transformações psicologicas no pai

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  • 8/7/2019 Transformaes psicologicas no pai

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    Lyla Pereira Lobato Campos

    Psicloga pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e MBA emGesto de Pessoas e Negcios pela UFJF, consultora de PsicologiaOrganizacional, Recursos Humanos e Docncia.

    Fazenda Cachoeira, Caixa Postal 234, Bairro Monte MrioBarbacena - Minas Gerais - 36.200-000Telefones: (32) 3331-3957 / (32) [email protected]

    ResumoResumoResumoResumoResumo

    O Complexo de dipo, o conjunto organizado de desejos que acriana nutre pelos pais, desempenha papel fundamental naestruturao da personalidade. Por isso, pode ser que ossentimentos suscitados nesse estgio, que por volta dos cincoanos se tornam latentes, ou seja, adormecidos no inconsciente,sejam revividos em qualquer momento cujo contexto se assemelheao referido perodo. Assim, a gravidez pode ser considerada umasituao, pois o corpo e a postura que a mulher adota nessa fasedespertam no homem que assume a paternidade, sentimentos deexcluso e de inveja. Como forma de exprimi-los, o pai apresentasensaes semelhantes aos da companheira, o que,psicologicamente, denomina-se Sndrome de Couvade. Este artigoconfirma essa predio, ao afirmar que a gravidez desperta nopai sentimentos latentes do Complexo de dipo e o corpo usado regressivamente para manifestar antigos conflitos.

    Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave

    Complexo de dipo; gravidez; inconsciente; personalidade;Sndrome de Couvade.

    Mental - ano IV - n. 7 - Barbacena - nov. 2006 - p. 147-160

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    A personalidade do ser humano comea a ser estruturada nos primeirosanos de sua existncia. O processo que desencadeia o crescimento da vidapsquica se d, inicialmente, com a extrema dependncia do beb por sua me,o que estabelece uma relao dual, simbitica, em que cada um tem o outropara si como falo e objeto de satisfao. Porm, medida que o tempo passa eocorre o amadurecimento fsico e psicolgico, o mundo de relaes da crianase amplia at o momento de incluir o pai em seu campo de influncia.

    Comea-se, nesse ponto, outra etapa o Complexo de dipo marcada

    pela entrada do pai na relao que se transforma na trade pai me beb.A nova relao suscita sentimentos de excluso e inveja no menino, porqueeste toma sua amada para si, negligenciando, muitas vezes, o pai em uma rela-o que se identifica como de homem e mulher. Dentro desse contexto, des-tacam-se dois momentos: o Complexo de Castrao e a Cena Primria.

    na fase do Complexo de Castrao que o menino descobre a diferenaanatmica entre os sexos e, conseqentemente, faz duas associaes: a me desprovida de pnis (que aqui no entendido como rgo biolgico, mascomo smbolo de poder) e, por esse motivo, procura o pai que possui o falo e

    pode satisfaz-la: Ele percebe que seu pnis de menino pequeno e, embora ouse para reconquistar a me, sente medo de perd-lo mediante a ameaa decastrao efetuada por aquele que barra seu caminho at sua amada. o momentono qual se destaca a inveja, dado que o rapazinho nutre tal sentimento poraquele que possui o que ele no tem: a me e o poder do pnis.

    J em relao Cena Primria, o sentimento que se destaca o de excluso,visto que a criana sente-se negligenciada da relao do casal a partir do mo-mento em que ela observa ou fantasia a cena da relao sexual dos pais.

    Toda essa vivncia e os sentimentos dela suscitados tornam-se inconsci-entes quando a criana entra no perodo de latncia, que coincide com aentrada na fase escolar.

    Na sucesso desse perodo, a pr-adolescncia, a puberdade e o incioda vida adulta do continuidade ao processo evolutivo fsico e psicolgicodo ser humano, que passa por vrias transformaes. Cada um desses pro-cessos pode implicar escolhas diferentes que geram novas sensaes e,assim, despertar os sentimentos vividos na infncia e que permaneceram ador-mecidos no inconsciente.

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    Uma dessas escolhas a unio conjugal, em que o sujeito revive seu passado,ou seja, tanto o homem quanto a mulher procuram seu parceiro baseando-se,inconscientemente, em seus pais na poca do Complexo de dipo.

