tratado da antartica

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  • O SISTEMA DO TRATADO DA ANTRTICA:EVOLUO DO REGIME E SEU IMPACTONA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA

  • MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretrio-Geral Embaixador Antonio de Aguiar Patriota

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    INSTITUTO RIO BRANCO (IRBR)

    Diretor Embaixador Fernando Guimares Reis

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada aoMinistrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaessobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionaise para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

  • Braslia, 2009

    O Sistema do Tratado da Antrtica:evoluo do regime e seu impactona poltica externa brasileira

    FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

  • Copyright , Fundao Alexandre de Gusmo

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conformeLei n 10.994, de 14/12/2004.

    Capa:Srgio de Camargo - Muro EstruturalRelevo, blocos de concreto, tinta vinlica4,45 x 26m - 1965-1966

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaMaria Marta Cezar LopesCntia Rejane Sousa Arajo GonalvesErika Silva NascimentoJlia Lima Thomaz de GodoyJuliana Corra de Freitas

    Programao Visual e Diagramao:Juliana Orem e Maria Loureiro

    Impresso no Brasil 2009

    Ferreira, Felipe Rodrigues Gomes. O sistema do tratado da Antrtica: evoluo do regime e

    seu impacto na poltica externa brasileira / FelipeRodrigues Gomes Ferreira. - Braslia : FundaoAlexandre de Gusmo, 2009.

    248p.

    Dissertao (Mestrado) - Instituto Rio Branco. 2005

    ISBN

    1. Poltica externa - Brasil. I. Ttulo. II. InstitutoRio Branco.

    CDU 327(81)

  • We must admire them: if only because they are muchnicer than ourselves!

    Apsley Cherry-Garrard, sobre pinguins,em The worst journey in the world

  • Abreviaturas e Siglas

    AGI Ano Geofsico InternacionalAGNU Assembleia-Geral das Naes UnidasAPIASMA Ano Polar Internacionalrea Antrtica Especialmente

    GerenciadaASPA rea Antrtica Especialmente ProtegidaATCM Reunio Consultiva do Tratado da AntrticaCCAMLR Conveno para Conservao dos Recursos Marinhos

    Vivos da AntrticaCDO Centro de DocumentaoCEP Comit para Proteo AmbientalCIJ Corte Internacional de JustiaCIRM Comisso Interministerial para os Recursos do MarCOMNAP Conselho de Gestores dos Programas Nacionais AntrticosConantar Comisso Nacional para Assuntos AntrticosCONAPA Comit Nacional de Pesquisas AntrticasCRAMRA Conveno para Regulao de Atividades sobre Recursos

    Minerais AntrticosCCAS Conveno para Conservao das Focas AntrticasCSN Conselho de Segurana NacionalDMAE Diviso do Mar, da Antrtida e do Espao ExteriorEACF Estao Antrtica Comandante Ferraz

  • EMFA Estado-Maior das Foras ArmadasESG Escola Superior de GuerraGA Grupo de AssessoramentoGAAm Grupo de Avaliao AmbientalGO Grupo de OperaesGTI Grupo de Trabalho InterministerialIAATO Organizao Internacional de Operadores de Turismo

    AntrticoIBEA Instituto Brasileiro de Estudos AntrticosICSU Conselho Internacional para CinciaIRBr Instituto Rio BrancoMCT Ministrio da Cincia e TecnologiaMMA Ministrio do Meio AmbienteMRE Ministrio das Relaes ExterioresPolantar Poltica Nacional para Assuntos AntrticosProantar Programa Antrtico BrasileiroSCAR Comit Cientfico para Pesquisa AntrticaSECIRM Secretaria da Comisso Interministerial para os Recursos

    do MarSTA Sistema do Tratado da AntrticaTIAR Tratado Interamericano de Assistncia Recproca

    Observao: foram mantidas em ingls as siglas assim consagradas naliteratura.

  • Sumrio

    Introduo, 13Um pouco de Teoria de Relaes Internacionais, 17

    1. As Origens do Tratado da Antrtica, 25

    1.1 Alguns antecedentes, 251.2 As reivindicaes territoriais, 371.3 Novos atores e as primeiras tentativas de resoluo da questo, 321.4 O Ano Geofsico Internacional, 391.5 A Conferncia de Washington e o Tratado da Antrtica, 441.6 As disposies do Tratado da Antrtica, 47

    1.6.1 O Tratado no vai expirar?, 51

    2. Operao e Evoluo do Sistema do Tratado da Antrtica, 53

    2.1 Elementos do regime, 532.2 As Reunies das Partes Consultivas do Tratado da Antrtica

    (ATCMs), 562.2.1 O descompasso entre a aprovao e entrada em vigor

    das Medidas, 572.2.2 Anlise temtica de Recomendaes, Medidas, Decises

    e Resolues: o Meio Ambiente no topo da agenda, 592.2.3 As Reunies Consultivas Especiais e as Reunies de

    Especialistas, 632.3 Cooperao Cientfica, 63

    2.3.1 O SCAR, 632.3.2 Importncia cientfica da Antrtica, 65

    2.4 Recursos Naturais Explorao vs. Conservao, 672.4.1 A Conveno para Conservao das Focas Antrticas

    CCAS, 68

  • 2.4.2 A Conveno para Conservao dos Recursos MarinhosVivos da Antrtica CCAMLR, 69

    2.4.3 A Conveno para Regulao de Atividades sobreRecursos Minerais Antrticos CRAMRA, 752.4.3.1 Um Eldorado Austral?, 752.4.3.2 Ascenso do tema, 772.4.3.3 O problema interno, 802.4.3.4 O problema externo, 812.4.3.5 Acomodao interna e externa a adoo da

    CRAMRA, 842.4.4 O desmoronamento da CRAMRA, 86

    2.5 O Protocolo sobre Proteo Ambiental do Tratado da Antrtica, 902.6 O STA aps o Protocolo de Madri, 94

    2.6.1 O anexo sobre responsabilidade objetiva (liability), 952.6.2 O Secretariado Permanente em Buenos Aires, 97

    2.7 A agenda atual, 1002.7.1 Turismo, 1002.7.2 Prospeco Biolgica, 1032.7.3 A apresentao de reivindicaes Comisso de Limites

    da Plataforma Continental, 1052.7.4 O Ano Polar Internacional 2007-2008, 108

    2.8 Algumas consideraes sobre o futuro do STA, 111

    3. O Brasil e a Antrtica, 115

    3.1 Primeiras manifestaes sobre o tema, 1153.2 O flerte com o territorialismo, 1173.3 A caminho da adeso, 1243.4 A adeso do Brasil ao Tratado da Antrtica, 127

    3.4.1 Cautela, 1293.5 A concretizao da presena brasileira na Antrtica, 131

    3.5.1 A aquisio do status de Parte Consultiva, 1363.6 Incorporao total ao STA, 139

    3.6.1 O Brasil e a Antrtica na ONU, 1403.6.2 A atuao do Brasil na CRAMRA, 141

    3.7 As mudanas na Polantar, 1443.8 O Brasil e o Protocolo de Madri, 149

  • 3.9 O Proantar e a Polantar hoje, 150

    Concluses, 157De volta Teoria de Relaes Internacionais, 161

    Referncias, 177

    Anexo A Mapas, 191

    Antrtica, 191Antrtica e o Oceano Austral, 192Reivindicaes Territoriais, 193Teoria da Defrontao, 194Pennsula Antrtica, 195Ilha Rei George, 196Baa do Almirantado, 197CCAMLR, 198

    Anexo B Documentos, 199

    The Antarctic Treaty (1959), 199Protocol on Environmental Protection to the Antarctic Treaty (1991), 207Poltica Nacional para Assuntos Antrticos, 223Programa Antrtico Brasileiro, 227

    Anexo C Antrtica ou Antrtida?, 245

  • 13

    Introduo

    A Antrtica um lugar terrvel.1 Um continente de 13.661.000 km2 equivalente a 1,6 vezes a rea do Brasil ou 10% das terras emersas do globo onde j foram registradas temperaturas de -89C e ventos de 327 km/h.2Toda essa imensido permanentemente coberta por um manto de gelo de,em mdia, 2 km de espessura (o que torna a Antrtica o continente com amaior mdia de altitude), chegando a impressionantes 4,7 km. Apenas 48.310km2, ou 0,4% da rea total, de rochas expostas so livres de gelo. Tanto geloequivale a 80% da gua doce do planeta; no entanto, o lugar um deserto,com precipitaes inferiores s do Saara.

    O ltimo lugar da Terra localiza-se quase todo dentro do crculo polarantrtico, o que torna os meses de vero um dia permanente, e o inverno umalonga noite. A Antrtica circundada por um tempestuoso oceanocompletamente livre de barreiras naturais, um mar sem fim onde ventos demais de 100 km/h so considerados comuns. Milhares de icebergs vagam

    1 Great God! This is an awful place, a clebre frase de Scott ao perder a corrida ao polo paraAmundsen. Este trabalho optou pela forma Antrtica forma Antrtida; em caso decitao, foi mantida a forma preferida pelos autores. Ver Anexo C.2 Essa rea inclui ilhas e plataformas de gelo adjacentes. As temperaturas mdias so maisagradveis: 0oC na costa, -40C no interior do continente durante o vero; entre -18C e -29Cna costa, -68C no interior do continente durante o inverno. A Pennsula Antrtica apresentatemperaturas bem mais tolerveis, em mdia -9C no inverno. , acesso em 02/02/2005.

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    pelo Oceano Austral, alguns chegando a uma rea equivalente de pequenospases. A superfcie martima ao redor do continente congela em banquisasque variam de 4.000.000 km2 no vero a 22.000.000 km2 no inverno.3 Ascondies climticas das altas latitudes austrais permitem apenas asobrevivncia de uma flora primitiva, composta principalmente por lquens,mas abrigam uma fauna rica em mamferos e aves aquticos, alm de umaenorme concentrao de zooplncton.

    A Antrtica frequentemente comparada a um outro planeta, ou aomais prximo que se pode chegar disso na Terra. Esse lugar de extremos eradesconhecido da humanidade at o sculo XVIII e permaneceu praticamenteintocado at o sculo XX. Dos homens que primeiro exploraram o continenteaustral surgiram alguns dos mais impressionantes relatos de sobrevivncia deque se tem notcia. Se h um lugar na Terra onde a vida pode ser solitria,pobre, suja, bruta e curta, esse lugar a Antrtica.

    Apesar disso ou talvez por isso mesmo as atividades humanas naAntrtica configuram um dos melhores exemplos de cooperao internacionalexistente. Motivados principalmente por questes estratgicas, doze pases,sete dos quais reivindicavam partes da Antrtica para si, conseguiram suspenderdiferenas aparentemente inconciliveis e criaram, em plena Guerra Fria, umregime internacional que colocou toda a rea ao sul do paralelo 60S sobnormas especiais que incluem sua desmilitarizao e a no aplicao desoberanias. Ao longo de dcadas, esse regime evoluiu para um complexosistema cujos propsitos so proteger o meio ambiente e promover a pesquisacientfica.

    Nas pginas a seguir, procuraremos mostrar como essa evoluoaconteceu. Este trabalho tem dois objetivos principais. O primeiro examinarcomo ocorreu a transio da questo antrtica de temas territoriais eestratgicos para um regime de cooperao cientfica e proteo ambiental,fazendo assim uma contribuio ao estudo de regimes internacionais. Osegundo procurar identificar qual foi o impacto desse regime na formulaoda poltica brasileira para a Antrtica.

