ultima hora - uma revolução na imprensa brasileira

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Cadernos da Comunicação Série Memória Secretaria Especial de Comunicação Social ULTIMA HORA Uma revolução na imprensa brasileira

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Série Memória 1

Cadernos da ComunicaçãoSérie Memória

Secretaria Especial de Comunicação Social

ULTIMA HORAUma revolução naimprensa brasileira

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2 Cadernos da Comunicação

O presente trabalho é de autoria de Lilian M. F. deLima Perosa, jornalista e professora-doutora formadapela Escola de Comunicações e Artes da USP(Universidade de São Paulo). Colaboração de MariaLúcia Zanelli, jornalista.

As fotos publicadas em Ultima Hora e reproduzidas nestaedição fazem parte do Arquivo em Imagens no 1 – Série UltimaHora – Arquivo do Estado de São Paulo, 1997. As reproduçõesde páginas do jornal foram feitas do arquivo da BibliotecaKennedy, em São Paulo.

Perosa, Lílian M. F. de Lima Ultima Hora: uma revolução na imprensa brasileira / LilianM. F. de Lima Perosa, Maria Lúcia Zanelli. – Rio de Janeiro:Secretaria Especial de Comunicação Social, 2003. p. – (Cadernos da Comunicação. Série Memória; v. 7)

ISSN 1676-5508

1. Ultima Hora (Jornal). 2. Imprensa – Brasil. I. Zanelli, MariaLúcia. II. Secretaria Especial de Comunicação Social. III. Título.

CDD 079.8153

Os Cadernos da Comunicação são uma publicação daSecretaria Especial de Comunicação Social da Prefeitura doRio de Janeiro.Junho 2003

Prefeitura da Cidade do Rio de JaneiroRua Afonso Cavalcanti 455 – bloco 1 – sala 1.372Cidade NovaRio de Janeiro – RJCEP 20211-110e-mail: [email protected]

Todos os direitos desta edição reservados à Prefeitura daCidade do Rio de Janeiro. Nenhuma parte desta publicaçãopode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico) ou arquivadaem qualquer sistema ou banco de dados sem permissãoescrita da Prefeitura.

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Série Memória 3

PrefeitoCesar Maia

Secretária Especial de Comunicação SocialÁgata Messina

CADERNOS DA COMUNICAÇÃOSérie Memória

Comissão EditorialÁgata MessinaHelena Duque

Leonel KazRegina Stela Braga

EdiçãoRegina Stela Braga

Redação e pesquisaAndrea Coelho

RevisãoAlexandre José de Paula Santos

Projeto gráfico e diagramaçãoMarco Augusto Macedo

CapaCarlos Amaral/SEPE

Marco Augusto Macedo

Secretaria Especial de Comunicação Social

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4 Cadernos da Comunicação

CADERNOS DA COMUNICAÇÃOEdições anteriores

Série Memória1 - Correio da Manhã – Compromisso com a verdade2 - Rio de Janeiro: As Primeiras Reportagens – Relatos do século XVI3 - O Cruzeiro – A maior e melhor revista da América Latina4 - Mulheres em revista – O jornalismo feminino no Brasil5 - Brasília, capital da controvérsia – A construção,

a mudança e a imprensa6 - O Rádio Educativo no Brasil

Série Estudos1 - Para um Manual de Redação do Jornalismo On-Line2 - Reportagem Policial – Realidade e Ficção3 - Fotojornalismo Digital no Brasil – A imagem na imprensa da

era pós-fotográfica4 - Jornalismo, Justiça e Verdade5 - Um olhar bem-humorado sobre o Rio nos anos 206 - Manual de Radiojornalismo

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Série Memória 5

Getulio Vargas foi o grande inspirador do jornal Ultima Hora. Foiele que sugeriu ao repórter Samuel Wainer, de quem se tornara amigodurante a campanha eleitoral que o levou pela segunda vez àPresidência da República, a criação de um jornal para apoiar o novogoverno populista que se iniciava. Com esta proposta, surgia em1951 o jornal que se destacava nas bancas pela sua logomarca azule branca e que trouxe, na primeira página da primeira edição, emlugar do editorial de apresentação, uma carta do presidente. Nosquase 20 anos de sua existência, a Ultima Hora marcou de formaindelével a história do jornalismo brasileiro.

Segundo o próprio Samuel Wainer, o objetivo do novo jornal eraromper com “a formação oligárquica da imprensa brasileira e darinício a um tipo de imprensa popular e independente”. A Getulio Vargas,ele apresentava como “o poder contra o poder”, a contraditória figurapolítica que, embora na Presidência da República, empenhava-se emlutar contra “a classe dirigente” do país.

Desde a sua fundação, a Ultima Hora foi um jornal estigmatizado.Campanhas difamatórias vindas de outros órgãos de imprensa, CPIs,escândalos e, por último, até a acusação de ser “um dos principaisórgãos da imprensa comunista”. Mas o grande mérito desse jornalfoi o de revolucionar o modo de “fazer jornal”. O colunismo, queentrara em decadência nos anos 20, voltou com a assinatura e aopinião dos seus responsáveis. A caricatura, outra forma deexpressão crítica que também alcançara o seu auge no passado,voltou a ser diariamente utilizada nas páginas do novo jornal. E oseu grande diferencial estava na forma como ele se apresentava,através de uma diagramação marcante que o diferenciava dos outrosjornais e do espaço generoso dedicado às fotos.

No dia 1o de abril de 1964, acusada de ser comunista, a redaçãoda Ultima Hora foi empastelada. Era o início da decadência. Samuelpartiu para o exílio, de onde só retornaria em 1968 decidido arecuperar o seu jornal, mesmo que isso lhe custasse penosasconcessões. Seus esforços de nada adiantaram. Dois anos depoisdo AI-5, mortalmente golpeada pela perseguição política e peloboicote na publicidade, a Ultima Hora deixou de circular.

Os Cadernos da Comunicação, em sua série Memória, apresentamo trabalho da jornalista e professora Lilian M. F. de Lima Perosa sobreeste jornal que, apesar de sua breve existência, foi história e fezHistória no Brasil contemporâneo.

CESAR MAIAPrefeito da Cidade do Rio de Janeiro

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Samuel Wainer acompanha impressão da Ultima Hora.

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Série Memória 7

Samuel Wainer

Um jornalista, além de talento, precisa de muitotrabalho, em primeiro lugar. O talento só não basta.Ele precisa de muita vivência, ele tem que mergulharrealmente na vida, para poder transmiti-la, porqueo jornalista não é um criador de fatos, ele é umtransmissor e precisa saber ver.

Em jornal, a equipe é a base de tudo. E a minhaconclusão é essa. O fator fundamental e importantede um jornal é, antes de mais nada, ser um excelentejornal, bem feito tecnicamente. Não importa o tipoda técnica.

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Série Memória 9

Sumário

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○1. Introdução

2. Por uma razão de viver

3. Sonhos: acredite neles

4. Talentos da Ultima Hora

5. Oficina de criatividade

6. Aventura em cadeia

7. Colunistas: estrelas da Ultima Hora

8. Flan: um breve delírio

9. Campanha corrosiva

10. A última hora de Vargas

11. Resistência

12. Fazedores: breves relatos

Nelson RodriguesIgnacio de Loyola BrandãoJorge de Miranda JordãoArapuã (Sérgio Andrade)Milton Coelho da GraçaLou PachecoJean-Claude Bernadet

13. Notas bibliográficas

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Foto de Getulio Vargaspublicada em Ultima Hora, porocasião da morte do presidente– UH, 24 de agosto de 1954.

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Introdução

Em 12 de junho de 1951, surgia no Rio de Janeiro, pelas mãosdo jornalista Samuel Wainer e com o apoio do então presidente,Getulio Vargas, o jornal Ultima Hora, dando início a uma cadeiaque se espalharia por São Paulo (18/3/1952) e, depois, pelo entãoEstado do Rio, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais ePernambuco. O jornal refletiu em suas páginas a conturbada situa-ção política do Brasil e do mundo, nas décadas de 50 e 70, e mudoua imprensa do país, com inovações como o uso da cor, ilustrações efotos. As circunstâncias históricas de seu nascimento, somadas aoperfil editorial diferenciado que assume em relação aos jornais daépoca, atribuíram-lhe uma importância ímpar e sempre recorrente,não apenas para a história do jornalismo, mas para a História doBrasil de maneira geral.

Conceitualmente, Ultima Hora revelou-se um produto combina-do; apresentando simultaneamente características de um jornal decausa, como os pasquins do século XIX, e de um produto industri-almente avançado para a época. Trabalhava as técnicas de seduçãopopular, inspiradas no populismo getulista, e, outras, típicas de ummodelo empresarial baseado na administração racionalizada e nolucro. No contexto de um capitalismo incipiente, movimentava-seem direção a um capitalismo avançado, aproveitando-lhe os recur-sos inovadores nas áreas gráfica e editorial e, assim, antecipandono tempo a modernização da imprensa brasileira.

Nascido sob o signo do populismo varguista, revitalizado pelovoto popular em janeiro de 1951, Ultima Hora tomou-o como seuprincipal fundamento, colocando a serviço desse ideário toda umalinha de produção jornalística sofisticada, na forma de máquinas e

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talentos. Nesse sentido, procurou transferir para suas páginas oreconhecimento das classes populares urbanas como interlocuçãolegítima em face do poder governamental, ainda que de formalimitada, dado o próprio sentido dessa prática política, que vi-gorou como fórmula dominante no Estado brasileiro de 1945 a1964, embora seu advento tenha ocorrido a partir da revoluçãode 1930 e se definido no âmbito do Estado Novo.

Ao longo desse processo, os líderes populistas desenvolveramcom as classes populares urbanas, oriundas das sucessivas migra-ções, atraídas pelo processo de industrialização, uma relação extre-mamente ambígua: “ao mesmo tempo em que procuravam dar ex-pressão e atendimento a alguns de seus interesses, assumindo-ascomo interlocutores e concedendo-lhes deste modo cidadania, poresse mesmo mecanismo limitavam sua cidadania e impediam suaemancipação, mantendo-as sob controle (ou, ao menos, tentandofazer isso), como aliado subordinado. E manipulavam-nas em fun-ção de interesses não especificamente delas. Mobilizavam-nas e aomesmo tempo utilizavam-nas. Seduziam-nas com determinadasmedidas e controlavam-nas”.1

Sob essa ótica, poderíamos dizer que havia importante com-ponente de cidadania do jornal com as classes populares, embo-ra parcial e sob controle, mesmo porque nada semelhante seobservava nos outros diários da época, cujos laços com as elitestornaram-se regra. No entanto, Ultima Hora dirigia-se especial-mente às classes populares, mas não exclusivamente a elas. Pre-cisava dispor de temas capazes de atender a diversos tipos deinteresses, refletindo desse modo a ambiguidade que marcava aprática populista. Desde o seu surgimento até o suicídio deVargas, em agosto de 1954, o jornal se manteve vinculado aogoverno federal, defendendo as medidas tomadas por Getulio e

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se definindo por uma linha editorial francamente nacionalista,antifascista e de busca por maior justiça social.

Como analisa Goldenstein, Ultima Hora haveria de ser dupla-mente uma tribuna de Getulio: diretamente, através da mensa-gem que veicularia e, indiretamente, através da concorrênciacomercial que encetaria, obrigando os demais órgãos de impren-sa a rever sua política editorial. O jornal nascia com um objeti-vo político, cuja consecução deveria passar também pelo suces-so comercial, ou seja, a conquista de leitores, a “afirmação nomercado” e as técnicas que fossem utilizadas para tanto se con-figuravam como tática política. E, para Wainer, Ultima Hora se-ria também a oportunidade para a realização do seu sonho que,como o de qualquer jornalista, era ter seu próprio jornal.2

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Getulio Vargas e membros do Partido Trabalhista Brasileiro – UH, 24 de março de 1953.

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Por uma razão de viver

O projeto Ultima Hora embutia uma estratégia política definida:“quebrar a conspiração de silêncio que a grande Imprensa fazia emtorno do nome de Getulio Vargas. Se fosse bem sucedida, obrigariao resto da imprensa, através da própria concorrência comercial, adivulgar os atos positivos do presidente, sob pena de perder os seusleitores”.3 Isso fica comprovado nas memórias de Wainer, organiza-das no livro Minha razão de viver4, onde o fundador do jornal relaci-ona abertamente a criação do jornal a Vargas.

“Por que não fazes um jornal?”, indagou-lhe Getulio, no segundodia após sua posse, realizada em meio a uma impressionante celebra-ção popular, em 31 de janeiro de 1951. “Contrariando as previsões, opresidente Dutra compareceu à cerimônia de transmissão do cargo eGetulio entrou no Catete carregado pelo povo. Foram cenas rigorosa-mente inesquecíveis, mas a imprensa procurou ignorá-las”, revelaWainer. Do mesmo modo que ignorou a primeira reunião do novo mi-nistério, embora sendo um evento importante, durante o qual seriamanunciadas algumas diretrizes do novo governo. Além de Samuel, en-viado dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que reatarasuas relações com Vargas, apenas um repórter da Agência Nacionalsubira a serra até o Palácio Rio Negro, em Petrópolis, para onde sedirigiu Getulio em regime de férias de verão, no dia seguinte à posse.

