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AS COLEÇÕES DO INSTITUTO: O INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO E AS PRODUÇÕES
BIBLIOGRÁFICAS DE DIVULGAÇÃO CULTURAL
Mariana Rodrigues Tavares1
Uma coisa é escrever livros, e outras é entender deles, do seu comércio, de suas transas (Herberto Sales)
Esta frase icônica de autoria de Herberto Sales, um dos mais importantes, diretores do
Instituto Nacional do Livro são representativas de que maneira as questões editoriais
perpassaram os liames políticos e culturais no Brasil ao longo do século XX. Um dos
principais capítulos desta história foi aquele que, seguramente, teve como protagonista o
Instituto Nacional do Livro (INL).
As publicações do Instituto Nacional do Livro (INL) revelam um escopo específico da
trajetória político cultural brasileira. Fundado com o princípio básico de atender uma das
demandas do Plano Nacional de Educação (PNE) que contemplava a educação extraescolar,
considerada como elo vital na corrente de formação educacional e cultural que se pretendia
para os brasileiros, o Instituto do Livro passou a tratar da “mais poderosa criação do engenho
humano”, isto é, o livro, tendo por incumbências as seguintes atividades: a) organizar e
publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as
sucessivas edições; b) editar toda sorte de obras raras ou preciosas, que sejam de grande
interesse para a cultura nacional; c) promover as medidas necessárias para aumentar, melhorar
e baratear a edição de livros no país bem como para facilitar a importação de livros
estrangeiros; d) incentivar a organização e auxiliar a manutenção de bibliotecas públicas em
todo o território nacional (SILVA, 1992:44 e Decreto Lei nº 93 de 21 de dezembro de 1937).
Todas estas atribuições tiveram em sua origem o espelho do que fora o antigo Instituto
Cayrú, predecessor do Instituto Nacional do Livro. Por iniciativa do então ministro da
Educação Gustavo Capanema, o presidente Getúlio Vargas decretou a transformação do
Cayrú em Instituto do Livro. Suas funções tal como descritas no já citado Decreto Lei, a partir
deste momento, foram ampliadas e para alcançar os seus objetivos, o INL dispôs de três
1Doutoranda em História Social pelo PPGH-UFF com pesquisa acerca do Instituto Nacional do Livro. Bolsista
de doutorado pela Capes. E-mail: [email protected]. O presente artigo é parte da minha tese de
doutorado intitulada “O Brasil em edição: história das publicações do Instituto Nacional do Livro por meio de
suas coleções” sob orientação da profª Giselle Venancio.
seções técnicas divididas em: Seção da Enciclopédia e do Dicionário cuja responsabilidade
fora a organização e a publicação da Enciclopédia Brasileira e do Dicionário de Língua
Nacional; a Seção de Publicações cujo encargo fora a “edição de obras raras ou preciosas”, de
interesse para a formação cultural do povo brasileiro, além de adotar medidas para o
barateamento, aumento e melhoria das edições de livros, e igualmente promover a importação
de livros e por fim a Seção de Bibliotecas cujo dever fora incentivar, organizar e auxiliar a
manutenção de bibliotecas públicas em todo o território brasileiro (SILVA, 1992: 45, grifos
meus).
Pode-se considerar que a conjuntura de criação do Instituto Nacional do Livro esteve
imersa nas muitas “culturas” do país difusas entre a primeira e a segunda metade do século
XX. Dentre estas estiveram, o que se pode nomear, por cultura escrita, impressa, oral, a de
origem culta e a de tradição popular. O ponto em comum entre todos estes tipos era a
convergência acerca do que deveria ser considerado e definido como cultura brasileira. Nas
palavras de Eliana Dutra era preciso neste período, “Formar uma consciência nacional,
abrasileirar o Brasil, ser inteiramente brasileiro, estudar o Brasil sob todos os seus aspectos e
em todos os seus problemas, tornar o Brasil mais conhecido para ser amado” (DUTRA,
2005:229). Segundo a referida historiadora, um dos pontos da pauta cultural deste momento
pretendia afirmar os conceitos de civilização e de cultura nacionais, possuindo ambos sua
representação mais bem acurada por meio dos livros. De acordo com Dutra, o livro foi
reconhecido como instrumento fundamental da cultura, estando intimamente identificado com
o da civilização brasileira, como índice, produto e objeto de cultura (DUTRA, 2005:229-230).