    Dessa forma, esta dissertao tem uma justificativa terica, analisar umregime internacional bem sucedido e sua influncia no comportamento de um

    3 O maior iceberg j registrado era do tamanho aproximado da Blgica, com 31.000 km2 (4.000km2 a mais do que o estado de Alagoas). , acessoem 02/02/2005. Banquisas (pack ice) so extenses de gelo marinho no fixas ao continente.

  • INTRODUO

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    dos atores, e outra prtica, fornecer uma descrio ampla e atualizada dotema, servindo como subsdio aos formuladores da poltica brasileira para aAntrtica ou a qualquer um que busque saber mais sobre a Antrtica e porqueela to especial no sistema internacional.

    O trabalho est estruturado da seguinte forma. O Captulo I trata doprocesso que levou assinatura do Tratado da Antrtica em 1959, buscandoapontar fatores determinantes na criao do regime. O Captulo II descrevea operao e evoluo do STA at os dias atuais, ou seja, a criao dosregimes especficos sob o Tratado da Antrtica. O Captulo III traa odesenvolvimento da posio brasileira em relao questo antrtica apartir do uso de fontes primrias. As consideraes tericas foramconcentradas em trechos da Introduo e das Concluses, de maneira queleitores que no tenham particular interesse por Teoria de RelaesInternacionais possam saltar esses trechos sem prejuzo leitura no deveescapar ao leitor que as consideraes tericas permearam toda aformulao do texto. Os anexos incluem os principais documentos citadose alguns mapas, onde procurou-se identificar todos os locais mencionadosao longo do texto.

    Cabe aqui a ressalva de que este trabalho no reflete necessariamente asposies do Ministrio das Relaes Exteriores ou do governo brasileiro, asopinies nele expressas so de exclusiva responsabilidade do autor. Deveser tambm ressaltado que o autor contou com total e absoluta liberdadepara pesquisar os arquivos do Itamaraty, cujo acesso sou grato Diviso doMar, da Antrtida e do Espao (DMAE), ao Centro de Documentao doItamaraty e, em particular, ao Instituto Rio Branco, pela tramitao dasautorizaes necessrias.

    Esta uma edio revisada e atualizada de dissertao apresentada em2005 como requisito para concluso do curso e obteno do grau de mestrepelo Instituto Rio Branco. A atualizao se fez necessria porque, alm dasinevitveis correes, nesses quatro anos entre a entrega do trabalho e suapublicao, o Sistema do Tratado da Antrtica seguiu sua evoluo. Novaspartes aderiram ao Tratado, algumas das expectativas do trabalho originalforam concretizadas, novos instrumentos foram adotados e o acesso adocumentos ento no disponveis possibilitaram melhorias considerveis aotexto, que segue, sem embargo, substancialmente o mesmo. Alm disso, nose pode escapar ao fato de que em 2009 comemoramos 50 anos da adoodo Tratado, 34 da adeso do Brasil e 27 de nossa primeira Expedio

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    Antrtica de fato h muito que comemorar, o que justifica plenamente retomaro estudo sobre o tema.

    Gostaria de agradecer imensamente ao Embaixador Everton VieiraVargas, por sua atenciosa orientao durante o mestrado, e aos demais colegase amigos do Departamento de Meio Ambiente: Embaixador Luiz AlbertoFigueiredo Machado, Embaixador Hadil Fontes Vianna, Ministra Maria TeresaMesquita Pessoa, Conselheiro Bernardo Paranhos Velloso e Secretrio PauloEduardo de Azevedo Ribeiro, que sempre mantiveram as portas da DMAEabertas e contriburam de maneira fundamental para a pesquisa. Tenho umagratido particular aos professores Antonio Jorge Ramalho da Rocha e AntonioCarlos Rocha Campos, por seus comentrios ao texto original, e ProfessoraCristina Yumie Inoue, que ainda na universidade despertou em mim o interessepor regimes internacionais e me incentivou a pesquisar sobre o Tratado daAntrtica.

    Meus agradecimentos tambm Secretaria da Comisso Interministerialdos Recursos do Mar, na figura do Contra-Almirante Francisco Carlos Ortiz,e a toda comunidade antrtica brasileira. A reviso do trabalho no teria sidopossvel sem a contribuio dos colegas da atual equipe da DMAE, osSecretrios Luiz Maria Pio Corra, Ronaldo Lima Vieira, Andr TenrioMouro, Rafael Porto Santiago Silva e, no Instituto Rio Branco, LeonardoEnge.

    Por fim, aos 39 de 2003, dedico este livro a vocs.

    Um pouco de Teoria de Relaes Internacionais

    Assinado em 1959, o Tratado da Antrtica estabelece um modus vivendientre os pases que reivindicavam partes da Antrtica (territorialistas) e osque so favorveis ao livre acesso ao continente austral, estabelecendo adesmilitarizao da regio e a liberdade de pesquisa cientfica. Isso significadizer que uma considervel parte do globo est sob regras diferentes daquelasdo tradicional sistema vestfaliano. Por essa razo, o Tratado da Antrtica eos demais regimes especficos que se formaram sob ele, constituindo o Sistemado Tratado da Antrtica (STA), so um excelente objeto para o estudo deregimes internacionais.

    Com base no Tratado, surgiram trs convenes para regular oaproveitamento racional de recursos naturais Conveno para Conservaodas Focas Antrticas, Conveno para Conservao dos Recursos Marinhos

  • INTRODUO

    17

    Vivos da Antrtica e a Conveno para Regulao de Atividades sobreRecursos Minerais Antrticos (que no chegou a entrar em vigor) alm detodo um complexo conjunto de regras para promoo de cooperao cientficae proteo do meio ambiente, decididas em reunies peridicas das Partesdo Tratado. Esse processo culminou com a adoo do Protocolo sobreProteo Ambiental do Tratado da Antrtica, em 1991, que bane atividadesminerais na Antrtica e a declara reserva natural, dedicada paz e cincia.O regime consolidou-se de tal forma que a possibilidade de reviso a partirde 1991 dada como certa por diversos analistas jamais foi levada adiante.

    Ao partir de questes territoriais e estratgicas em direo a um regimede proteo ambiental e cooperao cientfica, a questo da Antrtica aparentater atravessado o continuum do tipo ideal do Realismo para o tipo ideal daInterdependncia Complexa, conforme proposto por Keohane e Nye emPower and Interdependence. O tipo ideal do Realismo caracterizado pelasseguintes premissas: 1) Estados so atores unitrios e racionais, os atoresdominantes na poltica internacional; 2) o uso da fora um instrumentopoltico vivel e efetivo; 3) questes relativas segurana militar predominamhierarquicamente na agenda dos Estados. Invertendo cada premissa doRealismo, chega-se ao tipo ideal da Interdependncia Complexa: 1) hmltiplos canais de conexo entre sociedades, incluindo relaes interestatais,transnacionais e transgovernamentais (i.e. Estados no so as nicas unidadesdo sistema); 2) no h hierarquia entre os tpicos da agenda internacional; 3)o uso da fora militar no uma opo4.

    Para estudar a transio da questo antrtica do Realismo para aInterdependncia Complexa, partimos do conceito de regimes internacionais.Conforme a definio j clssica, regimes internacionais so:

    conjuntos de princpios, normas, regras e processos de tomada de decisoimplcitos ou explcitos em torno dos quais convergem as expectativasdos atores em uma determinada rea das Relaes Internacionais. 5

    No entanto, uma definio to abrangente no necessariamente umaboa ferramenta. O conceito de regime internacional pode ser levado ao

    4 KEOHANE, Robert & NYE, Joseph. Power and interdependence. 3rd ed., Nova York: Longman,2001. pp. 21-255 KRASNER, Stephen. International Regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983. p. 2.

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    extremo e ser aplicado a qualquer comportamento recorrente, o quecertamente no colabora para a construo de conhecimento.6 Autores dediferentes filiaes utilizam o conceito, moldando-o a premissas e perspectivasde Relaes Internacionais to diferentes que difcil falar em apenas umateoria de regimes. mais apropriado falar em diversas escolas de pensamentoou diversas abordagens, que iro dar ateno a diferentes fatores paraconstruir uma anlise de regimes.7

    O problema da demasiada abrangncia do conceito pode ser remediadose regimes internacionais forem vistos como instituies, estruturasdeliberadamente negociadas pelos atores a partir de contratos constitutivos.Entre os autores que estudam a formao e evoluo de regimes dessa forma,destaca-se Oran Young.

    Young v regimes internacionais como instituies sociais que possibilitama busca de ganhos mtuos por meio da cooperao, mas que no surgemespontaneamente, como sugerem algumas abordagens racionalistas queexplicam a formao de regimes por meio de seu valor intrnseco na promoode cooperao8. fundamental para esta proposta de anlise a ideia, nemsempre bvia, de que regimes so fenmenos sociais artefatos construdospor humanos e no fenmenos naturais do sistema internacional. Sendo assim,apesar da unidade principal de anlise continuar a ser o comportamento e osinteresses dos atores, estes no so tomados como dados, h a necessidadede analisar tambm seu processo de formao.9 Em outras palavras, regimesso estruturas que moldam e condicionam o comportamento dos atores, masque tambm resultam da interao destes.

    A existncia de interesses comuns considerada condio necessria,mas no suficiente, para explicar a criao de regimes. A forma que tomamos regimes, entre todas as formas possveis na existncia de interesses comuns,depende de um processo de barganha institucional, ou seja, da negociao

    6 Ver STRANGE, Susan. Cave! Hic Dragones. In: KRASNER, 1983. pp. 337-354 para umacrtica do conceito de regimes internacionais.7 HASENCLEVER, MAYER & RITTBERGER. Theories of International Regimes. Cambridge:Cambridge University Press, 1997. fazem uma ampla resenha das diferentes escolas depensamento sobre regimes internacionais.8 Esta a abordagem predominante, por exemplo, em KEOHANE, Robert. After Hegemony.Princeton: Princeton University Press, 1984.9 Nesse sentido, Young faz a ponte entre liberais e construtivistas, cuja proposta de anlise derelaes internacionais mais revolucionria. Ver, por exemplo, WENDT, Alexander. SocialTheory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

  • INTRODUO

    19

    direta entre as Partes para criar uma instituio.10 Por isso esta perspectivabaseia-se fortemente em teorias de negociao, na ideia da criao de zonasde contrato entre interesses conflitantes.11

    Avanando nessa perspectiva de regimes internacionais, Young publicou,em conjunto com Gail Osherenko, Polar Politics, um estudo sobre diversosregimes ligados ao rtico12. Nessa obra, Young prope que regimes sejamestudados a partir de estudos de caso e oferece uma abordagemparticularmente frutfera ao procurar conciliar diferentes vises sobre regimesinternacionais. Em lugar de concentrar esforos para provar a supostasuperioridade de uma perspectiva especfica sobre regimes, sugere uma anlisede mltiplas variveis, que utiliza hipteses de diversos autores, de diferentesescolas de pensamento. Para justificar essa abordagem, o autor faz umaanalogia com a dualidade partcula-onda para o comportamento da luz:perspectivas aparentemente incompatveis para explicar um determinadofenmeno, mas que coexistem de forma bem sucedida na gerao deconhecimento.

