totalitarismo como forma de governo
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2. O Totalitarismo como forma de governo
“Origens do Totalitarismo” está entre os livros mais conhecidos de Hannah Arendt;
publicado em 1951, oi com esse livro !ue Hannah Arendt passou a ter reconhecimento emgrande escala, como intelectual" #ua inten$%o era escrever um livro !ue demonstrasse a
corrente subterr&nea !ue percorra toda a tradi$%o ocidental, e !ue viera inalmente ' super(cie
com a ascens%o dos regimes totalitários ) notadamente, o na*ismo e o bolchevismo" #eu livro
+ dividido em trs partes- Antisemitismo; .mperialismo; e inalmente, Totalitarismo" A
despeito de ter pensado a obra como a produ$%o de trs livros distintos, Arendt entendia !ue
n%o podia separá/los, para n%o perder seu argumento pol(tico"
0e ato, em resposta a cr(ticas elaboradas por ric 2oegelin ' sua obra, Arendtdescreve suas motiva$3es na escrita do livro; seu ob4etivo era escrever sobre um ob4eto !ue
n%o dese4ava conservar, mas destruir" Assim, a autora descreve seu m+todo n%o como
“histrico” ) no sentido de elaborar uma narrativa linear sobre os diversos “elementos” do
totalitarismo” ) mas sim uma análise histrica; sua inten$%o n%o era a de contar a histria do
anti/semitismo ou do imperialismo, mas tra$ar uma análise histrica do modo com !ue esses
eventos tomaram parte na emergncia do totalitarismo"1
6omo nos esclarece 6anovan7, + preciso a*er uma considera$%o a respeito do
processo de cria$%o do livro; isto por!ue Hannah Arendt concebera sua obra, inicialmente,
como um livro !ue versaria especiicamente sobre o regime na*ista, o !ue o limitaria apenas
's rele83es sobre o antisemitismo e o imperialismo" uando sua preocupa$%o com o regime
estalinista se tornou mais orte, Arendt ent%o decidiu escrever o cap(tulo inal, intitulado
“Totalitarismo”, no !ual relete a respeito tanto do na*ismo !uanto do regime sovi+tico"
O !ue estava em 4ogo para Hannah Arendt, no entanto, n%o era contar uma histria da
Alemanha, ou mesmo, mais tarde, uma histria :ussa do Totalitarismo; devemos ter em conta
!ue a abordagem da autora privilegia a no$%o de !ue o Totalitarismo + um acontecimento
completamente novo, !ue s consegue surgir em meio a elementos !ue s%o da prpria histria
do mundo, e n%o especiicamente alem%es ou russos; o prprio ato de dois regimes
totalitários surgirem em pa(ses distintos, motivados por ideologia distintas, davam or$a ao
argumento de Hannah Arendt de !ue o Totalitarismo surgira sob condi$3es mundiais" Os
elementos presentes na histria do Ocidente ) “estern histor<” + a e8press%o usada pela
1 Reply to eric voegelin 403
2 17-20
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autora, por e8emplo, no preácio ' =rimeira di$%o ) !ue, a despeito de n%o serem
especiicamente totalitários em si, deram possibilidade ao surgimento do Totalitarismo, + !ue
estavam na preocupa$%o de Hannah Arendt"
=ara Arendt, n%o apenas os elementos de orma$%o, mas tamb+m as caracter(sticas do
Totalitarismo en!uanto >orma de ?overno eram comuns a dierentes conte8tos- onde !uer
!ue surgisse, o Totalitarismo tomava a orma de um regime !ue transormava as classes
sociais em massas, destru(a o sistema partidário @o !ue e8clui os regimes de partido nico da
tipologia totalitária, como o >ascismoB, e tinham aspira$3es de domina$%o mundial" Cas
palavras da prpria autora-
. it is true that the elements o totalitarianism can be ound b<retracing the histor< and anal<*ing the political implications o Dhat De usuall< call the crisis o our centur<, then theconclusion is unavoidable that the crisis is no mere threat romthe outside, no mere result o some aggressive oreign polic< o either ?erman< or :ussia, and that it Dill no more disappear Dith the death o #talin than it disappeared Dith the all o Ca*i?erman<" .t ma< even be that the true predicaments o our timeDill assume their authentic orm ) though not necessaril< thecruelest ) onl< Dhen totalitarianism has become a thing o the past"E
