trabalho - adoção intuitu personae
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Adoção Intuitu PersonaeTRANSCRIPT
INSTITUTO TRÊS RIOS
DIREITO - 8º PERÍODO
PROTEÇÃO CIVIL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA LEI 8069-90
PROFESSORA: FERNANDA LADEIRA
ADOÇÃO INTUITU PERSONAE
Kleusa Ribeiro Barbosa 2010665021
Três Rios
Novembro - 2014
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 02
1 BREVE PANORAMA SOBRE O INSTITUTO DA ADOÇÃO ................................................. 03
2 ADOÇÃO INTUITU PERSONAE – UM FATO QUE MERECE ATENÇÃO ............................. 06
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 12
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR .................................................................................... 13
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INTRODUÇÃO
Adoção tem definições diferentes. Para a sociedade, um ato de amor incondicional.
Para o direito brasileiro, um ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas
pessoas; um ato que faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa.
O art. 1º, da Lei nº 1.756/03 conceitua:
Art. 1º: Para os efeitos desta Lei, a adoção é a inclusão de uma pessoa
em uma família distinta da sua natural, de forma irrevogável, gerando
vínculos de filiação, com os mesmos direitos e deveres, inclusive
sucessórios, desligando-a de quaisquer laços com pais e parentes
biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais, mediante decisão
judicial irrecorrível.
Independentemente do significado, o fato é que, no Brasil, milhares de crianças e
adolescentes vivem em abrigos e muitas estão aptas para a adoção. Naturalmente, a adoção não
é concedida a qualquer pessoa que tenha interesse. É preciso preencher algumas formalidades
e requisitos necessários para habilitar um pretendente (previstos nos arts. 165 e 174-A do ECA).
Contudo, apesar das previsões legais de necessidade de cadastro dos pretendentes
a adotantes, e das hipóteses de possibilidade de desconsideração do referido cadastro, ainda
ocorrem adoções direcionadas que desrespeitam o previsto no ordenamento, o que é
considerado um problema, uma vez que dificulta o afastamento de adoções motivadas por
motivos “não nobres” e que, não raras vezes, vão de encontro ao princípio de proteção integral
à criança e ao adolescente dados pelo ECA e pela Constituição Federal.
Sobre as adoções direcionadas, também chamadas de intuitu personae ou
consensuais, que iremos nos ater neste trabalho, porém antes, façamos um breve panorama
sobre o instituto da adoção.
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1. BREVE PANORAMA SOBRE O INSTITUTO DA ADOÇÃO
A adoção ocorre desde a Antiguidade. Praticamente todos os povos praticaram o
instituto da adoção, acolhendo crianças como filhos naturais no seio das famílias. A Bíblia relata
a adoção de Moisés pela filha do faraó, no Egito. O Código de Hamurabi (1728–1686 a.C.), na
Babilônia, disciplinava minuciosamente a adoção em oito artigos, inclusive prevendo punições
terríveis para aqueles que desafiassem a autoridade dos pais adotivos (cortar a língua e arrancar
os olhos). Ou seja, a adoção é instituição tão longa quanto a própria humanidade.
Ao longo dos tempos, foi regulada de formas diversas, ora estimulada, ora limitada,
chegando mesmo a cair em desuso na Idade Média, por influência da Igreja e sendo ressuscitada
com o Código Napoleônico, em 1.8041.
No Brasil, desde a Colônia e até o Império, não havia sequer a transferência do
pátrio poder ao adotante, salvo nos casos em que o adotado perdesse o pai natural e, mesmo
assim, se fosse autorizado por um decreto real.
Era comum haver os chamados filhos de criação, onde a situação não era
formalizada, servindo sua permanência como oportunidade de possuir mão de obra gratuita e,
ao mesmo tempo, prestar auxílio aos mais necessitados, conforme pregava a Igreja.
Com o Código Civil de 1916 a adoção ganhou as primeiras regras formais no país.
Transferia-se com a adoção o pátrio poder ao adotante e só era possível se feita por pessoas se
fossem casadas e sem filhos, atendendo interesse maior dos adultos/pais que não possuíam prole
ou não podiam tê-la naturalmente e não proteger a criança e/ou garantir seu direito de ser criada
em uma família.
Em 1957, a Lei 3.133 faz com que a adoção torne-se irrevogável, mas permite aos
adotantes que viessem a ter filhos biológicos após a adoção, afastarem o adotado da sucessão
legítima. Apenas em 1977, por meio da Lei 6.515, o filho adotivo passou a gozar dos mesmos
direitos do filho consanguíneo, mas ainda haviam algumas distinções. A igualdade entre os
filhos legítimos e os adotados só foi alcançada em 1988, com a atual Constituição Federal, que
1 BRASIL. Senado. História da adoção no mundo. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/contexto-da-adocao-no-brasil/historia-da-adocao-no-mundo.aspx>. Acesso em: 20 nov. 2014.