    A partir dessa unio pode surgir o desejo por um filho. No momento emque tal desejo concretizado, o homem, que assume o papel de pai, reage sua nova condio e postura da esposa, reativando do estado de latnciaos sentimentos de inveja e de excluso da relao vivida com seus pais napoca do Complexo de dipo.

    importante ressaltar que o impacto, as vivncias e as repercusses dagravidez so, naturalmente, bastante diferentes na mulher e no homem.Embora a contribuio de um e de outro seja idntica, a mulher que vaisentir o filho crescer dentro de si, dar luz e amament-lo. Portanto, apesarde os diferentes graus de envolvimento, a gravidez tem repercusses muitoimportantes no relacionamento homem mulher, a ponto de se poder falarem termos de casal grvido (MALDONADO, 1997).

    O relacionamento homem mulher o primeiro ponto de ateno paraa anlise dos sentimentos de excluso e de inveja suscitados no homemquando assume o papel de pai. Quando o casal se une em uma relao dual,tornam-se objetos de desejo um do outro e, logo, abastecem-se em um encon-

    tro afetivo e ertico. Quando decidem por um filho, assumem a gravidez emsentidos conscientes, ou seja, a barriga crescer, a gestante ter desejos dealimentos incomuns, o beb nascer, ter determinadas caractersticas etc. Nosabem, no entanto, da transformao psquica que atinge a cada um deles demaneiras diferentes e peculiares.

    Quando Nunes (2000, p. 157), a partir da passagem de Freud, ressalta apostura assumida pela mulher, no momento em que o corpo comea a ad-quirir o aspecto da gravidez, considera dois sentimentos do pai: o de exclu-so e o de inveja.

    O sentimento de excluso aparecea priori,quando o narcisismo da mulhermodifica gradualmente a imagem que tem de si prpria e a faz voltar-se to-talmente para seu estado de completude e para seu beb. Assim, o homemsente que sua esposa volta toda a ateno, que julga ter sido usurpada dele, paraesse novo membro que parece pertencer somente a ela. O homem percebe asi mesmo como algum negligenciado da nova relao estabelecida.

    Ao se deparar com tais prerrogativas da esposa grvida, o parceiro mas-culino acha-se tambm perdido e luta para estabelecer sua prpria contri-

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    buio pois, atravs dos tempos, na maioria das sociedades, a mulher tem sidodefinida, fundamentalmente, por seu papel procriativo e maternal, enquanto ohomem passou a ter que criar identidades masculinas, em contra-identificaocom a maternidade feminina (MALDONADO, 1997). Alm disso, perceptvelque, mesmo ao dormir, o corpo de sua esposa garante o crescimento da crian-a, enquanto, mais uma vez, o pai tem que trabalhar para manter contatos eencontrar seu lugar na esfera produtiva de onde parece ter sido excludo porno poder participar diretamente do contato com o filho que est sendo gestado(RAPHAEL- LEFF, 1997).

    Ainda voltado para o mesmo parmetro, Raphael- Leff (1997, p. 61)reafirma que, ao contrrio da grvida, que carrega uma visvel protuberncia,o pai expectador pode se sentir, e, muitas vezes, , deixado de fora eignorado tambm pelos amigos e profissionais da sade.

    Portanto, o sentimento de excluso no se localiza somente na situaodo homem-pai voltado para o corpo e estado grvidos da companheira,mas tambm na prpria sociedade, que parece se importar somente comaquela que revela seu corpo com a nova esttica.

    Outra situao de destaque a sexualidade da gestante. A gravidez alteraa experincia interna da sexualidade da mulher, pois suas reaes espontne-

    as so modeladas por sensaes corporais e experincias hormonais incomuns,bem como sua experincia psquica da gravidez. O corpo da gestante no mais somente dela. A gestante mais do que a soma dela mesma. No maisum ser nico, unitrio: ela contm uma parte, em crescimento, de seu compa-nheiro, enquanto ele permanece fisicamente indivisvel e separado, como o foidesde o nascimento. Fisiologicamente e psicologicamente, ele imutvel, en-quanto nela, influncias da gravidez afetam todas as esferas de sua experinciacorporal e psquica (RAPHAEL- LEFF, 1997).

    Em suma, a gravidez faz com que a mulher canalize grande parte desua ateno e de sua energia para seu mundo interior, de modo que asnovas sensaes fsicas e emocionais que emergem desse contexto pas-sam a reger seu comportamento e pensamento. Do modo em que seencontra, incorporada e maravilhosamente cheia, sua sintonia deixade ser com o marido e passa a ser com o feto e, assim, pode ocorrer adiminuio do desejo sexual, que tem razes na separao que se faz entrematernidade e sexo (MALDONADO, 1997).