6om isso, pretendemos seguir a recomenda$%o de 6anovanF de !ue a!uele !ue se
interessar especiicamente pela teoria arendtiana do Totalitarismo, pode estudar apenas a
ltima parte do livro sem dar grande import&ncia para o restante" 0e ato, embora n%o
tenhamos a pretens%o de ignorar o papel !ue as rele83es sobre antisemitismo e imperialismo
tm na estrutura oculta do argumento pol(tico de Hannah Arendt, nossa pretens%o,
especiicamente, + estudar o Totalitarismo como orma de governo"
.sso por!ue na ltima parte do livro / em especial em se$%o denominada “.deologia e
Terror- uma nova orma de governo”, adicionada ' Terceira di$%o do livro, e posteriormente
retirada ) + !ue reside nosso ob4eto principal de estudo- o modo com !ue Arendt trata do
Totalitarismo como orma de governo a partir das rele83es de Gontes!uieu" Assim, nossa
estrat+gia argumentativa, pelas pr8imas páginas, se centrará nas rele83es !ue Arendt e*
nesse te8to, dialogando com outras publica$3es e produ$3es cient(icas da autora da mesma
3 Ideology and terror, pagina 462
4 Canovan 19
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+poca, e, por bvio, com as prprias considera$3es !ue constam da ltima parte de Origens do
Totalitarismo"
2.1 Ideologia e Terror: desdobramento do estudo sobre os Elementos Totalitários
do Marxismo
Hannah Arendt, como dissemos, sentia/se encora4ada a seguir seus estudos a respeito
do “totalitarismo de es!uerda”; essa havia sido sua preocupa$%o logo no im do livro “Origens
do Totalitarismo”, mas, sentindo !ue o assunto ainda n%o estava tratado da orma !ue deveria,
Arendt passou a trabalhar no pro4eto de um novo livro, !ue pretendia intitular “lementos
totalitários do Gar8ismo”" =ara isso, Arendt submeteu seu pro4eto ' >unda$%o ?uggenheim, eobteve o inanciamento dese4ado"5
O !ue dierenciava o primeiro livro do ent%o pro4eto de Arendt =ara Arendt,
“Origens” havia tratado de eventos absolutamente desconectados da tradi$%o social, ilosica
e pol(tica do Ocidente- o racismo, o imperialismo, o nacionalismo tribal eram movimentos
!ue ermentaram ' sombra das grandes tradi$3es do Ocidente, e com elas n%o tinham !ual!uer
cone8%o" #eu novo pro4eto consista, no entanto, em tratar 4ustamente com o devido cuidado de
um dos elementos dos regimes totalitários !ue era absolutamente tributário das tradi$3es doocidente- o Gar8ismo"
Assim, ao mirar no mar8ismo, Arendt acabou por estudar a undo a tradi$%o pol(tica e
ilosica do Ocidente, e com esses estudos em m%os, produ*iu uma poderosa cr(tica a essa
“?rande Tradi$%o”" #eu pro4eto inicial, no entanto, estava concebido de maneira mais
modesta, em trs se$3es- uma primeira se$%o a respeito da concep$%o mar8ista do homem
como um animal !ue trabalha, e a concep$%o tamb+m mar8ista de !ue a Histria + eita pelo
homem; uma segunda se$%o, esta histrica, sobre os movimentos mar8istas e socialistaseuropeus at+ 191I; e uma ltima se$%o, !ue iria de 191I a #tálin, com eno!ue especial na
trasi$%o de Jnin a #tálin"
O !ue se observa, no entanto, + !ue Arendt acabou por se ocar ortemente na primeira
se$%o de seu trabalho" Co intenso estudo !ue e*, Arendt acabou por produ*ir uma concep$%o
!ue dierenciaria as trs atividades humanas no mundo- labour , work e action ) conceitos
centrais para a obra !ue viria a publicar anos depois, “The Human 6ondition”K"
5 Young rue!l e"pan!ol 355
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Assim, a produ$%o de Arendt no periodo !ue vai de 1957 ) ano da aprova$%o do
inanciamento do seu pro4eto ) a 195K está centrada !uase !ue e8clusivamente na produ$%o
dos te8tos de seu pro4eto" Co entanto, os ensaios por ela escritos n%o ormam, como sabemos,