    Apesar de no termos grandes esperanas de identificar condiesque por si s sejam suficientes para a formao de regimes,continuamos a acreditar que alguns fatores so to centrais aoprocesso de formao de regimes que eles podem servir como basepara proposies expressas na forma de condies necessrias.13[...]Estamos convencidos de que alguns dos maiores esclarecimentos sobreo processo de formao de regimes surgem quando dirigimos nossasatenes para as interaes entre esses fatores.14

    Assim, diferentes fatores concorrem para o processo de barganhainstitucional, que leva formao de regimes internacionais, com diferentes

    10 instituio deve aqui ser entendido como instituio social, no no sentido de umaentidade ou organizao internacional, com sede, oramento, etc. Organizaes internacionaisesto geralmente associadas a um ou mais regimes, mas no devem ser confundidos com eles,tampouco so condio necessria para sua existncia.11 Ver YOUNG, Oran. International Cooperation: building regimes for natural resources andthe environment. Ithaca: Cornell University Press, 1989.12 YOUNG, Oran & OSHERENKO, Gail (ed.). Polar Politics: creating internationalenvironmental regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1993.13 Id.ibid., pp. 246-247.14 Id.ibid., p. 249.

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    graus de efetividade. Outros fatores aparentemente no ligados ao regime(fatores contextuais) tambm devem ser levados em considerao. Youngsugere, ento, uma matriz de hipteses baseadas em trs variveis distintas(poder, interesses, conhecimento) a serem aplicadas em diversos estudos decaso verificando essas hipteses, possvel construir explicaes maisabrangentes sobre a formao de regimes.15

    A principal hiptese baseada em poder que a presena de um atorhegemnico, i.e., um ator com preponderncia de recursos materiais, dispostoa arcar com os custos da formao do regime e/ou disposto a impor umasoluo, condio necessria para a formao de um regime a chamadahiptese da estabilidade hegemnica. Essa hiptese vem da escola doRealismo, segundo a qual regimes, assim como qualquer fenmenointernacional, so determinados pelo balano de poder.

    As hipteses baseadas em interesses compem o ncleo da anlise, fatoque geralmente associa Young tradio liberal do pensamento em RelaesInternacionais. A premissa desse conjunto de hipteses que regimes surgemda interao de atores egostas, para coordenar seu comportamento comfins a ganhos mtuos atores preocupados com ganhos absolutos, norelativos.

    De acordo com esse conjunto de hipteses, o processo de barganhainstitucional ser mais bem-sucedido:

    - se incluir todas as Partes interessadas no problema;- na existncia de mecanismos de aquiescncia, que incentivem o respeito

    s regras do regime;- na presena de pontos focais para formulaes simples dos problemas

    levantados e das solues propostas (o que Young chama de salientsolutions);

    - na disponibilidade de opes que respeitem a igualdade de direito decada uma das Partes (equidade), no necessariamente opes mais eficientes;

    - em funo de choques ou crises externos;- se houver a proeminncia de barganhas integrativas;16

    15 Id.ibid., pp. 1-21; 263-266. No se espera que sejam vlidas todas as hipteses apresentadas,mas encontra-se uma forte tendncia para a comprovao em muitas delas.16 i.e., que tragam ganhos absolutos s Partes, em contraposio a barganhas distributivas, jogosde soma zero. Id.ibid., p.13.

  • INTRODUO

    21

    - na presena de fatores que dificultem para as Partes individualmenteantever o resultado de suas aes no longo prazo, o chamado vu deincerteza;

    - se as Partes favorecerem alguma ampla noo de bem comum;- se as Partes atriburem prioridade questo em suas agendas polticas;- quanto mais tcnico for o assunto ou o grupo de negociadores;- na presena de lideranas eficientes.

    Dois conceitos so centrais nessa anlise. O vu da incerteza refere-se dificuldade dos atores de antever como a operao do regime ou a ausnciadele podero afetar seus interesses ao longo do tempo, incentivando os atoresa buscarem arranjos institucionais mais equnimes e flexveis, que sejamaceitveis para posies dspares.17 A ideia de liderana aqui tambm algobastante especfico. Young no se refere liderana exercida por Estados, aexemplo do que ocorre na hiptese da estabilidade hegemnica, mas sim aindivduos com papel determinante na formao de regimes, seja provendoinfluncias intelectuais, conduzindo o processo de negociao ourepresentando um ator estruturalmente importante para o processo.18

    As hipteses baseadas em conhecimento (ou hipteses cognitivas)completam o conjunto de fatores a analisar. A principal premissa aqui que a existncia de valores e crenas, percepes da realidade eatribuies de causa e efeito, comuns aos atores so determinantes naformao de regimes, assim como a existncia de grupos encarregadosde propagar esses valores e crenas.19 A primeira hiptese que aexistncia de consenso na comunidade cientfica em determinada questo um pr-requisito para a formao de regimes. A segunda quecomunidades epistmicas, definidas como grupos de indivduosorganizados transnacionalmente que compartilham determinadaperspectiva da realidade, influenciam a agenda poltica e, assim, sodeterminantes para a formao de regimes.

    17 O vu da incerteza inspirado no vu da ignorncia de Rawls (RAWLS, John. A theory ofjustice. Cambridge: Harvard University Press, 1971), mas no so equivalentes. Este umconstruto abstrato relacionado com a ideia de imparcialidade. O vu da incerteza uma tentativade identificar algo prximo do vu da ignorncia na realidade, refere-se ao comportamento dosatores diante da necessidade de fazer escolhas muito abrangentes ou generalistas com impactoem longo prazo.18 YOUNG & OSHERENKO, 1993, p. 18.19 Note que no h a necessidade de que essas crenas correspondam a algo comprovado.

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    Os dois primeiros captulos do trabalho, portanto, faro uma descrioda evoluo do STA a partir da perspectiva de Young sobre a formao deregimes. Buscaremos entre os fatores listados acima, na matriz de hiptesesproposta, quais foram determinantes no processo de formao e evoluodo STA. Como o regime composto por diversos regimes especficosabrigados sob os princpios, regras e normas do Tratado da Antrtica, possvel analisar a evoluo do sistema, as mudanas dentro do regime, apartir da formao desses instrumentos.

    Invariavelmente, autores que estudam regimes internacionais caem naquesto fundamental se regimes tm vida prpria, ou seja, se ocomportamento dos atores moldado pelas expectativas do regime ou seseria o mesmo na ausncia deste. Se determinados atores pudessemsimplesmente ignorar as regras do regime quando bem entendessem, esteseria mera fachada mascarando os verdadeiros condicionantes docomportamento dos atores (e o estudo de regimes seria desnecessrio).

    Como j mencionamos, Young parte da premissa que regimes soinstituies construdas socialmente, no fazem sentido se analisadas fora docontexto que as criou, como se fossem fenmenos naturais. Padres econvenes de comportamento levam inevitavelmente a expectativasconvergentes e noo de legitimidade, fatores que se reforam mutuamentee servem de referncia para os atores um sistema de retro-alimentao,por assim dizer. Nessas circunstncias, regimes podem adquirir vida prpriae ter um impacto determinante no comportamento dos atores, apesar deserem instituies por eles criadas.20 Essa abordagem afasta-se do debateinicial se regimes so variveis independentes ou intervenientes.21

    A pergunta que surge imediatamente qual o impacto de regimesinternacionais na formao de preferncias e interesses dos atores, em outraspalavras, qual a efetividade do regime? Um regime internacional efetivo namedida em que seu funcionamento obriga os atores a conduzirem-se de mododiferente daquele como se comportariam caso o regime no existisse ou fossediferente. razovel esperar que a formulao da poltica externa de um pas

    20 YOUNG, Oran. Regime dynamics: the rise and fall of international regimes. In: KRASNER,1983, pp. 93-11421 Ver YOUNG, Oran. A eficcia das instituies internacionais: alguns casos difceis e algumasvariveis crticas. In: ROSENAU, James & CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs). Governana semgoverno. Braslia: UnB, 2000. Cap. 6. Ver tambm KRASNER, Stephen. Structural Causesand Regime Consequences: Regimes as intervening variables In: KRASNER, 1983, pp. 1-22.

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    passe por modificaes causadas pela participao em um regimeinternacional ou pelo menos que ocorram mudanas em suas preferncias emfuno da existncia de um regime internacional efetivo.

    O terceiro captulo deste trabalho tentar responder a questo colocadaacima para o caso brasileiro. Para avaliar o impacto do regime na formulaoda poltica brasileira em relao questo antrtica ou seja, examinar aefetividade do regime a partir do estudo do caso brasileiro traaremos,com base na documentao levantada no Ministrio das Relaes Exteriores,as mudanas na posio brasileira em funo da participao no STA.22 Aoexaminar o debate interno da questo antrtica, podemos verificar o impactodo regime no comportamento brasileiro.23 A avaliao de efetividade aquidistancia-se um pouco da maioria dos estudos sobre regimes internacionaisou sobre o STA. No buscamos verificar a efetividade do regime como umtodo, na forma do cumprimento das metas e objetivos propostos24. A ideia apontar para a influncia de um regime internacional bem estabelecido noprocesso interno de tomada de deciso de um dos atores, no caso, o Brasil.Com isso, obteremos tambm uma descrio da evoluo da poltica brasileirapara a Antrtica, que pode servir como subsdio aos formuladores da polticaantrtica brasileira.

    22 Nos termos do decreto n 5.301 de 2004, que altera o decreto n 4.553 de 2002, a classificaode documentos secretos tem a durao mxima de 20 anos, confidencias de 10 anos e reservadosde 5 anos. Esses prazos foram os condicionantes na utilizao de fontes primrias para estapesquisa.23 Esse mtodo de avaliao da efetividade de regimes sugerido em KEOHANE & NYE, 2001,p. 276-278.24 Isso foi feito com bastante propriedade em STOKKE, Olav & VIDAS, Davor. Governing theAntarctic: the effectiveness and legitimacy of the Antarctic Treaty System. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1996. Ver tambm JOYNER, Christopher. Governing the Frozen Commons:The Antarctic Regime and Environmental Protection. Columbia: University of South CarolinaPress, 1998.

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    As origens do Tratado da Antrtica*

    1.1 Alguns antecedentes

    A ideia de um grande continente austral, que deveria contrabalanar amassa de terra existente no hemisfrio norte e assim dar simetria e equilbrioao globo, remonta Antiguidade Grega. Com o passar dos sculos, essasuposio deu origem a um mito que permeou, com suas variaes, toda aera dos descobrimentos e, assim como o Eldorado (entre outros), motivouexploradores e naes. Nos confins austrais existiria um continentedesconhecido, imenso, frtil e populoso, mais extenso do que toda a partecivilizada da sia, cujo comrcio superaria os ganhos com as colniasamericanas.25 Diversos mapas antigos apresentam referncias TerraAustralis Incognita, ora isolada, ora ligada Amrica ou Austrlia.26

    O mito foi destrudo pelas viagens de James Cook (entre 1768 e 1778),cujas ordens incluam a verificao da hiptese da Terra Australis Incognita.

    * Trechos deste captulo foram editados para publicao, como contribuio institucional doItamaraty, em MACHADO, Maria Cordlia S. & BRITO, Tnia. (coord.) Antrtica: ensinofundamental e ensino mdio. Braslia: Ministrio da Educao, 2006.25 GURNEY, Alan. Abaixo da Convergncia. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. pp. 37-8.26 Algumas dessas representaes podem ser vistas em TOOLEY, R.V. Early Antarctica aglance at the beginnings of cartographic representation for the South Polar Regions. The MapCollectors Circle, 1963. Disponvel em , acessoem 19/01/2005.

