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  • 8/3/2019 TORRES, Aracele Lima. Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyright no contexto da cibercult

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E LETRAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTRIA

    CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTRIA

    Aracele Lima Torres

    Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyrightno contexto

    da cibercultura

    Monografia apresentada Banca

    Examinadora da Universidade Federal do

    Piau, como exigncia para obteno do

    ttulo de graduada em histria.

    Orientadora: Prof Msc. Maria do Socorro Rangel

    Teresina Piau2009

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    Aracele Lima Torres

    Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyrightno contexto

    da cibercultura

    Monografia apresentada Banca

    Examinadora da Universidade Federal do

    Piau, como exigncia para obteno do

    ttulo de graduada em histria.

    Banca Examinadora:

    ________________________________________________

    Prof Msc. Maria do Socorro Rangel (orientadora)

    Universidade Federal do Piau

    _______________________________________________

    Prof Dr. Denilson Botelho de DeusUniversidade Federal do Piau

    ______________________________________________

    Prof Dr. Shara Jane Holanda Costa Adad

    Universidade Federal do Piau

    Teresina, 21 de Dezembro de 2009

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    todos os hackers, que fizeram e fazem da rede espao de

    liberdade e ferramenta de luta por um acesso irrestrito ao

    conhecimento.

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    Agradecimentos

    A minha famlia pelo apoio e amor, em especial a minha me, Maria da Cruz,

    pelo(s) exemplo(s) de fora.

    A minha orientadora, Socorro Rangel, pelo apoio e afeto, por acreditar nas

    possibilidades deste trabalho, na minha capacidade e por compreender os meus

    limites.

    A Filipe Saraiva, por ter me apresentado o software livre como mais uma

    forma possvel de resistncia selvageria do capitalismo que nos engole

    diariamente. E tambm pelas horas de apoio, carinho, dedicao; pelos sonhos

    divididos; pela vida partilhada.

    Aos meus amigos queridos, meus coraes fora do peito: Tainah Negreiros,

    Phelipe Cunha, Paulo Roberto, Natali Veras, Elton Larry, Maurcio Feitosa,

    Elisngela Amaral, Bianca Oliveira, Mara Katyara, Eline Tavares, Elaine Naira,

    Allyson Jullyan, Emanuel Alcntara, Andr Igor, Natasha Karenina, Chico Junior,

    Andr Caf e muitos mais que o meu amor pode abarcar; agradeo pelo afeto, pelo

    apoio, pela vida partilhada.

    A todos os professores que me ajudaram durante esses anos que passei na

    universidade, em especial, a Paulo ngelo, Joo Kennedy e Socorro Rangel, figuras

    que gostei desde sempre e que contriburam de forma decisiva para a escolha do

    tipo de historiadora que quero ser.

    A toda comunidade do software livre que me fez e me faz acreditar na

    liberdade e na justia social.

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    Caminhos no h, mas os ps na grama os inventaro.Ferreira Gullar

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    Resumo

    Este trabalho procura historicizar o movimento social contemporneo de contestaodo copyright no contexto da cibercultura, identificando seus personagens, seusdiscursos e prticas. Este movimento, constitudo a partir da relao com as novastecnologias digitais surgidas nas ltimas dcadas do sculo XX, defende a liberdadede acesso e compartilhamento de bens culturais e informaes no ciberespao.

    Palavras-chave: Histria, Movimentos Sociais, Cibercultura, Copyright,

    Compartilhamento.

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    Abstract

    This work search to historicize the contestation contemporary social movementcopyright in the context of cyberculture, indentifying its characters, speeches andpractices. This moviment, constructed from the relationship with the new digitaltechnologies that have arisen in the last decades of the twentieth century, defendsthe freedom of access e sharing of cultural and information on the Internet.

    Keywords: History, Social Movements

    ,Cyberculture, Copyright, Sharing.

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    Lista de Figuras

    Figura 1 - Guia de Utilizao do Community Memory1.............................................21

    Figura 2 - Guia de Utilizao do Community Memory2.............................................21

    Figura 3 - Guia de Utilizao do Community Memory3.............................................22

    Figura 4 - Guia de Utilizao do Community Memory4.............................................22

    Figura 5 - Computer Lib..............................................................................................30

    Figura 6 - Educao com a hipermdia.......................................................................31

    Figura 7 - Smbolo do Copyright.................................................................................48

    Figura 8 - Smbolo do Copyleft.................................................................................. 48

    Figura 9 - Home taping is killing music.......................................................................50

    Figura 10 - Logo do The Pirate Bay............................................................................50

    Figura 11 - Home Taping is Killing Business..............................................................73

    Figura 12 - Home Cooking is Killing the Restaurant Industry.....................................73

    Figura 13 - Pirates of the Internet...............................................................................90

    Figura 14 - Rickard Falkvinge do Piratpartiet............................................................. 90

    Figura 15 - Fredrik Neij do Pirate Bay........................................................................91

    Figura 16 - This is what a criminal looks like............................................................101

    Figura 17 - Peter Sunde............................................................................................104

    Figura 18 -Grfico da McAfee..................................................................................106

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    SUMRIO

    Introduo.................................................................................................................10

    CAPTULO I: Um novo espao comunicacional. Uma nova cultura...................15

    1.1 Computador: de mquina de calcular mquina de libertar...............................15

    1.1.2 O nascimento do computador...........................................................................16

    1.2. O nascimento da Internet....................................................................................241.3. A World Wide Web: um salto tecnolgico...........................................................28

    1.4. Ciberespao: um novo espao de comunicao.................................................32

    1.5. Cibercultura: a cultura da liberdade, do remix e da produo coletiva...............36

    1.6. Apresentando os personagens............................................................................42

    CAPTULO II: A luta pela liberdade de acesso e partilha do conhecimento e da

    cultura........................................................................................................................52

    2.1. Movimento Software Livre, a informtica como questo de liberdade................52

    2.2. The Pirate Bay, uma desobedincia civil organizada.........................................71

    2.2.1. Da criao invaso........................................................................................71

    2.2.2 Do julgamento condenao.........................................................................92

    Consideraes Finais.............................................................................................109

    Referncias..............................................................................................................110

    Fontes......................................................................................................................111

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    Introduo

    Meu interesse por esse tema surgiu em meados de 2007, quando fui

    apresentada ao universo do software livre. Nessa poca comecei a me interessar

    pelas questes relacionadas a cultura livre e ao conhecimento colaborativo. Me

    tornei, ento, alm de usuria, uma militante engajada na defesa desse modelo de

    produo e de partilha do conhecimento. Me intrigava o funcionamento cooperativo

    das comunidades, a ideia do copyletf, o debate em torno da necessidade de

    mudanas nas leis de propriedade intelectual, enfim, todo o sistema de pensamento

    deste movimentonovo e suas novas prticas polticas.

    A curiosidade e a inquietao por saber como tudo isso se constituiu ao longo

    do tempo, o que dava sustentao a essas ideias, me impeliram ento a pesquisar

    sobre o tema, deciso difcil porque aquela altura eu j estava cursando monografia

    trs e a um perodo de me formar. Difcil, mas acertada. Eu no poderia ignorar

    aquelas questes que remetiam diretamente a mim, a maneira como me localizo

    neste mundo.

