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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
Endless sadness: meaning and Criticism of a state of spirit (“Stimmung”) in the work of Lima Barreto
Thomas Sträter Professor PHD em Literatura do Departamento de Português do Instituto de Tradução e
Interpretação da Universidade de [email protected]
RESUMO: Este artigo busca recriar e atualizar o sentido da tristeza na cultura brasileira, ao procurar esclarecer o sentimento onipresente do “stimmung”, uma polivalência de sentidos tão profunda como opaca, porém presente na literatura brasileira na virada do séc. XIX para o XX, período imediatamente anterior ao processo de modernização. Tem como foco a obra de Lima Barreto. Assim, investiga-se a parceria entre tristeza e saudade como emblema nacional naquele tempo e seu forte legado contemporâneo, não obstante a projeção da alegria com este mesmo status no tempo presente. Estas questões têm em perspectiva a melhor compreensão da tristeza como forma de resistência.
PALAVRAS-CHAVE: tristeza, “stimmung”, Lima Barreto, literatura brasileira, cultura brasileira,
ABSTRACT: This article seeks to recreate and renew the meaning of sadness in the Brazilian culture by clarifying the meaning of feeling of “stimmung”. Stimmung appeared as a deep and insipid multitude of senses in the Brazilian literature in the turn of the 19th to the 20th Century, a period which immediately precedes Brazil´s modernization process. This paper focuses on the work of Lima Barreto and seeks to investigate the roots of the combination of the feelings of sadness and nostalgia as a national symbol of that time, and its strong contemporary heritage, in spite of the use of happiness as the present symbol of Brazilian state of mind. These questions are aimed at enhacing the understanding on the use of sadness as a form of social resistance.
KEYWORDS: sadness, nostalgia, Brazilian culture, Brazilian literature, Lima Barreto
1. Virada do século XX: um estado de espírito ganha o Brasil
“A melancolia, a reflexão da desgraça em progresso, nada tem a ver com o amor à morte. Ela é uma forma de resistência”. [Melancholie, das Überdenken des sich vollziehenden
Agenda Social. Revista do PPGPS / UENF. Campos dos Goytacazes, v.2, n.3, out-dez / 2008, p.1-43, ISSN 1981-9862
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Unglücks, hat aber mit Todessehnsucht nichts gemein. Sie ist eine Form des Widerstands] W.G. Sebald.1
Quem começa a estudar, como estrangeiro, as culturas de países nos quais se fala a língua
portuguesa, não tardará muito para logo ser confrontado com uma palavra de dificil,
provavelmente até impossível tradução para qualquer que seja o idioma. Esta palavra é a
notória saudade. De etimologia incerta, provavelmente proveniente do latim solitudo
(solitate), a solidão em português, com uma possível ascendência de saúde, a essência da
palavra saudade transcende a abrangência do campo semântico de uma lembrança
nostálgica de pessoas ou coisas, uma nostalgia indefinida (Vossler, 1950:3-8). Sem tentar
aqui esboçar uma história cultural da saudade 2, e, muito menos, entrar no campo vasto de
uma psicologia ultrapassada dos povos, não cabe dúvida de que a saudade servia e ainda
serve como uma chave-mestra para dar acesso a um entendimento mais profundo das
diversas conotações vinculadas por ela, seja na sua pátria portuguesa, seja em seu país de
exílio, o Brasil. Quanto mais aprofundamo-nos nessa palavra, tão carregada de história e
sentidos, tanto mais se corre o perigo de se perder no labirinto da saudade, nesta teia
semântica e morfológica, tecida pelos fios de uma melancolia particular.
Em Portugal a saudade nasceu com a lírica medieval e nela cresceu, amadureceu na poesia
e no épos camonianos da renascença, chegou a madurez maneirista do culteranismo de
Francisco Manuel de Melo, foi redescoberta e revitalizada na procura da identidade
nacional pelos românticos, na esquina dos séculos XIX e XX prestou nome ao movimento
do saudosismo, e, finalmente, mas não derradeiramente, encontrou sua interpretação
moderna na poesia metafísica de Fernando Pessoa. Já no gênero musical do fado ela é o
1 Se não houver indicação, todas as traduções são minhas.2 V. os trabalhos de Karl Vossler e Botelho/Teixeira.
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sentimento preponderante, sem o qual a existência dos versos lânguidos, ao som dos
acordes tremendos da guitarra portuguesa, ficaria impensável.
No Brasil, como em outras terras mais distantes entre as conquistadas e colonizadas,
alcançou já sua maioridade, na bagagem dos exploradores, viajantes e emigrantes. Parece,
no entanto, que no decorrer do século XIX este sentimento da saudade, nas artes como no
dia-a dia no Brasil, ora latente, ora óbvio, transfigurou-se num outro, parecido em parte
com o anterior, ganhando um novo perfil. Por conseqüência, tal sentimento foi suplantado
e em parte substituído, passo a passo, não só por uma nova palavra, mas por uma maneira
diferente e específica de se sentir como nação abaixo do Equador. O Romantismo tropical
ainda cultivava as suas saudades e suas derivadas aflições; mas, com o seu fim e o advento
das novas estéticas do Realismo e do Naturalismo, cujos aparecimentos coincidem com o
processo da transformação política da Monarquia para a República, os brasileiros
começaram a se definir e se identificar com um novo sentimento: embora filha legítima da
saudade, era agora a tristeza que se fazia presente nos espíritos e pensamentos dos homens.
Como constatou Gilberto Freyre em Casa grande & senzala: “O português, já de si
melancólico, deu no Brasil para sorumbático, tristonho; e do caboclo nem se fala: calado,
desconfiado, quase um doente na sua tristeza. Seu contato só fez acentuar a melancolia
portuguesa. A risada do negro é que quebrou toda essa ‘apagada e vil tristeza’ (…)
” (Freyre 1981:462).3
Lima Barreto contradisse esta avaliação ilusória no seu Diário íntimo com um soluço
lapidar: “É triste não ser branco”. (Barreto 1956:130). Enquanto a saudade não se tornava
necessariamente inoportuna, a ponto de proporcionar a seus praticantes e adeptos também
uma certa felicidade dentro dela – o sofrido gozo da saudade –, o sentimento da tristeza
3 Evidentemente trata-se de uma visão típica, embora bastante ingênua de Freyre, que atribui ao africano uma alegria imponente. Cabe perguntar se as esperanças frustradas dos escravos, melhoradas as circunstâncias de suas vidas depois da abolição, aumentaram ainda mais a tristeza entre os brasileiros?
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parecia completamente oposto a qualquer contentamento. Inúmeros exemplos na literatura,
seja fictícia, ensaística, epistolar ou lírica deste tempo provam a imponente regência deste
estado de espírito nacional quase unânime. Nos romances e contos de Afonso Henrique de
Lima Barreto (1881-1922) este sentimento chegou ao seu clímax. Basta dizer aqui que no
seu romance mais famoso e mais fartamente traduzido, cujo título já alude ao sentimento
aflitivo em questão, O triste fim de Policarpo Quaresma, o substantivo tristeza, com seus
adjetivos triste e tristonho, o advérbio tristemente e o verbo entristecer aparecem 53
vezes4. Juntam-se à quantidade das repetidas menções explícitas da tristeza ou nas
palavras, igualmente abundantes, no livro, pertencentes ao campo semântico desta, como
por exemplo: abatido, cemitério, choro, desanimado, desolado, funebre, lúgubre, luto,
morto, plangente, soturno, sorumbático, taciturno etc., evocando assim um melancólico
sentimento sem saída, reinante ao longo de todo o livro 5.
Também o nome Quaresma 6 fortalece através da sua sinônima quarentena (do francês
quarantaine) a experiência de uma deprimente privação de convivência e de solidariedade
frustrada, como se lê no Aurélio: tratar-se-ia de um isolamento imposto a portadores ou
supostos portadores de doenças contagiosas, e abstinência sexual. Na locução de
quarentena, a palavra significa de reserva, de lado, separado (da sociedade). Essa
marginalização do protagonista pelo seu sobrenome podemos identificar também com a
vida do seu próprio autor (Resende, 1997 e Wasserman, 1997).
4 Numa e Ninfa contam 30 palavras começando com o prefixo trist-: Isaías Caminha, 24; Clara dos Anjos, 20; e a coletânea de dezesete contos A nova Califórnia (1979) conta com 21.5 Sem falar de outras palavras usadas, embora fora do contexto, neutras, mas que intensificam a impressão de tristeza, como cores escuras (negro, cinzento etc.), sombra, e similares.6 Deixando aqui de lado o aspecto biográfico das quarentenas, as temporadas em que Lima Barreto foi hospitalizado nos manicômios do Rio: para as interpretações do nome do protagonista (Santiago, 1997:538). Embora minha interpretação do nome Quaresma tenha ficado desapercebida por Santiago e outros.
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A atmosfera do livro é de uma penetrante melancolia e resignação, aparentemente
inevitáveis, que impregnam radicalmente o idealismo frustrado deste ingênuo e idealista
herói brasileiro, como também o mundo de seus parentes literários: a mulata Clara dos
Anjos, seduzida por um malandro branco; o sexagenário burocrata Gonzaga de Sá, em
conversas com seu jovem amigo Augusto Machado, também mulato; o escrivão Isaías
Caminha, filho de uma negra, ou o infeliz apaixonado Numa, em suas andanças pelo centro
do Rio, pelos subúrbios, campos e praias fluminenses, no reino dos Bruzundangas. A
impressão deixada por tamanha tristeza é concreta e ao mesmo tempo, vaga e nebulosa,
crescendo a cada página lida, a ponto de, concluida a leitura, vir a se tornar realidade
irrecusável e absolutamente instaurada.
1.1. Tristeza e melancolia: herança européia, criação brasileira
O romancista e médico Moacyr Scliar dedicou seu grande ensaio Saturno nos trópicos à
questão de como a melancolia européia chegou ao Brasil 7. Não cabe dúvida de que a
melancolia, como invenção européia, especialmente no seu habitat predileto, nas frias e
nevoentas ilhas britânicas, atravessava o oceano como mercadoria cultural-sentimental
para chegar aos portos brasileiros. Claro está que a história da melancolia é mais antiga,
tendo seus primórdios na Bíblia. No Antigo Testamento, encontra-se uma figura como
Saul, que foi atacado por um mau espírito, posteriormente diagnosticado como melancolia.
