trabalho escravo contemporâneo no brasil - inicial - gptec · 2 em algumas regiões como na Ásia...
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Introdução
Nascida e criada no Rio de Janeiro as desigualdades sociais e as diferenças
sempre me rodearam, seja no subúrbio ou na Zona Sul. Neta de trabalhadores rurais e
filha de professores assisti a reabertura política do país na década de 1980, vivenciando
as dificuldades econômicas dos meus pais, como também a do país, que tentava se
reorganizar à uma nova ordem política. Fui inserida ao mundo do trabalho já na
adolescência, aos 16 anos comecei a trabalhar na maior rede de lanchonetes fast food do
mundo, trabalhava com uns amigos durante quatro horas fixas “ na carteira” e outras
horas extras que nos deixávamos cheios de fome. Posso dizer que nela, aprendi
sofisticados nomes de gerenciamento que otimizam o tempo e geram lucro, fazendo
com que o sistema econômico continue a funcionar. Aprendi também que deveria tirar
do salão os menos afortunados e moradores de rua que procuravam um resto de comida
ou daqueles que utilizavam o banheiro da lanchonete para a sua higiene básica. Desde
então comecei a ter questionamentos bem simples como o porquê de tanta
desigualdade? Porque me incomodava tanto saber que uns podiam consumir e outros
não. Talvez pela própria incerteza sobre o futuro e pelo comentário constante das outras
pessoas que não haveria mudanças. Após alguns meses realmente as coisas não
mudavam, apenas novos amigos passavam a participar da mesma realidade, quando
enfim, adquiri uma lesão por esforço repetitivo (LER) no braço direito, resultado do
modelo fordista seguido pela lanchonete. O afastamento da atividade produtiva veio de
encontro com a reflexão sobre o trabalho.
Após cinco anos, o ingresso na Universidade – resultado do incentivo direto dos
meus pais – permitiu uma nova visão sobre a realidade, e foi dentro desta experiência
que descobri que enquanto lutava por simples reinclusão no mercado de trabalho,
milhões de trabalhadores eram recrutados para trabalhar como peões nas lavouras do
interior do Brasil sob condições análogas a de escravidão. O que significou que a forma
degradante de trabalho conhecida por mim nas grandes cidades não chegava perto da
degradação vivida por esses trabalhadores rurais.
Aos amigos que perguntam qual o tema da minha dissertação não êxito em dizer
ao mesmo tempo em que com paixão pelo tema e com certo incômodo, que estudo
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escravidão contemporânea. A primeira reação do ouvinte, sempre é o interesse pelo
tema, seguida pela recomendação de muitos livros sobre a história da escravidão do
período colonial. Em seguida retifico, interessante, mas eu estou tratando da escravidão
dos dias de hoje, que está acontecendo agora, por exemplo, em algum lugar do Brasil.
Em seguida, presencio um momento de muita surpresa, ou encontro um certo ar de
descrédito, pois a escravidão para muitos terminou em 1888; e de certa forma algo de
insano ou descabido eu estaria fazendo.
Ao soar aos ouvidos o termo escravidão, se torna comum fazer um elo com o
passado. A escravidão no Brasil a qual, a princesa Isabel, tivera “o mérito” de assinar a
abolição - carregando consigo um estigma de abolicionista - muito questionado pelos
historiadores - teria assim, se extinguido em 1888 no Brasil.
Diferente da escravidão colonial, a escravidão contemporânea não escolhe cor
ou raça, nem idade. Encontrada na Constituição pelo termo “condição análoga à
escravidão”, essa atividade perpetua no interior do Brasil principalmente pela condição
fundiária arcaica e desigual, conforme será tratada na primeira parte desse estudo.
No Brasil a passagem do trabalho escravo para o trabalho assalariado se fez sob
a égide de relações políticas que acompanhavam o sistema econômico global. E a
formação do território brasileiro foi resultado dessas relações contraditórias da
sociedade.
Desde 1858, o imigrante Thomaz Davatz1, relatou o sistema de escravidão por
dívida na fazenda do senador Nicolau Vergueiro, pioneiro no recrutamento de
imigrantes para substituição de escravos africanos onde cerca de mil imigrantes suíços,
alemães e portugueses trabalhavam na plantação de café, e que após aportar no Brasil
tinham que pagar a dívida com trabalho pelo menos por quatro anos. Outros casos
semelhantes, também já foram citados no início do século XX em algumas regiões
1 Davatz liderou, em 1856, uma insurreição contra esse sistema, que ficou conhecido como a
“Revolta dos Parceiros”, que conseguiu inibir o fluxo de migração. Publicou o Livro “Memórias de um
colono no Brasil” (Observatório Social em Revista, 2004).
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interioranas do Brasil, o que leva ao entendimento que a escravidão após 1888 foi
reinventada.
A escravidão contemporânea é encontrada em diversas regiões do planeta. No
Brasil pode-se caracterizá-la como de curta duração, ilegal, não é fruto de uma guerra e
nem é motivada por um seqüestro2, possui formas de endividamento e utiliza a violência
como forma de coerção. Suas vítimas são homens, mulheres e crianças, mas em sua
maioria homens jovens, sem documentos, sem estudos, que saem em busca de emprego
para regiões conhecidas por recrutar trabalhadores com esse perfil.
O trabalho escravo contemporâneo também está associado com: o tráfico de
pessoas, tráfico ligado à exploração sexual, tráfico de crianças; estas formas são
recorrentes no estudo internacional relacionado para a questão dos direitos humanos.
Ligados a alguma rede de mafiosos ou não, exploram imigrantes, agem em redes e são
altamente lucrativas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU):
As redes criminosas que traficam seres humanos lucram até US$ 30 mil por
pessoa aliciada. No ano, o montante chega a US$ 9 Hoje, o tráfico de seres
humanos só perde em rentabilidade para o comércio ilegal de drogas e armas,
porém, o estudo afirma que a venda de seres humanos é geralmente
administrada por criminosos associados aos entorpecentes, segundo o
UNODC.(http://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=58consulta
agosto2007)
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) entre 1995 a 2008, foram
libertados 32.405 trabalhadores somente no campo. A escravidão contemporânea é
noticiada pela mesma instituição desde 1973. Na área urbana, já se observa entre artigos
acadêmicos o caso de bolivianos trabalhando para chineses em fábricas de tecido em
São Paulo.
2 Em algumas regiões como na Ásia ainda se configuram alguns casos com o seqüestro, como será
apresentado posteriormente.
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Alguns casos são também conhecidos na América Latina, como no Paraguai e
no norte e nordeste do Brasil, como a venda de crianças ou negociações que utilizam
estas como mercadorias, principalmente em áreas consideradas bolsões de miséria,
como o Piauí.
Na verdade, não se pode afirmar se o que existe é um aumento nos casos de
escravidão ou se esses dados sempre existiram, mas nunca ganharam tanta repercussão.
No Brasil, a grande responsável por esse movimento tem sido a CPT, que passou a
divulgá-los sistematicamente a partir de 1985, de fato, é a partir da década de 1990, que
existe uma maior circulação de informações sobre as condições de trabalhadores nessa
condição; resultado da facilidade de comunicação via internet e do trabalho de
organizações civis, como a dedicação da Organização Internacional do Trabalho, que
juntamente com a CPT auxiliou a inserção do debate sobre trabalho escravo
contemporâneo na agenda pública. Um outro fator que pode ser constatado é uma maior
organização nos dados sobre o tema pelo Ministério do Trabalho e por Universidades.
Ao apurar o estudo das relações inseridas na escravidão, Ricardo Figueira(2004)
esclarece que uma das definições encontradas relacionadas sobre a escravidão é o fato
de que ser escravo é estar sujeito a um senhor como mercadoria(2004). ao conceder
legitimidade do senhor vender ou comprar o escravo, permite que a dominação seja feita
através da negociação que por conseqüência garante direitos de usufruir sobre esta
“mercadoria, mesmo relacionada a uma definição jurídica pois seguindo este raciocínio,
o direito de propriedade passa a ser legitimado, e é exatamente sobre este viés que se
desenvolve o pensamento crítico dos estudiosos da escravidão colonial. Segundo
Figueira 2004(apud Gorender 1978 :60-61) exemplificando que a característica
essencial do escravo na escravidão legal “ reside na sua condição de (ser) propriedade
de outro ser humano”. O que difere bastante da situação atual por não haver esta relação
de propriedade legalizada. Segundo Meillassoux(1995:9-10) também é resgatado no
trabalho de Figueira(2004:39-40) por negar o tratamento do escravo, mesmo que legal,
como mercadoria afirma o autor:
[...]Na perspectiva de sua exploração, a comparação de um ser humano a um
objeto, ou mesmo a um animal, é uma ficção contraditória e insustentável.
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Se, na prática, o escravo fosse tratado como tal, a escravidão não teria
nenhuma superioridade sobre o uso de instrumentos materiais ou sobre a
criação de gado. Na prática, os escravos não são utilizados como objetos ou
animais, aos quais essa ficção ideológica tenta rebaixá-los. Em todas as suas
tarefas – até o transporte de cargas- apela-se a sua razão, por pouca que seja,
e sua produtividade ou utilidade aumenta na proporção desse apelo sua
inteligência.(ibidem1995:9)
Em contraste, Mose Finley considera “fútil” as contestações dos que, como
Meillassoux, alegam que por ser pessoa, o escravo, não pode ser uma mercadoria. E
afirma que “o fato de o escravo ser humano é irrelevante para a questão de ser ou não
uma propriedade; apenas revela que é uma propriedade peculiar” (FINLEY apud
FIGUEIRA 2004:40)
Na escravidão contemporânea o trabalhador disponibiliza no mercado
sua força de trabalho entendida aqui exatamente como Marx apresenta: “conjunto de
faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser
humano, as quais ele põe em ação toda a vez que produz valores de uso de qualquer
espécie. (MARX 1980: 187) O trabalhador negocia sua capacidade de trabalho, porém
ao se submeter a uma relação que o coíbe da liberdade de ir e vir através da violência
transforma-se em uma “mercadoria” descartável. Ao deixar perder o valor de sua força
de trabalho, deixa assim de ser vendedor de mercadoria e infelizmente diante a
determinados graus de violência não possui nem mais o direito de reproduzir valores de
uso ou mesmo o direito a vida. Dessa forma, estamos diante de uma forma de
escravidão tão violenta quanto a colonial, tão perversa quanto a escravidão antiga, pois
descarta os seres humanos como uma mercadoria que já foi utilizada.
Em suma, o trabalho escravo neste estudo será entendido através das definições
do Ministério Público do trabalho como toda modalidade de exploração do trabalhador
em que este esteja impedido, moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o
serviço, no momento e pelas razões que entender apropriados, a despeito de haver,
inicialmente, ajustado livremente a prestação de serviços, sendo similar a trabalho
forçado, termo utilizado por alguns órgãos internacionais e nacionais, para definir a
situação de coerção.
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Este trabalho, no entanto, tem por objetivo estudar a geografia da escravidão no
campo no Brasil, no período de 1985 a 2006 através do banco de dados histórico da
Comissão Pastoral da Terra (CPT). O interesse pelo tema surgiu após a realização de
pesquisas no Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades
(LEMTO), no ano de 2003, junto a CPT. E para entender melhor como esse evento se
apresenta no país, este trabalho se inicia através de um breve estudo sobre a escravidão,
a fim de eliminar problemas de interpretação quando se refere à escravidão
contemporânea. Procurando entender como o banco de dados da Comissão Pastoral da
Terra pode contribuir para uma leitura que implique pensar a escravidão contemporânea
como manifestação de desigualdades sociais provocadas por relações de poderes que se
confrontam e se impõem no espaço.
No primeiro capítulo, será abordado como essa relação de trabalho surge ao
mesmo tempo em que a sua própria afirmação está inserida entre enfrentamentos de
diferentes setores da sociedade. A conceituação da escravidão contemporânea perpassa
por diversos setores da sociedade que se preocupam politicamente com a construção do
que venha a ser a escravidão. No segundo capítulo, é feita uma breve análise sobre a
constituição da luta pela terra e pelo trabalho no campo brasileiro, apresentando como
vem se constituindo a luta contra o trabalho escravo protagonizada pelos movimentos
sociais.
No terceiro capítulo, será utilizado como base empírica para análise o banco de
dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na tentativa de entender como o evento
vem se apresentando ao longo desses 22 anos. Para isso, foi necessário um estudo de
como vem se constituindo a questão do trabalho escravo como luta social. Essa leitura
só foi permitida através do estudo das transformações que aconteceram no campo que
permitiram ao trabalhador rural a sua construção enquanto sujeito.
E por último, espero ter contribuído com mais um instrumento de luta contra
escravidão ao mesmo tempo em que pautamos assim a necessidade de discussão na
academia e na geografia, sabemos que a geografia pode-se constituir enquanto prática
social e se prestar a um entendimento do mundo juntamente com os outros saberes.
Apresentando o último capítulo como uma leitura geográfica sobre o trabalho escravo
contemporâneo e a constituição deste lembrando os ensinamentos de Porto-Gonçalves,
que todo ponto de vista é sempre a vista de um ponto, sabemos que a geografia pode-se
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constituir enquanto prática social e se prestar a um entendimento do mundo juntamente
com os outros saberes.
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Capítulo I - A Escravidão.
Para que se faça um estudo da escravidão contemporânea no Brasil faz-se
necessário que se explicite o que é a escravidão. É importante lembrar, que o termo
escravo e seus derivados acompanham a história mundial com formas bem
diferenciadas de acordo com cada época-lugar o que contribuirá para que haja inúmeras
definições sobre o assunto.
Muitos são os pesquisadores, nas ciências humanas que vêm trabalhando com o
tema escravidão, especialmente na história, na antropologia, e na sociologia. Na
geografia, o tema é abordado em poucos trabalhos3. Alguns destes estudos estão
relacionados às experiências de pesquisadores na Amazônia na década de 70, se
referindo ao sistema do barracão e à peonagem. Sendo assim, raros foram os materiais
que relacionaram o estudo da escravidão contemporânea - de forma aprofundada – nos
estudos geográficos.
Gladyson Pereira (2007), historiador, que realizou um profundo estudo sobre a
etimologia da palavra escravidão, reafirma a posição de que devemos ficar atentos à
sociedade que circunscreve o momento em que a escravidão está posta. Originariamente
o termo escravidão não correspondia à representação que temos hoje quando a palavra
encontra-se impregnada de concepções negativas.
“ A origem primeira é a palavra “slav” (eslavo) que designa um importante e
numeroso grupo étnico da Europa Central e Oriental. Na língua dos povos
eslavos o termo pode ser traduzido por “os ilustres”, “os brilhantes”. Entre
os eslavos já existia a prática do que nós hoje chamamos de “escravidão”, ou
seja, “cativeiro”, mas o termo utilizado para essa condição era “rab”.(...) A
trajetória etimológica do termo “slav” e sua radical transmutação de
3 Talvez, pelo fato da própria história da ciência geográfica ter se colocado na perspectiva do Estado
realizando o reconhecimento do território e auxiliando com análises que servissem para o planejamento
estatal. Somente após a renovação da geografia da década de setenta é que a geografia passou a se
interessar de modo mais consistente com as questões sociais.
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significado estão ligadas ao processo, ocorrido na alta idade média, da
formação do império franco e do império bizantino. Esse processo de
expansão e dominação se baseou largamente na conquista de povos eslavos.
No caso do império franco coube às tribos germânicas que invadiram e
ocuparam a Gália, os Francos - primeiramente Carlos Magno (747-814 d.C.)
e depois seus sucessores, notadamente Otão, o grande (século X d.C.) - a
liquidação dos povos eslavos da região hoje conhecida como Balcãs e a
submissão ao cativeiro daqueles que sobreviveram a esse enfrentamento.
Com o correr do tempo e a generalizada submissão desses eslavos ao
cativeiro, tomou-se o nome dessa etnia, “slav”, como sinônimo da condição
social a que fora submetida.
[...]Com o passar do tempo o termo “slav” foi se descolando de sua origem
étnica e sofrendo alterações lingüísticas que deram origem a diferentes
grafias em diferentes línguas, mas mantendo o sentido de “cativo” ou
“propriedade”. Assim, do latim medieval, slavus ou sclavus, mais o grego
bizantino, sklabos, surgem as diferentes variações: Em italiano scliavo
(veneziano schiavo), em alemão sklave, em francês esclave e em inglês
slave; documentados desde os sécs. XI e XII com acepção contemporânea.
Nas línguas ibéricas os termos derivados de sclavus (espanhol, esclavo e
português, escravo) só ocorrem a partir do século XV; essa ocorrência tardia
é devida, provavelmente, à concorrência com o termo “cativo” derivado do
latim “captivus”, ou seja, “prisioneiro”, o qual já se documentava nestes
idiomas, com as mesmas acepções, de escravo, em época muito anterior
(desde o século XIII).
Mesmo no Brasil, do século XV ao XIX, o termo “escravo” sofria
concorrência com o termo “negro” ou “preto” para designar a condição de
propriedade ou de inferioridade.”(PEREIRA.2007:4-5)
Destaquemos que a mudança de significado da palavra escravo está relacionada
aos conflitos seguidos da condição de prisioneiro e não necessariamente cor ou gênero,
pois tal associação só veio acontecer após o século XV.
Para Ricardo Figueira (2004), o debate acerca da conceituação da escravidão
contemporânea também perpassa pelo debate da escravidão ao longo da história
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realizada por antropólogos, filósofos, membros do Estado, organizações religiosas e de
direitos humanos. Esses debates, muitas das vezes, influenciaram os governos a realizar
modificações nas suas estruturas legais.
Esse diálogo, entre os governos e os estudiosos da questão, merece destaque por
representar um momento que viabiliza a integração entre a ciência e a ação política,
como é o caso que será tratado da Comissão Pastoral da Terra, no Brasil. No entanto,
esse diálogo e as efetivas realizações dos tratados e convenções do Séc. XX não foram
suficientes para garantir o fim da escravidão, pois ainda existem governos que utilizam
formas análogas à escravidão.
Sendo assim, ao procurar entender o conceito da escravidão contemporânea cabe
uma melhor compreensão do que representou então a escravidão antiga (Grega e
Romana) e a moderna, por entender que existem coincidências desses eventos com a
escravidão que está sendo tratada nesta dissertação.
1.1 - A Escravidão ao longo do tempo.
A primeira distinção que se faz necessária é entre as formas de escravidão. A
escravidão antiga é caracterizada pela escravidão na Grécia e em Roma. Na Grécia,
segundo Mário Maestri ( 1987) e já no período micênico, ao passar de uma organização
aldeã-familiar para dar origem a sociedades organizadas sobre a posse individual e
privada da terra, é que a produção escravista se constituía. Pouco se sabe, no entanto,
sobre a escravidão neste período, mas segundo o autor, a existência de escravos
“divinos” e “privados” já pressupunha duas “classes” distintas de escravo. Na Grécia
helênica, a descoberta da metalurgia altera os hábitos, mudando as formas de trabalho,
expandindo as áreas de floresta e inserindo o trabalho escravo nas atividades
camponesas. A importância do escravo para a continuação do Oikos, adquiriu um
caráter patriarcal, em que a escravidão é algo do cotidiano, não excluindo até mesmo os
laços familiares. “Nas cidades, dependendo da função, alguns escravos gozavam de
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liberdade de movimento e iniciativa e podiam, até mesmo, morar
independentemente”.(MAESTRI.1987:22). Alguns possuíam direitos, podendo até
recorrer à justiça representado pelo amo. A atividade que esse escravo ocupava,
portanto, faria total diferença em sua relação. E seu modo de vida não era muito
diferente de outros gregos pobres (ibdem:23).
Em Roma, após a queda da monarquia (por volta do século V a.n.e.), o
expansionismo republicano promoveu muitas disputas sobre o território, o que resultou
em um grande número de plebeus empobrecidos que vieram a se tornar escravos em
razão de seus endividamentos, e a submissão como única forma de pagamento.
(...)Os camponeses que se endividavam caíam em verdadeira servidão. Um
inadimplento de 30 dias, permitia que o devedor fosse mantido, por dois
meses, acorrentado, na casa do credor. Se não aparecesse um fiador ou a divida não fosse selada, o infeliz, depois de ser oferecido por três vezes ao
mercado local, podia ser vendido no estrangeiro. Um devedor ou um seu
familiar podia ser obrigado a trabalhar até a extinção de uma dívida, que era
acrescida com os gastos de “manutenção”do trabalhador.(Maestri.1987:30)
É dessa forma que em Roma a consolidação das unidades agrícolas consagra a
escravidão inscrita por muitas formas, fortalecida assim com a combinação do latifúndio
com a escravidão.
Na escravidão moderna, é entre o séc.XV e o XVII que se inicia uma profunda
mudança histórico-geográfica. A América e a África viriam cumprir um papel relevante,
fruto da expansão e cobiça da burguesia comercial européia liderados pelas monarquias
de Portugal e Espanha. Os navios negreiros deixariam de ser apenas um transporte de
mercadorias para se transformar em uma peça-chave do comércio ultramarino. Desde a
preparação do navio à embarcação dos escravos, as rotas passavam por ilhas que eram
entrepostas aos continentes transformando o oceano Atlântico em um espaço de
encontro, em que permitia um acontecer cotidiano. Os escravos tratados como
mercadoria valiosíssima, além de estarem submetidos à violência da escravidão, se
preparavam nesse trajeto para conviver com pessoas diferentes de sua classe ou crença,
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para enfim, desembarcar em um continente desconhecido. Esse escravo, que
possivelmente foi capturado no seu próprio país muitas das vezes não possui relação
com os outros escravos, e acaba por transformar sua origem e as experiências pós
embarque um fator para a construção de uma nova identidade.
De acordo com as atividades econômicas ligadas a escravidão a cana de açúcar
foi a primeira atividade econômica de grande porte no Novo Mundo, esta teve sua
origem no mediterrâneo em quantidades pequenas; havia pouca tecnologia quando
comparado ao que seria implementado no Brasil e ainda não estava consolidada como
um grande sistema agrícola . Produziam-se outros produtos, junto à cana, a mão-de-obra
era basicamente serva e camponesa. Assim, os produtores de açúcar do velho mundo
dependiam cada vez mais dos impostos que cobravam dos moradores para gerar a
tecnologia inovadora e assim poder transportar a agroindústria para o novo mundo
(MILLER.J. C. 1997). Desta forma, a produção de açúcar européia, não antecipou o
complexo açucareiro posteriormente instaurado nas Américas. O avanço do plantio só
irá acontecer quando comerciantes e agricultores partem para o Novo Mundo.
(STUWART.2005). Contudo, no caso específico do complexo industrial da cana, a
análise de Miller enfoca a questão como resultado de um lento processo de 400 anos de
uma dinâmica que consegue se constituir no séc. XVII iniciado sem o uso do trabalho
escravo, sem monocultura, e sem as condições ambientais encontrada nas Américas.
Posteriormente, no Novo Mundo, condicionados à geografia local, a plantation
ganha força e transformações espaciais profundas se estabelecem no território. A
relação com a terra e seus habitantes começa a responder sob a ótica de um capitalismo
embrionário; e a nova América transforma-se em ponto estratégico para a economia.
Enquanto isso a política de concessão de terras, conhecida como sesmarias ia
reestruturando o território e transformava no Brasil, pequenos camponeses em fidalgos,
índios em recurso e homens em mercadorias.
Toda essa contextualização do que na verdade pode ter significado esse arranjo
espacial do Século XV ao XVIII, como também algumas observações sobre a
escravidão antiga, concentra-se na expectativa de quebrar alguns estereótipos de que se
tem realizado sobre a escravidão e seus atores. Para diferenciar a escravidão antiga da
atual é importante realçar que a sociedade escravocrata, não pode e nem deve ser vista
de forma a pensar o escravo de forma monolítica. O fato de o escravo estar associado à
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sua força de trabalho desde o momento em que é adquirido pelo seu proprietário, pode
ser visto de maneira empobrecedora por não valorizar as estratégias de adaptação dos
escravos a uma nova ordem. Tanto como foram observados na forma antiga e moderna
de escravidão, existem muitas singularidades em cada período histórico.
Através dos trabalhos realizados pelos historiadores brasilianistas, Stuart
Schwartz (2005) e Russell Wood (2005) podemos acompanhar a sociedade escravocrata
por meio das relações sociais e de poder existentes no Brasil colônia. Russell-Wood
procurou trabalhar um pouco da característica existente na população escrava, que para
a sua manutenção construía diferentes estratégias de adaptação como: as irmandades, a
prostituição, o escravo de ganho, o casamento, o batismo, a procura por alguma arte que
o diferenciasse dos demais que podem ser vistos tanto como ferramentas utilizadas para
conseguir a manumissão4. Além de ser mercadoria, é propriedade, é vendido junto com
a sua força de trabalho, e não pode negociar o uso da força, porém, encontram-se casos
em que esta mão de obra é “super explorada”, pois além de ter sua relação direta com o
proprietário como mercadoria ainda encontra meios para exercer uma segunda função, a
fim de obter a compra de sua liberdade.
Sendo assim, o processo de adaptação dos escravos parece não estar dissociado
do seu contexto sócio-espacial como aparecem nos diferentes períodos do tráfego de
escravos para o Brasil. Em seu trabalho, o autor destaca aspectos singulares das
populações afro-descendentes, não apresentando essa população como um agente
passivo, por ser escrava, mas como um forte protagonista quebrando mais um dos
estereótipos formados sobre a escravidão no Brasil.
Em síntese, acredito que esses fatores auxiliam no entendimento da contribuição
da população submetida à escravidão para a formação sócio-espacial brasileira. Por não
pensar nesses trabalhadores apenas como uma mão-de-obra alienada, e passiva de se
tornar liberta, mas os apresentam como detentores de sabedorias capazes de construir
meios que os concedem possibilidades de torná-los livres. Os escravos no Brasil não
podem ser separados de características “humanas” escondendo o desejo, a sabedoria, a
racionalidade. A flexibilidade em se adaptar e reconstruir sua vida na colônia
4 Alforria
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portuguesa junto as características pessoais de cada escravo - que carregava consigo os
valores e a representações de outra cultura e de outro lugar - não podem ser deixados de
lado. Portanto, não convém tratar de forma generalizada essas estratégias de adaptação,
muito menos o fato de serem mercadoria, elementos descartados pelos dois autores para
compreender a realidade naquela sociedade e a própria escravidão. A escravidão, então,
irá se configurar de forma distinta em cada região brasileira, pois as origens do escravo,
a transformação deste, principalmente, de seus valores nos navios negreiros, a adaptação
na nova terra e as estratégias de alforria, permitirão uma configuração diferenciada da
escravidão e da formação sócioespacial.
Contudo, esta breve contextualização das situações existentes tem como objetivo
mostrar que a escravidão moderna esconde na verdade singularidades que não devem
ser simplificadas na existência de um sistema escravocrata.
A imagem do negro, acorrentado, sofrendo violências desumanas tornou-se lugar
comum no imaginário da sociedade brasileira, sociedade essa que demorou a enxergar
tal violência com o outro - diante do fato do Brasil ser um dos últimos países da
América do Sul a declarar o fim da escravidão. A sociedade que se constitui pós-
abolição foi construída com padrões de pensamento eurocêntrico, com características
machistas, racistas além da forte dependência econômica. Em nenhum momento foi
dada dignamente a oportunidade desses ex-escravos se inserirem em posições sociais
dignas na sociedade. Um pequeno exemplo pode ser dado através das manifestações
culturais e religiosas, que ainda hoje sofrem com preconceito.
A idéia de que a escravidão contemporânea no Brasil foi consentida pela
sociedade pós- abolição, pós independência é algo que precisa ser melhor debatido, e é
o que está sendo proposto nesta análise. A própria construção de um estereótipo de
escravidão pode ser considerada como um discurso para que se encubram as relações
sociais do mundo atual.
No entanto, os aspectos diferenciais da escravidão devem ficar bem definidos
como demonstra o quadro 1.05:
5 Tabela adaptada do Relatório Global – OIT. 2005.
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Quadro 1: Comparação da Escravidão Antiga, Moderna e Contemporânea
Escravidão Escravidão Antiga Escravidão Moderna Escravidão Contemporânea
Propriedade legal Permitida Permitida Proibida
Custo da Mão – de - Obra Não havia. A não ser de
forma indireta como
alimentação.
Alto. A riqueza de uma
pessoa podia ser medida pela
quantidade de escravos
Muito Baixo. Não há compra e,
muitas vezes, gasta apenas o
transporte. *Exceto quando se
refere ao tráfico de pessoas.
Lucros Indireta, no uso da mão –
de – obra escrava para a
expansão de propriedades.
Mesmo havendo custos com a
manutenção os lucros eram
altos. O trabalhador era um
investimento.
Altos. Se alguém fica doente,
pode ser mandado embora sem
direitos. *O empregador se
beneficia do trabalhador sem
responsabilidades.
Mão –de - Obra Não era cidadão. Negado o
direito fundamental à
Polis, à Política.
Escassa. Dependia de tráfico
negreiro, prisão de índios ou
reprodução.
Descartável. Um grande
contingente de trabalhadores
desempregados.
Relacionamento Variável, dependendo do
período em que se
inscreveu.
Longo período. A vida inteira
do escravo e a de seus
descendentes
Curto Período. Terminando o
serviço não é mais necessário
prover sustento*existindo
algumas exceções.
Diferenças étnicas Povos conquistados Relevantes e até
condicionantes
Pouco relevantes. Pobres
Mudança na Ordem Mudanças de
relacionamento após
mudança de poder político
Ameaças, violência física,
violência psicológica, coerção
física, punições exemplares
,assassinatos
Ameaças, violência física,
violência psicológica, coerção
física, punições exemplares
,assassinatos
De acordo com o quadro à cima o baixo custo da mão - de - obra faz com que
exista um sucessivo processo de substituição desta, tornando os trabalhadores
“descartáveis” se não cumprem com os “acordos” iniciais. O curto período, exceto em
algumas exceções, denunciam a atividade que está relacionada a maioria dos casos, com
as grandes empreitadas que necessitam da limpeza rápida da área para a expansão da
propriedade. O que também irá contribuir para a ocorrência de algumas reincidências.
Quanto às diferenças étnicas, estas são pouco relevantes nesta fase atual da escravidão,
pois o fator principal se torna a condição econômica. Já a relação de violência, pouco se
difere da escravidão antiga e Moderna acentuando apenas o fato de neste momento ser
proibido por lei e serem considerados crime.
Outro fator não mencionado no quadro 1.0, mas que complementa a escravidão
contemporânea em relação ao trabalho escravo no campo brasileiro é o isolamento
geográfico. É comum encontrar a utilização do difícil acesso as propriedades como
meio para a escravidão.
31
Sendo assim, a escravidão contemporânea é constituída por indivíduos, homens,
mulheres e crianças que estão à margem da sociedade, desprovidos de condições
econômicas e sociais; o que contribui para o aumento da coerção sobre os trabalhadores.
1.2 - Como o fenômeno se apresenta.
Foi através das sucessivas convenções e protocolos internacionais que o tema
vem sendo consagrado no cenário internacional. Segundo Thiago Poggio, no que diz
respeito ao acompanhamento jurídico do Direito Internacional Público. A mobilização
política em prol de leis que abolissem definitivamente formas de escravidão pode ser
identificada nas primeiras décadas do século XX, quando a Liga das Nações, em 1926, e
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, assumiram a campanha contra
a escravidão e seus análogos no lugar de agentes missionários e grupos de pressão
[“abolicionistas”] humanitários. (COOPER, 2005). “Entre 1926 e 1930 a Liga das
Nações e a Organização Internacional do Trabalho chegaram ao entendimento de que o
trabalho forçado, fosse para ganho privado, fosse com propósitos públicos, criava
“condições análogas à escravidão” (COOPER, 2005)
A Convenção de 1930, foi estabelecida ainda com muitas oposições devido a
preocupação de alguns Estados em manter o controle de suas colônias. Segundo
Frederick Cooper:
A Conferencia Internacional do Trabalho de 1930 aprovou a versão final por 93 votos a favor e 63 abstenções, entre as quais França, Bélgica e
Portugal.Os opositores tinham como princípio que tratavam com indivíduos
“e m diferentes estágios de civilização”, e os governos locais precisavam de
flexibilidade para garantir que fosse realizado o trabalho necessário para o
bem do próprio povo; além disso, o povo se beneficiaria com “ um período
para habituar-se e educar-se” As iniciativas para retardar a implementação e
isentar as empresas privadas que trabalhavam em projetos e obras públicas
foram vigorosamente discutidas e derrotadas .(ibdem2005:245)
32
Por mais que um grupo representativo de países ainda se opusesse, o poder de
definir os termos do debate sobre questões internacionais não foi igualitário, os
movimentos antiescravista, anticolonial e contra o apartheid [foram importantes para
impor] mudanças profundas ao processo político que seguia as normas universalistas e
[como também] aos que não as seguiam (COOPER.2005).