    Dessa forma foi que cheguei a ideia de produzir um trabalho que procurasse

    historicizar o movimento contemporneo de contestao do copyright, buscando

    elucidar como se deu a sua constituio e quais so os seus personagens e

    discursos. A inteno refletir sobre as mudanas ocorridas na produo e consumo

    do conhecimento desde o final do sculo XX, em funo da revoluo tecnolgica de

    base informacional. Pensar sobre como esta revoluo acabou (re)acendendo o

    debate a respeito da produo e distribuio das informaes. Em como oconhecimento se tornou, mais uma vez, uma pauta poltica importante tanto dentro

    da academia como fora dela.

    A leitura que este debate foi e est sendo permeado por novas formas de

    experienciar a poltica, a cultura e o conhecimento, constitudas sobretudo a partir

    das experincias do movimento contracultural, que, nos ltimos anos do sculo

    passado, se apropriou das tecnologias digitais visando democratizar o acesso a

    informao.Neste meu percurso, pelo menos trs pessoas me ajudaram a pensar na

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    pertinncia deste debate para a contemporaneidade. Fora da academia, Gilberto Gil,

    que figura para mim como um dos pensadores mais instigantes dessas novas

    relaes com a cultura e com o conhecimento surgidas com o uso das tecnologias

    digitais. Gil, desde o final da dcada de 60 tem incorporado ao seu repertrio

    canesque buscam falar dessas novas formas de produo e consumo da arte;

    que buscam pensar no s o artista, mas o prprio homem na sua relao com o

    mundo virtual. Em 69, exilado em Londres, Gil produziu um disco que marcava a sua

    entrada neste debate com as msicas Futurvel (Pode ser que o novo movimento lhe

    parea estranho // Seus olhos talvez sejam de cobre, seus braos de estanho // No

    se preocupe, meu sistema manter // A conscincia do ser // Voc pensar // Seu

    corpo ser mais brilhante // A mente, mais inteligente // Tudo em superdimenso) e

    Crebro eletrnico (O crebro eletrnico faz tudo // Faz quase tudo // Faz quase

    tudo // Mas ele mudo).

    Desde ento, Gil procurou discutir as implicaes da cultura digital e no s

    como msico. Quando ocupou o cargo de ministro da cultura por pouco mais de 5

    anos, Gil manteve uma postura de defesa da liberdade de acesso e cpia dos bens

    culturais via internet. Seu ltimo disco, Banda Larga Cordel, defendia a

    popularizao da internet banda larga no pas: Ou se alarga essa banda e a banda

    anda Mais ligeiro pras bandas do serto //Ou ento no, no adianta nada // Banda

    vai, banda fica abandonada Deixada para outra encarnao//, diz ele em um trecho

    da msica. Quem no vem no cordel da banda larga Vai viver sem saber que mundo

    o seu, afirma tambm, explicitando a nova condio cibercultural em que estamos

    vivendo ao tempo em que denuncia a permanncia de desigualdades de acesso.

    Em entrevista dada ao Portal Terra em maro deste ano, Gilberto Gildefendeu a pirataria como uma postura de desobedincia civil e classificou a

    indstria do entretenimento como acomodada: Ns precisamos ter bases

    experimentais para essa elasticidade, para essa viso nova, para essa nova

    formao de compartilhamentos1, afirmava. A pirataria tem direito a desafi-los.

    Pirataria desobedincia civil. Tem que ser vista assim, tambm. No tem que ser

    vista s como criminalidade. Tem que ser vista como desobedincia civil! Assim

    como os protestos das esquerdas, dos sindicatos... Gil, no entanto, no entra neste

    1 Disponvel em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.html Acesso: 16/12/09.

    http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.html
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    trabalho de forma pontual, apenas como mais um dos personagens apresentados

    aqui como defensores do compartilhamento, mas como uma figura que me motiva

    na militncia e no trabalho acadmico e j que esta pesquisa no se encerrar

    neste trabalho, quem sabe no futuro Gil no possa ser tambm inspirao para um

    tema, um problema, uma questo?

    J no mbito da academia foram dois importantes estudiosos que me

    ajudaram a refletir sobre o tema, Michel de Certeau e Pierre Lvy. Eles so para

    mim referncias no estudo das questes relacionadas as mudanas sociais e,

    consequentemente, a inteligencia histrica ocorridas na ultimas dcadas do Breve

    sc. XX.

    Na dcada de 70, o historiador Michel de Certeau foi convidado pelo governo

    francs para fazer um projeto com o fito de compreender as mudanas culturais e

    polticas decorrentes do movimento maio de 68. Desta pesquisa nasceram dois

    livros:A cultura no plural, publicado em francs em 1974; eA inveno do cotidiano,

    dividido em: volume 1, artes de fazer e volume 2, cozinhar, morar; e publicado em

    francs em 1980. O trabalho de Certeau procurava identificar as maneiras de fazer,

    os processos que envolvem o consumo/produo da cultura e do conhecimento.

    A pesquisa empreendida tinha como objetivo, como ele prprio afirmou, voltar

    a esta coisa que aconteceu e compreender aquilo que o imprevisvel nos ensinou a

    respeito de ns mesmos, ou seja, aquilo que, ento, nos tornamos (CERTEAU apud

    GIARD, 1994:12). Certeau construiu uma teoria das prticas cotidianas, onde

    evidencia que os consumidores, supostamente entregues passividade, na verdade

    se apropriam ou se reapropriam dos produtos culturais dispostos por uma ordem

    dominante e fabricam a partir destes o seu prprio produto, fazendo bricolagens,seguindo seus interesses prprios e suas regras. Sua presena neste trabalho

    extrapola o espao das citaes para funcionar como um recurso para pensar uma

    poca e a construo de uma epistemologia onde o lugar dos sujeitos do

    conhecimento no s se pretende plural, mas igualmente inventivo e indeterminado.

    J o filsofo Pierre Lvy, tambm herdeiro de maio de 68, foi um dos

    pioneiros no movimento de constituio de um campo de estudos sobre o tema da

    cibercultura. De suas pesquisas nasceram obras importantssimas paraentendimento da formao e desenvolvimento da cibercultura, assim como tambm

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    para a compreenso das implicaes do ciberespao nos vrios mbitos da vida

    humana, como arte, educao e poltica. Destacam-se entre elas, As tecnologias da

    inteligncia: o futuro do pensamento na era da informtica, livro publicado em

    francs em 1990; A inteligncia coletiva: por uma antropologia do ciberespao,

    publicado em francs em 1994; Cibercultura, publicado em francs em 1997; e O

    que o virtual?, publicado em francs em 1995. Lvy, assinala em suas pesquisas a

    importncia do movimento contracultural na constituio do movimento social

    contemporneo que concebe as tecnologias digitais como tecnologias da inteligncia

    e da liberdade. A sua importncia neste trabalho est na criao deste campo de

    saber sobre a cibercultura e no fato de que ele, assim como Certeau, conseguiu

    enxergar ainda no final do sculo passado, uma mudana na concepo e produo

    do conhecimento, e tornou esta mudana objeto de estudo.