Como termo, aparece pela primeira vez no Corpus Hippocraticum (400 a.C.), em que
significa um dos quatro humores, a bile negra, que determina o temperamento dominante.
7 O seu ponto de vista, do qual ele desenvolve seus argumentos, é o de médico, analisando a melancolia como manifestação de uma doença psíquica, ou vinculadando-a por suas características a doenças mentais, como a mania, a loucura, a neurose etc. (referindo-se a “O alienista”, de Machado de Assis, e a biografia de Lima Barreto, internado em hospícios várias vezes). Cabe destacar que Scliar é médico, especialista em saúde pública.
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Nos séculos seguintes, a melancolia compreende uma lista longa de típicos termos
referentes às suas épocas como taedium vitae, acedia, tristitia, hipochondria, ennui,
spleen, mal du siècle, Weltschmerz, Schwermut, unglückliches Bewußtsein (Nünning,
2001:421). Foi o inglês Robert Burton que, na sua enciclopédica Anatomy of melancholy
(1621), tentou uma interpretação da doença melancólia (depressão, distimia, mania etc.),
suas razões e possíveis curas, como também sua valorização como necessária experiência
existencial do ser humano: uma reivindicação insistente de uma desilusão na visão do
mundo, que rejeita qualquer oferta de salvação.
Dessa maneira a melancolia vem fomentando desde então uma vasta produção cultural: da
Melencolia I (1514) de Dürer, passando pelos Ensaios (1580) de Montaigne e a encarnação
teatral do melancólico Hamlet (1601) por Shakespeare, e tantos outros. Na sua Ode on
melancholy (1819), o poeta inglês John Keats descreveu o dito estado de espírito numa
auto-interpretação lúcida como the wakeful anguish of soul – “a vela angustiada da alma”.
No Brasil, sob a luz e o calor tropical, poucas vezes tem-se falado dela explicitamente, e,
seguindo essa idiossincrasia, também raras vezes vê-se escrita a palavra melancolia, pelo
menos na literatura ficcional e na poesia. No Policarpo Quaresma, por exemplo,
melancolia somente aparece três vezes 8. Mais parece uma indisposição por parte dos
brasileiros que os faz reagir ao vocábulo tão solene, evitando, de qualquer forma, a palavra
de origem grega, com sua carga de erudição e votando conscientemente por uma palavra
mais comum e simples, de origem latina, incorporada ao vocabulário português há séculos:
tristeza.
8 Nas frases seguintes: “O crepúsculo chegava e eles entraram em casa mergulhados na melancolia da hora” (8/75). “Assim, convalesceu longamente, demoradamente, melancolicamente, sem uma visita, sem ver uma face amiga” (67/75). “Certamente não se podia tomar por tal míseros beijos-de-frade, palmas-de-santa-rita, quaresmas lutulentas, manacás melancólicos e outros belos exemplares dos nossos campos e prados” (4/75) - os grifos são meus.
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Existe uma diferença qualitativa entre a melancolia e a tristeza. Por isso não seria lícito
intelectualmente abster-se da distinção entre os dois termos e tratá-los como sinônimos,
como faz Scliar, ao estabelecer uma linha reta entre o clássico livro de Robert Burton e a
interpretação tristonha do Retrato do Brasil, por Paulo Prado (1928): “E melancolia, ou
tristeza, é o denominador entre A anatomia da melancolia e Retrato do Brasil” (Scliar,
2003:170). A tristeza brasileira é uma forma específica da melancolia européia. E a tristeza
brasileira é uma forma específica da própria tristeza como tal. A filha tem sua própria
personalidade por sua vez, e não deve ser confundida com sua mãe. Inédito seria dizer que
a tristeza não só encontra no Brasil a sua manifestação psíquica natural como também a
sua expressão estética: o indivíduo é triste, assim como a arte que ele produz – um
sentimento enobrecedor inerente ao caráter nacional, comum a todos.
Na obra de Lima Barreto, quase sempre, temos ao lado de uma tristeza subjetiva de ânimo,
vinculada com o sentimento ou a aparência de uma personagem, uma outra objetivada, isto
é, uma tristeza que reside nos objetos inanimados do mundo exterior: num morro, numa
praia, no mar, no céu, numa casa, numa rua etc. São modernas naturezas mortas no sentido
pictórico da história de arte: alegorias de promessas de um futuro ainda não cumpridas. No
seu romance Clara dos Anjos, na primeira versão de 1904, e embrião da versão posterior,
Lima Barreto mostra-se um adepto do Naturalismo na linha de Émile Zola 9 e de um
Anatole France militante, que define os seus protagonistas, ao lado da raça e do momento
histórico, sobretudo pelo meio social e, também, o meio-ambiente – quer dizer, o conjunto
de condições naturais e de influências que atuam sobre os seres humanos, inclusive a
natureza. A natureza é que tem seu espelho nos homens e vice-versa. Um condiciona o
outro. As paisagens são paisagens da alma (psiquê) e as almas dos homens, paisagens,
cujas aparências são determinadas pela natureza:
9 É conhecido o plano de Lima Barreto, que confessou em seu Diário íntimo o desejo de escrever um Germinal negro (Barreto, 1956:84).
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Dava gosto olhar; a claridade jorrava; não havia pelo céu alto um canto escuro; e o olhar, passeando vagaroso, detinha-se tristonho ante aquela massa de montanhas. Ela manchava melancolicamente o esplendor da manhã e espalhava pelo ambiente uma vaga sombra. Dir-se-ia que, apesar de límpido, o céu ainda tinha nuvens e que essas nuvens escondidas debuxavam nas coisas uma fugace tristeza, prestes a fugir a um súbito arrepio de contentamento (em Diário Íntimo; Barreto 1956:237).
O narrador-autor conta a partir de sua perspectiva de fato uma vis melancolica, quando em
tudo vê a regência da tristeza. No começo de Policarpo Quaresma encontram-se juntos, no
espaço de uma página, três exemplos em que a tristeza fica como atributo característico:
(a) a descrição da fisionomia deprimida de uma moça que vai se casar; (b) a lembrança de
tempos remotos, do Rei Dom João VI e seus transportes de ouro e diamantes, guardados
por tropas em farrapos; e (c) os arredores hostis do Rio de então como de uma erma zona
desabitada. A saber, respectivamente (a) “Ela então curvava do lado direito a sua triste
cabecinha, coroada de magníficos cabelos castanhos, com tons de ouro, e respondia” (5)10;
(b) “Não obstante os soldados remendados, tristemente montados em “pangarés”
desanimados, o préstito devia ter a sua grandeza, não por ele mesmo, mas pelas
humilhantes marcas de respeito que todos tinham que dar à sua lamentável majestade” (7);
(c) “Para além do caminho, estendia-se a vasta região de mangues, uma zona imensa, triste
e feia, que vai até ao fundo da baía e, no horizonte, morre ao sopé das montanhas azuis de
Petrópolis” (7).
Estes três primeiros exemplos do romance mostram que a tristeza age igualmente, ora para
caracterizar o sentimento dentro das pessoas, ora como um sentimento que o autor atribui a
coisas. De uma ou outra forma, independente quem ou que é ou o quê tem aspecto de estar
10 No caso do romance Triste fim de Policarpo Quaresma as citações com os números entre parênteses se referem às páginas do texto digital na Biblioteca Virtual do Estudante na internet.
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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
triste, o leitor recebe a impressão de um irrecusável mundo sorumbático,
irremediavelmente desconsolador. Para examinar esta impressão em suas nuanças mais
fundas tentamos descrevê-la, por enquanto, com palavras difusas como sentimento,
atmosfera, ou estado de espírito, embora o alemão ofereça o específico termo estético
(ästhetischer Grundbegriff) Stimmung, que reúne em si todos esses sentidos e sensações.
2- Um termo alemão: Stimmung
Quase analogamente ao problema da traduzibilidade do termo da saudade, Leo Spitzer, no
início do seu estudo para os prolegômenos da interpretação do conceito de Stimmung –
uma pesquisa sobre idéias clássicas e cristãs da harmonia do mundo – constatou
lapidarmente a impossibilidade de traduzir Stimmung com todas as suas nuances:
It is a fact that the German word Stimmung as such is untranslatable. This does not mean that phrases such as in guter (schlechter) Stimmung sein could not easily be rendered by Fr être en bonne (mauvaise) humeur, Eng to be in a good (bad) humour, in a good bad mood, die Stimmung in diesem Bilde (Zimmer) by l’atmosphère de ce tableau (cette chambre), or l’ambiance…; Stimmung hervorrufen by to create , to give atmosphere, créer une atrmosphère; die Stimmung der Börse by l’humeur, le climat de la bourse; für etwas Stimmung machen by to promote; die Seele zu Traurigkeit stimmen by disposer l’âme à la tristesse, etc. But what is missing in the main European languages is a term that would express the unity of feelings experienced by man face to face with his environment (a landscape, nature, one’s fellow man), and would comprehend and weld together the objective (factual) and the subjective (psychological) into one harmonious unity” (Spitzer 1963:5).
O que Spitzer está lamentando é exatamente a falta de um termo (em português) capaz de
expressar a unidade dos sentimentos experienciados pelo homem em face do seu ambiente,
tão freqüente nas obras de Lima Barreto, em que o objetivo, o mundo factual descrito, e o
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subjetivo, o fator psicológico dos seus protagonistas, se juntam numa harmonia
equilibrada.
