser “tanto mais necessário quanto maior o grau de

novidade e risco do produto em questão”.144

Sempre que houver risco à saúde e à segurança, o fornecedor está obrigado a prestar as

informações necessárias de forma ostensiva, por meio dos impressos correspondentes no caso

de produtos industriais (artigos 8º e 9º do Código de Defesa do Consumidor). Caso o

fornecedor somente tenha conhecimento da periculosidade que acompanha o produto após sua

introdução no mercado, deve realizar o devido alertamento, cumprindo ainda, ao Poder

Público, tendo conhecimento, proceder à informação, configurando-se crime a omissão de

comunicação ao Poder Público e aos consumidores quanto a esta periculosidade do produto,

bem como a omissão de dizeres ou sinais que alertem o consumidor quanto aos potenciais

riscos (artigos 63 e 64 do Código Defesa do Consumidor).

Qualquer informação veiculada através da publicidade integra os contratos de

prestação de serviço ou de compra e venda de produtos. Tais informações, constantes da

oferta publicitária, devem ser precisas em relação aos aspectos de interesse para o

consumidor, fato que vincula o fornecedor, que se obriga a não apresentar informações

144 AMARAL, Luiz Otavio O. Os transgênicos e o consumidor brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano 2, n.

6, ago. 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_

leitura&artigo_id=2115>. Acesso em: 24 nov. 2013.

86

enganosas, de maneira comissiva ou omissiva, bem como abusivas, incitando o medo, a

violência ou a superstição dos consumidores (artigos 31, 35 e 37 do Código de Defesa do

Consumidor).

Nos casos de propaganda enganosa ou abusiva, o fornecedor se obriga a veicular

contrapropaganda que esclareça os fatos. Além disso, tal prática se constitui em crime,

conforme o artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, os autores salientam que

toda publicidade deve se apresentar sob esta forma, e nunca de maneira camuflada ou

subliminar (artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor). Ainda, a veracidade da

informação, se arguida pelo consumidor, deve ser devidamente comprovada pelo seu

patrocinador, a quem incumbirá o ônus da prova, segundo o artigo 38 do Código de Defesa do

Consumidor.145

Quanto aos riscos dos alimentos transgênicos à saúde humana e sua regulamentação,

Moreira nos afirma que o Código de Defesa do Consumidor, de acordo com a orientação

constante dos artigos 1º, inciso III e artigo 5º, caput e inciso XXXII da Constituição Federal

de 1988, apresentou, em seus artigos 8º e seguintes, a proibição de que os produtos colocados

no mercado de consumo acarretem riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, com

exceção dos riscos que sejam considerados previsíveis em razão de sua natureza ou função.

Para tanto, estão os fornecedores, em qualquer hipótese, obrigados a prestar as informações

necessárias e adequadas a respeito destes riscos. Tais informações devem ser claras,

ostensivas e plenamente inteligíveis pelo homem médio, atendendo o que disciplina o

princípio da transparência, que norteia as relações de consumo.146

O debate que se apresenta atualmente reside na delimitação do percentual de OGMs

existente nos alimentos disponíveis em nossas prateleiras, geralmente produzidos a partir de

grãos importados. O “quantum” delimitado pela legislação brasileira é de 1% (Decreto

4.680/2003) de presença de transgênicos na composição total do produto, para que neste

incida a obrigatoriedade da rotulagem. Na Europa, os níveis mínimos são de 0,5 a 1%,

enquanto no Brasil as recomendações normativas anteriores ao citado Decreto estabeleciam

índices de até 4% de tolerância em relação à obrigatoriedade de se transmitir a informação ao

consumidor.

Esta interpretação extensiva da lei na regulamentação do tema, a partir da liberalidade

145 ALVIM, Arruda et al.. Código do consumidor comentado e legislação correlata. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1991, p. 28. 146 MOREIRA, Edgar. Alimentos transgênicos e proteção do consumidor. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro

Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 233-245.

87

concedida ao fornecedor do produto, contraria a regulamentação descrita no Código de Defesa

do Consumidor. O doutrinador Moreira afirma que no caso de produtos potencialmente

nocivos ou perigosos à saúde ou segurança, essas informações devem, também, de forma

ostensiva e adequada, ser específicas sobre a nocividade e periculosidade, esclarecendo quais

os riscos e os cuidados que necessitam ser tomados para evitar acidentes ou na hipótese de sua

eventual ocorrência.

Ademais, a legislação consumerista veda, expressamente, a colocação no mercado de

produtos que apresentem ou possam apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à

saúde ou segurança do consumidor, inclusive estando obrigado a retirá-lo do mercado caso

esse tipo de nocividade ou periculosidade somente seja verificado posteriormente à sua

introdução, comunicando-se às autoridades competentes e aos consumidores mediante

anúncios publicitários, convocando-os a devolverem seus produtos, e, se for o caso

submeterem-se a eventual avaliação médica (artigos 6º, I, e 10º Código de Defesa do

Consumidor).147

3.5 ÓRGÃOS REGULADORES DA ATIVIDADE DE PLANTIO DE TRANSGÊNICOS

NO BRASIL

Apesar das discussões acerca da necessidade de criação de uma agência reguladora

brasileira responsável pelos assuntos referentes à biotecnologia e biossegurança, tal fato não

ocorreu, tendo em vista que com a regulamentação definitiva da política Nacional de

Biossegurança e a edição da Lei n. 11.105/2005, a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança (CTNBio) foi mantida como órgão responsável por essas questões.

Embora a referida Comissão apresente algumas características exclusivas das agências

reguladoras, como a competência técnica exclusiva e a autonomia para decidir as questões

sobre biossegurança, bem como expedir as licenças e autorizações sobre OGMs, não

apresenta a natureza jurídica de agência reguladora.

De qualquer modo, comenta-se o modelo brasileiro de agências reguladoras e o papel

da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

147 MOREIRA, Edgar. Alimentos transgênicos e proteção do consumidor. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro

Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 233-245.

88

3.5.1 As Agências Reguladoras

Para alguns legisladores, as Agências Reguladoras são um instituto cabível e já

existente na estrutura institucional brasileira. As Agências reguladoras, juridicamente, se

enquadram como uma forma de autarquia (Decreto-lei 200, de 25.02.1967), sendo destinadas

ao desempenho da regulação num setor específico da economia, que seguem o modelo norte

americano de “agencificação” dos setores da economia.

Entretanto, para outros legisladores, no Brasil não há lei definindo o que seja agência

administrativa ou mesmo agência reguladora. Não existem parâmetros normativos genéricos,

prefixados de forma clara e precisa, a conceituar o que é uma agência administrativa. Verifica-

se que não há harmonia e uniformidade legislativa na definição desses entes, o que dificulta

seu exame e sua compreensão.

A Constituição Federal, artigo 165, parágrafo 2, emprega a expressão agência somente

ao se referir a agências financeiras oficiais de fomento e agências de instituições financeiras.

O vocábulo148

“agência” vem sendo utilizado pelo ordenamento jurídico brasileiro em

diversas acepções, o que acarreta confusão quanto à compreensão de seu significado exato. A

palavra é empregada em sentido vulgar (agência bancária, telegráfica, do correio), em sentido

específico (ANATEL, ANA, ANEEL) e também em sentido técnico indefinido (Agência

Espacial Brasileira, Agência de Águas).

Com a promulgação da Lei n. 9.649, de 27/05/1998, a denominação órgão regulador

prevista no texto constitucional (art. 21, i. XI e art. 177, § 2º, i. III) foi mantida, em relação à

ANP e à ANEEL, e foi inserida a expressão “agência executiva”, para qualificar autarquias e

fundações que tenham cumprido os requisitos previstos no artigo1º, § 1º da referida Lei. As

Agências executivas são distintas das agências reguladoras.

No Brasil, as agências reguladoras destinam-se precipuamente a regular serviços

públicos cuja execução passou a ser prestada por particulares. É imperioso ressaltar que a

função desempenhada por agências reguladoras pode ter por objeto outras atividades

econômicas. O âmbito de atuação das agências não se restringe aos serviços públicos, visto

que a atividade reguladora, exercida pelo Estado diretamente, ou por órgãos autônomos,

compreende a regulação e fiscalização das atividades econômicas em sentido amplo.

Hodiernamente, a função reguladora foi acentuada, em razão do novo papel

desempenhado pelo Estado face à ordem econômica, almejando-se uma diminuição da

148 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 236.

89

intervenção direta e uma valorização da atuação de regulação e incentivo da atividade

econômica desempenhada por particulares. Por conseguinte, o âmbito de ação das agências

reguladoras não está adstrito aos serviços públicos privatizados, mas abrange atividades

econômicas em sentido amplo.

Os objetivos imediatos das agências reguladoras estão diretamente relacionados com a

própria criação destes entes e decorrem da instituição de um novo modelo de Estado. Em

relação aos serviços públicos, pode-se concluir que o que se busca, inicialmente, é a

manutenção nas mãos do Estado, ainda que indiretamente, do controle dos serviços públicos.

Assim, as agências reguladoras são criadas para que a transferência da titularidade para a

prestação dos serviços, por meio das privatizações, não inclua o controle das atividades e no

intuito de controlar o preço, eficiência, respeito aos usuários, etc.

Deve-se destacar a existência de um elemento de ordem ideológica que acompanha o

fenômeno da introdução das agências reguladoras no direito brasileiro, consistente na busca

do exercício de competências públicas de acordo com critérios de eficiência/racionalidade

típicos da iniciativa privada. Há a transposição de um modelo “fechado” de prestação de

serviços públicos, alargando-se as fronteiras.

Neste diapasão, verifica-se que parte das atividades reguladas pelas agências é

desenvolvida sob regime de direito privado. A Lei Geral de Telecomunicações, por exemplo,

tratou inúmeros serviços como se fossem atividades econômicas privadas. Portanto, a

constituição das agências reguladoras não está somente vinculada à utilização de um

determinado instrumento para regulação dos serviços públicos, mas integra um fenômeno

bem mais amplo, que se caracteriza pela intenção de substituição do regime de direito público

pelo regime de direito privado e de desenvolvimento de um mercado privado para sua

prestação.

Neste quadro, os órgãos reguladores brasileiros que têm por objeto a regulação da

prestação de serviços públicos, visam, especificamente, a promoção da eficiência na prestação

do serviço público, justa e razoável fixação de tarifas, mas também a defesa do mercado e das

liberdades econômicas das pessoas vinculadas à prestação de atividades que até há algum

tempo eram serviços públicos. No intuito de cumprir estes escopos, as agências reguladoras

possuem competência para dirigir, regular e fiscalizar o serviço público.

Referente às atividades econômicas em sentido estrito que se submetem à fiscalização

dos entes reguladores, saliente-se que a missão das agências é regular, normatizar, controlar e

fiscalizar as atividades desenvolvidas por particulares, tendo em vista o interesse público e a

defesa dos interesses dos consumidores, almejando a manutenção da qualidade dos serviços e

90

produtos ofertados, os preços justos, o respeito aos menos privilegiados e às minorias, etc.

Os objetivos mediatos principais que podem ser atribuídos aos entes reguladores são:

a) o estabelecimento de regras gerais que definam o desempenho das atividades sob sua

tutela; b) o controle ou fiscalização de tais atividades, mesmo ex officio; c) o julgamento das

questões controversas postas ao seu encargo; d) a aplicação de medidas sancionatórias; e) a

promoção, em virtude de delegação, de licitações para a escolha do concessionário,

permissionário ou autorizativo para prestar o serviço em questão (quando se tratar de serviço

público); f) a divulgação pública dos serviços por eles regulados e seus meios de controle.

Tendo em vista as funções das agências, pode-se chegar a algumas conclusões quanto

à sua natureza jurídica149

:

1) são entes reguladores, ou seja, atribui-se um gama de competências que tornam as

agências aptas a definir o regime legal específico de determinado feixe de atividades. Tal se

dá de forma imediata (mediante a positivação de regras) e mediata (por meio da aplicação

executiva de regras preexistentes);

2) são entes que promovem e firmam as contratações administrativas pertinentes à sua

atividade. Ou seja, detêm competência administrativa para outorgar (mediante licitações e

contratos) o exercício de atividades (serviços públicos) a terceiros.

3) são entes fiscalizadores, no sentido de que controlam o cumprimento dos contratos

administrativos e a execução de serviços outorgados a terceiros ou de atividades econômicas

em sentido estrito;

4) são entes com competência sancionatória, pois podem punir, aplicando sanções

àqueles que descumprirem as normas vinculadas aos serviços ou atividades econômicas;

5) são entes que mantêm contato direto com o usuário dos serviços (ou atividade

econômica) a eles vinculados, exercendo papel de ouvidor de reclamações e denúncias,

proporcionando a arbitragem de conflitos, bem como possibilitando a participação dos

usuários ou consumidores a audiências públicas.

Segundo estes componentes da natureza jurídica das agências reguladoras, pode-se

concluir que são pessoas jurídicas de Direito Público, com estrutura formal autárquica e

competência para regulamentar, contratar, fiscalizar, aplicar sanções e atender aos reclamos

dos usuários/consumidores de determinado serviço público ou atividade econômica.

149 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 235-236.

91

3.5.2 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)

A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar, criada através da lei nº 11.105,

de 24 de março de 2005, cuja finalidade é prestar apoio técnico consultivo e assessoramento

ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de

Biossegurança relativa a OGM, bem como no estabelecimento de normas técnicas de

segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e

do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo,

manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de

OGM e derivados.150

O artigo 11 da Lei de Biossegurança estabelece a composição dos membros titulares e

suplentes da CTNBio, que serão designados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, entre as

seguintes autoridades: 12 especialistas de notório saber científico e técnico e que estejam

exercendo atividades nos segmentos da biotecnologia e biossegurança, sendo que entre eles,

obrigatoriamente, três deverão atuar em saúde humana, três na área animal, três na área

vegetal e, finalmente, três que atuem na área ambiental.

Além destes, a Comissão contará com um representante de cada um dos seguintes

Ministérios: da Ciência e Tecnologia, da Saúde, do Meio Ambiente,da Educação e das

Relações Exteriores, que serão indicados pelos respectivos titulares de cada uma destas

pastas. Ainda, um representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A

Comissão também deverá ser composta por um representante de órgão legalmente consttuído

de defesa do consumidor, de um representante de associação legalmente constituída, que

represente o setor empresarial de biotecnologia e, por fim, um representante, de órgão

legalmente constituído, de proteção à saúde do trabalhador. Portanto, no total, a CTNBio

conta com 27 representantes.