    Hoje, passados 30 anos das pesquisas de Certeau e 20 anos dos primeiros

    escritos do Pierre Lvy, o debate sobre as questes que rodeiam a produo e o

    consumo do conhecimento s aumenta, e suas obras parecem conseguir alcanar

    ainda mais essas questes. Aumenta, como j disse, porque o conhecimento se

    tornou (ou retornou como?) uma pauta poltica importante. A revoluo digital

    provocou reflexes sobre as questes relacionadas sua produo, distribuio e

    consumo. No que o debate a respeito da comercializao do conhecimento nunca

    tenha sido feito ou que antes as pessoas no se preocupassem com essas

    questes. No podemos pensar que nossa poca a primeiraa discutir este tema:

    A mercantilizao da informao to velha quanto o capitalismo, explica Peter

    Burke (2003). Mas porque graas a ela estamos vivendo agora numa sociedade em

    rede, onde a base fundamental a informao e sob uma nova fase do capitalismo,caracterizada por Manuel Castells (2007) como capitalismo informacional.

    Este trabalho, ao procurar historicizar o movimento contemporneo de

    contestao do copyright, identificando seus personagens, suas prticas e seus

    discursos, tenta se inserir no debate h muito feito por filsofos, socilogos,

    antroplogos e comuniclogos: Como as mdias digitais esto transformando

    profundamente a relao do homem com o conhecimento e como os homens

    tambm as transformam ao longo do tempo. Dito de outra forma, quais so asimplicaes da cibercultura na produo e consumo do conhecimento.

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    Enquanto historiadora o meu trabalho o de procurar definir as

    peculiaridades deste novo, e j velho, debate sobre o conhecimento na

    contemporaneidade. Cabe a mim, identificar o que continuidade e o que ruptura

    com os debates j feitos e tentar compreender como nos tornamos copiadores e

    remixadores, como nos tornamos ciberculturais. O meu desejo de que este tema

    torne-se interessante e familiar para os historiadores assim como se tornou para os

    filsofos, socilogos, antroplogos e comuniclogos. Afinal, o advento da

    cibercultura interferiu tambm na produo historiogrfica e no lugar do historiador.

    Ele provocou mudanas nos seus objetos de estudo e nos seus procedimentos. Este

    trabalho um exemplo claro disto. Os procedimentos utilizados aqui encontram-se

    relacionados com essas novas formas de fabricao do conhecimento. Para falar da

    cultura digital no pude e, mais importante, no quis escapar do uso de fontes

    digitais nem das novas prticas que as constitui. Este trabalho foi todo construdo

    tendo como fontes as noticias, textos, imagens e documentrios encontrados nas

    pginas da internet. Alm disso, boa parte da documentao encontrada estava em

    ingls e em sueco, e se no fossem os recursos disponveis na rede para me auxiliar

    na traduo, a fabricao deste trabalho teria sido muito mais difcil e demorada.

    Me encontro presa a este debate enquanto espectadora e enquanto

    historiadora. O meu lugar de historiadora do presente no confortvel. Lidar com

    uma memria ainda quente, fervilhando, no to seguro para mim como seria lidar

    com acontecimentos dos quais j se sabe o desfecho. Refletir sobre acontecimentos

    ainda to presentes, ainda em desenvolvimento, cheio de incertezas e reticncias.

    auto-reflexo, mas tambm um exerccio de olhar pra si mesmo e para o

    movimento de constituio desse tempo e dessa experincia social que ainda no seencerrou e not-lo cheio de possibilidades ainda realizveis.

    Este movimento do qual procuro falar aqui, um movimento social do qual eu

    tambm fao parte e que por isso me toca to profundamente a ponto de me

    inquietar e me conduzir construo desta pesquisa. Acredito que falar daquilo que

    lhe toca mais intimamente seja importantssimo para o historiador, por esse motivo

    decidi pesquisar sobre movimentos sociais na cibercultura, por se tratar de um tema

    relacionado diretamente com as minhas escolhas polticas.

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    Captulo I: Um novo espao comunicacional. Uma nova cultura

    Uma coisa certa: vivemos hoje em uma dessas pocas limtrofes na qualtoda a antiga ordem das representaes e dos saberes oscila para dar lugara imaginrios, modos de conhecimento e estilos de regulao social aindapouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos em que, a partirde uma nova configurao tcnica, quer dizer, de uma nova relao com ocosmos, um novo estilo de humanidade inventado.

    Pierre Lvy2

    1. Computador: de mquina de calcular mquina de libertar

    O sculo XX foi palco do surgimento de vrias tecnologias da informao e da

    comunicao. O homem deste sculo produziu mdias digitais e, a partir delas,

    novas linguagens, novas prticas culturais, novas formas de produzir e de distribuir

    o conhecimento. Estas novas tecnologias potencializaram nossas formas de

    comunicar, de fazer clculos, de automatizar tarefas, de armazenar dados, deproduzir cultura e distribu-la.

    O homem deste sculo conseguiu construir um fino enredamento dos

    humanos de todos os horizontes em um nico e imenso tecido aberto e interativo

    (LVY,1999:14), descobriu novas formas de vivenciar o tempo e o espao. Isso tudo

    foi possvel, sobretudo, pela inveno de trs tecnologias da comunicao: o

    computador moderno, a Internet e a Web. A inveno destas trs ferramentas, alm

    de enredar os homens, de uma forma indita, em torno de um espao

    comunicacional novo, nos tornou novamente nmades, num espao que no tem

    por referncia o territrio geogrfico.

    Nos pargrafos que se seguem discutirei sobre o desenvolvimento dessas

    trs ferramentas, sobre como elas transformam profundamente a relao do homem

    com o conhecimento e como os homens tambm as transformam ao longo do

    tempo, a partir dos diferentes usos que fazem delas. Explicarei como esse

    desenvolvimento, impulsionado pelo desejo da juventude contracultural de novas

    2 In: As tecnologias da inteligncia: o futuro do pensamento na era da informtica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1993.

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    experincias comunicacionais, diferentes daquelas propostas pelas mdias

    clssicas, acaba por criar um novo espao comunicacional e uma nova forma de

    cultura (Idem:11).

    1.1 O nascimento do computador

    A inveno dos primeiros computadores modernos3 se deu no auge da

    Segunda Guerra mundial, mais precisamente durante a dcada de 40. Eles nascem

    como parte de projetos militares e sua funo original foi a de subsidiar estes

    projetos atravs da realizao mais rpida de clculos cientficos. As experincias

    iniciais de produo destas ferramentas que se tem registro so: o Colossus,

    produzido pela Inglaterra em 1943 para decifrar cdigos inimigos; o Z-3 alemo, de

    1941, que foi criado com o intuito de auxiliar os clculos das aeronaves; e o ENIAC,

    computador produzido pelos norte-americanos em 1946 na Universidade da

    Pensilvnia, com o patrocnio do seu exrcito. Este foi o primeiro computador para

    uso geral, ele foi considerado mil vezes mais rpido do que qualquer mquina

    produzida anteriormente. Pesava 30 toneladas e era construdo sobre uma estrutura

    metlica de 2,75 m de altura, (CASTELLS, 2007:78), no se parecia nada com os

    computadores que usamos hoje, os primeiros computadores chegavam a ocupar

    andares inteiros de um prdio e no possuam telas, mouses ou teclados.

    Como podemos ver, ento, a origem da informtica est ligada a esses

    projetos militares e seu uso inicial foi restrito a eles. Os primeiros computadoresdesenvolvidos era grandes mquinas de calcular operadas por cientistas, dentro de

    salas isoladas e refrigeradas. A informtica no seu incio servia apenas para

    realizao de clculos cientficos, clculos estatsticos de Estados e grandes

    empresas etc. (LVY, 1999:31), mas no permaneceria assim por muito tempo.