Há pouco tempo, Hans Ulrich Gumbrecht, de Stanford, defendeu e tentou numa série de
artigos a reabilitação do discurso, por muitos declarado obsoleto, sobre o termo filosófico-
literário de Stimmung(en) (Gumbrecht, 2005/6a-d). Ponto de partida para ele seria o
recente estudo abrangente do germanista estadunidense David Wellbery, no verbete
Stimmung da enciclopédia Ästhetische Grundbegriffe (Conceitos fundamentais da
estética), que levantou, em linhas gerais, um excelente e intensivo perfil do vocábulo,
chegando à conclusão prosaica de que uma “reatualização do conceito teria poucas
chances”: Ein flüchtiger Blick auf die gegenwärtige Diskussionslage in der Ästhetik läßt
erkennen, dass sie für eine Reaktualisierung dieses Konzepts wenig Chancen böten
(Wellbery, 2003:732). Seu conteúdo multifacetado ficaria tão longe do epicentro
intelectual do tempo presente que qualquer crítica explícita ou rejeição do termo Stimmung
hoje pareceriam completamente supérfluos. Wellbery responsabiliza pela reinante
irrelevância atual do termo Stimmung no linguistict turn a partir do início do século XX,
que excluiu todos os temas e fenômenos nas letras que não se deixaram definir e
diferenciar pela língua. Após uma história semântica que remonta à antigüidade, hoje não
faria mais sentido usar um termo que se refere, sobretudo, a sensações dificeis de se
apreender e conceituar da experiência subjetiva. (Wellbery, 2003:733 e Gumbrecht, 2006).
Para este primeiro sentido, que descreve a sua relação com o domínio da subjetividade, da
consciência e do pensamento, que se opõe ao das coisas corpóreas ou materiais, estado de
espírito seria o termo mais adequado em português. De qualquer forma, não é fácil
encontrar uma tradução satisfatória do vocabulo alemão Stimmung, desde sempre de
natureza polissêmica. Por esta sua característica inerente, de ser mais vago do que conciso,
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mais opaco do que transparente, ele se reveste, em português, de vários sentidos. Além
deste primeiro sentido, Stimmung conta com outros dois: um, sob a influência do meio
ambiente ou da metereologia, uma impressão que, segundo o Aurélio, dentre outros
sentidos, é uma influência que um ser, um acontecimento ou uma situação exerce em
alguém, repercutindo-lhe no ânimo, na moral etc.; de um Stimmung fala-se também na área
da música, quando um tom de uma nota em relação a outra é ajustado numa afinação; no
sentido figurativo; Stimmung descreve o estado de espírito, uma disposição; no sentido de
humores, referindo-se à incompatibilidade ou não de gênios, a atmosfera seria o sinônimo;
na pintura e na música, o efeito seria uma outra palavra para Stimmung, que descreve a
impressão no ouvinte ou no observador, causado por certos artifícios técnicos ao
produzirem graça no emprego adequado deles; ainda, o termo militar de moral (da tropa), e
na economia e no comércio se fala da tendência, por exemplo, a tendência de subir ou
baixar das ações na bolsa de valores. Além disso, Stimmung soa ao ouvido sensível à
Stimme, a voz; e, quando algo stimmt, quer dizer que algo está certo, combina em perfeita
harmonia com outra coisa; uma Überein-stimmung significa uma congruência, um acordo
de opinões; uma Ver-stimmung, pelo contrário, uma desavença, um amuo, um arrufo. Ao
contrário de mentalidade, que define um estado de espírito permanente, o Stimmung tem
caráter temporal, passageiro: um sentimento ou uma atmosfera de um conjunto ou grupo de
homens num certo momento.
Essa pesquisa etimológica dá-nos a esperança, através da literatura e independente da
realidade histórica, a “um acesso incomparável a mundos e formas da existência do
passado” (Gumbrecht, 2005). Não é pretensão deste ensaio relacionar as questões políticas
e sociais contemporâneas à obra literária de Lima Barreto, aspectos certamente
importantes, mas que foram destacados e analisados à exaustão na maioria das pesquisas
barretianas. O propósito deste ensaio é o de perseguir e procurar esclarecer o sentimento
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onipresente do Stimmung, o estado de espírito, na obra de Lima Barreto, para inseri-lo num
contexto mais abrangente da história e cultura brasileiras do final do século XIX, aos dias
atuais.
3- Um duplo perfil
Parece natural, quando se pensa em Lima Barreto, na biografia como em sua obra, que nos
sintamos involuntariamente seduzidos a desenhar o perfil literário do autor de Policarpo
Quaresma mais nitidamente e fazer a inevitável comparação, benévola ou desfavorável,
com Machado de Assis (Athayde, 1997). Morria o autor de Brás Cubas em 1908,
consagrado como o maior escritor brasileiro de seu tempo, enquanto o outro, o ainda
desconhecido e jovem cronista da vida suburbana carioca e dos mestiços pequeno-
burgueses, aguardava a publicação de seus primeiros romances e contos, que seguiriam
sendo editados ainda postumamente, após 1922, quando com apenas 41 anos desapareceria
prematuramente. Como se um, metaforicamente falando, após haver cumprido
gloriosamente sua missão entre baques e achaques, tivesse dado a estafeta de autor
nacional ao mais novo, seu sucessor.
Há algo de persuasivo nessa imagem, feita uma acareação dos dois gênios cariocas no
campo de literatura, o que não aconteceu poucas vezes: mesmo pertencendo a gerações
diferentes, há significativos traços biográficos comuns a ambos, embora se diferenciem em
questões estético-literárias. Ambos disputam postumamente o reconhecimento, hoje, de ser
o maior romancista brasileiro; partilham a origem humilde, mulatos, com pai ou mãe de
ascendência africana, filhos e netos de escravos; já na infância sofreram a perda dos pais e
criaram-se em semi ou completa orfandade; os óbvios talentos com a ambição de ascender
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na hierarquia social através da literatura, sem possuir e usufruir jamais dos meios
econômicos da classe burguesa, viram-se forçados a se formar intelectualmente mais ou
menos como autodidatas ou, no caso feliz de Lima Barreto, contando com um mecenas,
que lhe possibilitou um ensino superior, incluindo até estudos regulares na Escola
Politécnica que, aliás, não pôde terminar por razões financeiras; notório é que sofreram os
dois de saúde bastante precária, Machado, epiléptico e enxergando cada vez menos, Lima
Barreto hospitalizado várias vezes devido a graves crises de alienação mental, agravadas
pelo seu alcoolismo.
Sérgio Buarque de Holanda, em seu prefácio à edição de Clara dos Anjos, em 1948, já
destacava como ponto diferencial entre os dois escritores mestiços, que divergiam no
tratamento à questão da raça, o estigma de ser despreciado e sentir-se humilhado numa
sociedade segregadora: “Enquanto os escritos de Lima Barreto foram, todos eles, uma
confissão mal disfarçada, conforme se disse acima, os de Machado foram antes uma
evasão e um refúgio. O mesmo tema que para o primeiro representa obsessivo tormento e
tormento que não pode calar, este o dissimula por todos os meios ao seu alcance. E afinal
triunfa na realização literária” (Barreto, 1961:12).
O seu Diário íntimo dá notícia de vários exemplos do menosprezo, para não dizer racismo,
vivido por ele num país declaradamente multiracial. Aproxima-se a esta questão racial os
romances de tese e contos, nos quais o destino de não ser branco determina a vida dos seus
protagonistas, seja a abusada Clara dos Anjos, o talentoso e ambicioso, embora frustrado,
escrivão Isaías Caminha ou o filho legítimo de Bouvard e Pécuchet nos trópicos, Policarpo
Quaresma. Por isso, não é de admirar que a maior parte – quase todos, pode-se dizer – dos
estudos sobre a obra de Lima Barreto vincula-se por inerência à problemática social no
Brasil nas primeiras décadas da vida republicana.
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Lima Barreto, como Machado, decidiram – por inclinação individual ou seduzidos por uma
idiossincrasia com o presente – tratar em seus respectivos livros de um passado remoto.
Enquanto Machado se concentra no Império, com poucas saídas para os primeiros anos da
República, Lima Barreto escolhe justamente os primeiros anos da República, os
tumultuosos anos pós-1888.
Muitos protagonistas na literatura brasileira da passagem do século quedam-se
desamparados com os novos tempos. Brás Cubas termina suas memórias postúmas com o
soluço desiludido e ao mesmo tempo aliviado pelo consolo duvidoso de “não ter
transmitido a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”, quer dizer, de não ter tido um
filho, um ser parecido ao anti-herói das Memórias póstumas (Assis 1986: I, 639).
O velho casal do Memorial de Aires, D. Carmo e Aguiar, também sem filhos como o autor
do romance, Machado, e sua mulher Carolina, na última cena de despedida parecem ao
conselheiro Aires, o narrador, numa postura para qual não encontra “nome certo ou claro”:
“Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar: Consolava-os a saudade de si mesmos”
(Assis 1986: I, 1200). Machado retrata com tons crepusculares o quadro do casal como
órfãos do Brasil de seu tempo. A saudade de um passado vivido, e perdido, com um futuro
supostamente vazio à espera.
É lícito deduzir de obras de arte – no nosso caso, a literatura – não só a psicologia do seu
autor, mas também a psicologia de todo um povo? Então, resulta difícil, após a leitura das
obras de Machado de Assis de se imaginar os brasileiros como sendo um povo alegre. E
muito menos ainda através da leitura dos livros de Lima Barreto.
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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
3.1. A tristeza de um patriota chamado Policarpo Quaresma
O romance Policarpo Quaresma foi primeiramente publicado em folhetins no Jornal do
Comércio em 1911 e, depois, em livro, em 1915. Trata-se da maior obra de Lima Barreto
não só pela quantidade das páginas, senão também pela qualidade literária lograda. Provam
este fato suas traduções em várias línguas, inclusive a alemã de 2001 (Sträter,2002), e sua
consagração como clássico da literatura brasileira, senão latinoamericana, como a edição
crítica na série na Coleção Archivos das publicações da UNESCO 11, que tem como
objetivo a criação de uma representativa biblioteca de obras mestras, escritas nas quatro
línguas faladas, desde o Caribe até a Terra do Fogo. Mesmo os dois romances
posteriormente publicados, como Clara dos Anjos e Numa e a ninfa, não alcançaram
refinamento artístico e filosófico-humano daquela obra. Policarpo Quaresma é um livro de
busca de uma cultura nacional, abordando temas vinculados à identidade nacional, a
reformas agrárias, à ditadura, à dialetica da civilização e à barbárie.