o sonhado livro sobre lementos Totálitarios do Gar8ismo; a!ueles te8tos dedicados ao
estudo da ?rande Tradi$%o s%o incorporados ao livro “LetDeen =ast and >uture”I, en!uanto a
análise dos conceitos de Gar8 se tornou, como dissemos, “The Human 6ondition”"As análises
histricas, por sua ve*, deram corpo ao livro “On :evolution”; todos estes livros nasceram,
assim, de seu pro4eto inicial de estudo sobreo Gar8ismo, e oram publicados entre os anos de
195M e 19K7M" N assim !ue podemos, portanto, entender o trabalho intelectual de Arendt aps
a publica$%o de Origens, como nos esclarece 6anovan-
#ua investiga$%o de ArendtP acabou por apontar para tantasdire$3es e levantou tantas !uest3es distintas !ue seu pro4etooriginal de uma pe$a complementar a “Origens doTotalitarismo” 4amais se completou, e sua análise de como oGar8ismo contribuiu para o totalitarismo nunca claramentee8plicada por via impressa" As discuss3es sobre Gar8 aparecemem diversos pontos de seu trabalho publicado, por+m, elas s%odemasiado breves, condensadas e carecem de um conte8to !ue preencha as lacunas" @tradu$%o livreB
Co entanto, em seus estudos para a conec$%o da!uela !ue seria a primeira se$%o de
seu livro n%o acabado, Arendt tamb+m produ*iu, como 4á dissemos, um te8to !ue acabou
sendo ane8ado ' ltima parte de Origens do Totalitarismo, um ensaio intitulado “.deologia e
Terror”" ste ensaio havia sido pensado inicialmente como parte de um !uarto cap(tulo de seu
pro4eto, um cap(tulo a ser chamado “JaD and =oDer”, no !ual Arendt reletiria sobre o modo
com !ue tradicionalmente os conceitos de lei e poder haviam sido tratados na tradi$%o do
pensamento pol(tico" #erá nesse te8to !ue encontraremos diversas reerncias a Gontes!uieu,
possivelmente o primeiro estudo publicado de Arendt em !ue esse pensador rancs teve
particular relev&ncia" A!ui veremos os desdobramentos de toda a leitura !ue a autora a* de
Gontes!uieu" 9
6 #o $ra"il, tradu%ida co&o '( Condi)*o +u&ana Colocar detal!e" da tradu)*o
e edi)*o no $ra"il
7 #o $ra"il, '.ntre o /a""ado e o uturo
359 Y$ ./
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A constru$%o do racioc(nio !ue Arendt delineia em “.deologia e Terror” n%o +
e8clusiva, no entanto, deste nico te8to" 0e ato, por toda a d+cada de 195Q, Hannah Arendt
produ*iu uma s+rie de artigos, conerncias e ensaios a respeito da mesma temática com o
propsito de, em suas prprias palavras, entender 1Q o totalitarismo" Assim, parece importante
!ue, neste ponto de nosso te8to, a$amos uma breve observa$%o com o intuito de responder '
seguinte pergunta- por !ue entender o totalitarismo
2.2 Totalitarismo e “Understanding
Rm processo !ue nunca produ* resultados certos, ine!u(vocos, distinto de ad!uirir
conhecimento ou inorma$3es corretas" Rma atividade inconstante e variada, pela !ual ohomem pode se reconciliar com o mundo e nele se sentir em casa" N assim !ue Hannah
Arendt deine o !ue chama de “understanding” ) !ue, a!ui, tradu*iremos como
“entendimento”"
O entendimento + uma atividade humana !ue n%o tem um im certo, um momento na
!ual se consuma ou se aperei$oa; 4ustamente por isso + !ue Arendt combate a ideia de !ue
entender um enSmeno, um ato histrico, tenha alguma pro8imidade com o perd%o desse
mesmo ato ou enSmeno" “>orgiving”, dirá ela, o ato do perd%o, + um ato nico !ue produ*um novo in(cio, e está entre as grandes capacidades humanas" O entendimento, por sua ve*,
tem in(cio com o nascimento do homem, e encontra o im em sua morte11"
=or ser distinto de absolutamente todos os homens, pela capacidade de ser espont&neo
e produ*ir coisas novas o tempo todo, o homem permanece por toda sua vida um estranho no
mundo, motivo pelo !ual o entendimento o acompanha ao longo de sua e8istncia" 17 N
e8atamente por essa estranhe*a intr(nseca !ue o homem precisa, a todo momento, se
9 Canovan 6-7
10 a%er u&a nota de rodap "ore i""o radu)*o de entender