Observando a tabela a seguir podemos constatar a evolução do termo na política
internacional:
Quadro 2. Evolução dos pactos, declarações e acordos sobre escravidão
ANO Pactos, tratados, declarações e
Organizações Internacionais.
Proposta Objetivos
1919 Organização Internacional do Trabalho
(OIT)
Objetivo principal da
organização
Harmonizar os direitos do trabalho,
através de convenções e declarações.
1926 Liga das Nações Art. N 1 e 2 Convenção sobre a escravatura, recomendava eliminar das colônias os vestígios de escravidão e comércio de escravos
1930 Convenção do Trabalho Forçado. Organização Internacional do Trabalho (OIT)6
Resultado de investigações sobre formas análogas pedidas pela Liga das Nações
Supressão do trabalho forçado e compulsório em todas as suas formas no período mais curto possível.
1957 Convenção suplementar Convenção N° 105 Abolição do trabalho forçado e todas as suas formas
1966 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
ONU Proíbe a escravidão, a servidão e o tráfico de escravos.
1991 Fundo Fiduciário contra Formas de Escravidão
ONU Assessorar organizações não governamentais que tratem do assunto a participar das deliberações do Grupo de Trabalho,promovendo auxilio financeiro e humanitário às vitimas de trabalho escravo
1969 Convenção Americana sobre Direitos
Humanos - OEA
Ratificada pelo Brasil em
1992
Trata da escravidão e da servidão.
admitindo o trabalho forçado legal, de acordo com a convenção 105 da OIT.
6 A Conferencia Internacional do Trabalho de 1930 aprovou a versão final por 93 votos a favor e 63
abstenções, entre as quais França, Bélgica e Portugal (COOPER.2005:244).
33
1998 Declaração Sócio Laboral - MERCOSUL
Art. 5.Proibição do trabalho forcado
Traz a proteção contra a escravidão no âmbito do Mercosul
1999 Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil,1999(n.182)
(n°.182) Proíbe a Servidão infantil
Adaptado do texto de Thiago Poggio e Relatório Global (2005)
Ou seja, o primeiro tratado internacional que proíbe a escravidão data de 1926 e
anteriormente a essa data somente algumas medidas de alguns países propunham a
discussão na sociedade sobre as formas de escravidão. É o caso do Bill Aberdeen7 -
Slave Trade Suppression Act , medida imposta pela Inglaterra, em 1845, que proíbe o
comércio de escravos entre a África e as Américas. Sendo que , em 1807 a Inglaterra já
tinha abolido a escravidão, no entanto, nas suas colônias apenas isso só aconteceu 26
anos depois.
“Os britânicos insistiam em que tinham horror ao trabalho forçado, mas ainda
assim praticaram-no nas primeiras décadas do século em minas da Costa do Ouro e da
Rodésia e reviveram-no extensamente durante a Segunda Guerra Mundial.
Empregavam cuidadosamente pelas palavras como “recrutamento”, mas os africanos da
Rodésia não se deixaram enganar: usavam a palavra “chibaro”, que significa “escravo”
nos idiomas locais(COOPER.2005:242)
Essa contradição entre a liberdade na metrópole e manutenção da escravidão nas
colônias foi vivenciada por muitas outras potencias econômicas da época, por mais que
tomassem medidas que internacionalizam a luta contra a escravidão8. No Brasil, por
exemplo, desde 1831, a Lei Feijó libertava os escravos introduzidos no país a partir
dessa data, no entanto, ficou conhecida mais popularmente como “lei para Inglês ver” .
7 O que viria causar inúmeras mortes de escravos nas fiscalizações dos navios negreiros que
desrespeitavam o tratado
8 Segundo a Revista da Biblioteca Nacional(2008)
34
Na perspectiva global sobre o trabalho escravo, o estudo mais apurado
encontrado durante a pesquisa foi o relatório feito pela OIT, que configura um quadro
amplo das relações do trabalho. A OIT utiliza em suas convenções o termo trabalho
forçado, devido a diversas formas que se perpetuam após a abolição da escravidão. O
termo trabalho forçado é descrito através de duas formas: trabalho ou serviço imposto
sob a ameaça de punição9 e aquele executado involuntariamente (OIT 2006:5). Sem
contar o fato que assume múltiplas formas, tais como:
Quadro 3 - Identificação de Trabalho Forçado na Prática
Falta de Consentimento (natureza
involuntária do trabalho)
(“itinerário” do trabalho forçado)
Ameaça de Punição (meios de
manter alguém em regime de
trabalho forçado)
Escravidão por nascimento ou por
descendência de escravo/ servidão
por dívida
Violência física contra o
trabalhador ou sua família ou
pessoas próximas
Rapto ou Seqüestro Violência sexual
Venda de pessoa a outra (ameaças) de represálias
sobrenaturais
Confinamento no local de trabalho
– em prisão ou cárcere privado
Prisão ou confinamento
Coação psicológica, isto é, ordem
para trabalhar apoiada em ameaça
real de punição por desobediência.
Punições financeiras
Dívida induzida (por falsificação
de contas, preços inflacionados,
redução do valor de bens ou serviços produzidos, taxas de juros
exorbitantes, etc)
Denúncia a autoridade (polícia,
autoridades de imigração, etc) e
deportação.
Demissão do emprego atual
Exclusão de empregos futuros
Exclusão da comunidade e da vida
social
9 A punição não necessariamente vem na forma de sanções penais, mas pode representar a perda de
direitos e privilégios
35
Engano ou falsas promessas sobre
tipos e condições de trabalho
Supressão de direitos ou privilégios
Retenção ou não pagamento dos
salários
Privação de alimento, habitação ou
outras necessidades
Retenção de documentos de
identidade ou de pertence pessoais
de valor
Mudança para condições de
trabalho ainda piores
Perda de status social
FONTE: Relatório Global.2006:6
A OIT faz algumas ressalvas a trabalhos de emergência como guerras, incêndios,
serviço militar e penitenciário. Dessa forma, o trabalho forçado é nomeado para as
diferentes formas de escravidão contemporânea. No entanto, os Estados possuem
autonomia de trabalhar com termos diferenciados de acordo com a realidade de cada
local. “No Brasil, a expressão preferida para práticas coercitivas de recrutamento e
emprego em regiões remotas é “trabalho escravo”, todas as situações cobertas por essa
expressão parecem enquadrar-se no contexto das convenções da OIT sobre Trabalho
Forçado “( OIT,2005:8).
No Brasil, o termo trabalho escravo, portanto, é reconhecido desde 1995,
resgatando uma idéia de escravidão já vivenciada, provocando estranhamento a quem o
escuta, e ao mesmo tempo somando forças aos movimentos que procuram dar um fim a
essas práticas.
Segundo o Relatório Global da OIT, em 2006, os principais aspectos do trabalho
forçado no mundo contemporâneo se caracterizam por quatro focos:
Estar mais facilmente imposto por agentes privados do que diretamente
pelo Estado;
O endividamento induzido que favorece a coerção, reforçado pelas
ameaças de violência;
A situação legal de inúmeros trabalhadores migrantes vulneráveis à
coação devido às ameaças a divulgação de sua situação;
As falhas legislativas que dificultam o combate.
36
Esses quatro aspectos estão acompanhados de problemas como a definição
precisa do conceito de trabalho forçado que dificulta a identificação e punição;
dificultando a possibilidade de movimentar processos nos casos existentes. (OIT,2006)
O fato de o Brasil assumir o emprego do termo trabalho escravo em suas
campanhas, por órgãos do governo e ser reconhecido pela sociedade civil, colabora para
que a analogia à escravidão moderna intimide as grandes empresas de estarem
associadas a essa atividade. No entanto, o termo mantido no código penal “reduzir
alguém à condição de análoga a de escravo” não foi modificado, para condição de
trabalho escravo, o termo analogia no caso pode estar sendo utilizado como uma relação
de semelhança, deixando em aberto para interpretações se é de fato ou não. Este termo
pode ser interpretado por alguns agentes como estratégia de amenizar as verdadeiras
condições encontradas na realidade, com finalidade de prevalecer futuras punições.
Dentro desta perspectiva, torna-se importante a busca por melhores definições seja junto
à OIT, através do meio jurídico, com intuito de melhor definir este conceito e melhor
empregá-lo dificultando o favorecimento de certos grupos a existência de lacunas nas
leis e convenções.
A OIT e algumas organizações não-governamentais também abordam o termo
escravidão por dívida, por se tratar de uma situação encontrada na maioria dos casos de
escravidão contemporânea, onde se desenvolve uma relação em que o trabalhador se
torna impedido de se desvencilhar do seu local de trabalho devido a sua dívida com o
empregador e/ou agregado do empregador. Existem inúmeras formas de fazer o
empregado ficar sobre pressão do empregador, sendo as mais comuns a retenção da
carteira de trabalho; dívidas adquiridas pelo trabalhador desde o momento em que ele
decide acompanhar o aliciador (gato10
) fazendo com que ele apenas saia da área e da
produção após ter pago a viagem de ida, a estadia a alimentação; dívidas contraídas
durante o período de contato com o empregador . Outra característica comum, e não
muito imprevisível, que acompanha as situações de escravidão, são as infrações à
legislação trabalhista como as más condições de trabalho, falta de higiene e condições
precárias de equipamentos de segurança.
10 Este nome é dado exclusivamente aos aliciadores da área rural.
37
“No caso brasileiro, a escravidão (atual) não se manifesta direta e
principalmente em más condições de vida ou em salários baixos ou
insuficientes. O núcleo dessa relação escravista está na violência em que se
baseia, nos mecanismos de coerção física e às vezes também nos
mecanismos de coerção moral utilizados por fazendeiros e capatazes para subjugar o trabalhador.(...) Isso não quer dizer, obviamente que todos os
casos em que o trabalhador não recebe seu salário sejam casos de
escravidão.o pesquisador deve estar atento ao seu ingrediente, que é a
coerção física e moral que cerceia a livre opção e a livre ação do
trabalhador. Nesse sentido, pode haver escravidão mesmo onde o
trabalhador não tem consciência dela.” (FIGUEIRA.1999:132-Figueira-39).
Foto: Alojamento de trabalhadores
Foto: João Ripper - www.humanosdireitos.org
A própria CPT realiza tal distinção em seu banco de dados, separando as
questões trabalhistas das relativas ao trabalho escravo, sendo comum encontrar no
mesmo ambiente crimes cumulativos somando-se ao ato do trabalho escravo11
como
precárias condições de alojamento, transporte ilegal de trabalhadores, desmatamento de
áreas sob proteção ambiental e grilagem.
11 O trabalho forçado e considerado crime grave. Como estabelecido pela Convenção da OIT sobre a
matéria, a imposição ilegal de trabalho forçado deverá ser punida como delito penal, e será dever de todo
o Estado-membro que ratificar a Convenção assegurar que as penalidades impostas pela lei sejam
realmente adequadas e rigorosamente aplicadas(art.25). Relatório Global 2006.
38
Sendo os imigrantes ilegais alvo de máfias estrangeiras ou nacionais, facilmente
são relacionados com a superexploração capitalista. Em áreas rurais, a precariedade das
condições de vida como redução das pequenas produções agricultáveis ocupadas pelos
latifúndios e o aumento do custo da manutenção da roça favorecem a inserção de
homens e mulheres e até crianças, mas principalmente homens, a trabalharem como
escravos para os grandes latifúndios.
A escravidão contemporânea também se insere em espaços diferenciados, tanto
nos países desenvolvidos como subdesenvolvidos. Nas grandes cidades, geralmente
ocupam galpões ou casas residenciais, que de certa forma, chamam pouca atenção dos
habitantes, por estarem no meio de tantas outras informações.
No Brasil, a maioria dos trabalhadores encontrados em situação de escravidão
no campo possuem origem nos bolsões de miséria como o Vale do Jequitinhonha, em
Minas Gerais, em áreas pobres do Piauí e do Maranhão, por serem considerados os
Estados mais pobres do Brasil, segundo a UNESCO. A própria estrutura física, a
fazenda, localizada à quilômetros de distância das rodovias, contribuem para a
manutenção de inúmeras ilegalidades. Tornando a situação geográfica um problema
para a fiscalização e uma ferramenta para os proprietários. Como demonstram os
históricos a seguir12
:
Mato Grosso.1994.
"...outra operação foi realizada na Fazenda no município de Macondo - MT. Nesta fazenda, pouco se pode realizar, sabendo que são numerosos os homens que trabalham em regime escravo. Nesta fazenda encontramos muitas dificuldades, pois a fazenda conta com 90 mil ha de terra e está dividida em retiros. Além da sede central
possuir sub -sede , faz-se necessário 4 horas de barco pelo rio. A segunda sub-sede está' localizada a 65 km da sede central cujo acesso, geralmente é feito com trator. A terceira sub-sede o acesso se dá somente de avião ou por água. Em todas essas sub-sedes há denuncias de escravidão e que existem homens fortemente armados vigiando os trabalhadores. Ninguém pode sair e se ameaçarem fugir serão assassinados". Agente da CPT que participa de vistoria na Fazenda, junto com fiscais da DRT e agentes da Polícia Federal. Ministério do Trabalho, DRT, relato'rio de atividades de fiscalização, Brasília.
12 Todos os nomes das fazendas são fictícios assim como o nome dos trabalhadores afim de evitar a
exposição dos envolvidos, por mais que muitas referencias possuam fontes na mídia.(jornais, revistas)
39
Rio de Janeiro. 1992.
À noite, os trabalhadores escravizados, João e José (menor) e Francisco conseguem
fugir da fazenda. O grupo e' liderado por João, este se armou com dois facões e conseguiu ultrapassar uma cerca de arame farpado. Sem destino, eles correm durante uma noite inteira... O Globo (RJ), 24/04/92
Rondonia.1994.
O trabalhador José denuncia a prática de trabalho escravo na Fazenda, de onde conseguiu fugir. A denúncia foi formulada ao Delegado Regional de Polícia de. O trabalhador[...] fugiu junto com mais 12 companheiros. Andaram cerca de 120 km
a pé pela mata, durante duas semanas. Alguns trabalhadores foram recapturados e
João acredita que foram baleados. José conta que foi contratado por um homem identificado apenas por Amarante para trabalhar na Fazenda, em trabalho de roçado. São contratados cerca de 40 pessoas, a maioria de Cuiabá e Várzea Grande, MT. Todos recebem o valor inicial de CR$ 30.000,00 (trinta mil cruzeiros reais) pela empreitada e posteriormente, segundo promessa do gato, receberiam CR$ 15.000,00 por alqueire roçado. Ao chegarem na fazenda, os peões descobrem que teriam que roçar em um banhado. A comida era pouca e as condições de higiene e habitação , nulas.
Logo no início dos trabalhos, três peões adoecem com malária. Ao tentar negociar por melhores condições e remuneração, José foi advertido pelo "gato" de que dificilmente conseguiria deixar a fazenda, por causa dos pistoleiros que a vigiavam.
José denuncia que dois filhos seus, menores de idade, continuam retidos na Fazenda.
O delegado alega que o crime denunciado acontece em Rondônia, e assim a polícia do Mato Grosso nada pode fazer.[ ] O peão é encaminhado `a OAB para repetir a denúncia.
Diário de Cuiabá 06/04/94.(grifos meus)
Segundo a OIT, o elo entre o tráfico e a pobreza pode ser relacionado não só no
Brasil, mas em outros países como mostra a tabela a seguir:
Tabela 1- Elo Entre a Pobreza e o tráfico
40
Relatório Global.2005:63
A OIT vem atuando junto aos governos e tem levantado muitos casos
relacionados à rede, ligada ao tráfico de pessoas com incidências de servidão,
escravidão por dívida e prostituição infantil. O tráfico de pessoas é visto como:
Traficar refere-se a recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou
acolhimento de uma pessoa por meio de ameaça ou uso da força ou outras
formas de coação, seqüestro, fraude ou engano “para fins de exploração”.
Por exploração entende-se, no mínimo, “a exploração da prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviço forçado,
escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou extração de
órgãos” (artigo 3º (a) do Protocolo). 13( OIT. 2005:7)
Para a OIT as atividades são classificadas por agentes, que se dividem em
formas de exploração e se são traficados ou não.
Organograma 1.0 – Agentes do Trabalho Escravo (segundo a OIT)
Adaptado. Relatório Global 2005
13 Protocolo sobre Tráfico, de 2000, Protocolo para Prevenir, Abolir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e
Crianças, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Trabalho Escravo
Agentes
Privado (64%) Estado (11%)
Imposto por grupos de
rebeldes – geralmente ligadas a áreas de
conflitos
Serviços Militares para
obras públicas
Páises pobres
Trabalho forçado em prisões –
diferentes situações
Exploração Sexual comercial
(11%)
Exploração Econômica
Homens (2%), Mulheres e
crianças (98%)
No campo , se concentram
homens e as vezes familias
Servidão, trabalhos
domésticos trabalho
forçado em zonas
rurais
Traficados e não Traficados
41
Para a OIT, o evento se concentra em algumas regiões, mas, como diversifica a
sua modalidade e forma pode-se dizer que está distribuído por todo o globo. O trabalho
escravo pode estar relacionado à atividade do tráfico de pessoas, em geral imigrantes,
transformando sua condição em ilegal, e os submetendo a grupos mafiosos,
relacionados ao tráfico de drogas, armas e sexo.
Segundo o relatório global de 2006, a distribuição geográfica do trabalho
escravo no mundo contemporâneo apresenta o seguinte panorama:
Tabela 2. Distribuição Regional do Trabalho Forçado(OIT)
Distribuição Regional do Trabalho Forçado Número de Pessoas em Situação de
Trabalho Forçado
Ásia e Pacífico 9.490.000
América Latina e Caribe 1.320.000
África Subsaariana 660.000
Países industrializados 360.000
Oriente Médio e Norte da África 260.000
Países em transição 210.000
Mundo 12.300.00
Relatório global 2005.Pág 20
Na Ásia e no Pacífico o setor privado aparece com a servidão por dívida na
agricultura entre outras atividades. Vinte por cento fica por parte do Estado. Destaque
para o caso de alguns locais dessa região ser utilizado como referência de violação aos
direitos humanos. O mais conhecido é Mianmar, país marcado pela poder político
ditatorial, que é também conhecido pela intensa produção de heroína (onde se utiliza o
trabalho forçado para a colheita) e recentemente, pela violência aos monges budistas
que ocorreu em 2007. A China, mesmo com sua surpreendente economia em ascensão
foi recentemente alertada pelos órgãos internacionais por utilizar mão-de-obra escrava
na fabricação de brinquedos referentes a símbolos da Olimpíada de 2008. Outro caso
relatado pela mídia, foi a fabricação de artigos esportivos e de trabalho infantil, como
42
resultado do intenso tráfico de pessoas que buscam melhorias de vida nas grandes
metrópoles.
No Oriente Médio e no Norte da África aparecem características semelhantes às
da Ásia, porém com menor participação do Estado. Na África subsaariana, na América
Latina e no Caribe se destaca o setor privado na exploração econômica.
Quando se refere ao trabalho escravo contemporâneo na região da África
subsaariana, o relatório da OIT aponta dificuldades na caracterização. A OIT realizou
uma breve análise das características principais em que surge a escravidão no continente
procurando informações em Estados que tenham uma melhor organização nos dados
requisitados a fim de traçar um panorama, dentre eles o Sudão, o Níger e a Mauritânia.
A pesquisa da OIT demonstra que o trabalho escravo se caracteriza aí por muitos
seqüestros, por discriminação étnica, servidão por dívida em áreas rurais, servidão a
chefes (líderes) tradicionais, servidão em exércitos realizados por crianças após
conflitos, entretanto, tratar de trabalho forçado na África torna-se um verdadeiro
desafio. É inimaginável, realizar tal estudo sem a contextualização dos fatores que
contribuem para a escravidão contemporânea no continente sem que a própria história
da sociedade ocidental, sobretudo no período imperialista, seja considerada14
. Vale
ressaltar que equívocos já foram realizados historicamente em relação aos povos
africanos, e cabe aos pesquisadores, a preocupação na forma com a qual se divulga as
informações a fim de não contribuir para uma leitura que oriente a compreender a
escravidão nessa região como foco da barbárie inata às populações. De forma a não
contribuir na manutenção de estereótipos construídos ao longo da história sobre essas
sociedades.
14 Como não é do interesse neste trabalho realizar uma análise sobre a forma que o relatório global
organiza os dados, mas sim incorporá-lo como obra que nos permita caracterizar aspectos importantes
sobre o tema, considerando as informações apenas como apontamentos sobre a região, caso seja do
interesse do leitor se informar sobre a escravidão contemporânea na África, vale como sugestão, estudar a
história, a cultura e a vida dessas sociedades. Afim de não tratar o tema da mesma forma que parte da
sociedade ocidental tratou e vem tratando até os dias atuais. O objetivo, não é duvidar da veracidade dos
dados e do trabalho da Organização, mas por considerar a singularidade de cada região africana e pelo
passado de mais de 300 anos escravidão. A mentalidade e as relações às quais se deram pós-comércio de
escravos podem ser bem distintas em relação aos países que seguiram o modelo tradicional de produção
capitalista.
43
Um outro órgão que realiza um trabalho importante sobre a escravidão
contemporânea que pode nos ajudar na contextualização do tema é a organização Anti-
Slavery International(ASI), instituição abolicionista que procura estabelecer um
movimento em defesa dos trabalhadores junto aos governos, organizações e a sociedade
civil. Na perspectiva de denúncia e luta contra o trabalho escravo realizaram-se estudos
sobre algumas regiões que serão analisadas no ultimo capítulo.
1.3 - O Trabalho Escravo Contemporâneo na América Latina.
As situações dos países latino-americanos no que diz respeito às relações de
trabalho não são muito promissoras, após um histórico de extrema violência desde a
conquista por europeus, marcado pelo massacre das civilizações pré-colombianas, bem
como, em seus períodos ditatoriais. A recente redemocratização tem se tornado um
desafio, dificultado pela implementação de políticas neoliberais que não visam às
garantias sociais e precarizam os sistemas através dos processos de terceirização e
enfraquecimento de sindicatos.
Mesmo com casos de lutas pela libertação ou reconfiguração das relações de
submissão, como é o caso dos quilombolas, o reconhecimento da cultura negra e a
valorização desses movimentos como instrumentos de constituição do território, estão
distantes de por um fim às formas modernas de escravidão.
A organização abolicionista inglesa Anti-slavarery International trabalha desde
1839 para coibir formas de escravidão. Desde sua fundação trabalha na luta pelos
Direitos Humanos e atualmente a instituição estuda diferentes regiões do mundo na
tentativa de denunciar o desrespeito à dignidade humana e sendo identificados esses
desrespeitos busca promover medidas para erradicá-los.
Alguns países da América Latina foram selecionados através do trabalho
realizado pela ASI para tentar compreender como essas relações se distribuem e como
contribuem para uma leitura do que é uma geografia do trabalho escravo.
44
1.3.1 Estudos de Caso: A Argentina, A Bolívia e o Paraguai
Ameaçada pela política econômica neoliberal fortalecida na década de 90, a
Argentina começa a sentir o peso por ter assumido os padrões econômicos do Banco
Mundial e da nova economia globalizada, sobretudo, na virada de século; sua moeda se
desvaloriza, e em 2001 a crise chega à tona causando problemas sociais gravíssimos. No
ano de 2003, 57,5% da população vivia abaixo da linha de pobreza (aproximadamente
20.000.000 pessoas) e 27,5% estava abaixo dos limites de extrema pobreza. (KAYE,
2006). Essa situação colaborou sobremaneira para que as pessoas buscassem trabalho
em terras estrangeiras. Dentro deste contexto, o tráfico de pessoas15
sofreu um aumento,
como também o número de pessoas exploradas nas relações de trabalho.
Um dos casos relatados nos documentos da ASI sobre a Argentina, foi o caso de
trabalhadores bolivianos entre 9 e 20 anos de idade que haviam sido sedados e
transportados para a Argentina e estavam sendo retidos em uma fábrica na região de
Matanza, forçados a trabalhar em fábricas clandestinas(KAYE, M.2006). Foram retidos
seus documentos, havia ameaça verbal e restrição de movimentação. Nem mesmo para
levar as crianças ao colégio ou médico os trabalhadores poderiam sair, pois seus
contratantes alegavam que esta ação poderia prejudicar a produção. A Defensoria dos
Povos na Argentina estima que poderia haver cerca de 10000 pessoas trabalhando em
situação similar em fábricas de Buenos Aires.16
A maioria dessas pessoas em situação de trabalho escravo se concentra em
fábricas têxtis que exploram também paraguaios e peruanos. O governo argentino
ratificou as convenções da OIT, mas não mexeu nas legislações que facilitam para que a
15 Vítimas do tráfico haviam sido identificadas em várias províncias Argentinas incluindo Buenos Aires,
Neuquén, La Rioja, Entre Ríos, Córdoba, Río Negro y Tucumán.
16 (KAYE,M.2006:7)
45
impunidade continue. A corrupção, muitas vezes da própria polícia, e a falta de
assistência para as vítimas, não permite que a cadeia de exploração de pessoas seja
melhor fiscalizada e o problema erradicado.
Na Bolívia, o trabalho escravo se distribui de forma diferente, concentrado em
três atividades: as indústrias de cana-de-açúcar, em fazendas do Chaco e em empresas
brasileiras de castanhas (SHARMA.2006). Facilitadas pelo isolacionismo e dificuldades
de acesso.
A estimativa na indústria de cana-de-açúcar boliviana é de que existam 33 mil
pessoas trabalhando sob condições de escravidão nas fazendas de cana, onde 18.000 são
homens e 15.000 entre mulheres e crianças (onde 7.000 são crianças menores de 14 nos)
17. Em 2003 estimava-se 21mil trabalhadores escravizados incluindo homens e crianças
trabalhando na região de Santa Cruz. Recrutados em outras regiões onde os índices de
pobreza são ainda mais baixos, os trabalhadores são levados para Santa Cruz para
trabalhar em áreas aproximadamente de 90.000 hectares18
. As redes de recrutamento são
organizadas, existindo toda uma hierarquia em seu procedimento. A terceirização da
contratação facilita a impunidade dos verdadeiros contratadores. Esses intermediários
selecionam o empregado de acordo com a capacidade de produção e, a principal vítima
nesse caso é a população quéchua19
. Em Santa Cruz, estima-se que existam entre 250 e
270 contratadores nas áreas rurais. A maioria dos trabalhadores é coagida a viajar
confiando em promessas que posteriormente se transformam em escravidão por dívida.
Outra região do país onde há registro desse tipo de relação social é a Amazônia
boliviana nos departamentos de Pando e Beni, sendo os trabalhadores recrutados em
Guayaramirim, Riberalta e Cobija, outros são capturados em áreas rurais e nos centros
urbanos para trabalhar no campo (SHARMA. 2006)
17 International Labour Organization (ILO)(pag7. SHARMA. Bhavna.2006p.3)
18 Contemporary forms of slavery in Bolivia. Anti-slavery Internacional .Bhavna Sharma.2006
19 População originária indígena da Bolívia - The main indigenous populations are Quechua (30 per cent), Aymara (25 per cent)
and Guaraní (1 per cent) SHARMA. Bhavna.2006.p1.
46
A indústria de castanhas exportadas da Bolívia pelo Brasil registrou, entre
1986 a 2003, um aumento de US$ 7 para US$ 34 milhões representando
2.4% do valor de todas as exportações da Bolívia. Especula-se que 31000
pessoas estejam trabalhando na colheita de castanhas onde,
aproximadamente 5000 a 6000 trabalhadores, continuam em dívidas após a
colheita e, assim, continuam sob o trabalho escravo. A média é de 69 kg de
castanhas (3 caixas) por dia, rendimento de 12 horas de trabalho, sem
alimentação, caso queira realizá-la é necessário comprar ou ser agraciado
pela natureza em fornecer-lhes frutos durante a colheita. O mesmo é feito
com os materiais utilizados na colheita. 20
No caso da região do Chaco21
, as fazendas privadas exploram originalmente os
povos guaranis na região de Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija, principalmente na
produção de milho, pimenta e amendoim. O processo acontece devido à perda do
território guarani pela expansão da fronteira agrícola.
Estudo de Caso - ASI: Comunidade Casa Alta
[...] 18 famílias trabalharam para um fazendeiro durante 25 anos. Eles
tinham um acordo verbal em que aos homens seriam pagos 10 bolivianos
(1,28 dólares) e as mulheres 5 bolivianos (0,64 dólares) por dia, enquanto as
crianças que ajudavam seus pais nada ganhavam. Eles foram mandados
embora da fazenda em 1999, quando o fazendeiro ficou preocupado com os
inspetores do governo que poderiam achar (pessoas em situação de) trabalho
forçado em suas terras.
Os trabalhadores explicaram para os inspetores o sistema de débito a que
eram submetidos. Seu empregador lhes adiantava dinheiro e bens básicos. O
administrador anotava todos os adiantamentos num caderno ao qual
ninguém mais tinha acesso. No final de cada ano era feito o "balanço" com todo o salário servindo para pagar o débito. Assim, a cada ano o débito
aumentava.
Os trabalhadores reclamaram que eles eram proibidos de procurar outro
trabalho para cobrir a dívida, e seus débitos só aumentavam. Eles disseram
20 Contemporary forms of slavery in Bolivia. Anti-slavery Internacional .Bhavna Sharma.2006
21 Região que abrange Argentina, Paraguai, Brasil e Bolívia. Caracterizada pelo seu domínio
morfoclimático
47
que havia sido difícil fazer tais denuncias anteriormente, dada a relação de
amizade entre o fazendeiro, as autoridades locais e o prefeito. 22
O governo Boliviano ratificou a convenção suplementar de 1956, a convenção
n° 182 sobre trabalho infantil de 1999; o protocolo de prevenção e punição sobre tráfico
de pessoas de 2000 entre outras, mas somente em 2005, a convenção n°29 de 1929. Pela
leitura de Sharma(2006) isso ocasionou lentidão no processo de combate às formas de
escravidão, pois elas devem unir a teoria à prática. Apenas um acompanhamento
político da situação não resolve o problema. Um plano de apoio às legislações e às
medidas de punição devem ser estabelecidas.
No caso Boliviano, o acesso à terra como os recursos extraídos da mesma estão
sendo questionados na reorganização do novo Estado após 2006. O fato de a Bolívia ser
o país mais pobre da América do Sul colabora para que sejam explorados os quéchuas,
os Guaranis e os mestiços de origem boliviana, não somente no seu país, mas também
em outros países da América Latina, como é o caso de bolivianos trabalhando na grande
São Paulo, recrutados na Grande La Paz ou nas fábricas argentinas.
O Paraguai, por sua vez, aderiu aos principais tratados internacionais que
proíbem formas semelhantes à escravidão, mas não ratificou a Convenção Suplementar
da ONU sobre a Abolição da Escravatura e Tráfico de Escravos e práticas análogas do
ano de 1956. O país também passou por um longo processo ditatorial de 35 anos e
22 Case Study: Casa Alta Community:
18 families worked for a ranch owner for 25 years. They had a verbal agreement that the men would be
paid 10 Bolivianos (US$1.28) and the women would be paid 5 Bolivianos (S$0.64) daily, whilst children
helping their parents received nothing. They were thrownoff the ranch in 1999 when the ranch owner was
worried that government inspectors would find the forced labourers on his land.
The workers explained to the Inspection Commission33 the system of debt that they were subjected to.
Their employer gave them advances of money and basic goods. The administrator took note of all
advances given in a private notebook that no one else had access to. At the end of every year the books
were “balanced” with all salary due going towards paying off the debt. In this way, every year the debt
steadily grew.
The workers complained that they were prohibited from seeking work else where to pay off what
they owed and their debts continued to rise. They said it had been difficult to file complaints earlier due to
the friendships between the rancher, the local authorities and the mayor.
48
apenas em 1989 se restabeleceu a democracia com intuito de por fim à corrupção e à
crise econômica, objetivos que não foram alcançados colaborando dessa forma para o
aumento da pobreza e da desigualdade social, devido à inserção do processo neoliberal
na economia.
O Paraguai se constitui de 25 diferentes etnias indígenas, sendo que as 15 que
vivem no Chaco paraguaio são as que mais sofrem com o trabalho escravo. A população
é composta por 5.800.000 pessoas onde 87.099 são indígenas.(KAYE, 2006: 02)
Em relação à estrutura fundiária a maioria da terra indígena foi vendida a
especuladores estrangeiros pelo governo paraguaio em 1885:
[...]Somente 45% das comunidades indígenas no Paraguay possuem terras,
apesar de ser um direito garantido pela constituição( a metade de deles não
tem terras e a outra metade não tem títulos de propriedades). Não obstante,
incluindo aqueles que tem terra carecem de capital e de acesso a credito para
usar-las comercialmente, ou não podem viver delas porque o que possuem não é o suficiente, a terra fértil não é fértil, ou não tem acesso a água(
KAYE, 2006: 003)23
No estudo realizado por Kaye(2006), esta desigual organização do campo
paraguaio resultou em muito desemprego, trabalho temporário e servidão por dívida. É
comum encontrar trabalhadores ganhando um salário bem inferior ao salário mínimo
local ou mesmo não recebendo nenhum salário. Alguns casos relatam mulheres
trabalhando como domésticas em fazendas, não sendo permitido nenhum dia livre e
ainda sofrendo abuso sexual. O isolacionismo é um dos fatores que colaboram para
dificultar a comunicação sobre a situação e a não liberdade de ir e vir.