“Em Policarpo Quaresma predomina o sentimento”, constatou Oliveira Lima, no seu
prefácio à publicação do romance em 1916, e manifestou assim o que há de impalpável no
protagonista como no livro inteiro. Vejamos onde e em que contexto o sentimento da
tristeza aparece no livro. 12
Policarpo Quaresma conta a história de “um herói popular, que simboliza o brasileiro,
com sua tenacidade em esperar e esperançar pela nova sociedade que irá brotar neste solo
algum dia e em que Policarpo Quaresma sempre creu e os brasileiros continuam a crer”,
escreve Antonio Houaiss, um dos responsáveis pela edição crítica (Figueiredo 1997:XVII).
Este herói, ou mais um anti-herói, é um fervoroso idealista, um patriota nacionalista-
11 V. Bibliografia.12 Não se trata de todos os exemplos em que aparece a raiz trist-. As passagens em que aparece com maior freqüência e os mais representativos foram especialmente escolhidos por mim.
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ufanista, chamado pelos vizinhos ironicamente de Major, por trabalhar como funcionário
público subalterno no Arsenal da Guerra. Mora num bairro da pequena burguesia da zona
norte da então capital do Império. O tempo da ação são os primeiros anos tumultuosos da
República Velha, de 1889-1894: o esplendor e, sobretudo, a triste mesquinhez de uma
época de fundação (Gründerzeit). Uma nova era estava à espera do Brasil, o país prestes a
se alinhar para concorrer com as grandes nações da Europa e os EUA. Em 1891, a
Assembléia Nacional votou numa nova constituição para os Estados Unidos do Brasil,
formando assim o primeiro Congresso Nacional. Enquanto os progressos logrados na área
política se mostravam promissores, uma grave crise financeira acompanhada por
movimentos políticos, religiosos e sociais (interpretados como rebeliões contra-
revolucionárias) dificultou a transformação básica de um país econômica e culturalmente
subdesenvolvido. A passada época imperial seria a culpada pelo atraso em geral e pelas
deficiências democráticas, jurídicas, administrativas e, sobretudo, pela ausência de
verdadeiras chances de ascendência por parte de novas camadas de uma classe média
expectante, que ainda se via confrontada com prejuízos raciais. Eis aqui o grande tema
literário da vida de Lima Barreto, presente e criticado em todas suas obras: a discriminação
em todos os setores da vida de homens de cor pelos homens brancos. Eram tantas as
aspirações dos brasileiros no futuro do país que quase inevitavelmente só poderiam se
realizar em modestos tamanhos. Uma necessária reorganização de reviravolta,
imprescindível para tais urgências, não aconteceu. As antigas oligarquias permaneceram no
poder, o coronelismo paternalista seguiu com sua política de favores a certa clientela e os
militares, que desde a vitória na Guerra de Paraguai passaram a ser vistos como salvadores
da pátria (deduzindo disso seus direitos naturais numa participação na política), formavam
as classes dominantes no Brasil. Quase um decênio separa os acontecimentos descritos por
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Lima Barreto em seu livro sobre a derrota da revolta da Marinha em 1893-94 (na terceira
parte do romance) e a sua quase exata repetição na Revolta da Chibata, organizada por
marinheiros rasos sob o comando do chamado Almirante Negro, João Cândido, igualmente
reprimida sangrentamente. Assim é que o seu romance histórico revelava-se aos leitores do
seu tempo com referências da atualidade de então.
Para as necessidades do Brasil da Primeira República frente ao Velho Mundo, Nicolao
Sevcenko distingue duas formas de reagir: “Comparando com as potências européias de
história homogênea, política viril e objetivos definidos, o Brasil fazia contraste. Nasceram
daí duas formas típicas de reação. A mais simplista consistia em sublimar as dificuldades
do presente e transformar a sensação de inferioridade em um mito de superioridade: é a
‘ideologia do país novo’, o ‘gigante adormecido’, cujo destino de grandiosidade se
cumprirá no futuro. A outra implicaria um mergulho profundo na realidade do país a fim
de conhecer-lhe as características, os processos, as tendências e poder encontrar um
veredicto seguro, capaz de descobrir uma ordem no caos do presente, ou pelo menos
diretrizes mais ou menos evidentes, que permitiriam um juízo concreto sobre o futuro”
(Sevcenko, 1995:85). Para esta última opção engajava-se o nosso protagonista: seu projeto
de revitalizar a cultura nacional através da introdução do tupi-guarani como língua oficial
causa um escândalo. Ele será internado por algum tempo num manicômio e é demitido do
trabalho. Com sua irmã e um criado negro, retira-se para o campo – aliás, sem desistir das
suas idéias patrióticas.
Na música popular, nas modinhas descobre agora a expressão de uma autêntica arte
popular brasileira. Mas este seu entusiasmo pelas artes e a cultura se esvaneceria após a sua
confrontação com a virulência da natureza de seu país tropical. Num esforço heróico,
Policarpo tenta plantar e cultivar as suas terras, mas em vão. As atrocidades e
contrariedades da indomável natureza da terra Brasilis deixam-no fracassar repetidamente.
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Quando, em 1893, a Marinha se subleva contra o presidente Floriano Peixoto, acha de se
engajar na política e participa ao lado das tropas governamentais na batalha. Outra vez a
realidade crua contrariaria seu patriotismo ingênuo, quando tem que enfrentar a repressão
ditatorial contra os rebeldes vencidos. Em sua recusa de executar um soldado preso, tem
que pagar pela insubordinação com sua própria morte: Policarpo será fuzilado por um
pelotão.
Fora de seu círculo familiar, representado pela irmã e seu criado, encontramos pessoas
como seu amigo Ricardo Coração dos Outros, um músico e eterno apaixonado, compositor
e cantor de modinhas de salão. Juntam-se a este quadro duas figuras femininas: Ismênia,
filha do General, um vizinho de Policarpo, e Olga, sua afilhada. Enquanto Ismênia
representa o ideal burguês da mulher submissa, que após um noivado fracassado perde a
razão e finalmente morre, Olga representa um tipo de diferente mulher, dotada de
inteligência, autoconsciência e senso crítico: evidentemente, ela incorpora o ideal do seu
criador Lima Barreto 13. Presa como Ismênia a um casamento frustrante, ela no início se
omite para, depois, quando Policarpo está em perigo, se opor abertamente à passividade do
marido. A corajosa tentativa de Olga em libertar seu padrinho não tem sucesso. Os
militares negam friamente qualquer possibilidade de indulgência ao seu prisioneiro
inocente. Assim, finda o romance com estas últimas frases, sóbrias, de uma clarividência
sem ilusões, mas com uma esperança vaga, embora firme:
Saiu e andou. Olhou o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, e se lembrou que, por estas terras, já tinham errado tribos selvagens, das quais um dos chefes se orgulhava de ter no sangue o sangue de dez mil inimigos. Fora há quatro séculos. Olhou de novo o céu, os ares,
13 Geralmente, as figuras femininas de Lima Barreto não são descritas favoravelmente. Olga é a grande exceção. Fica ambivalente a posição de Lima Barreto perante o problema social da posição da mulher na sociedade. V. seu artigo “Os uxoricidas e a sociedade brasileira” (Bagatelas), de 1919, onde critica o casamento como uma instituição decepcionante e triste.
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as árvores de Santa Teresa, as casas, as igrejas; viu os bondes passarem; uma locomotiva apitou; um carro, puxado por uma linda parelha, atravessou-lhe na frente, quando já a entrar do campo... Tinha havido grandes e inúmeras modificações. Que fora aquele parque? Talvez um charco. Tinha havido grandes modificações nos aspectos, na fisionomia da terra, talvez no clima... Esperemos mais, pensou ela; e seguiu serenamente ao encontro de Ricardo Coração dos Outros (73).
Como o romance termina tragicamente na morte de Policarpo Quaresma, seria demasiado
eufemístico falar-se de um princípio de esperança após tantos fracassos contritos e uma
sociedade impiedosa. Mas na figura de Olga temos alguém que não se deixa iludir. Ela vai
seguir firme seu caminho, sem desvios. E Ricardo Coração dos Outros, não terá tido ele
um doloroso processo de aprendizado ao ter que reconhecer a inutilidade de suas modinhas
românticas, longe de qualquer relação com a vida real e a política? A história se faz com a
prática do poder, seu desempenho exercido sem escrúpulos, e não com a simpatia dos
homens. Neste final, Olga e Ricardo, os dois amigos fiéis de Policarpo, formam um casal
do qual se pode dizer que são herdeiros deste.
Ricardo veio andando triste e desalentado. O mundo lhe parecia vazio de afeto e de amor. Ele que sempre decantara nas suas modinhas a dedicação, o amor, as simpatias, via agora que tais sentimentos não existiam. Tinha marchado atrás de coisas fora da realidade, de quimeras. Olhou o céu alto. Estava tranqüilo e calmo. Olhou as árvores. As palmeiras cresciam com orgulho e titanicamente pretendiam atingir o céu. Olhou as casas, as igrejas, os palácios e lembrou-se das guerras, do sangue, das dores que tudo aquilo custara. E era assim que se fazia a vida, a história e o heroísmo: com violência sobre os outros, com opressões e sofrimentos (71)
Em suas andanças em busca do santo graal da nacionalidade, Policarpo, com seu vizinho,
o coronel Albarnaz (dito General), empreendem juntos uma excursão de trem até a casa de
uma mulher, supostamente conhecedora de antigas modas de cantar da sua terra de origem,
a África. À impressão desolada dos arredores do Rio juntam-se as cores escuras do carvão
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das locomotivas e os terrenos baldios com rastros de uma industrialização mal-ajambrada.
A casa da preta velha, – evidentemente que não uma tia Candinha – em meio ao lixo
espalhado ao redor, já anuncia e ilustra o estado de sua memória. Já esquecera de quase
todas as suas músicas e sua herança cultural africana está destinada ao esquecimento total:
A casa da velha preta ficava além do ponto, para as bandas da estação da estrada de ferro Leopoldina. Lá foram ter. Passaram pela estação. Sobre um largo terreiro, negro de moinha de carvão-de-pedra, medas de lenha e imensas tulhas de sacos de carvão vegetal se acumulavam; mais adiante um depósito de locomotivas e sobre os trilhos algumas manobravam e outras arfavam sob pressão.