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em seu art. 227, proíbe quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Foi a
primeira vez que prevaleceu o interesse do menor, reforçado com a entrada em vigor do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990), adotando a postura de proteção integral.
As novas regras simplificaram o processo de adoção e abriram a possibilidade a
qualquer pessoa, casada ou não, de adotar, desde que obedecidos os requisitos. Em agosto de
2009, foi sancionada a Lei 12.010 (Lei de Adoção) e foram criadas novas exigências para os
adotantes, implantado um cadastro nacional de crianças e adolescente passíveis de adoção e
reforçado o papel do Estado no processo.
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) foi desenvolvido pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) que criou um banco de dados único e nacional, com informações sobre crianças
e adolescentes aptos a serem adotados e pretendentes habilitados à adoção, tendo por objetivo
agilizar os processos de adoção por meio do mapeamento de informações unificadas.
O pretendente à adoção somente poderá ser inserido no sistema
pela Comarca de seu domicílio, nos moldes do art. 50 da Lei Federal
8.069/90. Isso significa que o pretendente deve primeiro habilitar-se na
Vara da Infância e da Juventude de sua Comarca ou, inexistindo nela
Vara Especializada, na Vara competente para o processo de adoção. O
próprio juiz ou seu auxiliar realizará o cadastro no sistema. Com a
inserção no CNA, todos os juízes, de todo o país, terão acesso à relação
dos pretendentes à adoção.
[…]
A Lei não estabelece, por ora, os denominados critérios de
prioridade para a convocação de pretendentes. São aplicados diferentes
critérios, nas diferentes Unidades da Federação. Em alguns Estados e
Comarcas, os habilitados são indicados exclusivamente de acordo com
a ordem cronológica de habilitação. Em outros, há apreciação de outros
dados acerca dos pretendentes, por exemplo, se são estéreis ou se
possuem outros filhos.2
Há críticas em relação a este Cadastro. O senador Magno Malta considera que a fila
criada pelo CNA só serve para proteger os interesses dos que se inscreveram, não os das
crianças. Ele diz: “Quem quer adotar não fica esperando em fila. A nossa legislação está errada.
2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro nacional de adoção (CNA) – guia de adoção. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/cadastro-nacional-de-adocao-cna>. Acesso em: 20 nov. 14.
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Tem de haver apenas um princípio para a adoção: o amor. As demais coisas serão acrescentadas.
O problema é que a exceção é que vale, não a regra”.3
Porém, o ECA não está aquém ao amor e aos vínculos emocionais entre as crianças
e seus futuros pais adotivos, apesar de impor limitações. Nele encontramos três exceções à
exigência em relação ao cadastro no CNA, definidas nos incisos do art. 50, § 13, do ECA, que
permitem a adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil sem cadastramento prévio, ou
seja, adoção consensual, também chamada de intuitu personae, a qual nos dedicaremos a partir
de agora.
3 BRASIL. Senado. Cadastro Nacional de Adoção, CNA. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/ Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-adocao/cadastro-nacional-de-adocao-cna.aspx>. Acesso em: 20 nov. 14.
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2. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE – UM FATO QUE MERECE ATENÇÃO
Intuitu personae é uma expressão latina que significa "por ânimo pessoal".
Portanto, adoção intuitu personae é a modalidade de adoção na qual o parente biológico do
adotando expressa sua vontade e anuência em relação à pessoa do adotante, sem que esta se
faça presente no Cadastro Nacional de Adoção. Com as mudanças trazidas pela Lei
nº 12.010/09, que alterou o art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente, tornou-se
dificultoso esse tipo de adoção, visto que a norma restringe significativamente os casos em que
ela pode ser legalmente reconhecida, “burocratizando e emperrando o direito à adoção de quem
teve a desdita de não ser acolhido no seio de sua família biológica”4.
Vale trazer, in verbis, os incisos que tratam das possibilidades de adoção
consensual:
I. se tratar de pedido de adoção unilateral.
II. formulada por parente com o qual a criança ou adolescente
mantenha vínculos de afinidade e afetividade.
