trabalho sobre o eca

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3 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise acerca de temas previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com enfoque na perspectiva penal de tal dispositivo. A partir disso, buscou-se a determinação de conceitos fundamentais para embasar a defesa de assuntos polêmicos e relevantes para o ordenamento jurídico como um todo e, mais diretamente, para a aplicação social do estatuto. Ademais, foram expostas diversas decisões de tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) e a crítica a posicionamentos doutrinários sob a luz Constitucional, ressaltando-se princípios penais de garantia. 2 HISTÓRICO Para legislar acerca das questões mais emblemáticas a respeito de crianças e adolescentes, foi promulgado em 1927 o Código de Menores. Dentro do contexto social da época, a lei consagrou a doutrina da “situação irregular”, que instituiu ao Juiz a função de tomar as decisões quanto ao destino do adolescente autor de atos infracionais; nessa concepção, o entendimento predominante era o recolhimento desses menores com a finalidade de proteger a sociedade. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a doutrina da “proteção integral” passou a vigorar, referindo-se à criança e ao adolescente como sujeitos de direitos, ressalvando que há direitos a se respeitar e que toda a sociedade pais, responsáveis e Poder Público deve zelar por eles. O Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta a nova doutrina, como podemos observar: Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Resultado de duas ementas populares, com o peso de mais de um milhão de assinaturas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei complementar nº 8.069/90, substituiu o Código de Menores de 1979. Em sua elaboração, trabalharam juristas e pessoas de diversas instituições espalhadas por todo o país.

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Trabalho para a disciplina Penal IV sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

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    1 INTRODUO

    O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma anlise acerca de temas

    previstos no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), com enfoque na perspectiva penal

    de tal dispositivo. A partir disso, buscou-se a determinao de conceitos fundamentais para

    embasar a defesa de assuntos polmicos e relevantes para o ordenamento jurdico como um

    todo e, mais diretamente, para a aplicao social do estatuto. Ademais, foram expostas diversas

    decises de tribunais, como o Superior Tribunal de Justia (STJ) e o Supremo Tribunal Federal

    (STF) e a crtica a posicionamentos doutrinrios sob a luz Constitucional, ressaltando-se

    princpios penais de garantia.

    2 HISTRICO

    Para legislar acerca das questes mais emblemticas a respeito de crianas e

    adolescentes, foi promulgado em 1927 o Cdigo de Menores. Dentro do contexto social da

    poca, a lei consagrou a doutrina da situao irregular, que instituiu ao Juiz a funo de tomar

    as decises quanto ao destino do adolescente autor de atos infracionais; nessa concepo, o

    entendimento predominante era o recolhimento desses menores com a finalidade de proteger a

    sociedade.

    Com o advento da Constituio Federal de 1988, a doutrina da proteo integral

    passou a vigorar, referindo-se criana e ao adolescente como sujeitos de direitos, ressalvando

    que h direitos a se respeitar e que toda a sociedade pais, responsveis e Poder Pblico deve

    zelar por eles. O Estatuto da Criana e do Adolescente regulamenta a nova doutrina, como

    podemos observar:

    Art. 5 - Nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de

    negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso,

    punido na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso, aos seus

    direitos fundamentais.

    Resultado de duas ementas populares, com o peso de mais de um milho de

    assinaturas, o Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei complementar n 8.069/90, substituiu

    o Cdigo de Menores de 1979. Em sua elaborao, trabalharam juristas e pessoas de diversas

    instituies espalhadas por todo o pas.

  • 4

    Optou-se por Estatuto ao invs de Cdigo, pois, segundo Plcido e Silva, Cdigo

    traz consigo a ideia de uma coleo de leis e Estatuto a de uma lei especial de uma coletividade

    ou corporao.

    3 TERMINOLOGIA E A PROTEO CRIANA E AO ADOLESCENTE

    A linguagem jurdica utilizada pelo Estatuto peculiar e diversa daquela contida

    nas Leis penais, justamente por apresentar um tratamento distinto do menor infrator em relao

    aos adultos que cometeram crimes.

    Porm, com uma breve anlise do Estatuto, podemos perceber que no so

    empregados apenas esses conceitos. Certos termos, apesar de similares aos comumente

    estabelecidos em Leis Penais, so apresentados com tratamento distinto. Dessa forma,

    dispositivos trazem garantias contidas na Constituio quando se trata do preso, mas com

    redao que se adapta s peculiaridades do regime jurdico do adolescente.

    No podemos falar, por exemplo, em flagrante delito ao menor, mas sim em

    flagrante de ato infracional, conforme estabelecido pelo art. 106: "Nenhum adolescente ser

    privado de sua liberdade seno em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e

    fundamentada da autoridade judiciria competente" (grifo nosso).

    Seguindo esse mesmo posicionamento, no podemos falar em imputao de crime

    ao adolescente, uma vez que, nesse caso, atribuda caracterstica de ato infracional conduta,

    no podendo o adolescente ser preso, mas apreendido; um adolescente no cumpre pena e sim

    medida socioeducativa. Quanto priso provisria, o termo correto seria internao provisria.