Terminada a reunião ministerial, Wainer foi convidado a jantarcom a família presidencial e, em seguida, chamado para um encon-tro particular, na sala de despachos, que Getulio destinava a con-versas reservadas. E foi exatamente ali que, entre baforadas de cha-ruto e curtas caminhadas, Vargas sugeriu a Wainer o que lhe pare-cia até aquele momento apenas um sonho: ter o seu próprio jornal.

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Ele, por sua vez, ponderou que não seria difícil articular a monta-gem de uma publicação que defendesse o pensamento de um presi-dente que, como era o caso, tinha o perfil de um autêntico líderpopular. “Então faça”, determinou Getulio. Assim, Ultima Horacomeçava a nascer e Samuel a encontrar sua razão de viver.

Parecia uma grande ironia do destino. Quando partiu para o exí-lio em 1944, na seqüência do fechamento da revista Diretrizes, sobseu comando e cujo teor das matérias começara a incomodar ofamigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Es-tado Novo), o então jovem jornalista carregava uma imagem nega-tiva de Getulio: “Ainda não conhecia Vargas, mas era ele, aos meusolhos a encarnação do mal, o grande adversário a combater”. Agorase tornavam amigos íntimos, uma intimidade que foi sendo gradu-almente construída na fase pré-eleitoral da campanha presidencial,quando, trabalhando para Assis Chateaubriand, realizou uma en-trevista inesperada com Vargas, que se encontrava em regime deostracismo deliberado em sua fazenda no Rio Grande do Sul:

O avião sobrevoava o pampa gaúcho quando SamuelWainer ouviu do piloto: “Lá embaixo mora o GetulioVargas, sabia?” Escalado para produzir uma reporta-gem sobre o trigo, ele mudou os planos na hora. Háquatro anos, desde que largara o poder, em 1945, oex-presidente mantinha-se num exílio voluntário, semdar declarações, enfurnado em sua fazenda em SãoBorja. O atrevido repórter mandou o piloto descer eem poucos minutos inventou a desculpa. Para todosos efeitos, aquilo teria sido um pouso de emergênciaporque o avião precisava de reparos. No dia 3 de marçode 1949, quando a matéria foi publicada, o Diário daNoite vendeu como água. “Eu voltarei como líder dasmassas”, anunciava Getulio na entrevista exclusiva ehistórica. Foi o primeiro de uma série de furos da car-

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Assis Chateaubriand e Getulio Vargas – UH, 5 de novembro de 1953.

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reira de Wainer, que, como bom jornalista, estava sem-pre no lugar certo e na hora certa”.5

A entrevista alcançou grande repercussão e promoveuvigorosamente a campanha de Getulio para a presidência em 1950.Na seqüência, Vargas iniciou sua campanha política e Wainer, ain-da a serviço dos Diários Associados, foi destacado para cobri-la,tornando-se amigo e confidente do candidato. Como é sabido, Vargasnão era o candidato de Chateaubriand, daí surgindo sempre a ques-tão de “por quê” transformar a sua rede jornalística na caixa deressonância de uma candidatura “non grata”. Há avaliações con-troversas para tal gesto. Para Carlos Lacerda, a razão estava no faropolítico do empresário, que sentira no ar a vitória próxima de Getu-lio, mas para Wainer as motivações eram mais profundas:

O gênio jornalístico de Chateaubriand percebeu des-de o primeiro momento as implicações políticas dasdeclarações de Getulio. O seu candidato à sucessãode Dutra era o então general Canrobert Pereira daCosta, ministro da Guerra (do governo Dutra). Mas,para que este pudesse se tornar candidato oficial, seriapreciso afastar a candidatura de Christiano Machadoe levar Adhemar de Barros a apoiar Canrobert. Era oque Chateaubriand esperava que acontecesse com aexploração do medo que a volta de Getulio Vargasdespertava nos círculos dominantes do país. Daí terdito a Wainer quando mandou publicar a célebre en-trevista: “Seu Wainer, com essa entrevista vamos en-gordar aquele porco até pôr em pânico a nossa estú-pida burguesia. E então não terão outra saída senãoapoiar o Canrobert”. Além disso, o nome de Getulioseria um excelente meio para aumentar as vendas dosjornais de Chateaubriand. Daí a cobertura exausti-va que mandou fazer. Só mais tarde, como apren-diz de feiticeiro percebeu que tinha ido longe de-mais. Mas aí já era muito tarde.6

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Diríamos que o ardiloso Chateaubriand nessa ocasião sofreudupla derrota para Vargas: a de seu candidato presidencial e a deseu melhor repórter que agora se convertia em homem de confi-ança do presidente eleito e, porque não dizer, de toda a sua fa-mília, haja vista que a missão atribuída a Wainer de criação deum jornal pró-Getulio seria orientada por sua filha Alzira Vargas(Alzirinha), cuja relação com o jornalista, nos seus termos, erade “amizade total e absoluta”.

Observe-se que, eleitoralmente legitimado e já em pleno exercí-cio do poder, com posse garantida pelo general Estillac Leal, apóstentativa de impedimento por parte de facções udenistas, Getuliocompôs um Ministério com predominância do PSD, atribuindo ain-da uma pasta, a da Agricultura, ao udenista João Cleofas, numatática de tentar acalmar a oposição. Mas tinha noção de que taismedidas eram insuficientes, do ponto de vista da governabilidade.“Precisava novamente de um veículo que desse cobertura aos seusatos de governo, coisa que não poderia esperar da ‘grande impren-sa’ de então, contrária a ele”.7

Por outro lado, nas conversas mantidas com Alzirinha, Wainerescutou claramente que não poderia contar com recursos oficiaispara essa finalidade. Nessa ocasião, ele já visualizava a primeiraetapa de seu projeto, onde se configuravam duas empresas distin-tas: uma gráfica e uma editorial, e justificava a razão: “Em geral,naquela época, os jornais eram sujeitos a pressões políticas, a im-previstos, a eventuais ataques. Então procurava-se separar a parteindustrial da parte editorial, de maneira que, se o jornal parasse, aindústria continuava e se podia fazer outro”.8

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Homenagem prestada pelostrabalhadores ao presidente Getulio Vargasem frente ao Palácio Rio Negro,em Petrópolis – UH, fevereiro, 1953.

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Sonhos: acredite neles

Samuel pôs mãos à obra e iniciou sondagens que logo lhe rende-riam frutos. Descobriu que o Diário Carioca, jornal que não obstantegozasse de muito prestígio em relação ao restante da imprensa, ex-perimentava uma fase de dificuldades financeiras. O grupo dessejornal, segundo Samuel, de respeitável nível intelectual e social,havia rompido com Getulio no fim da ditadura, em conseqüênciade disputas pelo governo do Estado do Rio. Desde então acumula-ra uma apreciável dívida com o Banco do Brasil, enquanto as má-quinas estavam hipotecadas à Caixa Econômica Federal. Horáciode Carvalho, que dirigia a empresa, estava decidido a vendê-la, masapenas o parque gráfico chamado Érica, exatamente como Wainerhavia planejado.

Pelo acordo firmado entre as partes, Wainer compraria as açõesda Érica e assumiria tanto a dívida da gráfica quanto a do DiárioCarioca – garantida pela hipoteca do edifício e dos equipamentos daÉrica –, no valor de 22 mil contos, com o Banco do Brasil e com aCaixa Econômica Federal. “Além disso, Wainer pagaria 12 mil con-tos em dinheiro durante um certo período e imprimiria durante doisanos o Diário Carioca, que naturalmente desocuparia o prédio daÉrica. Em suma, toda a transação representava 64 mil contos, 22mil dos quais tinham um prazo de 15 anos para pagamento ao Ban-co do Brasil e à Caixa Econômica Federal”.9 Anos depois, tais tran-sações vão servir como uma luva para a grande campanha que serádesenvolvida contra o jornal Ultima Hora e a partir dele contra opróprio Getulio, orquestrada principalmente pelo Diário da Noite, OGlobo e a Tribuna da Imprensa.

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O financiamento dos recursos necessários para a compra de açõesfoi obtido junto a Walter Moreira Salles, jovem banqueiro em as-censão, que emprestara muito dinheiro ao Diário Carioca e, portan-to, tinha interesse na recuperação da empresa; a Euvaldo Lodi, po-deroso empresário paulista ligado à cúpula da Federação das Indús-trias, e Ricardo Jafet, então presidente do Banco do Brasil. Os doisúltimos tinham profundas ligações políticas com o Governo Vargase “alimentavam razoáveis ambições de ascensão na vida pública”.10

Além disso, Wainer obteve um empréstimo do Banco do Brasil novalor de 26 mil contos e uma conquista adicional: conseguiu que obanco absorvesse a dívida da empresa para com a Caixa Econômi-ca Federal. Estava satisfeito, tinha arrecadado os 65 mil contos ga-rantidos pela hipoteca do prédio da Érica e pelo penhor de seusequipamentos. Com esses recursos, foi investindo gradualmente namodernização do parque gráfico já obsoleto para a época.

Cumprida a primeira etapa de seu projeto, Samuel partiu, na se-qüência, em busca dos recursos para a montagem do que ele depoisregistraria como Editora Ultima Hora, uma sociedade anônimadestinada principalmente a editar o jornal do mesmo nome eque não teria qualquer vínculo jurídico com a Érica. “Obtive amaior parte destes recursos junto a um homem que começava acrescer na cena política brasileira: Juscelino Kubitschek”, reve-la o jornalista em suas Memórias.11

Ele conhecera Juscelino desde a década dos 40, quando aindaprefeito de Belo Horizonte, mas ainda não manifestara entre am-bos a intimidade que se consolidaria nos anos seguintes. Juscelinoacabara de assumir o cargo de governador, tinha claras intençõesde concorrer à sucessão presidencial, e algumas semanas antes, pormeio de Wainer, conseguira uma audiência com Getulio. JK mos-trou-se explicitamente simpático aos projetos do jornalista, que lhe

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prometeu completo sigilo em face de qualquer ajuda que pudesseprestar, mas Juscelino não demonstrou qualquer preocupação quantoaos riscos implícitos ao ato. Determinou a três bancos ligados aogoverno que cada um repassasse a Samuel mil contos, que totalizariaos 3 mil contos necessários para a consecução do empreendimentoeditorial. Wainer não teve dúvidas, registrou a marca Ultima Horaem seu nome, conservando para si cerca de 65 por cento das açõese distribuindo o restante para o grupo que chamara a trabalhar comele, entre os quais estavam Luiz Fernando Bocayuva Cunha, Ar-mando de Oliveira e outros redatores.12

Aliás, a respeito do nome do jornal, Samuel tem uma históriainteressante. Foi por meio de Carlos Eiras, secretário de redação doDiário da Noite, que Samuel foi apresentado à Ultima Hora. Eirascontara-lhe que, entre 1917 e 1920, circulava no Rio de Janeiro umjornal com aquele título, editado pelo diplomata Paulo Hasslocker.Com o fim do jornal, o título passara de mão em mão e acabarasendo registrado por outro diplomata, o embaixador AbelardoRojas, fato que Wainer só viera a saber quando decidiu fazer usodo mesmo. Combinou um estratagema para adquiri-lo por baixocusto: Baby Bocayuva – um dos vice-presidentes da EditoraUltima Hora, conforme veremos posteriormente –, com seustraços de garoto, foi à procura do embaixador apresentando-secomo estudante e pedindo a cessão do título. Rojas concordouem passá-lo por uma quantia quase simbólica. Mais tarde, ao sedar conta que o título seria usado por Samuel, tentou anularjudicialmente a transação, sem sucesso.

Voltando ao empreendimento Ultima Hora, Wainer tratou entãode fechar contratos de publicidade com a Cia. Antártica de SãoPaulo e com entidades como o Serviço Social da Indústria (Sesi) eServiço Social do Comércio (Sesc), estes últimos relativamente fá-

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ceis de obter devido a sua posição política. Descontou os taiscontratos no Banco do Brasil, reunindo mais de 8 mil contosque, somados ao que Juscelino lhe arranjara, seria o suficientepara que o jornal sobrevivesse por pelo menos quatro meses,nos cálculos de Samuel.

Infra-estrutura garantida, Samuel voltou sua atenção para umaquestão que passou a incomodá-lo desde o momento em que Getu-lio propôs-lhe o desafio. No Brasil dos anos 40, o clube da impren-sa era bastante restrito. No Rio Grande do Sul, reinava o Correio doPovo, comandado pelo jovem Breno Caldas. No Paraná e em SantaCatarina, como em quase todos os outros estados, não havia jor-nais importantes. Em São Paulo, o Estadão, da família Mesquita, jáera hegemônico, embora também tivessem influência A Gazeta, dovelho Cásper Líbero, e o tradicional Correio Paulistano, que fora oporta-voz do Partido Democrático, controlado pelo grupo de Fran-cisco Morato. No Nordeste e no Norte, só tinham algum peso ATarde, da Bahia, pertencente à família Simões, o Jornal do Commercio,de Pernambuco, controlado pelos Pessoa de Queiroz, e o Liberal,do Pará. Mas os grandes jornais brasileiros, os que realmente pesa-vam, eram editados no Rio de Janeiro.