Nesse ínterim, nos debates intelectuais o livro ocupou o lugar importante nas iniciativas
público e privadas do período, culminando em formulações de políticas culturais cristalizadas
no Brasil por meio do Estado Novo. Conforme aponta Eliana Dutra, historiadora já citada
neste texto, a essência destas práticas em torno do livro e tiveram em seu escopo uma
pedagogia da nacionalidade2 dedicando-se à formação do leitor utilizando-se de vários
2Pelo conceito de “pedagogia da nacionalidade”, a historiadora Eliana de Freitas Dutra compreende por um
conjunto de iniciativas público e privadas que tiveram por objetivo criar um público leitor mais conhecedor da
cultura brasileira. Para maiores detalhes ver: DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Companhia Editora Nacional:
tradição editorial e cultura nacional nos anos 30. Disponível em:
http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/elianadutra.pdf. Acesso em: 22 jan.2018.
gêneros literários, outras mídias e práticas culturais. Segundo a autora, “Lugar de expressão
das culturas literárias e das tradições do saber, peça-chave da fortuna cultural da língua
brasileira, espaço de expressão das ideias, o livro foi considerado o grande repertório da
cultura nacional e indicador do grau de civilização do Brasil” (DUTRA, 2005:230).
Destarte, é preciso retomar de que forma se estruturou o Instituto Nacional do Livro
conforme já enunciado no início desta narrativa. Estruturado em, pelo menos, três seções,
sendo uma delas a de Publicações, o Instituto do Livro teve em seus primórdios a adoção de
medidas que procuravam, não só, reeditar obras de completas e raras, mas promover medidas
de aumento, barateamento e melhoria da edição de livros no país, bem como facilitar o
intercâmbio de livros estrangeiros.
Preliminarmente, a chefia desta seção coube a Sérgio Buarque de Holanda que a época
já havia participado das discussões modernistas e que colaborava para a imprensa. De acordo
André Furtado (2014), em 1929, Sérgio Buarque seguiu em viagem para a Alemanha, a fim
de atuar como enviado especial d’O Jornal de Assis Chateaubriand. Mais tarde, retornando ao
Brasil, em 1936, lançou sua primeira obra Raízes do Brasil como livro de estreia da coleção
Documentos Brasileiros e cujo prefácio coube a Gilberto Freyre, a época um escritor já
reconhecido pela publicação sociológica de Casa Grande & Senzala. Cerca de três anos
depois, iniciou as atividades no Instituto Nacional do Livro e na Divisão de Consultas da
Biblioteca Nacional retornando posteriormente a São Paulo e seguindo sua trajetória na
capital de origem.
Ao fazer referências ao setor de Publicações do Instituto Nacional do Livro e destacar
a chefia de Sérgio Buarque de Holanda espera-se analisar a proximidade existente entre as
edições lançadas pelo Instituto e o gênero literário do ensaio em voga desde os primórdios do
século XX. Sabe-se que entre as décadas de 1920 e 1940 foram propagados diversos estudos
sobre a formação da sociedade brasileira que deixaram um legado intelectual de leituras
críticas e que contribuíram para conformar, reflexivamente, modos de pensar e sentir o Brasil,
incluindo-se obras que podem ser responsabilizadas, propriamente, por “inventarem o Brasil”
(CARDOSO, 1993 Apud BOTELHO, 2010:47).
Para tanto, elencam-se alguns títulos que podem ser considerados como exemplos
emblemáticos deste período e que estão traduzidos nas obras de Francisco José de Oliveira
Vianna intitulada Populações Meridionais do Brasil de 1920, Retrato do Brasil de Paulo
Prado e Macunaíma de Mário de Andrade, ambos de 1928, Casa Grande e Senzala de
Gilberto Freyre, Evolução política do Brasil de Caio Prado, os dois de 1933, Sobrados e
mucambos, também de autoria de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de
Holanda e já referido acima, estes últimos datados de 1936. Nos decênios seguintes foram
lançados pelas mãos de Caio de Prado Júnior e Oliveira Vianna os títulos Formação do Brasil
contemporâneo de 1942 e Instituições políticas brasileiras de 1949, respectivamente
(BOTELHO, 2010:46-47).