Apanharam afinal o carreiro onde ficava a casa da Maria Rita. O tempo estivera seco e por isso se podia andar por ele. Para além do caminho, estendia-se a vasta região de mangues, uma zona imensa, triste e feia, que vai até ao fundo da baía e, no horizonte, morre ao sopé das montanhas azuis de Petrópolis. Chegaram à casa da velha. Era baixa, caiada e coberta com as pesadas telhas portuguesas. Ficava um pouco afastada da estrada. À direita havia um monturo: restos de cozinha, trapos, conchas de mariscos, pedaços de louça caseira – um sambaqui a fazer-se para gáudio de um arqueólogo de futuro remoto; à esquerda, crescia um mamoeiro e bem junto à cerca, no mesmo lado, havia um pé de arruda. Bateram. (...) Não tardou vir a velha. Entrou em camisa de bicos de rendas, mostrando o peito descarnado, enfeitado com um colar de miçangas de duas voltas. Capengava de um pé e parecia querer ajudar a marcha com a mão esquerda pousada na perna correspondente. (...)– Minha velha, nós queríamos que você nos ensinasse umas cantigas.– Quem sou eu, ioiô! – Ora! Vamos, tia Maria Rita... você não perde nada... você não sabe o ‘Bumba-meu-Boi ۥ?– Quá, ioiô, já mi esqueceu. – E o ‘Boi Espácio ۥ?– Coisa véia, do tempo do cativeiro – pra que sô coroné qué sabê isso? Ela falava arrastando as sílabas, com um doce sorriso e um olhar vago. – É para uma festa... Qual é a que você sabe? A neta que até ali ouvia calada a conversa animou-se a dizer alguma coisa, deixando perceber rapidamente a fiada reluzente de seus dentes imaculados: – Vovó já não se lembra. O general, que a velha chamava coronel, por tê-la conhecido nesse posto, não atendeu a observação da moça e insistiu: – Qual esquecida, o quê! Deve saber ainda alguma coisa, não é, titia? – Só sei o "Bicho Tutu", disse a velha.
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– Cante lá! – Ioiô sabe! Não sabe? Quá, sabe! – Não sei, cante. Se eu soubesse não vinha aqui. Pergunte aqui ao meu amigo, o Major Policarpo, se sei. Quaresma fez com a cabeça sinal afirmativo e a preta velha, talvez com grandes saudades do tempo em que era escrava e ama de alguma grande casa, farta e rica, ergueu a cabeça, como para melhor recordar-se, e entoou: É vêm tutuPor detrás do murundu Pra cumê sinhozinho Com bucado de angu. – Ora! fez o general com enfado, isso é coisa antiga de embalar crianças. Você não sabe outra?– Não, sinhô. Já mi esqueceu. Os dois saíram tristes. Quaresma vinha desanimado. Como é que o povo não guardava as tradições de trinta anos passados? Com que rapidez morriam assim na sua lembrança os seus folgares e as suas canções? Era bem um sinal de fraqueza, uma demonstração de inferioridade diante daqueles povos tenazes que os guardam durante séculos! Tornava-se preciso reagir, desenvolver o culto das tradições, mantê-las sempre vivazes nas memórias e nos costumes... (7/8).
A tradição oral dos afrobrasileiros está condenada a desaparecer lentamente. Poucos
decênios após a abolição da escravatura agonizavam as tradições populares. No episódio
seguinte, que se passa num domingo, as palavras tristeza e triste aparecem no espaço de
poucas linhas quatro vezes: uma mulher chora seu filho, internado no manicômio, que não
reconhece sua própria mãe; o morro do Pão de Açúcar, com sua imponente silhueta
sombria, mais parecendo um jazigo no cemitério do Rio de Janeiro; sons plangentes de um
violino, provindos do Instituto dos Cegos, encerram o cenário fúnebre 14:
14 Num verdadeiro enterro, em que o cadáver da pobre moça Ismênia chega à sua sepultura, Policarpo abandona-se em digressões sobre a vaidade humana, irremedialvemte destinada “ao fim dos fins”: “Contemplando aqueles tristes restos, Quaresma viu o caixão do coche parar na porta do cemitério, atravessar pelas ruas de túmulos – uma multidão que trepava, se tocava, lutava por espaço, na estreiteza da várzea e nas encostas das colinas. Algumas sepulturas como se olhavam com afeto e se queriam aproximar; em outras transparecia repugnância por estarem perto. Havia ali, naquele mudo laboratório de decomposições, solicitações incompreensíveis, repulsões, simpatias e antipatias; havia túmulos arrogantes, vaidosos, orgulhosos, humildes, alegres e tristes; e de muitos, ressumava o esforço, um esforço extraordinário, para escapar ao nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às fortunas” (63).
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Na porta já havia alguns visitantes à espera do bonde. Como não estivesse o veículo no ponto, foram indo ao longo da fachada do manicômio até lá. Em meio do caminho, encontraram, encostada ao gradil, uma velha preta a chorar. Coleoni, sempre bom, chegou-se a ela: – Que tem, minha velha? A pobre mulher deitou sobre ele um demorado olhar, úmido e doce, cheio de uma irremediável tristeza, e respondeu: – Ah! meu sinhô!... É triste... Um filho, tão bom, coitado! E continuou a chorar. Coleoni começou a comover-se; a filha olhou-a com interesse e perguntou no fim de um instante: – Morreu? – Antes fosse, sinhazinha. E por entre lágrimas e soluços contou que o filho não a conhecia mais, não lhe respondia às perguntas; era como estranho, Enxugou as lágrimas e concluiu: – Foi ‘coisa-feita’. Os dois afastaram-se tristes, levando n'alma um pouco daquela humilde dor. O dia estava fresco e a viração, que começava a soprar, enrugava a face do mar em pequenas ondas brancas. O Pão de Açúcar erguia-se negro, hirto, solene, das ondas espumejantes e como que punha uma sombra no dia muito claro. No Instituto dos Cegos, tocavam violino: e a voz plangente e demorada do instrumento parecia sair daquelas coisas todas, da sua tristeza e da sua solenidade. O bonde tardou um pouco. Chegou. Tomaram. Desceram no Largo da Carioca. É bom ver-se a cidade nos dias de descanso, com as suas lojas fechadas, as suas estreitas ruas desertas, onde os passos ressoam como em claustros silenciosos. A cidade é como um esqueleto, faltam-lhe as carnes, que são a agitação, o movimento de carros, de carroças e gente (22).
Depois de sua fracassada petição ao Congresso Nacional solicitando a adoção do tupi-
guarani como língua oficial do povo brasileiro, motivo de escárnio e pilhérias, Policarpo
Quaresma encontra-se internado em hospício, experiência autobiográfica transmitida por
seu criador (cap. V, primeira parte). A resignação perante o destino implacável deixa-o cair
em apatia: o transcorrer do tempo passa despercebido. Já não se lembra desde quando está
internado. Chega à conclusão de que dentre todas as coisas tristes, a loucura (a dos outros)
é a mais triste, porque deprime e atormenta. É agora uma pessoa longe de se considerar
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alegre e a experiência nesta casa, “meio hospital, meio prisão” (que por ironia fica situada
na Praia das Saudades, no Rio), nunca mais vai deixá-lo escapar. Chega a perder toda
esperança e vê no suicídio a única saída. Sua afilhada é quem lhe salva a vida, propondo-
lhe a se dedicar ao trabalho campestre.
Quaresma viveu lá, no manicômio, resignadamente, conversando com os seus companheiros, (…). Saiu o major mais triste ainda do que vivera toda a vida. De todas as coisas tristes de ver, no mundo, a mais triste é a loucura; é a mais depressora e pungente. (…). Quaresma saiu envolvido, penetrado da tristeza do manicômio. Voltou à sua casa, mas a vista das suas coisas familiares não lhe tirou a forte impressão de que vinha impregnado. Embora nunca tivesse sido alegre, a sua fisionomia apresentava mais desgosto que antes, muito abatimento moral, e foi para levantar o ânimo que se recolheu àquela risonha casa de roça, onde se dedicava a modestas culturas. Não fora ele, porém, quem se lembrara; fora a afilhada que lhe trouxe à idéia aquele doce acabar para a sua vida. Vendo-o naquele estado de abatimento, triste e taciturno, sem coragem de sair, enclausurado em sua casa de São Cristóvão, Olga dirigiu-se um dia ao padrinho meiga e filialmente: – O padrinho por que não compra um sítio? Seria tão bom fazer as suas culturas, ter o seu pomar, a sua horta... não acha? Tão taciturno que ele estivesse, não pôde deixar de modificar imediatamente a sua fisionomia à lembrança da moça (25).
Como a cidade já deixa poucas esperanças de melhoras, o campo, a vida rural, tão
idolatrada por Eça de Queirós em sua obra madura, A cidade e as serras (1901),
igualmente oferece aspecto hostil e condições desastrosas: inóspito e incultivado em todos
os sentidos. A convicção, por ele guardada, de que a roça proporcionaria um certo bem-
estar aos homens e comodidades de viver, revela-se completamente errônea. Policarpo
cogita várias suloções para um melhoramento da situação, sem, entretanto, poder sequer
compreender como tal fatalidade tenha alcançado tamanhas proporções. Olga, em visita,
tem a mesma impressão:
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O que mais a impressionou no passeio foi a miséria geral, a falta de cultivo, a pobreza das casas, o ar triste, abatido da gente pobre. Educada na cidade, ela tinha dos roceiros idéia de que eram felizes, saudáveis e alegres. Havendo tanto barro, tanta água, por que as casas não eram de tijolos e não tinham telhas? Era sempre aquele sapê sinistro e aquele “sopapo” que deixava ver a trama de varas, como o esqueleto de um doente. Por que, ao redor dessas casas, não havia culturas, uma horta, um pomar? Não seria tão fácil, trabalho de horas? E não havia gado, nem grande nem pequeno. Era raro uma cabra, um carneiro. Por quê? Mesmo nas fazendas, o espetáculo não era mais animador. Todas soturnas, baixas, quase sem o pomar olente e a horta suculenta. A não ser o café e um milharal, aqui e ali, ela não pôde ver outra lavoura, outra indústria agrícola. Não podia ser preguiça só ou indolência. Para o seu gasto, para uso próprio, o homem tem sempre energia para trabalhar. As populações, mais acusadas de preguiça, trabalham relativamente. Na África, na Índia, na Cochinchina, em toda parte, os casais, as famílias, as tribos, plantam um pouco, algumas coisas para eles. Seria a terra? Que seria? E todas essas questões desafiavam a sua curiosidade, o seu desejo de saber, e também a sua piedade e simpatia por aqueles párias, maltrapilhos, mal alojados, talvez com fome, sorumbáticos!...(37).