III. oriundo de quem detém a guarda legal de criança maior de 3
(três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de
convivência comprove a fixação de laços de afinidade e
afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou
qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
Para esclarecer o inciso I, é preciso entender que a adoção pode ser bilateral ou
unilateral. No primeiro caso, rompem-se os vínculos familiares tanto do pai quanto da mãe. Já
na adoção unilateral rompe-se o vínculo apenas com um dos pais, por exemplo, no caso da mãe
viúva que se casa novamente e seu novo marido adota seu enteado. Em outras palavras a adoção
unilateral se estabelece quando o adotado estiver registrado apenas em nome do pai ou apenas
em nome da mãe; no caso de falecimento de um deles ou ainda quando há um descuido de um
dos genitores. Nestes casos, como não poderia ser de outra forma, a lei dispensa a inscrição no
cadastro para o pedido formal de adoção. No entanto, vale lembrar que, mesmo assim, será
necessário apurar o tempo de convívio entre adotante e adotando, a fim de confirmar, ou não, a
4 TEPEDINO, Gustavo, et al. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. IV. Rio
de Janeiro: Renovar, 2014.
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existência de afinidade e afetividade na relação que ambos mantém, além dos demais requisitos
da adoção, como a motivação idônea e a presença de reais vantagens ao adotado.
No inciso II, continua a possibilidade de se fugir dos cadastros nos casos do pedido
de adoção ser realizado por parente com a qual a criança ou adolescente possua vínculos de
afinidade e afetividade. Neste caso, sequer há a necessidade de guarda de fato ou estágio de
convivência. Reafirma-se a tentativa, prevista na Lei nº 8.069/90 para garantia do direito à
convivência familiar, e enfatiza-se, assim, a excepcionalidade da adoção em detrimento da
permanência da criança ou adolescente em sua família de origem ou de outras formas de
acolhimento familiar que não importem no rompimento dos vínculos com sua família natural.
Vale notar que o dispositivo é expresso ao se referir à necessidade de que a presença da relação
de afinidade e afetividade seja analisada sob a ótica da criança ou adolescente, a quem a medida
visa aproveitar.
Por fim, o último caso de se fugir dos cadastros, diz respeito a situação excepcional
de que a criança ou adolescente possua mais de 03 (três) anos de idade, e haja provas do estágio
de convivência com fixação de laços de afinidade ou afetividade, e ainda exista previamente a
colocação em família substituta por meio das medidas judiciais de tutela ou guarda. Quis o
legislador, de um lado, privilegiar a tutela ou guarda legal em detrimento da guarda de fato,
assim como criar entraves a adoções que geralmente envolvem crianças recém nascidas ou de
tenra idade, que são confiadas à guarda de fato de terceiros, de forma completamente irregular,
não raro à custa de paga ou promessa de recompensa (caracterizando assim o crime tipificado
no art. 238, do ECA5). Para evitar tais situações, a equipe técnica interdisciplinar trabalha para
aferir se não houve por parte dos pretendentes subterfúgios ou má-fé com intuito de fugir das
demais obrigações legais.
Vê-se, assim, que lei deixa claro que pessoas interessadas em adotar devem ter
como único caminho a seguir, o caminho legal, com a prévia habilitação (e preparação) à
adoção. Muitos doutrinadores e juristas entendem que por isso, não pode a Justiça da Infância
e da Juventude ser complacente com aqueles que agem de má-fé e/ou usam de meios escusos
para obtenção da guarda ou adoção de uma criança/adolescente.
A leitura do ECA e da Lei de Adoção leva-nos à clara percepção do que deveria ser
o óbvio, ou seja, de que crianças não são propriedade de seus pais. Ademais, de que não deve
5 Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:
Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.
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ser a estes reconhecido o direito de entregar seus filhos aos cuidados de terceiros, abrindo mão
dos deveres inerentes ao poder familiar, que são indelegáveis e irrenunciáveis. Cabe, portanto,
à Justiça da Infância e da Juventude coibir práticas abusivas e/ou ilícitas de qualquer natureza
em matéria de adoção e seus incidentes, primando pela moralidade do instituto, que não deve
servir para satisfação dos interesses (não raro inconfessáveis) de adultos.
No sentido de que aqueles que buscam obter a guarda de crianças para fins de
adoção por meios escusos e/ou ao arrepio da sistemática estabelecida pela legislação, não
devem ter sua conduta “chancelada” pelo Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça do Paraná, já
se pronunciou:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA.
REVOGAÇÃO DA LIMINAR DE GUARDA PROVISÓRIA DE
RECÉM-NASCIDA CONCEDIDA A TERCEIROS. Criança entregue
a eles pela mãe biológica, logo após o nascimento, por não ter condições
de criá-la. Irregularidade que levou a instauração de medida de proteção
da infante. Suspensão do poder familiar e determinação de busca e
apreensão da infante. Guarda de fato exercida de forma irregular.