O maior deles era o Correio da Manhã, o poderoso feudo de Pau-lo Bittencourt, seguido pelo Diário de Notícias, da família Dantas. OGlobo ainda alcançava repercussão reduzida, e o Jornal do Brasil nãopassava de um catálogo de classificados. Havia vários outros jor-nais, alguns dos quais tinham boa repercussão, mas não se podiacompará-los de modo algum com os grandes jornais, particularmenteo Correio da Manhã. Nos anos seguintes, o Brasil assistiria à escala-da dos Diários Associados, liderados por Assis Chateaubriand, queconseguiu ingressar no fechado clube dos donos da imprensa e tor-nar-se um de seus mentores. Tais indicadores apontavam rigorosa-

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mente para as grandes dificuldades que Samuel e seu jornal teriamcomo os mais novos aspirantes ao Clube. Por tudo isso, ele precisa-va conferir status social à Ultima Hora, no sentido de reduzir suavulnerabilidade em face dos grupos dominantes hostis ao projeto.

Eu sabia que fundar um jornal fora dos gruposoligárquicos que controlavam a imprensa significa-va desafiar um poder desumano, aético,monopolizador, absolutista. Fui a Getulio para,mais uma vez, preveni-lo sobre os perigos que nosaguardavam. Ponderei ao presidente que, como areação dos senhores da imprensa seria imediata ebrutal, valeria à pena formar em torno do jornaluma espécie de cinturão social integrado por no-mes da aristocracia brasileira. Todos seriam vice-presidentes da UH S.A. e poderiam neutralizar par-cialmente a hostilidade das altas rodas sociais. Ge-tulio concordou e comecei a convidá-los. Um dosvice-presidentes seria o jovem engenheiro LuísFernando Bocayuva Cunha, o futuro deputado BabyBocayuva. Menino amado do Country Clube, Babyera genro do ministro Simões Filho e neto deQuintino Bocayuva, o célebre abolicionista repu-blicano. O segundo nome convidado foi CarlosHolanda Moreira, neto de Plácido de Castro, oconquistador do Acre. O terceiro, Armando Daultde Oliveira, pertencia a uma tradicionalíssima fa-mília gaúcha. Finalmente decidi incluir nesse cinturãoum padre, Antonio Dutra, ativo militante da políti-ca mineira.13

Na seqüência, Samuel tratou de precaver-se na parte adminis-trativa – não tinha qualquer experiência na área –, contratando osserviços de uma administradora de empresas, uma verdadeira ino-vação na época. Assim, ficava liberado para tratar de questões queconhecia e que lhe causavam particular prazer: a montagem do par-

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que gráfico e a formação da equipe de redação da Ultima Hora. Noprimeiro caso, logo percebeu que herdara um maquinário bem maisobsoleto do que imaginara. A rotativa, marca Duplex, não tinhacapacidade para ir além de um caderno de 12 páginas por vez e dos20 mil exemplares de tiragem. Do mesmo modo, um equipamentooffset comprado por Macedo Soares nos Estados Unidos se encon-trava virtualmente reduzido a sucata, mas ele acreditava que emcurto espaço de tempo superaria esse quadro.

No segundo caso, ao final de março de 1951, conseguiu formarum núcleo de notáveis do jornalismo à época. Começou comOctávio Malta, que Wainer costumava apresentar como seu braçodireito e João Etcheverry. Além disso, recrutou Augusto Rodrigues,que considerava o melhor chargista da história da imprensa brasi-leira e mandou buscar em Buenos Aires um diagramador argentinofamoso, por quem ele nutria especial admiração, André Guevara,que acabou trazendo consigo mais dois diagramadores.

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Charge de Nassara para o tablóide dominical Flan, um sucesso de vida breve.Flan, fevereiro, 1954.

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Talentos da Ultima Hora

A primeira noite de reunião do núcleo, lembra Wainer, parecia umaoficina de criatividade. Guevara desenhou em poucos minutos ologotipo da Ultima Hora. Na ocasião, voltou-se para Samuel e decidiu:“Vou dar-lhe a cor dos seus olhos”. As letras eram azuis, embora ape-nas mais tarde, o fundador do jornal tomasse conhecimento de que avelha impressora do Diário Carioca tinha capacidade de rodar um jornalem quatro cores. Observe-se que, naquela época, apenas dois jornaisbrasileiros utilizavam o recurso da cor: a Vanguarda, do Rio, e a Gazeta,em São Paulo, ambos usando o vermelho. Por seu lado, João Etcheverrysugeriu um slogan que se tornaria célebre: “Um jornal vibrante, umaarma do povo”. Ali também seria concebido o melhor título de seção,Na hora H, assinada por Augusto Rodrigues e logo ilustrada com doisolhos imensos por Guevara.14 Na seqüência, a equipe se expandiriaincluindo Nabor Caíres de Brito, Paulo Silveira, a família inteira deMário Rodrigues, pai de Nelson Rodrigues, que bem mais tarde viriatambém juntar-se ao grupo.

O conceito do novo jornal igualmente era alvo de discussão.Não havia dúvidas de que Ultima Hora seria um jornal marcadamentepolítico e favorável a Getulio, aspecto, aliás, que Wainer desde oinício deixaria muito claro aos membros da equipe. Mesmo porque,na relação dos acionistas da empresa figuravam vários parentes deVargas, além do presidente da Érica ser o embaixador em Washing-ton, Carlos Martins Pereira de Souza. Por outro lado, Ultima Horanasceria editorialmente revolucionário por vários motivos: o proje-to previa a reintrodução do colunismo, que, bastante ativo desde oséculo XIX na imprensa brasileira, entrara em decadência nos anos20, sobretudo em razão dos anos difíceis do primeiro governo Vargas,

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marcados por uma feroz censura à imprensa.Assim, no segundo governo Vargas, “a prática de assinatura de

uma coluna que expressasse claramente a opinião do autor não eramuito difundida em outros jornais. O máximo de concessão que sefazia à “imparcialidade” da imprensa colocava-se nos editoriais, emque a opinião (freqüentemente não assinada pessoalmente) que fi-gurava era a da empresa proprietária do órgão de divulgação, queali difundia os interesses do grupo social que representava”.15 ComUltima Hora renasceriam ainda outras manifestações já vistas naimprensa do passado, como a utilização freqüente da caricatura,naquele momento decadente, e o uso do folhetim.

Mas o projeto ousava mais, muito mais, com a introdução de umtrabalho de diagramação que diferenciava marcadamente a primei-ra página das demais – havia sempre uma grande foto nessa página,que se tornaria uma das marcas registradas do jornal –, uso da cor,valorização do fotógrafo e da imagem fotográfica como um com-plemento da informação, criação de histórias em quadrinhos nacio-nais para jornais, utilização do correspondente itinerante no exteri-or para complementar o noticiário internacional, destaque ao pro-fissional de jornal inclusive em termos salariais, formação de umarede nacional e de edições regionais para garantir a unidade editori-al, mas preservar as diferenças setoriais do país, dentre outras.16

Na primeira edição do jornal, no lugar do previsível editorial deapresentação, a primeira página trazia uma carta de Getulio Vargaspara Samuel Wainer, a pedido deste, cuja decisão era vincular Ulti-ma Hora ao “presidente eleito pelo povo” desde o primeiro momen-to. “Meu caro amigo Samuel Wainer”, começava a carta, que poste-riormente se estendia em considerações sobre o conceito e a im-portância de uma imprensa popular, além de resumir o que deveria

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ser um jornal moderno. Era uma grande novidade na imprensa mun-dial, assegurava Samuel, embora descobrindo mais tarde que a car-ta fora escrita em parte por Lourival Fontes, então chefe da CasaCivil de Getulio.

Apesar de uma campanha de lançamento bem conduzida e visi-velmente inovadora, haja vista os recursos de marketing que anteci-pava no trato com a imprensa, como anúncios em faixas no topo deprédios e avisos durante espetáculos teatrais, a fase inicial da Ulti-ma Hora não foi exatamente um “céu de brigadeiro”. O jornal teveum parto sobressaltado, segundo Samuel. Problemas operacionaiscom a rotativa contribuíram decisivamente para que a edição de 80mil exemplares – uma cifra impressionante, pois os grandes jornaisda época não conseguiam ultrapassar a tiragem de 70 mil – ficassepronta apenas às 8 da noite. Mesmo assim, criatividade não faltoupara solucionar a distribuição. “Como havia um jogo no Maracanã,decidimos distribuir a edição à saída do estádio e mergulhar na edi-ção do dia seguinte”, recorda Wainer. No dia seguinte, dos 40 milexemplares rodados, apenas 8 mil seriam vendidos, situação queainda se repetiria em várias edições posteriores.17

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Pelé em jogo da Seleção brasileiracontra o AIK da Suécia. UH, julho, 1966.

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Oficina de criatividade

Foram dias de enorme aflição, mas os ingredientes da receita dosucesso se foram juntando gradualmente, na proporção direta doslampejos de criatividade produzidos em equipe e logo transferidospara as páginas do jornal.

A Ultima Hora foi salva pela conjugação de vári-os fatores – muito trabalho, enorme dedicação,bastante talento –, mas nenhum deles pesou tãodecisivamente quanto a criatividade. Começamosa lançar seções novas, colocamos notícias espor-tivas e policiais na primeira página, ousamos per-manentemente. Dessa forma, lentamente, fomosdescobrindo os caminhos que levavam aos lei-tores, e iniciamos uma lenta ascensão, cujo po-tencial nossos concorrentes não souberam ava-liar a tempo. Nesse período os outros jornaisnão me a tacavam. Prefer iam zombar dojudeuzinho que tivera a pretensão de ocupar seupróprio espaço na imprensa brasileira.18

Uma das seções que iriam efetivamente alavancar o sucesso dojornal chamava-se O dia do presidente, era publicada na página 3 e foiinspirada em colunas que Samuel vira na imprensa americana. In-variavelmente, a seção trazia informações precisas, historietas hu-manas, acontecimentos engraçados e, eventualmente, furos. Wainercolocou em plantão permanente junto a Getulio o jornalista LuísCosta, atento a tudo que acontecesse relacionado a ele e/ou ao seuentorno. Essa seção mudou definitivamente os critérios que orien-tavam a cobertura tradicional dos jornais em face dos governos,pois desde os tempos do DIP, que remetia aos jornais as notíciasque interessavam ao governo e proibia a divulgação de tudo quanto

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considerasse inconveniente, desaparecera o hábito da busca de in-formações no próprio palácio.

Com a nova seção, o cerco a Getulio começa a ser rompido,recorda Wainer: “Os leitores compravam o jornal e corriam à ter-ceira página. Políticos ofereciam fortunas a Luís Costa para ter seunome ali citado, ministros e parlamentares se confessavam admira-dores da seção, ninguém duvidava que ali estava um termômetropreciso do que se passava no palácio. Em pouco tempo os jornaisse renderam às evidências e passaram a cobrir o Catete. Algunschegaram a criar versões de O dia do presidente e o cerco do silêncioafinal se rompeu.19

Outra seção bastante apreciada pelos eleitores seria Na hora H,com notas curtas e sempre quentes, assinada por Jacinto de Thormes.Na seqüência, a cobertura internacional ganha consistência e surgeuma coluna sindical que logo se tornaria muito importante. Assim,três meses após o lançamento, a equipe da Ultima Hora podia co-memorar o crescimento da tiragem que em poucas semanas atingiuos 18 mil exemplares. Uma tiragem, no entanto, ainda modesta noscálculos de Samuel que tinha prometido a Getulio e a si mesmo umjornal de massa. Coube novamente ao talentoso João Etcheverryindicar os caminhos para que esse objetivo fosse atingido. Ele su-geriu a Wainer que, em vez de um único caderno com 12 páginas,como se caracterizava a UH, este passasse a se constituir em doiscadernos com oito páginas cada um. Sendo que o primeiro caderno,que seria rodado por volta das sete horas da manhã, conteria asseções convencionais – política, economia, internacional, assuntosnacionais etc. Já o segundo caderno, que rodaria antes, por voltadas três da madrugada, seria reservado a assuntos mais amenos,como esportes e divertimentos, podendo também abrigar reivindi-cações populares.20

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Reivindicações populares, nos termos de Samuel, seriam as pa-lavras-chave do estrondoso sucesso que o segundo caderno iria ex-perimentar:

Quando estávamos tratando de dar forma à felizsugestão de Etcheverry, apareceu na redação umtipo pitoresco, Renato Correia de Castro,halterofilista e funcionário do Ministério da Agri-cultura. Como tinha algum tempo de sobra, queriaum emprego no jornal – trabalhar na imprensa,naquela época, era considerado um bico. Etcheverrydecidiu providenciar uma mesinha para Renato edesigná-lo para atender a populares interessados emfazer alguma reivindicação ou alguma queixa. Nossonovo funcionário adotou o pseudônimo de“Marijó”, em homenagem a duas namoradas, Ma-ria e Josefa. E começou a fazer suas anotações numalinguagem extravagante, utilizando de modo pou-co ortodoxo a letra K. “Ke koisa”, escrevia Marijóao registrar um fato qualquer. Etcheverry achou quedeveríamos criar uma seção com o nome de Fala opovo e usar no texto a peculiar linguagem de Marijó.Foi uma explosão. Iam para o céu, na seção, osbenfeitores do povo, e para o inferno os seus ini-migos. “Hoje vai pro inferno o diretor de tal re-partição porque mandou cortar a luz de fulano”,decidia, por exemplo, Marijó. A comunicação comos leitores foi imediata e total.21

O experimentalismo da melhor qualidade tornava-se a grande mar-ca da Ultima Hora, tanto no âmbito da redação quanto da área técnica.Ainda na fase de ascensão do jornal, Carlos Nicolaevski, chefe de gra-vura, propôs, para surpresa de Wainer publicar em cores a foto do timedo Fluminense, que acabara de conquistar o título de campeão carioca.Ele ignorava que o equipamento herdado do Diário Carioca pu-desse imprimir uma foto em quatro cores. Desse modo, pela pri-

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meira vez na história da imprensa brasileira, a foto colorida deum time de futebol era publicada na primeira página de um jor-nal. A edição esgotou-se rapidamente e a cor passou a ser um dos“ingredientes mais picantes da receita de sucesso da Ultima Hora”.