    Alm disso, a denncia chamada de representao, assim como o Ru chamado de

    representado. Constata-se que a terminologia presente no ECA tende a ser mais polida e leve

    em comparao ao comumente atribudo. Essa diferenciao existe at mesmo quanto ao

    interrogatrio, que chamado de audincia de apresentao.

    Percebe-se que, visando cumprir seu objetivo de proteger, assegurar e regulamentar

    os direitos das crianas e dos adolescentes inspirada pelas diretrizes fornecidas pela

    Constituio Federal de 1988, observou-se com cuidado os termos que seriam aplicados aos

    menores, a fim de haver um tratamento menos prejudicial e traumtico, mesmo em aes

    punitivas e coercitivas.

  • 5

    4 CONCEITO DE CRIANA E ADOLESCENTE

    Para estabelecer seu limite de proteo, o Estatuto conceituou, atravs de um

    critrio cronolgico, em seu artigo 2 que ser considerada criana a pessoa com at doze anos

    incompletos e ser considerado adolescente aquele que possui doze anos completos e dezoito

    anos incompletos. Ao completar dezoito anos, a pessoa alcana a maioridade civil (art. 5 do

    Cdigo Civil). Contudo, o pargrafo nico do j referido artigo permite a aplicao do Estatuto

    de maneira excepcional aos indivduos entre a faixa etria dos dezoito aos vinte e um anos.

    4.1 O pargrafo nico do artigo 2 no ordenamento jurdico posio do STJ

    Quando o Estatuto da Criana e do Adolescente foi promulgado (1990), estava em

    vigor o Cdigo Civil de 1916, que determinava que a maioridade era alcanada aos vinte e um

    anos (art. 9 do Cdigo Civil de 1916). Entretanto, com o Cdigo Civil de 2002, ocorreu a

    reduo da maioridade para 18 anos, o que leva dvida quanto tcita revogao do pargrafo

    nico. O Superior Tribunal de Justia se posicionou em relao ao assunto conforme a seguinte

    citao:

    [...] a nova disposio do Cdigo Civil, quanto maioridade, no derrogou a

    previso do Estatuto da Criana e do Adolescente que autoriza o cumprimento

    de medida scio-educativa alm dos dezoito anos de idade, ex vi do art. 121,

    5, restando inabalvel a concepo de que o importante o fato ocorrer no

    transcurso da inimputabilidade. 1

    vista disso, podemos observar que o pargrafo nico do artigo 2 do Estatuto da

    Criana e do Adolescente plenamente vlido e continua em vigor, de forma que mesmo aquele

    que j completou dezoito anos ainda esteja sujeito imposio de medidas socioeducativas e

    de proteo, cessando apenas quando a pessoa completa vinte e um anos, conforme o art. 121,

    5 do Estatuto.

    1 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas corpus 39201 RJ 2004/0154057-0. Publicado no DJ 01-02-

    2005 p. 591. Disponvel em . Acesso em 30 de maio de 2015.

  • 6

    5 DIREITOS FUNDAMENTAIS

    O Estatuto em anlise assegura s crianas e adolescentes Direitos Fundamentais

    vida e sade (arts. 7 a 14), liberdade, ao respeito e dignidade (arts. 15 a 18), convivncia

    familiar e comunitria (arts. 19 a 52-D), educao, cultura, ao esporte e ao lazer (arts. 53 a

    59), profissionalizao e proteo no trabalho (arts. 60 a 69).

    Tendo em vista a interpretao jurisprudencial de alguns tpicos controversos

    acerca desses direitos fundamentais, vamos elenc-los a seguir.

    5.1 Perda ou suspenso do poder familiar e o pedido implcito de destituio

    do poder familiar posio do STJ

    As hipteses que autorizam a perda ou suspenso do poder familiar vo alm das

    enumeradas no Estatuto da Criana e do Adolescente, conforme disposto em seu artigo 24.

    Alm disso, tal procedimento deve obedecer aos princpios constitucionais do direito

    processual, como o devido processo legal, o contraditrio e a ampla defesa. Contudo, diante de

    uma situao de risco para o menor, o Conselho Tutelar pode tomar atitudes cautelares de

    proteo.

    O Ministrio Pblico o rgo responsvel por propor o processo de perda ou

    suspenso do poder familiar. Essa demanda pode ocorrer tambm nas aes de adoo ou de

    tutela, propostas por particulares, casos em que o Ministrio atuar como custus legis.