Por força do Decreto nº 1.754/95, a CTNBio esteve, desde sua criação, subordinada

jurídica, política e fisicamente ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A multidisciplinaridade

do colegiado tem por objetivo reunir, em sua composição, representantes e estudiosos de

diversas áreas da administração e do conhecimento, suscitando o debate e a reflexão a partir

de uma noção de conjunto, fazendo aflorar aspectos importantes com o objetivo de aumentar a

proteção da saúde humana, animal, vegetal e do meio ambiente, conforme determina o

parágrafo único, do artigo 10º, da aludida lei.

150 BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Portal. Disponível em: <http://www.ctnbio.gov.br/>.

Acesso em: 24 nov. 2013.

92

Dentro da competência atribuída à CTNBio está a elaboração de parecer técnico

prévio conclusivo, após análise caso a caso das solicitações que lhe são encaminhadas. A

elaboração de parecer técnico prévio conclusivo pela CTNBio é regulada pela Lei nº

11.105/2005 , Decreto nº 1.752/95, Regimento Interno da CTNBio, além dos procedimentos

estabelecidos nas Instruções Normativas. De acordo com esses procedimentos, o pedido de

liberação de OGMs no meio ambiente é distribuído às Comissões Setoriais Específicas da

área da Saúde, Vegetal, Animal e Ambiental, que emitem pareceres técnicos nas áreas de sua

competência, determinando os critérios e recomendações para a sua liberação ou a

indeferindo.

Cabe ao solicitante o ônus de demonstrar a biossegurança do OGM, fornecendo todos

os dados necessários para a avaliação da CTNBio, podendo a Comissão exigir informações e

testes adicionais.

De acordo com os parágrafos 1º e 2º, do art. 14, da Lei de Biossegurança, o Parecer

Técnico Conclusivo é vinculado a todos os atos administrativos posteriores dos Ministérios,

seja quanto ao registro e fiscalização e também à segurança ambiental e alimentar dos

organismos geneticamente modificados.

Estabelece, ainda, o inciso II do art. 2º do Decreto nº 1.752/95, que é competência

ampla da CTNBio “acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico na

biossegurança e em áreas afins, objetivando a segurança dos consumidores e da população em

geral, com permanente cuidado à proteção do meio ambiente”.

3.6 A PRODUÇÃO ILEGAL DE VEGETAIS TRANSGÊNICOS NO BRASIL

O surto de vegetais transgênicos produzidos ilegalmente no Brasil teve início, em

grande escala, com a soja "RR", resistente ao herbicida "glifosato" da empresa Monsanto.

Esse material teve o pedido de registro para uso comercial no Brasil em 1998. Quando houve

a liberação dessa soja transgênica o IDEC entrou com uma ação na justiça questionando entre

outras coisas a existência da CTNBio que não tinha sua criação em Lei.

Para resolver o problema foi editada às pressas a Medida Provisória 2.191-9/2001,

restando como principal entrave para a liberação da soja RR o fato de sua autorização para

uso comercial ter se dado sem a exigência do Relatório de Impacto Ambiental. A decisão

judicial suspendendo a autorização do plantio da soja frustrou a expectativa do setor

agroprodutivo que ansiava pela liberação da tecnologia. Ao mesmo tempo muitos outros

países como a Argentina e EUA o plantio comercial já estava liberado e apresentando

93

resultados econômicos bastante vantajosos para o agricultor, haja vista à facilidade e baixo

custo para o controle de ervas daninhas da lavoura.

Segundo James151

, “em 1998 quando se tentava aprovar a liberação do primeiro

transgênico no Brasil, só os EUA já possuíam uma área plantada de mais de vinte milhões de

hectares.” O mesmo autor apresenta dados de um estudo realizado no ano de 2002, onde

mostra que 73% dos produtos agrícolas transgênicos estavam localizados nos países

desenvolvidos e apenas 23% nos países em desenvolvimento. Essa restrição tecnológica serve

para reduzir a competitividade do agronegócio brasileiro que tem que disputar mercado em

países com custo de produção mais reduzido.

É interessante ressaltar que os países contrários ao uso da tecnologia como, por

exemplo, a União Europeia, são justamente os que não possuem uma agricultura competitiva

e praticam pesados subsídios para a agricultura. Essa falta de competitividade irá aumentar

ainda mais à medida que novas técnicas de cultivo forem adotadas.

Mesmo sendo uma tecnologia de uso comercial proibido o plantio da soja transgênica,

em pouco tempo, se alastrou pela maior parte das áreas produtoras do país, chegando o Estado

do Rio Grande do Sul a ter, antes da liberação da soja OGM, uma área plantada com esse

material maior que a área de soja convencional.

Apesar das constantes apreensões e autuações realizadas pela fiscalização, safra após

safra, eram editadas medidas provisórias que anistiavam os infratores e liberava a

comercialização do produto geneticamente modificado, plantado ilegalmente, criando uma

situação de instabilidade e descrédito às rígidas imposições da legislação que, se fossem

cumpridas, impunha a destruição de lavouras e produtos não autorizados. Essa situação

conturbada persistiu até 2005 quando a Lei 11.105/2005 autorizou, definitivamente, o plantio

da soja geneticamente modificada resistente ao herbicida "glifosato" produzido pela empresa

Monsanto. É interessante observar que essa mesma característica já foi introduzida em outras

espécies vegetais como o milho e o algodão, que também passaram a ter resistência ao mesmo

produto.

O processo de liberação para uso comercial de um material de plantio geneticamente

modificado é sem dúvida muito complexo, envolvendo interesses diversos e muitas vezes

conflitantes, tanto no setor público como no setor privado. De um lado o Ministério da

Agricultura, procurando fomentar o setor agroprodutivo, aliado a empresas públicas de alta

tecnologia como a sua vinculada Embrapa, veem nessa tecnologia uma ferramenta

151 JAMES, C. Preview: global status of commercialized transgenic crops: 2002: ISAAA Briefs, n. 27. Ithaca,

NY: ISAAA, 2002.

94

indispensável para o aumento da produtividade e redução dos custos de produção, além de

outras vantagens como a possibilidade da obtenção de alimentos com maior valor nutricional,

resistentes às diversidades climáticas, etc.

A própria iniciativa privada trava, paralelamente, uma acirrada briga, onde empresas

que avançaram em pesquisa e tecnologia e, assim, obtiveram materiais OGM com alto valor

comercial, se contrapõem àquelas que serão diretamente prejudicadas com a redução da

utilização dos defensivos, principalmente herbicidas e inseticidas.

Para a liberação comercial de uma semente transgênica, o material é submetido a uma

série de testes e avaliações que vão desde o início nas pesquisas de laboratório, passando pela

liberação planejada e após todos os resultados favoráveis o pedido é ainda submetido à

votação na CTNBio. Em vista das dificuldades para conseguir os dois terços dos votos dos

membros da Comissão que eram necessários para a aprovação do uso comercial de

transgênicos, a grande pressão por parte das empresas que desenvolvem a tecnologia e a

classe produtiva interessada na liberação comercial de novos produtos, levou o poder

executivo a editar em 01/11/2006, medida provisória alterando para "Maioria absoluta" e não

mais dois terços, o número de votos necessários para a liberação definitiva do uso comercial

de OGM.

É interessante ressaltar que essa mesma medida provisória 327/2006, quando da

aprovação pelo Congresso Nacional, recebeu emenda que propunha a liberação de todo o

algodão geneticamente modificado apreendido pela fiscalização na safra 2005/2006,

seguindo, assim, o mesmo roteiro do que aconteceu com a soja "RR" no período que

antecedeu sua liberação comercial.

Em decisão que surpreendeu a maioria dos interessados na liberação do algodão OGM

aprendido, o Presidente da República vetou parcialmente a medida provisória, não

concedendo a tão esperada liberação, alegando nas ‘razões do veto’, que isso iria se constituir

perigoso precedente para a atividade de controle de OGM não autorizado e, ainda, que sua

aprovação seria interpretada como flexibilização do Poder Executivo para as atividades

irregulares de OGM. Ao tomar essa decisão o governo sinalizou com um rumo totalmente

diferente do adotado com a soja RR, jogando um “balde de água fria” nos ânimos dos que

apostavam na manutenção da conduta.

Após a liberação para uso comercial de novos eventos transgênicos, estes deverão ser

incorporados às cultivares adaptadas aos locais onde serão plantadas para que possam ser

registradas no RNC. A relação dos materiais de cultivo liberados está disponibilizada para

consulta na internet, na página oficial do MAPA e da CTNBio.

95

As liberações comerciais tiveram início pela soja RR em 2005, cuja autorização

definitiva está no texto da Lei 11.105/2005. Em 2006 não ocorreram liberações comerciais; no

final de 2006 foi alterado o quórum da CTNBio de 2/3 para maioria absoluta e, nos anos

seguintes, ocorreram várias liberações.

Após a autorização pela CTNBio o cultivo passa a ser totalmente liberado, observadas

as restrições que venham a ser expressamente impostas pela Comissão, como proibição de

cultivo em determinadas regiões, distanciamento de culturas convencionais, etc.

Além do material liberado para cultivo, diversos outros estão autorizados para a

chamada “liberação planejada” que é realizada sob a responsabilidade da empresa de

pesquisa, em local previamente autorizado e deve seguir rigorosamente as determinações do

Parecer da CTNBio. A fiscalização dos experimentos é realizada diretamente pelos fiscais do

Ministério da Agricultura, que mantém informada a CTNBio de qualquer ocorrência.

Segundo Silveira “a primeira lei de patentes que contemplou a proteção intelectual de

plantas no Brasil se deu em 1945 quando o então presidente Getúlio Vargas mandou elaborar

um código de propriedade industrial que foi nesse mesmo ano instituído por decreto.”152

O

texto legal dizia que a proteção da propriedade industrial se efetivava mediante a concessão

de patente de invenção, de modelos de utilidade de desenhos, ou modelos industriais e

variedades de novas plantas. No entanto, o mesmo texto, determinava que a proteção

intelectual de variedades de novas plantas dependeria de regulamentação especial.

Ainda segundo Silveira, no início dos anos 90, acirrou-se a discussão sobre a

necessidade da uniformização da aplicação das normas de proteção intelectual a nível

mundial. Como resultado, em 1995, entra em vigor o Tratado de Marrakesh, do qual o Brasil é

signatário, que cria a Organização Mundial do Comércio e, ainda o conhecido como Trade

Related Intelectual Property Rights (TRIPS), que tem como objetivo a uniformização da

proteção intelectual entre os países, buscando, assim, evitar a concorrência desleal pelo não

pagamento de royalties por alguns países. Com a ratificação do TRIPS pelo Brasil, o país se

comprometeu a proteger as variedades vegetais, seja pelo sistema de patentes ou por outro

sistema.

Conforme Toledo,

[...] em janeiro de 1996 foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº.

1.457/96 que determinava que a proteção das variedades vegetais que ficaram

excluídas da Lei de Propriedade Industrial fossem protegidas por um sistema sui

152 SILVEIRA, Newton. Transgênicos no Brasil: aspectos regulatórios. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL.

TRANSGÊNICOS NO BRASIL, 1., São Paulo, 2003. Anais… São Paulo: USP, 2003, p. 119-121.

96

generis, resultando na promulgação e vigência da Lei 9.456/97 (Lei de Proteção de

Cultivares), aprovada em 28/04/97.153

A execução dos trabalhos ficou a cargo do Ministério da Agricultura, através do

Serviço Nacional de Proteção de Cultivares que concede o registro ao proprietário dos direitos

intelectuais pelo desenvolvimento e/ou descoberta da planta. Para a proteção intelectual de

OGM’s aplica-se a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) visto que o se está protegendo

não é uma cultivar, mas um processo tecnológico que insere determinadas modificações na

planta e/ou um determinado gene isolado. Essa característica do OGM pode ser utilizada para

a modificação de diversas culturas e, até mesmo, espécies vegetais distintas.

A demanda pelo material a ser plantado busca em primeiro lugar algo que seja

adaptado à região de cultivo e que seja oficialmente recomendado, ou seja: o plantio de uma

variedade de soja recomendado para a região sul pode não ser produtiva, quando plantada na

região centro-oeste. Com isso as empresas que detém a tecnologia de um determinado OGM

que tenha sido liberado para plantio terá que inserir essas características em uma cultivar

adaptada à região onde será cultivada.

Caso não tenha esse material, terá que se associar ou pagar royalties a quem seja

detentor de uma cultivar produtiva que receberá a carga genética que contenha as

características transgênicas de interesse.

Conforme Penteado, “os royalties pela utilização do OGM é feito diretamente pelo

produtor ao adquirir a semente, já os royalties pela utilização de uma cultivar protegida é pago

pelo ‘produtor’ da semente.”154

Ressalte-se, ainda, que todo produtor que comprar as

sementes e adotar a produção de algum OGM fica obrigado a pagar os royalties a quem tem

direito, o detentor do registro, além de subordinar-se a qualquer outro método ou condição

imposta de técnica de cultivo ou manejamento do organismo.

Quando se trata de material de cultivo que tenha sido objeto de modificação genética

(OGM), além de todo o processo de liberação perante a CTNBio, ainda esse material terá que

passar pelo processo de registro de sementes ou mudas perante o órgão competente do

Ministério da Agricultura de forma a atender as exigências da Lei n. 9456, de 25 de abril de

1997 (Lei de Proteção de Cultivares). Conforme essa lei, a utilização pelo produtor de

sementes, de uma cultivar protegida, só poderá ser feita mediante autorização prévia do

153 TOLEDO, Simone Seghese de. Organismos geneticamente modificados e a proteção dos direitos de

propriedade intelectual no Brasil. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/ propried_intelectual_simone_seghese_de_toledo.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2013. 154 PENTEADO, Maria Isabel de Oliveira. Patentes em biotecnologia no Brasil. Disponível em:

<http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans15.htm>. Acesso em: 23 nov. 2013.

97

criador da cultivar, que poderá ou não exigir o pagamento de “royalties” pela sua exploração

comercial.

Após a aprovação do evento transgênico pela CTNBio o detentor dessa tecnologia fará

sua incorporação em um cultivar adequado às condições locais e dará início ao processo de

registro de cultivares que contenham o OGM específico no Serviço Nacional de Proteção de

Cultivares no Ministério da Agricultura. Somente após a aprovação desse registro poderão ser

inscritos os campos de produção de sementes para produção comercial.