Agrava–se a situação na área rural, causando espanto e decepção, essa incapacidade das
camadas baixas do povo de se reunir por interesses comuns para alcançar seus objetivos.
Uma solução praticável parece ilusória. Como se tratasse de mal para o qual não existisse
remédio. O médico fica perplexo:
Via o major com tristeza não existir naquela gente humilde sentimento de solidariedade, de apoio mútuo. Não se associavam para coisa alguma e viviam separados, isolados, em famílias geralmente irregulares, sem sentir a necessidade de união para o trabalho da terra. Entretanto, tinham bem perto o exemplo dos portugueses que, unidos aos seis e mais, conseguiam em sociedade cultivar a arado roças de certa importância, lucrar e viver. Mesmo o velho costume do “moitirão” já se havia apagado. Como remediar isso? Quaresma desesperava... (40)
Depois desta série de seguidos fracassos, recordando-se do “seu tupi, do seu folclore, das
modinhas, das suas tentativas agrícolas” (43) –, Policarpo vê o momento propício de
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abandonar estas minúcias inúteis e pensar em dimensões maiores: a política, um homem
forte e poderoso lhe parece a única solução para os gigantescos problemas da pátria. A
revolta da Marinha contra o governo republicano leva-o a tomar partido sem hesitar. Num
telegrama ao marechal de ferro Floriano Peixoto oferece-lhe entusiasticamente seus
serviços, pronto a lutar contra os rebeldes. Pouco demora para que este seu engajamento
militar se frustre e Policarpo, este pícaro idealista, sente-se enganado. O retrato do ditador
desenhado por Lima Barreto, visto através dos olhos do seu protagonista, mostra-nos um
político de traços pouco fascinantes, mais propriamente medíocres, chegando à
repugnância. Com suas deficiências físicas e morais, Floriano revela-se um sedutor
político, perigoso, sem ideais e de tendência autoritária:
Quaresma pôde então ver melhor a fisionomia do homem que ia enfeixar em suas mãos, durante quase um ano, tão fortes poderes, poderes de Imperador Romano, pairando sobre tudo, limitando tudo, sem encontrar obstáculo algum aos seus caprichos, às suas fraquezas e vontades, nem nas leis, nem nos costumes, nem na piedade universal e humana.Era vulgar e desoladora. O bigode caído; o lábio inferior pendente e mole a que se agarrava uma grande “mosca”, os traços flácidos e grosseiros; não havia nem o desenho do queixo ou olhar que fosse próprio, que revelasse algum dote superior. Era um olhar mortiço, redondo, pobre de expressões, a não ser de tristeza que não lhe era individual, mas nativa, de raça; e todo ele era gelatinoso -- parecia não ter nervos (49/50).
Faltou-lhe apenas detalhe imprescindível neste retrato do um típico ditador dos trópicos,
traço que emprestaria uma identidade imediata com a sua própria nação: a tristeza, inata,
genética, parte da sua condição de ser caboclo. “Desta herança de raça ninguém se liberta” 15. A história das andanças de Policarpo por tais calamidades vai chegando lentamente à
sua peripécia final. Os signos da desgraça avolumam-se visivelmente. Quem puder lê-los e
interpretá-los já não terá mais dúvidas: Rio de Janeiro, os seus subúrbios, a baía de
Guanabara, o Brasil inteiro, transformam-se numa casa dos mortos. Numa sinestesia,
15 Lima Barreto mostra neste trecho uma certa ambivalência na questão do racismo, que ele normalmente condenaria. Aqui ele argumenta contra um sujeito com razões que jamais aceitaria para si próprio.
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juntam-se impressões visuais e auditivas para um panorama de sites auriculaires a La
Maurice Ravel:
Ia vendo aquela sucessão de cemitérios, com as suas campas alvas que sobem montanhas, como carneiros tosquiados e limpos a pastar; aqueles ciprestes meditativos que as vigiam; e como que se lhe representava que aquela parte da cidade era feudo e senhorio da morte. As casas tinham um aspecto fúnebre, recolhidas e concentradas; o mar marulhava lugubremente na ribanceira lodosa; as palmeiras ciciavam doridas; e até o tilintar da campainha dos bondes era triste e lúgubre. A paisagem se impregnava da Morte e o pensamento de quem passava ali mais ainda, para fazer sentir nela tão forte aspecto funéreo (57).
Nós, os leitores, estamos preparados para o enterro do nosso herói. Muitas vezes Policarpo
é identificado como uma figura quixotesca. Como seu parente literário, radicado na
Mancha castelhana, que se sacrificou por seus ideais cavalheirescos, o nosso patriota
tropical de triste figura, mártir profano, morre também nas últimas páginas. Nos dois casos,
somos testemunhas dos seus últimos momentos, assistindo ao arrependimento e, por
conseqüência, à renúncia de suas loucuras: “Como é que não viu nitidamente a realidade,
não a pressentiu logo e se deixou enganar por um falaz ídolo, absorver-se nele, dar-lhe em
holocausto toda a sua existência?” (70). Curiosamente, as suas revogações não produzem
nenhuma satisfação em nós, leitores, bem ao contrário. O processo de uma desilusão em
progresso que ambos sofriam leva-nos a certo estado de melancolia. Assistimos perplexos
como o melhor destas criações literárias, o humano, o idealismo, o desinteresse pelo lucro
e bens materiais, o coração aberto à amizade e ao amor, está condenado a sucumbir. É
quando nos deixamos contagiar pelo sentido da tristeza do livro.
3.2. A tristeza no discurso sócio-cultural do Brasil
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Este estudo pretende deixar de lado a política e a sociologia e seguir caminho oposto para
descobrir o mundo perdido da belle époque suburbana carioca.
O pensador Manoel Bonfim (1868-1932), em seu ensaio sobre os males de origem na
América Latina, de 1905, descobriu a razão da tristeza ou infelicidade do povo brasileiro
na qualidade de povo duplamente formado por povos cultos, isto é, europeus e, ao mesmo
tempo, pelos mais primitivos, a saber, os índios americanos:
“(...) relacionados diretamente, intimamente a todos os outros povos cultos, e, sendo ao
mesmo tempo dos mais atrasados, e, por conseguinte dos mais fracos, somos forçosamente
infelizes. Sofremos todos os males, desvantagens e ônus, fatais às sociedades cultas, sem
fruirmos quase nenhum dos benefícios com que o progresso tem suavizado a vida humana”
(Figueiredo, 1997:378; o grifo é meu).
Que prelúdio, em tom menor de desilusão e amargura, para um livro que pretende ser um
retrato de seu país, que desde sua descoberta foi festejado por suas imensas riquezas e
possibilidades, prometendo um futuro glorioso! “Numa terra radiosa vive um povo triste”.
Assim Paulo Prado enfatizou o subtítulo do seu ensaio sobre a tristeza brasileira, da sua
interpretação da mentalidade dos brasileiros. Para ilustrar sua tese sobre a melancolia,
serviu-lhe como epígrafe um trecho de uma carta do seu venerado amigo e mestre, o
historiador Capistrano de Abreu, dirigida a João Lúcio de Azevedo, de 1916, em que ele
identificava na ave maior do seu país o animal heráldico da terra brasilis: O jaburu “(…) a
ave que para mim simboliza nossa terra. Tem estatura avantajada, pernas grossas, asas
fornidas, e passa os dias com uma perna cruzada na outra, triste, triste, daquela austera,
apagada e vil tristeza” (Prado 2001:51). Segundo o Aurélio, jaburu serve num sentido
figurativo também para descrever “uma pessoa esquisita, desajeitada, mal-amanhada,
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feiosa”: características que poderiam ser epítetos de Policarpo. Se este pássaro é o brasão
do Brasil, então Policarpo seria o representante legítimo de sua nação.
Na coletânea de poemas, Tarde, de Olavo Bilac, publicado no ano da morte do autor, em
1918, que já no título alude a uma fase tardia do Parnasianismo e anuncia alguma nova por
vir, ainda incerta, encontra-se o soneto Música brasileira. Culmina o poema no juízo de ser
a composição musical a expressão emblemática do Brasil: a “flor amorosa de três raças
tristes”. Em seus momentos mais felizes, consegue transformar a impura sexualidade,
denunciada como pecado humano, no fogo soberano do amor. Entretanto, a volúpia não
escapa à tristeza da paisagem erma, da saudade da pátria africana, do banzo e do pranto
lamentoso do fado português. Palavras como desejos, orfandades, nostalgias, paixões, dor,
junto à fórmula pars pro toto saudades até chegar a um triste como acorde final acentuam
em sua descrição não exatamente o sentimento, mas a evocação deste:
Tens, às vezes, o fogo soberanoDo amor: encerras na cadência, acesaEm requebros e encantos de impureza,Todo o feitiço do pecado humano.
Mas, sobre essa volúpia, erra a tristezaDos desertos, das matas e do oceano:Bárbara poracé, banzo africano,E soluços de trova portuguêsa.
És samba e jongo, chiba e fado, cujosAcordes são desejos e orfandadesDe selvagens, cativos e marujos:
E em nostalgias e paixões consistes,Lasciva dor, beijo de três saudades,Flor amorosa de três raças tristes (Bilac, 1961:263).