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    Cook chegou aos limites setentrionais das banquisas de gelo por volta doparalelo 70o Sul, a apenas 75 milhas do continente, e declarou no haver omenor espao para a possibilidade de l existir um continente, salvo perto dopolo27, inacessvel e frio demais para o mito. A efetiva descoberta docontinente disputada por trs exploradores (Bellingshausen, Palmer eBransfield) viria a ocorrer somente no incio do sculo XIX.

    Apesar de destrudo o mito do Eldorado austral, os relatos das primeirasviagens exploratrias s altas latitudes meridionais tinham leitura garantidaentre comerciantes de peles de foca e leo de baleia. A indstria baleeira eraento quase onipresente: o leo de baleia era utilizado para iluminao,lubrificao e como matria-prima para os mais diversos usos, inclusive naconstruo civil, enquanto os ossos do animal serviam para a confeco detodo tipo de utenslio at na perfumaria eram encontrados produtos extradosda baleia. A populao de focas j estava drasticamente reduzida no rtico,e a queda na oferta tornava o preo das peles ainda mais atraente. Descriescomo as focas nadam em espessos cardumes [...] no h angra nem rochedopor meio dos quais se possa chegar terra, estando todos repletos delas28levaram a uma corrida ao sul.

    Do fim do sculo XVIII a meados do XIX, a explorao da Antrtica eseus arredores orientada por interesses comerciais, pela caa a mamferosmarinhos. provvel que o maior nmero de descobertas tenha sido feitopor caadores de focas e de baleias, mas, como os pontos de caa erammantidos em sigilo para no atrair concorrentes, no h muitos registrosconfiveis. Mesmo quando o petrleo substituiu o leo de baleia em grandeparte dos usos industriais, a indstria baleeira ainda manteve-se ativa na regiocomo fornecedora de matria-prima para rao animal e glicerina. Os vestgiosdos baleeiros podem ser testemunhados at hoje, em praias e enseadascobertas por ossos de baleias. A caa s focas foi obrigada a drsticasredues pela sobre-explorao e quase extino das espcies.

    O incio do sculo XX vai assistir ao relativo declnio da atividade de caa nosmares austrais e o incio da chamada Era Heroica da explorao polar. Tanto nortico como na Antrtica, o prestgio de naes foi colocado em jogo pelaprecedncia nos ltimos lugares da terra livres da presena humana. A dramtica

    27 EDWARDS, Philip (ed.). James Cook: the journals. Londres: Penguin Books, 2003. p. 41428 DAMPIER, W. A new voyage round the world. Editado por A. Gray, 1927. apud. GURNEY,2001, p. 264.

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    corrida entre Amundsen e Scott pela chegada ao Polo Sul simboliza perfeitamenteessa fase.29 As expedies da Era Heroica viriam a servir de fundamento paramuitas das reivindicaes territoriais no continente.30 Alm disso, foram marcantestambm por conjugar a explorao de novas terras com a pesquisa cientfica,antevendo aquela que viria a ser a principal atividade humana no continente.31

    1.2 As reivindicaes territoriais

    Entre 1908 e 1940, sete pases Argentina, Austrlia, Chile, Frana, Noruega,Reino Unido e Nova Zelndia declararam unilateralmente soberania sobre partesdo continente antrtico. Os supostos fundamentos das reivindicaes territoriaisvariam da descoberta de terras at a sucesso das potncias coloniais, passandopela contiguidade territorial, a teoria dos setores, a explorao econmica daregio. Mapa no Anexo A mostra as reivindicaes territoriais na Antrtica.

    Quase todas as reivindicaes valem-se de uma variao da teoria dossetores. Originalmente proposta pelo senador canadense Pascal Poirer em1907 para a partilha das ilhas rticas, a teoria dos setores baseia-se em doismeridianos que partem do polo at os extremos leste e oeste do litoral dentrodo crculo polar rtico. Rssia e Canad, com os maiores litorais voltadospara o norte, adotaram de bom grado o princpio, que no plenamenteaceito por outros pases da regio.

    Como no h nenhum Estado no Oceano Austral (latitudes superiores a 60Sul) e como muitos pases reivindicantes encontram-se no hemisfrio norte, aaplicao da teoria dos setores na Antrtica ocorre com o uso de dois meridianosdesde o polo, passando pelos extremos leste e oeste do litoral reivindicado, usando

    29 Amundsen, noruegus, chegou ao Polo Sul sem grandes problemas utilizando ces, semanasantes de Scott, britnico, que morreu na viagem de volta a poucas centenas de metros de umdepsito de comida e combustvel, aps uma martirizante jornada, primeiramente com pneise depois a p. Ver, por exemplo, HUNTFORD, Roland. O ltimo lugar da Terra. So Paulo:Companhia das Letras, 2002.30 Os relatos das expedies da Era Heroica deram origem a algumas das maiores histrias desobrevivncia j registradas e a todo um filo editorial, que recentemente vem recebendoconsidervel ateno no Brasil. Um exemplo entre muitos ALEXANDER, Caroline. Endurance.So Paulo: Companhia das Letras, 1999.31 Para uma viso abrangente, fartamente ilustrada, das expedies antrticas na fase mtica,comercial, heroica e moderna ver McGONIGAL, David. Antarctica and the Artic : the completeencyclopedia. Buffalo: Firefly Books, 2001. Essa obra prov tambm uma descrio dos aspectosfsicos, climticos e da fauna e flora do continente. CAPOZOLI, Ulisses. Antrtida: a ltimaterra. So Paulo: EdUSP, 2001. faz a mais extensa resenha em lngua portuguesa das expediesantrticas.

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    geralmente o paralelo 60S como limite norte. Pelo critrio da contiguidade, todoo territrio nesse enorme tringulo, mesmo que absolutamente desconhecido,estaria sob jurisdio soberana do pas reivindicante. Uma variao da teoria dossetores foi proposta pelos brasileiros Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro,a chamada Teoria da Defrontao, que ser vista no Captulo 3.

    O Reino Unido foi o primeiro Estado a reivindicar soberania antrtica, em1908, sobre uma cunha na regio do Mar de Weddel. O decreto de reivindicaoinclua tambm as Ilhas Malvinas e, em um primeiro rascunho, abrangia at mesmoparte da Patagnia. No era o territrio mais explorado por britnicos (a Plataformade Ross), mas um timo territrio de caa baleia e inclua a estratgica passagemdo Drake. Nas dcadas seguintes, a reivindicao original foi modificada para como hoje conhecida e o British Antarctic Territory foi separado das Falkland IslandsDependencies. Outras parcelas da Antrtica foram posteriormente reivindicadasunilateralmente pelo Imprio Britnico e colocadas sob administrao das entocolnias Nova Zelndia (1923, a Dependncia de Ross) e Austrlia (1933) o queposteriormente deu origem s reivindicaes desses pases.32 A rea reivindicadapor britnicos, australianos e neozelandeses equivale a mais de 2/3 do continente.

    Em antecipao reivindicao sob tutela australiana, a Frana declarouposse da Terra Adelie em 1924 (ainda que nenhum francs houvesse jamaisdesembarcado l), junto a algumas ilhas subantrticas (Kuerguelen), sobadministrao do Governo Geral de Madagascar. A fatia francesa da Antrticaest estranhamente encravada no meio da reivindicao da Austrlia e seuslimites s foram definitivamente estabelecidos em 1938.33

    Entre as reivindicaes australiana e britnica, est a fatia reclamada em1939 pela Noruega, a Terra Rainha Maud. Foi uma tentativa de assegurar territriode caa para a indstria baleeira em antecipao a uma reivindicao da Alemanhanazista, aps o envio da Expedio Schwabenland em 1938. A reivindicaonorueguesa difere das demais por no apresentar limites ao norte ou ao sul, aindaque Amundsen tenha reivindicado o plat polar para seu rei. Essa particularidadejustifica-se para que a reivindicao antrtica da Noruega no seja caracterizadadentro da teoria dos setores, critrio rejeitado por esse pas no rtico.34

    32 COSTA, Joo Frank da. Antrtida: o problema poltico. Revista Brasileira de PolticaInternacional, v.1, n 4, pp. 76-99, 1958b.33 COSTA, Joo Frank da. Antrtida: o problema poltico. Revista Brasileira de PolticaInternacional, v.2, n 5, pp. 78-89, 1959.34 COSTA, 1958b. A Alemanha abriu mo de sua reivindicao com sua rendio na SegundaGuerra Mundial. A Noruega reivindica tambm a Ilha Pedro I, no Mar de Bellingshausen.

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    Chile e Argentina baseiam suas respectivas reivindicaes principalmente no utipossidetis juris, princpio jurdico que norteou seus respectivos processos de formaoterritorial aps a independncia. Pelo uti possidetis juris, Chile e Argentina consideram-se herdeiros dos direitos atribudos Espanha na regio pelo Tratado de Tordesilhase demais atos administrativos coloniais que alegavam jurisdio em altas latitudes austrais,ainda que nenhuma presena tivesse sido l estabelecida at o incio do sculo XX.Alm disso, afirmam que a Pennsula Antrtica faz parte geograficamente egeologicamente da Amrica do Sul, o que garantiria sua prioridade na regio.35

    Em 1940, Chile e Argentina emitiram decretos reivindicando seus respectivosterritrios antrticos, que se sobrepem em grande parte, assim como ao territrioreivindicado pelos britnicos. Argentina e Chile jamais conseguiram entrar emacordo quanto aos limites de suas reivindicaes antrticas, mas se unem paradesacreditar a reivindicao do Reino Unido ao afirmar a existncia de umaAntrtica Sul-Americana, onde teriam exclusivos direitos soberanos.

    Quadro Resumo das Reivindicaes Territoriais Antrticas (ver mapa Anexo A):

    Baseado em COSTA, Joo Frank da. Antrtida: o problema poltico. RBPI: 1958a;1958b; 1959; 1960.

    35 COSTA, Joo Frank da. Antrtida: o problema poltico. Revista Brasileira de PolticaInternacional, v.3, n 11, pp. 118-131, 1960.

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    As reivindicaes territoriais antrticas, sem exceo, no soreconhecidas pela comunidade internacional, a no ser entre os pasesterritorialistas. Reino Unido, Austrlia, Nova Zelndia, Frana e Noruegareconhecem mutuamente suas reivindicaes. Chile e Argentina reconhecemmutuamente seus direitos na regio, apesar de no terem chegado a um acordosobre limites, e rejeitam as demais reivindicaes.