De acordo com André Botelho, estes textos podem ser reunidos na expressão de
“ensaísmo e interpretação do Brasil”, contudo não permitem uma definição mais estrita
baseada em características definitivas ou narrativas exclusivas acerca da constituição
nacional. Ainda aponta Botelho que apesar de compartilharem vários aspectos afins, os
ensaios publicados neste período não são suficientes para enquadrá-los numa unidade
estruturada em torno de um objetivo comum. Sendo assim, as produções elencadas pelo
estudioso e acrescidas de outras lançadas pelo Instituto do Livro constituíram nas palavras de
André Botelho, “os ensaios de interpretação do Brasil escritos entre 1920 e 1940 constitui, na
melhor das hipóteses, um movimento analítico de atribuição e não de inferência de unidade,
como algumas vezes tem sido feito. Noutras palavras, pensar os ensaios de interpretação do
Brasil como um conjunto unitário é um problema que se colocou a posteriori, e em especial
pelas ciências sociais, cujo bem-sucedido processo de institucionalização se processou no
período imediatamente posterior ao seu surgimento, e simultaneamente ao seu
desenvolvimento” (cf. MICELI, 2001 Apud BOTELHO, 2010:48).
Boa parte das obras publicadas pelo Instituto Nacional do Livro, apesar de alguns de
seus títulos extrapolarem a faixa cronológica dos ensaios acima citados, mantém uma
profunda relação com o caráter ensaístico apresentado nestas publicações nas quais se
destacam movimentos analíticos de compreensão dos tipos nacionais, de seus objetos
culturais, de sua arquitetura, etc. Deste modo, o que se pretende apontar neste trabalho tem em
muito com o exercício historiográfico proposto por Michel de Certeau ao se considerar que “a
operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas ‘científicas’ e de
uma escrita” (1982, p.65). Assim sendo, assume-se nesta pesquisa o intuito de se construir
uma história da circulação dos impressos pautada nas considerações de uma prática social que
considere os agentes envolvidos, tanto os do passado quanto os do presente, e o próprio
espaço social desempenhado pelo Instituto Nacional do Livro.
De maneira geral, pode-se considerar que o programa de publicações do Instituto
Nacional do Livro foi, ao longo tempo, bastante variado. Tendo como meta zelar pela
melhoria, pelo fomento e pelo barateamento do livro, além de cuidar das questões relativas à
facilidade de importação de obras necessárias ao desenvolvimento técnico dos profissionais
brasileiros, o Instituto do Livro esbarrou com a problemática da indústria livreira e do
reduzido parque gráfico do país. Alguns estudiosos do tema apontam, conforme Suely Braga
da Silva (1992) que Américo Facó, então diretor da Instituição, afirmava em Relatório de
1944 que o “barateamento do livro brasileiro excedia a alçada do INL e que por este motivo,
desde o começo a busca de soluções deveria ser entregue a outras instituições melhor
equipadas”. No entanto, o relator não menciona quais seriam estas instituições. Ainda sob as
perspectivas de Suely Braga, a estudiosa destaca que mesmo não esclarecendo quais as
instituições as quais Facó se referia, é possível supor que o Serviço de Divulgação da
Chefatura de Polícia do Distrito Federal, sob o comando de Filinto Müller, tinha na indústria
do livro uma de suas preocupações, mas nada que permitisse afirmar com segurança que o
Serviço de Divulgação fosse uma das instituições a que se referia Facó (BRAGA, 1992, p.57).
Neste sentido, o Instituto do Livro teria colaborado para a busca de soluções para a
questão do livro nacional a partir de contatos com editores e livreiros, da organização de
debates, mas optou por uma via que barateasse a publicação dos livros a preços reduzidos
com o intuito de divulgar obras expressivas da literatura brasileira. (BRAGA, 1992:57-58).
Para Américo Facó (1944) o critério para a publicação de uma obra era a sua raridade, fosse
pelo elevado custo, fosse pela escassa compensação financeira para as editoras que não se
interessavam por suas reedições. Em suas palavras “considerou-se algumas obras clássicas
sobre o Brasil, sua história, sua geografia, sua vida social no passado, que se tinham tornado
sumamente raras nas livrarias e bibliotecas” (FACÓ Apud BRAGA, 1992:58). Sendo assim,
até a data de 1945 estabeleceram-se as seguintes coleções (BRAGA, 1992:58-59):
Coleção de Obras raras – Consistindo na divulgação de obras de difícil acesso,
considerando-se o custo elevado e a raridade dos exemplares.
Coleção de Obras completas de grandes autores brasileiros – Lançamento de obras
de autores consagrados;
Coleção do estudante – Coleção com a finalidade de oferecer subsídios para auxiliar
os estudantes. Este conjunto de publicações foi breve, tendo iniciado em 1945 e sendo
suspensa em 1947.
Bibliografia Brasileira – Guia editorial com o intuito de controlar a produção
editorial do país.
Bibliografias especiais – Representavam a compilação de textos de autores já
reconhecidos ou sobre determinado tema;
Biblioteconomia – Atendia às necessidades dos estudantes do curso de
Biblioteconomia assim como publicava obras indicadas pela Seção de Bibliotecas do
Instituto.