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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
A famosa metáfora de Bilac, a música brasileira como sendo a flor amorosa de três raças
tristes, expressa um consenso nacional e ao mesmo tempo um sentimento de época
(Zeitgeist-stimmung), que se estende da segunda metade do século XIX até os primeiros
decênios do século XX. Bilac interpreta a música brasileira – representada além de si
mesma, também a literatura e toda a cultura brasileira – como um produto dos choques
mútuos de três diferentes povos e culturas, carregados cada um deles de aflições
explicáveis e justificadas 16. Os portugueses, porque estavam longe de sua terra; os índios,
porque lhes fora roubado sua terra natal; e os africanos, porque perderam sua liberdade e
foram forçados a viver em cativeiro, também longe de sua pátria: a hipertrofia de uma
tristeza triplicada, órfãos todos eles num sentido metafórico.
O Romantismo brasileiro, em sua primeira etapa como expressão da euforia nacional após
a independência em 1822, desembocou no final do século XIX numa fase de resignação e
paralisação. Também, a libertação dos escravos, em 1888, e a proclamação da República,
em 1889, haviam pouco mudado a inclinação pessimista dos brasileiros, talvez até
aumentando-a. Influenciado pelas teorias sobre raças superiores e inferiores, os intelectuais
brasileiros lançaram a culpa da miséria nacional e do subdesenvolvimento na miscigenação
e preconizaram um branqueamento da população através de imigrantes europeus.17
16 Cabe destacar a famosa definição de que o tango é um pensamento tristonho que se pode dançar – “un pensamiento triste que se baila” –, de autoria de Enrique Santos Discépolo (Sábato, 1968:11). Ao contrário da melancólica saudade-Stimmung dos gêneros musicais brasileiros, dos sambas, jongos, fados etc., nos primórdios do tango argentino, na chamada milonga, ainda não existia, segundo Borges, esta tristeza. Ela só começou a exercer seu domínio com o advento do tango “degenerado”, a partir de 1917, especialmente nas letras piegas, depois das grandes imigrações européias. Os imigrantes eram ao mesmo tempo os bodes expiatórios e as esperanças para o tango. De um lado foram responsabilizados pela ausência de sentimentos na música (e, por conseqüência, pelo Stimmung nacional), por outro, justamente, cabia-lhes a culpa pelo Stimmung melancólico e fatal.17 Um dos melhores estudos sobre a ideologia das raças no Brasil se encontra no livro de Thomas Skidmore, Black into white: Race and nationality in Brazilian thought. Para as teorias racistas em vigor na época v. esp. (Skidmore, 1974:48-63).
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Autores brasileiros da escola do Naturalismo, que se orientavam pela determinação
biológica e social dos modelos europeus – como Aluísio Azevedo em Casa de pensão
(1884) ou Adolfo Caminha em Bom crioulo (1895) – mostram claramente essa tendência
(Haberly 1983:124). Também a grande epopéia Os sertões (1902) de Euclides da Cunha é
reflexo do século XIX positivista, que responsabilizou a mestiçagem pela degeneração e o
atraso cultural dos habitantes do interior, seguidores de Antonio Conselheiro. Euclides,
admirador do argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) perseguiu o mesmo
projeto patriótico, cujo lema era civilización o barbarie. A partir da segunda metade dos
anos oitenta do século XIX aportariam cada vez mais imigrantes europeus no Brasil. Até o
início da I Guerra Mundial já eram mais do que dois milhões e meio (Skidmore,
1974:144), a contribuir no branqueamento da população brasileira. Os récem-chegados não
vinham trabalhar no campo, bem mais interessados na indústria dos centros urbanos,
notadamente na cidade de São Paulo, cujo crescimento vertiginoso testemunha esta
predileção. É significativo que em São Paulo não se tenha criado como em Buenos Aires,
um criollismo nacional – patriotismo orgulhoso de ascendência latino-americana, que
rejeitava contribuiçães oriundas não-autóctonas 18. Os primeiros sinais de um retorno ao
orgulho nacional e ao patriotismo em geral revelam-se no livro Porque me ufano do meu
país (1901), de Afonso Celso, que ligou o Romantismo aos Diálogos das grandezas do
Brasil (1618). Ironia: o pai de Afonso Celso, o Visconde de Ouro Preto, foi antigo protetor
18 Não obstante, existia uma crítica indireta ao imigrante italiano, que não aceitava ser visto como brasileiro, isto é,, como parte de uma sociedade multicultural em statu nascendi. O contraste de Macunaíma, o empresário italiano Venceslau Pietro Pietra (aliás, no livro, ao mesmo tempo um negociante peruano e também o gigante das lendas indígenas, Piaimã), é um exemplo bastante ilustrativo desta ambivalência em vigor.. Jorge Luis Borges, no seu conto “Hombre de la esquina rosada”, acusou os italianos de covardia chegando mesmo a denunciar o típico instrumento do tango, o bandoneón, igualmente de “covarde”. Borges arrependeu-se anos depois dessa sua xenofobia e Mário de Andrade, da mesma maneira, temia, que sua ficção fosse entendida como panfleto para a discriminação étnica. Prova isso uma carta a Manuel Bandeira de 7.11.1927 (Andrade, 1966:224seg.).
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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
do pai de Lima Barreto. Este fato não impediu Lima Barreto – que recebeu o seu nome em
homenagem a ele – de satirizar o livro do filho, carregado de excessivo nacionalismo.
A nova geração, dos modernistas – autores, artistas e intelectuais – caçoavam dos versos
do parnasiano Bilac, agora obsoletos, embora a imagem de melancólico e indolente criada
por ele tenha permanecido. No grande Ensaio de Paulo Prado, culmina esta visão
parnasiana de forma polêmica, acrescida pelo fator destrutivo da sexualidade (luxúria),
seguida pela cobiça e pela tristeza19. Não por acaso, Mário de Andrade dedicou ao autor e
amigo Prado a rapsódia do seu herói sem nenhum caráter, Macunaíma, e seu notório mote,
repetido ao longo do livro como leitmotiv: “Ah! Que preguiça”. Ambas as obras foram
publicadas em 1928, sintomas e diagnose do estado espiritual da época. Mas o Brasil é
apenas um flanco do doente latino-americano. A enfermidade da tristeza e da desolação
vira metáfora em títulos de poemas como “Improviso do mal da América”, e antologias,
como O carro da miséria ou Remate de males (Andrade 1987:265-267, 287). Ainda nos
anos 30, quando Claude Lévi-Strauss chegou ao Brasil para lecionar na Universidade de
São Paulo, a primeira impresssão do novo meio, deprimente, se resumiu o estado de
espírito na aliteração, quase proverbial, de Tristes tropiques. Suas pesquisas antropológico-
etnológicas entre as tribos indígenas do Mato Grosso respiram essa tristeza opressora do
Novo Mundo: a autocrítica do europeu culpado em face de uma cultura órfã duas vezes –
na destruição de um paraíso perdido e num futuro que não se cumpriu.
O terceiro movimento na rapsódia Macunaíma20, que faz parte de um ciclo de canções,
começa com os sons do urucungo, um arco com uma corda e uma cabaça como
19 David T. Haberly em seu estudo Three sad races tematizou a questão da identidade de raça e a consciência nacional na literatura brasileira. Um capítulo é dedicado a Mário de Andrade (Haberly 1983:135-160).20 V. meu estudo (tese de habilitação/livre docência, em prelo) sobre as relações entre literatura e música na modernidade da América Latina, em que um longo capítulo é dedicado a Mário de Andrade e sua estética. Neste tentei mostrar como o ideal na esfera da música nacional em escrever suítes e rapsódias foi transmitido por Mário ao seu Macunaíma.
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ressonador, parecido com o berimbau. Uma das filhas da deusa do sol, Vei, representando
as culturas tropicais, toca esse instrumento, “que a mãe trouxera da África” (Andrade
1981:55), acompanhando a lânguida melodia o nosso herói:
Quando eu morrer não me chores,Deixo a vida sem sodade;
– Mandu sarará,
Tive por pai o desterro,Por mãe a infelicidade,
– Mandu sarará,
Papai chegou e me disse:- Não hás de ter um amor!
– Mandu sarará,
Mamãe veio e me botouUm colar feito de dor,
– Mandu sarará,
Que o tatu prepare a covaDos seus dentes desdentados,
– Mandu sarará,
Para o mais infelizDe todos os desgraçados,
– Mandu sarará... (Andrade 1981:55) 21
Segundo o crítico Cavalcanti Proença, o texto da canção baseia-se em modelos ameríndios,
de acordo como foram colecionados por Couto Magalhaes (o refrão “Mandu sarará”) e
21 O caráter sacro-totêmico da canção foi aproveitado conscientemente. Mário encontrou “Mandú sarará” na coletânea de Sílvio Romero Estudos sobre a poesia popular do Brasil. O refrão curto indica o seu propósito de ser propício para dançar: “Os cantos (...) invocam invencivelmente a idéia de que são cantos sacrais de sentimento totêmico” (Andrade, 1963b:27). Na tradução alemã (Andrade 1982:63) não é Macunaíma quem os canta, mas uma das filhas de Vei. O contexto, entretanto, apoia esta interpretação, porque Macunaíma presencia o recital como ouvinte. Enquanto no original se lê: “Era se rindo em plena felicidade, parando pra gozar de estrofe em estrofe, que ele cantava assim” (os grifos são meus). Também em (Proença, 1969:208) e no filme de Joaquim Pedro de Andrade, Macunaíma canta os versos dolentes de própria voz.
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Martius (Proença 1969:211). Os versos terminados pelo refrão curto provam esta
ascendência: “Não tem dúvida, que fórmulas parecidas com estas freqüentam o folclore
português e hispano-americano às vezes (...); porém a sistematização do refrão curto, duma
só palavra, repetido no fim de cada verso (até coincidindo a escolha freqüente de nomes
tirados da fauna, pra fazer o refrão) possivelmente é reminiscência de maneira ameríndia”
(Andrade 1980:181). Nesta versão, as quadras melancólicas de duas linhas, evocando
saudade, choro, desterro, infelicidade e a dor do amor, lembram-nos inspirações
encontradas já na fórmula de Bilac da “flor amorosa de três raças tristes” e no citado ensaio
de Paulo Prado. Macunaíma, que nestes versos singelos se descreve como “o mais infeliz
de todos os (brasileiros) desgraçados”, porque não herdou só a tristeza, mas, como
representante de três raças, acumularia também três tristezas dentro de si. Por isso sua
“música brasileira”, a essência desta tripla carga aflitiva, soa tão triste. Embora não fosse
Macunaima apenas o herói com “olhos de malandro” e o “riso de moleque safado”
(Andrade 1981:55), é também verdade que até a tristeza lhe serve como fonte de alegria
exuberante. Um verdadeiro hedonista goza-a plenamente, chegando às gargalhadas. Na
sinestesia da saudosa moda ameríndia e nos sons do berimbau africano, cantada e tocada
por um branco numa jangada, a barriga acariciada pelos cabelos de uma mulher, no doce
balanço das ondas na baía de Guanabara, o herói vive um momento de prazer maior:
“Macunaíma gozou do nosso gozo, ah!...” (Andrade 1981:55). A tristeza já não é mais
relegada às coisas do lamento, mas assume, como essência vital, um Grund-stimmung, um
estado de espírito cultivado com cuidados: “na variedade da vida a tristeza pode mais
variar que a alegria” (21).