    Todas as reivindicaes acima partem da premissa que a Antrtica resnullius, ou seja, o continente no pertence a ningum e seria passvel deapropriao, parcial ou total, bastando que um Estado estabelecesse l soberania.Em contraposio, h quem defenda para a Antrtica a aplicao do princpio rescommunis, ou seja, o continente seria espao comum a todos, no suscetvel asoberania, a exemplo do que ocorre com o alto-mar. A defesa do res communisbaseia-se principalmente na dificuldade de uma ocupao permanente. Por isso,alguns juristas, como Fauchille, defendiam, j h muito, a tese da criao de umregime internacional para administrar as regies polares. 36

    Mesmo com toda a atual tecnologia, fato que uma ocupao efetiva epermanente da Antrtica, que fundamentaria uma irrefutvel reivindicao, extremamente difcil. Mesmo a populao antrtica de aproximadamente3.000 cientistas no poderia ser considerada permanente por maior que sejasua estada no continente, esta intermitente e dura apenas o quanto duraremseus projetos cientficos.37

    A ocupao considerada hoje pela maioria dos juristas como nicottulo vlido de soberania, admitindo excepcionalmente outros critrios, comoa descoberta, somente como ttulos incoativos.38 Apesar de difcil, o

    36FAUCHILLE, Paul. Trait de Droit International Public, 1925. apud. COSTA, Joo Frank da.Antrtida: o problema poltico.Revista Brasileira de Poltica Internacional, v.1, n 3, pp.41-58, 1958a.37Um hipottico estabelecimento permanente na Antrtica hoje no poderia servir de base paraqualquer reivindicao territorial, nos termos do Artigo IV do Tratado, conforme ser vistoadiante. Pela mesma razo, a poltica de incentivo ao nascimento de crianas em estaesantrticas, promovida pelos regimes militares de Argentina e Chile, tampouco poderia servirpara reforar as reivindicaes desses pases. Sobre a poltica antrtica chilena, verGUIMARES, Gilda Maria. O Chile e a Antrtida subsdios para uma viso brasileira. VICurso de Altos Estudos, 2o perodo. Braslia: IRBr, 1983. Para uma viso argentina, verMOLINARI, ngel Ernesto (coord.). La Argentina en la Antrtida: 100 aos de presenciapermanente e ininterrumpida. Buenos Aires : CARI, 2005.38Ttulos incoativos (inchoate titles) so ttulos jurdicos imperfeitos, vlidos temporariamenteat a efetiva ocupao e exerccio de soberania sobre um territrio o problema a definio dequanto tempo temporariamente. JOYNER, 1998, pp. 14-20. Se soberania estatal pode serdefinida como exclusividade, autonomia e plenitude de competnciassobre determinadoterritrio e sua populao ou como presuno dessa competncia, parece claro que o conceito

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    estabelecimento de soberania sobre a Antrtica possvel, mas as condiesparticulares da regio tornam questionvel seu exerccio pleno, mesmo nahiptese de um ttulo jurdico incontestvel o que no o caso de nenhumadas reivindicaes. Ainda que alguns pases argumentem que estabelecerampresena de forma contnua em ilhas subantrticas, com servios estatais comocorreios e estaes meteorolgicas, legtimo questionar os critrios quetornariam esses pequenos estabelecimentos base para reivindicaesterritoriais que se estendem at o polo.39

    possvel, hoje, questionar ainda outro aspecto comum a todas asreivindicaes territoriais: o fato de serem delimitadas por meridianos. O usode meridianos como referncia para os limites das reivindicaes no rtico,conforme a teoria dos setores original, decorre do fato do rtico ser um oceano no h, como em terra firme, acidentes naturais que sirvam de referncia parademarcao de limites. Na Antrtica, um continente, o uso de meridianos comoreferncia nas reivindicaes territoriais decorre do relativo desconhecimentogeogrfico do interior do continente at os anos 50. Hoje, graas a imagens desatlite e levantamentos areos, h pleno conhecimento cartogrfico e geogrficoda Antrtica e de seus acidentes naturais notveis geleiras, nunataks,montanhas, plataformas de gelo, etc. Caso o Tratado, hipoteticamente, deixassede existir da noite para o dia, seria justificvel hoje a preferncia de meridianoscomo referncias para reivindicaes territoriais, em lugar de acidentes naturais?Como se aplicaria, por exemplo, o critrio da contiguidade entre dois meridianos,definidos arbitrariamente, se h uma cadeia de montanhas entre eles?

    Voltemos s reivindicaes na fase anterior ao Tratado. O limbo jurdicoem relao s reivindicaes territoriais gerou um alto grau de incerteza,especialmente entre Argentina, Chile e Reino Unido, cujas reivindicaes sesobrepem parcialmente. A partir de 1906, esses trs pases trataram daquesto bilateralmente, por meio de duras notas diplomticas40. De formageral, as notas contm declaraes de direitos sobre a regio e protestoscontra aes que feriam esses supostos direitos.

    Entre Argentina e Reino Unido, a disputa se concentra na soberaniasobre ilhas subantrticas (Malvinas, Gergia do Sul, Sandwich do Sul e

    no se aplica facilmente Antrtica. Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de DireitoInternaiconal Pblico. 14ed. 2v. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 350-355.39A Argentina alega que ocupa a Antrtica de forma permanente desde 1904, quando estabeleceuuma estao meteorolgica nas Ilhas Orcadas do Sul (aproximadamente 60352 S 045302W), um arquiplago subantrtico nos limites da rea de jurisdio do Tratado.40Compiladas, junto a outros documentos, em BUSH, William. Antarctica and InternationalLaw. 2v. Londres: Oceana Publications, 1982.

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    Orcadas do Sul), mas se estende sobre toda a Pennsula Antrtica e o Marde Weddell. Chile e Reino Unido trocaram protestos quanto a operaesmilitares e instalao de bases em regies disputadas por suas respectivasreivindicaes. Para Chile e Argentina, a disputa estaria no mesmo contextoda definio de sua fronteira comum. Os dois pases reconhecem que ambostem direitos indiscutveis de soberania na zona polar e por diversas vezesmanifestaram interesse em resolver a questo de forma pacfica ecooperativa, sem jamais chegar a um acordo sobre a fronteira de suasreivindicaes polares.

    Ainda que essas contendas da primeira metade do sculo XX pareamhoje distantes e caducas, no se deve menosprezar sua importncia para ospases envolvidos e para a segurana da regio. Os supostos ttulos eargumentos invocados por esses pases na Antrtica so, em grande medida,os mesmos utilizados em disputas que quase levaram Argentina e Chile a umconflito armado (na questo do Canal de Beagle) e levaram Argentina e ReinoUnido s vias de fato (na Guerra das Malvinas)41. Ao desmilitarizar a Antrtica,o Tratado impede uma potencial situao de conflito entre Argentina, Chile eReino Unido.

    1.3 Novos atores e as primeiras tentativas de resoluo daquesto

    A Antrtica logo passou tambm a atrair ateno norte-americana. At ofinal dos anos 30, a posio dos EUA seguia a doutrina estabelecida em1924 pelo Secretrio de Estado Charles Hughes, por ocasio do pedido dereconhecimento da reivindicao norueguesa:

    [] a opinio do Departamento [de Estado] que a descoberta deterras desconhecidas pela civilizao, mesmo que aliada a um ato deposse formal, no sustenta uma reivindicao vlida de soberania,salvo se a descoberta for seguida por ocupao efetiva.42

    41 Apesar da intrnseca relao entre as questes, notvel que a Guerra das Malvinas no tenhatido maiores reflexos no STA a no ser um aumento do oramento para o programa antrticobritnico. O fato de um conflito armado entre dois pases membros do STA nas margens da reado Tratado no ter alterado seu funcionamento ressalta a efetividade do regime.42 QUIGG, Phillip. A pole apart: the emerging issue of Antarctica. Nova York: McGraw-Hill,1983. p. 127.

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    Para um autor do Realismo, o apego Doutrina Hughes no deixaria deser surpreendente. Os EUA contavam com um longo histrico de exploraesantrticas por seus nacionais inclusive um deles, Palmer, considerado pormuitos o real descobridor do continente e, portanto, tinham fundamentosto bons quanto os apresentados at ento por outras naes para umareivindicao antrtica. A Doutrina Hughes, porm, no era unanimidade.Em 1929, o influente Richard Byrd o homem que d incio exploraoarea do continente, fechando definitivamente a Era Heroica das exploraes reivindicou para os EUA, por sua conta, sem o reconhecimento do governonorte-americano, a Terra Marie Byrd, na rea no reivindicada do continente.

    A partir de ento at a assinatura do Tratado, a poltica norte-americanapara a Antrtica vai dividir-se em duas vertentes conflitantes: uma abertamenteterritorialista e expansionista, liderada por Richard Byrd e seu irmo, senadorHarry Byrd, que atribua vital importncia estratgica para o continente e viauma reivindicao norte-americana como uma forma de comear a resolveras pendncias na regio; e outra mais cautelosa, que no via interesses vitaisem jogo na Antrtica e temia envolver-se desnecessariamente nas disputasterritoriais de outros pases.

    Em 1938, o Presidente Roosevelt ordenou um reexame da posio norte-americana para a Antrtica. O estudo do Departamento de Estado props oabandono da Doutrina Hughes e a reivindicao formal de parte da Antrtica,mas no apresentou cenrios para o provvel envolvimento nas disputasterritoriais entre britnicos e latino-americanos caso fizesse uma reivindicao.Fazer uma reivindicao teria de ser necessariamente acompanhada doreconhecimento das reivindicaes de outros pases.

    Os EUA ento passam a preparar terreno para que a mudana para umaposio territorialista viesse sem grandes contestaes. Secretamente, oDepartamento de Estado orientou o explorador Ellsworth, que partiria em missoparticular em 1938, a fazer reivindicaes territoriais em nome dos EUA, em carterno oficial, na forma de marcos e proclamaes mesmo que em territrio jreivindicado por outras naes. Da mesma forma, a terceira expedio de RichardByrd teria instrues secretas para medidas que viessem a reforar uma futurareivindicao territorial.43 A Segunda Guerra Mundial forou o trmino precoce daexpedio de Byrd e postergou a possibilidade de reivindicar parte da Antrtica.

    43 SHAPLEY, Deborah. The Seventh Continent: Antarctica in a Resource Age. Washington:Resources for the Future, 1985. pp. 44-47. QUIGG, 1983. pp. 129-132.

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    Datam dessa poca as primeiras tentativas para resolver as pendnciasterritoriais no continente. No final de 1939, os Estados Unidos procuraramincentivar a realizao de uma conferncia regional com o objetivo de formaruma poltica interamericana comum para a Antrtica. A ideia partiu do prprioPresidente Roosevelt (provavelmente baseado na Doutrina Monroe), quetinha em mente uma nova forma de soberania, uma reivindicao desoberania de todo um setor ao sul das Amricas, em nome das repblicasamericanas como um todo.44 Curiosamente, a iniciativa excluiria o ReinoUnido. No ano seguinte, mesmo ano do decreto de sua reivindicao antrtica,a Argentina enviou memorando chancelaria britnica onde, simultaneamente,questionava as reivindicaes do Reino Unido e sugeria a realizao de umaconferncia internacional entre pases que reivindicavam partes do continentepara determinar um status jurdico-poltico que pudesse ser aceito por todos.A sugesto foi reiterada em 1947 e 1948.45

    A Segunda Guerra Mundial suspendeu as iniciativas acima, mas chamouateno para a importncia estratgica da Antrtica na navegao dohemisfrio sul. Navios alemes fizeram considerveis estragos a embarcaesaliadas usando ilhas subantrticas como base, especialmente a navios baleeirosnoruegueses. A gordura da baleia pode ser usada como matria-prima parafabricao de glicerina, que por sua vez utilizada para fazer, alm de sabo,explosivos. Com o objetivo de conter o avano alemo na regio e garantir osuprimento de glicerina, os britnicos empreenderam a Operao Tabarin(1943-1945), que tinha tambm a meta secreta de retirar marcos de soberaniadeixados por argentinos e chilenos e iniciar uma ocupao contnua.46

    O ps-guerra e a ascenso dos EUA e da Unio das Repblicas SocialistasSoviticas (URSS) como potncias mundiais inicia um novo captulo na histriaantrtica. Entre 1946 e 1947, os EUA empreenderam aquela que a maiorexpedio Antrtica realizada at hoje. A Operao High Jump, envolvendo13 navios, 23 avies e 4700 pessoas, destoava de expedies anterioresno s por suas propores, mas por seus objetivos serem quaseexclusivamente militares desenvolvimento de equipamentos e pessoal para

    44 QUIGG, 1983, p. 132. Ver tambm SHAPLEY, 1985, p. 47 e BUSH, 1982, v.2, pp. 314-315. provvel que o conceito de uma Antrtica Americana, no qual tambm baseiam-se asreivindicaes argentinas e chilenas, tenha origem nessa iniciativa.45 BUSH, 1982, v.1, pp. 605-606.46 BECK, Peter. A Antrtica como irrelevncia estratgica? Contexto Internacional, n 7,ms 1-6, 1988.