    Alguns anos depois, j na dcada de 60, o uso civil do computador moderno

    3 A Cincia da Computao define computador como qualquer mquina capaz de realizar o

    processamento automtico de informaes. Ela tambm cria a distino entre os computadoresmodernos, aqueles que podem ser programados, ou seja, que podem receber instrues, armazen-las e execut-las; e os outros tipos de computadores, como o caso da calculadora e do baco,mquinas no programveis. Mais informaes em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Computadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Computadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Computador
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    j comeava a se expandir, em 1960 contabilizava-se cerca de 5 mil computadores

    nos EUA e no final da dcada cerca de 100 mil espalhados pelo mundo 4. No

    entanto, foi durante a dcada seguinte que aconteceu a verdadeira disseminao

    dessas mquinas, isso porque foi na dcada de 70 que os primeiros

    microprocessadores foram desenvolvidos e comercializados.

    O surgimento dos microprocessadores possibilitou o surgimento da

    microinformtica que significou a produo de mquinas muito menores e muito

    mais potentes do que as produzidas anteriormente. Esse avano tcnico produziu

    uma srie de implicaes econmicas e sociais. Do ponto de vista econmico,

    houve mudanas nos processos de automao industrial, desenvolvimento da

    robtica e do controle digital das mquinas, e a automao de servios bancrios

    (idem).

    As implicaes sociais tambm foram significativas. O desenvolvimento da

    tecnologia dos microprocessadores foi crucial para o desenvolvimento dos primeiros

    computadores pessoais, no entanto, no foi s o avano da tcnica que determinou

    o surgimento dessas mquinas. Seu surgimento est relacionado tambm com uma

    postura libertria dos usurios, que viram no nascer desta nova tecnologia a

    possibilidade de alargamento do acesso informao.

    Pierre Lvy, filsofo da informao, foi um dos primeiros, seno o primeiro, a

    teorizar a nova forma de cultura nascida pelo uso das tecnologias digitais e a

    conceb-la como campo de estudos. Desde a dcada de 80 vem desenvolvendo

    trabalhos e construindo um campo de conhecimento sobre as tecnologias da

    informao e as implicaes de seu uso. De forma que se torna quase impossvel

    falar sobre as novas formas de acesso ao conhecimento, sem cit-lo. Por isso, aolongo deste trabalho, ele ser um ponto de apoio para a discusso que se prope

    aqui.

    Em seu livro Cibercultura, publicado na Frana em 1997 e aqui no Brasil em

    1999, Lvy procura explicar as origens da cibercultura, caracteriz-la e apontar as

    mutaes provocadas por ela nos vrios campos da vida humana, como educao,

    cultura e comunicao. Neste estudo, ele explica que o desenvolvimento das

    cibertecnologias no foi fruto apenas de avanos tcnicos, mas que vrios projetos

    4 Disponvel em: Um pouco da histria dos Computadoreshttp://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspx Acesso: 12.11.09

    http://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspxhttp://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspx
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    sociais alimentaram o crescimento do ciberespao:

    Por trs das tcnicas agem e reagem idias, projetos sociais, utopias,interesses econmicos, estratgias de poder, toda a gama dos jogos doshomens em sociedade. Portanto, qualquer atribuio de um sentido nico tcnica s pode ser dbia. A ambivalncia ou a multiplicidade dassignificaes e dos projetos que envolvem as tcnicas so particularmenteevidentes no caso do digital. O desenvolvimento das cibertecnologias encorajado por Estados que perseguem a potncia, em geral, e asupremacia militar em particular. tambm uma das grandes questes dacompetio econmica mundial entre as firmas gigantes da eletrnica e dosoftware, entre os grandes conjuntos geopolticos. Mas tambm reponde aos

    propsitos de desenvolvedores e usurios que procuram aumentar aautonomia dos indivduos e multiplicar suas faculdades cognitivas. Encarna,por fim, o ideal de cientistas, de artistas, de gerentes ou de ativistas da redeque desejam melhorar a colaborao entre as pessoas, que exploram e dovida a diferentes formas de inteligncia coletiva e distribuda. (ibidem:24)

    O computador pessoal, idealizado como ferramenta de luta pela liberdade,

    nasceu como projeto revolucionrio de uma pitoresca comunidade de jovens

    californianos margem do sistema (idem,1993:43), que se formou no territrio do

    Vale do Silcio (Silicon Valley), situado na Califrnia (EUA) e conhecido ainda hoje

    como um territrio frtil de inovaes cientficas e tecnolgicas. Nos anos 70, o Vale

    do Silcio era povoado pelas mais variadas utopias: desde indstrias de eletrnica,

    universidades, instituies cientficas, at os vrios movimentos de contestao

    social, como, por exemplo, o hippie e o hacker5. neste cenrio, misto e borbulhante

    de utopias e paixes diversas e, s vezes, divergentes, que nasce o computador

    pessoal, fruto de bricolagem eletrnica, fruto de astcias de seus consumidores,

    fruto de uma utopia social (Idem).6

    5 Andr Lemos define hackers como outsiders da informtica que, atravs de um comportamentoldico e criativo, tomam os computadores no como uma simples ferramenta de clculo, mas comoum media de comunicao. Mais ainda, utilizam as ferramentas da informtica e da telemtica comoarmas, contra o que identificam como sendo a ameaa do controle e do poder sobre a informao econseqentemente sobre a sociedade. (2004:215)6Os computadores de uso pessoal foram produzidos e aprimorados tambm pelas astcias de seusconsumidores, pelas maneiras de empregar das quais fala Michel de Certeau, em seu livro AInveno do Cotidiano. Essas astcias caracterizam-se como produes geradas a partir de produtosimpostos por uma tecnocracia dominante, por uma produo racionalizada. Fazem parte daquilo que

    Certeau chama de consumo, uma produo astuciosa, dispersa, mas que ao mesmo tempo seinsinua ubiquamente, silenciosa e quase invisvel, pois no se faz notar com os produtos prpriosmas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econmica dominante(1994:39).

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    Philippe Breton, antroplogo e socilogo francs, em seu Histria da

    Informtica publicado em 1987, explica que a juventude que liderou o movimento de

    constituio do computador pessoal, era tambm a ponta de lana do movimento

    pacifista contra a Guerra do Vietn. Foram estes jovens, apaixonados pela

    informtica, que resolveram usar seus conhecimentos tcnicos para fazer o

    computador libertar as pessoas:

    Toda a questo parece ter comeado em 1970 na Universidade de Berkeley,

    na Califrnia, em plena crise do Camboja, onde vrios grupos de estudantesapaixonados pela informtica e pela programao, mas tambmconstituindo-se em uma das pontas de lana do movimento contra a guerrado Vietn, decidiram colocar seus conhecimentos tcnicos a servio de suacausa poltica. Dois anos mais tarde, a revista People's Computer Companyproclamava que os computadores eram principalmente utilizados contra opovo ao invs de libert-lo. O artigo conclua: Chegou o momento demudar tudo isso, precisamos de uma companhia de computadores para opovo. (1991:242)

    A constituio desta ferramenta, significou mais que um avano tcnico ou odesejo deste avano. O que se constitua com a criao do computador de uso

    pessoal no era apenas uma mquina, um objeto eletrnico capaz de realizar

    clculos de forma mais rpida e precisa. O que os jovens californianos estavam

    alimentando quando produziam suas bricolagens era a utopia social(LVY,1993:45)

    da democratizao da cultura e do conhecimento, era a sua esperana de que o

    computador poderia ser uma tecnologia da liberdade.