Ciente da importância que o parque gráfico assim como o labo-ratório fotográfico representavam para a sustentação da Ultima Hora,Samuel não demorou a fazer novos empréstimos no Banco do Bra-sil, com vista a investir na renovação dessas áreas. Com o dinheiroobtido, 22 mil contos, adquiriu uma nova rotativa, equipou a ofici-na com mais linotipos e montou um requintado laboratório foto-gráfico, que deixou sob o comando de Roberto Maia, um dos úni-cos profissionais que ele trouxera dos Diários Associados, dado oseu reconhecido talento na área.

Assim, Ultima Hora ia paulatinamente definindo sua personali-dade. Ampliar os vínculos com o povo tornava-se quase uma ob-sessão. Samuel então inventou o chamado Muro de lamentações, umsucesso absoluto entre os leitores: “A cada fim de semana, umaviatura do jornal, levando um fotógrafo e um repórter com suamáquina de escrever, instalava-se numa das praças do Rio de Janei-ro e recolhia queixas da população. ‘Minha torneira não funciona’,‘falta luz na minha rua’, coisas do gênero”,22 que eram estampadascom destaque no jornal. “Ainda nessa linha de seduzir leitores, in-troduziu recursos mercadológicos ainda ignorados na imprensa bra-sileira”. Por sugestão de Adolfo Eizen, um dos responsáveis pelaintrodução das histórias em quadrinhos no Brasil, lançou uma pro-moção chamada Prêmio para toda a família, onde os leitores recorta-vam um cupom impresso numa página, preenchiam-no e o envia-vam à redação, concorrendo a cinco prêmios – bicicletas, bolas defutebol, brinquedos etc. Foi um êxito fantástico e havia dias emque filas imensas se estendiam em frente às bancas de jornais”.23

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Luzes da cidade, uma coluna que tratava especialmente dos eventossociais realizados nos clubes de periferia do Rio de Janeiro – Ramos,Méier, Bonsucesso (etc.) –, tornou-se “uma coqueluche” tão logo inau-gurada, a tal ponto que os colunistas, Leda Rahl (uma ex-candidata amisse Brasil) e Carlos Renato, também apresentadores das festas quecomentavam, transformaram-se em pouco tempo em celebridades naregião. Por outro lado, Ultima Hora mantinha espaço cativo para aintelectualidade do Rio de Janeiro; nomes já respeitados na literaturadesfilavam em suas páginas, atraindo um público ligado à chamada“alta sociedade”, que lia com avidez os famosos colunistas. As novida-des se sucederam nas seções policial – com a introdução da coluna Avida como ela é, de Nelson Rodrigues – e de esportes, tema que Wainertransitava com interesse e mestria.

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Aventura em cadeia

Consolidada no Rio de Janeiro, a idéia de expansão da UltimaHora não demora a se estabelecer. Coube ao arguto Getulio no iní-cio de 1952 novamente despertar Wainer para a importância desseempreendimento, que começaria em São Paulo por razões politica-mente justificadas. O grande estado, na visão de Vargas, represen-tava para o seu governo “a boca do leão”, lugar cujos políticos ain-da se mantinham presos aos ódios gerados pela Revolução de 1932e por isso mesmo, conspirando e patrocinando incansavelmente ofim do getulismo. Paradoxalmente, Vargas gozava de alta populari-dade em São Paulo, onde obtivera uma votação expressiva nas elei-ções de 1950, à revelia da elite paulista e de toda imprensa local,liderada pelo jornal O Estado de S. Paulo (o Estadão), que lhe manti-nha oposição ferrenha.

Aqui, novamente entraria em cena o empresário Ricardo Jafet,amigo de Getulio, agora repassando para Wainer, em valores sim-bólicos, o parque gráfico de um jornal paulista inexpressivo e emdificuldades financeiras, de sua propriedade. Quanto aos recursospara viabilizar a UH local seriam obtidos junto ao lendário CondeFrancisco Matarazzo, que assistira o seu império crescer na eragetulista e devotava um ódio mortal a Assis Chateaubriand, a quemse referia normalmente como “lazarento”. Desse modo, em 18 demarço de 1952, a logomarca azul da Ultima Hora apareceu pelaprimeira vez nas bancas da cidade de São Paulo e não demorou aexperimentar o gosto do sucesso por duas razões principais, segun-do Wainer: “Primeiro, tratava-se de um jornal federal num estadomarcado por uma imprensa irremediavelmente provinciana. Os in-dustriais paulistas, os homens do comércio, os donos da terra preci-savam saber o que se passava no Palácio do Catete. E eles todos

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sabiam que nenhum outro jornal tinha tão franco acesso ao centrodo poder quanto a Ultima Hora. Segundo, porque meu jornal, em-bora federal, soube desde sempre ser paulista”.24

De fato, Wainer lançou nomes tipicamente paulistas no novojornal, a exemplo de Arapuã (Sérgio Andrade), que se tornaria cele-bridade local com sua memorável coluna Ora bolas, ou mesmo otalentoso repórter Ricardo Amaral. O noticiário político reprodu-zia a mesma qualidade do jornal matriz, seja informando com argú-cia o que ocorria nos bastidores da guerra entre os populistas, JânioQuadros e Adhemar de Barros, seja na cobertura regular à Assem-bléia e Câmara dos Vereadores. As promoções se repetiam tambémem São Paulo tanto quanto a estratégia de sempre capitalizar emfavor do jornal fatos que emocionassem o povo. Isso pode ser veri-ficado por ocasião da morte do cantor Francisco Alves, um ídolopopular da época, que tivera o corpo carbonizado em um acidentede carro. Além da repercussão dada ao episódio, a Ultima Hora-SPrealizou, no Viaduto do Chá, um evento chamado de Noite dosViolões, onde durante horas seguidas, entrando na madrugada, cen-tenas de violões homenagearam Chico Alves – como era popular-mente conhecido o cantor, ante uma multidão de espectadores.

Outros fatos importantes fizeram história na UH paulista, comoa famosa rebelião do Presídio Anchieta, nos termos de Samuel, “umcélebre e temido depósito de presos, então instalado numa das ilhasdo litoral norte de São Paulo”. O episódio aconteceu em 1952 eresultou na fuga de aproximadamente 120 condenados, que fize-ram a nado a travessia até as praias de Ubatuba. O jornal deslocoupara a região quase 30 profissionais entre repórteres e fotógrafos,que puderam acompanhar in loco o drama prisional e divulgá-lo paratoda a sociedade. Politicamente o jornal tornou-se “um pólo de ir-radiação do pensamento nacionalista”, a exemplo da nacionaliza-

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ção do petróleo, por exemplo, materializadacom a criação da Petrobras, em 1953, porum decreto de Getulio Vargas e que mere-ceria, a partir de então, tratamento especialda UH, em forma de manchetes e cobertu-ras regulares.25

O produto Ultima Hora conseguia mistu-rar elementos aparentemente inconciliáveis,se permitindo ousadias jamais cogitadas nosoutros periódicos. Nesse particular, instituiua escolha do Homem do Ano, idéia que se-ria mais tarde apropriada pela revista Visão.No entanto, o primeiro homem a receber otítulo do jornal foi um dirigente sindical,Salvador Losacco, que carregava fama depelego, uma verdadeira afronta às elitespaulistas. Por outro lado, a Ultima Hora tam-bém cobria regularmente a chamada “alta so-ciedade” local, com reportagens ou notas nascolunas sociais.

Será ainda a UH paulista que revolucio-nará os métodos de distribuição em vigor nacidade, ao produzir edições com uma, duasou três estrelas, nas quais o leitor podia iden-tificar a primeira, a segunda e a terceira edi-ção, lançadas num único dia. Nesse proces-so, algumas páginas eram alteradas incluin-do notícias frescas, “e o jornal estava sem-pre quente”, observa Samuel. O públicoaprovou a novidade e em curto espaço de

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tempo a UH-SP exibiria uma tiragem de 150 mil exemplares, cifraextraordinária para uma cidade de dois milhões de habitantes.

De um modo geral a situação financeira da empresa Ulti-ma Hora era razoável naquela ocasião, embora Samuel tives-se que recorrer outras vezes ao Conde Matarazzo paraestruturar o jornal paulista. Na medida em que o jornal doRio de Janeiro já se revelasse inteiramente consolidado, elepassou a se deslocar com mais freqüência a São Paulo, acom-panhando de perto o seu desenvolvimento. Segundo Wainer,os diretores da Ultima Hora paulista sempre puderam agir comindependência no plano regional, consultando-o apenas emsituações mais delicadas. Quanto às questões ligadas diretaou indiretamente à área federal, eram exclusivamente deci-didas por Samuel.

Getulio tinha a noção de que fora introduzida uma cunhade seu governo em território hostil e acompanhava com aten-ção os desdobramentos daquela história. Raras vezes diver-giu de Wainer quanto aos temas abordados pelo jornal. Umadessas divergências teve como pivô a figura de Jânio Qua-dros, um jovem vereador que se lançara a candidato à prefei-tura da cidade de São Paulo. Vargas, a quem desagradava aemergência do populismo janista, pediu a Samuel que com-batesse sua candidatura e ele certamente optou por não con-trariar o presidente, mas marcou um encontro secreto comJânio Quadros, no Hotel Comodoro, onde chegou acompa-nhado pelo general Porfírio da Paz, que seria vice-governa-dor por oito anos. Na reunião ficou combinado que a UltimaHora não daria apoio ostensivo a Jânio; em contrapartida lheseria cedida uma coluna no jornal, batizada de Canto do JQ,espaço no qual ele pôde expor livremente suas opiniões.

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Não demorou a que o jornal se transformasse em uma institui-ção forte e influente, expandindo-se então para outros estados im-portantes da federação. Assim, no começo dos anos 60, além doRio e São Paulo, a Ultima Hora se tornaria também uma realidadeem Curitiba, Porto Alegre, Niterói, Belo Horizonte e Recife, para aprópria surpresa de Wainer, cujo projeto jornalístico não previa aexpansão de seu empreendimento. Para ajudar o governo de Getu-lio, concordara em lançar a UH paulista, e, posteriormente, a pró-pria influência política do jornal foi pavimentando o caminho paraa formação de uma cadeia jornalística, por conta principalmente de“candidatos interessados na existência de um meio de comunica-ção que os auxiliasse nas disputas regionais”.26 O caso de Recife éexemplar, onde o jornal surgira para sustentar a candidatura ao Se-nado, pelo PTB pernambucano, do empresário José Ermírio deMoraes, dono do grupo Votorantin. Ermírio deu a Wainer a quantianecessária para o lançamento de Ultima Hora e, posteriormente,como faltavam anúncios, garantiu a sobrevivência do jornal comnovos empréstimos.

Observe-se que também nesse momento recursos de marketingseriam inaugurados para conferir identidade ao produto. “UltimaHora constituiu-se uma cadeia homogênea, diferentemente dos há-bitos de então, tanto em termos de mensagem como de organiza-ção, e todos os jornais da cadeia levavam o mesmo nome. Isso davaforça à marca Ultima Hora”.27 Nessa mesma categoria podem serincluídos os cuidados observados sobre o horário de circulação dojornal, cuja escolha sempre recaía naquele em que o mercado pare-cia conter o menor número de concorrentes de vulto. “À época dolançamento de Ultima Hora no Rio, o mercado era dominado pormatutinos. O Globo era o único vespertino importante. Ultima Horasaiu como vespertino e depois, mantendo o princípio de ser umacadeia homogênea, sairia como vespertino nas demais cidades.