Ausência de autorização judicial. Menor em situação de indefinição
civil. Inexistência de vínculo afetivo definitivo entre o bebê e o casal.
Circunstâncias fáticas que impõe a manutenção da decisão. Agravo
desprovido. (TJPR. 11ª C. Cível. A.I. nº 0548300-9, de Londrina. Rel.
Des. Augusto Lopes Cortes. Unânime. J. em 02/09/2009).
Porém, esta postura de interpretação não é unânime e existem decisões judiciais e
posições doutrinárias que estendem o disposto na Lei, visando ao melhor interesse do menor
nos casos onde este já estabeleceu vínculos com o seu adotante.
Há quem defenda a interpretação mais livre do Estatuto da Criança e do
Adolescente, alegando que além de não proibir expressamente a adoção consensual, o artigo
166 do Estatuto prevê a hipótese de que os pais biológicos consintam na adoção dos filhos.
Desse modo, a formalidade da “lista” de adoção é deixada de lado e os laços afetivos criados
entre adotante e adotado prevalecem, sempre em benefício do menor.
A jurista Maria Berenice Dias defende esta postura, entendendo que “chega a ser
inconstitucional a obrigatoriedade da observância do Cadastro, pois são desrespeitados o
princípio do melhor interesse do menor e o direito à convivência familiar”6.
6 RODRIGUES, Dandara Borges. A adoção "intuitu personae" prevista na lei 12.010/09 face ao princípio do
melhor interesse do menor. Disponível em: <http://dandarab.jusbrasil.com.br/artigos/111907048/a-adocao-
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O entendimento de outros magistrados também segue a mesma linha. A repercussão
da Lei nº 12.010/09 nas decisões judiciais tende a priorizar o bem estar da criança ou
adolescente, conforme jurisprudência do TJRS de caso julgado em 2012:
APELAÇÃO. FAMÍLIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. GUARDA DE CRIANÇA. MÃE BIOLÓGICA
QUE NÃO REVELA CONDIÇÕES DE CUIDAR DO MENINO.
CASAL QUE, EMBORA NÃO HABILITADO EM LISTA DE
ADOÇÃO, JÁ SE ENCONTRA COM A CRIANÇA, TRATANDO-A
COMO FILHO, HÁ MAIS DE UM ANO E SEIS MESES,
PORTANTO, DESDE QUE O MENINO POSSUÍA DIAS DE VIDA.
RETIRADA ABRUPTA DO MEIO FAMILIAR EM QUE INSERIDO
QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE
PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, SEJA PELO
TEMPO DECORRIDO, SEJA PELO MELHOR INTERESSE DO
INFANTE, CONSIDERANDO SUAS ADEQUADAS
CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E VÍNCULO DE AFETO
EXISTENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº
70048223564, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 29/08/2012)
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Beneti, em decisão de recurso
especial também sentenciou em favor do princípio do melhor interesse do infante:
A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das
pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança,
não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio
do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal
hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo
afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer
do processo judicial.7
Neste sentido também já se posicionou o STJ:
ADOÇÃO. VÍNCULO. CRIANÇA. ADOTANTE. Cuida-se, na
espécie, da adoção de menor na qual a mãe e o casal, ora agravado,
assinaram termo de declaração no qual há expressa manifestação de
intuitu-personae-prevista-na-lei-12010-09-face-ao-principio-do-melhor-interesse-do-menor>. Acesso em: 21
nov. 14. 7 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70048223564 julgada em 29 de agosto
de 2012. Disponível em: <http://goo.gl/YxHm9>. Acesso em: 21 nov. 14.
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vontade do primeiro em consentir a doação de uma filha aos agravados,
tendo o juiz a quo autorizado a permanência da menor com o casal pelo
prazo de trinta dias. Posteriormente, passados oito meses, o Tribunal a
quo determinou a guarda da menor aos agravantes por constarem do
cadastro geral, sob o fundamento de que uma criança com menos de um
ano não poderia criar vínculo com o casal e, considerando a formalidade
do cadastro, poderia ser afastada do casal agravado. A Turma entendeu
que o critério a ser observado é a existência de vínculo de afetividade
da criança com o casal adotante. Dever-se-ia, preponderantemente,
verificar o estabelecimento do vínculo afetivo da criança com os
agravados, que, se presente, torna legítima, indubitavelmente, a adoção
intuitu personae. Assim, negou provimento ao agravo. (AgRg na MG,
Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 5/3/2009).