    Assim, uma das primeiras realizaes deste projeto poltico foi a Resource

    One, um tipo de comunidade informtica que foi instalada em um bairro de artistas

    da periferia de So Francisco, na Califrnia, e organizada em torno de um

    computador IBM XDS-940, que tinha a funo de coletar dados teis s atividades

    comunitrias da regio. O objetivo era criar uma base de dados sobre a comunidade

    que fosse acessvel todos (BRETON, 1991:242). A ideia aqui era a de utilizar o

    computador para potencializar a troca de informaes da uma comunidade e

    contribuir para o seu processo de autoconhecimento.

    Um segundo projeto dos jovens californianos foi o Community Memory

    (Memria Comunitria), criado em 1973. O objetivo deste projeto era o de criar uma

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    rede de informaes, uma espcie de boletim eletrnico, que no possusse um

    controle central, onde cada um pudesse introduzir informaes ou l-las da forma

    como lhe conviesse. Para isso, eles usavam uma rede de terminais espalhados por

    toda a regio. Esse projeto representavaa construo de uma mdia alternativa que

    pudesse ser usada pela comunidade na produo de informaes relacionadas s

    suas necessidades e interesses. Alm de ser tambm uma forma de crtica ao uso

    dominante das mdias eletrnicas que provocavam passividade dos usurios

    (Ibidem: 243). Foi uma tentativa de usar o poder do computador a servio da

    comunidade7.

    Um texto feito em 1972 pelo grupo que operava a Community Memory

    informava as intenes e as possibilidades do projeto:

    Nossa inteno introduzir a Community Memory em bairros ecomunidades desta regio, e torn-la acessvel para que possam viver comela, brincar com ela, e formar o seu crescimento e desenvolvimento. A idia trabalhar com um processo por meio de ferramentas tecnolgicas, comocomputadores, que so utilizados pelas prprias pessoas para moldar suas

    prprias vidas e as comunidades de uma maneira sadia e libertadora. Nestecaso, o computador permite a criao de um banco de memria comum,acessvel a qualquer pessoa da comunidade. Com isso, podemos trabalharfornecendo a informao, os servios, as habilidades, a educao e o apoioeconmico que a nossa comunidade necessita. Temos uma ferramentapoderosa - um gnio - nossa disposio, a questo saber se podemosintegr-lo em nossas vidas, mant-lo e us-lo para melhorar nossa prpriavida e a nossa capacidade de sobrevivncia.8

    As imagens abaixo so parte do Guia de Utilizao da Community Memory

    publicado no One Resource Newsletter, Nmero 2, datado de abril de 1974:

    7 Disponvel em: From Community Memory!!!http://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.html Acesso:01/12/09.8 Idem.

    http://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.htmlhttp://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.html
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    Figura 1: Guia de Utilizao do Community Memory 1Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpg

    Figura 2: Guia de Utilizao do Community Memory2Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-2-Leopolds.jpg

    http://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpghttp://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpg
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    Figura 3: Guia de Utilizao do Community Memory3Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpg

    Figura 4: Guia de Utilizao do Community Memory4Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-5-szpak-crt.jpg

    http://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpghttp://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpg
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    O desenvolvimento da microinformtica est ligado portanto a uma

    (re)apropriao em favor da democratizao da informao. Ele foi liderado por este

    movimento social que buscava fazer esta potncia tcnica e social, que o

    computador, chegar s mos de todos os indivduos e deixar de ser monoplio dos

    grandes informatas (LVY, 1993: 125).

    Como assinala Michel de Certeau (1994), ningum consome passivamente os

    bens culturais que lhes so dispostos no cotidiano. O computador, portanto, no

    escapou das astcias dos consumidores. A despeito de ter sido produzido a partir de

    projetos militares em meados dos anos 40, essa nova mquina no se restringiu a

    esse ambiente, a sua funo foi pouco a pouco sendo direcionada para torn-la a

    porta-voz de um movimento internacional de jovens vidos para experimentar,

    coletivamente, formas de comunicao diferentes daquelas que as mdias clssicas

    (idem, 1999:11) lhes propunha.

    A juventude californiana tomou para si esta nova tecnologia e atribuiu a ela

    um uso libertrio e anrquico. Se no inicio a informtica nasce ligada cincia

    ciberntica, cincia do controle da informao, a partir da dcada de 70, a ideia

    que o acesso as novas tecnologias no fosse restrito aos grandes informatas, que o

    acesso a informao no fosse privilgio de poucos, mas que qualquer um, sem

    necessariamente possuir especializao tcnica, pudesse us-las. Computers for

    the people (computadores para o povo) esse foi o lema da microinformtica que

    representava bem essa ideia de acesso irrestrito (ibidem: 125).

    O nascimento da microinformtica muito mais do que informar sobre um

    avano tcnico, tambm informa sobre uma postura libertria que ia contra um

    poder tecnocrata controlador da informao. Uma postura que v nas novastecnologias a possibilidade de constituio de novas formas de sociabilidade e

    liberdade, de novas formas de criao e comunicao.

    A partir da dcada de 70 o uso que se passou a fazer dos computadores foi

    escapando progressivamente do uso inicial que eles tiveram. Andr Lemos, um dos

    principais tericos da cibercultura no Brasil, explica em seu livro Cibercultura:

    tecnologia e vida social na cultura contempornea, de 2004, que este uso foi se

    constituindo como uma espcie de rebelio contra o peso da primeira informtica(grandes computadores ligados pesquisa militar) (LEMOS, 2004:204).Atravs dos

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    projetos desenvolvidos pelos jovens californianos, pela noo do uso do poder do

    computador em prol das pessoas, cada vez mais essas mquinas distanciavam-se

    da influncia da cincia ciberntica, cada vez mais iam ganhando o status de

    tecnologias da inteligncia e tecnologias da liberdade.

    O uso da tcnica foi sendo determinado pelos seus consumidores, j que

    estes no se contentam em se submeter a ela. O seu papel supera aquele de

    escolhas elementares do tipo adquirir/no adquirir, ou utilizar bem/no utilizar () os

    novos objetos tcnicos. So os consumidores que, pelas prticas que eles vo

    progressivamente desenvolver e afinar, fazem do computador pessoal uma mquina

    de libertar e uma tecnologia da criao e de comunicao. So eles que

    determinaro, no final das contas, a incidncia efetiva das novas tecnologias sobre a

    transformao de suas vidas quotidianas (MERCIER apud LEMOS, 2004:78). Foram

    eles que escolheram e conduziram o processo de constituio do computador

    pessoal enquanto mdia alternativa, enquanto potncia de criao.

    tambm na dcada de 80 que o fenmeno da microinformtica deixa de

    provocar mudanas apenas nos servios do setor industrial e vai aos poucos

    provocando mudanas nas telecomunicaes, na editorao, na televiso e no

    cinema. A rea da comunicao foi sendo transformada cada dia mais pelo

    fenmeno da digitalizao9 das informaes. A informao tratada pelos

    computadores j no diz mais respeito apenas a dados numricos ou textos (como

    era o caso at os anos 70), mas tambm, e cada vez mais, a imagens e sons

    (LVY,1999:63). Surgem os hiperdocumentos, hipertextos10 e CD-ROM (Compact-

    Disc Read Only Memory), os videogames e as interfaces grficas amigveis. As

    funes do computador so alargadas, seu uso se expande. Ele deixa de serexclusividade das grandes empresas e chega s mos dos indivduos criadores,