3.7 ROTULAGEM OBRIGATÓRIA DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS

A rotulagem de produtos que contenham OGMs é aceita por quase todos os Membros

da OMC, embora não haja consenso internacional sobre as regras para rotulagem desses

produtos. Seja como for, é certo que as autoridades dos países, em sua maioria, adotam a

rotulagem obrigatória, exceto os Estados Unidos.

A União Europeia, diferentemente dos Estados Unidos, determina que os gêneros

alimentícios transgênicos sejam rotulados, independentemente de sua equivalência

substancial, aplicando, dessa forma, como já mencionado, o princípio da precaução.155

Na União Europeia onde a preocupação com a rotulação dos alimentos contendo

OGM é mais acentuada, estabeleceu-se a Diretiva 2001/18/CE, que regulamentou a colocação

de OGMs no mercado, baseado na valorização dos riscos ao meio ambiente e à saúde do

consumidor, o monitoramento dos efeitos após a introdução no mercado, a necessidade de

rotulação e a aplicação do procedimento para o rastreamento. Outrossim, percebe-se que as

exigências da rotulagem não serão aplicáveis aos alimentos contendo vestígios de OGM numa

proporção não superior a 0,9% dos ingredientes que o compõem, desde que a presença seja

acidental ou tecnicamente inevitável.

Nos Estados Unidos, que possuem a maior área cultivada de plantas geneticamente

modificadas do mundo, os produtos derivados da biotecnologia são aprovados

comercialmente por agências administrativas governamentais, com destaque para a APHIS

(Animal an Plant Health Ispection Service), a EPA (Environmental Protetion Agency) e a

FDA (Food and Drug Administration).

A FDA é o órgão governamental encarregado de fiscalizar a produção e a

comercialização de alimentos, que deixa à critério da empresa mencionar no rótulo do

155 PENTEADO, Maria Isabel de Oliveira. Patentes em biotecnologia no Brasil. Disponível em:

<http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans15.htm>. Acesso em: 23 nov. 2013.

98

alimento a existência de organismo geneticamente modificado na composição do produto,

visto que nos Estados Unidos a rotulagem é voluntária.

Entretanto, A FDA realiza a análise do produto (alimento) antes da aprovação para o

consumo, mediante o monitoramento de uma série de fatores como nutrição, segurança,

potencial alergênico e toxicidade, atuando diretamente junto às empresas de alimentos,

ajudando-as a avaliar a segurança de suas matérias-primas, garantindo a ausência de riscos

para o consumo de seus produtos finais.156

A FDA exige que os alimentos derivados de biotecnologia deverão ser rotulados se a

composição ou o valor nutricional do produto possuir uma diferença significante em

comparação ao seu similar convencional ou se apresentar risco à saúde, exigindo também a

rotulagem se o alimento contendo OGM possuir material genético derivado de substâncias

alergênicas. Desse modo, verifica-se que os parâmetros fundamentados no princípio da

equivalência substancial são utilizados para exigir a rotulagem. Assim, se o alimento

geneticamente modificado não for diferente do convencional, a rotulagem não é obrigatória.

Os Estados Unidos criticam a rotulagem obrigatória de alimentos geneticamente

modificados, sobretudo na União Europeia, como sendo nada mais que proteção ao comércio

internacional de competição estrangeira.

Em novembro de 2012, os eleitores da Califórnia realizaram um plebiscito sobre a

obrigatoriedade da rotulagem em alimentos geneticamente modificados, conhecido como

Proposta 37 (Proposition 37), cuja lei exigiria a rotulagem obrigatória de alimentos contendo

OGMs nos Estados Unidos, começando a vigorar em 2014.

A Proposta 37 estabelecia, dentre outros medidas, que o nível de tolerância de OGM

na composição dos alimentos fosse de 0,5% do peso final do produto que, segundo os

opositores, é o nível limiar mais rigoroso para vestígios de OGM em qualquer esquema

internacional de rotulagem obrigatória, incluindo o da União Europeia (EU) onde o vestígio é

de 0.9% para presença acidental de OGM.157

Várias multinacionais, como a Coca-Cola, PepsiCo, General Mills, Monsanto e

DuPont, investiram pesado para derrotar a Proposta 37 na Califórnia.

Os defensores argumentavam que a Proposta 37 daria o direito as pessoas de saberem

o que está presente nos alimentos que comem e dão aos seus familiares, para que possam

156 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 239 157

CARTER, C.A. GRUÈRE, P. McLaughlin and M. MacLachlan. 2012. California’s Proposition 37: Effects of

Mandatory Labeling of GM Food. ARE Update 15(6): 3-8. University of California Giannini Foundation of

Agricultural Economics. p. 03

99

escolher se querem comprar esses produtos ou não.

Os opositores, por outro lado, alegavam que os requisitos exigidos para rotulagem iria

aumentar os custos do Estado em mais de US$ 1 milhão por ano.

A Proposta 37, enfim, foi rejeitada pelos californianos por 51,4% contra 48,5%, no dia

06 de novembro de 2012.158

No Brasil, além do Código de Defesa do Consumidor, que será abordado no item

seguinte, a Lei de Biossegurança, dispõe em seu artigo 40 que “os alimentos e ingredientes

alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou foram produzidos a

partir de OGM ou derivados deverão conter a informação nesse sentido em seus rótulos,

conforme regulamento.”

Também o Decreto 4.680, de 24 de abril de 2003, determina em seu art. 2º que o

consumidor deverá ser informado sempre que o produto contenha ou seja produzido a partir

de OGM, com presença acima do limite de 1% do produto.

Além disso, tanto nos produtos embalados como nos vendidos à granel ou in natura,

prevê o § 1º, do art. 2º do referido decreto, que o rótulo da embalagem ou do recipiente em

que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o

símbolo, uma das seguintes expressões: ‘(nome do produto) transgênico’, ‘contém (nome do

ingrediente ou ingredientes) transgênicos(s)’ ou 'produto produzido a partir de (nome do

produto) transgênico’.

Pela regra do mencionado dispositivo acima, o rótulo deve conter ainda o símbolo que

indica a presença de transgênico, a fim de facilitar a visualização do consumidor.

Diante disso, a Portaria n. 2.658, de 22 de dezembro de 2003, do Ministério da Justiça,

o símbolo consiste em um triangulo com a letra “T” em seu interior na cor preta e o seu fundo

interno na cor amarela.159

A seguir a figura que apresenta este símbolo:

158 CALIFORNIA Proposition 37. Mandatory Labeling of Genetically Engineered Food (2012). Disponível em:

<http://ballotpedia.org/California_Proposition_37,_Mandatory_Labeling_of_Genetically_Engineered_Food_(20

12)>. Acesso em: 24 fev. 2014. 159

BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria nº 2658, de 22 de dezembro de 2003. Definir o símbolo de que trata

o art. 2º, § 1º, do Decreto 4.680, de 24 de abril de 2003, na forma do anexo à presente portaria. Disponível em:

<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/1e3d43804ac0319e9644bfa337abae9d/Portaria_2685_de_22_de

_dezembro_de_2003.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 24 nov. 2013.

100

Figura 1 – Símbolo que indica a presença de transgênico

Fonte: Brasil. Portaria nº 2658, 22/12/2003.

Desse modo, é certo que o Brasil, assim como muitos outros países, adotou um

sistema de rotulagem bastante abrangente para os produtos que contenham, ou seja,

produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, assegurando aos consumidores

o direito a informação, assegurado constitucionalmente.

Não obstante a vasta gama de normas jurídicas no tocante a obrigatoriedade de

informar ao consumidor sobre os produtos contendo OGM, o que se vê é que demorou alguns

anos para esta legislação ser cumprida, o que restou efetivamente atendido após decisões

judiciais neste sentido, sendo a primeira delas em desfavor das empresas Bunge Alimentos160

,

que foi obrigada judicialmente à rotulagem de produtos alimentícios transgênicos, adequando-

os à legislação federal.

160

BRASIL. Justiça Federal de Primeira Instância. Seção Judiciária do Piauí, 3ª Vara. Ação Civil Pública nº 2007.40.00.000471-6. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: União e Bunge Alimentos S/A.

Julgador: juiz federal Régis de Souza Araújo. Terezinha, 02 fev. 2010. Disponível em:

<http://www.prpi.mpf.mp.br/www/arquivos/acp/ACP-Transgenicos.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2013.

101

4 UMA ANÁLISE DO SISTEMA OMC EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS

FITOSSANITÁRIAS E SUA APLICAÇÃO AOS TRANSGÊNICOS

O insucesso da política econômica implementada no pós-guerra e os trágicos

resultados advindos da adoção da política de indenização injusta imposta aos países

perdedores da 1ª Guerra Mundial, motivos para a ocorrência do segundo conflito, confluíram

para a adoção de um novo modelo econômico internacional. Neste contexto, surge a

Organização Mundial do Comércio.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma organização internacional, uma

pessoa jurídica que se forma a partir de uma associação permanente de Estados, com objetivos

lícitos, dotada de órgãos administrativos próprios, cujas atribuições e propósito sejam

destacados das pessoas que a compõem e que tenha poderes legais exercitáveis no plano

internacional.

O principal escopo da OMC é o de facilitar a liberalização do comércio, por meio do

estabelecimento de um fórum permanente de discussão e deliberação161

, um conjunto de

normas para o comércio internacional e um sistema de solução de controvérsias.

Por objetivar a promoção da liberalização do comércio internacional, a OMC encontra

justificativa para a sua existência na teoria que vincula liberalização comercial e

desenvolvimento. Para melhor compreender essa afirmativa, é útil descrever, ainda que

resumidamente, algumas das teorias que correlacionam comércio internacional e

desenvolvimento, bem como delinear a história da criação da OMC.

No presente capítulo serão estabelecidas algumas premissas sobre o comércio

internacional e sua importância para o desenvolvimento das economias, características da

OMC, e aspectos destacados de suas normas com destaque às medidas fitossanitárias.

4.1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO

O comércio internacional pode ser compreendido, ou justificado, de diversas maneiras.

Uma delas é a teoria das vantagens absolutas, segundo a qual o comércio internacional se

justifica pelas diferentes facilidades de cada país em produzir um determinado conjunto de

produtos, sendo mais vantajoso adquirir pelo comércio os demais.162

Clima, características do

161

WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Understanding the WTO. 3rd

Genebra: WTO, 2003. 162 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International business and multinational enterprises. 3rd ed.

Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 33-34.

102

solo, disponibilidade de recursos naturais, qualificação da mão de obra e tecnologia

disponível estariam entre os fatores determinantes das vantagens absolutas.163

Outro importante argumento em favor do comércio internacional é o desenvolvido por

Brue164

, como teoria das vantagens comparativas, cuja principal inovação foi a de propor que

mesmo na hipótese em que dois países tenham facilidade na produção das mesmas

mercadorias, o comércio internacional entre eles poderá ser vantajoso a ambos. Ricardo

baseou sua teoria num exemplo com a produção de tecido e de vinho por Portugal e

Inglaterra, procurando demonstrar que, embora os dois países tivessem inclinações naturais

(vantagens absolutas) para a produção de ambas as mercadorias, seria mais vantajosa a

solução que apresentasse a melhor relação entre “unidades de trabalho” (com o que se refere à

uma hora trabalhada por um trabalhador), caso em que caberia à Inglaterra a especialização

em tecido, a Portugal em vinho.

Krugman e Obstfeld relatam que a teoria das vantagens comparativas foi mais

recentemente desenvolvida e explicada a partir da ideia de “custo de oportunidade”, que se

traduz na racionalidade econômica da alocação de recursos, que são naturalmente

limitados.165

Exemplificam essa ideia com a afirmativa de que, conquanto os EUA tenham o

potencial para cultivar rosas que possam ser colhidas em fevereiro, a fim de suprirem a

demanda do Dia dos Namorados, é mais vantajoso importá-las, enquanto os recursos

produtivos nacionais estão investidos na produção de outras mercadorias, como

computadores.

Outra abordagem para a explicação do comércio internacional encontra seu foco não

na ideia de crescimento econômico nacional, mas sim no comportamento empresarial, a partir

da noção de que o desenvolvimento de uma empresa se inicia normalmente em âmbito local,

para depois crescer ao regional, nacional e, eventualmente, internacional, o que se pode

justificar por diversas circunstâncias, entre elas a busca de mercados e facilidade apresentada

em outros países para a comercialização de seu produto.166

O tema das explicações do comércio internacional é controvertido na literatura

especializada, podendo-se afirmar que os economistas, como comunidade científica, não

abraçaram qualquer teoria explicativa como sendo a definitivamente mais completa ou

163 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International businessand multinational enterprises. 3rd ed.

Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 34. 164

BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. São Paulo: Thompson, 2006, p. 116-117. 165 KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice. Economia internacional: teoria e prática. 6. ed. São Paulo:

Pearson Addison Wesley, 2005, p. 7-8. 166 ROBOCK; SIMMONDS, op. cit., p. 41.

103

correta.167

Quando se tem em mente a diversidade de opiniões relativas à explicação para o

comércio internacional, é fácil imaginar que a relação entre comércio internacional e

desenvolvimento será igualmente uma questão controvertida. E de fato é assim, mas também

em razão da diversidade de opiniões sobre o próprio conceito de desenvolvimento.

Barral anota que o conceito de desenvolvimento vem sofrendo diversas mudanças ao

longo da história, sendo ora associado ao poder político-militar, ora ao crescimento

econômico.168

Assim, no século XVI, pensava-se o desenvolvimento nacional como um

agregado de poder militar, posse de colônias e acumulação de metais preciosos. Essa

concepção, vinculada à ideia de poder na Roma Antiga, foi transformada a partir da influência

do pensamento liberal, que deslocou o centro da ideia de desenvolvimento para o poder

econômico, em especial aquele gerado pela especialização do trabalho e do comércio.

Já no século XX, a partir do pensamento de Keynes, o conceito de desenvolvimento se

afastaria um pouco da ideia de poder, de Estado, para vincular-se a bem-estar, ou seja, ao lado

da grandeza econômica, a sua transformação em benefício social.169

Furtado170

teria sido um importante autor na inserção de elementos não econômicos na

ideia de desenvolvimento, cuidando da interferência de relações de poder entre economias

nacionais, no que designou de ‘estrutura dualista’, em que certos países ocupavam a posição

de economias dependentes. Para Furtado, o desenvolvimento econômico de países

dependentes estaria condicionado à intervenção estatal para favorecer o setor de serviços e o

da indústria de transformação, o que ocasionaria um aumento da classe média, com

importantes reflexos para a organização política e jurídica daquele país.