    Uma situao questionvel que se apresenta nessas aes de adoo averiguar se

    o pedido de adoo contm implicitamente, como decorrncia lgica, o pedido de destituio

    do poder familiar dos pais biolgicos. O Superior Tribunal de Justia j se posicionou a respeito,

    dizendo que no possvel o pedido implcito do pedido de adoo, sendo necessrio que os

    adotantes cumulem os pedidos de destituio do poder familiar e de adoo. Segue abaixo tal

    entendimento:

    [...] O deferimento da adoo plena no implica, automaticamente, na

    destituio do ptrio-poder, que deve ser decretada em procedimento prprio

    autnomo, com a observncia da legalidade estrita e da interpretao

    normativa restritiva. A cautela imposta, no s pela gravidade da medida a

    ser tomada, uma vez que importa na perda do vnculo da criana com sua

    famlia natural, como tambm por fora das relevantes repercusses em sua

  • 7

    vida scio-afetiva. Sem isso, sero desrespeitados, entre outros, os princpios

    do contraditrio e do devido processo legal [...].2

    5.2 Direito profissionalizao e proteo no trabalho

    O Captulo V do Estatuto da Criana e do Adolescente disciplina a

    profissionalizao e o trabalho dos adolescentes, tendo em vista que vedado criana

    trabalhar. J o adolescente pode exercer tal funo, desde que sejam atendidas determinadas

    condies.

    A primeira condio em anlise configura-se na idade mnima para o trabalho. Em

    consonncia com o artigo 7, inciso XXXIII da Constituio Federal, o artigo 60 do Estatuto

    dispe que proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na

    condio de aprendiz.

    A expresso menores de quatorze anos aparentemente dbia, j que pode

    significar aqueles com menos de quatorze anos, mas tambm "aqueles que j completaram

    quatorze anos", quando analisada sob a luz da Constituio Federal. Alm disso, o conceito de

    aprendizagem pode ser encontrado no artigo 62 do ECA; este guarda relao com o artigo 428

    da CLT. Assim, podemos definir aprendizagem como a formao tcnico-profissional

    ministrada segundo diretrizes legislativas.

    Destarte, compreendemos que o trabalho possvel para aqueles com quatorze anos

    de idade, desde que sob a condio de aprendiz, e tambm para aqueles que j completaram

    dezesseis, os quais podem trabalhar como empregados regulares, desde que no executem

    trabalho noturno perigoso ou insalubre. Os artigos 402 a 441 da CLT, em conjunto com o

    Estatuto, criam vertentes legislativas para o disciplinamento do trabalho adolescente. Alm

    desses dispositivos, o Brasil ratificou e adotou, por meio do Decreto 6.481, a proposta da

    Organizao Internacional do Trabalho, na Conveno 182, que determina as piores formas de

    trabalho infantil.

    Visando fiscalizao do trabalho do adolescente e ao combate ao trabalho infantil,

    foi promulgada a Instruo Normativa n 77/2009 pela Secretria de Inspeo do Trabalho do

    Ministrio do Trabalho e Emprego. Assim, caso ocorra a explorao infantil e o explorador do

    trabalho for uma empresa, esta estar sujeita a sanes trabalhistas, civis e administrativas por

    parte do Ministrio do Trabalho e Emprego, do Ministrio Pblico do Trabalho e/ou Justia do

    2 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso especial 476382 SP 2002/0145642-3. Publicado no DJ 26-03-

    2007 p. 231. Disponvel em . Acesso em 30 de

    maio de 2015.

  • 8

    Trabalho. Quanto hiptese de se tratar de pessoa fsica, no h aplicao de multa pelo

    Ministrio do Trabalho e Emprego, mas pode haver sanes por parte do Ministrio Pblico do

    Trabalho e da Justia do Trabalho. Na esfera criminal, as sanes somente ocorrem quando a

    explorao constitui crime, a exemplo do trabalho anlogo ao de escravo, da explorao sexual,

    do trfico de drogas, maus tratos, e outros ilcitos.

    6 DIREITOS INDIVIDUAIS

    As garantias que o Estatuto trouxe ao adolescente j estavam previstas na

    Constituio da Repblica, mas para os rus. Como a situao de ambos, maior e adolescente,

    semelhante na medida em que esto privados de sua liberdade, o Estatuto elencou as mesmas

    garantias j previstas na Constituio, a fim de que no restassem dvidas quanto preservao

    de direitos fundamentais ao adolescente. Porm, alm dos direitos semelhantes ao dos presos,

    existem outros que os diferenciam, como o art. 178 do Estatuto, que garante ao adolescente o

    direito de no ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veculo policial, e

    o art. 185, que veda o cumprimento de internao em estabelecimento prisional.

    6.1 Da privao de liberdade

    A liberdade direito fundamental previsto na CF, em seu art. 5, caput. A exceo

    ao direito de liberdade do adolescente est prevista no art. 106 do ECA, que determina que

    "nenhum adolescente ser privado de sua liberdade seno em flagrante de ato infracional ou por

    ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente". Assim, tem-se que h duas

    hipteses legtimas de privao de liberdade: o flagrante de ato infracional ou por ordem

    judiciria.