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    utilizao em reas polares, cartografia area e estudo de locais viveis paraa instalao de bases militares47. O objetivo principal era treinar tropas eequipamentos para possvel utilizao no rtico em um hipottico combatecontra a URSS, mas havia tambm a retomada da poltica de consolidaode uma futura reivindicao territorial por parte dos EUA. A Operao HighJump comprovou a superioridade dos EUA na tecnologia para exploraopolar o territrio antrtico explorado por norte-americanos passou a sermaior do que a soma da rea explorada por todos os pases territorialistas.

    No entanto, apesar de ento ser talvez o nico pas com possibilidadereal de ocupao e exerccio pleno de soberania na regio, uma reivindicaoterritorial norte-americana provavelmente teria impacto negativo na alianaocidental contra a URSS, ao obrigar um posicionamento na disputa entrebritnicos, argentinos e chilenos. Segundo o critrio da descoberta, umareivindicao norte-americana poderia abranger quase a totalidade docontinente, incluindo pedaos de quase todas as outras reivindicaes48. Qualfosse a parcela do continente reivindicada pelos EUA, seria impossvel faz-lo sem desagradar a pelo menos alguns de seus aliados ocidentais cominteresses na regio. A Antrtica no mais poderia ser um projeto nacionalistaunilateral, era agora um elemento no complexo de relaes com os pasesterritorialistas e a URSS.

    Alm disso, uma vez estabelecida a superioridade tecnolgica e logsticanorte-americana na regio, passava a fazer sentido advogar o acesso irrestritoao continente, ao invs de sua diviso entre soberanias distintas.49 Apesar docrescente interesse militar na regio, as teses territorialistas comearam aperder espao no Departamento de Estado.

    A importncia estratgica do continente foi mais uma vez realada com aincluso, em 1947, de parte da Antrtica no Tratado Interamericano deAssistncia Recproca (TIAR), o setor entre os meridianos 24 e 90 oeste.A incluso de parte da Antrtica no TIAR veio tambm a acrescentardificuldades na poltica norte-americana para o continente o setor includocorresponde quase totalmente ao territrio disputado por Argentina, Chile e

    47 JOYNER, Christopher & THEIS, Ethel. Eagle over the ice: the U.S. in the Antarctic. Hanover:University Press of New England, 1997. p. 25. Ver tambm MCGONIGAL, 2001, pp. 495-498 para uma descrio da Operao High Jump e sua sucessora Windmill.48 Ver mapa em SHAPLEY, 1985, p. 55.49 Esse ponto sugerido em CANNABRAVA, Ivan Oliveira. A questo da Antrtida: aspectospolticos, jurdicos e econmicos do Tratado de Washington. V Curso de Altos Estudos. Braslia:IRBr, 1982. pp. 11-13.

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    Reino Unido colocando os EUA na incmoda posio entre oscompromissos do TIAR e a tradicional aliana atlntica, a exemplo do queviria a acontecer posteriormente na Guerra das Malvinas.

    O ps-guerra foi tambm um perodo de intensificao da disputa entreArgentina, Chile e Reino Unido. Em 1948, o Reino Unido tentou levar aquesto ao arbitramento da Corte Internacional de Justia (CIJ), mas acompetncia da corte sobre a matria no foi reconhecida por Chile e Argentina fato que se repetiria ao longo da dcada de 50. Tampouco foi aceita arenovada proposta argentina de uma conferncia internacional entre os pasesreivindicantes. Atividades navais dos trs pases na regio geravamdesconfiana mtua e a possibilidade de conflito era considerada real50 oChile chegou a considerar apelar ao TIAR para conter as atividades britnicasna regio.51 A fim de evitar que a relao entre os trs pases fosse abaladapor um mal-entendido naval, foi assinada uma declarao conjunta em 1949,renovada anualmente at entrada em vigor do Tratado, que comprometia ostrs pases a no enviarem navios de guerra para a regio.52

    Diante da crescente tenso entre Reino Unido, Argentina e Chile, natentativa de evitar um conflito entre aliados no incio da Guerra Fria, oDepartamento de Estado dos EUA enviou em agosto de 1948 um memorandoaos pases com declaradas pretenses territoriais na Antrtica (Argentina,Austrlia, Chile, Frana, Reino Unido, Noruega e Nova Zelndia) sugerindoa internacionalizao do continente sob a gide das Naes Unidas ou umcondomnio de naes. A alternativa do condomnio incluiria, necessariamente,uma reivindicao formal dos EUA. A iniciativa foi rejeitada, principalmentepelas gestes de Argentina e Chile, mas a ideia do condomnio encontroualguma aceitao no Reino Unido. O objetivo era claramente a partilha docontinente entre aliados ocidentais o envolvimento das Naes Unidas foidescartado para evitar a incluso da URSS na questo.53

    O Chile apresentou aos EUA uma interessante contra-proposta, elaboradapelo Professor de Direito Internacional Julio Escudero Gzman, que continhaj em 1948 a gnese do Tratado da Antrtica. Escudero havia sidoanteriormente convocado pelo governo chileno com a misso de tentar

    50 Documentos AR1948 e CH26031948 in: BUSH, 1982, v.1.51 Documento CH26031948 in: BUSH, 1982, v.1.52 Documento AR18011949 in: BUSH, 1982. v.1.53 TEMPLETON, Malcolm. A wise adventure. Wellington: Victoria University Press, 2000,pp. 137-143

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    fundamentar juridicamente as reivindicaes feitas por decreto em 1940. ADeclarao de Escudero, como ficou conhecida, sugeria: uma moratrianas reivindicaes territoriais; um acordo para o intercmbio de dadoscientficos; e uma declarao de que estaes e expedies regio noconstituiriam fundamento para futuras reivindicaes.54 A proposta deEscudero foi bem recebida e influenciou de forma definitiva a poltica norte-americana para a regio: ainda em 1948, o Conselho de Segurana Nacionalpublicou documento listando os interesses norte-americanos na regio usandotermos bastante semelhantes;55 os EUA mantiveram consultas informais comReino Unido e Chile e chegaram a rascunhar a declarao da moratria.56

    Sem soluo para sua disputa territorial, a troca de protestos contraatividades estrangeiras na regio reivindicada por Argentina, Chile e ReinoUnido permaneceu constante por toda dcada de 50. As animosidadeschegaram ao mximo em fevereiro de 1952, quando ocorreu uma escaramuaentre um destacamento naval argentino e a tripulao do navio britnico JohnBiscoe, que foi impedida de desembarcar na Terra Graham sob tiros demetralhadora. No esprito da declarao de 1949, o incidente foi rapidamentecontornado bilateralmente.57

    Mas a dcada de 50 traria ainda outros atores e maiores complicaes questo antrtica. Em reao tentativa de partilha de 1948, em 1950 aURSS comunicou aos pases territorialistas (com exceo do Chile, comquem no tinha relaes diplomticas) que teria direito a participar de qualquerentendimento sobre a Antrtica. O documento fazia referncia aos recursosnaturais da regio e aos aos grandes servios prestados pelos navegadoresrussos na descoberta da Antrtida, [...] que no so menos importantes queos das expedies mais tarde realizadas referncia s viagens deBellingshausen, que foi alm das latitudes alcanadas anteriormente por Cooke descobriu que havia terra acessvel onde o britnico julgara haver apenasgelo. A URSS fez expressa reserva de direitos quanto a uma futurareivindicao territorial, afirmou no ser possvel reconhecer a legalidade dequalquer deciso relativa ao regime da Antrtica que seja tomada sem a suaparticipao e sugeriu a internacionalizao do continente.58

    54 Documento CH08101948, in: BUSH, 1982. v.2.55 JOYNER & THEIS, 1997, p. 26.56 TEMPLETON, 2000, pp. 154-155.57 Documentos AR03021952 e AR27021952, in: BUSH, 1982, v.1.58 Transcrita em COSTA, 1959.

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    A declarao sovitica colocou EUA e os pases territorialistas em alarme.A partir desse momento, toda conversa entre os pases territorialistas referente possibilidade de um regime internacional para a regio convergia para oafastamento da URSS da Antrtica. A ideia da moratria foi abandonada einiciativas, secretas, em direo a uma reivindicao oficial por parte dosEUA foram retomadas, como o levantamento histrico de expedies ereivindicaes de particulares. Porm, a possibilidade de uma reivindicaonorte-americana foi gradualmente descartada, uma vez que provavelmentelevaria a uma contra-reivindicao sovitica. A posio norte-americanaconsolidou-se, ento, naquela que permanece at hoje: no reconhecimentode quaisquer reivindicaes territoriais na Antrtica, mas expressa reserva dedireitos quanto possibilidade de fazer uma reivindicao no futuro.Ironicamente, exatamente a mesma defendida pela URSS.

    Para os militares dos pases aliados, a presena sovitica no continentedeveria ser evitada a qualquer custo. A importncia estratgica da Antrticaest mais nos potenciais perigos da presena de um inimigo do que emalgum fator intrnseco regio. As extremas dificuldades logsticas para odesembarque de tropas tornariam praticamente impossvel forar a retiradade tal presena, que teria uma posio defensiva muito forte (apesar detotalmente dependente do mundo exterior para abastecimento). Temia-se que, a exemplo do que ocorrera na Segunda Guerra Mundial, basesinimigas na regio pudessem ameaar o trfego martimo no hemisfriosul, especialmente na hiptese de destruio dos canais de Suez e doPanam. Outro temor era a ideia de que a Antrtica se tornasse umanova Albnia, ou seja, um posto avanado para lanamento de msseiscontra os pases aliados do hemisfrio sul, a poucos milhares dequilmetros.

    Havia, verdade, uma percepo exagerada do perigo sovitico, quesuperestimava a eficcia e o alcance dos recursos militares ento existentes esubestimava as dificuldades logsticas da instalao de uma base militarcompletamente operacional na regio mais inspita do planeta. Mas era GuerraFria e essa percepo tornaria-se a principal motivao dos pases ocidentaisno tratamento da questo nos anos porvir. interessante notar que a posiosovitica era motivada, ao menos em parte, por conter as pretenses dosimperialistas ocidentais na regio. 59

    59 BECK, 1988, pp. 70-73. JOYNER & THEIS, 1997, p. 149.

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    O fantasma da internacionalizao do continente ressurge em 1956,quando a ndia se mobilizou para incluir a questo Antrtica na pauta daAssembleia-Geral das Naes Unidas (AGNU), tentativa que se repetiu em1958 Argentina e Chile, com o apoio dos demais territorialistas, conseguiram,nas duas ocasies, impedir a incluso do tema na agenda das Naes Unidas.A iniciativa indiana deve ser vista no contexto do movimento dedescolonizao, buscava contestar a ideia de que a descoberta de terrasimplica direitos de soberania (e fazia referncia a preocupaes ambientais,avant la lettre). Assim, por diferentes motivaes, ndia colocava-se aolado da URSS como defensores da internacionalizao do continente.