Nesse contexto teórico é que se insere a OMC, uma instituição que visa a

regulamentar a liberalização do comércio internacional, o que poderá ser analisado

criticamente de diversas maneiras, conforme a compreensão que se tenha de comércio

internacional, de desenvolvimento e da relação entre ambos.

A instituição tem raízes remotas nos acordos sobre comércio internacional firmados no

final do século XIX, mas sua origem está mais intimamente relacionada com o acordo

comercial conhecido como GATT, um tratado internacional firmado no período pós Segunda

167 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International businessand multinational enterprises. 3rd ed.

Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 49. 168 BARRAL, Welber. Direito e desenvolvimento: um modelo de análise. In: ______ (Org.). Direito e

desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimentismo. São Paulo: Singular, 2005, p. 32-34. 169 Id., Ibid., p. 35. 170 Id., Ibid., p. 37.

104

Guerra.

Na rodada de negociações do GATT iniciada no Uruguai, decidiu-se pela criação de

uma organização internacional, que se denominou Organização Mundial do Comércio

(OMC). Jackson considera a concretização da OMC foi um fato importante no processo

recente de integração comercial e interdependência econômica entre os seus países-

membros171

.

Capra avalia que a OMC é uma instituição que representa promessas não cumpridas,

tendo colaborado para a criação de normas que produzem diversas consequências negativas,

como a desintegração social, a quebra do processo democrático e uma mais rápida

deterioração do meio ambiente.172

4.2 BARREIRAS NÃO-TARIFÁRIAS E O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE

ALIMENTOS

O comércio de alimentos é sensível a barreiras não-tarifárias, particularmente aquelas

destinadas à proteção da saúde. A sua regulação é um tema que se insere na discussão sobre a

relação entre desenvolvimento, comércio e meio ambiente. O assunto naturalmente assume

relevância, por diversos motivos. Em primeiro, cuida da básica necessidade de nutrição

humana, seja diretamente, seja pela alimentação de animais que venham a ser abatidos e

transformados em alimentos.

Além disso, envolve a agricultura e a pecuária que são comumente relacionadas com o

nível de desenvolvimento econômico de um país: questões como distribuição de terra,

reforma agrária, agriculturas extensiva e intensiva, são comumente apontadas como fatores

importantes na avaliação do desenvolvimento. Sachs, por exemplo, considera que um dos

primeiros e mais urgentes problemas econômicos no continente africano é a deficiência na

produção agrícola.173

A superação dessa deficiência, a seu ver, é o primeiro obstáculo a ser

enfrentado para que o continente escape de um ciclo vicioso de pobreza.

O mercado agrícola movimenta uma substancial quantidade de recursos financeiros e

os proprietários de grandes indústrias alimentícias exercem significativa pressão sobre

políticas nacionais, bem como sobre a criação de normas internacionais que possam

171 JACKSON, John H. Sovereignty: the world trading system: law and policy of international economic

relations. 2nd Cambridge: MIT, 1997, p. 48. 172

CAPRA, Fritjof. The hidden connections: a science for sustainable living. New York: Anchor Books, 2002, p. 129. 173 SACHS, I. A riqueza de todos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 283, 287.

105

influenciar o comércio de alimentos. Em âmbito nacional, a Administração pode ceder à

pressão dos produtores nacionais para proteger os seus interesses ou simplesmente para

aumentar a sua arrecadação por meio da instituição de tarifas.

Encontra-se, também, a preocupação com os efeitos ecológicos do método de

produção agrícola. Capra denuncia a degradação ambiental causada pela chamada “revolução

verde”, em que investimento maciço em tecnologia resultou no aumento da produtividade de

grandes plantações, mas, a seu sentir, a um custo ambiental que anulou os seus resultados

positivos.174

Nesse diapasão, quando se analisa um caso relativo à segurança alimentar ou

ambiental de um determinado produto, todo esse universo de fatores é trazido à discussão.

Uma política para o setor agrícola poderá ter importante repercussão para a rentabilidade dos

seus fazendeiros, para a distribuição de renda, para a arrecadação de impostos, para o preço

do produto aos consumidores finais, para a saúde humana, para o meio ambiente.

Quando da criação da OMC, foi negociado um Acordo para a Agricultura, que teria

representado pouco progresso imediato, mas poderia favorecer a liberalização do setor no

longo prazo.175

As medidas sanitárias e fitossanitárias devem se basear em uma avaliação que

considere técnicas de avaliação de risco desenvolvidas por relevantes organizações

internacionais. Parte da literatura especializada sustenta que os países-membros da OMC

teriam o dever de conformar a sua legislação interna aos padrões internacionais firmados por

essas organizações.176

O art. 3º do Acordo SPS estabelece como meta a harmonização de normas ambientais

e orienta a adoção de padrões criados por três organizações internacionais. A primeira delas é

a Comissão do Codex Alimentarius177

, criada em 1963, vinculada à FAO e à OMS, que tem

por escopo o desenvolvimento de padrões sanitários para a alimentação. Lima178

ressalta que,

no sistema do Acordo SPS, os padrões do Codex são um referencial aos países-membros e

que qualquer medida adotada com base nesses padrões será presumidamente legítima, não

174 CAPRA, Fritjof. The hidden connections: a science for sustainable living. New York: Anchor Books, 2002, p.

186. 175 JACKSON, John H. Sovereignty: the world trading system: law and policy of international economic

relations. 2nd Cambridge: MIT, 1997, p. 314. 176 SILVA, Lígia Dutra. Agricultura e meio ambiente na mesa de negociações da Organização Mundial do

Comércio: os novos instrumentos jurídicos para manutenção das desigualdades. 2008. 169 f. Dissertação

(Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, 2008, p. 49. 177 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O princípio da precaução no comércio multilateral. Revista Sequência.

Florianópolis, n. 47, dez. 2003, p. 141. 178 Id., Ibid., p. 142.

106

sendo, entretanto, compulsória a sua adoção. O segundo padrão seria estabelecido pelo o

Escritório Internacional de Epizootias, uma organização internacional criada em 1924 visando

regulamentar medidas de proteção para a fauna, considerando com especial atenção às

consequências do transporte de animais a um habitat no qual não haja, ou sejam incomuns,

espécimes da mesma espécie.179

O terceiro padrão internacional é o estabelecido por um órgão da FAO, criado pela

Convenção Internacional de Proteção das Plantas (CIPP), tratado multilateral celebrado em

1951345, cujo escopo é o de desenvolver padrões internacionais para medidas

fitossanitárias.180

O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias dispõe, nos parágrafos de seu art.

5.º, que (parágrafo 1.º350) as normas sanitárias ou fitossanitárias que restringirem o comércio

internacional deverão ser baseadas em “avaliação” (assessment) dos riscos à saúde ou vida

humana, animal e vegetal, levando-se em consideração as técnicas de avaliação de risco

desenvolvidas “por relevantes organizações internacionais”. Estabelece que (parágrafo 4.º351)

as medidas sanitárias deverão levar em consideração o objetivo de minimizar os efeitos

negativos ao comércio internacional.

O parágrafo 7.º do art. 5º, entretanto, abre a possibilidade de uma restrição provisória,

para a hipótese de insuficiência de evidência científica, nos seguintes termos:

Nos casos em que a evidência científica for insuficiente, um Membro poderá provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base na informação

pertinente disponível, incluídas as oriundas de relevantes organizações

internacionais assim como as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros

Membros. Em tal circunstância, os Membros procurarão obter a informação

adicional necessária para uma avaliação mais objetiva dos riscos e revisar a medida

sanitária ou fitossanitária dentro de um período razoável de tempo (tradução

livre).181

Referente à interpretação do parágrafo 7º, pode-se dizer que, atendido um único

pressuposto, um membro da OMC poderá adotar uma medida sanitária ou fitossanitária que

não siga todos os pressupostos do art. 5º, mas em caráter provisório, pois a medida deverá ser

revista num período razoável de tempo, aí sim observados todos os itens anteriores do art. 5º.

O pressuposto, conforme o parágrafo 7º é o de que a informação científica pertinente

179 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O princípio da precaução no comércio multilateral. Revista Sequência.

Florianópolis, n. 47, dez. 2003, p. 146. 180 Id., Ibid., p. 149. 181

WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Agreement on sanitary and phytosanitary measures.

Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/ sps_01_e.htm#p>. Acesso em:

25 nov. 2013.

107

disponível seja insuficiente para que se possa concluir a avaliação de risco à vida ou à saúde

humana, animal ou vegetal. O item estabelece, além disso, que a medida provisória deverá se

basear nas informações disponíveis, “incluídas” as oriundas de relevantes organizações

internacionais, bem como medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros membros.

Ao tratar da medida provisória, o item 7 exige que ela se baseie em “informação

disponível”. O adjetivo disponível acrescenta pouco, pois é evidente que não se tomam

decisões com base em “informações indisponíveis”. Mas é interessante notar que o

substantivo é “informações”, e não mais “evidências científicas”, como disposto no início do

parágrafo. Scott182

, percebendo esta peculiaridade, anota que se pode argumentar no sentido

de que “informações” é mais amplo do que o de evidência científica.

Na sequência, o parágrafo 7º estabelece que, dentre as informações disponíveis, serão

consideradas “inclusive” as oriundas de relevantes organizações internacionais, bem como as

medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros membros.

O artigo 5.6 dispõe sobre a escolha da medida sanitária ou fitossanitária. Ele obriga os

Membros a assegurarem que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não são mais restritivas

ao comércio do que o necessário para o alcance dos níveis apropriados de proteção, levando

em consideração a viabilidade técnica e econômica. Uma medida é mais restritiva do que o

necessário se existe uma outra medida sanitária ou fitossanitária que está razoavelmente

disponível, alcança nível apropriado de proteção sanitária e é menos restritiva ao comércio do

que a medida contestada.183

A redação do artigo 5.7, deixa em aberto o conjunto de informações que poderá ser

utilizado para justificar ou para questionar uma medida provisional, especificando apenas que

dentro desse conjunto de informações devem constar as oriundas de três fontes: as evidências

científicas existentes à época da adoção da medida, as informações oriundas de relevantes

organizações internacionais e as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros

países. Este informa que os requisitos foram considerados cumulativos para evitar as

disciplinas científicas do Acordo SPS.184

O Acordo sobre SPS foi criado na com a intenção de conferir segurança jurídica em

matéria sanitária e fitossanitária. Nesse sentido, procurou atribuir parâmetros os mais

182 SCOTT, Joanne. The WTO agreement on sanitary and phytosanitary measures: a commentary. Oxford:

Oxford University, 2007, p. 120. 183 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização

Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 39-40. 184 Id., Ibid., p. 43.

108

específicos e objetivos, orientando os países-membros da OMC a levarem em consideração os

padrões estabelecidos por três organizações internacionais que são as normas sanitárias da

Codex Alimentarius, normas zoossanitárias do Escritório Internacional de Epizootias e as

normas fitossanitárias da Convenção Internacional de Proteção de Plantas. Esses padrões

devem ser objeto de ponderação pelos membros, mas sua adoção não é compulsória.185

Estando em conformidade com um padrão internacional, uma medida sanitária

presume-se hígida. Um país que adote um padrão diferente poderá ser chamado a explicar o

seu modelo, caso em que terá que oferecer uma explicação baseada em evidências científicas.

O amparo em conclusão científica foi adotado como o critério distintivo entre decisões

devidamente fundamentadas de medidas arbitrárias. Tal restrição não significa devam as

autoridades administrativas dos países-membros sujeitar-se a um conjunto determinado de

laboratórios ou pesquisadores, tampouco a seguir o entendimento majoritário em uma questão

que seja sujeita a controvérsia. Simplesmente, exige-se que a decisão administrativa seja

amparada no conhecimento científico disponível, o que significa dizer que se será consistente

com o Acordo SPS uma medida que encontre amparo em conclusão científica, ainda que esta

represente uma posição minoritária.

As medidas sanitárias e fitossanitárias variam entre os países observando os fatores

que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração, durante sua criação, tais

como os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos consumidores aos riscos, as

condições climáticas e geográficas, o nível de desenvolvimento tecnológico e os recursos

econômicos disponíveis. A diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias resultantes tem

um impacto negativo no comércio, visto que os exportadores precisam atender um conjunto

grande de padrões para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é importante para países

em desenvolvimento que não dispõem de recursos e capacidade técnica para a implementação

desses padrões diversos.186

Um país poderá sustentar níveis de proteção ambiental mais elevados do que aqueles

previstos pelos padrões internacionais, mas em tal caso deverá cuidar do seu dever de

consistência: as barreiras sanitárias e fitossanitárias não devem ser elevadas em relação aos

padrões internacionais somente naqueles casos em que a medida venha justamente a servir,

simultaneamente, propósitos comerciais. Caso a política ambiental de um país seja

185 ALTEMANI, Renato Lisboa. O princípio da precaução e as normas da OMC: o caso EC-Biotech. 2009. 200

f. Dissertação (Pós-Graduação em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. 186 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização

Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 20.

109

inconsistente, sendo acentuada quando coincidem os interesses econômicos, presumir-se-á

que não se tem uma coincidência, mas sim uma medida protecionista, contrária ao princípio

da não discriminação.

Excepcionalmente, admite-se que uma medida sanitária ou fitossanitária seja mantida,

em caráter temporário, antes da conclusão de um processo de avaliação de risco, enquanto se

buscam informações complementares para a aferição do risco representado pelo produto (ou

pelo método de produção).

4.3 MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS DA OMC

Como já abordado, após a Segunda Guerra Mundial, sob o comando dos Estados

Unidos, vários países decidiram regular as relações econômicas internacionais, visando

impulsionar a liberação comercial, combater práticas protecionistas, regulando, assim, o

comércio entre as nações. Vinte e três países, entre eles o Brasil, estabeleceram um conjunto

de normas e concessões tarifárias nominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

As normas do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização

Mundial do Comércio (OMC) têm origem nos mencionados incisos do art. XX do GATT187

,

que, disciplinando a matéria de forma lacônica, deu margem a diversas controvérsias entre os

membros quanto à sua aplicabilidade. Surgiu então a necessidade de negociar um conjunto

mais complexo de normas sobre barreiras não tarifárias, que conferisse maior previsibilidade

ao comércio internacional de bens, notadamente no mercado agrícola.188

O GATT representou um marco na redução dos embaraços aos intercâmbios com a

diminuição gradual das tarifas aduaneiras entre os membros signatários do Acordo. As

sucessivas negociações do GATT, denominadas de “rodadas”, propiciaram a adoção de

importantes direitos de aduana, sendo que a Rodada Uruguai, ocorrida entre 1986 a 1993,

instituiu os acordos relativos a barreiras não tarifárias, dentre outras, bem como o acordo

constitutivo da OMC, encarregada de efetivar e garantir a aplicação dos acordos no âmbito de

sua competência.