    Na primeira delas, o flagrante, h a necessidade, uma vez omitido pelo Estatuto, de

    se valer dos conceitos estabelecidos pelo Cdigo de Processo Penal. O art. 302, CPP, determina:

    Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem:

    I - est cometendo a infrao penal;

    II - acaba de comet-la;

    III - perseguido, logo aps, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer

    pessoa, em situao que faa presumir ser autor da infrao;

    IV - encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papis

    que faam presumir ser ele autor da infrao.

  • 9

    Diante dessa configurao, o adolescente apreendido em flagrante de ato

    infracional e deve ser aplicado o art. 172, do ECA:

    Art. 172 - O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional ser, desde

    logo, encaminhado autoridade policial competente.

    Pargrafo nico. Havendo repartio policial especializada para atendimento

    de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em coautoria com

    maior, prevalecer a atribuio da repartio especializada, que, aps as

    providncias necessrias e conforme o caso, encaminhar o adulto repartio

    policial prpria.

    A segunda hiptese que permite a privao de liberdade do adolescente a ordem

    escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente (art. 106, parte final). Deciso sem

    fundamentao nula, principalmente quando se trata de ordem de privao de liberdade de

    um adolescente.

    Para que seja determinada a apreenso provisria do adolescente, a deciso deve-

    se fundar em trs requisitos, elencados no pargrafo nico do art. 108, ou seja, indcios

    suficientes de autoria, materialidade e imperiosa necessidade da medida. Ainda encontra-se

    respaldo na smula 718 do Supremo Tribunal Federal, que estabelece que a opinio do

    julgador sobre a gravidade em abstrato do crime no constitui motivao idnea para a

    imposio de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

    6.2 Da identificao dos responsveis pela apreenso

    Ressalta-se que, de acordo com o pargrafo nico do art. 106, o adolescente tem

    direito identificao dos responsveis pela sua apreenso, devendo ser informado acerca de

    seus direitos. Este pargrafo nico congrega as garantias do art. 5, incisos LXIII e LXIV,

    respectivamente: "o preso ser informado de seus direitos [...]" e "o preso tem direito

    identificao dos responsveis por sua priso [...]".

    6.3 Da comunicao famlia

    O art. 5, inciso LXII, da CF, estabelece que a priso de qualquer pessoa e o local

    onde se encontre sero comunicados imediatamente ao juiz competente e famlia do preso ou

    pessoa por ele indicada. Assim como garantido na CF, o Estatuto garante analogamente ao

    adolescente esse direito em seu art. 107. Tal garantia to relevante que o pargrafo nico

  • 10

    determina que a comunicao famlia do apreendido deve ser observada desde o primeiro

    momento, sob pena de responsabilidade, com a liberao imediata. O adolescente pode ser

    liberado quando sua apreenso tiver sido ilegal, ou quando, apreendido em flagrante de ato

    infracional, possa ser reintegrado prontamente famlia (art. 174, ECA).

    6.4 Da internao provisria

    Como visto anteriormente, o adolescente pode ser apreendido em flagrante de ato

    infracional ou por ordem da autoridade judiciria. Uma vez apreendido e no verificada sua

    liberao imediata, o adolescente permanece internado durante o processo de apurao do ato

    infracional que lhe foi atribudo. O prazo mximo de internao provisria a que o adolescente

    pode ser submetido de 45 dias, conforme determinam os artigos 108 e 183 do Estatuto.

    Decorrido esse prazo, sem que o processo tenha chegado ao fim, o adolescente deve ser posto

    imediatamente em liberdade.

    Esta uma garantia que no tem correspondncia direta na Constituio Federal.

    Porm, est em consonncia com os princpios constitucionais da liberdade, da durao

    razovel do processo e da prioridade absoluta de atendimento de crianas e adolescentes.

    Deve ser ressaltado ainda que o art. 183 do ECA determina sobre a

    improrrogabilidade da internao provisria. O entendimento relacionado aos presos,

    demonstrado na smula 52 do STJ, que encerrada a instruo criminal, no h que se alegar

    constrangimento por excesso de prazo. Tal entendimento no aplicvel no regime jurdico do

    Estatuto da Criana e do Adolescente, sendo pacifica, tanto no STJ, quanto no STF, a

    improrrogabilidade da internao provisria.

    [...] I. A prtica de ato infracional anlogo ao crime previsto no art. 121, 2,

    incisos II e IV, do CP, autoriza a segregao do paciente, por enquadrar-se no

    art. 122, I, do ECA. II. Condies pessoais do adolescente que, em princpio,

    atestam a necessidade da internao provisria, considerando ser menor em

    situao de risco. III. Evidenciado que, tanto o prazo de internao provisria

    quanto o de concluso do procedimento, ultrapassam, em muito, o prazo

    previsto no Estatuto da Criana e do Adolescente, deve ser concedida a ordem

    de ofcio para determinar ao paciente a medida de liberdade assistida at que

    seja prolatada a sentena, e se por outro motivo no estiver internado. [...]3

    3 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas corpus 192.563 ES 2010/0225679-7. Publicado no DJ 02-02-

    2011. Disponvel em . Acesso em 30 de maio de 2015.

  • 11

    6.5 Da identificao compulsria

    O art. 109 apresenta o direito no identificao compulsria, considerada pela

    jurisprudncia como vexame caracterizador de constrangimento ilegal: o adolescente

    civilmente identificado no ser submetido a identificao compulsria pelos rgos policiais,

    de proteo e judiciais, salvo para efeito de confrontao, havendo dvida fundada, segundo

    o dispositivo legal.