    A passagem abaixo exemplifica muito bem essa questo:

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    Jacob mal notado agora. Gabriela, quatorze semanas de gravidez,refestela-se confortavelmente no div, segurando a barriga. Sinto

    pena dele. extraordinrio ser capaz de ter um filho, o fenmenomais privilegiado. Com isso, minha libido, simplesmente, foi-se.Estou completamente desinteressada por sexo. Realmente, noquero nada, nada de fora. Sinto-me fisicamente satisfeita, como seo beb tivesse calado uma profunda necessidade fsica. Ele, o Jacob, muito paciente, mas precisa ser satisfeito e sente-se excludo.(RAPHAEL- LEFF, 1997, p. 78).

    Nessa nova condio, a mulher no sente vontade sexual e, mais umavez, Raphael- Leff (1997) cita a forma com que o homem se percebe rejei-

    tado e excludo: Agora ela est grvida, descartou-me sexualmente. s ve-zes, eu me sinto como o macho da aranha, que devorado aps a fertiliza-o (RAPHAEL- LEFF, 1997, p. 44).

    O homem, ento, quando assume o papel de pai e se v diante do corpoe do estado grvidos de sua companheira, percebe todas as alteraes fsicase psicolgicas da gestante e tambm sofre com as mudanas, pois conluiosemocionais ocorrem em todos os relacionamentos ntimos; neles, os parceiros,cada qual a partir de sua histria individual, so inconscientemente induzidos arepresentar cenas de seu mundo interior, que se assemelham s sensaes e aos

    sentimentos experenciados durante a gravidez.O homem que assume a paternidade viver, portanto, tais sensaes, deacordo com seu mundo interior. A partir de toda essa experincia do perodogestacional, o sentimento de excluso vivido dessa forma pelo pai. Talsentimento retomado da poca do Complexo de dipo, dado que o serhumano tende a expressar seus interesses presentes, que se assemelhem comreminiscncias e smbolos do passado remoto, despertando tudo aquilo quefoi recalcado, mas que permanecia latente no inconsciente (SOIFER, 1992).

    Para alguns homens, a reviso de seu passado, durante o perodo de gravi-dez de suas companheiras, pode provocar uma reavaliao de questes interi-ores, o que resulta em recombinaes da prpria personalidade. Evidentemen-te, esse novo estado da companheira reativa no homem a problemtica in-consciente relacionada com a figura feminina e, nos casos em que o conflito dapoca do Complexo de dipo no tenha sido adequadamente resolvido, pode,ainda, reatualizar antigas situaes infantis.

    Ao rever, sumariamente, essa etapa do desenvolvimento psquico doindivduo, tem-se que o beb vive em relao de dependncia dual com sua

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    me, na qual ambos so objeto de desejo do outro e colocam-se como poderosos,completos, flicos. Aps o desenvolvimento fsico e psquico, o beb passa aperceber o pai como algum que pertence ao seu ciclo vivencial e, ao mesmotempo, como componente da trade pai me beb. Com isso, a me volta-separa o pai, que vem barrar o caminho de incestuosidade do filho em direo suaamada e, assim, o filho se sente, muitas vezes, negligenciado a partir de vriassituaes que presencia, principalmente, das experincias adquiridas com a CenaPrimria (KUSNETZOFF, 1982).

    Na gravidez parece ocorrer situao semelhante, responsvel por fazer opai reviver toda essa etapa. Em uma fase anterior, havia somente o casal homem e mulher que vivia em uma relao simbitica e de auto-satisfa-o. Posteriormente, decidem por um terceiro que comea a se fazer forte-mente presente quando a barriga da gestante comea a crescer. Em conse-qncia, h a transformao psquica da me. O beb passa a ser o interditorda relao pai / me (esposo e esposa), pois propicia que sua geradora sesinta to completa que dispensa a presena daquele que a satisfazia sexual-mente. Desta forma, o companheiro da mulher grvida percebe que est dolado de fora dessa relao. Ele se encontra duplamente excludo: pela esposaflica poderosa, que se dedica totalmente ao beb, e pela sociedade que

    dispensa toda a ateno para essa mulher (SOIFER, 1992).Constata-se que aquilo que fora preservado na memria inconsciente,por causa do recalque, necessrio para a entrada do sujeito no perodo dalatncia, pode ser revivido em qualquer situao ao longo da vida. No casoem questo, a situao revivida quando o marido se defronta com a gra-videz da esposa. Isso, no entanto, s possvel porque este evento adqui-riu importncia relevante e semelhante experincias vividas na poca doComplexo de dipo.