    9 A digitalizao de uma informao consiste na sua transformao em linguagem binria (na formade 0 e 1), que a linguagem dos computadores. No geral, todo e qualquer tipo de informao podeser digitalizada. As informaes digitais, ao contrrio do que ocorre com as analgicas, que sedegradam a cada nova cpia ou reproduo, podem ser reproduzidas ou copiadas infinitas vezes,sem que percam suas qualidades ou caractersticas originais.10 Tecnicamente, um hipertexto um conjunto de ns ligados por conexes. Os ns podem serpalavras, pginas, imagens, grficos ou partes de grficos, seqncias sonoras, documentoscomplexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informao no so ligados

    linearmente, como em uma corda com ns, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexesem estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso emuma rede que pode ser to complicada quanto possvel. Porque cada n pode, por sua vez, conteruma rede inteira. (LVY, 1993, p.33)

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    tornando-secada vez maisuma ferramentadecriao (textos, imagens, vdeos), de

    comunicao, de diverso (jogos).

    2. O nascimento da Internet

    Na dcada de 60, nasceria tambm uma outra ferramenta que iria, assim

    como fez computador, mudar a forma como as pessoas se comunicavam e

    produziam conhecimento, a Internet. Esta ferramenta tambm se configurou como

    uma esperana para a utopia da democratizao da informao e foi reapropriada

    pelo mesmo movimento contracultural, que procurava fazer do computador uma

    tecnologia sadia e libertadora. O seu desenvolvimento se assemelhou muito com o

    desenvolvimento do computador de uso pessoal e tambm foi marcado por vrios

    projetos sociais.

    A histria desta tecnologia ser rapidamente contada aqui para mostrar como

    se deu a formao desta ferramenta to essencial para o entendimento e a

    constituio da sociedade contempornea. Para isso, utilizarei como referncia o

    trabalho construdo pelo socilogo espanhol Manuel Castells, a obra A Sociedade

    em Rede, primeiro volume da trilogia A era da informao: economia, sociedade e

    cultura, produzida a partir de pesquisas desenvolvidas desde a dcada de 80, no

    intuito de entender a dinmica econmica e social gerada pelas novas tecnologias

    de informao e comunicao. Estes trabalhos o tornaram uma grande referncia no

    assunto.A Internet uma rede de computadores unida por uma linguagem comum e

    repleta de protocolos, um para cada tipo de servio. Entre eles est o TCP/IP

    Transmission Control Protocol/Internet Protocol. este protocolo que permite que

    um pacote de informaes enviado por exemplo, por um computador no Brasil possa

    ser decodificado, sem nenhum erro, por um outro computador em qualquer parte do

    mundo, independente de plataforma, sistema operacional e/ou navegador.

    Essa rede, assim como o computador moderno, nasce como produto deestratgia militar, em meio s disputas entre os EUA e URSS, que se caracterizaram

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    como a Guerra Fria. Durante a dcada de 60, a Agncia de Projetos de Pesquisa

    Avanada (ARPA) do Departamento de Defesa dos EUA, tenta criar um sistema de

    comunicao que no fosse vulnervel a ataques nucleares de seus inimigos

    soviticos. A ideia era construir um sistema de comunicao alternativo que pudesse

    ser usado em caso de ataques que destrussem os meios convencionais de

    telecomunicaes. O resultado, como conta Manuel Castells, foi a construo de

    uma arquitetura de rede que, como queriam seus inventores, no pode ser

    controlada a partir de nenhum centro e composta por milhares de redes de

    computadores autnomos com inmeras maneiras de conexo (2007: 44). Esta rede

    surge em 1969, com o nome de ARPANET.

    A ARPANET, era formada por quatro ns: um na Universidade da Califrnia

    em Los Angeles, outro no Stanford Research Institute, outro na Universidade da

    Califrnia em Santa Brbara e o ltimo na Universidade de Utah. Ela era acessvel

    apenas aos militares e aos cientistas que colaboravam com o Departamento de

    Defesa dos EUA (ibidem: 82-3).

    Segundo Castells, como os cientistas passaram a fazer uso da rede para suas

    prprias comunicaes, conversas pessoais, em 1980 a ARPANET foi dividida em

    duas: ARPANET, para fins cientficos e MILNET, para fins militares. Ainda nesta

    mesma dcada surgem a CSNET (Computer Science Network) e a BITNET

    (Because it's time to Network), a primeira funcionando como uma rede para fins

    cientficos e a segunda como uma rede para acadmicos no-cientficos. No

    entanto, essas duas redes no eram desvinculadas do projeto ARPANET, ambas

    tinham-no como a base de seus sistemas de comunicao. No final da dcada de

    1980, todas essas redes formavam juntas a ARPA-INTERNET, chamada mais tardeapenas de INTERNET.

    Na dcada seguinte a NSFNET (National Science Foundation Network)

    assume o lugar da ARPANET, que se torna obsoleta depois de funcionar por mais

    de vinte anos. A essa altura j haviam uma srie de presses comerciais no sentido

    de privatizar a Internet. Em 1995, com o crescimento das redes de empresas

    privadas e das redes de cooperativas sem fins lucrativos, houve o encerramento das

    atividades da NSFNET e uma srie de acordos colaborativos foram feitos pelasramificaes comerciais das redes regionais NSF e levaram no sentido de privatizar

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    a grande rede (ibidem: 83)

    Ao ser privatizada, a Internet passou a no mais contar com a superviso de

    uma autoridade, passando assim a no ser de domnio ou exclusividade de nenhum

    pas ou regio, pertencendo, ao mesmo tempo, todos os povos e nenhum. A

    rede passava a ser aberta para a explorao comercial e para o uso com fins

    lucrativos. A atribuio de seus endereos e domnios feita a partir de acordos

    multilaterais, sinal das caractersticas anarquistas do novo meio de comunicao,

    tanto tecnolgica quanto culturalmente (ibidem: 84).

    A dinmica que comandou o desenvolvimento da rede de computadores foi a

    mesma que comandou a dos computadores modernos, uma dinmica libertria,

    caracterizada pela apropriao social desta mdia para criar um sistema

    internacional de comunicao. O mesmo movimento contracultural que fazia do

    computador uma arma na luta contra a centralizao da informao nas mos dos

    tecnocratas, fez tambm da Internet ferramenta potencializadora dessa

    descentralizao, ferramenta que possibilitava uma comunicao, a nvel mundial,

    aberta e sem estar sob o controle direto de nenhum governo.

    Como possvel perceber, foram sempre vrios os projetos que se

    embricaram no desenvolvimento e na constituio destas duas mdias, computador e

    Internet. Vrias foram (e so) as maneiras de fazer, as operaes dos usurios, as

    formas de consumir uma mesma tcnica, um mesmo bem cultural. E estes

    consumos astuciosos sempre se cruzaram de maneira conflituosa ou no, com as

    estratgias das grandes empresas, de governos, de instituies de ensino. Esses

    cruzamentos so o que constituem e constituram estas novas tecnologias. Ao falar

    da Internet, por exemplo, Manuel Castells afirma que a sua criao e

    desenvolvimento foram conseqncia de uma fuso singular de estratgia militar,

    grande cooperao cientfica, iniciativa tecnolgica e inovao contracultural(ibidem:

    82).