Ao se pensar na História editorial brasileira, é preciso considerar o caráter político
marcado, não só, as redes de sociabilidades intelectuais quanto pelos aspectos de ordem
econômica e material. Tal como já demonstrado por Mariana Tavares (2016) em trabalho
acerca da Enciclopédia Brasileira do Instituto Nacional do Livro, Suely Braga salienta que o
principal critério para a inclusão de uma determinada obra das coleções do INL passava mais
por fatores de cunho subjetivo do que por padrões claros e objetivos de trabalho (1992:59).
Mereceu destaque nas publicações do Instituto Nacional do Livro foram obras que
abordaram aspectos relacionados às questões da língua portuguesa, de sua linguística e outras
de ordem lexicográfica. De acordo com Eliana Dutra, a busca pelo sentido de nacionalidade
fora almejada no Brasil desde a Primeira República. Tal percepção fora buscada pelos
intelectuais do período e esteve presente nas páginas do Almanaque Garnier e demonstra de
que maneira a língua e a literatura foram acrescidas da salvaguarda da tradição que nutria as
raízes da solidariedade cultural e social, capazes de solidificar uma comunidade nacional
(DUTRA, 2005, p.118). Tal como postula Gérard Noiriel (1995), a Nação estaria alicerçada
no tripé tradição, língua e sensibilidade demonstrando de que maneira o que há de comum,
natural, original, entre os membros de uma comunidade. Discutindo estes pontos entre os anos
1950-60, observa-se a retomada dos aspectos político-linguísticos pelo Instituto Nacional do
Livro por meio do viés consolidador de um órgão que pautava a organização da produção de
dicionários, que buscava as origens filológicas da língua portuguesa, todas estas questões
voltadas para atender a primeira função da instituição que fora a de: a) organizar e publicar a
Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as sucessivas
edições. A respeito da Enciclopédia e do Dicionário é sabido que jamais foram publicados.
Em grande medida a justificativa para não publicação reside no fato de que a necessidade de
se publicar uma obra deste gênero foi premente nos anos em que havia a carência de definição
dos contornos nacionais. Com isso, desenhou-se um arquétipo tipicamente brasileiro que
sobreviveu às práticas editoriais do Instituto do Livro até meados dos anos 1950 quando os
projetos editoriais do órgão e da própria Enciclopédia foram redefinidos (TAVARES,
2016:107).
Por conseguinte, ao examinar os títulos dos conjuntos de publicações, as obras
lançadas e o próprio intuito do Instituto do Livro ao publicá-las parte-se para uma análise dos
títulos e dos próprios conteúdos das publicações, denotando-se que o Instituto do Livro
estabelecia de alguns temas fixos, algumas compreensões pré-definidas e almejava propósitos
específicos que englobavam desde a concepção e os estudos acerca da língua e da ciência e
concluía-se em produções biográficas, bibliográficas, de obras raras e completas de alguns
autores. Em aspectos gerais os grandes temas que compuseram os livros editados pelo INL
podem ser assim distribuídos em categorias: Língua e linguística, ciência, cultura, cultura
popular, bibliografia, biblioteconomia, biografia, centenário, literatura, obras raras, traduções,
dicionários, documentos, Enciclopédia Brasileira – obras subsidiárias, exposições, obras
completas de autores, suplementos e coleção Resgate.
Outro ponto que mereceu destaque nas publicações do Instituto Nacional do Livro
foram obras que abordaram aspectos relacionados às questões da língua portuguesa, de sua
linguística e outras de ordem lexicográfica. De acordo com Eliana Dutra, a busca pelo sentido
de nacionalidade fora almejada no Brasil desde a Primeira República. Tal percepção fora
buscada pelos intelectuais do período e esteve presente nas páginas do Almanaque Garnier e
demonstra de que maneira a língua e a literatura foram acrescidas da salvaguarda da tradição
que nutria as raízes da solidariedade cultural e social, capazes de solidificar uma comunidade
nacional (DUTRA, 2005:118). Tal como postula Gérard Noiriel (1995), a Nação estaria
alicerçada no tripé tradição, língua e sensibilidade demonstrando de que maneira o que há de
comum, natural, original, entre os membros de uma comunidade. Discutindo estes pontos
entre os anos 1950-60, observa-se a retomada dos aspectos político-linguísticos pelo Instituto
Nacional do Livro por meio do viés consolidador de um órgão que pautava a organização da
produção de dicionários, que buscava as origens filológicas da língua portuguesa, todas estas
questões voltadas para atender a primeira função da instituição que fora a de: a) organizar e
publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as
sucessivas edições. A respeito da Enciclopédia e do Dicionário é sabido que jamais foram
publicados. Em grande medida a justificativa para não publicação reside no fato de que a
necessidade de se publicar uma obra deste gênero foi premente nos anos em que havia a
carência de definição dos contornos nacionais. Com isso, desenhou-se um arquétipo
tipicamente brasileiro que sobreviveu às práticas editoriais do Instituto do Livro até meados
dos anos 1950 quando os projetos editoriais do órgão e da própria Enciclopédia foram
redefinidos (TAVARES, 2016:107).