23 Sólo 45% de las comunidades indígenas en Paraguay poseen tierras, a pesar de que es un derecho
garantizado por la constitución (la mitad de ellos no tienen tierras y la otra mitad no tienen los títulos de
propiedad). Sin embargo, incluso aquellos que tienen tierras carecen de capital o de acceso a créditos para
usarlas comercialmente, o no pueden vivir de ellas porque lo que poseen no es suficiente, la tierra no es
fértil, o no tienen acceso al agua. KAYE, 2006: 003)
49
Por mais que a Constituição Nacional e o Código do Trabalho proíbam o
pagamento de baixos salários, na prática, as fazendas não a respeitam. Segundo Kaye,
há uma interpretação do governo em que os trabalhadores indígenas não vêm sendo
enquadrados na preferência das fazendas. Fato que realmente tem acontecido a ponto
dos indígenas reconhecerem alguns de seus direitos e acionarem seus empregadores
requisitando e reintegração de posse da terra. Além do mais, o episódio pode se tornar
extremamente delicado, pois caso ocorresse um melhor reconhecimento dos seus
direitos quanto à situação, implicaria na denúncia feita em algum posto de fiscalização
ou vigilância, que geralmente não existe. Até o ano de 2005, não existia nenhum posto
no Chaco do Instituto Nacional do Indígena (INDI), representante do Ministério do
Trabalho.
O tráfico de pessoas, principalmente mulheres e crianças paraguaias, também é
constante, enviadas que são para a Argentina e Espanha, entre outros países. Já o
trabalho infantil se subdivide em dois casos: os que trabalham para terceiros e recebem
algum pagamento e outro chamado criadazgo24
, no qual as crianças trabalham pelas
suas necessidades básicas. A ASI denuncia como uma nova forma de escravidão por se
tratar de crianças que não têm controle sobre seu trabalho e sobre as formas que
deveriam ser tratados
Estudos do Centro de Documentação e Estudos (CDE), em 2002, sobre
trabalho doméstico infantil e criadagem, mostram que em cerca de
60% destes casos o trabalhador tinha 13 anos de idade ou menos, mas que
apenas 8% vivia com um ou ambos dos seus pais. Cerca de 50% dos
entrevistados morava com os seus empregadores ou pessoas que não eram parentes, indicando que a maioria dos trabalhadores infantis domésticos são
separados das suas famílias muito jovens. A separação física de um menor
da sua família não apenas o deixa vulnerável à exploração, como também ao
tratamento cruel e degradante. No estudo do CDE, muitas crianças relataram
sofrer maus-tratos dos seus empregadores, dentre estes insultos (33%), ter
que comer sobras (20%), violência física (12%) ou abusos sexuais (5%)
(KAYE, 2006: 26)
24 criadagem
50
Outro evento que ocorre no Paraguai é o caso de trabalho forçado no serviço
militar. Por mais que o serviço seja obrigatório para maiores de 18 anos, torna-se
constante o número de crianças entre 12 e 17 anos que são persuadidos a prestarem
serviço.
O Paraguai registrou 52 casos de trabalho forçado entre 1991 e 1998, dentro dos quais se encontravam pelo menos 643 soldados. O SERPAJ –Paraguai também documentou 110 casos de indivíduos com idades entre 12 e 20 anos que morreram
durante o serviço militar, entre 1989 e 2005. Alguns destes casos estão sendo analisados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.(KAYE, 2006: 30)25
O governo alega ter recrutado essas crianças devido ao fato de estarem sob muita
pobreza, fato que contradiz as próprias leis do Estado.
O isolacionismo geográfico de algumas propriedades é um fator relevante tanto
na região do Chaco como na Amazônia, tornando difícil o trabalho de órgãos e
instituições quês fiscalizam esse tipo de atividade.
De acordo com a leitura realizada, pode-se apontar duas questões de base
estrutural que se tornam presentes nesses países: a estrutura fundiária e as cadeias de
recrutamento organizadas. A primeira questão pode ser relacionada principalmente ao
Paraguai e à Bolívia pela ausência de uma estrutura no campo que permita que os
trabalhadores e populações tradicionais vivam da própria organização do trabalho
agrícola, submetendo famílias à extrema exploração. No Paraguai a banalização da
exploração passa pelo Estado que justifica o trabalho forçado por questões estruturais.
Na Bolívia, além das fragilidades políticas na Região do Chaco, representadas por uma
elite local de produtores rurais que constantemente entram em confronto com o altiplano
boliviano por disputas políticas de controle do território. Há indícios de uma rede de
25 Paraguay registró 52 casos de trabajo forzoso en los que se encontraban por lo menos 643 soldados
entre 1991 e1998. SERPAJ –Paraguay también documentó 110 casos de indivíduos de edades entre 12 y
20 años que murieron mientras hacían su servicio militar entre 1989 y 200571. Algunos de estos casos
están siendo tratados actualmente en la Corte Interamericana de Derechos Humanos.(KAYE, 2006: 30).
51
recrutamento organizada que já se preocupa com a não identificação de seus
proprietários, realizando a terceirização do serviço de recrutamento. Em La Paz, capital
da Bolívia, alguns trabalhadores denunciam o recrutamento de bolivianos para trabalhar
em São Paulo26
, através de promessas de melhores condições de vida, existindo assim;
dois pólos: os capturados na capital para outras grandes capitais e os das regiões rurais
para serem utilizados em regiões próximas para trabalho no campo. O que transforma o
país mais pobre da América do Sul em um território fonte de distribuição de mão-de-
obra escrava.
Na Argentina, o tráfico de pessoas se mostrou mais presente relacionado com a
privação do direito de ir e vir, através da retenção de documentos e ameaças. A falta de
fiscalização também foi denunciada como fator que corrobora para a permanência do
evento, por mais que tais nações tenham aderidos a tratados internacionais de combate
ao trabalho escravo, na prática, dentro de seus territórios esta realidade está longe de ser
solucionada.
De acordo com os casos apresentados na América Latina, pode-se dizer que a
maioria dos casos encontrados geralmente resulta de empregadores originados do poder
privado, ou pelo poder público contrariando suas próprias leis, o que ocorre também nas
zonas rurais.
Nas grandes cidades tem sido constante o relato pela mídia de trabalhadores
bolivianos sendo encontrados em galpões da grande São Paulo. Sabe-se que os
trabalhadores encontrados em São Paulo, são de origem paraguaia e boliviana vinda em
busca de melhores condições de trabalho.
Segundo estimativas da Pastoral dos Migrantes Latino-Americana, a
comunidade boliviana da cidade de São Paulo reúne cerca de 100mil pessoas, embora o
consulado dessa capital reconheça a existência de 50 a 70 mil imigrantes clandestinos.
(CACCIAMALI e AZEVEDO .2006)
26 Essa referencia foi dada após a conversa com dois bolivianos em La Paz, em 2006, que afirmavam ter
conhecido São Paulo e possuíam familiares nesta condição.
52
Geralmente são interceptados nas grandes capitais, que sofrem de pobreza e
desigualdades sociais, sendo subjugados às promessas de retorno a um valor superior a
ser alcançado nas suas cidades, tornando-se a proposta irrecusável. No caso específico
da Bolívia vale a pena ressaltar dois pontos importantes: a moeda boliviana é uma das
mais desvalorizada na América do Sul e a representação do Brasil, para os bolivianos, é
encarada como uma “potência” latino americana.
Ao iniciar o trabalho logo se encontram impedidos de regressar à sua cidade
natal.
O perfil característico desses imigrantes, que foi sendo construído desde os
anos 1980, mostra que eles são, em sua maioria, jovens, de ambos os sexos,
solteiros, de escolaridade média, e vieram atraídos principalmente pelas
promessas de bons salários feitas pelos empregadores coreanos, bolivianos
ou brasileiros da indústria da confecção. Oriundos de várias partes da
Bolívia, porém com uma predominância dos pacenhos e cochabambinos
(isto é, provenientes de La Paz e Cochabamba, respectivamente), esses
imigrantes passaram a apostar tudo na atividade da costura, alimentando,
assim, sonhos de uma vida melhor para si mesmos e seus familiares que lá
ficaram. Sidney Antonio da Silva. Estudos Avançados.Print ISSN 0103-4014.Estudo. av. vol.20 no.57 São Paulo May/Aug. 2006 doi:
10.1590/S0103-40142006000200012 .www.scielo.br
Trabalhadores bolivianos também foram citados como mão-de-obra utilizada em
fábricas de costura na periferia de São Paulo27
. A Polícia Federal, contabiliza 18.408 em
todo o Estado, já o Consulado boliviano, possui em seu cadastro aproximadamente 15
mil, porém estima-se em 60 mil, apenas na capital paulista, o número de imigrantes. O
27 Do ponto de vista da localização, os(as) bolivianos(as) estão concentrados em bairros da
Zona Central da cidade, como Bom Retiro, Brás, Pari, Barra Funda, Cambuci, Mooca, entre
outros. Entretanto, há também uma significativa presença deles em bairros da Zona Leste,
como Belém, Tatuapé, Penha, Itaquera, Cangaíba, Engenheiro Goulart, Ermelino Matarazzo,
Guaianases, São Mateus, e em bairros da Zona Norte, como Vila Maria, Vila Guilherme,
Casa Verde, Cachoeirinha, entre outros. Entretanto, nos últimos anos, a presença de
bolivianos extrapolou os limites do município de São Paulo, podendo ser encontrada em
cidades como Guarulhos, Osasco, Santo André, Diadema e em outras cidades do interior
paulista, como Jundiaí, Campinas, Americana, entre outras.
53
Centro de Estudos Migratórios chega a considerar de 60 a 80 mil bolivianos na grande
São Paulo28
.
Figura II - Feira de Cultura Boliviana em São Paulo
A existência de um bairro de imigrantes bolivianos traduz espacialmente a
existência destes em São Paulo. Infelizmente sem perspectiva de retorno à Bolívia,
muitos bolivianos acabam se sujeitando ao trabalho escravo, já que as repreensões e
custos para se legalizar inviabilizam qualquer iniciativa neste sentido.
Segundo o relatório da OIT existe um número estimado de 360 mil pessoas
presas ao trabalho escravo em países industrializados, de um total de 12,3 milhões em
todo o mundo. O trabalho escravo em países industrializados é principalmente uma
conseqüência do tráfico de pessoas. O tráfico é um crime global que pode ser
caracterizado como o lado obscuro da globalização (OIT, 2005).
28 (Carlos Juliano Barros. Pertencente ao site Repórter Brasil: http://www.reporterbrasil.com.br
Festa em Bairro Boliviano em São Paulo Fotos: João Monteiro
54
Capítulo II – Formas da escravidão contemporânea: A peonagem, o
barracão, e a escravidão por dívida.
“ O Marreteiro”29
O marreteiro não nos dá muita mercadoria
Só pouca mercadoria
Engana os kulina
Só nos dá tabaco, sabão, linha, agulha, perfume
Mais do que isso ele não dá
Faz a troca dos produtos como se estivesse certo
Mente que nós ficamos devendo
Como não entendemos, ficamos pensando na volta:
- Será que é verdade que ficamos devendo?
Então pensamos:
Como vamos pagar o marreteiro?
Naodisa Dsomaji-madija Representatante Kulina
( Madijadenico Ima.1983 – Acre)
No final do Séc. XIX surge no Brasil sob influência das idéias liberais um
conjunto de iniciativas que culminaria no movimento abolicionista. A primeira Lei que
trata da libertação dos escravos data de 30 de setembro de 1831, que declarava livres os
escravos desembarcados no Brasil. O tráfico de escravos perdurou até a promulgação da
proibição da comercialização através da Lei Eusébio de Queiroz, em 1850. Todavia, a
comercialização de escravos dentro do território não cessou. Em 1871, tivemos a Lei do
29 O marreteiro era o atravessador do sistema de aviamento, hoje em dia pode ser substituído pelo regatão
hoje estima-se a existência de mais de 10 000 regatões.
55
Ventre Livre, que libertava os filhos de escravos que até 28 de setembro se
encontrassem no ventre materno. A Lei dos Sexagenários -1886, garantindo a liberdade
aos escravos que atingissem 65 anos de idade, e apenas em 1888, é promulgada a Lei
Áurea, que declarava extinta a escravidão legalizada no Brasil.
Por volta de 1822, foram suspensas as concessões de terra e o processo de
apossamento acaba por se intensificar após a independência. Em 1850, também surge a
Lei de Terras, que acompanha esse período pré-abolição, colaborando assim, para uma
manutenção do status quo da parte da classe proprietária de terras no Brasil, que
anteriormente era caracterizada por doações desde o período das capitanias hereditárias,
e das sesmarias. Esta lei delimita que as terras somente poderiam ser compradas,
leiloadas ou regularizadas nos cartórios mediante pagamento. Em uma sociedade
escravista, a compra das terras, portanto, torna-se inatingível para a maioria dos
trabalhadores.
O trabalhador escravo após 1888 tornou-se só formalmente livre. Poucas foram
as alternativas para que este se reintegrasse na sociedade sem se submeter a condições
análogas à escravidão. A saída encontrada por muitos, nas circunstâncias adversas, foi
oferecer sua força de trabalho para os donos da terra, donos de engenhos, donos de
minérios, barões do café; donos dos meios de produção. Os donos da terra continuaram
a ser donos da força de trabalho, mas agora sem a documentação de propriedade sobre a
força de trabalho, permitindo dessa forma, que o consumo na parte interna das fazendas
e a situação de parceria norteassem a nova relação, fato este que para alguns estudiosos
se confundiu com uma relação feudal. Tornar o trabalhador devedor através de moradia
ou alimentação, de certa forma o transformava em cativo à fazenda e submisso aos
fazendeiros.
Posteriormente, a queda da monarquia e a implantação de uma república
oligárquica naturalmente retardaram as medidas agrárias sugeridas e
defendidas pelos grupos políticos mais avançados, fazendo com que surgissem em vários pontos do país, formas de exploração dos trabalhadores
agrícolas - formados em grande parte por ex escravos – (...) daí os vários
sistemas de exploração – a meação, o arrendamento, a prestação de serviços
gratuitos – em troca do uso de pequenas porções de
terra(ANDRADE,1991:9)
56
A escravidão contemporânea no Brasil ganhou destaque em diferentes
momentos e situações. Alguns termos como peonagem, o sistema do barracão, o
colonato, escravidão por dívida; já foram mencionados em alguns trabalhos e obras
literárias como termos análogos à escravidão. Esses termos, de certa forma,
compartilham situações em que a lógica da subordinação e da imobilidade da mão – de
– obra está presente. A analogia à escravidão era feita, porém , por existir diferenças
geográficas nas situações em cada região a escravidão contemporânea pós abolição
ficou conhecida de uma forma, logo, não existia uma unidade do conceito.
2.1.1 - O Barracão.
Para entender o “sistema do barracão”, torna-se inevitável uma menção ao
momento político e econômico em que o Brasil vivenciava nos períodos de prática do
tal sistema. Praticado principalmente na região Norte da Amazônia, o barracão era parte
do processo produtivo do sistema de aviamento que será explicado adiante.
A participação do país na divisão internacional do trabalho, promoveu um
reordenamento da mão-de-obra, através da combinação do aumento dos mercados nos
Estados Unidos e na Europa. Somados aos problemas climáticos no nordeste – a famosa
seca dos três setes 1877-78 -, favoreceu a concentração dos trabalhadores na região
norte do Brasil.
A extração da borracha na Amazônia se dava através do sistema de “aviamento”,
que consistia em um sistema de adiantamento de mercadorias a crédito. O sistema
possuía três pilares para a sua manutenção : o seringueiro, o barracão e o regatão30
. O
30 Comerciante que fornece mantimentos básicos para os seringueiros através de uma barco.
57
sistema atinge seu auge entre 1890 e 1910. Para o geógrafo Orlando Valverde, o
barracão vende a sua produção para as firmas “aviadoras” com sede em Manaus e
Belém. Essas empresas são companhias atacadistas que exportam a borracha e, ao
mesmo tempo, abastecem os seringais de gêneros, utensílios, fazendas, etc.
(“aviamentos”) por intermédio dos vapores que navegam o Amazonas e afluentes
(VALVERDE. 1964).
De certa forma, é esse sistema que por muito tempo irá estruturar a construção
das cidades, porém, com suas contradições.
Na base da pirâmide social está o seringueiro, que vegeta numa vida miserável,
isolado da selva. Lá estava ele, longe da família, sujeito aos ataques das
doenças tropicais, sobretudo a malária, e da carência, como beribéri, bem
como as emboscadas dos índios.
O barracão, que detinha o monopólio do comercio, explorava-o
extorsivamente. Logo ao ser admitido no seringal, era-lhe debitada na conta
uma quantia enorme (cerca de dois conto de réis, no principio do século),
relativa a roupas, rifle,terçado, balde, tijelinhas, alimentos, pólvora etc., e o
seringueiro só podia deixar o seringal um vez saldadas as suas contas no
barracão.
Era uma verdadeira escravidão econômica. Se o seringueiro tentasse fugir,
era caçado a dente de cão ou pelos “capangas” do administrador. Cada
seringal tinha sua “justiça própria, com prisão, jejuns e surras com
espinha de pirarucu. (grifos meus)
[...]Como se não bastassem esses tormentos, havia também outra fonte de
exploração, representada pelo “regatão”, espécie de armarinho flutuante,
geralmente dirigidos por sírios –libaneses.(VALVERDE.1964.278)
O impedimento do poder de ir e vir, tal como a punição e a dívida construída
desde o aliciamento até a produção permite a uma análise em que se pode assemelhar as
formas análogas à escravidão descritas atualmente. Em um outro momento o mesmo
autor reafirma que no “barracão” „o seringueiro entrega a borracha extraída durante a
semana e recebe víveres e “aviamentos” para a semana seguinte, fazendo um encontro
de contas do qual ele nunca recebe dinheiro. Confirmando assim a escravidão pela
dívida´. (VALVERDE. 1964)
58
Caio Prado Júnior ao descrever o processo de comercialização da borracha
também comenta as relações de trabalho na Amazônia.
O trabalhador construirá sua choupana na boca da estrada, e cada manhã
sairá a percorrê-la e colher a goma. Permanecerá aí isolado durante várias
semanas a espera do transporte fluvial que lhe traz os gêneros de consumo necessário e que levará o produto. As poucas folgas, largamente espaçadas
serão aproveitadas para uma visita ao “centro”, núcleo e sede da
propriedade, onde reside o seringalista (dono da exploração), ou mais
comumente apenas o administrador. Ele encontrará aí a única diversão que
oferece o desolamento da selva: a “venda” com bebidas alcoólicas. Aí
dissipará o magro salário adquirido.
Este pronto desembolso do salário faz parte do sistema de exploração da
borracha; é preciso impedir que o trabalhador acumule reservas e faça
economias que o tornem independente. Nesta região semideserta de escassa
mão –de –obra, a estabilidade do trabalho tem sua maior garantia no
endividamento do empregado. As dívidas começam logo ao ser contratado:
ele adquire a crédito os instrumentos que utilizará, e que embora muito
rudimentares (o machado, a faca, as tigelas onde recolhe a goma), estão
acima de suas posses, em regras nulas. Frequentemente estará devendo as
despesas de passagem desde sua terra nativa até o seringal. Estas dívidas iniciais nunca se saldarão porque sempre haverá meios de fazer despesas do
trabalhador ultrapassarem seus magros salários. Gêneros caros (somente o
proprietário pode fornecê-los porque os centros urbanos estão longe), a
aguardente.[...]Enquanto isto ainda não basta, um hábil jogo de contas que a
ignorância do seringueiro analfabeto não pode perceber, completará a
manobra.
Enquanto deve, o trabalhador não pode abandonar seu patrão, credos; existe
entre os proprietários um compromisso sagrado de não aceitarem a seu
serviço empregados com dívidas para com outro e não saldadas. Aliás, a lei
(Código Civil Brasileiro. art1230) vem sancionar este compromisso porque
responsabiliza o patrão que contrata um trabalhador pelas dívidas deste. E
quando tudo isto não basta para reter o empregado endividado, existe o
recurso da força. Embora à margem da lei, ninguém contesta ao proprietário
o direito de empregá-la.( História Econômica do Brasil,Brasiliense
1978.21°edição 238)
Essas passagens escolhidas deflagram a situação a qual eram expostos os
trabalhadores levados ao endividamento. A agricultura também era proibida, com
propósito de não contribuir para uma possível acumulação. Para Gonçalves é
exatamente nesse sistema que se baseia a organização dos seringais.
59
Se todos tivessem saldo conquistariam a liberdade e o sucesso de cada um
seria a razão da falência de todos, pois não permitiria a reprodução do
seringal como tal. Assim, a dívida é que mantém o seringal por meio da
esperança do saldo.Tanto o patrão como o seringueiro querem saldo nas suas
contas correntes. Vêm para ganhar dinheiro. (PORTO GONÇALVES,2003)
Encontrada em diferentes períodos na Amazônia, a situação de clientelismo dos
seringueiros com o sistema de aviamento (seringalistas) faz com que muitos cientistas e
escritores na década de 60 e 70 tratem as relações do sistema do barracão - sinônimo da
escravidão por dívida - em seus relatos e romances. E como o emprego no seringal está
associado aos diferentes processos de imigração na região, essa relação pode ser
facilmente confundida por uma servidão voluntária, como uma troca de favores entre
aqueles que procuram se territorializar.
Na década de 80, os ruralistas responderam às reivindicações dos seringueiros
com a morte do líder Chico Mendes que utiliza o momento não apenas para reivindicar
os meios de produção, mas também para denunciar ao mundo o problema ambiental
vivenciado pela Amazônia. No entanto, diante de tal perplexidade, em que as
instituições públicas tal como a mídia internacional cobriram a questão, o desmatamento
na Amazônia ganhou muito mais repercussão do que as relações de trabalho, e a
violência cometida à natureza e aos povos da florestas se transformaram em um marco
desastroso para que se possa entender as relações de poder existentes na região.
2.1.2 - A peonagem.
[...] há o dito popular na região: “peão não é gente!
D. Pedro Casaldáliga.1973.
60
A peonagem é um termo que surge no Brasil, principalmente no período da
ditadura militar. Caracterizado pelo trabalhador que vem de fora contratado para uma
empreitada segundo Figueira(2004) o peão31
é definido como:
Trabalhador rural em atividade braçal, levado para os empreendimentos
agropecuários na Amazônia, onde deve executar trabalhos pesados, de baixa
qualificação profissional, em geral sob coerção. O termo também utilizado
para identificar pessoas em atividades de desflorestamento, feitura e
conservação de pastos e cercas aliciadas pelo fazendeiro, empreiteiro ou por um seu preposto. Portanto, ligado diretamente à abertura de novas áreas
bem característica dos planejamentos.(Figueira.2004:18)
Uma análise fiel do que representa este personagem, foi realizada por Neide
Esterci(1987), em seu trabalho sobre os Conflitos de Terra no Araguaia:
[...] O termo peões podia ser utilizado pare referir-se tanto a trabalhadores
diretos como indiretos(peões, propriamente empreiteiros), desde que
contratados por empreita, remunerados à base da produção, dedicados a
tarefas tais como derrubadas, demarcação de limites, abertura de estradas,
sem vinculo empregatício juridicamente reconhecido pela empresa e
sujeitos a uma alta rotatividade, circulando de uma empresa para outra por
toda a região(ESTERCI. 1987:137). (grifos meus)
A mesma autora ressalta uma associação feita por Marx do termo peonagem
com relação às formas de subordinação surgidas em outras circunstâncias históricas32
:
31 Peão: amansador de cavalos burros e bestas. 2. bras.condutor de tropa(...)3.bras. Trabalhador rural.4.
bras. Amaz. Indivíduo geral recrutado em outros estados, como mão- de- obra para as grandes empresas
radicadas na Amazônia. 5. bras. Serviçal de estância; conchavando, índio. (1289)
61
[...] Em diversos países notadamente no México (...), a escravatura se oculta
sob a forma de peonagem. Por meio de adiantamentos resgatáveis em
trabalho e transmitindo-se a obrigação de resgate de geração em geração,
torna-se não só o trabalhador individual mas também sua família
propriedade, de fato, de outras pessoas e das respectivas famílias.(
Marx.1980:188) (grifos meus)
Dessa forma, a autora enfoca que o que está em jogo, num caso como nos
outros, é a perda, por parte do trabalhador, da condição de livre possuídos de sua força
de trabalho. Através da instituição da dívida, ele passa de “livre a escravo, de possuidor
de uma mercadoria a mercadoria” (Marx. 121 apud Esterci. 1987:140)
Outras relações de trabalho também são citadas no seu trabalho como o
mensalista, estes também são empregados, porém diferente dos peões estão sujeitos a
menores rotatividades, recebem mensalmente e são identificados como trabalhadores
“fixos”. Entre os mensalistas havia os chamados empregados que, do ponto de vista dos
peões(assim como dos posseiros) se supunha representarem, mais fortemente os
interesses das empresas. Incluíam-se entre os empregados, fundamentalmente os
gerentes e os fiscais. (ESTERCI,1987).
Duas características marcantes da peonagem - referida por Neide Esterci – que
permite atualmente assemelhar peonagem ao trabalho escravo contemporâneo são
endividamento e a coerção reproduzida nessa relação. O endividamento da peonagem
era garantido pelo “ abono”, quantia cedida pelo peão no ato de recrutamento e
despendida por ele fora do local de trabalho(ESTERCI 1987); as despesas de viagem, na
medida que o recrutamento era feito longe dos locais de serviço, eram o outro item que
se incluía nas despesas do trabalhador: referia-se a gastos de transporte, alimentação e
outros(ESTERCI 1987) e o fornecimento, referente a aquisições feitas pelo trabalhador
32 Essa passagem se assemelha as leis regidas no Estado de Goiás citadas anteriormente (lei de
20 de julho de 1882 – página - ) . Contribuindo para que se entenda a relação de subordinação
denominada como peonagem como elemento de freqüente ocorrência na história.
62
no período de trabalho em função de sua realização. Dependendo do tipo de contrato
estabelecido com o empreiteiro.( ibidem 1987:146)
[...] o contrato de trabalho “livre” implicava que o empreiteiro assumisse as
despesas de alimentação dos trabalhadores no período de realização da tarefa
contratada, sendo abatidas do saldo somente as despesas “extras” tais como roupas, cigarros e remédios; o contrato de trabalho tipo “cativo‟ implicava
que do saldo devido aos trabalhadores deveria ser abatidas todas as despesas
inclusive aquelas referentes à alimentação e ferramentas de
trabalho.(ESTERCI.1987: 147)
A coerção irá surgir derivada dessas relações. Após a dívida estabelecida sem
esclarecimento prévio de sua criação ela pode ser repassada a um intermediário ( patrão
, dono de pensão, gato). Este então, passa a ser responsável por quitar a dívida ou de
controlar a relação até que esta seja paga. Sendo assim, o endividamento possibilita a
imobilização da mão - de - obra, pois não possui mais o controle da sua força de
trabalho. Apontam para um mecanismo de cerceamento do trabalhador enquanto livre
vendedor de sua força de trabalho, o que caracterizaria a relação tipicamente capitalista.
[...](ESTERCI.1987)
Atualmente, a peonagem como foi referida acima, pode não possuir muitas
distinções entre os segmentos da força de trabalho, e está muito mais fortalecida pela
forma de recrutamento - aliciamento –; e formas de contrato – focados no
endividamento -. Outros termos como bóia- fria, peão de trecho, podem se assemelhar à
peonagem, no entanto, quanto à relação de período, podem se diferenciar.
A opção por trabalho escravo contemporâneo se torna uma opção baseada na
idéia de que o termo peonagem está ligado à caracterização da relação de subordinação
que evidenciava-se na década de 60. Como o peão está inserido em uma forma de
trabalho que não é legal33
, por não possuir garantias, de certa forma, retrata a parte da
33 Até a década de 80. O Estatuto do Trabalhador Rural não considera o trabalho volante em regime de
tarefas por empreitada como uma forma de emprego assalariado, ficando este sistema de trabalho
semproteção legal específica. Disto decorre que os empresários agrícolas ficam liberados dos encargos
63
própria visão de como o trabalhador rural se vê e como é visto. Dom Pedro Casaldáliga
no relatório da CPI da terra declarava:
Esse tipo de assalariado, em geral subempregado, arrancado de suas origens
e abandonado a própria sorte, passa a ser reconhecido só com o nome de
“peão”. Reduzido a esta condição, é explorado no trabalho, no barracão. Não tem documentação, nem contrato de trabalho e, por conseqüência, nem
proteção da legislação trabalhista rural, ficando relegado a condição de sub-
homem. Por isto, há o dito popular na região: “peão não é gente...”.
(CASALDÁLIGA.1977:21)
Um outro ponto a ser trabalhado, é o fato da utilização do trabalhador que está
em constante movimentação, em busca de emprego, rodando como um “peão” e
atuando em várias funções o que pode sugerir que algum problema existe no seu local
de origem para que este se submeta ao desenraizamento em busca de novas alternativas.
Além do fato de áreas de expansão serem áreas de atração de mão – de – obra, os
fatores de repulsão geralmente são a miséria e falta de políticas mais aprofundadas
sobre as migrações. Na década de 60 a Amazônia se tornou em “ Terras sem homens
para homens sem terras” e não resolveu o problema agrário para a maioria da
população. Nos anos 80, mais uma vez a tentativa de ocupação de terras “vazias”
promove a ocupação da região do cerrado por pequenos produtores do sul do país.
Em pleno século XXI a expansão da fronteira agrícola continua a atrair os netos
e bisnetos dos miseráveis do Nordeste e dos bolsões de miséria do país. A possibilidade
de ressurgimento de antigas áreas já flagradas com a relação de subordinação permite
que a peonagem, caracterizada pelo recrutamento e pelas formas de contrato se
restabeleçam, porém não há como continuar denominando - a como um evento do
passado, pois se é constante a reestruturação do capitalismo, também será constante as
reestruturações de suas contradições intrínsecas ao sistema.
trabalhistas o que lhes faculta, conseqüente, maiores rendas(BASTOS. MAIA INES e GONZALES
N.ELBIO. 32. o TRABALHO VOLANTE NA AGRICULTURA BRASILEIRA. Capital e Trabalho no
campo.Hucitec. SP.1979)
64
2.1.3 - A problemática conceituação do que é o trabalho escravo contemporâneo
É inconcebível que mesmo após a sua abolição formal em 1888 a escravidão
ainda persista no Brasil. Por aqui a escravidão foi responsável pelo processo de
formação do país, e recebeu um dos maiores contingentes de escravos africanos.
Segundo Mariza Soares34
, estima-se 3 milhões e meio de africanos ao longo do século
XVI, XVII e XVIII. Cabendo ao século XVIII um total de 1.700.000 escravos. Nesse
século, o Brasil é o destino das embarcações que saem de duas grandes áreas
fornecedoras: a costa ocidental (conhecida como costa da Mina) que para cá envia em
torno de 600 mil escravos e a costa centro-ocidental (chamada Angola) que transporta,
aproximadamente, 1.100.000 escravos. (SOARES.2000) .
Pensar na possibilidade de uma relação de trabalho similar à escravidão colonial
provoca estranhamento em muitas pessoas da sociedade, ainda que esta mesma
sociedade esteja permeada de práticas sociais de longa duração, como, por exemplo, o
racismo. Algumas questões, como veremos adiante, acabam por problematizar a
compreensão e a formação de um conceito de escravidão contemporânea. Dentre eles
podemos caracterizar aqueles que dizem respeito a um plano conjuntural como:
34 A autora se baseou na obra de Maurício Goulart. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. 38 edição revista. São Paulo. Editora Alfa-Omega. 1975. op. cito p. 279; CURTIN, P. The Atlantic slave trade: a census. Madison. Wisconsin University Press. 1969. p. 268. importante esclarecer que dados mais recentes do que os aqui apresentados têm sido produzidos. Entretanto, são números
parciais, de difícil compatibilização com os totais disponíveis.N o Brasil, o livro de PierreV erger,F luxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benim e a Bahia de Todos os Santos, publicado inicialmente na França, em 1968, fornece novos números sobre o tráfico entre a Bahia e o Golfo do Benim, não incorporados por Curtin. Em 1995, Manolo Florentino lança Em costas negras, uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África (especialmente Angola) e o Rio de Janeiro( séculos X VIII e XIX) que analisa o tráfico entre a África e o Rio de Janeiro entre 1790 e 1835. (SOARES.2000:71)
65
A associação a outras formas de escravidão, sendo importante relembrar que
o termo nos remete a outras formas de escravidão como a antiga e a moderna-
colonial. E o imaginário que se tem sobre a escravidão como um sistema que
transformava homens em mercadorias acaba por encobrir relações existentes
no sistema, tal como a forma com que a sociedade se relacionou com esse
evento, criando suas representações, contribuindo para uma idéia sobre a
escravidão que não necessariamente interpreta todas as formas de escravidão
existentes naquele período( como pode ser observado na parte I deste trabalho)
podendo trazer problemas de interpretação quando se pretende realizar um
resgate do termo escravidão nos dias de hoje.