    1.4 O Ano Geofsico Internacional

    Paralelamente, a comunidade cientfica internacional comeava tambm amobilizar-se em torno da questo antrtica. Em 1950, um grupo de cientistasretomou a ideia do Ano Polar Internacional, cujas edies anteriores haviamocorrido em 1882-83 e 1932-33. 60 O perodo de 1932 a 1933 havia sido deatividade solar mnima enquanto 1957-58 seria um perodo de atividade mxima,o que poderia providenciar uma base comparativa de dados valiosa. O ConselhoInternacional de Unies Cientficas (International Council of Scientific Unions,hoje Conselho Internacional para Cincia, mantida a sigla ICSU) acatou a sugestode um Ano Polar e ampliou seu escopo, iniciando em 1952 a organizao do queviria a ser o Ano Geofsico Internacional (AGI, de julho de 1957 a dezembro1958): um evento transnacional de grandes propores, envolvendo dezenas demilhares de cientistas de 67 pases, divididos em duas grandes linhas de pesquisa,espao exterior e Antrtica, espalhados por todo o globo.

    No mbito do AGI, doze pases (frica do Sul, Argentina, Austrlia, Blgica,Chile, EUA, Frana, Japo, Noruega, Nova Zelndia, Reino Unido e UnioSovitica) estabeleceram 50 estaes de pesquisa na Antrtica, totalizando maisde 5.000 pessoas. EUA e URSS estabeleceram 7 estaes cada. Para organizaros programas cientficos na Antrtica, o ICSU criou o Special Committee onAntarctic Research (SCAR, modificado para Scientific Committee on AntarcticResearch), que at hoje coordena, em nvel internacional, as pesquisas cientficasno continente e tem papel importante no STA.

    60 A edio mais recente, tambm organizada pelo ICSU, comeou em 2007 e tem duraoprevista at 2009. Ver .

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    importante salientar o carter privado do ICSU e do SCAR. A rigor,seus membros so representantes acadmicos, no de seus respectivosgovernos. Nas conferncias preparatrias para o AGI, em meados de 1955em Paris e Bruxelas, foi repetidamente declarado o carter estritamentecientfico do evento, formalizado em resolues propostas pelos representantesde Argentina e Chile, ciosos de evitar qualquer efeito do AGI sobre o statusdas reivindicaes territoriais existentes.61 Reino Unido tambm declarou seuapoio ideia de que o AGI no poderia afetar direitos de soberania sobre asreas exploradas. Foi feito um acordo de cavalheiros, a fim de evitar queas atividades cientficas sob o AGI servissem de base para futurasreivindicaes. No entanto, apesar dessas gestes, j no haveria como evitarque o AGI tivesse consequncias polticas: alm de o evento receberconsidervel apoio oficial, a participao sovitica nele era dada como certa.

    A histria de como a ideia do AGI surgiu em 1950 quase por acaso em umjantar informal em homenagem ao cientista britnico Sidney Chapman amplamenteconhecida e faz parte do folclore antrtico.62 Chapman veio a liderar a organizaodo AGI e foi dele a sugesto de ampliar o escopo do Ano Polar Internacionalpara um programa cientfico global. A sugesto de um novo Ano Polar foi feita noreferido jantar pelo norte-americano Lloyd Viel Berkner, que viria a ser eleitopresidente do ICSU em 1955. Berkner era geofsico, tinha patente de oficial damarinha e participara da primeira expedio de Byrd Antrtica. Especializadono estudo de ondas de rdio, esteve envolvido no desenvolvimento do radar eseu nome tambm est ligado aos primeiros passos da NASA.63

    Aps a Segunda Guerra Mundial, Berkner envolveu-se diretamente comassuntos de poltica externa e com a criao de comits com vistas ao envolvimentoda comunidade cientfica na pesquisa com fins militares. Descrito como umtecnocrata visionrio, Berkner rapidamente adquiriu reputao comointermedirio entre a comunidade cientfica e Washington. Seu campo de estudo,a geofsica, foi (como ainda ) determinante no desenvolvimento de tecnologiasbeligerantes e de comunicao, recebendo, portanto, um enorme investimentogovernamental nos anos da Guerra Fria. Trabalhando no Departamento de Estado

    61 BUSH, 1982. v.1, pp. 500-502.62 Ver, por exemplo, Antarctica: a Frozen History. Documentrio produzido pelo HISTORYCHANNEL, 2002.63 NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Bibliographical Memoirs. v.61. Washington:National Academy Press, 1992. pp. 2-25. Disponvel em , acesso em 08/10/2004.

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    no fim dos anos 40, Berkner organizou o Office of the Science Advisor e montouum programa de envio de adidos cientficos s embaixadas. Berkner advogavaum papel maior cincia e aos cientistas na poltica norte-americana e defendiaque o avano da geofsica, assim como de outras cincias da Terra, era convergentecom os objetivos da poltica de segurana nacional da Guerra Fria.64

    O AGI considerado uma grande exceo s hostilidades da Guerra Fria,ao colocar Leste e Oeste juntos em um projeto de cooperao. Paradoxalmente, tambm possvel afirmar que foi fruto da Guerra Fria, uma vez que a pesquisacientfica realizada serviu em parte para alimentar a corrida espacial e a corridaarmamentista, ainda que os cientistas diretamente envolvidos no tivessemnecessariamente conscincia disso.65 Nesse sentido, proporcionou o casamentode convenincia na poltica externa norte-americana entre os interesses dalinha que defendia uma abordagem territorialista da Antrtica e dos que julgavama importncia da Antrtica eminentemente cientfica.66

    Iniciada a mobilizao internacional em torno do AGI, a primeira reaodo governo norte-americano foi de relutncia em participar de uma iniciativacooperativa com a URSS. Gradualmente, no entanto, o Presidente Eisenhowerfoi convencido da importncia de uma participao ativa dos EUA no AGI,especialmente no programa antrtico, aprovando em 1954 novas diretrizesda poltica norte-americana para a Antrtica. O governo passou a dar totalapoio ao comit norte-americano para o evento e a marinha responsabilizou-se por toda a logstica e por construir as estaes norte-americanas asOperaes Deepfreeze I (1955-56) e II (1956-57). Referncias a objetivosterritorialistas foram formalmente retiradas das ordens dadas a essasoperaes67. As novas diretrizes atribuam Antrtica um valor estratgicodiminuto, mas ressaltavam sua importncia cientfica. Recomendavam que osEUA tivessem uma firme presena na regio com vistas a neg-la URSS egarantir acesso a eventuais recursos naturais. Para tanto, sugeria mapear,explorar e estabelecer estaes cientficas na Antrtica.68

    64 DOEL, Ronald. Constituting the Postwar Earth Sciences: The Militarys Influence on theEnvironmental Sciences in the USA after 1945. Social Studies of Science, 33/5, 2003. pp.646-647.65 Id.ibid.. Um ponto central no argumento de Doel que, ao final do sculo XX, esses mesmosestudos com aplicaes estratgicas das cincias da Terra forneceram os dados que viriam afundamentar cientificamente a ascenso do meio ambiente na poltica internacional.66 SHAPLEY, 1985, pp. 58-60.67 JOYNER & THEIS, 1997, p. 28.68 SHAPLEY, 1985, p.60.

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    possvel inferir que Lloyd Berkner teve alguma influncia direta ouindireta nessas decises, apesar de no haver referncia expressa sobre issona literatura consultada. certo que elas refletem sua viso sobre pesquisacientfica e interesses estratgicos e que ele j advogava nesse sentido nosdiversos comits onde trabalhou no Pentgono e no Departamento de Estadodesde 1946. Paralelamente presidncia do ICSU, Berkner assumiu umaposio proeminente no comit norte-americano para o AGI e veio a fazerparte do Scientific Advisory Committee da Casa Branca de 1956 a 1959,trabalhando diretamente sob o presidente. tambm concebvel, portanto,que ele tenha tido alguma participao nas iniciativas que levariam do AGI aoTratado da Antrtica, hiptese que mereceria maiores estudos e consultas afontes primrias norte-americanas para ser verificada.

    Cabe lembrar que as atividades do AGI no se restringiram Antrtica.As pesquisas referentes ao espao exterior foram to ou mais importantes eparte das atividades na Antrtica era direcionada para essa linha de pesquisa.O AGI pode ser considerado um dos primeiros passos na corrida espacial,junto com o lanamento do Sputnik, em 1957.69 O programa norte-americanoespecificamente buscava dados que possibilitassem o j prometido lanamentode seu prprio satlite artificial.

    Portanto, no se pode afirmar que o AGI foi mera fachada cientficapara objetivos polticos concertados previamente entre EUA e URSS emrelao Antrtica, como sugerem alguns autores. Como vimos, o AGIestava profundamente inserido no contexto da Guerra Fria, masultrapassava a questo antrtica. Definitivamente, foi um eventotransnacional, amplamente apoiado por governos e cujo impacto polticofoi habilmente explorado. Alm disso, como veremos a seguir, aconcertao poltica entre EUA e URSS restringiu-se negociao doTratado, no anterior a ela.

    O AGI levou os pases territorialistas constatao de que a presenasovitica na Antrtica no poderia mais ser evitada e poderia tornar-sepermanente. Algo deveria ser feito para consolidar suas respectivas posies.Nas palavras de Quigg:

    69 KORSMO, Fae L. Science In the Cold War:The Legacy of the international GeophysicalYear. Trabalho apresentado na International Conference on Science, Technology, and Society.Tquio, 1998. Disponvel em , acesso em 08/10/2004. Vertambm NAUGLE, John E.. First among equals. NASA, 1991. , acesso em 08/10/2004

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    O AGI tornou o Tratado tanto possvel ao estabelecer o precedentepara cooperao e moderao quanto necessrio pois se aatividade na Antrtica fosse continuar indefinidamente, as naestambm envolvidas em uma guerra fria precisavam de regrasbsicas.70

    J em 1955, os EUA estavam declaradamente preocupados com asconsequncias da atividade sovitica no AGI e questionavam se esta teriarealmente carter cientfico.71 A Austrlia era talvez a mais preocupada comas estaes cientficas soviticas na Antrtica: todas em sua rea dereivindicao, a apenas alguns milhares de quilmetros de distncia de seulitoral.

    Formaram-se dois eixos de consultas sobre o tema: de um lado Austrlia,Nova Zelndia e Reino Unido, do outro Argentina e Chile os EUA atuandocomo ponto central dos dois eixos. Fazia-se necessrio unir os pasesterritorialistas do mundo livre, mas havia o temor que qualquer regimeimposto pelo ocidente fosse simplesmente ignorado pela URSS e viesseapenas a piorar a situao. Argentina e Chile mostravam-se muito preocupadoscom a presena sovitica, mas eram os que mantinham a mais intransigenteposio territorialista. Em 1957, o Reino Unido sugeriu a criao de umcondomnio que inclusse a URSS, ao invs da ideia original de um arranjoque exclusse os soviticos da regio. A URSS j havia declarado, em nomeda liberdade de pesquisa, que manteria suas estaes cientficas no continentemesmo aps o trmino do AGI. O argumento britnico era que aps o AGIno seria possvel retirar os soviticos do continente.72 A proposta retomavaos pontos da Declarao de Escudero, mas ia alm ao sugerir uma espciede governo antrtico multinacional, uma organizao que se chamariaAutoridade Internacional Antrtica.