    Trata-se de direito tambm previsto na Constituio, em seu art. 5, inciso LVIII:

    "o civilmente identificado no ser submetido a identificao criminal, salvo nas hipteses

    previstas em lei."

    H ainda lei especfica acerca da matria, que disciplina a identificao criminal:

    Lei n 12.037/2009.

    importante ressaltar que a no observncia do presente dispositivo configura o

    crime tipificado no art. 232 do ECA: submeter criana ou adolescente sob sua autoridade,

    guarda ou vigilncia a vexame ou a constrangimento. Pena: deteno de seis meses a dois anos".

    6.6 Do devido processo legal

    O art. 110 do ECA ressalva que nenhum adolescente ser privado de sua liberdade

    sem o devido processo legal, essencialmente recepcionando o princpio do devido processo

    legal, constitucionalmente previsto no art. 5, LIV, CF. Ao adolescente assegurado o

    contraditrio e a ampla defesa, garantindo-lhe liberdade em apresentar fatos, produzir provas e

    defender seus interesses.

    Art. 111 - So asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

    I - pleno e formal conhecimento da atribuio de ato infracional, mediante

    citao ou meio equivalente;

    II - igualdade na relao processual, podendo confrontar-se com vtimas e

    testemunhas e produzir todas as provas necessrias sua defesa;

    III - defesa tcnica por advogado;

    IV - assistncia judiciria gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

    V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

    VI - direito de solicitar a presena de seus pais ou responsvel em qualquer

    fase do procedimento.

    Ao adolescente que comete um ato infracional, assim como ao adulto que comete

    um delito, assegurado uma srie de garantias, dentre elas a de receber uma cpia dos autos na

    ntegra para conhecimento do ato; lhe garantido igualdade na relao processual; Conforme

  • 12

    o art. 133, CF e o art. 206, ECA, a presena de um advogado se faz indispensvel

    administrao da justia. Detm o adolescente, desde que comprovado insuficincia de

    recursos, a assistncia judiciria gratuita, conforme o art. 5, LXXIV, CF. Possui, tambm, o

    direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente, bem como solicitar a presena

    dos pais em qualquer fase do procedimento, visando, com isso, proporcionar conforto

    emocional ao adolescente em razo da condio em que se encontra.

    7 MEDIDAS DE PROTEO

    Para que os Direitos Fundamentais elencados no dispositivo legal em destaque

    fossem garantidos, houve a previso de medidas de proteo criana e ao adolescente. Essas

    medidas sempre sero aplicadas, segundo o artigo 98 do ECA, quando houver a violao dos

    direitos elencados nesta lei, ora por ao ou omisso do Estado ou da sociedade, ora por falta,

    omisso ou abuso dos pais ou responsvel. Ademais, pode-se aplicar essas medidas s crianas

    e aos adolescentes, em virtude de sua conduta, o que remete, principalmente, aos casos em que

    eles cometem atos infracionais.

    No se deve ater conceituao da medida de proteo, visto que o nome, por si

    s, indica sua funo. De outra feita, necessrio explicitar sua importncia na aplicao do

    estatuto. A legislao menorista est embasada na doutrina da proteo integral, que reconhece

    a criana e o adolescente como indivduos vulnerveis na conjuntura social na qual esto

    inseridos, considerando, ainda, estarem eles em desenvolvimento psquico e fsico, o que

    determina a maior proteo estatal.

    O artigo 101 do ECA apresenta o rol exemplificativo de medidas aplicveis:

    Art. 101 - Verificada qualquer das hipteses previstas no art. 98, a autoridade

    competente poder determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

    I - encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante termo de

    responsabilidade;

    II - orientao, apoio e acompanhamento temporrios;

    III - matrcula e frequncia obrigatrias em estabelecimento oficial de ensino

    fundamental;

    IV - incluso em programa comunitrio ou oficial de auxlio famlia,

    criana e ao adolescente;

    V - requisio de tratamento mdico, psicolgico ou psiquitrico, em regime

    hospitalar ou ambulatorial;

    VI - incluso em programa oficial ou comunitrio de auxlio, orientao e

    tratamento a alcolatras e toxicmanos;

    VII - acolhimento institucional;

    VIII - incluso em programa de acolhimento familiar;

    IX - colocao em famlia substituta.