    Quando nasce a Internet, como dito anteriormente, sua funo inicial era

    apenas a de proteger o sistema de comunicao americano de ataques nucleares

    de seus inimigos. medida em que esta tecnologia vai sendo disponibilizada para

    os pesquisadores, o seu uso original foi sendo ressignificado para servir s

    necessidades destes usurios. Eles acabam por usar a rede para um outro tipo de

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    comunicao que no aquele para a qual ela foi criada, passam a corresponderem

    entre si, criam um espao comunicacional transversal, queparte de uma concesso

    feita pelas autoridades militares(LVY, 1999: 226).

    Esse espao transversal, caracterizado pela utopia da democratizao do

    saber, atravs do uso feito por pesquisadores e estudantes, vai mais tarde ganhar

    ares e usos novos. Com o correio eletrnico a rede passa tambm a ser usada por

    negociantes, que vem nela um timo espao para publicidade e que a transformam

    em um espao potencializador, tambm, da compra e da venda. No final dos anos

    80, os negociantes invadem a rede e comeam a explor-la como um novo espao

    para publicidade e vendas (Idem).

    3. A World Wide Web: um salto tecnolgico

    At o final dos anos 80, a Internet tinha o seu uso ainda bastante limitado.

    Isso por que, para explorar essa ferramenta de comunicao era preciso ter

    conhecimentos de comandos complexos, pois no havia uma interface grfica tal

    como a que utilizamos hoje para acessar o seu contedo. A Internet s se tornou

    acessvel ao grande pblico apenas a partir da dcada de 1990, quando a WWW

    (World Wide Web)foi criada.

    A World Wide Web uma funcionalidade que permitiu Internet o acesso a

    diversos tipos de arquivos alm de arquivos de texto, transformando o modo como

    se acessava a rede e o modo como se trocava informaes. Ela foi criada em 1991por um grupo de pesquisadores do CERN (Centre Europen poour Recherche

    Nucleaire), um dos principais centros de pesquisas fsicas do mundo, localizado em

    Genebra. Tim Berners Lee e Robert Cailliau foram os responsveis por comandar a

    equipe que possibilitou rede de computadores uma maior operabilidade e,

    conseqentemente, uma maior popularidade.

    A inveno do CERN possibilitou a expanso do universo de arquivos que

    podiam trafegar pela rede. Permitiu que msicas, sons, animaes, filmes, etc.fossem tambm visualizados e transportados via Internet, tudo isso em modo grfico

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    e ao alcance atravs apenas com um clique no mouse. Sem essa funo grfica e

    hipermiditica que a Internet ganhou com a WWW, seu uso poderia ser bem mais

    limitado do que hoje.

    Essa nova forma de organizar a rede possibilitada pela Web difundiu e

    alargou o uso desta ferramenta. Foi um passo muito importante rumo a

    democratizao do conhecimento e dos meios de comunicao, foi um verdadeiro

    salto tecnolgico, como afirma Castells (2007:87-8). Ela permitiu a difuso da

    Internet na sociedade ao organizar a localizao dos seus sites por informao e

    no por localizao, como era feito antes. A navegao na Internet tornou-se mais

    fcil com a criao da Web.

    Com a implementao da interface grfica da Internet, os usurios tinham

    sua frente links nos quais podiam clicar e pelos quais era possvel abrir inmeras

    janelas, por onde podia navegar pelos mais variados contedos dispostos na grande

    rede. Os contedos agora podiam ser localizados por pesquisas feitas atravs das

    janelas dos navegadores ou browsers.

    A Web d Internet o carter de um hipertexto gigante, j que os documentos

    acessados via WWW parecem fazer parte de um mesmo computador. O acesso a

    eles independente da localizao fsica do computador que os contm. Ela permite

    o acesso por palavras-chave a documentos dispersos em centenas de

    computadores dispersos atravs do mundo, como se esses documentos fizessem

    parte do mesmo banco de dados ou do mesmo disco rgido ( LVY, 1999: 106).

    Este projeto de desenvolvimento da Web tambm no foi comandado por

    macro-atores, por grandes empresas. Foi no mbito da micro-poltica, dos seus

    pequenos consumidores, dos usos cotidianos que faziam dela, que a Web sedesenvolveu e se constituiu como ela .A World Wide Web no foi nem inventada,

    nem difundida, nem alimentada por macro-atores miditicos como a Microsoft, a

    IBM, a AT&T ou o exrcito americano, mas pelos prprios cibernautas(ibidem: 222).

    A ideia que influenciou a equipe do CERN na criao da Web tambm no

    veio de grandes atores ou empresas, mas de uma cultura hackerdos anos 70, mais

    precisamente do trabalho de Ted Nelson, que em 1974 atravs de um panfleto

    denominado de Computer Lib, imaginou uma nova forma de organizar asinformaes, o hipertexto. Foi a partir dessa ideia de Nelson, que a equipe do CERN

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    desenvolveu a Web (2007: 87-8). Nelson, pretendia facilitar o uso e o entendimento

    do computador para todas as pessoas. O Computer Lib trazia como frase inicial You

    can and must understand computers now (Voc pode e deve entender de

    computadores agora).

    Figura 5: Computer LibFonte: http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf

    Ao longo do texto Ted Nelson, explicava ainda o funcionamento da sua ideia

    das hipermdias:

    Hiper-mdias so ramificaes ou apresentaes que respondem a aes dousurio, sistemas de palavras e imagens (por exemplo) que de antemo

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    podem ser explorados livremente ou consultados de forma estilizada. Elasno vo ser "programadas", mas sim concebidas, escritas, elaboradas eeditadas, por autores, artistas, designers e editores. (Cham-las deprogramadas seria sugerir falso tecnicismo. Os sistemas de computadorpara apresent-las que sero "programados.") Como a prosa comum e asimagens, elas sero mdia, e porque elas esto em algum sentido"multidimensional", podemos cham-las de hiper-mdia, seguindo o usomatemtico do termo "hiper-".11

    Figura 6: Educao com a hipermdiaFonte: http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf

    A Web, assim como ocorreu com o computador pessoal e a Internet, tambm

    traz no cerne do seu desenvolvimento um ideal libertrio que corresponde ao ideal

    11 Disponvel em:http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfAcesso:01/12/09.

    http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf
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    hackerde acesso s informaes, de democratizao delas. A Web contribuiu para

    o aumento desse acesso na medida em que possibilita o manuseio da ferramenta

    atravs de grficos e imagens, interface amigvel, atravs de um simples clique com

    o mouse. Esse salto tecnolgico contribuiu para a construo de uma nova noo e

    de uma nova forma de comunicao.