Uma outra questão, a de que a escravidão se extinguiu com a Lei
Áurea, incentiva a idéia de que através da implementação dessa lei e da
afirmação formal do negro como um homem livre, os problemas tenham sido
resolvidos; tornando-se descartadas formas análogas à escravidão. Vale
ressaltar, que o fato da promulgação da lei, não ocasionou uma nova organização dos trabalhadores do campo como também não promoveu o fim
das desigualdades sociais. A falta de apoio do próprio Estado aos recém
libertos, não propondo iniciativas de qualificação, como também a Lei de
Terras, deixa o liberto à deriva. Além disso, as representações sociais que se
faziam sobre o negro como sinônimo de escravo e que pós-abolição apenas
passam a tratar o negro como sinônimo de ex- escravo, favoreceram o
enquadramento deste nas relações de trabalho submetidas ao favor.
E por fim exige atenção na definição do conceito de escravidão
contemporânea por se assemelhar às relações de trabalho no mundo
contemporâneo, que baseadas na superexploração do trabalhador colaboram
para a interpretação da escravidão como metáfora. Por exemplo, os professores
e profissionais de educação física do Rio de Janeiro que têm como piso salarial
sugerido pelo próprio sindicato de R$ 2,31(!)35 e lançam a campanha
“Movimento Contra o Trabalho Escravo nas Academias”36 ou mesmo outros
profissionais que questionam como o mercado trata as suas profissões, como
os médicos. A superexploração do trabalhador somada a precariedade das
formas e relações de trabalho contribuem para que os trabalhadores se
enxerguem como “escravos”, contribuindo para que ocorra uma analogia à escravidão colonial com profissionais assalariados nas grandes cidades. Essa
superexploração do trabalhador não deixa de ser mais uma forma de
exploração do sistema capitalista. No entanto, é diferente do trabalho escravo
contemporâneo que ocorre no campo. A escravidão no campo, possui na
maioria dos casos coerção da liberdade dos empregados por parte dos
empregadores ou de seus dirigentes através de ameaças armadas, retenção de
documentos e endividamento.
35 A passagem de ônibus no Rio de Janeiro custa R$ 2,40.
36 Para saber mais : www.cref1.org.br/img/jornal_cref/Jornal.pdf
66
Esses fatores indicam que estamos tratando de um fenômeno extremamente
complexo. E conceituá-lo é ao mesmo tempo aprisioná-lo em um tempo e espaço
atribuídos de diferentes valores sociais.
A caracterização e definição do que é a escravidão contemporânea no campo
brasileiro pode ser problematizada através do ponto de vista estrutural, quando órgãos
públicos, leis e a ciência passam a se preocupar em definir o que é a escravidão
contemporânea.
No meio científico, existe uma maior preocupação com o tema por aqueles que
estudam os direitos humanos, mas ainda é comum encontrar resistência ao termo dentro
da academia. Principalmente, por ser visto como um conceito já estabelecido,
caracterizado sociologicamente, e de certa forma, aprisionado em um tempo-espaço
evitando a utilização do conceito como termo científico e sim como político. A
escravidão contemporânea recebe sinônimos de escravidão- branca37
, escravidão por
dívida ou peonagem. Essa postura, da academia, serve para entender como a
conceituação do que estamos chamando de escravidão contemporânea é estabelecida
dentro de espaços conflitantes38
.
A dificuldade em se aceitar um termo constituído politicamente e empiricamente
colabora para aqueles que não têm interesse na erradicação continuem a negar a
existência da escravidão tal como ela se apresenta.
No meio jurídico, os casos de escravidão contemporânea não contribuem muito
para uma definição mais clara de um conceito ou definição legal para a jurisprudência
sobre qual escravidão estamos tratando. O artigo 149 da CLT vem sendo retificado, com
esse objetivo, mas infelizmente a realidade pode não se ajustar à exata forma da lei.
37 Dicionário da Terra. Marcia Motta.2005
38 Uma certa vez, foi demandado para o sociólogo José de Souza Martins, que acompanhava o trabalho da
CPT por muitos anos e por ter se deparado com o problema em muitos casos após sua vivencia em
estudos na Amazônia, uma definição da escravidão contemporânea. Este preferiu não se responsabilizar
pela definição e apontou os muitos problemas os quais citados anteriormente por este trabalho.
Apontando o compromisso em aprisionar o tema, ao mesmo tempo esquivou-se de uma afirmação dentro
da academia da escravidão contemporânea no Brasil.
67
Trabalho degradante não pode ser tratado como sinônimo de escravidão, por mais que
essas situações estejam agregadas. Infelizmente é tratado com normalidade a
degradação do trabalho na sociedade capitalista ( falta de infra-esturtura, alimentação,
materiais de equipamentos precários, trabalho sem garantias) que temos que diferenciá-
la de uma pior forma de submissão que não permite nem o direito de ir e vir do
trabalhador.
Uma outra dificuldade na área do direito é o embate sobre qual instância possui
autoridade sobre os casos, principalmente pelo fato de muito dos casos serem
combinados com outros tipos de infração, como crimes ambientais, desrespeito
trabalhista, homicídios. Como exemplos serão apresentados dois casos do ano de 1985:
Caso 1 - Município Macondo: Mato Grosso
Denúncias foram feitas contra a exploração de peões na fazenda, burla da
legislação trabalhista e crimes contra a pessoa. Dois trabalhadores foram
mortos ao fugir da fazenda onde eram aliciados. João e Francisco, esse
último menor de idade, foram mortos com tiros na cabeça por pistoleiros
empregados na fazenda [...]. Os corpos ficariam insepultos. Eles estavam
com malária há dias e não tinham como se tratar no local, além de deverem
na cantina, onde compravam mantimentos por preços acima do mercado. O
Juiz Federal de Belém, indeferiu o pedido de prisão preventiva dos três homens acusados. Há um processo criminal em andamento na Justiça
Federal de[...]. (indeferido pedido de prisão:paraupebas. O Liberal, Belém, 3
de maio 1985.)
Caso 2 – Município X – Pará
João, 29 anos, [...] largou a mulher e dois filhos em Crato, no Estado do
Ceará e veio aventurar-se em busca de trabalho em fazendas. Foi contratado
com boas promessas de dinheiro por alqueire desmatado, mas, após meses
sem receber, resolveu fugir da fazenda, onde era espancado com facão e
trabalhava de domingo a domingo, alimentava-se parcamente de arroz,
feijão e farinha, era constantemente espancado e ameaçado de morte. Sua
fuga se deu sob tiros de revólveres dos jagunços que policiavam a fazenda.
Embrenhando-se na mata, conseguiu chegar até a Transamazônica e foi
ajudado por um caminhoneiro. Analfabeto e sem nenhum documento, João pediu ajuda para voltar para o Ceará. (Trabalhador surrado denuncia
escravidão. O Liberal, Belém, 6 de setembro de 1985).
68
Nos casos acima podemos observar a existência de outros crimes relacionados à
escravidão contemporânea, ocasionando uma maior complexidade na caracterização e
até na própria execução das leis. Um outro problema é o fato das relações entre patrões
e empregados estarem inseridas em uma dinâmica que muitas das vezes favorece a
manutenção do crime devido à insegurança dos empregados de darem seus
depoimentos, como o caso apresentado por Neide Esterci em Escravos da Desigualdade.
A autora apresenta casos em que em um primeiro momento os trabalhadores
confirmaram condições de miséria e precariedade nas condições de trabalho e num
segundo momento, mesmo após feita a denúncia e aberto o processo, os trabalhadores
voltaram atrás no seu depoimento para não desgastar a relação com o empregador para o
qual já trabalhavam por algum tempo.
2.1.4.- Definição, afirmação e confronto.
O ato de definir o que é a escravidão contemporânea envolve portanto diferentes
vertentes. Para aqueles que têm a consciência de que a escravidão não terminou após a
abolição, a luta para a erradicação se torna um objetivo, enquanto que para outra parte
da mesma sociedade é muito comum, a negação da escravidão contemporânea pela
possibilidade de caracterização e posterior punição econômica e moral, que pode vir a
trazer a substituição nas relações de poder de que participam.
Em 2007, após o resgate de mais de 106439
(um mil e sessenta e quatro)
trabalhadores na fazenda Pagrisa40
em Ulionópolis, no Pará, alguns parlamentares
promoveram a desqualificação da atividade do Grupo Especial de Fiscalização Móvel ,
39 Nos jornais as notícias traziam 1108 trabalhadores
40 A empresa Pagrisa foi multada em R$1.8 milhões somente com as recisões, superando R$ 600 mil por
desrespeito trabalhista. Segundo a ONG Repórter Brasil.(2007) Resgatados da Pagrisa Relatam vida na
“Prisão”. http://www.reporterbrasil.com.br.
69
resultando na paralisação (cerca de 20 dias) das atividades do Grupo Móvel. Essa ação
levantou novamente no Senado a discussão, evitada pela bancada ruralista, sobre a
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional - PEC 438/2001, que prevê a
expropriação de propriedades onde forem encontrados Trabalho Escravo, que precisou
retornar ao Senado, pois sofreu modificações após a votação em primeiro turno de 2004
, pela Câmera Federal. A PEC 438 foi apresentada pela primeira vez em 1995 pelo
deputado Paulo Rocha(PT – PA) na Câmara dos Deputados, posteriormente o senador
Ademir Andrade(PSB-PA) a apresentou para o Senado em 1999. Após dois anos
recebeu a primeira aprovação no Senado Federal em 2001 sem nenhum voto contra. No
mesmo ano a proposta do deputado e do senador se transformaram na PEC 438/2001,
esta permaneceu até 2004 estagnada na Câmara dos Deputados, sendo aprovada41
em
primeiro turno após o assassinato de três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e
Emprego, em Unaí(MG), em uma fiscalização. A PEC /438-2001 é considerada pelos
órgãos governamentais, sociedade civil e movimentos sociais como um dos principais
instrumentos para a coibir a escravidão contemporânea. Com a finalidade de protestar o
direito de propriedade através da expropriação e não da desapropriação a PEC resgata a
discussão sobre a propriedade da terra e sua função social entrando em confronto com a
bancada ruralista. Os deputados representantes da bancada ruralista propuseram a
adição da expropriação de imóveis urbanos ao texto da PEC 438/2001, desfocando- o do
campo e do problema da concentração de terra e diluindo o problema em outras
situações que podem possuir maior dificuldade de caracterização devido à terceirização
e precariedade nas relações de trabalho. Essa proposta de mudança no texto fez com que
novamente a PEC voltasse à votação no Senado.
Segundo levantamento da ONG Repórter Brasil, em março de 2008, havia 16
projetos de lei relacionados ao tema tramitando no Senado(7) e na Câmara(9),
estagnados há mais de dois anos. Beatriz Camargo e Iberê Thenório(2008) apontam
que:
41 Sim: 326; Não: 10; Abstenções: 8; Total: 345. 18 votos a mais do que o necessário. Ementas
constitucionais exigem a anuência de 3/5 do total de 513 deputados federais(observatório social.org.br)
70
A mais antiga das propostas em tramitação é de 1997, de autoria de Paulo
Rocha (PT-PA). O PL inclui na definição de trabalho escravo - descrito no
Art. 149 do Código Penal - a exploração de mão-de-obra infantil. Está
parado desde 2003 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Outros três PLs que tratam do assunto também estão na mesma CCJ.[...]Na
Câmara, há cinco projetos atualmente na Comissão de Constituição e Justiça
e de Cidadania (CCJC). Três deles estão empacados desde 2004. O
presidente da comissão em 2007 foi o deputado Leonardo Picciani (PMDB-
RJ), sócio da empresa Agrovás, que já esteve na "lista suja" do trabalho escravo. Na semana passada, a CCJC escolheu um novo presidente: Eduardo
Cunha (PMDB-RJ).(THENÓRIO.I e CAMARGO.B.2008)
Em 2008, a sociedade civil e parlamentares criam o Movimento Nacional pela
Aprovação da PEC do Trabalho Escravo principalmente após o caso Pagrisa, citado
anteriormente. A proposta é levá-la à votação novamente, já que estrategicamente esta é
a proposta mais avançada e incentiva a reforma da estrutura fundiária no Brasil.
De tal forma que definir o que é a escravidão contemporânea é ao mesmo tempo,
denunciar relações estabelecidas pós- abolição e lutar contra relações de poder
constituídas entre trabalhadores e patrões.
Para analisar como essas relações foram feitas ao longo da história do país
podemos citar como exemplo o caso da lei estadual em Goiás de 20 de julho de 1892,
sobre locação de serviços sancionada pelo vice-presidente do Estado, tenente-coronel
Antonio José Caiado42
citados por Sérgio Moreyra(1999).
O artigo 9° da lei continha a seguinte descrição:
Findo o tempo estipulado[pelo contrato] o locador, ainda que esteja devendo
ao locatário, poderá despedir-se pagando a dívida; não o fazendo, será
obrigado a continuar a servir o locatário por tanto tempo, nunca mais de
três anos, quanto seja necessário para pagá-las com duas terças partes do
salário estipulado, sendo-lhe entregue mensalmente a outra parte
42 A família Caiado representando a elite latifundiária, desde já, anunciava sua proposta política que
infelizmente co-habitam na vida política brasileira até os dias atuais.
71
O artigo 10 estabelecia que as contas correntes deviam ser registradas em
livro próprio pelo fazendeiro, que ficava obrigado a exibi-lo em juízo
quando o trabalhador reclamasse.
- O art. 11 estabelecia que no final do contrato o fazendeiro deveria passar(ou
não passar) atestado de idoneidade ao trabalhador informando como
trabalhou e se ainda devia. Neste caso, se alguém se interessasse em contratá-
lo ficaria obrigado a pagar a dívida, sob pena de nulidade do novo contrato.
-art. 18 autorizavam o locador a despedir o locatário por doença prolongada
que o impedisse de trabalhar;(Algo muito comum visto nos depoimentos
dos trabalhadores tratando-o assim como algo descartável – grifos meus)
- art. 44 prescrevia de 10 a 20 dias de cadeia para quem saísse da propriedade
sem motivo justo ou se recusasse a trabalhar . O artigo seguinte estabelecia a
duplicação em caso de reincidência;
- e o art. 49, determinava que os que impedissem os outros trabalhadores de
trabalhar seriam presos e remetidos ao juiz distrital para serem processados
criminalmente.
Neste caso, mesmo após a abolição, se sobrepôs os códigos e leis federais
regularizando uma relação comercial entre contratantes (locador e locatário), que
deveria ser registrada cartorialmente. Trazia disperso em seu texto os elementos
fundamentais para a legalização das relações de sobreexploração definidas e
consolidadas ao longo de mais um século de trato entre agregados e camaradas.
Essas medidas perpetuaram -se até 1930 mesmo com a entrada do novo governo
e com muitos protestos da elite política local, comprovando a normalidade com o qual a
exploração do trabalhador era tratada pelo Estado.
Ao tentar entender o que cerca a dificuldade de definição sobre a conceituação
da escravidão contemporânea, se torna inevitável procurar entender algumas relações de
poder que ainda estão presente na estrutura agrária brasileira. O patrimonialismo
configurado através da política dos “coronéis” acentua uma estrutura de poder com a
qual a definição e a conceituação sobre o que é escravidão se confrontam, sendo
inevitável comentar a relação de trabalho existente por muito tempo na história do país,
marcada pela política dos Coronéis.
72
A política dos “coronéis” surge com a criação da Guarda Nacional. Para
Martins(1990):
[...] É na República que a Guarda Nacional acabou tendo um papel essencial.
Seus integrantes eram graduados segundo uma hierarquia militar sendo
denominados “coronéis”, “majores”, “capitães.etc. Os Chefes políticos municipais ou regionais acabaram sendo conhecidos como “coronéis” e o
fenômeno político que marcaram com sua presença ficou conhecido como
coronelismo. O coronelismo se caracterizou pelo rígido controle dos chefes
políticos sobre os votos do eleitorado, constituindo os “ currais eleitorais” e
produzindo o chamado “voto cabresto”. Isto é, o eleitor e o seu voto ficavam
sob tutela dos coronéis, que eles dispunham como coisa sua.
(Martins.1990.46)
Criada em 1831, era através do valor da renda anual que a Guarda Nacional
nomeava seus representantes (200 mil réis nas grandes cidades e 100 mil reis nas
cidades menores), tal como a escolha de chefes políticos municipais, que só garantiam o
poder de voto aos que recebessem 100 mil-réis.43
A Guarda Nacional possuí um forte
caráter de controle local, pois a cada município possuí um regimento. Seus oficiais, não
podiam ser presos nos cárceres comuns, apenas sob custódia, na chamada “sala livre” da
cadeia pública da localidade a qual pertenciam.
Durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia um
regimento da Guarda Nacional. O posto de “coronel” era geralmente
concedido ao chefe político da comuna. Ele e os outros oficiais, uma vez
inteirados das respectivas nomeações, tratavam logo de obter as patentes,
pagando-lhes os emolumentos e averbações, para que pudessem elas produzir
os seus efeitos legais [...] Eram, de ordinário,os mais opulentos fazendeiros ou
os comerciantes e industriais mais abastados , os que exerciam, em cada
município, o comando-em–chefe da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que a
direção política, quase ditatorial, senão patriarcal, que lhes confiava o governo
provincial” (MAGALHAES Apud LEAL,1975.p.21)
43 Para saber
mais:ww.tse.gov.br/institucional/biblioteca/site_novo/historia_das_eleicoes/capitulos/eleicoes_brasil/eleic
oes.htm. Acesso em out 2008
73
Ademais, mesmo com a extinção da Guarda Nacional em 1918 Basílio
Magalhães complementa “ mas o sistema ficou arraigado de tal modo na mentalidade
sertaneja, que até hoje recebem popularmente o tratamento de “coronéis” os que tem em
mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partido de maior
influência na comuna” (MAGALHAES,Apud LEAL,1949.p.21).
Victor Leal sintetiza:
[...] concebemos o “coronelismo” como resultado da superposição de formas
desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social
inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, ou seja, uma
adaptação em virtude da qual resíduos do nosso antigo e exorbitante poder
privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base
representativa.
Por isso mesmo, o “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de
proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente
influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. Não
é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência a nossa estrutura
agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder
privado ainda tão visíveis no interior do Brasil.( LEAL,1975:20)
Victor Leal(1975) complementa que era através da concessão de financiamentos
públicos que os coronéis conseguiam prestígios ante a população, que passava a ter por
referência a pessoa do coronel como detentor de poder financeiro, promovendo o
reconhecimento pelos moradores (sem crédito e serviços básicos), na esfera municipal,
assistindo à população rural nos seus mais íntimos problemas, preenchendo a ausência
do Estado no que se refere ao necessário para a manutenção da produção agrícola e da
família, gerando assim, um forte paternalismo.
Uma outra faceta mencionada pelo mesmo autor é o aproveitamento da
desordem municipal. Os “coronéis” tirvam proveito para agregar técnicos, funcionários,
74
quando lhes eram concedidos cargos públicos. Transitando assim entre o legal e o ilegal
os chefes políticos aumentava o controle dos territórios, estendiam também o seu
controle às funções policiais, utilizando seus agregados - “capangas” - para imprimir a
ordem e promoviam assim a apropriação do espaço através da violência. É através do
uso do território que se estabelecem as relações de poder, sendo assim, os coronéis são a
tradução de como o poder privado se estabelece como coisa pública, sem deixar de ser
concebido como algo privado.
Com base nessa estrutura política de base municipal, passaram-se vinte anos de
ditadura marcados por extremos momentos de violência, repressão e censura. Não
contribuindo para que muito dos problemas sociais como a escravidão contemporânea
fossem resolvidos, e pelo contrário, fossem tratados com naturalidade.
Ao tentar entender as relações de poder estabelecidas é inevitável analisar
através da política de ocupação e uso da Amazônia. O período de desenvolvimento da
Amazônia durante a ditadura promoveu um intenso reordenamento da região. A
transformação espacial feita pelo governo militar através dos Planos de Integração
Nacional reorganizaram o território brasileiro, através de propostas de ocupação daquilo
que chamavam de “vazio”44
, principalmente as regiões, Norte e Centro-Oeste, atraindo
o capital nacional e internacional através dos incentivos fiscais.
A continuação do coronelismo pelo governo militar marcava seu território
através dos projetos de desenvolvimento da Amazônia e dava nome a suas conquistas. A
geografia do coronelismo na Amazônia promovia a emancipação de alguns municípios
como Curionópolis (Major Curíó, envolvido na Guerrilha do Araguaia e que controlava
a mineração na região), Altamira(o maior município do mundo);Bannach( nome de uma
família que possuía uma serraria, pioneira na Região); Abel Figueiredo(1964);
Medicilândia (devido ao Presidente militar daquele período); Como também marcada
pela própria violência o Município de Tailândia45
, comparada com a luta pela terra na
Tailândia, país asiático que vivenciava um conflito próximo ao que estava ocorrendo no
período de 1977 na região.
44 A região possuía grande parte da população indígena, como outras comunidades de camponeses.
45 http://www.famep.com.br/famep/municipio/historia.asp?iIdMun=100115131.
75
Se essa ocupação e controle do território foi marcada realmente pela esfera
municipal, seria interessante entender o aumento do número de municípios nessa região.
Em 1985 o Brasil possuía 4116 municípios em 2006 eram 5564, crescendo 35%
segundo a pesquisa do perfil de municípios Brasileiros realizadas pelo IBGE em 200146
.
Na região Norte observa-se um aumento de 84% no número de municípios,
considerados os casos da implementação do Estado de Tocantins e a separação do Mato
Grosso.
Não se pode deixar de considerar que o controle sobre o território também se faz
através da demarcação de áreas em que o poder possa estar ameaçado. Entendendo o
território como um conjunto das relações sociais, seria preciso uma pesquisa muito mais
aprofundada para mostrar o interesse nas emancipações municipais existentes nessas
regiões, para entender se as bases municipais estão conectadas com a violência exercida
através da escravidão contemporânea. No entanto, é essa região que coincidentemente é
conhecida pela impunidade e violência com a natureza e seus trabalhadores.
A conscientização da população quanto aos problemas no campo, fundados no
percurso histórico do país, que até então não possibilitou formas democráticas de acesso
à terra, provoca uma mobilização da cidade e do campo, transparecendo assim, em
várias esferas, que o país tinha se definhado em problemas sociais. Para não pensar que
com o fim da ditadura o problema do coronelismo se estancou vale lembrar que no ano
de 1985 surge a União Democrática Rural (UDR) preocupada em defender a
propriedade privada em resposta ao I Plano Nacional de Reforma Agrária. Ao articular-
se no Congresso Nacional, ganhou espaço na Constituinte de 1988 e nas eleições de
1989. Na década de 90, já se configura a política neoliberal, que através do discurso da
democracia elege seus “ novos coronéis”.
Os responsáveis pela escravidão de hoje não possuem o mesmo perfil da década
de 50. Não necessariamente terão o perfil de morador do meio rural, possivelmente
moram em grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá. Utilizam-se de
meios de comunicação e de produção modernos, e até possuem nível superior, alguns
possuem identidade política na região. Segundo a pesquisa em andamento, realizada por
46 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/12112003munic2001html.shtm. Consultado em outubro 2008
76
Regina Bruno47
“Perfil dos empregadores envolvidos com o trabalho escravo
contemporâneo”, estudando os agentes envolvidos na “lista suja”, a maioria dos
fazendeiros envolvidos circulam pelo país administrando seus negócios e moram no
Sudeste. Outro fato relevante foi a visão dos fazendeiros sobre a legislação trabalhista
apontando que “a legislação acabou com a amizade entre o patrão e o empregado”
O trabalho de Victor Leal teve sua primeira publicação em 1949 e infelizmente
essa realidade ainda se torna presente. Vale ressaltar, que alguns aspectos principais
sobre o trabalho escravo fazem parte de problemas estruturais de alguns países. No
Brasil, onde o patrimonialismo das relações sociais e de poder conforma relações
íntimas entre o poder privado e o que seria o poder público, torna-se extremamente
complexo avaliar as ações deste setor, por não se tratar apenas de uma questão de
antigos coronelismos sendo revisitados, mas do uso da política pública para
beneficiamento pessoal ou de corporações.
A bancada ruralista não é a única que atua contra a luta dos trabalhadores. Uma
antiga organização católica48
intitulada Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade (TFP) lançou em 2004, após o assassinato dos fiscais do
Ministério do Trabalho, o livro: “Trabalho Escravo, nova arma contra a sociedade”.
Nesse trabalho os membros da TFP, chamam a atenção para o absurdo da
implementação da PEC 438, que ganhou força na mídia para ser aprovada, após a
violência cometida contra os fiscais. O trabalho passou a fazer parte da coleção “Em
defesa do Agronegócio” dentro da campanha organizada pela mesma entidade. Essa
organização acusa a CPT e o MST de fazerem perseguição à propriedade, com as
notícias de escravidão contemporânea com o fim de alimentar a Reforma Agrária, cujo
tema é condenado pelos membros da TFP desde a formação da organização. Atualmente
possuem uma Comissão de Estudos Agrários onde elaboram materiais que condenam
qualquer medida que ameace o direito de propriedade.
47 Informação adquirida na Reunião Científica sobre trabalho escravo e questões correlatas.RJ 2008.
48 A sociedade formada em 1960 se diz católica, porém faz restrições ao Concílio do Vaticano II. A
CNBB, reage com estranhamento as suas ações. A organização também tem como marco a luta contra o
comunismo e a defesa da propriedade. Após a morte de seu fundador Plínio Correia de Oliveira em 1995,
dessidentes da antiga direção formaram novas correntes, mas não deixou de existir.
77
Em artigo publicado pela Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e
Desenvolvimento Rural49
, os membros da TFP elaboraram um documento onde
descreviam as ciladas sobre o discurso do trabalho escravo. Primeiramente provocam o
leitor a pensar que o fantasma da escravidão, foi ressuscitado pelos movimentos sociais
e pela mídia de forma completamente descabida, apresentando que “Na verdade, trata-
se de novo golpe contra a propriedade privada e que ameaça efetivar-se através de
reforma da Constituição, fundamentada numa noção ambígua de “trabalho escravo”
(BARRETO.2006:2). Parte do mesmo documento é a desqualificação do trabalho
daqueles que procuram reconhecer o tema:
Em pleno Século XXI, assistimos a uma cena inversa. O Brasil, através de um
embaixador, foi o primeiro e único país a reconhecer, em reunião oficial da
ONU, a existência de “formas contemporâneas de escravidão”. Uma vergonha
anunciada e proclamada no fórum internacional. Espanto geral. Nem os países
africanos que ainda tem a escravidão legalizada fazem dela tal alarde. Muito
menos a China e os países comunistas, que mantêm os trabalhadores do povo
em regime forçado, reconhecem- no como escravidão! Coube o governo
brasileiro fazer mais essa propaganda negativa.(BARRETO.2006:2)(grifos
meus)
De acordo com o trecho, logo se percebe que o discurso se faz sobre a
preocupação de uma propaganda negativa para o Brasil, conforme o título do trabalho:
“O fantasma do trabalho escravo, novo Risco Brasil”. Esta expressão “Risco Brasil” ou
“Risco País” é uma expressão utilizada pelos jornalistas e economistas para indicar os
riscos de investimento em determinado país50
. Sendo assim, destacamos que o
49 Conferencia organizada por instituições internacionais(com apoio da FAO e do Governo Brasileiro).
http://www.icarrd.org.
50 “ O risco-país foi criado em 1992, pelo banco JP Morgan. Nos anos 90, alguns países emergentes
começaram a ser possibilidades de investimento e, para o investidor, era difícil avaliar quais eram as
opções menos “perigosas” do mercado global. Nesse cenário, o risco-país foi criado para servir como
medida e tornar possível a comparação entre os países.Ligia Guimarães 04/07 - 14h22 - Atualizado em
09/04/07 - 19h44 http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/
78
reconhecimento da escravidão contemporânea no Brasil recebeu apoio internacional, na
luta pelos Direitos Humanos, como também, antecipou os planos de ação para sua
erradicação.
Uma outra concepção embutida no trecho acima que causa perturbação para
quem lê, é quando a TFP se refere à omissão quanto ao trabalho escravo nos países
africanos, como se pudesse justificar a ausência de alarde pelo fato de estarem na
África, continente historicamente dominado, controlado e violado, definindo que a
entidade supracitada se preocupa mais com os direitos de propriedade que os Direitos
Humanos, o que contraría, a meu ver, os princípios postulados pela igreja católica.
O documento segue apresentando argumentos, demonstrando que a luta dos
movimentos sociais atrapalham o Brasil que “dá certo”, onde as armadilhas se
concentrariam na interpretação das leis trabalhistas que estariam desatualizadas:
Nas relações de trabalho, seja ele urbano ou rural, existem situações não
previstas na legislação, mas que não configuram injustiça. No campo, por
exemplo, a sazonalidade exige quase sempre mão-de-obra temporária.
Assumidas as condições de trabalho entre patrão e empregado, tais situações não deveriam levantar celeuma, em servir de pretexto à luta de classes. No
máximo, dever-se ia atuar para evitar abusos, sempre possíveis – aliás, de
ambas as partes – onde quer que haja relações humanas.
[...] O mesmo trabalho informal sempre existiu no campo. A CLT, elaborada
para servir primordialmente as relações de trabalho urbano, além de
ultrapassada é inadequada ao campo, não levando em consideração diferenças
regionais, como a existentes nas fronteiras agrícolas, nos territórios
indígenas, nas populações ribeirinhas da Amazônia, em zonas densamente
povoadas ou em fase de desbravamento. Nada disso está previsto na CLT.
Mas os ativistas de esquerda se aproveitam dos erros e da inadequação de
nossa legislação ao meio rural, para qualificar o trabalho informal de “trabalho
escravo”.(grifos meus)(referencia)
Curiosamente as áreas grifadas a qual o autor se refere são as áreas onde se
concentram o maior número de trabalhadores encontrados nesta situação. O fato de
existir uma nova exploração na área, não justifica o emprego ilegal dos trabalhadores,
nem a violação dos direitos humanos. O princípio é não acreditar que em determinadas
79
regiões se aceite formas de trabalho ilegais, mas sim conceber a existência da
regulamentação das situações de relações de trabalho antigas e atuais, sem contarmos o
fato em que o arcaísmo na relação de trabalho, imposto nessas regiões, contradiz
argumentos existentes numa CLT defasada(1943). Entretanto, o que mais chama a
atenção no discurso proferido pelo membro da FTP é a análise feita sobre o que vem
sendo chamado de escravidão o que observa-se em quatro pontos sendo: A falta da
carteira de trabalho assinada: aponta que a legislação trabalhista dificulta e onera a
formalização de emprego; A falta de carteira de trabalho assinada é muito comum entre
os trabalhadores que não possuem sequer, um documento de identificação. Segundo
pesquisa realizada pelo jornal O Globo51
baseadas nos dados do IBGE, em 2005, 21.6%
dos nascidos vivos em 2003 não foram registrados. Por lei o registro de nascimento é
gratuito desde 1997, quem não tem registro não pode tirar identidade, CPF e nem
carteira de trabalho, não vota e não tem conta em banco. Sendo alto o número de sub-
registros(pessoas que se registram muito tempo depois de nascidas). A taxa do Brasil é
de 22.5%, nos países industrializados, 2%, na África subsaariana 55%, na América
Latina 14%. Essas pessoas não registradas são facilmente alvos do tráfico humano e do
trabalho escravo.
Quando possuem documentos, é comum ocorrer casos em que a retenção das
carteiras de trabalho se transforma no meio de controlar o trabalhador, como se vê nos
relatórios a seguir:
Piauí.1993
Um grupo de 40 trabalhadores rurais, fogem da fazenda, eles denunciam que
as condições de trabalho são precárias e o salário recebido não dava para
pagar a estadia no barracão. A empresa prendeu seus documentos e a fuga só
foi possível a noite por ter segurança na empresa que os impedem de sair. &
Piauí - Diário do Povo, 27/08/93
Mato Grosso .1995
51 O Globo, O país, o Brasileiro sem nome. 29, de maio de 2005
80
[...]O advogado do proprietário da Fazenda faz contato telefônico com o STR
de Vila Rica, mostrando disposição em pagar os direitos trabalhistas.