    No somente o sentimento de excluso que faz com que esse homem,que assume a paternidade, reviva esse conflito edpico, mas tambm a invejada condio feminina de assumir o papel procriativo e maternal que lhe atribudo atravs da histria da humanidade (MALDONADO, 1997).

    Raphael-Leff (1997) revela no ser incomum a inveja do homem pela capa-cidade da mulher criar seu filho. Para fazer a afirmao, toma, como referncia, asdescries de Freud que dizem respeito ao primitivo desejo do jovem de ter umfilho ao se identificar com sua me, bem como ao desejo de ter nascido de seupai, para ser sexualmente satisfeito por ele e para presente-lo com uma criana.

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    Isso culmina numa fantasia de penetrar no tero da me, a fim de substitu-la,durante o coito, com o pai. Durante a gravidez de sua companheira, mais umavez, perturbadoras fantasias infantis, da poca do Complexo de dipo, e a pro-funda inveja tanto de suas capacidades como da criana no ventre da gestantepodem reaparecer no homem.

    A anlise da inveja do homem-pai no se restringe somente a essengulo. Maldonado (1997) pontua que a funo maternal e, principalmente,procriativa da mulher lhe d garantia de sobrevida angstia de morte, ouseja, ela pode protagonizar com a gravidez o nascimento que se ope morte, enquanto o homem se sente inferior devido sua infertilidade, con-siderada por ele como vulnerabilidade, impotncia e risco de morte.

    A mesma autora ainda lembra que, no perodo que antecede o Complexode dipo, o menino passa pelo processo de descoberta da diferena anatmicaentre os sexos que, at ento, durante a relao dual com a me, tinha aprevalncia do masculino, ou melhor, a criana atribua a todos os seres huma-nos a presena do pnis. Com o amadurecimento psquico, passa a notar queh algo diferente, ou seja, ele possui algo que a menina no tem e, mais tarde,tambm reconhece a ausncia do pnis na me. Juntamente a essa descoberta,h a entrada de um terceiro na relao me / beb, o pai, cuja presena forma

    uma trade que vai promover uma srie de transformaes. Uma delas apercepo de que o pai lhe barra o caminho de satisfao sexual com a me, eesta, por sua vez, procura o pai que possui o pnis, que no se trata somente dorgo biolgico, mas o falo, aquilo que dotado de poder.

    A criana, inconscientemente, tem para si que perdeu sua amada paraalgum onipotente e poderoso e, assim, inveja-o por possuir o falo queno tem e pelo privilgio exclusivo de seu pai de fazer amor e bebs, poisseu pnis de menino pequeno, impotente o que bastante angustiante,vulnervel. Vulnervel porque, mesmo sabendo que a me prefere o pai, orapazinho ainda tenta reconquist-la, correndo o risco da ameaa de cas-trao por parte de seu rival (MALDONADO, 1997).

    Tais experincias psquicas, ocorridas na etapa da construo da perso-nalidade do sujeito, permitindo o surgimento das sensaes de excluso e deinveja, so vivenciados, originalmente, como pertencentes ao mundo externo.Mas para que ocorra o desenvolvimento psicolgico do ser humano, acabamtornando-se parte integrante de seu mundo interno. Quando algum estmulo,que neste caso o corpo e o estado de gravidez da mulher, faz-se semelhante

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    ao dos vividos na poca do Complexo de dipo, percebe-se, segundo McDougall(1996), que tais experincias, por estarem enxertadas no indivduo, podemser revividas, como acontece com aquele que assume a paternidade.

    Assim, o inconsciente, que primitivo e arcaico, reflete os sentimentossuscitados na infncia, que estavam latentes. No entanto, o homem queassume o papel de pai e est diante da companheira grvida no ir secomportar da mesma forma que quando era criana, pois a razo da menteconsciente altera todas as regras de lgica, no se exprimindo, portanto, empalavras racionais ou pensamentos, e sim em imagens, fantasiais ou pormeio da linguagem fisiolgica (HOWARDet al , 1984).