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Colunistas: estrelas da Ultima Hora

Lidar com os colunistas da Ultima Hora não era tarefa fácil, con-siderando que o sucesso do jornal os transformava rapidamente emcelebridades nacionais. Wainer costumava alertá-los para os limitesde suas funções: tinham assegurada completa independência paraescrever. Quanto à liberdade, essa era uma outra história, pois cons-tituía algo que apenas o dono do jornal podia exercitar. Em outrostermos, os colunistas jamais seriam obrigados a escrever algo quecontrariasse seus pontos de vista, mesmo em artigos ou reporta-gens não assinados. Isso significava independência para Samuel,que não poderia permitir-lhes, no entanto, que escrevessem algoque afetasse os interesses da empresa. Essa espécie de liberdadeeles não teriam.

Expostos com honestidade, tais critérios eram logo aprovados eassimilados pela maioria dos colunistas. Sérgio Porto, por exemplo,valeu-se dessa independência para imortalizar-se como o respeita-do Stanislaw Ponte Preta. Havia também Paulo Francis, que, ape-sar de sua personalidade rebelde, costumava observar esses limites.Quando os ultrapassava, atingindo os interesses da empresa, briga-va com Samuel, mas na seqüência se conciliava. Como no caso emque Francis resolveu encampar as idéias de Leonel Brizola, decidi-do a disputar a presidência da República à revelia de Jango. Wainernutria um afeto especial por Paulo Francis, autor de artigos ines-quecíveis contra Carlos Lacerda e uma das estrelas da Ultima Hora.

Surpreso com um artigo que lera no jornal, onde Francis nãosó defendia Brizola e sua estratégia, como também se confessa-va integrante de um grupo dos 11, chamou-o para uma conversa

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e explicou que achava um absurdo um colunista tão identifica-do com a Ultima Hora defender posições daquele gênero. Masele não se intimidou e no dia seguinte escreveu outro artigo fa-vorável a Brizola e ao grupo dos 11. Foi demitido por Samuelque, no entanto, precisou voltar atrás horas mais tarde, em ra-zão de inúmeros pedidos de amigos.

Assinar uma coluna na Ultima Hora era possuir um espaço nobrena imprensa, observa Wainer, que se permitia eventualmente re-crutar celebridades como colunistas sem pagar salários. ComChacrinha (o Velho Guerreiro) foi assim. Convidado a participar daequipe de colunistas do jornal, ele gostou da idéia. Discutiu o con-teúdo, formato e título da coluna e quando chegou o momento dediscutir o preço, soube perplexo que nada iria ganhar, pois o jornalnão tinha condições de pagar o seu valor. Samuel sabia que Chacrinhaestava tendo problemas com o Ibope e que a coluna lhe seria muitoútil, e argumentou as vantagens do negócio: ele sairia ganhando.Teria um espaço para comunicar-se com o seu público e fazer pro-paganda dos programas que apresentava. Sob o olhar de espanto dePaulo Alberto Monteiro de Barros, o Arthur da Távola, tambémcolunista do jornal, Chacrinha rendeu-se aos argumentos de Samuele aceitou assinar uma coluna de graça para a Ultima Hora.28

Não raro, uma coluna na Ultima Hora significava um atalho se-guro para a notoriedade. Com Adalgisa Nery, então mulher deLourival Fontes foi assim. Segundo Wainer, em meados da décadados 50, um amigo de Adalgisa telefonou-lhe para informar que elase encontrava internada num hospital, com a saúde debilitada eprecisando muito de ajuda. Ele não teve dúvidas, encomendou-lheum artigo, fixando uma remuneração bastante satisfatória. O textochegou dois dias depois e agradou pela contundência. Samuel des-creve Adalgisa como uma mulher dura, quase perversa e com um

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estilo marcadamente forte. O artigo foi publicado no segundo ca-derno e na seqüência do recebimento do segundo texto, Samuelrecebeu um telefonema típico de Adalgisa: “Eu não fico em cader-no de mulher. Quero o caderno dos homens, quero o primeiro ca-derno”, reclamou. Ele achou justo e o próximo artigo mereceu aterceira página. Naquele momento nascia uma nova seção na Ulti-ma Hora: Retrato sem retoque.29

A seção transformou-se rapidamente “numa das coqueluchesdo jornal”, segundo Samuel, até porque, por meio dela, Adalgisaagredia meio mundo com uma violência implacável. Tratava mili-tares a pontapé, demolia políticos, sempre se valendo do jargãonacionalista e getulista. Por força da coluna ela se elegeria duasvezes deputada estadual. Provocava sentimentos extremos de amorou de ódio, não raro causando inúmeros problemas para Samuel,que precisou defendê-la várias vezes da fúria dos atingidos, algunsem notória função de poder político, econômico ou militar.

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Flan: um breve delírio

Criar um jornal dominical semelhante a uma revista, cujo con-teúdo fosse uma espécie de síntese das versões paulista e cariocada Ultima Hora. Essa idéia martelou na mente de Samuel bem antesdo surgimento da cadeia nacional. Flan foi o nome de batismo doprimeiro grande semanário brasileiro, em razão de apresentar umsom cabalístico, embora não significasse nada conhecido. A primei-ra edição chegou às bancas em abril de 1953, já em seu formatodefinitivo: era um tablóide composto de quatro cadernos com oitopáginas cada, todos com a primeira página em cores. Os colabora-dores, segundo Wainer, mantinham a criativa e talentosa mistura jáconhecida pelo leitor. “Havia ilustradores como os pintores AldemirMartins e Darel, grandes fotógrafos, colunistas como DorivalCaymmi ou Dom João de Orleans e Bragança, Otto Lara Resende,chargistas como Lan, Joel Silveira, que tornou-se o principal repór-ter do semanário. Justino Martins era o correspondente em Paris”.30

O jornal era estruturado no formato de três cadernos específicos, oprimeiro dedicado a esportes, o segundo à cultura e o terceiro às políti-cas nacional e internacional. Observe-se que o primeiro caderno fica-va sempre reservado a assuntos regionais, nesse particular o cadernodo Rio era completamente diferente daquele que chegava às bancasem São Paulo. Seguindo os passos do jornal-mãe, Flan experimentouimediato sucesso, logo alcançando a tiragem de 180 mil exemplares,“para o espanto e a inveja de muitos”, diria Samuel. Flan constituiu-sea gota d’água para que o cerco contra o idealizador da Ultima Horaprosperasse também rapidamente. Incomodados, Adolfo Bloch, o en-tão proprietário da revista Manchete, Assis Chateaubriand e CarlosLacerda, já proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, inauguraram umacampanha violentíssima contra Wainer e seus jornais.

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Lacerda propalava que o empreendimento Flan custara milhõesde cruzeiros financiados pelos cofres governamentais. De seu lado,Chateaubriand chantageava os anunciantes do semanário, determi-nado a enfraquecer o seu suporte financeiro. A campanha não de-mora a mostrar resultados e apenas com cinco meses de vida Flancomeça a perder qualidade, mantendo-se assim por mais de um ano.“Um dia melancolicamente morreu, sem que seu desaparecimentoprovocasse qualquer comoção”, observa Samuel.

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Gregório Fortunato depõeno inquérito sobre oatentado a Carlos Lacerda– UH, 29 de outubro de 1954.

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Campanha corrosiva

O surgimento do Flan certamente constituirá a gota d’água parao crescimento da campanha contra a Ultima Hora, que já vinha sedelineando de forma difusa por diversas razões, algumas já absolu-tamente previsíveis:

Seja pelo caráter da relação com Vargas e as classespopulares que Ultima Hora reforçava (diferentemen-te dos outros jornais, conseguiu leitores entre ostrabalhadores urbanos), seja pela política naciona-lista que defendia (e que atingiu em cheio os anun-ciantes e agências de publicidade, na maioria per-tencentes ao capital estrangeiro), seja pela concor-rência comercial que fazia à imprensa estabelecida,o sucesso de Ultima Hora feria interesses políticos eeconômicos dos adversários de Vargas. A reaçãonão tardou. A conspiração do silêncio seria que-brada, mas com resultados funestos para UltimaHora, pois contra ele se uniram todos esses interes-ses que se sentiram ameaçados na maior campanhaque se tem notícia na história da imprensa.31

Carlos Lacerda, ex-amigo de Wainer, será o deflagrador evocalizador da campanha contra o jornal, acusando-o regularmen-te de dumping e favoritismo oficial e valendo-se para isso, sobretu-do a partir de 1953, dos apoios de Assis Chateaubriand e de RobertoMarinho, que colocaram à sua disposição tribunas poderosas daRádio Globo e da TV Tupi, fundindo oportunamente os interessespolíticos aos comerciais. A esse respeito é o próprio Lacerda que semanifesta em seu Depoimento, lançado em 1978, no Rio de Janeiro:

Comecei a desmontar o fenômeno Ultima Hora.Ocorreu aí este fato perfeitamente compreensível.

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De um lado, O Globo, sofrendo a concorrência ile-gítima, porque favorecida e subvencionada da Ul-tima Hora; o Globo sentindo na própria carne; deoutro lado, o Chateaubriand sentindo o Diário daNoite afundar, desaparecer, pela mão daquele su-jeito que ele tinha incumbido de fazer a entre-vista de Getulio, que ele tinha tirado das ruínasda revista Diretrizes e ressuscitado na imprensa.Então os dois, primeiro o Chateaubriand, comquem eu tinha trabalhado uns dois anos, me abri-ram a televisão e o rádio.32

Lacerda era dono de um pequeno jornal carioca, Tribuna da Im-prensa, fundado por ele em 1950, mas, sobretudo, era líder de umaala da UDN (União Democrática Nacional) que ganharia impor-tância a partir dessa década e que expressava em seu radicalismoantipopulista o rancor de um setor da classe média, originário emparte de ramos pobres ou decadentes de famílias oligárquicas, quelutara em vão por um lugar ao sol na República Velha e se virapassado para trás após a revolução de 30 e, principalmente a partir1945, à medida que os políticos se voltavam para as emergentesclasses populares.

Ao mesmo tempo, este é o período em que a UDN estáexplicitando seu caráter antipopular. Em 1945, já rompera com aesquerda, com a mudança de atitude de Prestes e já temera as liga-ções de Vargas com as classes populares, tendo por isso tentadoimpedir as eleições presidenciais. O pacto conservador do períodoDutra se acalmara, mas o retorno de Vargas em 1950 desesperou-os novamente.33

As críticas da UDN a Getulio também experimentaram mudan-ças: até 1950 tinham se pautado por um tom predominantemente

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moralista, a partir de 1953, voltaram-se para a relação de Vargascom as classes populares, atacando a sua política trabalhista – tor-nada mais coerente com a entrada de João Goulart à frente do Mi-nistério do Trabalho – e agitando novamente o fantasma da Repú-blica Sindicalista, surgido nos anos 40. Nesse cenário, a importân-cia que Ultima Hora poderia ter como instrumento da política demassas do ex-ditador, em sua fase democrática, certamente estevena base da intensidade que adquiriu a campanha contra ela.34

Às acusações de dumping, concorrência desleal e favoritismo ofi-cial através do Banco do Brasil, Wainer defendeu-se apontando queos jornais que o acusavam tinham, eles próprios, vultosos débitospara com este mesmo banco e sustentando que não havia nada deilegal em se pedir empréstimos ao Banco do Brasil ou publicidade aautarquias. De fato, naquela época, o débito dos Diários Associa-dos com o Banco do Brasil (sem contar o que deviam às CaixasEconômicas e aos Institutos de Previdência) era de cerca de 162milhões de cruzeiros e o de O Globo ultrapassava 1 milhão de dóla-res, segundo Nelson Werneck Sodré.35

Mas a campanha ia além, contestando ardilosamente a naciona-lidade de Wainer, no sentido de retirar a Ultima Hora de suas mãos:

O cerco se tornou incomparavelmente mais agres-sivo a partir de 12 de julho de 1953. Nesse dia oDiário de São Paulo, um dos jornais da cadeia de AssisChateaubriand, publicou uma manchete que agita-ria o país: “Wainer não Nasceu no Brasil”. Na vés-pera do dia em que essa manchete explodiu, umvelho jornalista que trabalhava no Diário de São Pau-lo telefonou para o Octávio Malta, então redator-chefe da Ultima Hora, e passou-lhe a notícia: o jor-nal de Chateaubriand estava preparando uma edi-

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ção destinada a provar que eu nascera numa aldeiachamada Edenitz, na Bessarábia. Trata-se de umpedaço da Transilvânia, a terra do Drácula, regiãoque hoje pertence à União Soviética. Não é possí-vel, reagiu ele, ninguém é mais brasileiro que oWainer. O informante insistiu: “O Samuel ébessarabiano, e acho que vocês devem tomar pro-vidências”.36

O tema alimentou a imprensa adversária insistentemente: “Con-firmado: Wainer Nasceu na Bessarábia; Afinal, por que Ele QuerSer Brasileiro?”; “Wainer Chegou ao Brasil com Dois Anos”. Antetantas investidas, no início de 1953, criou-se uma Comissão Parla-mentar de Inquérito para apurar o caso Ultima Hora. A campanhacontinuou, agora tentando expressamente atingir a figura de Getu-lio Vargas através do jornal. “No começo de 1954, diante do inces-sante fogo cruzado disparado pela CPI e pelo processo em torno deminha nacionalidade, entendi que me tornara um fardo excessiva-mente pesado para Getulio, mas a verdade é que minha presençaentre os íntimos do Catete aguçava a intensidade dos ataques”, re-corda Samuel, que, na seqüência, teve suas dívidas cobradas peloBanco do Brasil com um prazo de poucos dias para saldá-las e,segundo ele mesmo, pagou-as com muito custo, enquanto os de-mais jornais não tiveram de pagar as suas próprias. Por sua vez, asagências de publicidade e seus clientes, possivelmente irritados como nacionalismo que permitira aprovar o monopólio do petróleo peloEstado, em 1953 (e com apoio decisivo da UDN), agiam ao seumodo, distribuindo suas verbas para os jornais de oposição a Vargas.