Avalia que a instituição desempenha um importante papel no processo observado a

partir do final do século XX, em que se desenvolve um processo de profundas e rápidas

mudanças e necessidades de ajustes, causados pelo processo que se convencionou chamar de

187

PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 168. 188 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2005, p. 101.

110

“globalização”, acompanhado de mudanças significativas em governos nacionais, grande

aumento de participação de organizações não governamentais, e uma intensa ênfase em

questões econômicas, que veio a desafiar os fundamentos teóricos do direito internacional.189

Conquanto se reconhecesse o direito dos membros de adotarem cuidados com a

importação de bens que pudesse causar danos à saúde ou ao meio ambiente, verificava-se a

necessidade de criação de regras mais claras, que dificultassem o uso de justificativas

sanitárias para as medidas protecionistas. Algumas das soluções buscadas foram as exigências

de vinculação entre barreiras demandaram o incremento da exploração dos recursos naturais

em favor da atividade econômica.

O processo de negociação foi dificultado por posições diferentes entre os países-

membros quanto ao papel que deveria ser desempenhado pela ciência e por padrões

desenvolvidos por organizações internacionais: De acordo com Lima:

No decorrer de 1989 e 1990, as propostas relativas à formação do SPS não causavam

muitas discordâncias. Os Estados Unidos lutavam para que as medidas somente

pudessem ser aplicadas quando houvesse justificação científica, devendo ainda ser

reconhecido o direito de cada Parte Contratante em aplicar padrões próprios, desde

que baseados em níveis de segurança substancialmente equivalentes. Por sua vez, as

propostas europeias seguiam o mesmo teor, prevendo a importância da notificação

das medidas sanitárias e fitossanitárias aos moldes do que passou a ocorrer com o

Standards Code, buscando proteger, entretanto, o direito de aplicação de padrões próprios mesmo quando fossem mais restritivos que os internacionalmente aceitos.

Essa posição não era vista com bons olhos pelos países em desenvolvimento,

favoráveis ao seguimento dos padrões internacionais, nem pelo Grupo de Cairns,

que pretendia deixar como responsáveis pela justificação das medidas os países

importadores, e nem pelo Japão, que buscava proteger o direito aos padrões

próprios, acolhendo os internacionais como referência.190

O primeiro fruto dessas negociações, estabelecido antes da criação da OMC, foi o

Standards Code, de 1979, norma elaborada durante a rodada de negociações do GATT

iniciada em Tóquio e que teve curto período de aplicabilidade, uma vez reconhecido pelos

países membros que não dificultava a adoção de medidas protecionistas a pretexto de proteção

ambiental ou sanitária.191

Assim, já na seguinte rodada de negociações, iniciada em Punta del Leste, ao mesmo

tempo em que se discutiam os termos para a criação de uma Organização Mundial do

Comércio, negociava-se um acordo que desse maior detalhamento às normas aplicáveis a

189 JACKSON, John H. Sovereignty: the WTO and changing fundamentals of international law. Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, p. 3. 190

LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2005, p. 103. 191 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba:

Juruá, 2002, p. 168.

111

barreiras não-tarifárias.192

Esse tratado foi concluído e assinado em 1995 e estabeleceu

normas gerais a serem observadas pelos países signatários quando do levantamento de

barreiras técnicas e ficou conhecido como Acordo sobre Barreiras Técnicas ou Acordo

TBT.193

O Acordo sobre Barreiras Técnicas, contudo, embora abrangesse a temática ambiental,

tinha um propósito mais amplo, e não trazia detalhamento sobre a disciplina de barreiras

sanitárias e fitossanitárias, tema que foi objeto de um tratado negociado separadamente.

Assim é que, ao mesmo tempo em que se discutia o Acordo TBT, realizavam-se as

negociações que culminaram no Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, ou Acordo

SPS, cujas normas são aplicáveis a medidas restritivas ao comércio internacional e destinadas

a proteger um conjunto de riscos à saúde humana, vegetal e animal, inclusive aqueles

derivados de aditivos, contaminantes, toxinas e microrganismos causadores de doenças, tendo

por objetivos proteger a segurança alimentar e prevenir a proliferação de pestes e doenças na

agricultura.194

O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, também adotado em 1995,

estabeleceu normas gerais sobre medidas restritivas ao comércio destinadas à proteção da

saúde humana ou à proteção da fauna e da flora.195

Nas palavras de Lima,

O acordo abarca a proteção da saúde humana, animal e vegetal, da segurança

alimentar e ainda de possíveis medidas regulatórias neste sentido. Faculta aos

membros a adoção de tais medidas, desde que cientificamente fundamentadas, no

intuito de evitar o surgimento de barreiras desnecessárias e injustificáveis ao

comércio.196

O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) é um acordo que trata de

barreiras técnicas no âmbito do OMC, permitindo a aplicação de medidas que restrinjam a

liberdade de comércio, quando houver necessidade de proteger a vida e a saúde humana,

animal e vegetal. Conforme a Conferência das Nações Unidas sobre comércio e

desenvolvimento:

Nesse sentido, o Acordo SPS cria disciplinas aplicáveis a medidas para a proteção da saúde e vida humanas e dos animais (medidas sanitárias) e da saúde e vida das

192 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2005, p. 101. 193 Id., Ibid., p. 94. 194 SCOTT, Joanne. The WTO agreement on sanitary and phytosanitary measures: a commentary. Oxford:

Oxford University, 2007, p. 1. 195 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Agreement on sanitary and phytosanitary measures. Disponível

em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/ sps_01_e.htm#p>. Acesso em: 25 nov. 2013. 196 LIMA, op. cit., p. 196.

112

plantas (medidas fitossanitárias) contra riscos certos e definidos. Ele objetiva

equilibrar o direito dos Membros de tomar medidas para proteger, em seus

territórios, a saúde de riscos contidos nos alimentos comercializados e nos produtos

agrícolas, com o escopo de liberalização do comércio no setor de alimentos e

produtos agrícolas. De maneira geral, o Acordo SPS objetiva reconciliar o livre

comércio com preocupações legítimas com a vida e saúde dos homens, animais e

plantas. O Acordo SPS dá especial importância para os países em desenvolvimento, muitos dos quais são exportadores de produtos agrícolas e dependem do acesso a

mercados estrangeiros para a obtenção de muito de sua receita externa.197

O objetivo do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias é traçar regras que

visem impedir que medidas criadas pelos Membros da OMC constituam barreiras ao

comércio internacional, incentivando a harmonização destas medidas em nível internacional,

com intuito de estabelecer um quadro de regras capazes de orientar a adoção, elaboração e

aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias, de forma a minimizar seus efeitos sobre o

comércio internacional.

A determinação de medidas de caráter fitossanitário e sanitário deve atender a certos

critérios estabelecidos pela própria OMC, a fim de evitar que seu uso seja destinado a fins

outros que não a proteção da vida humana, animal e vegetal. A definição do que sejam

medidas sanitárias e fitossanitárias, encontra-se no ANEXO A do Acordo SPS198

, nos

seguintes termos:

ANEXO A

DEFINIÇÕES

1 – Medida sanitária ou fitossanitária – Qualquer medida aplicada:

(a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal, dos

riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas,

doenças ou Organismos patogênicos ou portadores de doenças; (b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal, dos

riscos resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos

patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal; (c) para proteger, no território

do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal, de riscos resultantes de pragas

transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados ou da entrada,

estabelecimento ou disseminação de pragas ou

(d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros prejuízos resultantes da

entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas. As medidas sanitárias e fitossanitárias incluem toda legislação pertinente, decretos

regulamentos, exigências e procedimentos, incluindo, critérios para o produto final,

processos e métodos de produção, procedimentos para testes, inspeção, certificação

e homologação, regimes de quarentena, incluindo, inter alia, exigências pertinentes,

associadas com o transporte de animais ou vegetais ou com os materiais necessários

para sua sobrevivência durante o transporte, disposições sobre métodos estatísticos

pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação de risco e

197

CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 6. 198 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias.

Disponível em: <http://www.wto.org/spanish/tratop_s/sps_s/sps_s.htm>. Acesso em: 26 out. 2012.

113

requisitos para embalagem e rotulagem diretamente relacionadas com a segurança

dos alimentos.199

Trata-se, pois, de barreiras não tarifárias (BNTs) que restringem a entrada de

mercadorias importadas que possuem como fundamento requisitos técnicos, sanitários,

ambientais, laborais, restrições quantitativas (quotas e contingenciamento de importação),

bem como políticas de valoração aduaneira, de preços mínimos e de bandas de preços,

diferentemente das barreiras tarifárias, que se baseiam na imposição de tarifas aos produtos

importados.

Lima traz a seguinte definição do que seja uma medida sanitária e fitossanitária, no

âmbito do Acordo SPS:

Uma medida sanitária é uma barreira não-tarifária aplicada para proteger a vida e a saúde humana e animal. Quando um Membro restringe a importação de carne bovina

in natura a fim de prevenir a entrada em seu território da doença da vaca louca ou do

vírus causador da febre aftosa, adota uma medida sanitária.

Já uma medida fitossanitária é aplicada quando se quer proteger a saúde das plantas.

Nesse sentido, exigir tratamento da madeira utilizada na fabricação de embalagens

para prevenir o transporte de doenças ou pestes até o território do Membro

importador de algum produto, ou proibir a importação de frutas para evitar a entrada

ou a disseminação da mosca da fruta representam exemplos de medidas fitossanitárias.200

Normalmente, as barreiras não tarifárias (BNTs) visam proteger bens jurídicos

importantes para os Estados, como a segurança nacional, a proteção do meio ambiente e do

consumidor, e ainda, a saúde dos animais e das plantas.

No entanto, é justamente o fato de os países aplicarem medidas ou exigências sem que

haja fundamentos científicos nítidos que as justifiquem, que dá origem às barreiras não

tarifárias ao comércio, formando o que se chama de neoprotecionismo.

Desse modo, o Acordo assegura que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam

tomadas com base em uma avaliação que levará em consideração as técnicas de avaliação de

riscos desenvolvida pelas organizações internacionais competentes.

Verifica-se que países menos desenvolvidos economicamente e tecnologicamente

possuem maiores dificuldades para sustentar suas medidas científicas, razão pela qual estão

sujeitos aos ditames dos países desenvolvidos cujo aparato técnico-científico apresenta

melhores condições de avaliação científica de determinado produto.

199 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Acordo sobre a aplicação de

medidas sanitárias e fitossanitárias. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/ arquivo/secex/omc/acordos/ portugues/13medidassanitarias.pdf>. Acesso em: 18 out. 2012. 200 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2005, p. 108.

114

4.3.1 Verificação de Riscos

O Acordo SPS estabelece como principal critério a ser observado por seus Membros

na adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias a avaliação objetiva dos riscos com base

científica, a fim de evitar que os Membros utilizem as medidas sanitárias e fitossanitárias

como restrições veladas ao comércio.

Ainda, de acordo com o artigo 5.2 do SPS, um processo de verificação de risco deve

considerar as evidências científicas disponíveis, processos e métodos de produção, inspeção,

métodos de amostragem e testes, prevalência de doenças específicas ou pestes, existência de

áreas livres de pestes e doenças, condições ecológicas e ambientais, e tratamentos de

quarentena ou outros.

O parágrafo 4, do Anexo A, do Acordo SPS, estabelece que na avaliação de riscos

devam ser levadas em consideração as potenciais consequências biológicas e econômicas,

bem como a avaliação dos possíveis efeitos adversos para a saúde humana e animal advindas

da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos causadores de doenças em

alimentos, bebidas ou suprimentos, levando em conta as técnicas de avaliação desenvolvidas

por relevantes organizações internacionais. Sobre a verificação de risco, entende Lima que:

[...] falar em verificação de risco importa buscar ter comprovação de que a medida

aplicada não irá simplesmente restringir o comércio internacional, mas sim visará

garantir a proteção de objetivos legítimos, como a vida ou a saúde humana, animal

ou vegetal.

Diante do peso das barreiras não tarifárias na OMC, vários fatores devem ser

ponderados para que se chegue a um equilíbrio entre a liberdade comercial e os objetivos legítimos. Nesse sentido, o artigo 5.3 do SPS impõe sejam observados,

quando da verificação de risco e da aplicação do nível apropriado de proteção,

fatores econômicos como as perdas de produção e de vendas motivadas pela entrada,

estabelecimento ou disseminação de uma doença, os custos de controle ou

erradicação no território do Membro importador e a relativa eficácia dos custos de

métodos alternativos a limitar riscos.201

Desse modo, a verificação de risco é necessária quando se intenciona fundamentar

uma medida sanitária ou fitossanitária para evitar riscos para a vida e a saúde humana, animal

e vegetal, porém, sempre levando em conta as técnicas de avaliação desenvolvidas por

organizações internacionais, evitando que seja um obstáculo ao comércio e que não tenha

fundamentação científica.

Se uma medida sanitária ou fitossanitária for adotada por um Membro sem, contudo,

201 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2005, p. 116.

115

observar a avaliação de riscos apresentada, revelando-se, pois, um obstáculo comercial, o

Membro que se sentir prejudicado pode requerer, a princípio, o fornecimento de uma

explicação pela adoção da aplicação da medida sanitária ou fitossanitária.

4.4 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC

Para executar os direitos contidos no Acordo SPS, os Membros podem recorrer ao

sistema de solução de controvérsias da OMC, conforme disposto no Entendimento sobre

Solução de Controvérsias (DSU). As regras e procedimentos definidos no DSU se aplicam

total e incondicionalmente a conflitos que surgem nos termos do Acordo SPS.202

A defesa dos interesses dos atores privados, nesse caso, se fará por meio do Estado.203

O Órgão de Apelação do Organismo de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC (ou Dispute

Settlement Body – DSB), entretanto, já decidiu no sentido de que o painel e o Órgão de

Apelação têm poder discricionário para admitir a intervenção processual de organizações não-

governamentais, em caráter meramente informativo, como ocorreu no caso US-Shrimp.

A OMC tem um corpo administrativo próprio para tratar de questões relativas a

soluções de controvérsias, o Dispute Settlement Body, DSB, ou Organismo de Solução de

Controvérsias (OSC), composto por representantes de todos os países-membros204

.