  • 13

    Ressalta-se, a partir da anlise deste dispositivo, a garantia aos direitos elencados

    em ttulos anteriores do estatuto. O encaminhamento aos pais ou responsvel ocorre em casos

    de menor gravidade, como a fuga da criana ou adolescente, representando, pois, a observncia

    do direito convivncia familiar, bem como os incisos VII, VIII; orientao, apoio e

    acompanhamento temporrio referem-se ao direito sade fsica, psquica e mental, assim,

    tambm, os incisos IV, V, VI; matrcula e frequncia obrigatrias esto relacionadas ao direito

    educao. O ltimo inciso, colocao em famlia substituta, est diretamente ligado

    destituio do poder familiar, j exposto no tpico 5.1.

    Com relao aplicao das medidas protetivas, ela no necessariamente judicial.

    As medidas previstas nos incisos I ao VII, do artigo 101, do ECA, podem ser aplicadas tambm

    pelo Conselho Tutelar, de acordo com o artigo 136, I, que atribui a este o dever de atender as

    crianas e adolescentes nas hipteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas

    previstas no art. 101, I a VII.

    Da mesma forma, o artigo 93 prev a possibilidade de que as entidades que

    mantenham programas de abrigo possam, "em carter excepcional e de urgncia, abrigar

    crianas e adolescentes sem prvia determinao da autoridade competente, fazendo

    comunicao do fato at o 2 dia til imediato".

    Nas demais hipteses, a aplicao da medida judicial. A ao movida pelo

    Ministrio Pblico, cuja legitimidade verte do artigo 201, inc. VIII do ECA.

    Nota-se que a aplicao de medida protetiva ensejada quando o ato infracional

    ocorre, mas desproporcional a aplicao de medidas socioeducativas, sendo mais benfico

    criana ou ao adolescente a proteo concedida pelo Estado. Observa-se, desse modo, a

    jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia, atravs de trecho do voto da Ministra Maria

    Thereza de Assis Moura:

    No havendo violncia ou grave ameaa no ato infracional, segundo a letra da

    Lei 8.069/1990, necessrio que haja reiterao de prtica infraes graves

    (ou descumprimento reiterado de anteriores medidas). [...] necessrio que,

    no mnimo, a bem da mais elementar lgica aristotlica, haja pelo menos duas

    anteriores representaes julgadas definitivamente procedentes, para que,

    ento, reconhea-se a reiterao. Ausente tal quadro, como na espcie, em que

    o paciente apenas dispunha de uma anterior representao julgada procedente,

    no h espao para a aplicao do artigo 122, II, ECA. [...] no razovel

    restringir o direito de liberdade, amparando-se na condio de vulnerabilidade

    do adolescente, eis que tal situao ftica no autoriza a medida de internao,

    que s poder ser infligida inexistindo outra mais adequada e, ainda, quando

  • 14

    cumpridas as condies elencadas no art. 122 do ECA. Tal quadro conduz,

    antes, aplicao de medidas protetivas (art. 101 do ECA). (Grifo nosso)

    De outro modo, o STJ decidiu por impor medidas socioeducativas, que sero

    abordadas em tpico correspondente, em detrimento da aplicao de medidas protetivas:

    [...] 1. A medida socioeducativa de internao pode ser aplicada quando

    caracterizada uma das hipteses previstas no art. 122 do Estatuto da Criana

    e do Adolescente e caso no haja outra medida mais adequada e menos

    onerosa liberdade do adolescente. 2. desproporcional a aplicao da

    medida de internao, pois o ato infracional anlogo ao crime de trfico de

    drogas desprovido de violncia ou grave ameaa contra pessoa. 3. A notcia

    de que o adolescente j foi submetido a medida protetiva anterior, a alta

    nocividade dos entorpecentes apreendidos (crack e cocana) e a concluso

    desfavorvel do relatrio tcnico evidenciam a necessidade de aplicao da

    semiliberdade, diante do prazo da internao (superior a 6 meses) e luz da

    funo protetiva e pedaggica das medidas socioeducativas [...].4

    Salienta-se, por fim, que a medida protetiva prevista no inciso VII, do artigo 101,

    do ECA, aplicvel quando for necessrio o amparo do adolescente em instituio em virtude

    de um processo judicial em trmite. Decidiu assim o Supremo Tribunal Federal:

    [...] 1. A Constituio assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestao

    positiva e um particular conjunto normativo-tutelar (arts. 227 e 228 da

    Constituio Federal) aos indivduos em peculiar situao de

    desenvolvimento da personalidade. Conjunto timbrado pela excepcionalidade

    e brevidade das medidas eventualmente restritivas de liberdade (inciso V do

    3 do art. 227 da CF). 2. Nessa mesma linha de orientao, a legislao

    menorista Estatuto da Criana e do Adolescente faz da medida socioeducativa de internao uma exceo. Exceo de que pode lanar mo

    o magistrado nas situaes do art. 122 da Lei 8.069/1990. 3. A mera aluso

    gravidade abstrata do ato infracional supostamente protagonizado pelo

    paciente no permite, por si s, a aplicao da medida de internao. [...]5

    8 A PRTICA DO ATO INFRACIONAL

    O Ttulo III do Estatuto da Criana e do Adolescente contm importante disciplina

    acerca dos atos infracionais, seus direitos individuais, garantias processuais e suas medidas

    4 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas corpus 307392 SP 2014/0274090-2. Publicado no DJ em 21-

    10-2014. Disponvel em < https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/146798870/habeas-corpus-n-

    307021-sp-do-stj>. Acesso em 30 de maio de 2015. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 105917 PE. Publicado no DJe-112 em 13-06-2011.