O nacionalismo, embora concessivo ao capital estrangeiro, nãoagradou aos interesses empresariais multinacionais e tampouco aoslocais. Os primeiros acharam-se marginalizados na formulação dasdiretrizes políticas do governo. Quanto aos últimos, estes desen-

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volveram uma campanha nacionalista muito mais em torno da pro-dução industrial em solo brasileiro, do que em torno da origem docapital e tecnologia envolvidos. Um dos alvos que mais irritavam oempresariado brasileiro, mais especificamente aquele alojado naUDN, foram as medidas sociodemocráticas, sobretudo na área tra-balhista, tomadas pelo governo Vargas.

Originalmente reacionária, a burguesia emergente encarava qual-quer partilha ínfima do capital entre os trabalhadores, a exemplo doque vinha fazendo o governo, como fator de “subversão”. Atitudeque encontraria eco tanto nas classes médias conservadoras quan-to na área militar, influenciados pelo clima de “guerra fria” ins-taurado entre os Estados Unidos e a URSS, logo após a SegundaGuerra Mundial. A “ameaça comunista”, como valor de classe, co-meçou a se desenvolver e aglutinar as forças contrárias à políticagovernamental. Tais questões ajudam a entender resumidamente agrande campanha difamatória desencadeada contra Getulio, denun-ciando escândalos do governo, e que por extensão atingirá sem pie-dade todas as suas conexões, particularmente a Ultima Hora.

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Homenagens póstumas a Getulio Vargas – UH, 1954.

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A última hora de Vargas

No dia 5 de agosto de 1954, o udenista Carlos Lacerda sofreuum atentado na Rua Toneleros, no Rio de Janeiro, no qual morreu omajor Rubens Florentino Vaz.

De cer ta for ma, a tor menta apanhou osgetulistas desprevenidos. Embora afastado ameses do Palácio do Catete, eu me consideravamais getulista que nunca. Permanecia fiel ao pre-sidente, encampando suas idéias e posições naspáginas da Ultima Hora. Depois de ver derrota-da no Congresso a proposta de impeachment deVargas, a UDN dava a impressão de cansaço. Oantigetulismo parecia exaurido, sem argumentos,abatido pela resistência de um homem que, ape-sar do assédio, continuava no poder. Governa-dores de es tado a té então arred ios j á sereaproximavam de Getulio, que parecia prestesa tomar o controle da situação política. Assim,eram consideráveis as chances de se chegar ao finaldo mandato sem encontrar pela frente obstáculosinvencíveis, já que faltava apenas um ano e meiopara a transmissão do cargo. Então desabou sobrenossas cabeças o pesadelo configurado pelo aten-tado da Rua Toneleros, em Copacabana.37

Um clima de tensão invadiu o Palácio do Catete. Testemunhan-do as reações de Vargas, lá estava o repórter da UH, Luís Costa,que fazia O dia do presidente. Ele ouviu de Getulio, ao saber do aten-tado: “Esse tiro me atingiu pelas costas”. No dia seguinte, o casoda Rua Toneleros ocupou toda a primeira página da Ultima Hora,apresentado sob um enfoque policial, embora, segundo Samuel, elesabia que as componentes políticas do caso não tardariam a apare-

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cer. Especulações acerca do envolvimento de membros da famíliado presidente não tardaram a alimentar as páginas dos jornais ad-versários, insinuando sobre respingos do “mar de lama” que, se-gundo a oposição, corria sob o Catete e que começavam a alcançarsua família. Posteriormente, evidenciado o envolvimento do guar-da-costas de Getulio, Gregório Fortunato, a situação do presidentetornou-se insustentável.

A pedido de Getulio, Ultima Hora ainda tentaria encampar ummovimento de resistência contra a iminência do golpe das forças deoposição. No dia 23 de agosto, publicaria em manchete de primeirapágina a declaração bombástica de Vargas: “Getúlio ao Povo: SóMorto Sairei do Catete”. A edição esgotou-se em poucos minutos etantas outras que tiveram que ser rodadas no mesmo dia. Outrasmanchetes igualmente enfáticas desfilavam nessas edições: “Gol-pe”; “Renúncia”; “Deposição”.

“Um tiro no coração, informou Luís Costa em prantos. Desli-guei o telefone e corri para a oficina do jornal. As emissoras derádio transmitiam incessantemente a notícia, e um clima de abso-luta comoção se espraiava pelo país”, recorda Wainer. Assim, a his-tórica primeira página da Ultima Hora daquele dia 24 de agosto es-tamparia: “Ele Cumpriu a Promessa”.

Naquele 24 de agosto, multidões exasperadas ata-cavam todos os grandes jornais, bloqueando suassaídas às ruas. O único a circular foi a Ultima Hora,que vendeu quase 800 mil exemplares. A oficinanão parou de trabalhar, foram 20 horas rodandoedições sucessivas. O povo nem sequer esperavaque os exemplares chegassem às bancas – arranca-va-os dos caminhões distribuidores, ávido por no-tícias sobre a tragédia.38

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Juscelino Kubitschek e João Goulart nainauguração de Brasília – UH, abril, 1960.

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Resistência

Em que pese à prisão de Wainer, decretada em outubro de 1955,pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob a acusação de falsi-dade ideológica, a morte de Getulio não significou o esperado de-saparecimento da Ultima Hora, como desejavam os desafetos deVargas, sobretudo Carlos Lacerda. A pena para Samuel era de umano, mas não chegou a completar um mês no cárcere, sendo jul-gado e absolvido por unanimidade em 23 de novembro daquelemesmo ano. As sucessivas investidas jurídicas contra o jornalnão surtem efeito e não demora a que o fundador da Ultima Horaconsolide suas relações com o provável sucessor de Getulio àpresidência, Juscelino Kubitschek, o “candidato dos órfãos deGetulio”, como diria.

Com a vitória de JK, em 31 de janeiro de 1956, Samuel e, porextensão, o seu jornal voltam ao centro do poder, mantendo-se as-sim ao longo de seu governo. Juscelino e seus amigos (os empreitei-ros) deram o apoio necessário para a liquidação dos débitos da Érica,empresa que se constituiu a gênese da Ultima Hora e Wainerprotagonizou situações importantes como mediador presidencialnessa ocasião. Numa delas, o fundador da Ultima Hora contribuiudecisivamente para a suspensão de uma “marcha contra a fome”sobre a capital, que estava sendo organizada por líderes sindicais,reivindicando melhores condições salariais.

O general Odilio Denys, com cargo equivalente hoje ao de co-mandante do I Exército, avisou que a marcha não passaria da cida-de de Resende. Se preciso – ele ameaçava – a multidão de manifes-tantes seria rechaçada à bala. Preocupado com o desgaste que o

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episódio poderia causar ao seu governo, como a possível morte dealgum operário, JK recorreu a Samuel, ciente das ótimas relaçõesque ele mantinha com os sindicalistas. Após intermináveis dis-cussões, resistências (dos representantes sindicais) e ameaças(de Samuel), de denunciá-los como agentes provocadores oumesmo responsabilizá-los caso ocorresse alguma morte, os sin-dicalistas decidiram suspender a marcha, alegando que buscari-am outras formas de externar seu descontentamento com a polí-tica salarial do governo.

Não por acaso, Ultima Hora foi o único jornal a apoiar sem res-trições a criação de Brasília, inclusive lá instalando uma sucursalquando a cidade sequer fora inaugurada. Com a chegada de JânioQuadros à presidência – este vinculado à UDN de Lacerda – ojornal aguardava com temor a contrapartida da campanha agressi-va e feroz que desenvolvera contra o novo presidente. Para a sur-presa geral, os agitados sete meses do governo Jânio Quadros nãoperturbaram o jornal. Por outro lado, a renúncia de Jânio e a conse-qüente posse de Goulart, em janeiro de 1962, devolveu projeção àUltima Hora, que readquire força política e experimenta ótima situ-ação econômica, dispondo outra vez do apoio importante da classedos empreiteiros.

No primeiro caso, a presença de Jango no Palácio do Planaltoassegurou a Wainer a retaguarda necessária para sustentar a lutacontra Carlos Lacerda e não demorou a surgir a oportunidade idealpara o reinício do embate. Destacado para investigar a morte de umgrupo de mendigos, atirados às águas do Rio da Guarda, AmadoRibeiro, repórter policial de Ultima Hora, voltou com informaçõespreciosas: os suspeitos do crime eram policiais e uma das mulherescondenadas à morte por afogamento sobrevivera.39

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O repórter tentou desesperadamente obter declarações da men-diga, que estava apavorada e murmurava frases desconexas. Após aapuração de todas as conexões com o episódio, Amado Ribeiro des-cobriu que o chefe de polícia de Lacerda, Cecil Bohrer, determina-ra a matança de dezenas de miseráveis, após receber do governadora tarefa de limpar o Rio de Janeiro. A ofensiva desencadeada porUltima Hora foi impiedosa e o caso alcançou tamanha repercussãoque a Organização das Nações Unidas cogitou de enviar ao Rio deJaneiro uma Comissão encarregada de examinar tão grave ofensaaos direitos humanos. Um artigo escrito por Paulo Francis, com otítulo “O Mata-Mendigos”, custou a Lacerda, segundo Wainer, umapelido que nunca mais se livraria. Foi quando o Corvo se transfor-mava em Mata-Mendigos.40

Juscelino Kubitschek em visita à fábrica de automóveis Wemag – UH, janeiro, 1956.

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No segundo caso, Samuel admite que nunca tivera tanto acessoaos empreiteiros como no período Jango, o que lhe permitiu asse-gurar à Ultima Hora dois anos de plena prosperidade:

Alguns meses depois de assumir o cargo, Jango con-vocou-me para dizer que não tinha confiança nohomem que encarregara de fazer a ligação entre oPTB, principal partido no esquema de sustentaçãoao governo e os empreiteiros que financiavam opartido. Pediu-me que cuidasse do assunto, aceiteia missão. O esquema era simples. Quando se anun-ciava alguma obra pública, o que valia não era aconcorrência – todas as concorrências vinham comcartas marcadas, funcionavam como mera facha-da. Valiam, isto sim, os entendimentos prévios en-tre o governo e os empreiteiros, dos quais saía onome da empresa que deveria ser contemplada naconcorrência. Feito o acerto, os próprios emprei-teiros forjavam a proposta que deveria ser apre-sentada pelo escolhido. Era sempre uma boa pro-posta. Os demais apresentavam propostas cujas ci-fras estavam muito acima do desejável e tudo che-gava a bom termo. Naturalmente as empresas be-neficiadas retribuíam com generosas doações, sem-pre clandestinas, à boa vontade do governo. Nãoaceitávamos cheques, o pagamento vinha em di-nheiro vivo. Mas sempre apliquei essas verbas naUltima Hora, jamais utilizei em proveito próprio.Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e1964. Não fiquei.41

Embora apresentando vantagens políticas e econômicas, o go-verno Jango não significou exatamente um mar de rosas para osaliados do presidente. O Brasil vivia momentos conturbados, degrande radicalização política e os adversários do presidente manti-nham Ultima Hora sob permanente vigilância, atentos a eventuais

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deslizes que pudessem capitalizar. Um desses emergiu ainda em1962, quando Jango mal começara a governar.

Pelo telefone, Jorge de Miranda Jordão, então auxiliar direto deWainer na redação carioca, informou-o que uma caminhonete daempresa fora incendiada no Vale do Paraíba. A razão logo seriadesvendada: uma charge publicada naquele dia pela Ultima Horapaulista havia sido considerada uma agressão a Nossa SenhoraAparecida. Samuel estremeceu ante a possibilidade de uma reaçãoviolenta da Igreja.