O OSC, na execução de seus objetivos institucionais, conta com o apoio da Secretaria-

Geral da OMC.205

Braz observa que a única exceção à universalidade de representação no

OSC é a hipótese de disputas envolvendo um Acordo Comercial Plurilateral, caso em que

somente os membros que forem parte do acordo em questão poderão participar das decisões a

serem tomadas pelo OSC.206

Os trabalhos do OSC são coordenados por um chairperson, que é apontado por

consenso pelos membros da OMC.207

A palavra “chairperson” não tem uma perfeita tradução

em português, mas se pode chamar de presidente, diretor ou secretário. Trata-se da pessoa que

chefia as atribuições administrativas do órgão e preside as sessões.

Em tribunais e órgãos legislativos, no Brasil, seria o presidente a fim de se evitar

202 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização

Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 53. 203 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New

York: Cambridge University, 2007, p. 9. 204 Id., Ibid. p. 17. 205

BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006, p. 59. 206 Id., Ibid., p. 57. 207 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO), op. cit., p. 19.

116

confusão com o diretor-geral, que é o chefe administrativo de toda a OMC, é interessante que

se traduza chairperson como “presidente” ou “secretário”. Braz anota que o presidente do

OSC é normalmente um dos embaixadores dos países-membros e suas funções são, entre

outras, a de enviar informações aos membros, presidir as reuniões do órgão e enumerar os

assuntos em pauta.208

É ao presidente do OSC que devem ser dirigidas as comunicações dos

países-membros ao OSC.209

A composição de conflitos no âmbito do OSC é feita em diversas etapas, iniciando-se

pela negociação diplomática entre reclamante e reclamado, na chamada fase de consultas

(ESC, art. 4º). Caso as partes não entrem em acordo, a solução ordinária prevista pelo ESC é a

instalação de painel. Alternativamente, entretanto, as partes poderão optar pela designação de

um árbitro para solucionar a controvérsia.210

A instalação de um painel é a criação de uma

junta de painelistas (ordinariamente três) que irão julgar a reclamação, ou seja, irão avaliar se

a conduta do reclamado é inconsistente com as regras da OMC.

A escolha dos painelistas pode ser feita pelas partes, que contam com o auxílio de uma

lista de painelistas mantida pela Secretaria-Geral da OMC, relacionando nomes indicados

pelos países membros. Caso os países não entrem em acordo em relação aos nomes, estes

poderão ser escolhidos pelo Secretário-Geral.

Os painelistas são especialistas em comércio internacional, mas não necessariamente

nos campos científicos cujo exame seja relevante para a causa, como, por exemplo, a

justificativa para uma barreira sanitária. O art. 13 do ESC, por isso, dispõe sobre a

possibilidade da oitiva de peritos. A avaliação da necessidade de tal prova fica a critério dos

painelistas, que devem ter os elementos que considerem necessários à elaboração do relatório

final, e independe de requerimento das partes.211

O painel será estabelecido por meio de um “termo de referência” (Art. 7º, parágrafo 1),

que informará a todos os membros da OMC sobre o caso, especificando a parte reclamante, a

parte reclamada e os dispositivos legais invocados (parágrafo 2º). Na eventualidade de mais

de um membro requerer a instalação de painel relacionado com a mesma matéria, as

reclamações deverão ser reunidas em um único processo (art. 9º, § 1º).

O procedimento e os prazos processuais se submetem a algumas regras básicas

prefixadas pelo ESC, e a outras delimitadas pelo próprio painel. O comum é que, formado o

208 BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006, p. 59. 209

WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New

York: Cambridge University, 2007, p. 19. 210 Id., Ibid., p. 24. 211 Id., Ibid., p. 25.

117

painel, os painelistas conversem sobre as normas de procedimentos que consideram

adequadas, depois convoquem as partes para uma reunião para estabelecer um calendário de

trabalho, ou seja, quais atos serão realizados, em que sequência e em que prazos.212

Conforme dispõe o ESC em seu art. 15, o painel, após colher as manifestações escritas

das partes sobre o seu relatório (report), passará à fase de deliberação interna, para resolver

sobre as questões de fato e de direito que foram sustentadas pelas partes, com vistas à

apresentação de um relatório provisório (interim report), que é uma proposta de relatório

final. Em sua estrutura de apresentação, o interim report é dividido em duas seções, sendo

uma descritiva (descriptive part), em que se relatam o processamento do feito, as alegações

das partes e, se for o caso, as manifestações de terceiros e/ou de especialistas, e a seção das

conclusões (findings).213

O relatório provisório será apresentado, em caráter confidencial, apenas às partes, que

poderão tecer comentário e, eventualmente, reclamar a realização de complemento ou

esclarecimento, além de poderem requerer uma nova reunião das partes com o painel (ESC,

art. 15.2). Ultrapassada essa fase, o painel elaborará o relatório final, que será publicado (em

circular enviada para as partes, conforme a redação do art. 16.1 do ESC) e conterá, inclusive,

a descrição das discussões que se tenham realizado na fase do interim report.

4.4.1 Utilização de Painel

O painel somente será vinculante (ou seja, somente terá força de decisão obrigatória)

após a sua adoção pelo DSB377. Uma reunião do DSB deverá ser marcada no período entre

20 e 60 dias após ter circulado o relatório final entre os membros (ESC, art. 16), a não ser que

uma das partes manifeste a intenção de apelar.214

O membro que tenha objeções contra o

relatório final deverá apresentá-las por escrito, até 10 dias antes da data da reunião do ESC.

Caso não haja apelação, o resultado comum é que o relatório seja aprovado pelo

organismo de solução de controvérsias, o que não ocorrerá somente se houver unanimidade de

votos em sentido contrário (regra do consenso reverso).215

A decisão, dessa feita, dificilmente

será bloqueada, pois bastará que a parte vencedora no painel esteja de acordo com a decisão

para que ela seja aprovada. Por conta dessa circunstância, o OSC é considerado um dos mais

212 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New

York: Cambridge University, 2007, p. 50. 213

Id., Ibid., p. 56-57. 214 Id., Ibid., p. 61. 215 Id., Ibid., Loc. cit.

118

importantes componentes do sistema multilateral do comércio e uma das principais inovações

em relação ao sistema vigente anteriormente à OMC, pois resultou em expressivo ganho de

segurança e previsibilidade.216

Observe-se que se a parte considerar inadequada a solução alcançada pelo painel

poderá interpor recurso de apelação, possibilidade esta expressamente contemplada pelo

sistema de solução de controvérsias da OMC, que conta ainda com um órgão permanente

conhecido como Órgão de Apelação (Apellate Body). Como, entretanto, não houve apelação

no caso EC-Biotech, parece dispensável abordar, no presente estudo, o processamento da

apelação.

4.4.2 Cumprimento da Decisão

No prazo de 30 dias contado da sessão do OSC em que for aprovado o relatório final,

o reclamado deverá informar a sua intenção de fazer os ajustes necessários no comportamento

comissivo ou omissivo que tenha sido declarado inconsistente com os tratados abrangidos

pela Organização Mundial do Comércio.217

As adequações muitas vezes exigem mudanças delicadas e de demorada execução,

como modificação da legislação interna. Normalmente, portanto, o reclamado vencido poderia

comunicar que pretende fazer os ajustes no seu sistema normativo dentro de um tempo

determinado. Será preciso determinar, então, o que seja um prazo razoável para cumprimento

da decisão.218

Há três diferentes metodologias para o estabelecimento do prazo razoável para

compliance. A primeira, e mais comum, é o prazo ser ajustado pelas partes. É possível, que a

proposta seja levada a uma sessão do OSC e aprovada por unanimidade. A terceira solução é a

de se submeter a questão à arbitragem, sendo o prazo determinado por árbitros.219

Na hipótese de descumprimento, o reclamante poderá retaliar, adotando medidas

compensatórias proporcionais ao dano causado pelo reclamado, sendo recomendável que os

termos dessa retaliação proporcional sejam ajustados pelas partes. Na falta de acordo, o

reclamante poderá, 20 dias depois de expirado o “prazo razoável” para cumprimento

(compliance), requerer ao OSC a permissão para impor sanções comerciais contra o

216 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba:

Juruá, 2002, p. 27-29. 217

WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New

York: Cambridge University, 2007, p. 75. 218 Id., Ibid., p. 76. 219 Id., Ibid., Loc cit.

119

reclamado.220

Na decisão do OSC aplica-se, novamente, a regra do consenso reverso (somente a

unanimidade de votos em contrário implica rejeição).221

Uma vez concedida a autorização, é

possível a adoção de medidas compensatórias, com efeitos não retroativos (ou seja, na

compensação considera-se apenas o dano que esteja sendo sofrido pelo reclamante a partir da

data em que autorizada a retaliação).222

Uma decisão emanada do Órgão de Solução de Controvérsias que considere uma

medida de um membro inconsistente com as normas do sistema multilateral do comércio não

corresponde, portanto, a uma condenação a reparar por ato ilícito. O que se decide é que o

país reclamado deverá promover alterações em seu direito interno, a fim de suprimir as

incoerências verificadas em relação às normas da Organização Mundial do Comércio. Esse

dever adequação (compliance) é o único efeito da decisão. Caso o reclamado não venha a

atender esse dever, os reclamantes terão o direito de levantar barreiras comerciais contra a

importação de produtos do reclamado, como meio de compensar-se pelos prejuízos sofridos.

Por meio dessa possibilidade de sanção econômica, aliada à regra do consenso reverso,

o OSC adquiriu maior efetividade na solução de controvérsias internacionais se comparado

com o GATT, já que dotado de um sistema de coerção para exortar os países membros a

cumprirem os seus deveres perante a Organização Mundial do Comércio.223

O relatório final de um painel estabelece um precedente que não vincula, mas pode

influenciar futuras decisões. Prova disso se extrai da análise de relatórios finais, que

comumente fazem remissão a outros precedentes. Amaral Júnior224

destaca a importância de

um precedente, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, notadamente nas hipóteses

em que se cuida de pronunciamento do Órgão de Apelação, ressaltando a circunstância de

que, na prática, existe uma tendência jurisprudencial na Organização Mundial do Comércio,

ou seja, os pronunciamentos do Órgão de Apelação tendem a se reproduzir na composição de

conflitos subsequentes.

Jackson225

pondera que a tendência à uniformização das decisões é uma consequência

das metas institucionais da Organização Mundial do Comércio, uma vez que o próprio

220 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New

York: Cambridge University, 2007, p. 80-81. 221 Id., Ibid., p. 83. 222 Id., Ibid., p. 82. 223 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. 224 AMARAL JÚNIOR, Adalberto do. A solução de controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 151. 225 JACKSON, John H. Sovereignty: the WTO and changing fundamentals of international law. Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, p. 148.

120

estatuto do Órgão de Solução de Controvérsias (Entendimento sobre Normas e Procedimentos

Regendo a Solução de Controvérsias) fixou, em seu art. 3º, parágrafo 2°, os objetivos de

“segurança” e de “previsibilidade”. Assim, um precedente, embora não vincule as decisões

subsequentes do OSC, exerce certa influência. A fundamentação de um relatório final

normalmente examina precedentes em situações semelhantes e pronunciamentos pretéritos do

OSC, especialmente do Órgão de Apelação, sobre a interpretação de normas da Organização

Mundial do Comércio.

4.5 PRINCÍPIOS DA OMC VINCULADOS ÀS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS

A seguir será analisado os principais princípios estabelecidos pelo Acordo Sanitário e

Fitossanitários – Acordo SPS – da Organização Mundial do Comércio.

4.5.1 Princípio da Precaução

Segundo Milaré, “o papel do princípio da precaução, aliado ao princípio da proteção

da vida e da saúde humana, da vida vegetal e da animal, permite que, além da vida da biota

(conjunto de seres vivos que habitam um determinado ambiente ecológico, em estreita

correspondência com as características físicas, químicas e biológicas desse ambiente), se

queira proteger igualmente a sua saúde e qualidade”.226

O objetivo fundamental perseguido na atividade de aplicação do princípio da

prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade que já se sabe perigosa.

Desta forma, atua-se então, no sentido de inibir o risco de dano, ou seja, o risco de que

a atividade perigosa possa vir a produzir, com seus efeitos, danos ambientais. É então, a partir

desta segunda hipótese de aplicação, que percebem-se os dois momentos diferenciados. A

aplicação do princípio da prevenção está circunscrita ao segundo momento, reservando ao

primeiro momento a possibilidade de aplicação do princípio da precaução.227

Muito embora não haja previsão expressa do enfoque de precaução nos Acordos da

OMC, o artigo 5.7 do Acordo SPS acolhe o tema, condicionando sua aplicação à necessidade

de se ter ou buscar ter uma base mínima de evidências cientificas que justifiquem a medida

que restringe o comércio.

226

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 586. 227 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 62-63.

121

A necessidade de se ter uma base mínima de evidência cientifica de segurança do

produto se dá para impedir que o princípio da precaução seja invocado para barrar os produtos

externos, sob alegação de ausência absoluta de evidências cientificas que demonstre a

segurança do produto. Bastaria a um Membro argumentar a inexistência de dados que

comprovassem a segurança de um alimento para que pudesse restringi-lo, sem sequer buscar

conhecer evidências a respeito para proibir o comércio do mesmo.

Quanto aos OGMs, o princípio da precaução “não significa que a indústria deva

apresentar provas absolutas e incontestáveis de que os transgênicos são perfeitamente

seguros”. O que se exige, na verdade, é que “diante das pesquisas e dos testes possíveis de

serem efetivados, dentro de prazo razoável e necessário para se ultimarem esses estudos

científicos, os transgênicos se apresentam como”228

, seguros para à vida, à saúde humana,

animal e vegetal.

O princípio da precaução, no que diz respeito aos OGMs, foi consagrado pela

Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), que

dispõe em seu princípio:

[...]

Princípio 15 – Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução

deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.

Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta

certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes

e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. [...].229

A União Europeia tem adotado medidas de cautela com relação aos OGMs, com base

no princípio da precaução, a fim de garantir a proteção de bens fundamentais como a saúde ou

o meio ambiente sem, contudo ter um embasamento científico, bastando apenas o risco

hipotético, não demonstrado cientificamente, já que a ciência não demonstra com exatidão os

riscos causados pela utilização dos OGMs.

Esse princípio foi positivado no direito comunitário europeu, sendo previsto pelo

tratado da Comunidade Europeia como fundamento da política ambiental, tendo valor

constitucional, e amplamente aplicado na regulação do processo de aprovação de organismos

geneticamente modificados.

228 VIEIRA, David Laerte. Princípio da precaução versus princípio da equivalência substancial e a polêmica em

torno da liberação dos transgênicos no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, v. 9, n. 41, p. 109-120, jan./fev.