Os peões aguardam o fazendeiro na sede do STR para o acerto. A maioria não
tem documentos e todos estão sem dinheiro ate' mesmo para comer. &
Requerimento de liberdade provisória mediante arbitramento de fiança, São
Felix do Araguaia, 24/07/95; Folha do Estado 25/07/95.7
Um segundo ponto seria o aliciamento de trabalhadores em outros estados:
comenta o fato da migração ser indispensável para o progresso do país. “Trata- se de
uma troca amistosa de bons ofícios entre patrões e empregados, que acaba
beneficiando o país”(2006:5). A migração no Brasil é historicamente um agente de
constituição do território. Essa ação sempre se relacionou com a força de trabalho. Os
períodos migratórios no Brasil denunciam, portanto, a necessidade de emprego em
regiões que sempre funcionaram como pólo de repulsão. Como bem lembra
Figueira(2004):
A migração é temporária ou não, individual, familiar, ou coletiva; é
conseqüência de uma ação política governamental deliberada de longa duração
ou pode ser ocasionada por fatos imprevistos e fulminantes. No caso que
estudamos, a migração se faz pela ação combinada de atos e fatos imprevistos, como a seca, e programados, como as decisões de uma política traçada pelos
governos militares e civis, tanto em relação ao Nordeste quanto ao Norte e
Centro –Oeste do Brasil. Mas há também razoes pessoais e familiares.
(FIGUEIRA.2004:102)
[...]Uma pesquisa realizada para a OIT, pela agente de pastoral da CPT Ana de
Souza e pela antropóloga Maria Antonieta Vieira, confirma a regra de que
aquele que é levado para as fazendas do sul e do sudeste do Pará para as
atividades de empreita vem majoritariamente de fora do município ou do
próprio estado onde trabalha. Dizem as autoras que, conforme os dados
disponíveis em 16 relatórios de operações realizadas pelo GEFM entre 1997 e
2002, “ a maioria absoluta é migrante(91,5%) apenas 8.5% são naturais do
estado do Pará.( FIGUEIRA 2004:111)
81
Outro ponto destacado por Figueira(2004) é a condição de “estrangeiro” do
migrante, que por não possuir laços profundos com a região é facilmente submetido a
condições degradantes. Neste caso os trabalhadores recrutados em outros estados são
alimentados pela possibilidade de mudança de vida, que infelizmente não existe.
Exemplificando :
[...] Augusto e Francisco, ambos de 19 anos, fogem de Fazenda Cobral e
denunciam trabalho escravo na Delegacia Regional do Trabalho, em Cuiabá'.
Os trabalhadores foram aliciados em Jangada, MT, e iludidos com boas
propostas. Ao chegarem na fazenda, o trabalho era muito mais pesado do que o
combinado e os trabalhadores submetidos a espancamentos diários.
Mato Grosso - Dia'rio de Cuiabá' 15/08/91.
Dessa forma, podemos até denominar a migração como um dos fatores que
caracterizam a escravidão contemporânea.
Um terceiro fator seria o não pagamento de salário ou servidão por dívidas:
esse argumento é combatido pela organização que salienta que o Ministério confunde o
adiantamento dado pelo serviço que será prestado e que tal ação sempre fez parte das
relações de trabalho. No entanto, é constante a denúncia dos trabalhadores, de casos em
que o salário é retido ou subtraído dos possíveis “adiantamentos”, sugerido pelos
patrões, em geral para compra de alimentos básicos, remédios, equipamentos de
proteção para o trabalho e de construção de barracões(alojamentos), como demonstram
os exemplos a seguir:
Rio de Janeiro, 1999.
[...]36 trabalhadores que eram coagidos a permanecer no local, trabalhando no
corte de cana.
82
Eles foram aliciados em Brasília de Minas, sertão de Minas Gerais, com a
promessa de um salário de R$ 600,00 por mês . Chegando à fazenda, o salário
era menos da metade do combinado, e eram coagidos a permanecer
trabalhando.
O trabalhador52 de, 23 anos, conta que no final de 30 dias recebeu como
pagamento R$ 0,18. Descontaram-lhe dez dias que não trabalhou por estar
doente, e cortaram também a comida.(Banco de dados CPT)
Pará, 1998.
A Delegacia de Polícia Federal de Marabá realiza, no período de 19 a
21/08/1998, fiscalização na Fazenda, onde constata-se 33 trabalhadores em condições precárias de vida, saúde e trabalho. Alojados em barracas de lona
plástica e palha, sem as mínimas condições de higiene.Sem local adequado
para preparo e consumo de alimentos. A água para beber é a mesma que o
gado toma. Sem instalações sanitárias. É constatada a presença de três grupos
de empregados, que desenvolvem a atividade de roço de juquira, sob as ordens
dos seguintes "gatos"(...)
Os trabalhadores hospedam-se em hotéis na cidade de Xinguara/PA onde são
recrutados pelos "gatos", que assumem as dívidas do hotel em troca de
trabalho, começando a desencadear uma rede de dívidas que não acabam
nunca.
O intermediário de mão-de-obra Aureliano, ameaçava, armado de "espingarda
calibre 20", de agressão e morte quem ousasse tentar fugir. São lavrados 3
autos de infração, bem como, os termos de interdição. Relatório de
Fiscalização 21/08/1998
A Província do Pará 03/09, 05/09/1998. Diário do Pará 04/09/1998. O
Liberal/PA 06/09/1998
Pará 1997
[...] Segundo a secretaria de Fiscalização do Ministério, Ruth Beatriz Vilela,
os peões trabalhavam por "endividamento", isto e' pegavam mantimentos no
armazém da fazenda e pagavam com trabalho. "Este tipo de dívida não tem
fim. Você trabalha, trabalha, e a di'vida vai crescendo". Constatou-se
condições degradantes de trabalho na fazenda, descumprimento generalizado
da legislação trabalhista e vigilantes armados para tomar conta das pessoas.
Os fiscais do ministério encontraram na fazenda os chamados "cadernos de
di'vida", controle das di'vidas dos trabalhadores feito pelos gatos. A
operação de retirada dos trabalhadores foi bastante tensa devido a presença de
52 Referencias pessoais contidas
83
pistoleiros armados. Ministério do Trabalho, Operação São Félix do Xingu,
volume I, setembro/97; FSP 10/09/97.( Banco de dados CPT)
O quarto e último ponto seria o impedimento do direito de ir e vir: chamam a
atenção para não confundir o crime de cárcere privado com as circunstâncias de regiões
ou lugares de difícil acesso. A situação geográfica da região pode vir a favorecer a ser
mais um obstáculo na resistência dos trabalhadores, porém, não é a determinação
natural que coibe o trabalhador, mas a presença constante de guardas armados; a
violência feita aos trabalhadores como espécie de demonstração dos tipos de repressão e
até o endividamento como forma de coerção, é que fará o controle dos corpos.
Mato Grosso, 1995.(...) Depoimentos prestados por peões confirmam as
denúncias: "...que ninguém'm podia sair de lá pois eram proibidos pelos três
(Josué, João e Elias), pois para sair teria que enfrentar as suas armas e ninguém
queria levar o primeiro tiro, que quando estava indo para a fazenda viu e ouviu
Antonio comentar que haviam fugido alguns homens, que para trazê-los de
volta pagava R$ 500,00 por cabeça(...)"ninguém podia sair daquela fazenda a não ser depois que acabasse o serviço, ficando todos com medo devido `as
ameaças de espancamento" (...) "que tudo que era consumido pelas pessoas
que lá estavam trabalhando, tinha que ser pago, e com isso aumentava o saldo
negativo, motivo pelo qual todo mundo devia para o gato e o gato não devia
nada pra ninguém " (...) " que durante todo o tempo em que esteve naquela
fazenda, nunca lhe foi permitido sair daquele local" (...) "que durante o tempo
em que esteve lá não conheceu ninguém que tivesse recebido qualquer quantia
em dinheiro do gato
Mato Grosso,1990.
Um trabalhador, junto com mais 3 companheiros, foge da fazenda, por volta
das 11 da noite. Na fuga, passam nas fazendas Luz e, onde recebem guarita.
Os pistoleiros continuam o tempo todo atrás dos fugitivos, que ficam "oito dias
perdidos se alimentando de palmito de açaí'". Na fuga, um trabalhador se perde
dos demais companheiros, e caminha muitos dias mais ate' chegar a Sao Jose'
do Xingu.São Jose' do Xingu, 06/04/90.
Rondônia,1994.
84
Segundo a fonte policial, os pistoleiros não precisavam de muito trabalho para
impedir fugas dos trabalhadores, que não conheciam a região e teriam que
atravessar a mata fechada para chegar a algum povoado. "A selva servia como
uma verdadeira prisão". & O Estada 10/07/94, 12/07/94; A Província do Para'
14/07/94.&
Mato Grosso, 1994.
Agente da CPT RO participa de vistoria na Fazenda Buendía, junto com fiscais
da DRT RO e agentes da Polícia Federal. Eis o relato: "Dia 31 de maio, outra
operação foi realizada na Fazenda no município de Macondo - MT. Nesta
fazenda, pouco se pode realizar, sabendo que são numerosos os homens que trabalham em regime escravo. Nesta fazenda, encontramos muitas
dificuldades, pois a fazenda conta com 90 mil há de terra e esta' dividida em
retiros. Além da sede central possuir sub-sede, faz-se necessário 4 horas de
barco pelo rio. A segunda sub-sede está localizada a 65 km da sede central
cujo acesso, geralmente é feito com trator. A terceira sub- sede o acesso se dá
somente de avião ou por água Em todas essas sub- sedes há denuncias de
escravidão branca e que existem homens fortemente armados vigiando os
trabalhadores. Ninguém pode sair e se ameaçarem fugir serão assassinados".
DRT RO, CPT RO, Ji-Parana', 13/07/94 (ver esta fonte em TR Geral RO);
Ministério do Trabalho, DRT RO, relato'rio de atividades de fiscalização,
Brasília, 12/05/94.
Esses quatro pontos elucidam as formas pelas quais os conservadores ainda se
baseiam para negar a escravidão. Não se torna tão simples contra-argumentar esses
pontos diante de uma sociedade que produz grandes desigualdades sociais e mesmo
assim o conservadorismo continua prevalecendo no poder. No entanto, podemos
lembrar alguns indícios que também ilustram a complexidade inserida na questão.
O incômodo da possibilidade de aprovação da PEC, e a ameaça à propriedade
levam a TFP a questionar porquê as relações informais de trabalho no ambiente urbano,
são consideradas de forma diferenciadas das relações do campo. O porquê dar o nome
de trabalho ilegal para a informalidade existente nas relações de trabalho das grandes
cidades, como no caso das empregadas domésticas que não possuem carteira assinada,
enquanto o trabalho informal no campo é denominado “trabalho escravo.” A indefinição
do que seja trabalho escravo é acusada pelos conservadores como instrumento para
confundir os desavisados que se apegam ao emprego emocional do conceito.
85
É constante as tentativas tanto do Ministério do Trabalho quanto dos
movimentos sociais em não contribuir para certos tipos de discurso que fragilizam a luta
contra a escravidão. Exatamente por isso o Brasil vem se preocupando em adequar as
situações vivenciadas nas leis vigentes. O artigo 149 do Código Penal foi modificado
em 2003 visando ampliar as explicações sobre alguns casos possíveis de situações
análogas a escravidão, como também a Lei 10.803/03:
A redação original do artigo 149 descrevia a prática simplesmente como
“reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, deixando ao exclusivo alvedrio dos juízes dizer se determinada conduta era, ou não, análoga à
escravidão. Em conseqüência, entretanto, do já aventado caráter restritivo da
interpretação da lei penal em desfavor do réu, o número de condenações pelo
delito de plágio costumava ser surpreendentemente baixo quando comparado à
quantidade de ações penais propostas pelo Ministério Público. O laconismo do
tipo penal acabava por impedir a formação de um entendimento consistente
sobre o que, de fato, significava “reduzir alguém a condição análoga à de
escravo” e permitia que exploradores do trabalho escravo fossem facilmente
absolvidos da acusação daquele crime. As alterações introduzidas no artigo
149 do Código Penal vieram especificar a definição do crime, removendo a
excessiva subjetividade de que era dotado. Desse modo, facilitou a aplicação
da lei pelos juízes e estimulou o combate ao trabalho escravo pela vertente da
repressão.
A Lei nº 10.803/03, além de haver inserido dois parágrafos ao mencionado
tipo penal, também estendeu seu caput ao introduzir-lhe um rol de ações
típicas cuja prática consubstancia-se como criminosa. O artigo 149 passou,
assim, a viger com a seguinte redação:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o
a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção
em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com
o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local
de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
86
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.235
A nova redação do artigo 149, dentro do contexto do Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo, amoldou a definição criminal de
escravidão contemporânea à realidade do problema no Brasil, com o intuito de
afastar entendimentos de juízes que, na prática, não a reconheciam, por
insistirem em compará-la com suas formas tradicionais(...). A Lei nº 10.803/03
veio estabelecer, definitivamente, um novo paradigma conceitual para a
escravidão no século XXI.” (POGGIO. 2006:137)
Diante disso, a precisão em torno da definição sobre Trabalho Escravo
Contemporâneo no campo brasileiro, deve estar atenta aos contextos históricos e as
sociedades que dele participam, com visões diferenciadas sobre essas relações de
trabalho. Ao declarar , afirmar e definir a existência de trabalho escravo estaremos
estabelecendo uma verdade que irá se confrontar com forças políticas. Não podemos
esquecer que tais forças políticas estão longe de querer a erradicação dessas relações de
trabalho, e procuram de forma análoga combater o problema, dando uma definição e
também uma verdade para poder exercer seu poder e continuar sobre o controle das
relações de trabalho e das relações políticas. As forças que negam a escravidão
contemporânea não se importam com os trabalhadores e sim com o controle que
exercem sobre estes, enfatizando suas relações de poder para se favorecer.
Deveríamos questionar se realmente necessitamos da precisão e da definição do
que seja trabalho escravo a fim de construir uma verdade ou se devemos continuar
atentos aos enfrentamentos políticos que consiste a discussão.
Michel Foucault (2005)certa vez alertou para a seguinte questão:
Quero dizer o seguinte: numa sociedade como a nossa – mas,afinal de contas,
em qualquer sociedade – múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam,
constituem o corpo social; elas não podem dissociar-se, nem estabelecer-se,
nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, um funcionamento do
discurso verdadeiro. Não há exercício do poder sem uma certa economia dos
discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o
poder mediante a produção da verdade. Isso é verdadeiro em toda sociedade,
mas acho que na nossa essa relação entre poder, direito e verdade se organiza
de um modo muito particular.
87
[...] somo forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e
que necessita dela para funcionar; temos de dizer a verdade, somos coagidos,
somos condenados a confessar a verdade ou a encontrá-la.(...) somos
igualmente submetidos à verdade, no sentido de que a verdade é a norma; é o
discurso verdadeiro que, ao menos em parte, decide; ele veicula, ele próprio
propulsa efeitos de poder (FOUCAULT. 2005:28-29)
Além de procurar entender o que seria uma geografia da escravidão
contemporânea, um grande e novo desafio se encontra em tentarmos transformar uma
mobilização política, firmada no compromisso social com o outro, em algo científico.
Não é apenas o fato de sabermos que enquanto ser social, existe o compromisso
com a sociedade que construímos, mas, fazer com que essa existência ganhe sentido, e
sua essência ganhe corpo e espaço. Referindo-se novamente a Foucault, o objetivo deste
trabalho consiste em compreender:
Como as práticas sociais podem chegar a gerar domínios de saber que não só
fazem aparecer novos objetos, conceitos e técnicas, senão que fazem surgir
ademais, formas totalmente novas de sujeitos e sujeitos de conhecimento. O
mesmo sujeito, de conhecimento possui uma história, de relação de sujeito
com o objeto;o, mais claramente a verdade mesma tem uma
história.(FOUCAULT.2005).
E é nessa perspectiva que a geografia pode vir a contribuir nas leituras do
mundo que construímos e representamos. As representações , os discursos e as verdades
constituídas até o momento sobre o que venha ser o trabalho escravo contemporâneo e a
possível constituição dessa verdade será comprometida com todo esse histórico de
enfretamento de forças políticas. Dessa maneira estudar as “práticas sócias” de 21 anos
da CPT, significa também compreender como novos sujeitos se apresentam e permitem
uma diferente leitura do espaço. Se este saber se constituirá como ciência ou como
discurso científico, pode vir a ser uma conseqüência das forças constituintes, no entanto,
o importante aqui é permitir uma leitura que interprete essas forças.
88
2.2 – A luta por melhores relações de trabalho no campo.
A questão fundiária no Brasil sempre esteve interligada com as formas de
organizações políticas e territoriais das classes representantes da sociedade.
Tencionadas por uma política econômica que visava os padrões externos, o território se
constituiu entre as forças que se impuseram no espaço. Representadas por personagens
que se reconstituíram ao longo da história - como o colonizador, o coronel, o
fazendeiro, e hoje representadas pelas grandes empresas – a disputa pelo território
também trazia outros protagonistas como os indígenas, quilombolas, foreiros, posseiros
que aos poucos foram deixando sua marca no espaço e contribuíram para a formação do
território brasileiro. Na constituição desse território fortemente marcado pelas disputas
de poder é inevitável encontrarmos situações que são verdadeiras provas do desrespeito
à população.
A escravidão é uma boa prova dessa desigualdade social e da assimetria das
relações de poder que resultaram da formação contraditória do sistema mundo moderno-
colonial. De certo modo, a aceitação da escravidão contemporânea problematiza o que a
humanidade pensa de si e sobre si.
A lógica de submissão, da hierarquia, do favor, que se impõe sobre a lógica do
direito à vida, se perpetua sob múltiplas faces entre nós. O Brasil, como uma das últimas
nações das Américas a abolir a escravidão53
, reconhece o compromisso internacional,
desde 1888, mesmo assim, está longe de acabar com as formas sinuosas com as quais as
relações análogas a de escravidão ganharam presença no seu território.
Diante dessa realidade, a sociedade civil vem se organizando para reestruturar
um espaço menos desigual exigindo do poder público e do privado uma postura diante
dessa iniqüidade.
A luta contra a escravidão contemporânea no campo dentro do território
brasileiro, se insere na dinâmica da luta pela terra e pode ser analisada através da
53 Do ponto de vista mundial. A Mauritânia foi um dos últimos a abolir a escravidão por volta da década
de 80
89
emergência de uma luta pelos direitos políticos e sociais no campo por vias legais, luta
esta que se relaciona diretamente com os acontecimentos do meio urbano.
Principalmente, pelo fato da não extensão dos direitos trabalhistas para os trabalhadores
do campo durante o governo de Getúlio Vargas, como também pela conjuntura política
mundial, que apontava novas ideologias políticas e econômicas marcadas pelo pós-
guerra concentrando grandes modificações na cidade, como foi apresentado por
Medeiros.
[...] As oligarquias agrárias “conseguiram manter, até 1963, os trabalhadores
rurais à margem de uma série de direitos sociais e políticos conquistados pelos
operários urbanos na década de 30 e mesmo durante o Estado Novo. É o caso
da Legislação trabalhista e do direito a sindicalização. (...) Posteriormente (...)
É nesse panorama de mudanças muito rápidas de conjuntura de grande instabilidade política, mas desenvolvimento econômico e de consolidação de
um projeto industrializante para o país que os trabalhadores rurais emergiram
como atores políticos, reivindicando direitos que colocavam em jogo as formas
tradicionais de mando e que questionavam as alianças políticas que
sustentavam o poder.(MEDEIROS.1989: 17-18)
Para abordar o tema trabalho escravo contemporâneo no Brasil no âmbito rural,
se torna imprescindível discutir as políticas agrárias e sociais que regeram o país neste
setor. É importante que fique claro que a emergência da luta contra a escravidão
contemporânea é fruto de um processo histórico de pessoas e entidades que se
mobilizaram contra as desigualdades sociais e desrespeito aos direitos humanos
desafiando hierarquias de poder e propondo mudanças estruturais da sociedade. Neste
capítulo serão apresentados os atores que compõem a luta no campo e como estes
assumem um papel importante na construção do espaço geográfico através da luta pela
erradicação do trabalho escravo.
Após a pesquisa bibliográfica realizada sobre o tema, fundamentadas nas obras
de alguns autores como Leonilde Medeiros (1989) Maria Gloria Gohn (2004), Darlene
Ferreira (2001) entre outros a fim de compreender a genealogia das lutas sociais no
campo - realizamos uma sistematização do estudo que será apresentada através de duas
vertentes que considero importantes para compreender a construção da luta social no
90
campo em torno da geografia do Trabalho Escravo. A primeira delas é o momento em
que as relações de trabalho no campo passam a ser questionadas. Historicamente pode-
se pensar que isso já tenha sido feito no meio rural desde 1850 com a chegada dos
imigrantes e posteriormente com a abolição, mas menciono o momento em que a
sociedade passa a ver com estranhamento as condições de trabalho no campo, e as lutas
dos trabalhadores rurais ganham uma maior repercussão e ultrapassam o limite rural. É
nesse período que os conflitos aparecem com mais destaque em resultado até mesmo
dos primeiros movimentos sociais nacionais como também a repercussão internacional
de lutas camponesas. Permitindo observar as conflitividades insurgentes. A segunda
situação que contribuiria para o entender o movimento político sobre as relações de
trabalho no campo seria o momento de criação de entidades como a Comissão Pastoral
da Terra, e outros movimentos sociais de luta pela terra (e de melhoria nas condições de
trabalho e respeito aos direitos humanos) que se formaram em momentos turbulentos da
história recente do Brasil, e que consegue até os dias atuais se manter no campo dessas
lutas.
A luta contra o trabalho Escravo, portanto, não pode ser vista separadamente da
luta pela terra, sendo tratada neste trabalho como parte da mobilização que constituiu
um elemento concreto de luta sobre a escravidão contemporânea. Até porque em
nenhum momento de construção da luta contra o trabalho escravo pela CPT, a qual se
concentra a base empírica deste trabalho, faz concessões sobre a discussão da estrutura
fundiária e sobre a Reforma Agrária.
2.3. As transformações no campo e a luta pela terra.
Ao falar em trabalho escravo no campo torna-se inevitável realizar um estudo
das conjunturas e ações políticas que influenciam a estrutura fundiária no Brasil, que
contribuíram ou não para a democratização das terras no campo e para a precarização
das relações de trabalho. Mas, neste momento o objetivo é discutir quando de fato se
91
inicia a construção de um processo de mobilização capaz de influenciar a luta contra o
trabalho escravo contemporâneo 54
.
Ao darmos início aos estudos sobre o tema do trabalho escravo contemporâneo,
vimos observando nos últimos anos, uma maior repercussão e divulgação na mídia, no
meio acadêmico e nas instituições internacionais. Principalmente pela articulação da
internacionalização de alguns casos, como a divulgação internacional de trabalhadores
encontrados em situação de escravidão na fazenda da Volkswagen (anexo II)55
, no Pará;
e do “caso Zé Pereira”56
, levado a OEA(Organização dos Estados Americanos), ainda
esperando julgamento(anexo III)57
.
Esse movimento direciona o estudo a repensar sobre quais mudanças ocorreram,
para que somente no século XX o problema se tornasse público - mesmo com o fim da
escravidão clássica declarada no Século XIX.
Numa sociedade em que a propriedade sobre mercadorias e logo, a produção e o
consumo de mercadorias são sinônimos de poder, as subjugações da terra e do
trabalhador se tornam elementos importantes para a continuação dessas relações. Dessa
forma, as relações pessoais entre os grupos como também as relações com a natureza, e
54 Para esta análise a contribuição dos povos quilombolas e indígenas, anteriores o século XX não será levada em consideração, no entanto vale destacar a importância desses movimentos historicamente
constituídos e que retomam o debate posteriormente em um novo processo de redemocratização onde
surgem para somar aos movimentos sociais.
55 Denunciado por Ricardo Resende em 83 e se tornado público na década de 90. Ricardo comenta que procurou a mídia jornais brasileira para divulgação mas que estes não se mostraram muito interessados,
dedicando apenas uma pequena nota. Diferente dos jornais internacionais que deram foco na notícia.
56 O caso Zé Pereira ficou reconhecido em 1989 quando um rapaz de 17 anos ao fugir da fazenda onde era
mal tratado e ameaçado levou um tiro na cabeça, durante a fuga seu colega morreu na hora, e ele
sobreviveu por se fingir de morto. (http://www.oitbrasil.org.br/news/artigos/ler_artigos.)
57 “Em setembro de 1989, aos 17 anos, o trabalhador rural José Pereira Ferreira foi atingido por uma bala
no rosto por funcionários da fazenda Espírito Santo quando tentava escapar do trabalho escravo. A propriedade era de Benedito Mutran Filho, na cidade de Sapucaia, Sul do Pará. O caso, que não recebeu
uma resposta das autoridades brasileiras, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Para não ser condenado por omissão, o governo brasileiro
teve que fazer um acordo em que se comprometia a adotar uma série de medidas para combater o trabalho
escravo e a indenizar José Pereira pela omissão do Estado. Em novembro de 2003, o Congresso Nacional
aprovou um pagamento de R$ 52 mil.Por Leonardo
Sakamoto://colunistas.ig.com.br/sakamoto/2008/07/25/dantas-compra-fazenda-que-foi-palco-de-trabalho-
escravo/
92
com a terra, são pontos estratégicos para compreender de que forma certa sociedade
compreende o mundo.
Os diferentes interesses das classes urbanas burguesas que emergiam na década
de 30 não transformaram a antiga estrutura fundiária e continuaram a ter a posse da terra
ainda como o instrumento de base do poder político.
O projeto de industrialização e as mudanças acompanhadas, neste período,
conseguiram tirar de foco os acontecimentos no campo, tornando a cidade um modelo;
trazendo novos desafios à economia. Realizando assim, uma nova reflexão sobre as
relações no campo. É exatamente na fase de conflito entre o desejo de industrialização
versus o “abandono” das estruturas oligárquicas rurais (fases de transição da economia)
que os questionamentos sobre o mundo rural se tornam presentes.
“A redemocratização do país em 1945, foi acompanhada por referencias
mais sistemáticas, na imprensa, a conflitos no campo e a uma incipiente
organização dos trabalhadores rurais. É difícil afirmar se é nesse processo
que as lutas passam a existir ou se, em virtude de uma conjuntura política
mais favorável, elas começaram a vir a público, tornar-se mais conhecidas e
ampliar suas possibilidades”(MEDEIROS. 1989:18).
A partir da década de 1950, o desenvolvimento do sistema urbano-industrial e a
concretização da divisão social do trabalho colocaram a cidade e a indústria como
precursores de uma nova realidade econômica. As complexidades de relações que se
estabeleceram levaram a necessidade de definição de novos campos e a agricultura, de
hegemônica passou a ser coadjuvante, num sistema econômico constituído por muitos
elementos ou partes.
É possível observar no final da década de 40 (mais precisamente em 1949),
trabalhadores, arrendatários e posseiros iniciando greves por reivindicações trabalhistas.
Essa mobilização se tornou constante por toda a década de 50. É exatamente neste
período que os movimentos sociais no campo ganham espaço na sociedade,
93
principalmente com a ação da Liga Camponesa58
e da CONTAG. Na década de 60 (até
1964) foi possível constatar os benefícios dos esforços despendidos por esses atores.
Analisando o trabalho de Medeiros (1989) verificou-se que entre 1949 e 196459
das 100 greves registradas em diversos Municípios, 72 eram reivindicações de
trabalhadores rurais por questões trabalhistas como: aumento do salário, pagamento do
salário mínimo e outras garantias60
. Os trabalhadores encontrados nas notícias eram
colonos, trabalhadores envolvidos com o corte de cana, café e camponeses (tabela 1.0).
A maioria dos “grevistas” se tinham como camponeses, colonos ou apenas
trabalhadores rurais. Muitas das relações de trabalho no campo ainda não estavam
objetivamente concebidas, ou definidas, podendo ser observada pela própria
representação que os trabalhadores têm de si. Mas a mobilização começa a garantir uma
melhor definição nas relações de trabalho, principalmente devido os constantes
problemas apresentados que se configuravam em diversos municípios. A concentração
das greves era em sua maioria no sudeste, precisamente em São Paulo, e no Nordeste,
na Paraíba e em Pernambuco. Não apresentaram eventos nem no Norte, e nem no
centro-oeste.
58 Outro fato relevante desse período estudado de maior mobilização dos movimentos é o termo camponês
que passa a ser usado como categoria política específica. A aproximação e participação do PCB(Partido
Comunista Brasileiro) no campo, com seus ideais marxistas e o objetivos políticos foram de encontro as
insatisfações do trabalhador que inicia seus primeiros encontros Nacionais como o I Encontro Nacional
de Trabalhadores Agrícolas em 1953, e em seguida a Conferencia Nacional dos Lavradores, em 1954.
Nestes encontros foram discutidos diversos temas, entre eles, o direito de organização em associações e
sindicatos, direito de greve e como pano de fundo a reforma agrária. “É para a Reforma Agrária que
convergiriam, de alguma maneira, as diferentes lutas que se travam no campo que tinham a terra por seu
eixo. É através dela que, no final dos anos 50 e início dos anos 60, ganharia significado social e sentido
político a categoria camponês. ( MEDEIROS.1989.p. 33)
59 Análise feita sobre as greves ocorridas de 1949 até 1964 sobre a fonte dos Jornais Voz Operária,
Imprensa Popular, Terra Livre, Noticias de Hoje e Novos Rumos encontradas em Leonilde.1989.p33
60 19 greves não foram possíveis de serem detectadas o verdadeiro motivo da manifestação e 9 foram
excluídas por não possuírem ligações diretas por questões trabalhistas
94
Tabela III – Relação de Trabalhadores encontrados entre 1949 e 1964
Entre 1950 e 1960 os conflitos no campo também aumentam de intensidade em
muitas regiões de colônias agrícolas onde posseiros e arrendatários se tornam vítimas de
grileiros que procuram expansão da fronteira. Por volta de 1955-56 “a formação das
Ligas Camponesas promove uma maior repercussão dos problemas no mundo rural
realizando sucessivas mobilizações e construiu-se um corpo integrado de demandas que
incluíam a extinção do cambão, do barracão e a luta contra o aumento excessivo do
foro61
. Acoplando-se a luta pela reforma agrária”. (MEDEIROS.1989). O fato de que
certas leis garantiam alguns direitos aos trabalhadores da cidade, mas não para o campo,
promove um verdadeiro contraste. Para Octavio Ianni (2005) “A sociedade agrícola e
pecuária dos plantadores de Pernambuco se transforma na “liga camponesas da
Galiléia”, devido ao processo de realização de seus objetivos. Essa transição representa
a formação do camponês em proletário, rural, como nova categoria política.(
IANNI.2005). Para ele a sindicalização foi o último fato importante no processo de
transformação do camponês em proletário. No período de 1955 e 1961 foram
registrados 21 encontros de trabalhadores de escala estadual. A Conferência Nacional
dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1956) e o Congresso Camponês de Belo
Horizonte(1961) são referenciais, pois conseguem atravessar as fronteiras do rural com
o reconhecimento social e político dos camponeses. Posteriormente nos anos em que se
61 Em Pernambuco, os trabalhadores dos engenhos recebiam além da casa pra morar, um pequeno lote
onde podiam plantar alimentos. Em troca, tinham que garantir dois dias de trabalho semanais gratuitos
para o proprietário. Só o que ultrapassasse isso era remunerado. Era o chamado morador de condição. Em
algumas situações, podiam também receber um sítio, lote onde podiam plantar além do roçado, arvores, o
que lhes garantiam uma ligação mais permanente com a propriedade. Segundo Sigaud, o foreiro seria um
variante do morador. Neste caso, teria uma maior independência em relação ao proprietário. Não havia a
obrigação de trabalhar para ele semanalmente, mas somente de pagar uma quantia anual, o foro, além do
cambão, cerca de vinte dias de trabalho gratuito por ano.(MEDEIROS.P46.1989)
Categoria Entre as 72 notícias
classificadas
Camponeses 20
Colonos 14
Trabalhadores agrícolas 10
Assalariados 7
Trabalhadores de cana 5
Outros 7
Sem Informação 14
Camaradas, Lavradores, tarefeiros e bananeiros.
Fonte: MEDEIROS, Leonilde. 1989.
95
segue de 1962 e 1963 alguns acontecimentos importantes aconteceram como a extensão
da Legislação Trabalhista62
, a SUPRA(Superintendência de Política Agrária), a
regulamentação da sindicalização rural e a aprovação do Estatuto do Trabalhador
Rural63
, a criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (CONTAG),
e algumas ações estaduais foram a prova que estas mobilizações obtiveram êxito em
algumas reivindicações. É importante assinalar que somente a partir de 1963, com o
Estatuto do Trabalhador Rural, se sistematizam as condições de contrato de trabalho e a
sindicalização na sociedade agrária brasileira.