    A primeira reao norte-americana foi negativa. No entanto, a sugestofoi levada adiante e EUA, Reino Unido, Austrlia e Nova Zelndia iniciaramconversaes em Washington, baseadas na proposta britnica. Com a inclusoda ideia de desmilitarizar o continente, a proposta passou a ser aceita, apesardas dvidas do representante norte-americano, Embaixador Paul C. Daniels,

    70 QUIGG, 1983, pp. 154-155.71 TEMPLETON, 2000. p 163.72 TEMPLETON, 2000. pp. 174-180.

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    quanto aceitao fora do Departamento de Estado. Com a desmilitarizao,definida como prioridade, a presena sovitica passava a ser palatvel.73

    At esse momento, a ideia era envolver no regime os 7 pasesreivindicantes, mais EUA e URSS. A aproximao do fim do AGI e da 13AGNU quando a ndia novamente tentaria incluir a Antrtica na pauta daAssembleia, davam maior urgncia questo. No incio de 1958, os EUAmobilizavam-se para usar o AGI como precedente para um regime para aAntrtica a percepo era que esta seria a ltima chance de resolver aquesto de forma satisfatria, antes que a URSS pudesse estabelecer umapresena militar e antes que a AGNU pudesse levar o tema adiante. Umfracasso nas negociaes possibilitaria a concretizao dos temores ocidentaisquanto presena sovitica na regio e havia srias dvidas quanto a umasoluo no mbito da ONU.

    1.5 A Conferncia de Washington e o Tratado da Antrtica

    Em maio, o Presidente Eisenhower enviou aos outros 11 pases queestabeleceram estaes antrticas durante o AGI uma proposta de realizaode uma conferncia em Washington para a criao de um regime internacionalpara a Antrtica.74 A proposta foi amplamente aceita, apesar do temor de umboicote sovitico os EUA estariam dispostos a prosseguir mesmo se aURSS no respondesse ao convite. O convite de Eisenhower expressava aposio norte-americana, retomava os pontos centrais da Declarao deEscudero e continha alguns princpios do que viria a ser o Tratado da Antrtica:

    - no reconhecimento das reivindicaes existentes e reserva dedireitos quanto possibilidade de uma futura reivindicao territorialpor parte dos EUA;

    73 TEMPLETON, 2000. p. 180. A relutncia norte-americana proposta britnica de inclusoda URSS, mesmo aps o incio do AGI, refuta a ideia de um regime orquestrado entre assuperpotncias e imposto aos demais, como sugerem CANNABRAVA, 1982 e GRIECO,Mario. O Sistema do Tratado da Antrtida e o trigsimo aniversrio do Tratado de Washington.XXIII Curso de Altos Estudos. Braslia: IRBr, 1991. Alm disso, como veremos a seguir, aparticipao dos demais pases, em particular Argentina e Chile, na negociao do Tratado foigrande e incompatvel com a ideia de que o Tratado foi um arranjo entre as superpotnciasusando o AGI como fachada.74 Transcrita em COLOMBO, Caio. A questo da Antrtida. Dissertao de mestrado.Orientador: A.A. Canado Trindade. Braslia: UnB, 1987. pp. 15-16.

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    - liberdade de pesquisa cientfica;- uso da regio somente para fins pacficos;- o Tratado no exigiria renncia ou reconhecimento de qualquerreivindicao territorial.

    A conferncia, realizada em outubro de 1959, foi precedida deaproximadamente um ano de trabalhos preparatrios. As reuniespreparatrias foram feitas secretamente, sob a conduo do EmbaixadorPaul C. Daniels, que tambm presidiria a conferncia. Daniels no era umespecialista no tema, mas tinha experincia na Amrica do Sul e conheciabem a disputa entre Reino Unido, Argentina e Chile. Ele lembrado como oeixo central da negociao, com papel determinante na forma conciliatriacom que conduziu os trabalhos preparatrios e a conferncia.75

    Os trabalhos preparatrios culminaram em um rascunho muito parecidocom os pontos propostos no convite de Eisenhower, apesar de algumasresistncias. Mesmo assim, alguns pontos considerados simples, como regrasde acesso e liberdade de pesquisa cientfica, foram amarrados apenas nosltimos momentos. Argentina e Chile deixaram claro que qualquer sugestode internacionalizao do continente ou acesso irrestrito poderia implicar oabandono da conferncia. Nisso eram frequentemente apoiados pela Austrlia.Os demais pases territorialistas pareciam dispostos a amplas concesses nointuito de evitar o mal maior, i.e., uma presena militar sovitica. 76

    Por outro lado, os soviticos insistiam na ausncia de qualquer refernciaa reivindicaes territoriais e desejavam um regime irrestritamente aberto sdemais naes. A ideia de um regime aberto a outros pases comunistas eraintolervel para os norte-americanos. A Nova Zelndia, apesar de ser umdos pases territorialistas, paradoxalmente propunha uma internacionalizaoplena sob as Naes Unidas. A curiosa posio neozelandesa era fruto dasgestes pessoais do chefe da delegao, o Primeiro-Ministro Walter Nash,que tinha um forte apego pessoal ao tema e defendia uma abordagem

    75 BARRA, Oscar Pinochet de la. Recuerdos de la conferencia del tratado antrtico de 1959.Estudios internacionales no 102, Abril-Junio de 1993. Ver tambm QUIGG, 1983, pp. 142-143.76 Para um relato dos trabalhos preparatrios e da Conferncia de Washington, ver documentosAT1958B, AT1959, AT15101959 In BUSH, 1982. v.I. Ver tambm BARRA, 1993 eCOLOMBO, Caio. et al. Anlise Jurdica do Tratado da Antrtida e a aquisio brasileira dostatus jurdico de membro consultivo. Trabalho de concluso do curso de Direito Internacional.Mimeografado. Braslia: IRBr, 1983.

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    internacionalista da questo, mesmo sem apoio unnime em sua terra natal.Reino Unido ainda tentava a criao de uma burocracia internacional comjurisdio sobre o tema.

    Como resultado, o documento assinado em 01 de dezembro de1959 (entrou em vigor em 1961) em Washington um primor dachamada ambiguidade criativa, especialmente o Artigo IV, pedrafundamental do Tratado, que suspende o litigioso territorial antrticoindefinidamente:

    ARTIGO IV

    1. Nada que se contenha no presente Tratado poder ser interpretadocomo:a) renncia, por quaisquer das Partes Contratantes, a direitospreviamente invocados ou a pretenses de soberania territorial naAntrtida;b) renncia ou diminuio, por quaisquer das Partes Contratantes, aqualquer base de reivindicao de soberania territorial na Antrtidaque possa ter, quer como resultado de suas atividades, ou de seusnacionais, na Antrtida, quer por qualquer outra forma;c) prejulgamento da posio de qualquer das Partes Contratantesquanto ao reconhecimento dos direitos ou reivindicaes ou basesde reivindicao de algum outro Estado quanto soberania territorialna Antrtida.2. Nenhum ato ou atividade que tenha lugar, enquanto vigorar opresente Tratado, constituir base para programar, apoiar oucontestar reivindicao sobre soberania territorial na Antrtida, oupara criar direitos de soberania na Antrtida. Nenhuma novareivindicao, ou ampliao de reivindicao existente, relativa soberania territorial na Antrtida ser apresentada enquanto opresente Tratado estiver em vigor.

    Tamanha ambiguidade gerou diversas crticas ao longo dos anos: oTratado seria uma no soluo questo territorial, contm dispositivosambguos e pontos importantes em aberto (como o tema da jurisdio,por exemplo) e no prev providncias para a explorao de recursosnaturais.

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    No entanto, como bem apontou Joyner, essas crticas partem do pressupostoque a questo territorial pode ser resolvida satisfatoriamente.77 A possibilidade deexplorao de recursos naturais estava presente nas mentes de todos na conferncia,mas qualquer referncia a esse tema necessariamente levantaria novamente oimbrglio territorial.

    As alternativas ao Tratado seriam uma organizao com traos supranacionaisou a ausncia de um regime, ambas obviamente indesejadas pelos pasesparticipantes, conforme visto acima. O Artigo IV um bom exemplo de que possvel desenvolver um contrato a partir de uma pequena zona de mtuo acordo,ainda que essa zona seja limitada a concordar em discordar. Apesar de estarlonge de ser um instrumento jurdico perfeito, o Tratado provou sua efetividade elegitimidade ao longo de seus 50 anos de existncia, como mecanismo adequadopara abrigar uma srie de regimes mais especficos sobre diferentes temas.

    1.6 As disposies do Tratado da Antrtica

    O prembulo do Tratado reconhece os avanos cientficos do AGI, aconcordncia com os princpios da Carta das Naes Unidas e a importnciada Antrtica para toda a humanidade, devendo ficar livre para sempre dadiscrdia internacional no estabelece, portanto, um prazo de validade parao acordo. Os catorze artigos restantes versam sobre os seguintes temas: modusvivendi para reivindicaes territoriais e jurisdio (artigos IV, VI, VIII eXI); uso pacfico do continente (artigos I, V e X); promoo de pesquisacientfica (artigos II e III); inspees (artigo VII); questes institucionais eprocesso de tomada de deciso (artigos IX, XII, XIII e XIV)78.

    A norma mais importante o modus vivendi estabelecido pelo artigo IV. Ostatus quo das reivindicaes territoriais foi mantido, mas no reconhecido.79 Nadano mbito do Tratado pode ser considerado como renncia, reconhecimento,reforo, ampliao ou reduo das reivindicaes territoriais existentes ou de eventuaisfundamentos para futuras reivindicaes. o Artigo IV que possibilitou a existnciade uma zona de contrato entre pases com interesses to dspares e que sustentatodo o aparato jurdico institucional existente at hoje sob o Tratado.

    77 JOYNER, 1998, p. 58.78 Ver Anexo B para texto integral do Tratado. Para anlises jurdicas artigo por artigo, verCOLOMBO, 1987 e BUSH, 1982, v.1, pp. 51-108.79 Dizer que o Tratado congela as reivindicaes territoriais impreciso, o Artigo IV uma viadupla: no reconhece, mas tampouco nega a existncia de reivindicaes.

  • FELIPE RODRIGUES GOMES FERREIRA

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    O instrumento aplica-se ao sul do paralelo 60oS de latitude, semprejuzo s normas de direito martimo (artigo VI). A referncia geogrfica ampla o suficiente para evitar discusses bizantinas quanto aplicaodo Tratado nas plataformas, banquisas de gelo ou em icebergs. Dentrodessa rea, indivduos esto sob a jurisdio da parte contratante desua nacionalidade (artigo VIII). A questo da jurisdio provou ser umadas mais difceis, uma vez que est intimamente ligada questo dasoberania no continente. Optou-se por uma frmula que permite soluesad hoc no caso de conflito de jurisdio: em princpio as Partescontratantes tm jurisdio sobre seus nacionais, mas se o fato jurdicoocorrer em uma rea reivindicada, o pas reivindicante tambm podedemandar jurisdio. Caso o indivduo no seja nacional de uma partecontratante ou ainda se houver conflito de j