2007. 229 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2013.

122

No Brasil, o princípio da precaução também encontra fundamento constitucional no

art. 225 e parágrafos da Constituição Federal, merecendo destaque os incisos V e VII do §1º, e

é amplamente utilizado pelo direito ambiental e, especificamente aos OGMs, expresso pelo

art. 1º, caput, da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) que determinou expressamente a

“observância do princípio da precaução para proteção do meio ambiente”. Sobre este

princípio escreve o Antunes:

Ao se estabelecer a precaução como princípio, esta não pode ser interpretada como

uma cláusula geral, aberta e indeterminada. É necessário que se defina o que se

pretende prevenir e qual o risco a ser evitado. Isto, contudo, só pode ser feito diante da análise das diferentes alternativas que se apresentam para a implementação ou

não de determinado empreendimento ou atividade. A precaução, inclusive, deve

levar em conta os riscos da não implementação do projeto proposto.230

Sobre este Princípio da Precaução escreve Rodrigues:

Tem-se utilizado o postulado da precaução quando se pretende evitar o risco mínimo

ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua degradação.

Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio

ambiente acerca de qualquer conduta a ser tomada (ex. liberação e descarte de

organismos geneticamente modificados no meio ambiente, utilização de fertilizantes

ou defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.), incide o princípio da

precaução para prevenir o meio ambiente de um risco futuro.231

Tal princípio está hoje no centro de acalorados debates éticos, científicos e

tecnológicos acerca de sua adequação, eficiência e utilização. Os pesquisadores Nodari e

Guerra elencam os quatro componentes que compõem o Princípio da Precaução: (i) a ação

preventiva deve ser tomada antes da prova científica da relação causa/efeito; (ii) o ônus da

prova da biossegurança cabe ao proponente da atividade ou empreendimento; (iii) na presença

de evidência de dano causado pela atividade, um número razoável de alternativas deve ser

considerado e (iv) para que a tomada de decisão seja precaucionaria, ela deve ser aberta,

transparente, democrática e ter envolvido a participação das partes afetadas.232

Por fim, Machado, ao tecer suas considerações sobre a relação do princípio da

precaução com o estudo de impacto ambiental e o diagnóstico do risco ambiental, afirma que

o estudo de impacto ambiental, inclui, obrigatoriamente, em sua metodologia, a prevenção e a

precaução da degradação ambiental. Após o diagnóstico acerca do risco do prejuízo

230 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 29. 231 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental: parte geral. São Paulo: Max Limonad,

2002. v. 1, p. 150. 232 SOUTO, Eliezer Rodrigues de (Ed.). Anais do simpósio: a biotecnologia na agricultura brasileira, presente e

futuro. Maringá: UEM/CCA/DAG, 2002, p. 33.

123

ambiental, pondera-se acerca dos meios necessários para que esse prejuízo possa ser evitado.

É neste momento que deve ser feito o exame da oportunidade do emprego dos meios de

prevenção.233

O princípio da precaução permite a atuação do Poder Público sempre que houver

incerteza sobre evidências, mas desde que o prejuízo seja sério e irreversível, e que uma

avaliação de risco contundente seja impossível. A partir destas premissas, a aplicação do

princípio da precaução à segurança de alimentos, exige a certeza da ausência de efeitos

adversos, o que torna impossível a aprovação de qualquer alimento natural ou industrializado,

pois todos os alimentos, sejam tradicionais ou geneticamente modificados, têm um nível de

risco que é considerado aceitável, visto que estabelecido cientificamente.

Como ainda não se tem certeza quanto às possíveis consequências que a liberação de

transgênicos pode acarretar ao ambiente, devem ser estudadas e executadas medidas para

dimensionar e limitar ao máximo os potenciais impactos ambientais negativos, o que

pressupõe a exigência, por parte das agências regulatórias responsáveis pela liberação

comercial de produtos transgênicos, de que sejam realizados estudos prévios de impacto

ambiental e a confecção de relatórios sobre estes estudos, antes que qualquer OGM seja

comercializado ou cultivado.

Os atuais pressupostos da gestão dos riscos, baseados na familiaridade e na

equivalência substancial não identificam as externalidades em relação aos parâmetros sociais

e ambientais, negligenciando outros efeitos sobre a qualidade de vida das pessoas que

consumirão os OGMs.

4.5.2 Princípio da Equivalência

O princípio da equivalência tem como objetivo principal promover o reconhecimento

das medidas sanitárias e fitossanitárias próprias adotadas pelos Membros como condizentes

com o fim comumente perseguido, ou seja, a proteção da vida e da saúde humana, animal e

vegetal, fazendo com que os Membros da OMC reconheçam as medidas aplicadas por outros

Membros como passíveis de atingir seu nível apropriado de proteção sanitária e fitossanitária.

Em algumas ocasiões, o reconhecimento da equivalência ocorre de forma AD Hoc e

não é refletida nos acordos formais sobre a equivalência. O artigo 4.1 do SPS obriga os

Membros a aceitar medidas sanitárias ou fitossanitárias equivalentes, se o Membro exportador

233 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Princípio da precaução e o direito ambiental. Disponível em:

<http://www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em: 23 nov. 2013.

124

demonstrar ao Membro importador que sua medida alcança o nível apropriado de proteção do

membro importador. O Membro importador precisa receber, se pedir, acesso razoável para a

inspeção, testes e outros procedimentos relevantes.234

Pelo princípio da equivalência substancial, objetiva-se concluir que um alimento

geneticamente modificado é tão seguro quanto seu análogo sem modificação genética, o qual

já possui um histórico de uso seguro. A avaliação é comparativa, identificando-se, por

conseguinte, as semelhanças e diferenças entre os alimentos convencionais e os

geneticamente modificados.235

Não se pode dizer, entretanto, que os produtos sejam equivalentes em todas as suas

características, inclusive naquelas de interesse do consumidor tais como, segurança, valor

nutritivo e composição, posto que os pesquisadores comparam somente algumas

características dos alimentos geneticamente modificados com aqueles que não contenham

OGM, de modo que se os alimentos comparados não resultarem muito diferentes naquilo em

que foram comparados, são considerados substancialmente equivalentes.

Daí pode-se afirmar que a equivalência substancial não é a solução para o problema da

detecção dos riscos dos OGMs, mas sim apenas mais um critério que pode auxiliar na

identificação dos riscos relacionados ao consumo de referidos produtos, visto que apenas

algumas características dos produtos são considerados na avaliação, deixando de avaliar de

maneira mais extensiva, de modo a demonstrar sua segurança para o consumidor.

De acordo com este princípio, os países em desenvolvimento, mesmo que possuam

diferentes capacidades em relação à imposição e ao controle de medidas sanitárias e

fitossanitárias não precisa resultar na rejeição de seus produtos agrícolas em seus mercados de

exportação. O artigo 4 do Acordo SPS pode significar a melhoria do acesso a mercados para

os produtos agrícolas e alimentícios dos países em desenvolvimento.

4.6 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE, MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS E BARREIRAS

AOS TRANSGÊNICOS

Não obstante a expansão comercial vivida durante a segunda metade do século XX é

certo que os benefícios dela resultantes não foram partilhados de maneira equilibrada a todos

234 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização

Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 45. 235

VIEIRA, David Laerte. Princípio da precaução versus princípio da equivalência substancial e a polêmica em torno da liberação dos transgênicos no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, v. 9, n. 41, p. 109-120, jan./fev.

2007, p. 113.

125

os povos e nações, o que contribuiu para o aumento das desigualdades e, consequentemente, à

preocupação com a crescente degradação ambiental, visto que os fatores de produção e

comercialização inadequados causam danos ao meio ambiente.

Estabeleceu-se, assim, ao longo dos anos, um mercado global incapaz de produzir

resultados sustentáveis para toda a comunidade internacional, levando ao reconhecimento,

pelos órgãos internacionais, da seriedade dos problemas ambientais na esfera global e da

necessidade de medidas urgentes de proteção ao meio ambiente.

Nesta perspectiva, introduziu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, em 1987,

através do Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum – que conduziu à ideia de que

comércio, desenvolvimento e meio ambiente devem ser tratados de maneira integrada, com

busca de soluções win-win-win, isto é favoráveis às três áreas.236

Faz-se necessário verificar a contextualização da intervenção do Estado na ordem

econômica, através das medidas fitossanitárias, neste ambiente de sustentabilidade, onde estão

contidos os aspectos econômicos, sociais e ambientais, que devem interagir de forma

holística.

Em continuidade ao estudo dos transgênicos, de sua viabilidade e importância para a

economia e, principalmente, para a sociedade, no próximo item tratar-se-á da sustentabilidade

ambiental como forma de critério para barreira fitossanitária e de quais são os limites da

sustentabilidade para impedir os transgênicos.

4.6.1 Limites da Sustentabilidade para Impedir os Transgênicos

A engenharia genética possibilitou adicionar novas características às plantas cultivadas

por meio da introdução de genes de vários organismos. Isso possibilita geração de variedades

de plantas com características impensáveis, como espécies vegetais que produzem hormônios

de crescimento ou a insulina humana.

Estas características também apresentam vantagens para o produtor gerando maior

facilidade operacional de condução das lavouras, redução de insumos e redução dos custos de

produção. Observa-se maior tolerância à seca, resistência a pragas e doenças, maior eficiência

na assimilação de nutrientes, maior qualidade nutricional, produção de vacinas e

biocombustíveis.237

236

OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao

desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 389. 237 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direito dos consumidores e produtos

transgênicos: uma questão polêmica para a bioética e o biodireito. Curitiba: Juruá, 2005, p. 40.

126

Os genes de resistência a pragas fornecem alternativa para reduzir o uso de pesticidas

químicos, diminuindo a contaminação pelos agrotóxicos e por patógenos, sendo um benefício

para agricultores e consumidores finais.

Conforme Vieira estão sendo avaliadas mais de 60 espécies geneticamente

modificadas, sendo as sete principais culturas exploradas comercialmente: a soja, o milho, o

algodão, a canola, o arroz, a batata e o tomate. As características genéticas introduzidas

foram: tolerância a herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e resistência a

vírus.238

Na saúde, a insulina humana em microrganismos transgênicos foi muito importante.

Muitas pessoas sofrem de diabetes, e necessitam de injeções frequentes desta substância. A

transferência gene do hormônio de crescimento para células de bactérias pode ser aplicada no

tratamento de nanismo em crianças e pode ser empregado na aceleração da cura de ferimentos

e queimaduras.239

A modificação direta do genoma dos alimentos possibilita melhora e adequação dos

alimentos à dieta humana, com ganho no balanceamento de nutrientes permitindo uma melhor

nutrição, a um custo mais baixo. Também há possibilidade de adaptar a menor custo os

alimentos para necessidades especiais como leite sem lactose para deficientes em lactase,

obtido através da implantação de genes, codificantes da enzima de lactase na glândula

mamária, reduzindo o teor deste açúcar no leite, entre outros.240

Os transgênicos também têm trazido benefícios para as indústrias, estão

desenvolvendo plásticos biodegradáveis, de biocombustíveis menos tóxicos e poluentes, além

de diversas outras matérias-primas melhoradas e essenciais para a preservação do meio

ambiente.241

As controvérsias em torno dos OGMs em relação à saúde humana e ao meio ambiente

são tão intensas que as várias interfaces do problema ainda estão sendo discutidas, delimitadas

e levantadas. Evidentemente, uma tecnologia que pode oferecer efeitos danosos à manutenção

do equilíbrio da cadeia alimentar, à preservação da biodiversidade, entre outras várias

implicações, como a contaminação dos aquíferos e a expansão da fronteira agrícola,

certamente deve ser muito bem avaliada, para que seja observada a prevalência do interesse

público e do princípio da precaução em matéria ambiental.

238 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direito dos consumidores e produtos transgênicos: uma questão polêmica para a bioética e o biodireito. Curitiba: Juruá, 2005, p. 42. 239 Id., Ibid., p. 44. 240 Id., Ibid., p. 45. 241 Id., Ibid., p. 46.

127

As palavras de Nodari e Guerra, ao citarem Griffiths, confirmam a complexidade deste

ramo do conhecimento científico, ao afirmarem ser de extrema importância a percepção de

que a moderna engenharia genética:

[...] opera com base na manipulação do DNA de organismos vivos. Esta intervenção

ocorre em um nível muito mais complexo do que qualquer outra tecnologia já

anteriormente aplicada. Esta tecnologia é aplicada em um nível de funcionamento da

natureza a respeito do qual nossa base de conhecimento científico ainda é insuficiente.242

Não obstante, de um lado, estão os que defendem a produção e comercialização de

OGMs, alegando que sua utilização acabaria com os prejuízos econômicos causados pelos

insetos, fungos ou perecibilidade dos cultivares, que atinge 40% das safras mundiais

atualmente.

Em entrevista ao periódico Biotecnologia, Ciência & Desenvolvimento, de dezembro

de 2000, o professor inglês da Universidade de Reading, Beever, ao ser perguntado se o

cultivo de plantas geneticamente modificadas com tolerância a herbicidas pode aumentar o

uso de produtos químicos na agricultura, respondeu:

‘Não. O cultivo dessas plantas tem demonstrado exatamente o contrário, ou seja,

elas reduzem o uso de herbicidas na lavoura. Os grupos ativistas é que tentam ‘plantar’ a informação de que as plantas tolerantes a herbicidas podem aumentar o

uso de produtos químicos na agricultura. É melhor ter o gene de resistência a

herbicidas no genoma da planta do que aplicar maciçamente produtos químicos para

combater as ervas daninhas, já que o impacto ambiental dos transgênicos, neste

caso, é expressivamente menor. Na minha opinião, essa tecnologia de engenharia

genética é extremamente positiva na produção de alimentos e deveria ser utilizada

por todos os países em desenvolvimento, em especial devido às altas taxas de

crescimento da população’.243

Apresentadas as vantagens dos transgênicos, verifica-se que estes possibilitam a

redução de custos, aumento de produtividade, redução do uso de herbicidas que beneficia o

meio ambiente, contribuindo, assim, para o desenvolvimento econômico-social. Portanto, o

tripé de sustentabilidade pode ser verificado com a utilização dos transgênicos.

A importância dos transgênicos neste contexto é fundamental, uma vez que as medidas

fitossanitárias são utilizadas para impedir a comercialização dos produtos transgênicos entre

os países membros da OMC, sob a alegação de causar danos à saúde humana e ao meio

242 NODARI, Rubens Onofre; GUERRA, Miguel Pedro. Biossegurança de plantas transgênicas. In: GÖRGEN,

Frei Sérgio Antônio (Org.). Riscos dos transgênicos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 57. 243 BEEVER, David. Os transgênicos e o futuro da agricultura. Revista Biotecnologia Ciência &

Desenvolvimento, Brasília, p. 4-8, dez. 2000.