11 /ara (rendt, do &e"&o &odo co& ue " pode&o" entender u&a pe""oa
ap" a "ua &orte, ta&& o" evento" !u&ano" i"to , o" evento" !i"trico" e
"ociai"8 " pode& "er entendido" e& "ua co&pletude uando acaare&
12 e&re&o" ue, para +anna! (rendt, a condi)*o !u&ana e"t: i&er"a e&
dua" carater;"tica"< a igualdade, por u& lado, e a pluralidade, por outro /ara(rendt, o =ato de ue nen!u& !o&e& produ% u&a iogra>a igual ao outro "ua
condi)*o ine"cap:vel
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recompor com o mundo" =arece, portanto, ra*oável a conclus%o da autora- o entendimento + a
maneira especiicamente humana de estar vivo"1E
A !uest%o !ue se coloca para ns, a princ(pio ) e !ue tamb+m estava colocada para
Arendt ) +- por !ue entender um enSmeno histrico e social !ue 4á havia acabado, ou em vias
de acabar A partir dos escritos de Hannah Arendt, podemos elaborar ao menos dois motivos"
O primeiro reside no ato de o apelo totalitário representar um absoluto colapso em
toda a estrutura de moralidade, em todo o con4unto de proibi$3es e mandamentos
historicamente constru(dos pelas ideias de liberdade e 4usti$a no ocidente; Arendt combate a
ideia de !ue esse colapso n%o se4a real, e critica a!ueles !ue argumentam !ue o mundo
restaurará sua velha ordem uma ve* !ue tenham tido im os regimes totalitários"
#till, man< people doubt that this breadoDn is a realit<" The<are inclined to thin some accident has happened ater DhichoneUs dut< is to restore the old order, appeal to the oldnoDledge o right and Drong, mobili*e the old instincts or order and saet<" The< label an<one Dho thins and speasotherDise a Vprophet o doomV Dhose gloominess threatens todaren the sun rising over good and evil or all o eternit<1F
m outras palavras, para Arendt, + preciso entender o totalitarismo por!ue n%o se tratade um enSmeno espec(ico de um pa(s ou outro, mas por!ue estamos diante de um problema
da modernidade em si" Jembremos, nesse sentido, !ue o livro de Hannah Arendt, Origens do
Totalitarismo, + um livro !ue se dedica a acontecimentos t(picos da modernidade !ue,
combinados, se cristali*aram em torno do totalitarismo15" m outras palavras, entender o
totalitarismo + entender elementos !ue surgiram num mundo n%o/totalitário e !ue, por n%o
terem sido tra*idos da lua1K, permaneceram presentes em nosso mundo aps o im do
totalitarismo" O e8erc(cio de entendimento em torno desses elementos +, portanto, um
13 ?nder"tanding and politic" 307 30
14 @# #(?R. A 32 329
15 Reply to eric voegelin 402
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e8erc(cio de auto/entendimento1I" Temos, assim, um primeiro motivo relacionado ao prprio
ato do totalitarismo en!uanto enSmeno histrico"
O segundo motivo está ligado ' prpria din&mica e uncionamento do entendimento"
#egundo Arendt, o entendimento n%o produ* armas imediatas para o combate ao totalitarismo,
mas, sem o entendimento, n%o sabemos pelo !ue estamos lutando ) ou se4a, n%o sabemos !ue
passos daremos aps termos atingido nosso ob4etivo de derrotar o totalitarismo" m outras
palavras, o entendimento n%o oerece instrumentos para o combate pol(tico, mas lhe atribui
relev&ncia e grande*a, al+m de preparar a mente e o cora$%o humanos para um novo modo de
agir"
Assim, se o totalitarismo +, como di* Arendt, o evento central de nosso mundo,
entend/lo n%o signiica desculpá/lo, perdoá/lo ) por!ue isso signiicaria, em outros termos,ingir !ue o mundo em !ue o totalitarismo e8istiu teve um im, e !ue outro inteiramente novo
surgiu; sabemos, no entanto, !ue isso e!uivale a ignorar os prprios elementos da
modernidade presentes em nosso mundo !ue permitiram o surgimento e solidiica$%o do
totalitarismo" O processo de entender essa orma de governo signiica, antes de mais nada, um
e8erc(cio de reconcilia$%o com o mundo em !ue ela surgiu"
17 ?nder"tanding and politic" 310