Quanto a coleção Resgate, está última aborda aspectos relativos ao programa de
coedições do Instituto Nacional do Livro iniciado entre o final da década de 1960 e os
primórdios dos anos 1970 e que foi responsável por reeditar obras básicas das coleções
Brasiliana, da Documentos Brasileiros, Memória Brasileira, Dimensões do Brasil e etc.,
recolocando novamente no mercado editorial edições esgotadas. Além disso, a respetiva
coleção atendeu ao programa de coedições encampado pelo Instituto do Livro a partir do qual
se realizava um convênio entre editoras privadas e o órgão responsável por colocar no
mercado em torno de 3.000 exemplares de cada obra aprovada em acordo com mais de 30
casas editoriais e suas respectivas coleções. Sendo assim, não é de se estranhar que entre os
anos 1970 tenha havido maiores cifras para a coleção Resgate3.
A luz das edições encampadas pelo Instituto Nacional do Livro por meio de suas
coleções não se pode deixar de perscrutar outras publicações congêneres de seu tempo
histórico. Uma delas foi a coleção História Geral da Civilização Brasileira (HGCB) que nas
3Sobre a ação cultural do Instituto Nacional do Livro ver: Jornal de Letras, dezembro de 1977 (2º caderno) e
TAVARES, Mariana Rodrigues. Um Brasil inapreensível: história dos projetos da Enciclopédia Brasileira do
Instituto Nacional do Livro. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, 2016.
palavras de André Furtado (2014) se inseriu por completo no processo de reconfiguração e
institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, em curso com mais expressão a partir da
segunda metade do século XX (2014: 69). Segundo Furtado, a HGCB se insere como uma
contrapartida acadêmica oriunda das universidades criadas na década de 1930 que buscavam
transmitir à intelectualidade nacional a especialização dos saberes na escrita da História.
Diferentemente das coleções do Instituto Nacional do Livro, o caráter da HGCB primava pela
especialização, pois envolveu uma gama de pesquisadores escolhidos pelo coordenador da
edição e também professor universitário, Sérgio Buarque de Holanda. Quanto a este último e
já citado neste capítulo, vê-se aqui dois momentos distintos de sua trajetória intelectual.
Quando da sua atuação no INL e no setor de publicação, conheceu-se uma versão de “Sérgio
Buarque” mais afeita ao gênero ensaístico, de caráter generalista nas análises sobre o Brasil.
Além disso, o “Sérgio Buarque” do INL esteve muito atento às questões relativas à promoção
da leitura de qualidade e baixo custo à população brasileira. Distintamente de sua posição na
Universidade de São Paulo (USP) e como organizador da HGCB, momento de cristalização
de sua posição acadêmica, vê-se um “Buarque de Holanda”, seletivo, menos generalista, e
principalmente, imprimindo o selo universitário em sua coleção.
No que concerne ao Instituto Nacional do Livro, os propósitos foram outros. O caráter
da Instituição e de suas coleções tinha o intuito de garantir a sociedade brasileira obras que
lhe assegurassem a formação nacional, livros de natureza rara para a história do país, além de
cuidar de toda a pedagogia do cidadão brasileiro. Assim sendo, o INL se pautava por outras
discussões, muito distantes das travadas no meio acadêmico das incipientes universidades e
do momento decisivo pelo qual passava a ciência como força social de modernização do
Brasil dos anos 1950 (BOTELHO, 2008:271). Pelos motivos já explicitados, afirma-se que as
edições do Instituto Nacional do Livro guardam importante capítulo da história social do livro
e da leitura brasileira. Com o objetivo claro da publicação de “todo tipo de obras” para a
cultura luso-brasileira, o INL esforçou-se para produzir edições de títulos nacionais e uma
bibliografia de mesma natureza, revelando sua ação pedagógica e formadora da nacionalidade
brasileira.
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