O que se pretende aqui ao trazer os acontecimentos no campo, anteriores ao
recorte estabelecido por este presente trabalho (de 1985 a 2006) é chamar a atenção das
ocorrências de insatisfação dos trabalhadores rurais quanto à questão das relações de
trabalho. Apresentando que a constituição dos movimentos sociais desde a década de
40, além de estar insatisfeita com a estrutura fundiária (pelo fato de nunca ter sido feito
uma melhor redistribuição de terras e consecutivamente de rendas), as relações de
trabalho no campo eram o foco da maioria dos casos. Talvez, nesse período, a questão
da escravidão contemporânea poderia estar diluída em diversas outras formas de
exploração que fosse ainda difícil caracterizá-la como trabalho escravo. Até mesmo pelo
pouco conhecimento das pessoas quanto a sua condição de empregado, e de seus
direitos.
A criação do Estatuto da Terra em 1964, somados as instituições criadas pelo
governo militar como o IBRA(Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e o INDA
(Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário) sistematizariam as condições
necessárias para a constituição da Reforma Agrária. No entanto, a atenção foi
resguardada aos ajustes necessários para a garantia de uma segurança e continuação do
cenário conservador no campo. Ao mesmo tempo em que o assunto era tratado como
62 . “A consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, não tinha nenhuma preocupação com o trabalhador
agrícola.(...)Somente vinte anos depois, devido ao agravamento dos antagonismos sociais e políticos no
campo que os poderes Legislativo e Executivo começaram a formalizar as condições do contrato de
trabalho no campo”.(IANNI.2005:142)
63 Lei .Nº 4.214 - DE 2 DE MARÇO DE 1963 - DOU DE 22/03/63. Dispõe sobre o "Estatuto do
Trabalhador Rural".
96
compromisso social, o conteúdo do Estatuto da Terra acabou por impor aos
trabalhadores rurais um determinado campo de luta pela reforma agrária.
(MEDEIROS,1989)
Dentro dessa perspectiva, o Estatuto da Terra de 1964 permite apontar as
relações de trabalho como algo a ser comprido:
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da
terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social
quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho64
entre os que a possuem e a cultivem.
Sendo assim, além de entender que a abolição da escravidão moderno-colonial
aconteceu em 1888; os Direitos Humanos foram proclamados em 1948; somados aos
tratados internacionais assinados pelo Brasil desde 1926, o Estatuto da Terra vem a
reafirmar que o Trabalho Escravo deve ser evitado. Porém, infelizmente, o que se
conferiu foi a repressão se intensificando sobre os trabalhadores rurais.
Diante das modificações ocorridas na América Latina, em concordância com a
geopolítica mundial da guerra-fria, a repressão aumentou destacando-se entre outros
com a instituição do Ato Institucional número cinco (AI-5), que polia a liberdade de
expressão . Os sindicatos foram se tornando engessados e a desmobilização política era
resultado das limitações impostas. Enquanto isso os Planos de Integração Nacional e
64 Grifos meus
97
mega-projetos de hidrelétricas, rodovias entre outros continuavam a promover a
violência através de despejos, expulsões, prisões e assassinatos. É nesse período que
muitas empresas multinacionais são atraídas a comprar terras no Brasil, incentivadas
pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)
2.4 A História da luta contra o trabalho escravo contemporâneo no campo
Perseguidos pelo regime e com a liberdade de expressão e organização
proibidas, é nesse contexto que os trabalhadores encontram um apoio nas entidades
ligadas à Igreja, mesmo com a participação prévia pelos círculos operários, é na década
de 70 que entidades se organizam com o objetivo específico de ajuda aos pobres da
terra. Para Moreira (2006) a contribuição da Igreja com as questões agrárias, são bem
anteriores as CEB (Comunidades Eclesiais de Base), segundo uma leitura teológica. A
relação da religião com a terra pode ser estudada mesmo antes da existência das
instituições religiosas65
.
Segundo esse mesmo autor, internamente, dentro das disputas políticas da Igreja
o catolicismo popular e o Catolicismo Romano66
já haviam iniciado suas disputas sobre
suas influências políticas e ideológicas nas relações sociais do homem com o campo no
período de 1870 a 1950, principalmente, por parte da mudança na função da Igreja no
Brasil, atrelada no período Brasil-colônia a ter uma importância maior perante o Estado
quanto ao surgimento de uma classe burguesa industrial, apesar da burguesia industrial
e a elite agrária, em questões religiosas, não se contradizerem.
65 Para aprofundar o tema é interessante entrar em contato na obra de Alberto da Silva Moreira como um
todo.
66 “Este catolicismo tradicional (se referindo ao popular) era basicamente de caráter familiar, comunitário,
leigo, rural, festivo e devocional, enquanto o catolicismo “romanizado” era calcado na fé do indivíduo e
na devoção pessoal.( privatizante). O novo catolicismo romanizado era, além disso, marcadamente clerical: estava centrado nas cidades e nas paróquias, insistia na catequese e introduziu novas devoções
com o fim de superar as antigas”.(Moreira.105)
98
Segundo Oliveira(1991), elas continuam ainda se utilizando do aparato religioso
da Igreja Católica para assegurar sua hegemonia sobre os trabalhadores do campo e da
cidade (MOREYRA.1999). No entanto, mesmo encontrando algumas resistência por
parte da mesma Igreja que defendia a propriedade privada como direito natural
ilimitado, de origem divina (MOREYRA,1999) uma outra parcela da Igreja contribuía
através da Ação Popular e o “sindicalismo cristão” ser a base para formação da
CONTAG.
Para Gohn (2004), fortalecidos após o encontro de Medelin(1968) e Puebla
alguns movimentos em dioceses latinas americanas se formaram. Ademais, apoiados na
Teologia da Libertação surge a Comissão Pastoral da Terra. “O surgimento da CPT
ligou-se diretamente aos efeitos da política de ocupação na Amazônia empreendida nos
governos militares.”(MEDEIROS.1989).O Trabalho da CPT se unia as Comunidades
Eclesiais de Base (CEB).
O ambiente de ampla repressão policial, militar e política, durante a ditadura,
transformou a Igreja num refúgio dos desvalidos, também e principalmente
dos trabalhadores rurais perseguidos e expulsos da terra, vitimas da violência
do latifúndio e da polícia. As posições meramente doutrinárias presentes em
várias decisões da igreja, que vem dos anos 50, ganharam consistência e
sentido no momento em que a igreja foi confrontada com a realidade da violência no campo, quando trabalhadores ameaçados de morte, jogados com
suas famílias na estrada, casas e roças incendiadas, sem alternativa, forma
bater à porta do bispo ou padre[...] Com a Pastoral da Terra, com as
Comunidades Eclesiais de Base os trabalhadores rurais ganharam um espaço
significativo dentro da igreja, como ganharam, também apoios importantes na
hierarquia, dos bispos ao Papa. Esse ganho representa, de fato, uma aliado
fundamental no confronto com o Estado. O apoio da igreja dá consistência
doutrinária à “economia moral” dos pobres da terra, a suas avaliações morais a
respeito do poder do capital. Além disso, dá substância institucional ao
confronto com o Estado, já que os partidos são relutantes na adesão às teses e
lutas dos trabalhadores rurais. (MARTINS67 apud MOREYRA.1999)
Com o apoio da CPT criaram-se sindicatos em algumas áreas onde eles antes
não existiam, e principalmente, desenvolveu-se em muitos locais a crítica da prática
67 A chegada do Estranho.in Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo.1999:80.
99
social existente, gerando o aparecimento de chapas de oposição, que traziam em seu
bojo propostas alternativas de trabalho com bases e de encaminhamento das
lutas(MEDEIROS 1989)
A CPT, junto ao Conselho Indígenista Missionário (CIMI), foi uma das
primeiras a denunciar o trabalho escravo no Brasil, bem mesmo antes do fim da
ditadura. Declarados em documentos como o relatório da CPI da Terra de 1977:
A relação de trabalho estabelecida entre peão e fazenda passou a ser
caracterizada como escravidão branca [...] Já em 1970, em Santa Terezinha
uma intervenção da Policia Federal na fazenda Codeara retirou mais de 500
trabalhadores que desejavam sair de lá, mas eram sempre barrados pelos
famosos “gatos” (empreiteiros de derrubadas), que os mantinham num
regime de endividamento permanente, ameaças, espancamento e até
mortes(doc.37)
Outro caso que chegou a opinião pública foi o caso da Fazenda Jarí, na
divisa do Pará-Amapá, do bilionário norte-americano Daniel Keith Ludwig.
Quando da visita do Presidente Médici à fazenda, há poucos anos, os trabalhadores se apresentaram carregando um cartaz que dizia: “Queremos
nossa Liberdade!”. [...]
Dom Pedro Casaldáliga relata a situação de seis fazendas que no ano de 1976
presenciavam a situação de escravidão, no relatório da CPI da Terra, onde se
destacavam a Fazenda Monte Aprazível, em Luciara- MT, a Fazenda São Cristóvão em
Barra do Garças, a Fazenda Tucurumã em Santa Terezinha – PA e a Fazenda Bridão
Brasileiro em Luciara – MT. Ocorriam casos em que os trabalhadores eram ameaçados,
não recebiam assistência médica em casos de acidentes de trabalho e estavam
endividados, além da dificuldade em reaver seus direitos. Como exemplo vale citar o
caso da fazenda Monte Aprazível que em 1976, contratou um trabalhador sobre regime
de empreitada, que trabalhou durante 8 meses sem receber. O funcionário teve que
andar, junto a sua família a pé, 292 km (num total de 10 dias de viagem, pois o acesso à
fazenda era feito por avião) a procura de algum órgão que pudesse lhe ajudar a receber o
trabalhado. O empregador acusava o funcionário de ter gasto com sua alimentação.
Após passar por uma Delegacia de polícia onde não encontrou o delegado, seguiu em
100
frente e foi até Barra do Garças para fazer uma declaração ao juiz , que disse que nada
poderia fazer, por falta de documentos. Foi então até o quartel de Aragarças, onde o
capitão após ouvi-lo respondeu que só poderia encaminhar processos com o
encaminhamento do juiz (e este havia dito que nada poderia fazer). O funcionário
seguiu até Goiânia atrás da Federação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais
(FETAGRI) que conseguiram construir um ofício encaminhando para a FETAGRI em
Cuiabá, já que a questão era do Estado do Mato Grosso e a região não possui sindicato.
A FETAGRI, encaminha-o para o Promotor Público de Barra do Garças que diz que não
tem nada a ver com o ofício da FETAGRI e manda o trabalhador falar com o defensor
público, que por sua vez pede para ir buscar na fazenda uma declaração de serviços
prestados. O trabalhador impossibilitado de ir de avião pegar o documento vai até o
Ministério Público e consegue intimar o empregador que nega a acusação e lhe oferece
uma quantia para quitar a dívida, o representante do Ministério do Trabalho aconselha
então o trabalhador a aceitar um valor inferior ao justo e em discordância o trabalhador
não aceita.(CASALDÁLIGA.1977.)
Com essa passagem, é possível perceber a dificuldade dos trabalhadores em
encontrar um apoio para realizar suas denúncias, seja pela burocracia seja pela falta de
compromisso com os trabalhadores rurais, que encontram na CPT o espaço para
dialogar e denunciar as condições de exploração a que são submetidos.
Aprovado pela 18ª assembléia da CNBB de 14 de fevereiro de 1980, o
documento(2005)“ A Igreja e os Problemas da Terra” , denunciava através dos dados
do IBGE a situação de desigualdade social presente no campo, realizando uma forte
crítica em plena ditadura, a política de incentivos fiscais e as Superintendências de
desenvolvimento tal como a concentração de terra e a degradação dos trabalhadores. Em
alguns casos chegou a ganhar repercussão na imprensa como mostram os anexos 1 e
2.Baseados na idéia do que seria terra de trabalho e terra de negócio, sistematizaram em
107 itens onde os principais temas:
A terra de todos como terra de poucos
– A concentração da propriedade de terra no Brasil
101
– O modelo político a serviço da grande empresa
– A questão das terras dos povos indígenas
– Migrações e violência no campo.
Responsabilidade pela situação.
– concentração do capital e concentração do poder
– Acumulação e degradação
Fundamentação doutrinal
– A terra é um dom de Deus a todos os homens
– Terra de exploração e terra de trabalho
Nosso Compromisso Pastoral
Conclusão.
No segundo item do documento, no eixo Acumulação e Degradação se iniciava
tratando do desrespeito a questões trabalhistas.
49. Mais grave ainda é a situação dos peões na Amazônia Legal. São
trabalhadores sem terra, recrutados pelos “gatos” e Goiás, no Nordeste e
mesmo em São Paulo e depois vendidos como uma mercadoria qualquer aos
empreiteiros encarregados do desmatamento.
50. O “gato”, com é conhecido em amplas regiões, opera como um agenciador
de trabalhadores. Geralmente, possui ou aluga um caminhão para transportar
os peões, recrutando-os sobre promessas de salários e regalias que não serão
cumpridas. Como não há nenhuma fiscalização, quanto mais o trabalhador se aproxima do local de trabalho, mais longe fica de qualquer proteção ou
garantia quanto aos seus direitos trabalhistas. Não é diferente a situação de
muitos trabalhadores rurais nas outras regiões do pais quanto a esses direitos.
102
51. Justifica-se a venda de peões pelas dívidas que o trabalhador é obrigado a
contrair, durante a viagem, com a alimentação e o próprio transporte. A dívida
é transferida do “gato”ao empreiteiro que, em nome dela, escraviza o peão
enquanto necessitar. Os policiais, os donos de “bolichos” e os donos de
pensões nos povoados sertanejos estão quase sempre envolvidos nesse tráfico
humano. Quando o trabalhador tenta fugir é quase sempre castigado ou
assassinado em nome do principio de que se trata de um ladrão - esta tentando
fugir com o que já pertence ao empreiteiro que o comprou: sua forca de
trabalho.
O documento (2005)“ Igreja e Problemas da Terra” é um marco no que diz
respeito à relação da Igreja com as questões sociais no campo. Além da intensa
sensibilidade, o documento é uma verdadeira denúncia para tratar os problemas gerados
pela expansão capitalista no campo, como também, reafirma seu compromisso diante as
classes pobres.
Dessa Forma, a CPT insere no debate político do país o tema da escravidão
contemporânea através de sua militância e organização, onde em nenhum momento
abandona as questões correlatas como reforma agrária, direito dos povos indígenas e
atenção sobre a violência no campo. Em 1991, após o assassinato do trabalhador rural
Expedito, no sul do Pará, em razão dos conflitos na disputa pela posse da
terra.(MORAES.2007) foi criado o Fórum Nacional Permanente contra a violência no
campo, onde pautaram em especial, o trabalho escravo. Segundo Moraes(2007), é nesse
momento que se inicia a discussão dos aspectos jurídicos da questão como a tipificação
da competência penal para investigação, processo e julgamento entre outras medidas.
Em 1993, a CPT estava à frente de denúncias à polícia Federal quanto a omissão
da apuração dos casos de Trabalho Escravo, como conta o documento abaixo:
103
Em 1994, O Fórum Nacional sobre a Violência no Campo, promove o Primeiro
Seminário Nacional sobre o Trabalho Escravo na Câmara dos Deputados, em Brasília.
No mesmo ano o caso José Pereira ganha repercussão internacional através da CPT,
CEJIL e o American Watch. Em 1995 por fim, o governo federal reconhece o Trabalho
Escravo Contemporâneo no Brasil e se compromete a combatê-lo.
Contudo, a CPT consegue, através de seus militantes, que passam a orientar sua
vida em prol do combate ao trabalho escravo, como Dom Pedro Casaldáliga , Dom
Thomaz Balduíno, Frei Henri Roziers, Frei Xavier , Padre Ricardo Rezende e todos os
seus assessores e companheiros de luta, colocando na pauta política do país novas
medidas de combate à escravidão.
Em 1995 acontece o primeiro avanço com a criação do Grupo Executivo de
Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) - , do Ministério do Trabalho, para
auxiliar especificadamente sobre o trabalho escravo. Mesmo com muitas deficiências,
quanto as suas ações, o grupo móvel, continuou suas atividades. Segundo a pesquisa
feita nos primeiros relatórios de fiscalização, as ações ainda estavam pouco
estruturadas, nos documentos nota-se uma falta de unidade nas informações das
diferentes fiscalizações, uma melhor sistematização vem a acontecendo nos relatórios
mais recentes.
104
Em 1997, a CPT lança a campanha “ De Olho Aberto para Não Virar Escravo!”,
onde realizam um trabalho didático voltado para os trabalhadores, para que fiquem
sabendo de seus direitos.
Figura: Campanha CPT
Em 2002, é criada uma Comissão Especial para combater a violência no campo,
o trabalho forçado e escravo e infantil, esta comissão estava inserida no Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça. Em 2003 é
instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE),
com vários representantes da sociedade, a fim de combater o trabalho escravo. Para
Moraes (2007) a CONTARAE é o resultado de todas as iniciativas e ações (individuais
e coletivas), para a erradicação da escravidão. Após a criação desta comissão, alguns
resultados podem ser enxergados como a alteração do Código Penal, o artigo 149; o
Cadastro de Empregadores, do Ministério do Trabalho; a Lista Suja e as Campanhas da
CPT, OIT e das Ongs como a Repórter Brasil.
105
CAPÍTULO III – A geografia do Trabalho Escravo Contemporâneo no
Brasil ( através do Estudo do Banco de Dados da Comissão Pastoral da
Terra ) entre 1985 a 2006:
É a partir de 1995 que a escravidão contemporânea é admitida pelo governo
brasileiro68
- mesmo com a CPT, ONGs, a mídia e os movimentos sociais apontando a
existência desde a década de 70. A afirmação e a posterior criação de meios que
facilitassem o combate à escravidão (como a criação do Grupo Móvel) permitiu a
utilização de documentos que comprovam as situações de escravidão. Mesmo assim,
ainda é muito difícil mensurar o número exato de pessoas submetidas a essa situação.
Segundo Sakamoto(2004) para o trabalho dos grupos de fiscalização móvel do governo
federal ser efetuado as denúncias dependem que :
[...] 1°O trabalhador tenha consciência de que está em uma situação irregular
– muitos acreditam que devem ao patrão. 2° consiga uma forma de sair da
fazenda. 3°consiga levar as denúncias as autoridades corretas –
considerando que algumas fazendas estão a dias de caminhada do povoado
mais próximo e que há casos de endividamento de autoridades locais,
regionais e nacionais com fazendeiros criminosos, é possível afirmar que
muitos trabalhadores sem situação de escravidão nunca farão suas
denúncias. (SAKAMOTO.2007.50)
Segundo pesquisa deste mesmo autor existem três fontes de dados sobre a
escravidão contemporânea sendo sistematizadas: a do Poder Executivo (que se constitui
em informações sobre as operações do Grupo Móvel, sendo padronizadas a partir de
2001) a do poder Judiciário e do Ministério Público que possuem a mesma fonte do
poder executivo (informando as ações civis públicas e coletivas referente a esses
68 Como conseqüência de todos esses anos de denúncias e pressão, o Presidente da Republica reconhece a
existência do trabalho escravo no Brasil, se compromete a combatê-lo e cria o Grupo Móvel e o
GERTRAF. Discurso de FHC de 07.06.1995( Material Frei Henri Roziers)
106
crimes) e os bancos construídos pela Sociedade Civil (CPT, Grupo de Pesquisa sobre
Trabalho Escravo Contemporâneo - GPTEC). Dessa forma, o tema passa a ser tratado
com mais seriedade, principalmente pelos órgãos públicos. No entanto, a maioria desses
dados estão organizados e coletados a partir de 1995, com exceção do banco da CPT e
do GPTEC que possuem um trabalho mais aprofundado por cruzarem muitas
informações pessoais dos trabalhadores, como idade, gênero, atividade envolvida,
trajeto de aliciamento, redes constituídas ao longo do período que foi empregado; como
também dados sobre os estabelecimentos e a origem dos trabalhadores. Em síntese,
fatores externos e internos que apontam que o trabalho escravo está inserido em
relações complexas e que pertencem a estruturas sócio-espaciais formadas em diferentes
escalas69
.
A opção pelo uso do banco de dados da CPT não foi realizada em comparação
aos bancos citados anteriormente, esta escolha partiu de um encontro da pesquisadora
com o tema ao trabalhar em uma pesquisa no LEMTO em cooperação com a CPT, na
elaboração dos Cadernos de Conflitos no Campo. Aprofundar o trabalho feito pela CPT
tornou-se um desafio buscando entender o porquê da escravidão em determinadas áreas
do território brasileiro.
Além de entender que é a partir do movimento organizado pela CPT que o tema
passa a ser pautado na agenda política do país, sendo impossível pensar em qualquer
fonte organizada sobre a escravidão contemporânea que não perpasse o trabalho da
pastoral. Segundo Sakamoto(2007):
[...] a instituição é a principal responsável por coletar e enviar aos grupos de
fiscalização as denúncias de trabalhadores. Entre 2002 e novembro de 2006,
a CPT representou 66% do total delas.Entre 2003 e novembro de 2006, a
base de dados da Comissão Pastoral da Terra registrou 28308 trabalhadores rurais envolvidos em denuncias de trabalho forçado, incluindo suas
denuncias e a de outros atores. Desses, segundo ela, 16493 foram libertados.
(SAKAMOTO.2007:53)
69 Seria muito interessante o cruzamento dos bancos a fim de que se tornasse disponível o acesso dos
dados, no entanto são contextos diferentes entre a formulação de cada um destes.
107
Desde sua formação em 1975, a CPT luta para o estabelecimento do processo
democrático no país. E através de seu trabalho sobre a violência no campo que muitos
setores da sociedade entraram em contato com a situação vivida pelo trabalhador rural.
As denúncias apontavam as contradições existentes em projetos políticos e de
desenvolvimento concedidos pelo Estado, principalmente na Amazônia.
Para a CPT o motivo de se fazer a documentação dos dados sobre questão
agrária possui uma dimensão teológica, ética, política, pedagógica, histórica e científica.
De acordo com os Cadernos de Conflitos no Campo podemos observar:
[...]Científica - porque o rigor, os procedimentos metodológicos e o
referencial teórico permitem sistematizar os dados de forma coerente e
explícita. A preocupação de dar um caráter científico à publicação existe não
em si mesma, ela existe para que o acesso a estes dados possa alimentar e
reforçar a luta dos próprios trabalhadores, contra o latifúndio. Não se
trata simplesmente de produzir meros dados estatísticos. Trata-se de registrar
a história de luta de uma classe que secularmente foi explorada, excluída,
violentada.” (Cadernos da CPT, 2006-9)
Ultimamente a aproximação dos agentes da CPT com os pesquisadores de
Universidades tem contribuído para repensar e reorganizar algumas questões sobre o
trabalho, entretanto, vale ressaltar que o motivo de se fazer o banco no seu início, pode
ser diferente do que é o banco de dados se tornou hoje. Principalmente se for analisado
a forma com o qual foram se organizando os dados, através de seus agentes, que
pertencem a diferentes localidades.
Se limitarmos a antiga idéia de que se fazer ciência é trazer a verdade não
podemos dissociar a ciência das relações de poder e por conseguinte das relações
sociais. Se quem possui a verdade também possui o poder, e é exatamente por aí que são
constituídos os discursos, se torna possível entender que o embate exposto entre a
108
cientificidade ou não do trabalho da CPT perpassa uma relação política dos atores
relacionados. ,
Desta forma, a pesquisa objetiva uma análise sobre as espacialidades propostas
pelos dados históricos reunidos pela pastoral. Tendo em vista que a história e a
geografia se modificam ocasionando verdades com temporalidades diferenciadas.
A própria sociedade já aponta para o que venha a ser o trabalho escravo, mesmo
assim existem novos paradigmas a ser quebrado dentro do tema, como a melhor forma
de ação, erradicar as reincidências entre outros.
Desse modo, através de uma parceria com membros da CPT nacional,
responsável pelo setor de documentação que disponibilizaram todas as informações
pertencentes ao banco de dados ao LEMTO que pela primeira vez sairia de sua
instituição.
3.1 Considerações Metodológicas
A pesquisa foi feita através de uma parceria com membros da CPT nacional,
responsável pelo setor de documentação que disponibilizaram todas as informações
pertencentes ao banco de dados ao LEMTO. Ao entrar em contato com o banco, iniciou-
se um longo processo de organização e sistematização dos dados da década de 70. É a
partir de 1985 que a CPT começa a registrar seus dados recolhidos pelos agentes da
pastoral que estão distribuídos pelo território nacional, organizando-o em um banco de
dados e os publicando anualmente o Caderno de Conflitos no Campo. Dessa forma,
pretende-se nesse capítulo oferecer uma análise sobre os dados no período de 1985 a
2006.
109
3.1.1 Estrutura da pesquisa
Os dados foram organizados referentes a trabalho escravo de acordo com os
critérios pré-estabelecidos pela CPT. Os dados apresentados nas publicações e que
constituem o banco são obtidos através de pesquisas primárias e secundárias. A fonte
desse material é oriunda de um levantamento de informações publicadas em jornais de
circulação local, estadual e nacional; boletins e publicações; declarações e cartas;
boletins de ocorrência além dos dados levantados pelas Regionais ( 21unidades
contando com 87 equipes distribuídas pelo território nacional70
). Esses dados são
pesquisados e apurados para que não ocorram duplicação da publicação dos dados.
Essas informações e dados são organizados por meio de formulários temáticos do
Datacpt – Banco de Dados Conflitos no Campo71
.
Ao utilizar o termo conflito a CPT traz um conceito bastante trabalhado pelas
ciências sociais. Segundo o dicionário de políticas (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI,
Nicola; PASQUINO, Gianfranco.2004), conflito é a interação entre indivíduos, grupos,
organizações e coletividades que implicam choques para o acesso e a distribuição de
recursos escassos. Assim, o conflito é entendido como enfrentamento de duas partes
distintas sobre o território.
Na geografia o conceito vem sendo trabalhado por alguns autores através da
compreensão da dinâmica dos movimentos sociais como, por exemplo, a proposta do
LEMTO e do grupo GEOAGRÁRIA expresso através das palavras de Porto-Gonçalves
e Alentejano(2008):
70 Além das Regionais AC,AP,AM(+1 equipe),Araguaia- Tocantins, BA(11),CE(5), ES(1), GO(5),
MA(7), MT,MS(3),MG(16), PA(10),PR(3), PI, RS(8),RO(1), RR(16), SC(4), SP(3). A regional Nordeste
possui 9 equipes além das já citadas anteriormente.
71 A CPT entende por conflito: “ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes
contextos sociais no âmbito rural envolvendo a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho ou
produção. Estes conflitos acontecem entre trabalhadores ou por casa da ausência ou má gestão de
políticas publicas.”( cadernos da CPT, 2006-10)
110
A compreensão da geograficidade dos movimentos sociais está associada a
uma visão que trata os conflitos não como disfunção social, mas como algo
aberto, contraditório e historicamente indeterminado. Para nós o conflito social
é expressão das tensões e contradições da ordem social em permanente
transformação. Consideramos que o conflito social é a manifestação concreta
dos antagonismos de grupos e classes e por meio dele se evidencia a
experiência concreta de construção de sujeitos sociais, onde se configura a
construção de identidades coletivas, de motivações e interesses
compartilhados, estratégias de luta, assim como formas de organização e manifestação. Assim, o conflito não é externo às relações sociais, mas, parte
constitutiva delas. O conflito evidencia, portanto, a formação das classes e
grupos sociais e, dessa forma, permite a identificação empírica da classe
concreta e não da classe teórica ou classe no papel, como tão bem criticara
Pierre Bourdieu. A classe social deixa de ser vista, aqui, como uma substância
– uma coisa – que teria uma essência e passa a ser vista como formação. Na
expressão luta de classes a palavra forte é luta, pois é por meio dela que as
classes podem se constituir, conforme nos ensina o historiador inglês E.
Thompson. (ALENTEJANO et all, 2008)
Os conflitos são assim organizados pela CPT por temas: Conflitos por terra;
ocupações; acampamentos; conflitos trabalhistas; conflitos pela água; conflitos em
tempos de seca; conflitos sindicais; conflitos em área de garimpo.
A CPT reúne na base dos Conflitos Trabalhistas a categoria trabalho escravo e
as situações de superexploração. No entanto, nessa pesquisa apenas os casos de
trabalho escravo72
foram considerados. Para a CPT p trabalho escravo é definido
como:
Trabalho escravo que tem como elemento essencial a central sujeição do
trabalhador, que pode ser física e ou psicológica. A dívida crescente e
impagável tem sido um dois meios mais utilizados para tornar o trabalhador cativo. Em geral, ela começa com a contratação pelo “gato”, que paga a
dívida do trabalhador na pensão e deixa um adiantamento para a família. A
dívida aumenta durante o deslocamento até o local de trabalho, uma vez que
o “gato” paga a condução e a alimentação durante os dias de viagem. Ao
chegar, o peão é obrigado a comprar seus instrumentos de trabalho. No
estabelecimento, quase sempre, vigora o “sistema do barracão”:
obrigatoriamente o peão tem que comprar alimentos e objetos no armazém
da empresa, onde vigoram preços exorbitantes. Não recebe em espécie, mas
em vales a serem descontados no armazém. A quebra da palavra com
referência ao valor da remuneração e das condições de trabalho, combinados
72 Grifos meus
111
no ato da contratação (quase sempre verbal) eleva consideravelmente a
dívida inicial em termos de horas a trabalhar. A situação descrita já
caracteriza suficientemente o trabalho escravo. Porém, existem situações
agudas, onde se verifica a presença de pistoleiros ou vigias armados que
impedem a saída ou mesmo a fuga dos trabalhadores dos estabelecimentos.
Há ainda maus-tratos, ameaças implícitas ou veladas, jornadas
excessivas de trabalho, alimentação de péssima qualidade e insuficiente
para repor as energias de um trabalhador adulto. Na maioria dos casos
falta assistência médica (chegando ao cúmulo de terem que trabalhar doentes), e o local de trabalho está isolado, e ocorre a apreensão de
documentos pessoais. ( Cadernos da CPT, 2006-11-13)
Por entender que é comprovado que todas essas características consideradas pela
CPT como maus tratos, ameaças, jornadas excessivas , colaboram para a manutenção do
crime, no entanto, o conceito trabalhado por essa pesquisa será o utilizado pelo
Ministério Público do Trabalho, supracitados, como:
toda a modalidade de exploração do trabalhador em que esteja impedido ,
moral , psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e
pelas razões que entender apropriados, a despeito de haver, inicialmente,
ajustado livremente a prestação de serviços, sendo similar a trabalho forçado,
termo utilizado por alguns órgãos internacionais, para definir a situação de
coerção.
Por acreditar que desta forma não se sujeita a associações ao trabalho
degradante, por mais que este esteja associado na maioria dos casos.
Seguindo os dados utilizados pela CPT, segue abaixo uma pequena
demonstração dos registros no banco feito pelos agentes:
Registro 1 - Mato Grosso
- 25 trabalhadores fugiram porque tratados como animais, vigiados por pistoleiros
armados, 10 horas de trabalho por dia, alimentação fraca e alojamento ruim. (29-12-
1985) Campanha Nacional& Reforma Agrária Informa no.9 jan/mar/85; Jornal de
Brasília Fonte: Banco de Dados da CPT.
112
Esses casos são coletados, recebidos, checados e analisados pelos agentes, como
foi apresentado anteriormente; muita das vezes o material é acompanhado do
depoimento de um dos trabalhadores que realizam a denúncia e que estavam na situação
de escravidão. Cada caso possui uma pasta que inicia a formação de um arquivo
formando algo similar a um dossiê.
Após a organização dos dados observou-se que para entender um pouco da
geograficidade do tema seria necessário entender não apenas onde se materializavam
tais situações mas outras informações como quais eram os tipos de atividade envolvida,
de onde viriam essas pessoas; porque a reincidência. E para a continuação desse
trabalho foi então necessário a leitura de todos os dossiês feitos pela CPT, que
acompanham cada caso de trabalho escravo. Alguns casos foram suprimidos porque
possuíam informações desencontradas73
, podendo assim existir um número diferenciado
do total de trabalhadores no arquivo de outras pesquisas sobre o mesmo banco74
.
Feita a leitura das atividades envolvidas que foram possíveis de serem
identificadas, os dados foram inseridos em uma planilha, como também alguns dados de
origens dos trabalhadores. Em seguida, chegou-se a um primeiro resultado quantitativo
quanto ao número de trabalhadores envolvidos e o número de ocorrências (casos), esse
resultado orientou a organização dos dados em períodos os quais se estabeleceram um
padrão.
A seguir, os dados foram organizados por regiões que deflagraram certa
constância de algumas atividades e de ocorrências do trabalho escravo. Essa
organização permitiu uma leitura desses dados agregados em comparação a outras
regiões e a outros períodos.
Ao agregar um período tão longo muitas análises podem ser perdidas,
principalmente um aprofundamento mais especifico que contextualize e comprove de
73 Todo esse trabalho foi co-orientado pelo setor de documentação da CPT nacional, no entanto o critério
para a retirada do evento partiu da própria pesquisadora.