    Disponvel em < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19735709/habeas-corpus-hc-105917-pe>. Acesso em

    30 de maio de 2015.

  • 15

    socioeducativas, de modo que, primeiramente, devemos analisar o conceito contido no artigo

    103: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contraveno penal.

    Pela definio majoritria, crime ato tpico, antijurdico e culpvel, sendo que um

    dos elementos que compem a culpabilidade a imputabilidade. Assim, no comete crime uma

    pessoa inimputvel. Conforme nossa legislao, o menor de dezoito anos inimputvel e estar

    sujeito a legislao especial do ECA, conforme podemos observar:

    Art. 104 - So penalmente inimputveis os menores de dezoito anos, sujeitos

    s medidas previstas nesta Lei.

    Pargrafo nico. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do

    adolescente data do fato.

    A partir dessa conceituao, podemos extrair que a criana ou adolescente no

    pratica delito, e sim um ato infracional anlogo a crime ou contraveno. Com relao ao tempo

    do ato infracional, contido no pargrafo nico do artigo 104, o Estatuto, assim como o Cdigo

    Penal, adota o princpio da atividade, que considera o ato ou crime praticado no momento da

    ao ou omisso.

    Por fim, temos o art. 105, que ao ato infracional praticado por criana

    correspondero as medidas previstas no art. 101. Neste ponto, podemos verificar que o

    tratamento disposto diferente para crianas e adolescentes. A criana (estabelecida

    anteriormente pelo ECA como o menor de doze anos) est sujeita apenas a medidas

    protetivas, pois compreendida pelo Estatuto como um ser sem maturidade ou a capacidade de

    compreender seus atos; logo, submete-a apenas medidas que se concentrem na integralizao

    da criana aos padres da sociedade, reguladas pelo artigo 101. Nisso, o Conselho Tutelar fica

    responsvel pela aplicao tanto das medidas protetivas quanto daquelas destinadas aos pais ou

    responsveis (estabelecidas pelo artigo 129 do ECA). Enquanto isso, o adolescente permanece

    abrangido pelas protetivas, mas tambm est sujeito ao que se denomina sano pelo ato

    infracional, isto , a medida socioeducativa.

    9 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

    As medidas socioeducativas no deixam de ser de proteo, entretanto, so

    aplicadas quando h uma conduta ilcita por parte do adolescente. O que fundamenta a aplicao

    o disposto no artigo 103 do estatuto menorista, como j foi ressaltado no tpico anterior.

  • 16

    Abarca-se, pois, todos os crimes e contravenes previstas nos dispositivos do cdigo penal e

    na lei de contravenes penais.

    Enfatiza-se, apenas, que a medida socioeducativa no tem carter de pena, no

    estando, portanto, embasada na noo de culpabilidade prpria do crime. O que se tutela a

    proteo do infrator: o interesse da parte lesada est em segundo plano. Dessa forma, a ao

    pblica incondicionada, devendo a autoridade agir de ofcio, o que gera a impossibilidade de

    decadncia ou prescrio. No h que se cogitar, tambm, insanidade, perdo judicial ou

    escusas absolutrias.

    O artigo 112 do ECA elenca o rol das medidas socioeducativas aplicveis aos

    adolescentes:

    Art. 112. Verificada a prtica de ato infracional, a autoridade competente

    poder aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

    I - advertncia;

    II - obrigao de reparar o dano;

    III - prestao de servios comunidade;

    IV - liberdade assistida;

    V - insero em regime de semiliberdade;

    VI - internao em estabelecimento educacional;

    VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

    A advertncia regulada pelo artigo 115 e consiste na repreenso verbal feita ao

    adolescente, alertando a si e a seus responsveis legais os riscos envolvidos na prtica do ato

    infracional. O artigo 116 determina que haja a reparao do dano patrimonial pelo qual o

    adolescente responsvel, sendo que no so os pais que vo pagar pelo dano. A prestao de

    servios comunidade um instituto similar ao previsto no cdigo penal como pena restritiva

    de direitos. O ECA determina, em seu artigo 117, que o adolescente dever prestar os servios

    e o tempo no poder ultrapassar 6 meses.

    A liberdade assistida a medida padro adotada pelo ECA e pela jurisprudncia.

    Consiste, a partir da anlise do artigo 118, no comparecimento, por parte dos responsveis e do

    menor infrator, em postos de atendimento para informar as atividades dirias do adolescente.