3.3. O fim da tristeza
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Torna-se despropositada a discussão sobre a qualidade da obra literária entre os autores,
comparando-os. Ainda que Lima Barreto seja um escritor cujos defeitos estéticos ficam
evidentes, seus sucessos na arte da narração são indiscutíveis. Lima Barreto foi um autor
que percorreu um longo caminho dentro da literatura brasileira, embora sem chegar ao
objetivo idealizado. A importância descomunal da obra de Machado de Assis
impossibilitou qualquer eforço de se considerar herdeiro do legado literário do mestre.
Lima Barreto, por sua vez, com coragem, imenso talento, vocação e dedicação de alguém
que se entregou inteiramente à literatura - ingredientes da carreira de escritor - sabia
perfeitamente o preço do seu empreendimento. Internado no hospício, em janeiro de 1920,
sentenciava: “Ah! A Literatura ou me mata ou me dá o que peço dela” (Barreto, 1993:154).
Pode-se discutir em que proporções a literatura foi responsável pela morte do morador de
Todos os Santos, bairro do subúrbio carioca. O certo é que a literatura deu-lhe e a nós,
leitores, muito: a criação de uma obra altamente original, com protagonistas e cenas
inolvidáveis; uma obra ficcional que o pôs como o maior romancista brasileiro até o
surgimento da geração dos regionalistas nos anos 30, encabeçada por Graciliano Ramos, e,
sem dúvida, uma das grandes figuras da cultura brasileira do século XX. Já se admitiu que
nele não se cumpriu a glória plena de uma obra sempre bem lograda em todos os aspectos
literário-estéticos, dados seus altos e baixos, o que confirmou Antonio Candido: “É um
narrador menos bem realizado, (…), freqüentemente incapaz de transformar o sentimento e
a idéia em algo propriamente criativo” (Candido, 1997:549). Mas a sua grande qualidade
como autor reside em seu humanismo e numa autenticidade que até hoje comovem o leitor
sensível. Talvez Lima Barreto tenha sido um escritor que nunca chegou ao limite de suas
capacidades, jamais um divisor de águas estéticas, mais propriamente um autor de
transição, uma ponte, ligando o passado às perspectivas de um Brasil promissor. Suas
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Tristeza tem seu fim: sentido e crítica de um estado de espírito (“stimmung”) na obra de Lima Barreto
explorações acerca da melancolia, dos males d’alma, eram absolutamente necessárias. Sem
Lima Barreto o Modernismo iconoclástico não teria sido possível. A sua acepção da
tristeza brasileira ainda aponta alta numa obra de porte vanguardista como no melancólico
anárquico Macunaíma.
Mesmo que hoje em dia a identificação dos brasileiros com a tristeza como emblema
nacional tenha perdido a preponderância, nada mais errôneo do que aproximar o Brasil
apenas de sua preferida e distorcida imagem ad nauseam de um país em permanente festa
de carnaval, futebol e praia. A parceria saudade e tristeza não se esgotou na mentalidade
brasileira. Quando nos anos 50 o movimento da Bossa Nova suavemente explodiu, com os
versos sussurrados na voz de João Gilberto, expressa nos hoje clássicos Chega de saudade
e Felicidade, ambas criações da dupla Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes,
significou isso a renúncia definitiva ao ultrapassado falso sentimentalismo (Castro, 2006:
197seg.). A última canção acima reza no primeiro verso categoricamente Tristeza não tem
fim – embora tratar-se aqui mais de uma recriação e atualização de um velho sentimento
conhecido; muito mais uma reformulação da tristeza do que a sua derradeira despedida.
Parecia que com a chegada do Tropicalismo e o hino de Alegria, alegria, de Caetano
Veloso, festejando um Brasil antropofágico numa nova verdade tropical dirigida contra a
repressão da ditadura militar, o lema de uma jovem geração encontrara, enfim, sua fórmula
mais lapidar: “Sem lenço, sem documento / Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero seguir
vivendo, amor / Eu vou...”. Seria o fim da tristeza?
4. Conclusão
Lima Barreto foi autor pobre, ambicioso e talentoso como poucos, que, mesmo tendo
vivido em precárias circunstâncias econômicas, de saúde frágil e ter desaparecido
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prematuramente, chegou a explorar literariamente as trevas do coração e a identificar como
nenhum outro romancista de sua geração o ânimo em que se encontrava o Brasil às
vésperas da modernização do Estado e do aparecimento das vanguardas. Este é o mérito de
Lima Barreto, que lhe garantirá um lugar de honra entre os maiores escritores do Brasil: o
de ter tomado uma posição cética diante das promessas da modernidade, sem cair no
entusiasmo nacionalista então vigente 22. Sua contribuição à crítica do fanatismo político e
de um idealismo paranóico é de intensa lucidez. A observação da realidade por meio da
linguagem comunica uma clarividente percepção da natureza dos homens e de seu tempo,
dos verdadeiros feitos e dos muitos defeitos humanos.
A obsessiva temática da desolação e do abandono na obra de Lima Barreto, dolorosamente
experienciados na própria pele e intelectualmente diagnosticados no inconsciente coletivo,
é mais manifestação de resistência do que, como poderíamos supor, de reacionarismo. Foi
o autor alemão W.G. Sebald que em seus ensaios sobre a presença da desgraça na literatura
austríaca, na virada do século XIX e XX, destacou a inegável qualidade da resistência da
narrativa na literatura (Sebald, 2000:12). Nela, viu um vigor moral, uma oposição ou
reação a uma força opressora. Há um certo ponto de contato entre os escritores no império
austro-húngaro em decadência e os intelectuais do Brasil ascendente. Na Europa Central,
encontramos, na mesma época, entre os intelectuais, grande número de judeus, assimilados
ou não, enquanto sob o Equador reuniam-se, entre os representantes da classe pensante,
descendentes de escravos africanos, alguns só há pouco libertos, acrescidos de uma quota
crescente de mulatos, “duas vezes triste na sua condição e na sua cor” (30). Apesar das
divergências óbvias, temos uma situação sociologicamente semelhante, em parte
22 É Nicolau Sevcenko quem aponta como qualidades em Lima Barreto: “A galeria de seus personagens é uma das mais vastas e variadas da literatura brasileira. […] Os ambientes em que Lima Barreto vai buscar e apresenta os seus heróis e vilãos são também os mais diversos e desnivelados. […]. São de larga amplitude, igualmente, os registros históricos que ele entremeia em seus escritos” (Sevcenko 1995:162/3).
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comparável à da Austria antisemita: uma crescente parte da população, ainda que
minoritária, está sujeita a enfrentar a xenofobia e o racismo, ora latente, ora aberto. Entre
eles, os intelectual e artisticamente mais dotados. Para se impor perante a sociedade e seus
preconceitos vigentes, vêem-se forçados a lutar – no mais das vezes em vão. As
dificuldades que têm que enfrentar resultam, não raro, em hostilidade para com seus
próprios conterrâneos. A reação natural, mesmo entre os mais fortes e firmes, é de
desalento e, por conseqüência, de tristeza: uma melancolia que não deve ser confundida
com um amor à morte, mas antes, uma forma de resistência, como quer Sebald (2006:15).
A rejeição que Lima Barreto sofreu por uma sociedade racista justificaria seus
ressentimentos, embora a sua impecável descrição desenganada da desgraça em progresso
implique também a possibilidade e a esperança do seu vencimento. O firme desconcertante
olhar em direção à historia calamitatum terrae Brasilis reanima a coragem em voltar ao
confronto, desafiando adversidades, heroicamente, sem cessar. É quando a sua simpatia se
dá à gente humilde dos subúrbios e sua sátira impiedosa castiga os poderosos, os políticos
autoritários e toda a elite social carioca. A tristeza encontrou em Lima Barreto seu fim, não
no sentido comum de conclusão, término, mas no sentido filosófico, como causa, motivo,
intenção maior e propósito último. Este fim foi principalmente o de abrir uma brecha para
um novo discurso sobre um crítico conceito antiideológico da pátria, que resultou em
análises como, por exemplo, no polêmico ensaio de Paulo Prado, no antropofagismo do
Modernismo, no Regionalismo antimetropolitano do Nordeste, numa magistral obra
ficcional, embora tão distinta da dele, como a de Guimarães Rosa, nos filmes do Cinema
Novo, na música e nas artes plásticas do Tropicalismo e, ultimamente, numa nova
contribuição e valorização da cultura africana na formação da nação brasileira.
Nas diversas acepções ameaçadoras de Stimmungen, sombrias sob um céu franco e na
ensolarada paisagem deslumbrante dos trópicos, “a beleza da natureza imponente e
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indecifrável” (21) aparece aos homens na sua tristeza em harmonia com o meio-ambiente –
independentemente se manifestem tais acepções em mudanças meteorológicas, na
topografia, na arquitetura, na cidade como no campo. Lima Barreto escreve o seu sinistro
Mene, Mene, Tequel e Parsim, advertindo para os futuros problemas do Brasil. A ele
parecia-lhe possível recuperar as virtudes aparentemente perdidas de sua terra através da fé
no poder da literatura. Enquanto o Brasil, por vezes, deixou de responder à sua paixão
cívica, a língua foi sempre sua pátria, a casa do ser, das Haus des Seins, em que vivemos,
segundo Heidegger, que sempre o acolhia.
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