Ao visualizar a charge, Wainer também considerou-a “de extre-mo mau-gosto”. Naquela época, às vésperas dos grandes clássicos,os times de futebol de São Paulo costumavam ir a Aparecida doNorte pedir a proteção da santa. Aconteceu que dois dias antes deum jogo entre Corinthians e Palmeiras, Octávio fez a charge, quemostrava uma Nossa Senhora com feições de Pelé, um beiço enor-

João Goulart em seu último discurso antes de ser deposto,no Automóvel Clube do Brasil – UH, março, 1964.

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me e braços musculosos, abençoando as duas equipes simultanea-mente e com pontos de interrogação sobre a cabeça. Um desastrelogo capitalizado por dois padres que dirigiam a emissora de rádiode Aparecida do Norte, controlada pela Igreja, e que eramfreqüentemente alvejados por Arapuã (Sérgio Andrade), na sua co-luna Ora bolas.

Previsivelmente, os padres anunciaram pelo rádio que UltimaHora cometera um sacrilégio contra a santa e pediram à populaçãocatólica que tomassem providências. A resposta não tardou e a pri-meira medida tomada por militantes católicos mais excitados foiincendiar a caminhonete do jornal no Vale do Paraíba. Samuel nãoteve dúvidas deslocou-se de imediato para São Paulo, acompanha-do de um padre, Antonio Dutra, que trabalhava na Ultima Hora doRio. Seu primeiro ato foi escrever um editorial admitindo o erro eoferecendo a outra face.

Mas os adversários já estavam em campo. Em São Paulo, o co-mando da ofensiva coube a Ademar de Barros, que convocou inú-meros atos e protestos contra o jornal. Enquanto no Rio de Janeiro,Carlos Lacerda e Amaral Neto improvisavam comícios em plenamissa, e no Congresso parlamentares udenistas produziam furiososdiscursos. As viaturas de Ultima Hora já não podiam circular comsegurança, sobretudo na Via Dutra, que corta o Vale do Paraíba.Para completar o dramático quadro, Ademar resolveu organizaruma passeata, cujo itinerário previa a passagem dos manifestan-tes pela rua onde funcionava a redação paulista. “Se isso ocor-resse, o empastelamento seria inevitável”, admite Wainer. Apósexaustivas negociações com membros da Igreja e com o presi-dente da associação de famílias católicas, organizadora oficialdo ato, Samuel conseguiu uma vitória parcial nesse embate:mudar o itinerário da passeata.

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Comício das Reformas naCentral do Brasil – UH, março, 1964.

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O golpe de 64 já encontrará Ultima Hora acéfala,tendo em vista o pedido antecipado de exílio feitopor Samuel à Embaixada do Chile, já temendo asconseqüências do golpe sobre ele e sua família. Delá seguirá posteriormente para o exílio na Europa.O desenrolar do movimento militar fere de morteo jornal. Soldados são colocados na porta do pré-dio do UH-RJ. Sem comando, o jornal deixou decircular durante longos 21 dias, perdendo definiti-vamente as forças quando na volta às bancas. Asucursal de Recife, invadida após o golpe e a quedado governador pernambucano, Miguel Arraes, foiinvadida e desativada, mantendo-se o núcleo origi-nal no Rio de Janeiro. A sucursal de São Paulo, aba-lada de todas as formas, foi vendida ao grupo Fo-lhas, em agosto de 1965.

A partir desse ano, a crise interna desencadeadaa partir do movimento militar se acentuou, en-quanto crescia o boicote de publicidade na so-brevivente Ultima Hora do Rio de Janeiro. Jâniode Freitas assumiu a chefia de redação, inician-do o que seria fase de recuperação do jornal,pautada pelo combate à política do presidenteHumberto Castelo Branco e à chamada “linhadura” do Exército. No governo seguinte, do ge-neral Arthur da Costa e Silva, Ultima Hora centrousua posição no questionamento do poder militar ena denúncia de torturas a presos políticos. Sobre apolítica econômica, o jornal já se pronunciava con-tra medidas de maior abertura ao capital estrangei-ro e defendia a redistribuição da renda. Alcançan-do uma grande tiragem nessa fase, Ultima Horachegou a se recuperar financeiramente.42

De volta ao país, em 68, Samuel Wainer desenten-deu-se com Jânio de Freitas, que acabou por sedesligar do jornal. Ainda assim, agora sob a chefia

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de redação de Danton Jobim, o jornal divulgavaregularmente manchetes que soavam provocativasao regime militar. Era comum aparecer numa edi-ção qualquer, no alto da primeira página, algo as-sim como “Eleições: Só de Miss”. Nessa linha, ojornal definhava; as vendas caíam continuamente.A liderança ostentada nos bons tempos se tornaracoisa do passado, enquanto as publicações concor-rentes prosperavam, a exemplo de O Globo, Jornaldo Brasil e O Dia.43 Em 27 abril de 1971, após umasérie de negociações, Ultima Hora foi vendido por1,5 milhão de dólares para um grupo de emprei-teiros, liderado por Maurício Nunes Alencar.

Como observa Maria Aparecida de Aquino, o quefoi derrotado com o fim de Ultima Hora não foiseu projeto jornalístico, foi sua plataforma política.Como jornal, apesar de morto, ele sobreviveu aosseus oponentes e acabou por impor seu modelode forma quase hegemônica. Após 1964, com avitória de um projeto de desenvolvimento econô-mico para o país na forma de um capitalismo au-toritário de Estado, não nacionalista e de concen-tração de renda, portanto, de profunda injustiçasocial; não havia mais lugar para um grande jornalque defendesse plataformas de nacionalismo,antifascismo e justiça social.44 Por outro lado, mui-tas das mudanças introduzidas por Ultima Hora noinício da década dos 50, acabaram por se generali-zar em diferentes órgãos de imprensa de circula-ção nacional. Razão suficiente para considerarmos,junto com Aquino, que a história do jornalismobrasileiro, conta-se antes e depois de Ultima Hora,uma verdadeira revolução na imprensa nacional.45

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Seleção brasileira Tricampeã Mundial – UH, maio, 1970.

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Fazedores: breves relatos

Optamos por manter um espaço de memória exclusivo para con-templar os chamados fazedores da Ultima Hora (pelo menos algunsdeles). Aqueles que nos bastidores das redações construíam o dia-a-dia do jornal Ultima Hora.

Nelson Rodrigues

Em 1951, o jornalista Samuel Wainer convidou Nelson Rodriguespara trabalhar na Ultima Hora, assinando uma coluna policial. Sugeriuque a primeira falasse de um casal que morrera num desastre de aviãopartindo para a lua-de-mel, uma notícia que o jornal tinha dado no diaanterior. Nelson sentou à máquina e metralhou em alguns minutos adramática história dos dois pombinhos. Como Wainer contaria maistarde, achou o texto uma “obra-prima, mas Nelson tinha modificadonomes e situações”. Chamou-o e pediu que fosse fiel à realidade. Eouviu a resposta: “Não, Samuel, a realidade não é essa. A vida comoela é é outra coisa”. Wainer entendeu e resolveu apostar. Queria que acoluna levasse o nome de Atire a primeira pedra, mas Nelson preferiu Avida como ela é...

Torcedor fanático do Fluminense, Nelson conhecia como ninguém aalma do povo. Personagens e cenário eram sempre os mesmos: funcioná-rios públicos, mulheres adúlteras, desempregados e machistas da ZonaNorte carioca, onde Nelson morou na infância logo que chegou, aos trêsanos, do Recife, onde nasceu a 23 de agosto de 1912. A inspiração para ashistórias dramáticas ele buscava nas lembranças dos tempos de menino,nos casos que os amigos contavam e nos fatos mais corriqueiros daspáginas policiais. A coluna foi um sucesso estrondoso e Nelson ganhouuma quantia de dinheiro com a qual não estava acostumado.

Nelson Rodrigues (1912-1980), jornalista e teatrólogo,

assinou a coluna A vida como ela é em Ultima Hora,

de 1951 a 1980.

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Ignacio de Loyola Brandão

Foi pelas mãos de Amauri Medeiros, também de Araraquara, queIgnacio de Loyola Brandão, apenas com 18 anos, entrou no jornalUltima Hora-SP, na época situado embaixo do Viaduto Santa Ifigênia,no bairro da Luz. Amauri o apresentou ao então chefe de redação,Álvaro Paes Leme que, por sua vez, o levou até o chefe de reporta-gem Celso Jardim. A pedido de Celso, Ignácio retornou no dia se-guinte somente para constatar que não era o único a pleitear um em-prego na Ultima Hora. Lá se encontravam Davi Auebark, José RobertoPena e Augusto Mário Pereira, todos esperando ansiosamente pelagrande oportunidade.

Para Ignácio ela chegaria no mesmo dia às 16h30min, quandoCelso pediu ao seu principal repórter do jornal, Dorian Jorge Freire– jornalista célebre na época, porque era quem fazia a revista dosjornais, uma espécie de ombudsman, criticava todos os jornais e es-tes o odiavam – que ligasse para o Hotel Othon porque havia umanotícia de que o Eisenhower estava hospedado lá. “Todos pensa-vam que era o presidente norte-americano Eisenhower, lembra ojornalista. O Dorian ligou para o hotel, a telefonista ligou direto eo homem atendeu. O Dorian falou: ‘O homem está aqui’. E oCelso: ‘Fala com o homem!’ E o Dorian responde: ‘Mas ele falainglês, você não sabe?’ ‘E você não fala inglês? Então segura aí...’E saiu gritando pela redação”.

Então recorreram ao Ibiapava Martins, romancista que dirigia ocaderno de Variedades, um homem reconhecidamente culto que feztodo o ciclo do café na literatura brasileira e paulista, e que pertencia àAcademia. Mas ele também não falava inglês, ninguém na redaçãofalava. Foi então que Celso Jardim virou para os quatro aspirantes eperguntou: “Quem fala inglês?” Ignacio respondeu: “Eu falo!” “Eufalava inglês do ginásio”, lembra o jornalista. “Era matéria obrigatóriano ginásio e no científico e eu tinha tido um professor de inglês muitobom, o Pimenta, o velho Pimenta, pai do Pimenta Neves”.

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Com seu inglês razoável, Ignacio conversou com o interlocutorpelo telefone e este pediu-lhe que fosse ao hotel. Ele foi e descobriuque o tal Eisenhower era um engenheiro teatral, especializado em cons-truir teatro, uma novidade na época. “A matéria ficou gostosa porqueo entrevistado simpatizou comigo e eu tinha conhecimento sobre tea-tro. Ganhou a primeira página, o sonho de todo jornalista. Fazer amanchete da Ultima Hora era a grande utopia”, diz Ignacio.

Ignacio de Loyola Brandão é jornalista e escritor, autor de 23

livros. É cronista do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo

e diretor de redação da revista Vogue.

Jorge de Miranda Jordão

Começou na Ultima Hora do Rio, em 1953. Foi chamado por Samuelporque o jornal precisava de um repórter que falasse inglês e francêspara ficar no Galeão recebendo as pessoas ilustres. “Samuel pagavasalários altos para a época”, conta o jornalista. “Comecei ganhandoCr$ 3 mil como repórter. Só para se ter um parâmetro, o salário mí-nimo da época era de Cr$ 1.190”.

A chefia de redação ficava sob a responsabilidade de Paulo Silveira,Otávio Malta e do próprio Samuel. No dia do suicídio do Getulio,Miranda Jordão, repórter na época, foi enviado para o Catete. “Cobrio povo na rua, choro, desmaio, confusão, multidão, dramas”, lembraMiranda Jordão. “O Ultima Hora naquela época era na Avenida Getu-lio Vargas, onde hoje fica uma estação de metrô. Os ônibus paravame a multidão descia murmurando: ‘Getulio tá morto’. Ultima Horaproduziu uma edição direta de 400 mil exemplares. As rotativas, asmáquinas não paravam. Todo o mundo estava no jornal e os traba-lhos adentraram a madrugada. Na primeira página, foi o Paulo Silveiraquem produziu, aparecia a foto de Getulio com a mão suja de petró-leo, enquanto o título reproduzia uma frase da carta-testamento: ‘Dei-xo meu legado ao povo’”.

Quando Josimar Moreira assumiu a Ultima Hora de São Paulo,queria um chefe de reportagem que não fosse de São Paulo e escalouMiranda Jordão. Posteriormente, ele assumiria a direção de redação

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da Ultima Hora de Porto Alegre, onde per-maneceu por dois anos. Lembra claramen-te da primeira vez que chegou àquele jor-nal: “O chefe de redação era o NestorFedrizzi. No primeiro dia que eu senteipara fazer o jornal ele disse: ‘Temos aquiuma boa manchete: a polícia prende qua-drilha de abigiatários’. Eu perguntei:‘Nestor, o que é abigiatário?’ Ele disse:‘Abigiatário é ladrão de gado’. Se estabe-leceu uma discussão porque ele queria meprovar que todo o Rio Grande sabia oque era abigiatário. Eu disse: ‘Muito bem,o Rio Grande pode até saber o que é umabigiatário, mas, se tiver um carioca, elevai saber o que é um ladrão de gado?Então vamos colocar ladrão de gado quea gente atende todo o mundo’. Depois fi-quei muito amigo dele...”