74 O Frei Xavier Plassat responsável pela campanha de combate ao trabalho escravo realizado pela CPT
possui um banco de dados que utiliza a mesma fonte.
113
forma mais individual a comprovação do porque da existência de cada caso. Vale
lembrar, que o tema escolhido é complexo e para uma análise mais individual de cada
caso deve aproximar-se da vida desses trabalhadores para entender melhor as relações
vividas.
No entanto, ao realizar a pesquisa por um prisma que indica uma representação
do evento sobre todo o território, o pesquisador pode assim obter diferentes perspectivas
sobre o tema. Assim, alguns casos que indicavam um diferencial para o entendimento
do dado estatístico, foram feitas análises separadas tentando se aproximar da realidade.
Outro aspecto sobre esta metodologia se refere ao trabalho da CPT. É natural, ao
falarmos de uma instituição que tem como proposta reunir informações sobre as
questões no campo de um território tão extenso como o Brasil, que ocorra uma maior
informação nos locais aonde seus agentes existem por mais tempo. Pode se acusar assim
que os dados podem estar espacialmente limitados, espacialmente a CPT pode estar
limitada por não conseguir instalar postos em todos os Estados e locais75
, porém quanto
as suas ações não está limitada76
. Vale ressaltar que os números se tornam alarmantes
para uma cobertura tão pequena de casos, sendo os dados subestimados e não
superestimados.
3.2 – Escravidão Contemporânea no Campo no Brasil (1985 – 2006) – o que dizem
os dados da CPT:
De acordo com o que foi exposto, o próximo passo após a organização dos
dados foi a representação desses através de mapas e gráficos. Diante das inúmeras
75 A própria OIT não consegue estabelecer relações tão profundas com todos seus países membros.
76 A organização dos seus agentes e a representação criada pelos trabalhadores sobre seu trabalho
demonstrou maior facilidade encontrada no acesso a denúncia. Muitos até preferem pelo fato de muita
das vezes os sindicatos estarem ligados ao patrão e não serem tão confiáveis
114
possibilidades de trabalho com o banco a idéia inicial é realizar algumas exposições e
posterior descrições sobre os dados e em seguida uma análise mais geral.
O primeiro mapa a ser apresentado se refere ao número de ocorrências (casos)
de trabalho escravo de 1985 a 2006. Ao longo desses 22 anos o número de casos de
escravidão contemporânea distribuídos pelo território somou 1614 ocorrências
envolvendo 144.714 trabalhadores em situação de escravidão. As ocorrências denotam o
número de casos registrados pelo banco de dados, conforme a metodologia utilizada
pela pastoral mencionada anteriormente.
115
Mapa 1: Intensidade de casos de Trabalho Escravo 1985 – 2006
Como neste primeiro mapa os períodos estão agregados, compreende-se que o
evento não é exclusividade de uma determinada região, podendo se apresentar por todo
o território. Algumas concentrações são evidenciadas, em algumas áreas como na região
116
Norte, principalmente na região conhecida como “Bico do Papagaio”77
, entre Maranhão,
Tocantins e Pará. Além da forte concentração no Sudeste e no Centro-Oeste.
Se organizarmos os dados de ocorrência por Macroregião, algumas áreas, não
aparecem com muitas ocorrências, como centro-oeste da região Norte, o Sertão
Nordestino e o Oeste da Região Sul.
77 66 municípios – 25no Pará, 16 no Maranhão e 25 no Tocantins – distribuídos em oito microrregiões,
com área total de 140.109,5 km2 e com população de 1.436.788 habitantes.(Ministério da Integração
Nacional – PROMESO.
117
Mapa 2: Intensidade de Trabalho Escravo por Macroregiao – 1985 – 2006
Na tentativa de entender o porquê dessas ausências e também das áreas de
concentração, optou-se pelo cruzamento dos dados com a malha ferroviária e
hidroviária, como confere o mapa abaixo:
118
Mapa 3: Intensidade de Trabalho Escravo com Rede Ferroviária e Hidroviária –
1985 – 2006
Com esses cruzamento, três regiões chamam a atenção pela sua concentração de
casos, o caminho da estrada de Ferro Carajás de encontro com a Ferrovia Norte-sul . Na
119
região Centro-Oeste, todo o caminho pela Ferronorte e no Sudeste o eixo da Ferrovia
Sul-Americana até a MRS Logística. É interessante observar que os casos acontecem
em municípios que são próximos a redes de trasnportes.
Na Ferronorte além de casos próximo a rede ferroviária muitas ocorrências estão
isoladas o que pode contribuir para uma diferente análise quanto as estratégias
diferenciadas da privação da liberdade, já que o isolacionismo geográfico é um fator
presente, o distanciamento do trabalhador das vias de circulação se tornam importantes
para a manutenção dos casos.
Na ferrovia Norte Sul que praticamente corta todo o estado do Tocantins, é onde
se observa a maior concentração de casos, principalmente no encontro desta com a
ferrovia Carajás. Existindo oito eixos com ocorrências. Sendo a área de maior
preocupação.
Determinadas regiões como Norte e Nordeste possuem uma baixa concentração
de ocorrências não se torna algo tão simples. No Norte, alguns fatores como, falta de
informação e o próprio acesso à região, pode ser um determinante para a não atração da
mão - de - obra, para esses lugares. No entanto se comparado à região Nordeste e Sul, as
hidrovias e ferrovias cruzam as regiões, e, apesar disso, não possuem ocorrências. De
forma que, as áreas com ausência de ocorrência no Norte podem ser diferentes das
ausências do Nordeste.
Se limitar às condições físicas da região também não se torna o melhor caminho,
até porque, a dificuldade de acesso é muita das vezes um fator determinante para
exercer o poder de forma ilegal.
Entretanto, não se pode esquecer que um dos objetivos de permanência da
escravidão contemporânea é o lucro sobre as formas de produção e meios que facilitem
o custo-benefício das operações produtivas podem favorecer o exercício de alguns
casos.
Com o objetivo de pensar o comportamento desses casos, a seguir serão
apresentados quatro gráficos que demonstram como o evento se apresentou ao longo
desses períodos.
120
Gráfico 3.2 – Número de Ocorrências 1985-2006
Número de Ocorrência de Trabalho Escravo
422 24 17 16 14 28 18 29 29 22 19 17 16 16 20
47
150
226 237274 261
0
50
100
150
200
250
300
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: CPT
As ocorrências significam os casos de trabalho escravo, sendo que a média de
ocorrências por ano(desses 22 anos) foi de 68, sendo ultrapassada a partir do ano de
2002. Esse aumento pode ser explicado pela melhor sistematização dos dados e maior
transparência da situação com a publicação do Plano Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).
Dessa forma, para não haver tantas disparidades foi isolado o período de 2002 à
2006 e foi feito o cálculo da média dos 17 anos anteriores a 2001. De acordo com o
gráfico considerando esses 17 anos a média seria de 21, superada nos anos de 1986,
1987, 1991, 1993, 1994, 1995 e 2001.
O número de casos pode ser conferido de maneira mais homogênea de 1985 a
2000. Ao analisar o gráfico 3.2.1 de ocorrências por estado, dos 22 anos, destacam- se
os estados do Maranhão e Pará que são historicamente conhecidos por apresentarem tais
atividades, existindo um eixo de migração entre esses dois estados. E o Mato Grosso e
Tocantins que participam da expansão da fronteira agrícola.
Os estados do Pará e Maranhão são historicamente conhecidos por apresentarem
tais atividades, existindo um eixo de migração
121
Gráfico 3.2.1 – Número de Ocorrências(casos) de Situação de Escravidão
por Estado – 1985-2006
Número de Ocorrências de Trabalho Escravo 1985-2006
6 3 4 2 42 2 12 49144
39 26
168
757
1 6 11 21 1 25 11 6 28
142
0
200
400
600
800
AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PE PI PR RJ RN RO RS SC SP TO
Fonte: CPT
Quanto ao número de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão que
pode ser observado no gráfico abaixo, a soma é de 144.714, e a média é de 6578, sendo
superada nos anos de 1992, 1993, 1994, 1995 e posteriormente nos anos de 2003, 2004,
2005 e 2006.
Gráfico 3.3 – Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão no Brasil
1985 – 2006.
Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão
143 383 2921 2085 957 16874600
1623818903
2719326041
2487 872 426 1092 454 25365964
90446115 7645 6928
0
10000
20000
30000
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: CPT
Observando o gráfico, dois períodos se destacam em relação à quantidade de
trabalhadores, sendo eles de 1992 a 1995 e de 2001 a 2006. Comparando com o gráfico
de ocorrências apenas o segundo período de 2001 a 2006 coincide com a elevação do
número de trabalhadores. A suposição do que pode ter ocorrido para que existam esses
122
períodos em destaque, é no primeiro período a criação do GERTRAF e no segundo
período o aumento da mobilização contra o trabalho escravo cristalizadas no Plano
Nacional de Erradicação e na organização dos dados segundo agentes já supracitados.
Mapa 4: Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão – 1985 – 2006
123
Neste mapa, as denúncias foram mantidas pelo fato de existir o registro no banco
da CPT que essa localidade possui trabalhadores mantidos na condição análoga a de
escravo, porém não existe a informação quanto a quantidade de trabalhadores
envolvidos, sendo diferente de localidades que não possuem nenhum registro, que seria
igual a zero.
Ao analisar o mapa com o número de trabalhadores por estado de acordo com o
gráfico abaixo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará e São Paulo se
destacam. Esse valor é diferente ao expresso pelo mapa, pelo fato de que no mapa os
valores estão agregados, com o objetivo de conter um número menor de faixas que
favoreça a visualização, já que a maioria dos casos possui um número pequeno de
trabalhadores. Sendo assim a representação do numero de trabalhadores do mapa será
diferente do representado no gráfico.
Os estados encontrados em destaque pelo gráfico abaixo, estão acima da média
de 6292, configurando áreas com maior concentração do número de trabalhadores por
estado, no entanto, se comparar com os dados de casos de trabalho escravo os únicos
estados que surgem acima da média e coincidem com o número de trabalhadores é Mato
Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão ( gráfico 3.2.1).
No gráfico abaixo Minas Gerais e Mato Grosso do Sul surgem com maior
quantidade de trabalhadores, o que deve se relacionar com as atividades exploradas
como o carvão, o café, o eucalipto e a cana – de –açúcar.
Gráfico 3.3.1 – Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão no Brasil
por Estado 1985 – 2006.
Número de trabalhadores em Situação de Escravidao por Estado - 1985 - 2006
2236 71 104 57
5515
882800 2397 4242
28536
40019
13555
25569
60 151 901 1561 29 20974635
162
67583171
0
10000
20000
30000
40000
50000
AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PE PI PR RJ RN RO RS SC SP TO
124
Quanto ao número de trabalhadores encontrados em situação de escravidão
analisando mais detalhadamente através do gráfico 3.3 é possível interpretar quatro
diferentes momentos, de 1985 a 1990, de 1991 a 1995; de 1996 a 2001; 2002 a 2006.
O segundo período possui um elevado número de casos em comparação com os
períodos restantes, principalmente nos Estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
Segundo a consulta feita ao Professor Ricardo Rezende, esse aumento no número de
trabalhadores se referem a casos de carvoarias, em Minas Gerais e no Mato Grosso do
Sul, onde foi realizado um estudo pela CPT e a Comissão Permanente de Fiscalização,
através do número de fornos existentes na fazenda. Essa conduta, pode implicar em
forte crítica à publicação da CPT, por estar superestimando os casos por não se ter ao
certo o número de trabalhadores envolvidos. No entanto, vale ressaltar, que esta foi à
única atividade que fizeram tal análise pela própria estrutura física das carvoarias, sendo
extremamente complicado realizar uma estimativa em outros setores, como por
exemplo, como calcular o tempo de serviço e o número de trabalhadores capazes de
realizarem uma empreitada, se cada região possuirá uma vegetação diferenciada.
Se levarmos em consideração os depoimentos dos trabalhadores carvoeiros, fica
claro que não é apenas para trabalhar no forno que eles são contratados. Uma fazenda de
carvão vegetal, necessita de homens para fazerem a coleta da madeira, no caso
operadores de motosserra, motoqueiros, homens para a preparação da madeira para
entrar no forno como também para fazer a limpeza e enchimento dos fornos. Sem contar
os casos em que a fazenda também atua coma pecuária, ou outras culturas. Segundo o
Caderno de Conflitos (1995), o IBAMA não tem o controle de quantas carvoarias
existem nos estados, por isso através da Comissão Permanente de Fiscalização
conseguiram um helicóptero que realizou o trabalho de aerofotogrametria no municípios
do Mato Grosso do Sul para localizar os fornos da região, onde foi contado o número de
fornos dessas unidades produtivas. Diante da repercussão desses casos a Assembléia
Legislativa reiniciou as atividades que apuravam de casos de trabalho escravo, atrás da
chamada “Máfia do Carvão”. Em seguida foi realizada uma CPI, porém, infelizmente
essa pesquisa não encontrou resultados que acompanhassem tal iniciativa.
Em síntese, diante das informações expostas prevaleceu a permanência dos casos
das carvoarias na análise do período, até porque se retirarmos os casos de carvoaria dos
125
anos de 1992 a 1995 o período continuará se destacando dos restantes, com exceção dos
anos de 1994:
Gráfico 3.3.2 – Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão no Brasil
por ano sem as carvoarias 1985 – 2006.
Número de Trabalhadores em Situações de Escravidao II (sem estimativas de Carvoarias)
143 383
29212085
9571687
4600
8238
10903
5193
10041
2487
872 4261092 454
2536
5964
9044
6115
76456928
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: CPT
Gráfico 3.3.3 – Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão no Brasil
por Estado sem carvoarias - 1985 – 2006.
Número de Trabalhadores em Situaçao de Escravidão por Estado( sem estimativas de carvoarias)
2236 71 104 57
5515
882800 2397 4242
8536 1001913555
25569
60 151 901 1561 29 20974635
1622758 3171
0
10000
20000
30000
AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PE PI PR RJ RN RO RS SC SP TO
Fonte: CPT
Num possível ranking dos Estados com maior número de trabalhadores
encontrados os estados de Minas Gerais e Mato Grosso do sul ficariam em terceiro e
quarto lugar, atrás do Pará e do Mato Grosso.
Ainda de acordo com o gráfico de trabalhadores em situação de escravidão, com
as carvoarias, em 1996 ocorre uma significativa diminuição no número de trabalhadores
envolvidos que se estende até o ano de 2001. De acordo com os dados do Caderno de
Conflitos de 1996, essa retração no número de dados se deve às repercussões da
formação da CPI formada em Minas Gerais e a ação, mesmo que tímida do GERTRAF,
ao número de fiscalizações do trabalho.
126
De acordo com os períodos indicados temos por período:
Tabela IV -
Quanto ao número trabalhadores em situação de escravidão o primeiro período
se aproxima de terceiro período e o segundo período é maior que o dobro do quarto
período e quanto às ocorrências os dados se apresentam de forma crescente.
Segundo os períodos indicados no gráfico de número de trabalhadores suas
médias por período também se diferenciam quando se compara o número de
trabalhadores com o número de ocorrências , onde se destacam o segundo e quarto
período na média de trabalhadores e apenas o quarto período fica destacado na média
dos casos, indo de encontro ao resultado do primeiro gráfico de ocorrências.
Gráficos 3.4 – Média do Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão no
Brasil e média de ocorrências de trabalho escravo por período
Média do Número de Trabalhadores por Período
0
5000
10000
15000
20000
1° Período
1985 - 1990
2° Período
1991 - 1995
3° Período
1996 - 2001
4° Período
2001 - 2006
Média de Ocorrências de Trabalho Escravo
por Período
0
50
100
150
200
250
1° Período
1985 - 1990
2° Período
1991 - 1995
3° Período
1996 - 2001
4° Período
2001 - 2006
Número de Trabalhadores por Período
1° Período 1985 - 1990 8176
2° Período 1991 - 1995 92975
3° Período 1996 - 2001 7867
4° Período 2001 - 2006 35696
Número de Ocorrências por Período
1° Período 1985 - 1990 97
2° Período 1991 - 1995 126
3° Período 1996 - 2001 135
4° Período 2001 - 2006 1148
127
Uma outra análise pode ser feita de acordo com a regionalização feita pelo
IBGE, ao avaliarmos os períodos de acordo com as regiões do IBGE expostas no
gráfico abaixo teremos:
Gráfico 3.5 - Número de ocorrências de trabalho escravo por Região e por
Períodos.
Número de Ocorrências de Trabalho Escravo por Região do IBGE e por Períodos
52 3777
770
4 10 15
170
20 38 22
163
19 29 18 342 12 3 110
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1985 - 1990 1991 - 1995 1996 - 2001 2002-2006
N
NE
CO
SE
S
Temos no primeiro período as regiões Norte e Centro-Oeste se destacando. No
segundo período a região Norte, Sudeste e Centro- Oeste. No terceiro período Norte e
Centro- Oeste e no último período Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Ao compararmos ao número de trabalhadores por região, como apresenta o
gráfico abaixo percebe-se que a região Centro-Oeste se destaca em todos os períodos.
Gráfico 3.5.1 - Número de Trabalhadores em Situação de Escravidão Por
Região e por Períodos.
Número de Trabalhadores por Região do IBGE e por Período
30545088 3867
20775
793743
788
55462393
45241
1324
7013
2192
33743
1583 21378
5160
305 225
0
10000
20000
30000
40000
50000
1985 - 1990 1991 - 1995 1996 - 2001 2002-2006
N
NE
CO
SE
S
Fonte: CPT
128
O banco de dados também permitiu uma organização quanto às atividades
encontradas com trabalho escravo. Para isso, foram lidos todos os históricos de cada
ocorrência de 1985 a 1999, e posteriormente complementado pelo banco da CPT até
2006, que já possuía as informações referentes às atividades.
Os que estamos chamando aqui de atividade incluem a produção e a função que
exercem os trabalhadores encontrados. A opção por usar o termo atividade composta
pelas funções exercidas e atividades produtivas, ao invés de separá-la, é feita pelo fato
de acreditar que toda produção necessita do homem para se tornar parte da economia.
Para uma melhor compreensão dos gráficos e mapas a seguir, vale destacar a
metodologia utilizada na denominação das categorias apresentadas como atividades, que
foram expostas de acordo com o dado encontrado em cada registro, algumas atividades
foram agregadas para melhor entendimento e exposição expostas na tabela abaixo:
Quadro 4: Lista de Atividades Encontradas no Banco de Dados CPT
Atividade Denominação segundo os arquivos
Empreitada Derrubada+Desmatamento+Roçado +Retirada
de madeira, Roço, roçagem, Roço da Juquira,
Roçagem e Pasto, capina, cata de raiz, roçado e
carvão, Roçagem de pé de cerca. Derrubada;
derrubada de acácias.
Extrativismo Aproveitamento de babaçu, cipó de Jatobá,
Cipó de Ititica, Resineiros, Extração e Palmito,
açaí*;
Madeira Serrarias, bater , empilhar e amontoar a madeira
, atividades ligadas a extração de madeiras para
serrarias, como extração de madeira de lei
Pecuária Gado, Vaqueiros, criação de gado
Polivalente Construção de cercas e roçado;
trator;doméstico, aceiro de cercas; Serviço
Geral, peão, trabalhador rural, lavradores. E em
geral um grupo de mais de três atividades
denominadas pelos trabalhadores.
Soja Carpa de soja e girassol, soja combinada com
129
milho, algodão e arroz, soja e cata de raiz.
* Apenas um caso foi encontrado com a extração de Palmito e Açaí
Os dados sem informação foram retirados da análise dos mapas de atividades, a seguir
segue o primeiro mapa referente ao primeiro período. (próxima página)
Mapa 5: Atividades Relacionadas ao Trabalho Escravo 1° Período – 1985 –
1990
130
Como demonstra o primeiro período, a empreita e a cana foram os que entraram
em maior evidência, estando distribuídos os casos na região oeste e sul. Na direção para
onde se expande a fronteira agrícola entre os limites dos Estados do Mato Groso e do
Pará, a empreitada é presenciada ainda no estado do Mato Grosso. A cana- de açúcar,
concentra-se desde o Rio de Janeiro até o oeste do Mato Grosso do Sul, como também
no nordeste.
131
Mapa 6: Atividades Relacionadas ao Trabalho Escravo – 2° Período – 1991 – 1995
Nesta fase a empreitada e a cana continuam dominantes pelo território, no
entanto, um número maior de atividades é identificado pelo banco o que pode ser
resultado do próprio processo de organização da CPT. A região do bico do papagaio e a
região sudeste apresentam concentração das atividades a partir deste período.
132
Mapa 7: Atividades Relacionadas ao Trabalho Escravo – 3° Período – 1996 – 2001
133
O terceiro período se destaca dos demais pela ausência de informação
exatamente no período em que o Grupo Móvel entra em ação, concentram-se as
atividades no Centro-Oeste em direção ao norte e no Sudeste do litoral para o oeste.
Mapa 8: Atividades Relacionadas ao Trabalho Escravo – 4° Período – 2002 – 2006
134
E por último, o quarto período, que participa de uma maior integração das
informações. A cana e a empreitada voltam a se destacar e a região do Centro-Oeste
juntamente com o Norte em direção ao “ Bico do Papagaio” , um número grande de
casos permanecem nessa região. O carvão , enunciado desde o segundo período, recebe
uma maior dimensão na ultima fase.
135
Análise comparativa dos quatro períodos:
136
Mapa 9: Atividades Relacionadas ao Trabalho Escravo por Macroregiao –
1985 – 2006
137
A atividade de empreita que neste caso foi a mais encontrada, foram enquadrada
conforme foi citada anteriormente. O roço, como é conhecido pelos trabalhadores ,
neste caso, acumulou não somente os casos em que os próprios trabalhadores
denominam como função mas também outros eventos que caracterizam-se por fim a
atividade da roçagem, como por exemplo: O roço da Juquira(a juquira é o nome dado à
roçagem , principalmente na Amazônia, quando este trabalhador , tem como função a
retirada da mata que se encontra após a derrubada); Roçagem de pasto, Capina e cata de
raiz, roçado , roço). Diante disso, o número de casos relacionados à empreitada
encontrado nessa região durante o período de 1985 a 2006 foi de 220 ocorrências. O
que demonstra que a principal atividade onde esses trabalhadores são empregados é na
abertura de áreas, possivelmente ligados a expansão da fronteira agrícola. Muitos
trabalhadores são contratados para realizarem a roçagem e fazerem cercas, palavra
citadas por 51 casos durante esse período analisado.
Outra questão que surgiu ao estudar os dados do banco é quanto à origem dos
trabalhadores. De acordo com a limitação de algumas fontes do banco de dados foi feita
uma pequena amostragem para tentar entender a origem dos trabalhadores encontrados
em situação de escravidão, como demonstra o mapa abaixo. A escolha da amostragem
se deu pelo fato de muitas informações sobre a origem dos trabalhadores não terem sido
inseridas no banco (próxima página)
138
Mapa 10: Origem dos Trabalhadores – 1985 - 2006.
139
A maior dispersão é notada pelos trabalhadores do Maranhão e do Piauí. O
Tocantins o Mato Grosso e a Bahia fornecem trabalhadores para o seu próprio
território. Vale ressaltar como o fato do trabalhador ser de outro lugar e não possuir
raízes com o local de trabalho, se torna um condicionante para a prática da dominação
pelos empregadores. Segundo Figueira(2004) ser um imigrante
Um outro caso que chama a atenção são as reincidências de fazendas onde foi
encontrado trabalho escravo. Reincidência significa a repetição do evento na mesma
localidade(fazenda) e mesmo município. Podendo existir casos de reincidência mais de
uma vez por ano em datas diferentes, ou em diferentes anos. A média do número de
casos reincidentes foi de 18.5, ultrapassada apenas nos anos de 1989, 1995, 1998, 1999,
2001, 2002, 2003, 2004 e 2005. Um outro aspecto interessante, que vale ser observado é
a semelhança entre os períodos de transição dos governos que se destacam do restante
do período em que estão inseridos.
Gráfico 3.6 - Reincidências em Trabalho Escravo de 1985-2006
Nos casos de Reincidências por Estado explícitos no gráfico abaixo, Goiás,
Mato Grosso e Pará são as unidades de federação que estão acima da média encontrada
que foi de 24.3.
Número de Casos Reincidentes em Escravidão de 1985-2006
2
10 12 11
22
1418 16 15 13
20
8
16
24
31
3
19
27
34
2218
34
0
10
20
30
40
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: CPT
140
Gráfico 3.7. - Reincidências em Trabalho Escravo por Estado de 1985-2006
Número de Casos Reincidentes em Escravidão por Estado 1985-2006
2 2 2 629 22 20 18
48
184
619
7 2 121
0
50
100
150
200
AM AP BA ES GO MA MG MS MT PA PI RJ RO SC SP TO
Fonte: CPT
De acordo com o mapa abaixo, as regiões do Sudeste, Centro-Oeste e Norte ( na
concentração do bico do papagaio) são as regiões que apresentam a permanência do
evento em mais de um período. O que implica em questionar porque essa espacialidade
vem se repetindo.
Se considerarmos a proposição da CPT, de conceber o trabalho escravo como
um conflito trabalhista e somarmos a concepção de conflito, apresentada por Alantejano
(2008) Onde “o conflito social é expressão das tensões e contradições da ordem social
em permanente transformação”(2008). Pode-se entender que no caso do trabalho
escravo grupos ou classes estão se materializando nesses espaços, através do uso da
violência por mais de duas décadas.
141
Mapa 12: Reincidências de Trabalho Escravo por Município – 1985 - 2006.
Se Realizarmos a análise das Reincidências de Escravidão por período onde
aparece maior número de trabalhadores, teremos no primeiro período cinco (5) estados
reincidentes em seis anos. No Segundo período, em que temos cinco anos o número de
estados envolvidos dobra, atingindo dez (10) estados. No terceiro período de quatro
anos, quatro (4) estados permanecem num total de oito (8) estados envolvidos. E por
último, em seis anos, três estados permanecem entre cinco casos. Os estados do Pará e
do Mato Grosso, são os únicos onde houve reincidência nos quatro períodos
apresentados.
142
Gráfico 3.8 - Reincidências em Trabalho Escravo por período 1985-2006
3.8.1
Número de Casos Reincidentes em
Escravidão - 1° Período 1985-1990
2
7
11
4
19
8
0
5
10
15
20
1985 1986 1987 1988 1989 1990
Fonte: CPT
Número de Casos Reincidentes em
Escravidão por Estado
1° Período 1985-1990
2
12
30
52
0
10
20
30
40
MG MT PA RJ RO
Fonte: CPT
3.8.2
12
16
9 10
20
0
5
10
15
20
25
1991 1992 1993 1994 1995
Número de Casos Reincidentes em Escravidão
2° Período 1995-2000
Número Casos Reincidentes em Escravidão por Estado
2° Período - 1991 - 1995
24
10
15
9 10
68
2 1
0
5
10
15
20
BA GO MG MS MT PA PI RJ SC SP
Fonte: CPT
3.8.3
Número de Casos Reincidentes em Escravidão
3° Período 1995-2000
4
11
18
28
0
5
10
15
20
25
30
1996 1997 1998 1999Fonte: CPT
2 3
23
4 5
15
5 4
0
5
10
15
20
25
AP ES GO MG MT PA RO TO
Número de casos Reincidentes em Escravidão
Por Estado 3° Período 1995-2000
Fonte: CPT
3.8.4
Número de Casos Reincidentes em Escravidão
4° Período - 2001- 2006
14
24
30
21
30
16
0
10
20
30
40
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: CPT
Número de casos Reincidentes em Escravidão por Estado -
4° Período 2001-2006
22
4
90
2
17
0
20
40
60
80
100
MA MT PA RJ TO
Fonte: CPT
143
O que vai de encontro com a análise de ocorrências e atividades dos mapas, onde
estes dois estados aparecem em todos os períodos. A existência da reincidência
estabelece uma possível reflexão sobre o que favorece a permanência da impunidade
nesses municípios. Por mais que o maior número de trabalhadores encontrados se
localize no Sudeste de acordo com o mapa 5, é no Centro Oeste e no Norte que a
impunidade e a violação aos direitos humanos tem se tornado presentes há mais de 20
anos. Vale associar esses municípios aos poderes locais privados já que é iniciativa do
poder privado a coerção e dominação dos trabalhadores, como também, o poder público
local deve ser investigado para saber se existem relações com os setores produtivos.
Em síntese, foram apresentados os dados na tentativa de pensar a espacialidade
do trabalho escravo no campo ao longo desses 22 anos. Através da distribuição dos
casos, pode-se perceber que o evento não é exclusividade de regiões com baixo poder
aquisitivo, e infelizmente se realiza por boa parte do território, que pode levar a pensar
até em todo o território.
A região que comporta a ferrovia Norte-sul é conhecida desde a década de 60,
pela introdução dos investimentos do governo militar. O caminho da Rodovia Belém-
Brasília e da ferrovia Norte-sul, vão de encontro ao fluxo, ao norte, trazido pela
Ferrovia Carajás. Essa mesorregião conhecida como Bico do Papagaio, concentrou na
década de 60, projetos de ocupação do governo Militar, que por inserir a cobiça de
grandes empreendimentos produziram muitos conflitos no campo. Essa mesorregião
concentra o maior número de ocorrência, o maior número de reincidências, e também
um pólo de atração de migrantes.
O embate entre posseiros, grileiros, e povos originários está longe de chegar ao
seu fim, pois as racionalidades são muito distintas, frente à falta de mudança estrutural
que modifique o modelo fundiário de concentração de terras.
O Centro-Oeste, também possui uma dinâmica particular quanto à ocorrência de
escravidão. A distribuição no território se assemelha bastante com o traço da linha
ferroviária, no entanto, se torna prematuro afirmar o elo entre essas semelhanças. O que
não pode ser deixado de lado é o fato de essa região ter se transformado após a evolução
tecnológica, na nova área de produção agrícola do Brasil, concentrando o modelo do
Agronegócio. O que permite pensar tal contradição, já que este modelo é baseado em
144
tecnologia de ponta e procura mão-de-obra qualificada para o manuseio desta. Talvez
exatamente, por possuir esse perfil, algumas empresas escondam os artifícios usados
para atingir tão facilmente o mercado mundial, inserindo o produto a baixo-custo e
apoiados pela política governamental da bancada ruralista.
O comportamento homogêneo das ocorrências até 2001, também pode ser
relacionado ao surgimento Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE). Constituída por representantes do poder público e de organizações, esta
tem por objetivo prevenir e combater a prática do trabalho escravo e realiza o
lançamento do Plano Nacional de Erradicação contra o Trabalho Escravo78
. A luta para
a erradicação ganha força desde a década de 90. Segundo Moraes(2007) o tema é usado
pela primeira vez como campanha, em 1994, a partir da iniciativa do Fórum Nacional
Permanente Contra a Violência no Campo, que resulta em 1995 da criação do
GERTRAF, podendo agir de forma mais ampla sobre o território. Dessa forma,
podemos então perceber que se os números da CPT eram acusados de serem
superestimada, essa acusação se torna equivocada, pois a partir de 2003 os dados
assumem novo padrão(dobram) o que possivelmente corresponde à ação integrada com
o Ministério do Trabalho e a ação de inspeção da Secretaria de Inspeção do Trabalho. E
se tornam bem superiores ao trabalho individual da CPT.
Os dados sobre o número de trabalhadores evidenciam o segundo e o quarto
período como fases em que o número de trabalhadores nessa situação foi intensificado.
Infelizmente a dificuldade em se obter um controle sobre o número e função de
trabalhadores nas áreas de produção, não auxiliam que o número de trabalhadores seja
mensurado de forma mais qualitativa. Se não fosse os esforços da CPT e do Ministério
do Trabalho em denunciar publicamente o quanto é alarmante a relação de trabalho no
campo, certamente, seria difícil contabilizar a existências desses trabalhadores.
Uma iniciativa, foi realizada em Cosmópolis, interior de São Paulo, através do
mapeamento e controle do peso da produção no corte de cana. Essa medida só foi
78 Em 2008 foi lançado a segunda versão do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo.
145
possível através da militância do sindicato de cortadores de cana que após sucessivas
greves, conseguiram uma balança e o mapeamento da área plantada sob seu controle a
qual nomeiam de “quadra-fechada” – essa história pode ser acompanhada pelo filme
Quadra-fechada, de José Roberto Novaes – pois eram enganados pelos patrões na hora
do peso e área de corte. Com a Quadra-Fechada os trabalhadores podem ter controle
sobre o seu trabalho e sobre a sua produção. Porém, esse trabalho só foi possível,
através da fidelidade do sindicato presente com os seus trabalhadores, experiência ainda
não vivida por muitas fazendas.