    Esse ltimo processo est relacionado aos sentimentos de excluso e in-veja revividos pelo pai, pois tem o objetivo de aliviar a tenso imposta pelosconflitos e sensaes que estavam latentes no inconsciente. linguagemfisiolgica d-se, ento, o nome de psicossomtica que, teoricamente, carac-teriza-se como perturbaes psicognicas, ou seja, aquelas em que o estadoemocional desempenha um papel direto no desencadeamento de uma sensa-o corprea. Trata-se no s de uma forma de simbolismo, como tambmde um esforo para solucionar o conflito edipiano (HOWARDet al , 1984).

    Soifer (1992, p. 33) reafirma a questo, ao pontuar que a gravidez des-

    perta no pai sentimentos latentes do Complexo de dipo, e o corpo usadoregressivamente para manifestar esses antigos conflitos atravs da patologiapsicossomtica denominada Sndrome de Couvade.

    A terminologia Sndrome de Couvade, de acordo com Hilrio (2002, p.1)1, no significa, a rigor, uma patologia. Usa-se tal termo por se tratar de umconjunto de sintomas que se manifestam com mais freqncia nas mulheres,mas que tambm pode aparecer nos homens durante a gestao de suascompanheiras. Por outro lado, segundo o mesmo autor, Couvade um termofrancs que designa o costume difundido entre os indgenas da Amrica doSul e das tribos da costa ocidental da frica, segundo o qual o pai, aps suacompanheira dar a luz, no pode trabalhar nem comer certos alimentos noperodo conhecido como resguardo. Entre aquela populao, era costume omarido receber todas as atenes depois do parto. Era ele que ocupava arede que deveria servir mulher nos dias seguintes ao nascimento da criana,enquanto a me, depois de se lavar com o filho, retomava a lida habitual. Era,pois, o homem quem recebia as visitas e os presentes que os familiares e1http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm

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    amigos ofereciam para festejar o nascimento da criana.Esse hbito tambm foi difundido na poca de Freud, quando ele pr-

    prio exps:[...] a teoria da couvade que, como se sabe, um costumegeneralizado entre alguns povos, tem como finalidade provavelmentedesfazer as dvidas quanto paternidade, que nunca podem sertotalmente afastadas. O homem costumava permanecer em casapor vrios dias aps os partos de sua mulher, recebendo os visitantesde roupo, fato que leva concluso de que tanto o pai quanto ame participavam do nascimento da criana e precisavam repousar(1976, v. VIX, p. 226).

    Atualmente, essas duas terminologias foram reunidas pela Psicologia, que achama de Sndrome de Couvade e se refere gravidez psicolgica dos ho-mens; na mulher considerada uma doena, denominada pela Medicina comopseudociese (HILRIO, 2002, p. 1)2.

    No foram somente os dados acima que geraram o nome e a pesquisa daSndrome, mas os estudos da histria da evoluo da humanidade, mais especifi-camente, das posies sociais ocupadas por homens e mulheres. H poucasdcadas, a idia machista de que a mulher servia para procriao e o homem erao chefe da famlia, distante, sempre ocupado e responsvel pelo seu sustento,vem sendo reestruturada. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ospapis ficaram mais divididos e muitos homens seguem a teoria de que nobasta ser pai, tem que engravidar (SOIFER, 1992).

    Embora a cincia ainda no tenha evoludo o suficiente para possibilitar agerao de bebs em homens, alguns pais chegam a engordar, a enjoar e asentir desejos durante a gestao, como as futuras mes (RAPHAEL-LEFF, 1997).

    Hilrio (2002, p. 1)3 expe uma passagem que ilustra bem esse fato:A pequena M., nascida h 25 dias, s foi gerada no ventre da me porque

    o pai no conseguiu subverter a ordem natural da evoluo humana.Durante a gerao da primognita, o veterinrio A., 32 anos, reescreveu ovelho slogan de propaganda de pomada: No basta ser pai, tem queengravidar. Do mesmo jeito que a mulher, a tambm veterinria V., 27,ele enjoou e sentiu desejos. Levou ao p da letra o conselho dos especialistase foi exemplo de carinho e ateno com a esposa.