Após passagem pela Ultima Hora gaú-cha, Miranda Jordão retornou a São Pau-lo para dirigir a Ultima Hora local, lá per-manecendo por mais dois anos. DepoisSamuel convidou-o para a direção do jor-nal no Rio, antes do golpe de 64.

Jorge de Miranda Jordão é diretor

de redação do jornal O Dia.

Arapuã (Sérgio Andrade)

Um dos expoentes de Ultima Hora-SPfoi Sérgio Andrade, o Arapuã, com suacoluna humorística Ora bolas. Ele sente sau-dades dos tempos do jornal, da dignida-de que Samuel atribuía aos profissionais,

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traduzida nos “ótimos salários” que pagava. Mas também, segundoSérgio, pela linha política que defendia, vinculada aos segmentos po-bres da sociedade.

A entrada de Arapuã na Ultima Hora foi singular. Em 1958, suamulher experimentava uma gravidez problemática a ponto de nãopoder ingerir nada, nem água, tendo, portanto, que ficar internada nohospital até o nascimento do bebê. A ajuda dos amigos não era sufici-ente e ele precisava de mais recursos. Decidiu então pedir um adianta-mento ao Diário da Noite, onde trabalhava. A resposta: “Você estáachando isso aqui com cara de banco?” Isso porque ele tinha relatadotodo seu drama, era seu primeiro filho, sua mulher em sofrimento erecebera aquela resposta. A resposta fluiu imediata: “Isso aqui não ébanco; isso aqui é um bordel, onde muitos roubam. Não roubo enunca roubei, estou mal colocado aqui, não volto mais”.

Saiu da Rua Sete de Abril, onde funcionava o Diário da Noite, rumoao Anhangabaú, à sede de Ultima Hora, e foi recebido pelo entãodiretor de redação, Josimar Moreira, que mais tarde seria morto, noRio, durante a ditadura militar. “Vocês vivem me cantando, vocês mequerem?”, perguntou-lhe Arapuã. Foi contratado. No dia de sua es-tréia no jornal, O Cruzeiro (revista dos Diários Associados), com circu-lação de 500 mil exemplares por semana, publicou na terceira página,em corpo 48: “Não perca. Todos os dias, o hilariante Ora bolas!, deArapuã, no Diário da Noite”.

Arapuã ou Sérgio Andrade trabalhou na UH-SP de 1958 a 1968,

produzindo a coluna Ora bolas. Atualmente colabora em publi-

cações da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e na revista

Propaganda e Marketing.

Milton Coelho da Graça

Entrou para a Ultima Hora no dia 2 de janeiro de 1961. “Pode-sedizer que tive uma rápida ascensão”, recorda. “Comecei como copydeskda seção de polícia, cujo chefe era o Pinheiro Júnior, com quem aprendimuito. Em março do mesmo ano, houve o caso de uma garota de

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programa que se suicidou pulando da janela do Hotel Othon, em SãoPaulo. Samuel Wainer era, acima de tudo, um grande romântico. Eletinha tido um caso com a garota, que se chamava Alzirinha. Samuelapareceu na redação dizendo que ele mesmo iria escrever a matéria.Estava bem escrito, só que o leitor não ficava sabendo que a moçatinha se matado. O título era ‘Desespero vital matou Alzirinha’”.

O chefe de redação passou o texto a Milton dizendo: “Lê paravocê aprender”. Ele então respondeu: “Não li e detestei. O título estáuma porcaria”. “Você faria melhor?”, ele perguntou. ImediatamenteMilton produziu: “La dolce vita matou Alzirinha”. “Naquela época, ofilme La dolce vita, de Fellini, estava fazendo muito sucesso”, contaMilton. “O chefe levou o título ao Samuel, dizendo: ‘Tem um copy aí,garoto novo, que disse que o título dele é melhor que o seu’. ‘E émesmo’, respondeu Samuel. Mandou dar um bônus ao jovem atrevi-do pelo título, o que correspondia a 50 por cento de meu salário.

“De repente, tive uma sensação agradável do jornal em que traba-lhava e do patrão que tinha: suficientemente generoso para reconhecerque um subordinado podia fazer um título melhor do que ele. Foiuma grande lição”, continua. Um mês depois, o chefe de reportagemsaiu e Milton ficou no seu lugar. “Foi a minha escola, embora já tivessetrabalhado em O Dia e no Diário Carioca. Quando, como chefe dereportagem, não tinha ainda vivido a produção de matéria jornalística”.

Depois, surgiu uma vaga para editor da edição vespertina. O jornaltinha de ficar pronto às nove horas, sob o risco de perderem a distri-buição. “Eu chegava às três da madrugada na redação. Foi outra lição,aprendi a ser disciplinado. Ultima Hora era também o jornal mais ani-mado do Rio. Tinha até futebol dentro da redação. Era um climacriativo, transmitido pelo entusiasmo de Samuel Wainer”.

“Em maio de 63, o Samuel conseguiu com o Miguel Arraes, entãoprefeito de Recife, apoio para lançar a UH-Nordeste. Como chefe deredação foi o Múcio Borges e eu como chefe de reportagem. O pa-drão da imprensa no Nordeste era o jornalista ter também um em-

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prego público. A Ultima Hora resolveu fazer diferente. Não podia teroutro emprego. Recrutaram jornalistas em outros jornais e alunos nauniversidade. Foi o primeiro emprego de Aguinaldo Silva, que maistarde se tornou um novelista de inegável talento. Ultima Hora foi umaescola de jornalismo na extensão da palavra e no Nordeste represen-tou a primeira grande fornada de jornalistas desligados do poder po-lítico.”

Milton Coelho da Graça tem atualmente uma coluna no site

Comunique-se e é professor na Faculdade de Comunicação da

Universidade Carioca. Está fazendo uma pesquisa sobre o mo-

vimento estudantil.

Maria de Lourdes Pacheco (Lou Pacheco)

Entrou para Ultima Hora, edição fluminense, assim que esta foifundada, em 1951. Fazia a coluna social chamada Sociedade e assinavaLou. Inspirava-se em Jacinto de Thormes. Embora a coluna retratasseprincipalmente a Zona Sul de Niterói, Maria de Lourdes Pacheco car-regava uma visão mais complexa do jornalismo, preocupando-se sem-pre com a comunidade, com o aspecto social de seu trabalho, razãopela qual ficaria conhecida como a “colunista socialista”, o que muitoa lisonjeava.

Um dos episódios marcantes na trajetória de Lou foi por ocasiãoda cobertura da noite “Os Doutores da Ribalta”, em 24 de abril de1959, que o jornalista Antonio Theodoro Barros descreve da seguinteforma em sua tese para ingresso no quadro da Faculdade de Comuni-cação da UFF:

Foi uma noite memorável, cabendo à colunista retratar a Zona Sulde Niterói, nos moldes do mestre Jacinto de Thormes, revelando asociedade fechada, a produtiva intelectualidade de Niterói que conta-va duas Academias de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico, vá-rios institutos artísticos e científicos, no convívio com a AssociaçãoMédica e em face do entusiasmo de recepção a JK (fixado comomédico e ao som de modinhas), a idéia de revelar o outro lado de

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tantas e ilustres personalidades da área e, mais genericamente, de pro-fissionais liberais.

O prestígio conquistado pela UH foi o elemento propulsor dessee de outros eventos de iniciativa da coluna social ZS do jornal deSamuel Wainer e Bocayuva Cunha.

Maria de Lourdes Pacheco foi colunista social na UH

fluminense. Atualmente é diretora do Lig – Jornal em Sua Casa,

de Niterói.

Jean-Claude Bernadet

Sua articulação com Ultima Hora-SP começou por meio de doisportugueses, um dos quais Armindo Blanco. A idéia dos portu-gueses era que haveria uma coluna de crítica cinematográfica pro-duzida por Jean-Claude Bernadet e Mauricio Capovilla e uma deinformação, sob a responsabilidade de Ignacio de Loyola Brandão.Era uma coluna diária, cuja longevidade iria até dia 31 de marçode 1964, quando durante à noite a redação ouviu rumores de quecoisas estranhas estavam acontecendo. “Não sabíamos o que esta-va acontecendo, tudo cheirava a golpe”, revela Bernadet.

Como outros, ele ficara no jornal até aproximadamente 2 ho-ras da manhã, aguardando notícias. As pessoas mais ligadas à po-lítica acreditaram que o golpe tinha dado certo e a maioria foiembora da redação. Uma informação que Jean-Claude teve pos-teriormente era de que a polícia tinha ido ao jornal procurá-lo.Não o encontrando na redação, se dirigiram ao Departamento deContabilidade e perguntaram ao contador se ele estava no jornal.Perguntaram, além disso, se se tratava de homem ou mulher, con-fundindo possivelmente o sobrenome (Bernadet). O contador, porsua vez, informou que “ele” era ela. “Não sei se ele mesmo nãosabia ou se ele sabia e tentou me proteger”, conta Bernadet. Apolícia seguiu então para a Faculdade de Filosofia e apenas lá soubeque ele era de fato “ele”. Voltaram à redação do UH e prenderam ocontador, alegando que ele tinha dado uma informação errada.

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Quanto à coluna, Bernadet tinha absoluta liberdade para escre-ver e opinar. Não havia pressão. Isso não significa que não hou-vesse discussões, mas a opinião do jornalista era respeitada. “Nãoéramos tratados como burros de carga a executar tarefas”, admiteBernadet. Em Ultima Hora, embora jovem ele se sentia respeitado,sentia-se absolutamente à vontade, algo que considera muito im-portante na sua formação.

Jean-Claude Bernadet foi crítico cinematográfico da Ultima

Hora. É professor aposentado do Departamento de Cinema, Rádio

e Televisão da Universidade de São Paulo.

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Getulio Vargas, desfileem carro aberto – UH, 1954.

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Notas bibliográficas

1. Goldenstein, Gisela Taschner. Do Jornalismo Político à IndústriaCultural. São Paulo, Summus, 1987, p. 44

2. Idem, p. 43

3. Idem, Ibidem.

4. Wainer, Samuel. Minha Razão de Viver: Memórias de um repórter. Org.Augusto Nunes. Rio de Janeiro. Ed. Record, 1987.

5. O Brasileiro do Século: categoria comunicação. Revista IstoÉ, 1980.

6. Goldenstein, op. cit. pp. 39-40

7. Idem, p. 40

8. IN: Goldenstein, p. 41

9. Idem, Ibidem

10. Idem, Ibidem

11. Wainer, op. cit. p. 131

12. Goldenstein, op. cit. p. 42

13. Wainer, op. cit. p. 133

14. Idem, p. 134

15. Ultima Hora. Batalhas Perdidas, Vitória na Guerra! Por MariaAparecida de Aquino. IN: Arquivo em Imagens No 1. SérieUltima Hora, São Paulo, 1997, p. 16.

17. Idem, pp. 20-21

18. Wainer, op. cit. p. 142

19. Idem, pp. 143-44

20. Idem, p. 145

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21. Idem, p. 146

22. Idem, p. 150

23. Idem, p. 151

24. Idem, p. 161

25. Idem, p. 163

26. Idem, p. 231

27. Goldenstein, op. cit. p. 47

28. Wainer, op. cit. p. 246

29. Idem, p. 247

30. Idem, p. 166

31. Goldenstein, op. cit. p. 51

32. Lacerda, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro, Ed. NovaFronteira pp. 124-5

33. IN: Goldenstein p. 52

34. Idem, p. 53

35. IN: Goldenstein p. 53

36. Wainer, op. cit. p. 182

37. Idem, p. 200

38. Idem, pp. 205-6

39. Idem, p. 226

40. Idem, ibidem

41. Idem, p. 238

42. Site da Fundação Getulio Vargas: www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes

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43. Idem.

44. Aquino, op. cit. p. 20

45. Idem, p. 21

Além dos já citados, foram usados como suporte:

1. Perosa, Lilian Maria Farias de Lima Perosa. A Hora do Clique:análise do programa oficial de rádio Voz do Brasil da Velha à NovaRepública. São Paulo, Eca-Annablume, 1995.

2. Weffort, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1986.

3. Tota, Antonio Pedro. O Estado Novo. São Paulo, Brasiliense,1987 (col. Tudo é História).

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Este livro foi composto em Garamond,

corpo 12/16, abertura de capítulos em

Garamond Bold, corpo 25, títulos emGaramond Bold, corpo 16, subtítulos em

Garamond Bold, corpo 13, legendas em

Arial, corpo 8/9,6, e notas em Arial,corpo 8/9. Miolo impresso em papel

offset 90gr/m2 e capa em cartão supremo

250gr/m2, na Imprinta Gráfica e Editora,em junho de 2003.