    J a medida de semiliberdade se refere realizao de atividade externa durante o dia e o

    acolhimento institucional durante o perodo da noite; pode ser aplicada como regime de

    transio posteriormente a uma internao ou como medida autnoma. So obrigatrias a

    escolarizao e profissionalizao do infrator. Por fim, a medida de internao mais grave se

    comparada s outras medidas expostas. Esta est prevista no artigo 121 e seguintes do Estatuto,

    e priva o adolescente de sua liberdade pelo perodo mximo de 3 anos. Poder haver internao

  • 17

    como exceo de aplicabilidade desta medida, quando houver descumprimento injustificado e

    reiterado de outra medida socioeducativa.

    A execuo de medida faz-se atravs de um orientador, que deve ser escolhido

    preferencialmente entre profissionais ou agentes de servios estatais de assistncia social ou

    conselheiros tutelares. Alm disso, a aplicao de medidas, sejam as especificas do artigo 112

    (prprias), ou as do artigo 101 (imprprias) pode ser feita de forma cumulativa e combinada,

    no havendo um nmero mximo de medidas a serem aplicadas para cada caso.

    No concerne aplicao prtica dessas medidas, a jurisprudncia se mostra na

    forma da Smula 492 do STJ, que estabelece que o ato infracional anlogo ao trfico de drogas,

    por si s, no conduz obrigatoriamente imposio de medida socioeducativa de internao do

    adolescente.

    Tal enunciado sumular abarca a tese de que possvel cominar uma medida

    socioeducativa de privao de liberdade apenas quando h grave ameaa pessoa. Demonstra-

    se, portanto, que o objetivo restaurar o menor infrator sociedade. Corroborando com isso,

    temos jurisprudncia dos tribunais maiores, a comear pelo STJ:

    [...] 2. O Estatuto da Criana e do Adolescente prev, em carter excepcional,

    a aplicao da medida socioeducativa de internao, desde que presentes os

    pressupostos taxativos do art. 122: tratar-se de ato infracional cometido

    mediante grave ameaa ou violncia a pessoa; houver reiterao no

    cometimento de outras infraes graves; houver descumprimento reiterado e

    injustificvel da medida anteriormente imposta. 3. Na hiptese dos autos, a

    medida socioeducativa de internao foi fundamentada na gravidade em

    abstrato do ato infracional praticado, no tendo sido caracterizada nenhuma

    das hipteses previstas no art. 122 do Estatuto menorista. 4. O ato infracional

    anlogo ao trfico de drogas, por si s, no conduz obrigatoriamente

    imposio de medida socioeducativa de internao do adolescente (Smula

    492/STJ) [...].6

    A seguir, temos a posio do STF:

    [...] 2. A medida socioeducativa de internao imposta com base apenas na

    suposta gravidade abstrata do ato infracional ofende a garantia da

    excepcionalidade da aplicao de qualquer medida privativa de liberdade

    determinada pelo texto constitucional (art. 227, 3, V) e contraria o rol

    taxativo do art. 122 da Lei n 8.069/1990) [...].7

    6 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas corpus 306678 SP 2014/0263280-4. Publicado no DJ em 14-05-

    2015. Disponvel em < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/188573231/habeas-corpus-hc-306678-sp-2014-

    0263280-4>. Acesso em 30 de maio de 2015. 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 122886 SP. Publicado no DJ em 10-06-2014. Disponvel

    em < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25118369/medida-cautelar-no-habeas-corpus-hc-122886-sp-stf>.

    Acesso em 30 de maio de 2015.

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    Insta, dessa forma, arguir que devido a princpios constitucionalmente positivados

    e ao objetivo da legislao especial, ECA, necessrio que o juzo competente a analisar atos

    infracionais seja coerente e determine as medidas menos prejudiciais aos menores, bem como

    aquelas que lhe possibilitem a ressocializao.

    10 CONCLUSO

    Resta esclarecido que a funo do Estatuto da Criana e do Adolescente no se

    limita apenas regulao da punibilidade do menor infrator, mas tambm segurana dos

    direitos do menor de idade e evaso da realidade traumtica do Sistema Penal Brasileiro.

    Entretanto, tal diferenciao entre o representado e o ru causa certa consternao em parte

    da sociedade brasileira, que considera tal compreenso como uma atitude paternalista e

    insuficiente tanto em relao punio, quanto ressocializao do indivduo.

    De qualquer modo, este trabalho vai focado no aspecto doutrinrio e

    jurisprudencial da aplicao do ECA, de forma que se entenda que o Estado (e a sociedade

    como um todo) tm deveres para com aqueles que so considerados relativamente incapazes

    pelo critrio cronolgico, ainda que estes deveres sejam, ao mesmo tempo, distintos daqueles

    que regulam a punibilidade do maior de idade, e anlogos a estes. Ainda que tenhamos

    presenciado os avanos em tal rea, temos uma necessidade de que a sociedade se dedique a

    este segmento social de forma a complementar a aplicao da lei, e no resistir a ela.