    Tais sintomas tm para McDougall (1984) uma explicao na psicossomtica,2http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm3http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO 20020728/vid mat 280702 69.htm

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    que considera a mente e o corpo como partes integrantes do ser humano comoum todo e, portanto, inseparveis. Existe um processo nico em marcha dentro doorganismo, e impossvel que uma parte se altere sem que as demais no soframmudanas. Qualquer resposta mental, seja ela reao emocional ou atividade inte-lectual, parte de um processo fsico. Analogamente, todo estado fsico seja debem-estar ou de padecimento possui componentes emocionais. As emoesso capazes de alterar o equilbrio endcrino, o fluxo sangneo e a presso, inibiros processos digestivos, alterar a respirao e a temperatura da pele.

    Por isso, Maldonado (1997) afirma que o aumento significativo do apetite edo peso, as nuseas e os vmitos, as dores estomacais e dentais, a sonolncia,as prises de ventre e as palpitaes so sintomas expressos por meio docorpo para manifestar conflitos vividos na poca do Complexo de dipo, sus-citados no pai durante a gravidez.

    Lembra Raphael-Leff (1997, p. 57) que a Sndrome de Couvade maiscomum do que se pensa. Pesquisas indicam que a metade da populao defuturos pais desenvolve alguns sintomas relativos gravidez durante o cur-so da gestao. Diversos estudos confirmaram a preponderncia de obses-ses hipocondracas entre futuros pais; tais reaes podem ser uma formade transferir, inconscientemente, o foco das atenes para seus prprios

    corpos e se tornarem mais suscetveis a doenas como gripe e viroses.O mesmo autor lembra que, em geral, a Sndrome no costuma causardistrbios psquicos, sendo aconselhvel procurar um especialista somentequando a situao foge de controle e passa a incomodar o casal e as pesso-as prximas. Raphael-Leff cita, ainda, a vontade que os homens tm de gerarfilhos e o fato de serem poucos os que reconhecem essa questo. Os sinto-mas tambm demonstram a necessidade que muitos homens tm de setornarem pais. A ansiedade, aliada a uma forte ligao afetiva e emocionalcom a mulher, acaba por transferir para o marido uma srie de sensaesque costumam se manifestar somente na figura feminina. Mas perfeita-mente possvel e normal que acontea em homens.

    A partir desse levantamento, possvel constatar que a experincia ad-quirida durante o processo de estruturao da personalidade do ser huma-no constitui-se em um complexo conjunto de sensaes e afetos que per-manecem adormecidos no inconsciente do indivduo at que uma situa-o semelhante do perodo da infncia propicie a retomada de todos ossentimentos que ficaram marcados para o sujeito.

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    Em outras palavras, fica claro, ao longo deste artigo, a importncia dodesenvolvimento psicolgico e a forma com que a rede de relacionamentosdo ser humano, em suas diversas situaes dual, tridica e momento degravidez podem retomar, a todo instante, aquilo que ficou marcado comoelemento constituinte da vida psquica.

    No estudo, levanta-se tambm o quanto importante que o profissionalda sade, especialmente o psiclogo, se volte para o casal grvido possibi-litando a troca das experincias, comportamentos e sentimentos de cadaum dos parceiros nessa nova relao. Dessa forma, torna-se possvel traba-lhar com os contedos psicolgicos, latentes ou no, do pai e da me e enri-quecer, ainda mais, o estado de gravidez que pertence no s mulher, comotambm ao homem que assume a paternidade.

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    As repercusses psicolgicas da gravidez no pai

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    Artigo recebido em: 1/5/2006Aprovado para publicao em: 6/9/2006

    The phsychological fathersThe phsychological fathersThe phsychological fathersThe phsychological fathersThe phsychological fathers

    pregnancy repercussionpregnancy repercussionpregnancy repercussionpregnancy repercussionpregnancy repercussionAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

    Complex ofEdipo is an organized set of desires that the child nourishesfor the parents. It plays a basic role in the personalitys development. Thefeelings that come out during this period, that remains latent, or eitherasleep in the unconscious, when the person is five years old, becomesalive again at any moment whose situation is similar to this cited period.Thus, the pregnancy can be considered a situation, therefore the bodyand the behavior that the woman adopts in this phase raises in the manwho assumes the paternity, the feelings of exclusion and envie. As a formto show them, the father feels similar sensations of his woman.Psychologycally, this phenomenum is called Complex of Couvade. This articleconfirms this prediction, when afirms that the pregnancy in the fatherraises the Complex ofdipo feelings and his body is used regressively toreveal old conflicts.

    Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsComplex ofEdipo ; pregnancy; unconscious; personality; Complex ofCouvade.

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    Lyla Pereira Lobato Campos