Nesta senda, está em tramitação o Projeto de lei nº 1.212/2011, do Deputado Carlos
Bezerra, que quer autorizar a adoção consentida de crianças e adolescentes sem prévia
habilitação no cadastro nacional e o Projeto de Lei nº 6.736/2013, do Deputado Lourival
Mendes, que pretende assegurar o direito de guarda e adoção a quem recolher criança
abandonada.
O argumento contrário a tais possibilidades que mais se destaca é fundamentado no
risco da adoção transformar-se em um negócio, ora lucrativo aos pais biológicos que poderiam
ter filhos sob a motivação de lucro, ora para traficantes de crianças e adolescentes e/ou de
órgãos.
O conflito existe e a solução de cada caso ainda depende da postura que o
magistrado defenda ao analisar as peculiaridades da situação fática.
O mais importante, é perceber que tanto entre os juristas e doutrinadores que são
ferrenhos defensores da restrição às 3 hipóteses elencadas no ECA e aqueles que abraçam
postura mais abrangente para os casos de adoção intuitu personae, é notória a intenção comum
de ambas as correntes em garantir os interesses do menor, mesmo que sob pontos de vista
contrários.
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CONCLUSÃO
O assunto é delicado e os argumentos contrários e a favor da adoção sem o registro
no CNA são apaixonados.
Entendemos que a previsão legal tem razões plenamente justificáveis, porém é
preciso que a sociedade tenha uma mudança de compreensão em relação à adoção. Se os pais
entenderem que não é crime entregar o filho para a adoção e as pessoas interessadas em adotar,
que devem esperar a criança através da Vara de Infância e Juventude, fazendo a “busca ativa”,
as nossas crianças estarão mais seguras.
Porém, não é por haver a previsão legal bem intencionada que o que ela dispõe
tornar-se-á “verdade” para as pessoas envolvidas em casos de adoções. Ainda persiste a ideia
de que os processos de adoção são demorados, de que a melhor escolha é uma criança branca e
bem novinha, de que os abrigos são lugares onde ninguém quer deixar o seu filho, preferindo
entregá-los a alguém que conheça e confie, de que não há mal algum em simplesmente seguir
o coração a despeito das leis, etc., e tais crenças dificultam a congruência entre teoria e fatos.
A proteção integral prevista no ordenamento pátrio para crianças e adolescente vai
além da letra da lei e da prática judiciária. Ela envolve um trabalho de sentimento, de
consciência, de educação de cada um e da sociedade como um todo, o que não significa que
seja bastante, a sociedade acatar as regras, como se significasse puro egoísmo o desejo de ter
um filho de forma mais rápida e direta.
São incontáveis os casos onde há boa-fé, onde o melhor para a criança ou o
adolescente é continuar com a família que já possui vínculos afetivos e levar tal situação adiante
não pode ser considerado apenas como afronta ao ordenamento jurídico. O interesse do menor
deve ser o prioritário sempre.
Enquanto o “ideal” não é alcançado, espera-se que legisladores e juristas consigam
encontrar o equilíbrio entre as regras e os fatos e que a sociedade responsabilize-se com mais
amor por seus pupilos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Cortez, 1990.
CURIA, Luiz Roberto, et al. Vade Mecum Compacto. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
TEPEDINO, Gustavo, et al. Código civil interpretado conforme a Constituição da
República. Vol. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro nacional de adoção (CNA) – guia de
adoção. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-
juventude/cadastro-nacional-de-adocao-cna>. Acesso em: 20 nov. 14.
_______. Senado. Cadastro Nacional de Adoção, CNA. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/ Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-
adocao/cadastro-nacional-de-adocao-cna.aspx>. Acesso em: 20 nov. 14.
_______. Senado. História da adoção no mundo. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/contexto-da-adocao-no-
brasil/historia-da-adocao-no-mundo.aspx>. Acesso em: 20 nov. 2014.
_______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70048223564 julgada
em 29 de agosto de 2012. Disponível em: <http://goo.gl/YxHm9>. Acesso em: 21 nov. 14.
DIGIÁCOMO, Murillo José e Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente
Anotado e Interpretado. Disponível em: <http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/
promotorias/pdij/Legislacao%20e%20Jurisprudencia/ECA_comentado.pdf>. Acesso em: 21
nov. 14.
RODRIGUES, Dandara Borges. A adoção "intuitu personae" prevista na lei 12.010/09
face ao princípio do melhor interesse do menor. Disponível em:
<http://dandarab.jusbrasil.com.br/artigos/111907048/a-adocao-intuitu-personae-prevista-na-
lei-12010-09-face-ao-principio-do-melhor-interesse-do-menor>. Acesso em: 21 nov. 14.