128

ambiente.

Argumento que também é muito utilizado para justificar a adoção da transgenia é o de

acabar com a fome do Terceiro Mundo, pois com o aumento da produção, e corte nas perdas,

poder-se-ia distribuir melhor a produção. No periódico “Financial Times”, de 28/05/1999, o

filósofo Alan Ryan da Universidade de Oxford, membro do Conselho Nuffield, órgão diretivo

de Ética nas Ciências Biológicas do Reino Unido, em seu relatório, afirmava: “[…] o

desenvolvimento de cultivares geneticamente modificados para combater a pobreza contém

um imperativo moral obrigatório […]”, concluindo, após 18 meses de estudos, que não há

fundamentos para a proibição no Reino Unido de cultivares e alimentos OGMS.

Nesta mesma linha de argumentação, em artigo publicado no site do Departamento de

Agricultura dos Estados Unidos, intitulado “As Promessas das Plantas da Biotecnologia”, no

tópico O Potencial da Biotecnologia Vegetal, salienta-se o crescimento vertiginoso da

população mundial, bem como a diminuição da área cultivável para a produção de alimentos,

o que justificaria a necessidade da adoção de uma nova tecnologia agrícola. Segundo o artigo,

as previsões para o ano de 2025 são de que a população mundial atingirá a cifra de 8 bilhões

de habitantes, enquanto o solo disponível para a agricultura deverá permanecer em cerca de

1% do volume de terra no mundo. Além disso, a média de expectativa de vida dos cidadãos do

mundo atingirá 73 anos.

Diante destas considerações, a biotecnologia é apontada como a única saída para a

manutenção da vida dos seres humanos, verdadeiro continuísmo das premissas levantadas

pela “Revolução Verde”. Um excerto do citado artigo dispõe: “Muito embora os métodos

tradicionais de reprodução de plantas e a química agrícola tenham aumentado os rendimentos

consideravelmente a partir dos anos 60, novas tecnologias que conservem o meio ambiente e

que gerem mais alimentos nutritivos se farão necessárias. E aí surge a biotecnologia, que

permite aos pesquisadores desenvolverem plantas com características benéficas, aumentando

a variedade de plantas produzidas e, ao mesmo tempo, reduzindo o custo de produção e

protegendo o solo”.244

Desde 1996, início da comercialização de insumos transgênicos para a agricultura, a

área total plantada com lavouras geneticamente modificadas no mundo multiplicou-se por

100, passando de 1,7 milhões de hectares para 170 milhões, de acordo com relatório

divulgado pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas

244 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). As

promessas das plantas da biotecnologia. Disponível em: <http://www.nal.usda.gov/bic>. Acesso em: 01 dez.

2013.

129

(ISAAA, na sigla em inglês), uma organização dedicada à promoção e disseminação dessas

tecnologias.245

Os quatro países com maior área plantada ficam, nas Américas: são, pela ordem, EUA

(69,5 milhões de hectares), Brasil (36,6 milhões), Argentina (23, milhões) e Canadá (11,6

milhões), seguido da Índia e China, com 10,4 milhões 4 milhões, respectivamente. De acordo

com o relatório, a área plantada globalmente subiu mais uma vez de 2011 para 2012,

apresentando um crescimento de 6%.

Em 2012, pela primeira vez, a área plantada com lavouras geneticamente modificadas

no mundo em desenvolvimento superou a dos países desenvolvidos, com a proporção ficando

em 52% para os países menos desenvolvidos. A taxa de crescimento da área coberta por

plantações transgênicas foi quase quatro vezes maior nos países em desenvolvimento, com um

avanço de 11%, ante 3% no mundo desenvolvido.

Os países em desenvolvimento que mais adotam transgênicos são Brasil, Argentina,

Índia, China e África do Sul – grupo que, com exceção da Argentina, é composto por

membros dos Brics. A Rússia, que é o “r” da sigla Brics, não consta da lista dos 28 países que

adotam tecnologia transgênica.

E mais, o relatório se refere ao Brasil como “motor” do crescimento do plantio de

transgênicos no mundo, “pelo quarto ano consecutivo”. “A área de lavouras biotecnológicas

aumentou mais que em qualquer outro país do mundo – um recorde de 6,3 milhões de

hectares, equivalente a um aumento impressionante de 21%”. O Brasil é responsável por 21%

de toda a área plantada com transgênicos no mundo, e está “consolidando sua posição e

reduzindo consistentemente a distância que o separa dos EUA”.246

Segundo o indicativo publicado no Portal Transporta Brasil247

, entre julho de 2012 e

junho deste ano, período que corresponde à safra 2012/13, o Brasil exportou o montante de

US$ 100,61 bilhões em produtos agropecuários, número que representa crescimento de 4,2%

em relação ao mesmo período da safra anterior. O superávit comercial do setor também

atingiu um novo recorde, somando US$ 83,91 bilhões.

Ainda de acordo com o portal, nos primeiros seis meses do ano de 2013, as vendas

245 ORSI, Carlos. Área plantada com transgênicos no mundo multiplica-se 100 vezes em 17 anos: Brasil é o atual

motor mundial do uso de biotecnologia na agricultura, afirma relatório. Inovação, Notícias, 4 mar. 2013.

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multiplica-se-100-vezes-em-17-anos >. Acesso em: 08 dez. 2013. 246 Id., Ibid. 247

JOSÉ, Victor. Brasil bate recorde de exportação de grãos na safra 2012/13. Portal Transporta Brasil –

Acontece, 10 jul. 2013. Disponível em: <http://www.transportabrasil.com.br/ 2013/07/brasil-bate-recorde-de-

exportacao-de-graos-na-safra-201213>. Disponível em: 9 dez. 2013.

130

somadas de soja em grão, açúcar e milho apresentaram altas significativas, somando US$

21,67 bilhões, o que significou uma expansão de US$ 4,96 bilhões em relação ao mesmo

período de 2012.

Este resultado confirma o quanto o agronegócio tem sido importante para a balança

comercial do Brasil, contribuindo para o crescimento econômico e desenvolvimento de nosso

país.

Verifica-se, pois, a importância da agricultura na economia brasileira e, de sua

modernização através da utilização de novas tecnologias, como o transgênico. Os exemplos

de ampliação de áreas cultivadas demonstram a eficácia e viabilidade dos transgênicos, sendo

este um caminho sem volta.

Diante das assertivas anteriores, percebe-se que os posicionamentos contrários ou

favoráveis à utilização imediata de determinada inovação tecnológica, particularmente no

caso da transgenia, não são passíveis de verificabilidade, pois a especulação e interesse

financeiro que envolve a questão podem tornar as opiniões e as pesquisas parciais, sem o

verdadeiro compromisso com o efetivo esclarecimento de determinada situação.

Portanto, os riscos para a saúde e meio ambiente embora não possam ser deixado de

lado, quando utilizando-se do princípio da precaução e desenhada em princípio essencial do

direito ambiental, considera-se que a utilização dos transgênicos não apenas é viável, mas

necessária para o desenvolvimento social e econômico.

Para que o Brasil continue sendo identificado como um importante player no setor

agrícola e na pesquisa com os OGMS é imperioso valorizar os centros de pesquisas

brasileiros, investir na formação dos cientistas que compões a CTNBio, bem como o

reconhecimento interno da relevância do serviço que a comissão e a comunidade acadêmica

têm prestado ao País.

A cultura dos transgênicos, quando baseada no conhecimento científico, constituiu um

dos fatores essenciais para o desenvolvimento de uma economia inovadora, de modo que a

sustentabilidade deve ser um dos critérios de acesso ao mercado, devendo ser observado pelas

medidas fitossanitárias, especialmente no caso dos transgênicos.

4.6.2 A Sustentabilidade Ambiental e Medidas Fitossanitárias

Conforme asseverado, com o decorrer dos anos, tornou-se impossível negar a relação

entre o comércio e proteção ambiental em razão do impacto de políticas comerciais no meio

ambiente e também das políticas ambientais no comércio, o que levou a inserção do debate na

131

OMC, considerando seu conteúdo normativo e seu mecanismo de solução de disputas.

Como já discorrido no capítulo 4, a determinação de medidas de caráter fitossanitário

deve atender a certos critérios estabelecidos pela própria OMC, a fim de evitar que seu uso

seja destinado a fins outros que não a proteção da vida humana, animal e vegetal.

Entretanto, há um confronto a ser vencido, que são as normas internas dos Estados,

identificadas como medidas fitossanitárias, resultantes de normas, políticas e práticas internas

adotadas que, sob o argumento de proteção ao meio ambiente, mascaram políticas

protecionistas.

Conforme estudo do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente248

(PNUMA), essas barreiras podem assumir as seguintes formas: a) políticas e medidas internas

relacionadas a embalagens: b) obrigatoriedade de aposição de selos verdes, atestando que

foram produzidos de maneira menos danosa ao meio ambiente no local da produção; c)

certificações relativas a processo e métodos de produção; d) internalização dos custos

relacionados à proteção do meio ambiente doméstico; e) medidas excepcionais para a

proteção da vida ou da saúde humana, animal e vegetal ou para conservação de recursos

naturais não renováveis e; f) obrigações do Estado de impor empecilhos ao movimento

transfronteiriço de determinados bens, em virtude de convenções multilaterais relativas ao

meio ambiente.249

O comportamento dos países em desenvolvimento frente ao tema meio ambiente em

relação as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por muitos países é arredio, porém,

perfeitamente compreensível, visto que o crescimento dos países em desenvolvimento

depende da taxa de expansão econômica. Os países em desenvolvimento temem que a

instituição de normas ambientais com criação de novas medidas não tarifárias ao comércio

resulte em uma onda de protecionismo, que neutralize os ganhos em termos de acesso a

mercados conquistados no sistema GATT/OMC e crie obstáculos adicionais na sua luta pela

integração na economia mundial e pelo desenvolvimento.

Normalmente, as barreiras não tarifárias (medidas fitossanitárias) visam proteger bens

juridicamente importante para os Estados, como a segurança nacional, a proteção do

consumidor, a saúde dos animais e das plantas e a proteção do meio ambiente.

No entanto, é justamente o fato de os países aplicarem medidas ou exigências sem que

248 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE (PNUMA). Institutional mechanisms supporting trade in genetic material: issues under the biodiversity convention and GATT/TRIPS. Environment

and Trade Series, n. 4. Geneva: UNEP, 1994. 249 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao

desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 391.

132

haja fundamento científicos nítidos que as justifiquem, ou baseando-se tão somente em

argumentos de degradação ambiental, sem qualquer estudo de impacto ambiental de respaldo,

que dá origem às barreiras não tarifárias ao comércio, formando o que se chama de

neoprotecionismo.

Tal comportamento é inadmissível visto que utiliza-se do argumento de proteção

ambiental, sem qualquer respaldo científico, para proteger o mercado interno, o que é

incompatível com as normas da OMC e passível de sanções por parte deste organismo

internacional.

133

CONCLUSÕES

De toda pesquisa realizada pode-se concluir que, quando se trata de aplicação de

medidas sanitárias e fitossanitárias, notadamente no caso dos transgênicos, os seguintes

aspectos devem ser considerados:

1. A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores

econômicos faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica,

conforme preconiza a Constituição Federal, artigo 170. Desse modo, o Direito exerce

influência na Economia e a Economia exerce influência no Direito, no entanto há de se

destacar que ambos são influenciados pelo contexto socioeconômico em que estão inseridos.

Assim, o Estado Democrático de Direito tem, dentre outros, conteúdo transformador

da realidade, na medida em que age como incentivador da participação pública no processo de

construção e reconstrução da sociedade, intervindo na economia com o objetivo de equilibrar

as relações sociais e econômicas. Uma dessas formas de intervenção é a adoção de medidas

sanitárias e fitossanitárias.

2. As medidas sanitárias e fitossanitárias são barreiras não tarifarias que restringem a

entrada de mercadorias importadas, visando proteger a vida e a saúde humana, animal e

vegetal, devendo, contudo, para sua adoção observar estritamente as normas gerais, com seus

objetivos e princípios, do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias adotado pela

OMC, mais precisamente o princípio da precaução e a verificação de riscos, sob pena de

constituir-se verdadeira barreira ao comércio, numa manobra típica de protecionismo de

mercado.

3. Tais medidas sanitárias e fitossanitárias são, assim, necessárias quando visam

proteger a saúde humana, animal e a proteção ao meio ambiente, visto que a atividade

econômica e o crescimento econômico não são fins em si mesmos, devendo buscar o

desenvolvimento sustentável, calcado no triple botton line. No tripé da sustentabilidade estão

contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem interagir de forma holística

para satisfazer o conceito.

4. Dentro deste contexto de necessidade de desenvolvimento social, econômico e

ambiental é que se desenrolam os argumentos à respeito dos transgênicos e a inserção destes

alimentos no contexto do tripé da sustentabilidade, visto que a grande maioria contrária à

liberalização e comercialização de produtos contendo OGMs argumenta que os mesmos são

prejudiciais ao meio ambiente, de modo que as políticas ambientais atuam como verdadeiras

barreiras ao comércio, na forma de medidas fitossanitárias.

134

5. As avaliações de segurança dos transgênicos seguem padrões internacionais

definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)e pela Organização das Nações Unidas

para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU). No Brasil, os OGMs aprovados são submetidos

a testes toxicológicos, alergênicos, nutricionais e ambientais que passam pela análise da

Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia – CTNBio, que desde a promulgação da Lei de

Biossegurança (11.105/05) atribuiu competência a CTNBio para a análise técnica da

biossegurança dos OGMs sob o aspecto de saúde humana, vegetal e ambiental.

6. Ainda, considerando o exposto sobre o desenvolvimento sustentável, há necessidade

de se ressaltar que alguns Estados utilizam o critério da sustentabilidade para adotar medidas

protecionistas ao mercado sob o manto de medidas fitossanitárias, transbordando, assim, os

limites da sustentabilidade e das medidas fitossanitárias. Portanto, na adoção de medidas

sanitárias e fitossanitárias deve-se considerar o tripé da sustentabilidade (econômico, social e

ambiental), ou seja, não pode ser considerado somente o aspecto ambiental em detrimento do

econômico, sob pena de não ser alcançado o desenvolvimento sustentável.

135

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