No século XXI, as tecnologias invadem os espaços mais remotos, a informação
via satélite, através dos GPS, já pode ser presenciada em alguns tratores no campo; a
alta tecnologia utilizada na biotecnologia para o melhoramento de sementes e
defensivos se mundializa a cada segundo. Portanto, se determinadas fazendas procuram
estabelecer a todo instante esse contato com a alta tecnologia, seria interessante se os
trabalhadores também pudessem possuir dessa tecnologia para controlar o seu trabalho,
e ter a “liberdade” de colocar sua força de trabalho a venda, sabendo que irão receber
por isto.
Ao pensar no fluxo de informação gerados por essas tecnologias informacionais,
vale ressaltar que o governo, poderia estar colaborando com políticas públicas para a
formação dos trabalhadores – ou até mesmo dispensando a tecnologia, pois a cartografia
existe antes mesmo da invenção do GPS – na perspectiva de controle das áreas
produzidas, ou pelo menos repassando através de informações oficiais, a dimensão
fundiária das propriedades nas quais esses trabalhadores estão inseridos. Informação
que vem sendo esperada através de censos agropecuários.
Quanto às atividades encontradas, a empreitada ganhou forte repercussão por
associar as diversas atividades de trabalho manual, declaradas pelos trabalhadores.
Mostrando que é na atividade rural de menor “qualificação”, que se inicia a relação de
dominação. O que pode ser associado com o perfil dos trabalhadores, geralmente
jovens, analfabetos que partem de regiões pobres para garantir um futuro melhor em
busca de um ofício. Ao partir deixam um futuro de esperança em seus familiares e
encontram um mundo de desencantos, onde perdem sua dignidade e coragem para
retornar para casa.
146
O corte da cana também se enquadra no mesmo perfil da empreitada, devido às
empresas procurarem mão–de-obra braçal, que dê conta das 12 toneladas diárias
estipuladas pelos patrões. Mesmo com o advento de alta tecnologia para o corte da cana
que consegue medir através de um sensor a qualidade da cana cortada dentro do
caminhão como exposta na imagem abaixo, muitos empregadores preferem ainda
manter a mão-de-obra tradicional, injetando-lhes reforço nutricional para que rendam
mais por dia.
Esse retorno dos trabalhos nos canaviais, só foi possível pelo aumento do preço
do etanol no mercado mundial, que fez aquecer o mercado interno reativando muitas
usinas.
Figura IV -
Uma outra atividade que chama a atenção é a carvoaria, segundo revista do
Observatório Social:
A Amazônia brasileira produz o melhor ferro gusa do mundo, usado
principalmente na produção de peças automotivas. É um mercado que
movimenta 400 milhões de dólares anuais somente na região Norte – 2,2
milhões de toneladas/ano – e tem como principal compradora a indústria
siderúrgica dos Estados Unidos (2006)(...) As carvoarias da Amazônia são
Triminhão
sensor
Imagem: Andressa Lacerda.2008
147
controladas por 13 siderúrgicas com sede no Maranhão e no Pará. Algumas
siderúrgicas são de propriedade de gigantes da economia, com atuação em
quase todo o território brasileiro e também no exterior. O grupo Queiroz
Galvão é dono da Simasa e da Pindaré. O grupo Gerdau controla a Margusa.
Simasa e Margusa são acusadas pelo Ministério Público do Trabalho de
usarem mão-de-obra escrava em carvoarias ilegais. Esse carvão é usado na
produção do ferro gusa exportado aos Estados Unidos para a produção de
aço, que por sua vez é matéria-prima de automóveis e diversos outros
produtos.( VERAS e CASARA 2004:12)
É exatamente no quarto período que o carvão se torna mais presente, não
necessariamente ocupando o Norte, mas o Sudeste e Centro –Oeste.:
O interesse das siderúrgicas pela Amazônia acontece porque a região tem
imensas reservas minerais e é muito atraente para quem busca produzir a
baixo custo: tem mão-de-obra barata e madeira em abundância. Em alguns
casos, essa mão-de-obra não custa praticamente nada. A madeira sai da floresta quase de graça, muitas vezes retirada ilegalmente e sem autorização
dos órgãos ambientais. Some-se a isso a brutal concorrência comercial entre
as empresas em escala global e tem-se um quadro de pressões crescentes
sobre o meio ambiente e as condições de trabalho.( VERAS e CASARA
2004:13)
Neste caso, se torna visível que a falta de fiscalização e o mercado mundial
transformam determinados territórios do país em sua “fábrica”. A impunidade também é
um fator importante na medida em que muitas dessas fazendas são reincidentes no
assunto.
O uso de trabalho escravo envolvendo siderúrgicas não é recente. Em 1995,
ano em que o Ministério do Trabalho criou o Grupo Especial de Fiscalização
Móvel, quatro siderúrgicas localizadas no Mato Grosso e em Minas Gerais
foram acusadas de manter trabalhadores escravos em carvoarias. No Mato
Grosso, a pequena cidade de Ribas do Rio Pardo se tornou uma espécie de
pólo escravagista, com denúncias em vários setores da economia. No ano seguinte surgiram pela primeira vez, nos relatórios do Grupo Móvel, os nomes
de siderúrgicas ligadas a grandes conglomerados econômicos. É o caso da
siderúrgica Pindaré, da Queiroz Galvão, com sede em Açailândia (MA). Ela
148
aparece em relatórios do Grupo Móvel em 1996, 1997, 1998, 2002 e 2003. A
Simasa, também da Queiroz Galvão, aparece pela primeira vez em 2002,
tornando-se freqüente desde então. A Margusa, comprada pela Gerdau no dia 2
de dezembro de 2003, aparece em março de 2004. (VERAS e
CASARA:2004:13)
É necessário, portanto, conhecer em que tarefas o trabalho escravo é empregado
hoje, para poder, então, compreendê-lo como momento do processo do
capital(MARTINS.1997)
149
3.3 - Uma Leitura Geográfica sobre o Trabalho Escravo Contemporâneo.
Saber fazer uma leitura do que é o mundo hoje e como se dão as relações sociais
no espaço, é fator fundamental para as ciências humanas. Principalmente pelo fato de
nenhuma sociedade se constituir fora do espaço é que devemos ficar atentos a esta
relação. Ao pensar em uma geografia do trabalho escravo contemporâneo temos um
território de conhecimento pouco trabalhado pela geografia, o que leva à construção de
um trabalho ainda com algumas defasagens sob o ponto de vista de superar alguns
limites encontrados pela formação acadêmica ainda contagiada pela delimitação dos
saberes.
A impossibilidade de compreender a realidade pela sua totalidade comprova que
sempre teremos uma linha de raciocínio para refletir sobre um determinado tema, neste
caso, é inconcebível pensar sobre a contemporaneidade das relações de trabalho no
campo sem questionar sobre em qual mundo essas relações estão inscritas,
principalmente quando falamos de um mundo globalizado. Sendo assim, a análise
espacial do trabalho escravo não pode estar desconectada das relações sociais, políticas
e econômicas. Se a geografia deseja interpretar o espaço como fato histórico que ele é,
somente a historia da sociedade mundial, aliada à da sociedade local, podem servir
como fundamentos à compreensão da realidade espacial e permitir sua transformação a
serviço do homem.
O material da CPT permite diferentes tipos de analise que possibilitam outros
tipos de estudos sobre seu banco de dados. Portanto, o material está longe de ser
analisado por completo. As formas de violência, como tortura; o uso de trabalho de
infantil; os casos de morte em conseqüência de trabalho excessivo, ou mesmo por
interesse da manutenção do controle sobre os trabalhadores; casos de envenenamento e
doenças em conseqüência do trabalho, também estão inseridos na dinâmica deste
histórico banco de dados.
De acordo com o proposto por este trabalho as diferentes escalas por onde se
apresentam o tema alerta para uma análise do local e do global como foco principal para
entender o fenômeno como um problema político, por estar relacionado à relações de
150
poder que se inserem tanto no setor público como privado para a manutenção do seu
status quo, e econômico já que este é o objetivo pelo qual praticam tais políticas.
3.4 - Em busca de um entendimento global sobre o trabalho escravo.
Fortalecidos pelo processo tecnológico, o local e o global adquirem uma
conectividade que favorece a geografia a pensar nos eventos de diferentes formas. Para
refletir sobre um evento que concretiza a violação da dignidade humana, se torna vital
entender as relações pessoais e locais que se apresentam.
Contudo, perceber que esses eventos podem estar inseridos em uma dinâmica
internacional onde o resultado é a ação local se torna um ponto importante para pensar o
trabalho escravo ao longo desses 22 anos aqui pesquisados de forma mais abrangente.
Desse modo, a escala entendida como (CASTRO ,1995):
[...] a escala é a escolha de uma forma de dividir o espaço, definindo uma
realidade percebida/concebida, é uma forma de dar-lhe uma figuração, uma representação, um ponto de vista que modifica a percepção mesma da
natureza deste espaço, e, finalmente um conjunto de representações
coerentes e lógicas que substituem o espaço observado. As escalas, portanto,
definem modelos espaciais de totalidades sucessivas e classificadoras e não
uma progressão linear de medidas de aproximação sucessivas.
Desta forma, a escala pode ser utilizada como ferramenta que aproxima a
realidade percebida e concebida e ao mesmo tempo a transforma. É um instrumento que
permite entender a conexão do evento com realidades diferentes, que se inscrevem em
um tempo e espaço determinados.
151
Outro artifício que não pode ser esquecido e que é fundamental para entender o
adensamento da conectividade é a disposição das redes. A partir do momento em que
temos uma divisão territorial do trabalho que é regida por esta disposição e a circulação
passa ser mais importante do que a produção, as redes se tornam o meio pelo qual os
poderes exercem suas forças, na idéia de que a própria estrutura do espaço constitui uma
condição fundamental ao exercício do poder e à natureza local ou regional desse poder79
(SANTOS 2002:271apud Taylor & Trift80
)
O trabalho local depende das infra-estruturas localmente existentes e do
processo nacional de divisão do trabalho nacional. Os segmentos locais da
configuração territorial do país condicionam o processo direto da produção, sua demanda em mão-de-obra, tempo, capital. O trabalho nacional, isto é, as
grandes escolhas produtivas e socioculturais, implica uma repartição
subordinada de recursos, oportunidades e competências e a submissão a
normas geradoras de relações internas e externas. (SANTOS 2002:272)
De acordo com essa perspectiva, o processo de globalização se torna essencial
para o entendimento da escravidão contemporânea sendo através deste processo que as
redes dão um novo sentido ao espaço .
Com o advento da globalização podemos compreender a complexidade do
mundo atual através de eventos locais tendo a compreensão de que tais fatos estão
conectados com ações em outras escalas. Essa possibilidade vem sendo favorecida pela
revolução técnica científica e informacional que nos permite produzir outra dimensão
do espaço-tempo e de se fazer e sentir o mundo.
79 A palavra poder deve ser aqui reconhecida no sentido que lhe dão Taylor &Thrift, isto é, a capacidade
de uma organização para controlar os recursos necessários ao funcionamento de uma outra organização.
(SANTOS 2002:27)
80 (Taylor & Trift 1982:1604)
152
Junto com a unicidade das técnicas e a convergência dos momentos, a mais-
valia no nível global contribui para ampliar e aprofundar o processo de
internacionalização, que alcança um novo patamar. Agora, tudo se
mundializa: a produção, o produto, o dinheiro, o crédito, a dívida, o
consumo, a política e a cultura. Esse conjunto de mundializações, cada qual
sustentado, arrastando, ajudando a impor a outra, merece o nome de
globalização” (SANTOS. 2002:204).
Contudo, esta globalização não chegou a todos da mesma forma; as
verticalidades continuam se impondo e os cidadãos sofrem as conseqüências da
globalização desigual. O trabalho escravo contemporâneo é uma delas, encontrado em
diferentes “mundos”, rurais, urbanos em escalas nacionais e internacionais.
A ordem trazida pelos vetores da hegemonia cria, localmente, desordem, não
apenas porque conduz a mudanças funcionais e estruturais, mas, sobretudo,
porque essa ordem não é portadora de um sentido, já que seu objetivo – o
mercado global - é uma auto-referência, sua finalidade sendo o próprio
mercado global. Nesse sentido, a globalização, em seu estágio atual, é uma
globalização perversa para a maioria da Humanidade”. (SANTOS.2002:334)
A diferença regional do mundo contemporâneo estabelece uma divisão
internacional do trabalho que, juntamente com a globalização, permite um
reconhecimento diferente do globo. Para a produção capitalista conseguir manter
padrões da demanda internacional os sistemas de produção mantiveram a produção
tecnológica como sua aliada, no mesmo passo que se intensifica a exploração do
trabalhador. Uma vez incorporada à lógica capitalista, o sistema e suas reestruturações
vão se inserindo e se impondo como única realidade possível.
Ao pensar no campo brasileiro, observam-se mudanças de padrões das formas de
produção, consecutivamente na década de 50, 60 e 70 com o uso de tecnologias que
auxiliam na velocidade da produção e a estrutura física nas formas de armazenamento
dos produtos, o que promoveu um reordenamento nas relações de produção e de
trabalho.
153
Segundo Denise Elias(2002) a reorganização do espaço agrário pode ser pensada
através de três momentos adjacentes: o primeiro momento em que os insumos eram em
sua maioria importados a partir da década de 50; um segundo momento em meados da
década de 60 quando as grandes corporações apropriam-se do processo de produção
agropecuária realizando uma industrialização na agricultura, marcada pela expansão dos
Complexos Agroindustriais(CAIs). E por último em meados da década de 70 com o
processo de integração de capitais, a partir da centralização de capitais industriais,
bancários etc.; expansão das sociedades anônimas, cooperativas agrícolas, empresas
integrais verticalmente(agroindústrias ou agrocomerciais), assim como a organização de
conglomerados empresarias holdings, cartéis e trustes.( ELIAS, 2002:26)
A nova configuração da produção portanto, está conectada com novas formas de
se pensar o espaço, que derruba muitos limites físicos para alcançar o mercado global,
como ressalta Ruy Moreira(2006)
[...]os produtos se difundem e se misturam nos diferentes continentes
formando com o tempo uma paisagem de culturas entrecruzadas na qual as
regiões antigas não se distinguem mais umas das outras pelos cultivos do
trigo, do café, do arroz, do milho, da batata, formando-se regiões novas com
essas culturas agora mundializadas.(MOREIRA 2006:161)
Sendo o eixo-reitor desse rearranjo, o desenvolvimento da divisão internacional
do trabalho e de trocas, em função de cujos propósitos os pedaços do espaço terrestre
vão se regionalizando por produto. (MOREIRA 2006)
Toda essa “padronização” da produção e integração dos capitais promovida após
a década de 50 só foi permitida pelo avanço tecnológico, pela inserção de uma nova
família de técnicas e pela informação, segundo Milton Santos(2000)
154
[...]A técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era
possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do tempo,
permitindo, em todos os lugares, a convergência dos momentos, assegurando a
simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando o processo histórico.
(SANTOS 2000:25)
Convergindo assim para uma unicidade técnica, que colabora para uma
homogeneização das técnicas e do território e quem não a acompanha ou é excluído
dessas relações se torna um ator de menor importância, à disposição de um novo
enquadramento desse mercado, como pode ser observado pelos trabalhadores que
perdem suas propriedades por grilagem, ou pelos assentamentos de sem terra que estão
desprovidos de técnicas que promovam a inserção da sua produção no mercado.
Com a dinamização da produção, o espaço teve que assumir modificações para
dar suporte à nova dinâmica imposta, ou como relatam Milton Santos e Maria L.
Silveira (2001:55) a “renovação da materialidade do território”, promove uma nova
estrutura no campo.
Face a uma agricultura em acelerado processo de modernização e aumento da produtividade, o crescimento da capacidade de armazenagem no Brasil, a
partir de meados dos anos 80, foi extraordinário. Essa capacidade aumentou
1.374,4 vezes entre 1985 e 1995(o crescimento havia sido de 1,7 vez entre
1975 e 1985). Se a região sul lidera, em 1995, a capacidade de armazenagem
do país com 45,19% do total, o fenômeno mais importante é a expansão na
região Centro-Oeste,que hoje representa 29,14% do total
nacional.(SANTOS E SILVEIRA 2001:148)
Milton também afirma que a convergência dos momentos, ou “a existência da
confluência dos momentos como resposta àquilo que, do ponto de vista da física,
chama-se de tempo real, do ponto onde vista histórico, será chamado de
interdependência e solidariedade do acontecer”(SANTOS 2000) que permitirá o
acompanhamento da mais-valia global ou do “motor único”. Isso só é possível devido à
produção em escala mundial, por intermédio de empresas mundiais, que competem
155
entre si segundo uma concorrência extremamente feroz, como jamais existiu as que
resistem e sobrevivem são aquelas que obtém a mais-valia maior, permitindo-se, assim a
continuar a proceder e competir(idem, 2000)
[...] A cada avanço de uma empresa, outra do mesmo ramo, solicita
inovações que lhe permitam passar à frente da que era antes campeã. Por
isso, tal mais-valia está sempre correndo, quer dizer, fugindo para frente.
Um corte no tempo é idealmente possível, mas está longe de expressar a
realidade atual cruelmente instável. Por isso não se pode, desse modo, medi-la, mas ela existe. Se ela pode parecer abstrata, a mais-valia agora universal
na verdade se impõe como um dado empírico, objetivo, quando utilizada no
processo da produção como resultado da competitividade. (2000)
E é essa necessidade de impor um ritmo de produção que se enquadre no
mercado mundial que o território brasileiro vai se transformando seja através das
relações de trabalho ou de produção.
A circulação através dos transportes também se reestruturou e passou a ser mais
integrada às áreas de produção, existindo uma reformulação nos eixos que facilitam a
circulação da produção, podendo ser observada desde o ciclo do café aos projetos mais
recentes como o da Rodovia Interoceânica que liga o país ao Pacífico ou pela estratégia
dos produtores de soja na utilização do Rio Madeira.
Dessa forma, o encurtamento das distâncias, acelerados pelo processo
tecnológico, e a nova configuração territorial imposta pelo capitalismo autoritário
acelera o processo de alienação dos espaços e dos homens constituindo novas
desigualdades.
Leonardo Sakamoto(2007) em sua tese analisa as redes de comercialização
envolvidas com trabalho escravo. A idéia foi estudar a cadeia produtiva e suas relações
comerciais que utilizam esse tipo de trabalho. Seu recorte foi o cadastro de
empregadores envolvidos com o trabalho escravo realizado pelo Ministério do Trabalho
156
e Emprego, conhecido como “lista suja”. Essa lista81
foi iniciada em 2003 e implica o
corte de financiamentos por parte de alguns bancos como BNDS, Banco do Nordeste,
sendo atualizada a cada seis meses, consistindo em mais uma ferramenta de combate à
escravidão promovida pelo Estado. Este trabalho se torna essencial para o estudo e
compreensão deste tema, pois colabora para o entendimento do problema em diferentes
escalas.
Segundo Sakamoto o trabalho escravo vivenciado no campo corresponde a uma
pressão feita pelo mercado mundial sobre controle das commodities82
que por sua vez
possuem baixo valor agregado, fazendo com que subjuguem os trabalhadores para
produzirem a baixo custo (ou sem nenhum custo).
Outra constatação trazida por Sakamoto(2007) que leva a pensar o problema em
uma escala mais ampla, se deve aos padrões de comercialização das commodities nas
regiões encontradas, que apresentam como principais parceiros comerciais naquelas
localidades, atores economicamente relevantes, como tradings e
indústrias(SAKAMOTO 2007).
Os motivos encontrados pelo autor para esse relacionamento são grandes empresas que compram a produção antes mesmo de a lavoura ser plantada ou
do boi magro ser adquirido, financiando o fazendeiro. Um outro motivo é o
custo de transporte ser inferior se feito em grandes volumes de cada vez.
(SAKAMOTO 2007:87)
Alguns produtos relacionados à escravidão por Sakamoto(2007), coincidiram
com o encontrado por esta pesquisa no mapa de atividades envolvidas como a cana – de
– açúcar , tendo sua incidência atribuída pela elevação do preço do etanol, e o carvão
81 A Primeira lista possuía 52 registros entre pessoas e empresas.
http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/iniciativas/lista_suja.pdf
82 Commoditties são entendidas pelo autor como mercadorias agropoecuarias padronizadas, com preço
mundial determinado por bolsas de mercadorias, como boi gordo,soja,algodão e café em grão.
(SAKAMOTO 2007:83)
157
sendo pressionado pelas siderúrgicas e empresas de ferro-gusa que dominam na região
como focos do problema na Amazônia e do Sudeste ao Centro Oeste.
A principal atividade relacionada à lista suja foi à pecuária, que neste trabalho
não obteve um percentual tão grande ao ser apresentado cartograficamente, devido a
forma relatada no banco de dados, no entanto, vale lembrar que esta atividade está
relacionada diversas outras ações como a roçagem e o desmatamento apresentadas neste
trabalho como os principais responsáveis pela escravidão. Exemplificando, voltando ao
trabalho de Sakamoto(2007), os produtos pesquisados também possuem diversos
subprodutos, ao pegar como exemplo um desses produtos como a carne bovina foi
possível perceber como esta possui “uma rede de escoamento maior e mais imbricada
de todas, envolvendo produtores de estados do arco do desflorestamento: Rondônia,
Mato –Grosso, Tocantins, Pará e Maranhão”.(SAKAMOTO 2007)
As três maiores redes varejistas do país estão entre os mais importantes
atores dessa cadeia produtiva ( uma de capital francês, uma franco-brasileira
e outra norte americana).[...] Exportações anuais do país: US$ 3.046 bilhões
FOB(Free on Board). Participação nas exportações do país(2005): 2,6%.
Países que mais compram do Brasil: Alemanha, Arábia Saudita, Argélia,
Bilgária, Egito, Holanda, Itália, Líbia e Rússia. Itens mais vendidos nas
exportações: carne de boi in natura(79%), carne de boi industrializadas
(21%).( Sakamoto2007:90-91)
Por certo, essa nova dinâmica estrutural no campo é apresentada na pesquisa de
Sakamoto(2007) por alguns fatores que assessoram as organizações comerciais
envolvidas com trabalho escravo. Sendo essenciais para entender o comportamento da
cadeia produtiva no campo, como as formas e estruturas de armazenamento,
supracitadas como elementos transformantes do espaço a partir da década de 80, como
também o custo dos transportes e dinâmica espacial destes que facilite a circulação da
produção. Por conseguinte, para pensar o trabalho escravo a noção de espaço não pode
se distanciar dos sistemas-técnicos por tratar de elemento que se relaciona em rede.
158
A geografia deve trabalhar com uma noção de espaço que nele veja uma
forma-conteúdo e considere os sistemas técnicos como uma união entre
tempo e matéria, entre estabilidade e história. Desse modo, superaremos as
dualidades que são, também, direta ou indiretamente, as matrizes da maior
parte das ambigüidades do discurso e do método da geografia. (SANTOS:
2000:279).
As relações políticas e sociais também são fatores que contribuem para as redes
de comercialização tal como os critérios geográficos83
, sem separar assim a técnica e a
política, como relembrado por Santos(2000:23).
Critérios geográficos também são importantes. O mercado de commodities
trabalha com preços de referencia internacional. A partir deles são calculados o
preço de referencia interno (normalmente pelas bolsas de mercadorias) e a
partir desse valor, os preços das mercadorias nas diferentes regiões produtoras.
Além de questões de seguro da produção e risco, uma das variáveis mais fortes
para explicar a diferença de cotações é o custo do transporte e os impostos,
principalmente o Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
cobrados por cada estado de maneira diferente. Ou seja, por melhor que se
pague pela arroba de boi gordo em outra região, o custo do deslocamento da
mercadoria não vale a pena. A preferência é pela venda a silos, entrepostos e
frigoríficos não distantes da propriedade rural, fator considerado pela pesquisa.
(SAKAMOTO 2007:88)
Em síntese, o autor consegue demonstrar através da análise da cadeia produtiva
da lista suja que o trabalho escravo contemporâneo:
83 Não se pode desconsiderar que até mesmo a dinâmica internacional e a reestruturação capitalista
apresenta novos agentes, como a China, na disputa do mercado internacional. Exemplificando, a maior
siderúrgica chinesa está prestes a fechar negócio com a Vale do Rio Doce. A implementação seria no
Maranhão devido à posição estratégica do comércio internacional e da proximidade com a região de
Carajás, produtora de minério de ferro.
159
[...] é um instrumento utilizado pelo próprio sistema para facilitar a
acumulação em seu processo de expansão. Esse mecanismo garante
competitividade aos produtores rurais de regiões e situações de expansão
agrícola, o que contribui para o aumento da oferta de mercadorias e, portanto,
a redução de sua cotação no mercado internacional – favorecendo o comércio e
indústria. (2007:178)
Desse modo, o trabalho escravo pode ser pensado como resultado de
territorialidades que se impõem sobre determinadas áreas com o objetivo de obter maior
controle sobre o território na tentativa de acompanhar o desenvolvimento capitalista
mesmo que para isso tenha que sujeitar o homem à condição de escravos. Essas
territorialidades se inscrevem no espaço e ao mesmo tempo o criam. Segundo Haesbaert
(2004).
A territorialidade pode ser entendida como “ a tentativa, por um individuo
ou grupo, de atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e
relacionamentos, pela delimitação e afirmação do controle sobre uma área
geográfica. Esta áreas será chamada de território de acordo com uma
temporalidade” ( HASBAERT 2004)
Logo se pode entender que o trabalho escravo é resultado de uma dinâmica mais
ampla que se inscreve no local através de forças globais
160
CONCLUSÃO
A interpretação dos dados referentes ao banco de dados da CPT permitiu apontar
como determinadas medidas políticas influenciam na dinâmica das relações de trabalho.
A mudança mundial das formas de produção, o advento da tecnologia e da informática
desconcentrando os processos produtivos, permite apreender esse espaço como
resultado de ações econômicas e políticas cada vez mais integradas.
Muitas análises podem ser realizadas diante do que foi apresentado nos capítulos
anteriores, como por exemplo: uma análise mais próxima dos atores, de acordo com os
municípios e atividades exercidas; um estudo migratório diante dos dados de origem do
trabalhador; um estudo da cadeia produtiva de um determinado período, ou até mesmo o
cruzamento de um desses dados. No entanto, o caminho eleito por essa pesquisa foi
trabalhar com dados do banco histórico da CPT de forma a pensar períodos agregados,
esta opção, por mais que perca algumas singularidades dos atores, permite, por outro
lado, a análise do evento por todo o território a fim de uma possível configuração de
acordo com os períodos estipulados.
A princípio, é importante destacar que a pesquisa procurou dimensionar e
qualificar a questão, e para evitar equívocos de interpretação, fez-se necessário um
estudo da conjuntura que contribuiu para a constituição de uma linha de pesquisa que
melhor interpretasse os dados.
O debate sobre o trabalho escravo se torna complexo diante das singularidades
que estão impressas nesse evento por existirem forças políticas representadas pelos
setores públicos e privados. A discussão sobre a conceituação se faz presente,
justamente para tentar entender quem são essas forças que negam a existência da
escravidão contemporânea e por que fazem isso.
O planejamento político do desenvolvimento, principalmente da Amazônia,
transformou radicalmente o espaço. E transformou-o em um pólo constante de atração
de trabalhadores para trabalharem principalmente na transformação do espaço em
161
unidades produtivas. O histórico patronato em algumas regiões, favoreceram que os
proprietários pudessem agir com o apoio do estado e os trabalhadores se inseriram em
um sistema de endividamento que os impossibilitaram de vender sua força de trabalho
se tornando escravos.
Com a mudança política e uma maior organização dos movimentos sociais, os
direitos trabalhistas no campo começam a ter reconhecimento público e atingem a esfera
política, transformando em medidas os questionamentos trazidos pelos movimentos. A
participação e constituição de movimentos sociais na luta pelos direitos são vitais para a
manutenção do questionamento sobre as relações humanas que constroem os territórios.
Dessa forma ao se pensar na política de ordenamento territorial, deve se estar
atento às dinâmicas populacionais84
, pelo fato de ao gerir o “desenvolvimento” não
perca a responsabilidade social das suas ações.
Hoje em dia o trabalho escravo contemporâneo luta contra poderes
estabelecidos a mais de 100 anos e que em nenhum momento se preocupou com a
participação dos trabalhadores na construção coletiva do território. Intensificando a
negação de qualquer instrumento que pudesse oferecer uma outra estrutura da
sociedade, como a reforma agrária, por exemplo.
A análise feita sobre os dados construídos pela CPT, permitem de uma forma
geral pensar que a escravidão no campo não e´ uma realidade exclusiva de áreas
arcaicas que não se desenvolveram economicamente, mas é comum em todo o território.
Apoiada por processos ideológicos e políticos, a dinâmica da exploração feita
sobre os trabalhadores se apresenta através de múltiplas faces. Encontrada em realidades
rurais e urbanas, em escalas nacionais e internacionais, a escravidão contemporânea se
apresenta como uma dessas faces - surpreendendo sociedades que aboliram a escravidão
há séculos atrás e estando presente em sociedades altamente desenvolvidas.
Sabendo da necessidade de circulação da economia capitalista, a produção
agrícola, busca a movimentação85
. Sem a circulação esse produto se limita e um
84 Desde movimentos migratórios aos índices de pobreza
162
pequeno período de existência. A produção obtida necessita de movimentação , a fim de
permitir a acumulação do capital. Ao trabalhar com a idéia de que as redes são
instrumentos de poder a produção está submetida a capitais universais. O trabalhador
que produz em uma ordem local gera capital para corporações nacionais ou globais
através do mercado globalizado. E por isso o trabalho escravo ainda se torna
interessante.
No Brasil, até aonde se tem informação, a atividade não se prende a uma única
região nem a uma típica atividade. O trabalho tido como escravo no Brasil
contemporâneo se realiza em regiões que sofrem com um poder histórico. A atividade
mais encontrada segundo os dados analisados foi a empreita, que associada a outras
atividades se inscreve num mundo de ilegalidades ambientais e sociais, colaborando
para concentração de poder e capital de poucos.
A Divisão Internacional do Trabalho orienta que a produção brasileira deva ser feita
a baixo custo para entrar em competição internacional, transformando o agronegócio no
principal sujeito da política pública do país, como podemos verificar no conteúdo do
sítio do Ministério da Agricultura:
“MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, UMA PARCERIA HISTÓRICA
COM O AGRONEGÓCIO”
Estimular o aumento da produção agropecuária e o desenvolvimento do
agronegócio, com o objetivo de atender o consumo interno e formar
excedentes para exportação. Essa é a missão institucional do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que tem como conseqüência a
geração de emprego e renda, a promoção da segurança alimentar, a inclusão
social e a redução das desigualdades sociais.
Para cumprir sua missão, o Mapa formula e executa políticas para o
desenvolvimento do agronegócio, integrando aspectos mercadológicos,
tecnológicos, científicos, organizacionais e ambientais, para atendimento dos
consumidores brasileiros e do mercado internacional. A atuação do ministério
baseia-se na busca de sanidade animal e vegetal, da organização da cadeia
produtiva do agronegócio, da modernização da política agrícola, do incentivo
às exportações, do uso sustentável dos recursos naturais e do bem-estar social.
(www.ministeriodaagricultura)
85 E de se inscrever em uma comunicação e circulação que gere demanda por mais produção
163
Este trecho comprova que as políticas públicas estão inseridas em um paradoxo,
onde o mesmo Estado, ou melhor, governo, que combate a escravidão tem como ponto
de partida de sua política agrária o desenvolvimento e apoio ao Agronegócio, setor
representado pelas elites agrárias que têm muitos proprietários representantes dos
governos locais. Este fato pode ser comprovado pelo incomodo da criação da “Lista
Suja”(que impede o financiamento do estado às propriedades onde foram encontrado
trabalhadores em situação de escravidão) entre os parlamentares, tal como a atuação de
alguns deputados na tentativa de desqualificação do trabalho dos auditores fiscais na
fiscalização das fazendas.
A criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) parece oferecer
uma atenção maior à questão agrária, no entanto, após um mandato cumprido o governo
Lula está longe de promover uma Reforma Agrária suficiente para suprir as demandas
da população que é tratada de forma criminosa pelo agronegócio. Essa relação distancia
medidas como a aprovação da PEC-438/2001 algo inatingível.
Estamos nos deparando com uma relação de trabalho que além de destituir o
trabalhador da venda da sua força de trabalho não o reconhece nem como humano. A
dignidade é violada distanciando ainda mais a discussão sobre os direitos.
Pensar uma geografia do trabalho escravo, é pensar como a divisão territorial do
trabalho produziu violência e como esta foi traçada ao longo dos 22 anos arquivados
pela CPT, e como continua a ser, através da impunidade.
164
ANEXO I86 1973 - A IMPRENSA NOTICIA O TRABALHO ESCRAVO
86 (materiais cedidos pelo Frei Henri em visita ao GPTEC)
165
Anexo II
166
ANEXO III
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