    4. Ciberespao: um novo espao de comunicao

    A criao e o uso da microinformtica transformaram e vem transformando

    profundamente as nossas prticas culturais. As ferramentas comunicacionais que

    surgem com ela acabam por contribuir para a formao de um novo espao

    comunicacional que Pierre Lvy chama de ciberespao:

    O ciberespao (que tambm chamarei de rede) o novo meio decomunicao que surge da interconexo mundial dos computadores. Otermo especifica no apenas a infra-estrutura material da comunicaodigital, mas tambm o universo ocenico de informaes que ela abriga,assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.(1999:17)

    Foram vrios os projetos que alimentaram o desenvolvimento desse novo

    espao de comunicao, mltiplos e muitas vezes destoantes uns dos outros. Se de

    um lado podia-se ver os investimentos dos Estados com vistas, sobretudo, a uma

    posio de supremacia militar; de outro era possvel identificar projetos de: grandes

    empresas da eletrnica e de desenvolvimento de software em busca de lucros;

    desenvolvedores e usurios buscando aumentar suas capacidades intelectuais;

    cientistas, artistas e ativistas explorando novas formas de distribuir o conhecimento,

    via criao de comunidades na internet, fruns de discusso, sites de

    armazenamento de vdeos etc. (Idem: 24).

    Esse novo espao, caracterizado por uma comunicao em rede, como

    explicou Lvy, no pode ser entendido apenas como o espao virtual de

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    comunicao no qual os usurios se inserem quando se conectam rede, deve ser

    visto como algo alm. Ele composto pela juno da infra-estrutura que permite a

    interconexo e a troca de informaes (computadores e celulares, por exemplo), por

    todas as informaes que trafegam na rede, e pelos usurios, responsveis por

    essa dinmica de trfego (uploads e downloads12) que constitui a Internet.

    Mas o ciberespao mais do que representar um lugar de comunicao,

    representa tambm, e principalmente, uma arte de fazer, um modo de usar a

    tcnica. uma forma de usar as infra-estruturas existentes e de explorar seus

    recursos por meio de uma inventividade distribuda e incessante que

    indissociavelmente social e tcnica (LVY, 1999:193).

    O ciberespao deve ser percebido, assim defende Pierre Lvy, no somente

    como uma infra-estrutura, mas como tambm como um movimento social, por ter se

    desenvolvido a partir de um trabalho coletivo, em prol do direito dos indivduos de

    acesso s informaes. No se pode tratar de ciberespao como mera infra-

    estrutura tcnica, pois estaramos correndo o risco de no reconhecer o que de

    social ele tem no seu desenvolvimento:

    Ao assimilar o ciberespao a uma infra-estrutura, recobre-se um movimentosocial com um programa industrial. Movimento social, de fato, j que ocrescimento da comunicao digital interativa no foi decidido por nenhumamultinacional, nenhum governo. verdade que o Estado americanodesempenhou um papel importante de suporte, mas de forma alguma foi omotor do movimento de jovens cidados diplomados, espontneo einternacional que explodiu no final dos anos 80. Ao lado de fundos pblicose de servios pagos oferecidos por empresas privadas, a extenso dociberespao repousa em grande parte sobre o trabalho benvolo de milharesde pessoas pertencentes a centenas de instituies diferentes e de dezenasde pases, sobre uma base de funcionamento cooperativo. (ibidem: 194)

    importante ressaltar que este movimento social tem como seu grupo lder

    uma juventude metropolitana escolarizada. Apesar de hoje em dia, computador e

    internet estarem cada vez mais ao alcance das camadas populares da sociedade,

    isso no se deu ainda de forma universal; o uso dessas ferramentas tecnolgicas

    12 Upload o ato de colocar contedos na rede. Download, por sua vez, o ato de baixar contedosda rede.

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    sempre foi bem restrito a uma classe mdia escolarizada e urbana, sempre esbarrou

    nos limites de renda e de educao.

    Depois do surgimento destas novas tecnologias cria-se um abismo entre os

    que esto includos digitalmente, os que tem acesso aos equipamentos e sabem

    us-lo; e os excludos digitais, os que no tem acesso a esse tipo de tecnologia, ou

    ainda se tem no sabem como us-la.Ainda hoje a grande maioria das pessoas que

    integram a rede e que nela praticam algum tipo de ciberativismo, seja em relao a

    questes ambientais ou a questes de liberdade e neutralidade da Internet, por

    exemplo, so jovens escolarizados e citadinos. A criao e o desenvolvimento das

    novas tecnologias da comunicao funcionaram ora consolidando velhas excluses

    ora produzindo novas (RIBEIRO, 2000:184).

    O ciberespao um espao virtual que no possibilita o contato fsico entre as

    pessoas. No entanto, ele parece funcionar como um aglutinador social mais do que

    como um isolador. As novas redes telemticas agem, menos como fator de

    isolamento ou homogeneizao social, do que como vetores de tactilidade e de

    proximidade gregria. (LEMOS, 2004:138) Ele caracterizado como um espao de

    comunho, onde as mais diversas tribos se encontram para realizar as mais

    diversas atividades. O ciberespao funciona como mais um espao para a troca de

    experincias e conhecimentos. Pessoas ao redor do mundo se encontram e se

    renem a partir de interesses comuns, seja via redes sociais, blogs, bate-papos,

    fruns ou listas de discusso.

    Do ponto de vista da comunicao, o ciberespao inaugura um novo

    paradigma comunicacional, denominado de todos-todos. O dispositivo

    comunicacional designa a relao entre os participantes da comunicao

    (LVY,1999:63) . A inveno destas novas tecnologias da comunicao, reunidas

    em torno desse conceito de ciberespao, muda a hierarquia da comunicao do

    tradicional paradigma massivo um-todos (comunicao unidirecional) para um

    paradigma ps-massivo ou rizomtico todos-todos (comunicao bidirecional).

    Pierre Lvy explica que os dispositivos comunicacionais podem ser divididos

    em trs categorias: um-todos, um-um e todos-todos. Como exemplo do primeiro

    temos a imprensa, o rdio e a televiso, que funcionam como um centro emissor queenvias as mensagens aos seus receptores, mas que no ocorre uma interao de

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    forma direta entre eles. J o correio e o telefone funcionam como dispositivos um-

    um, por que mediam a comunicao apenas de um individuo para outro, ponto a

    ponto. No caso do ciberespao, a comunicao ocorre de forma descentralizada e

    cooperativa, os indivduos dividem o mesmo contexto e trocam informaes em

    tempo real (idem). Nele as mensagens giram em torno do seu receptor, situado no

    centro, ao contrrio do que ocorre com os media de massa.

    Alm de implicar nesse novo modelo de comunicao, a emergncia do

    ciberespao tambm implicou no fim dos monoplios da expresso pblica. Hoje em

    dia, qualquer um um jornalista em potencial, qualquer um que estiver conectado

    pode produzir contedo na internet, publicar noticias, textos, vdeos, msicas, enfim,

    qualquer individuo tem nas mos uma ferramenta de comunicao que atinge um

    nmero incalculvel de pessoas a um baixo custo(ibidem: 239-240).

    O ciberespao configura-se assim como uma alternativa aos media clssicos

    na medida em que qualquer um de qualquer lugar pode produzir informao a

    qualquer momento. Acabe-se com o monoplio da distribuio da informao, assim

    como tambm com os furos de reportagem, vide o caso do blogs (Blogger,

    Wordpress) e dos microblogs (Identi.ca, Twitter), ferramentas de publicaes

    instantneas onde as pessoas informam o que esto fazendo, pensando, sentindo...

    enfim, pode-se dizer de tudo nesses espaos. O ciberespao permite que cada um

    possa publicar a sua verso dos fatos sem necessariamente precisar de mediao

    de jornais, revistas, etc.Ele encoraja uma troca recproca e comunitria, enquanto

    as mdias clssicas praticam uma comunicao unidirecional na qual os receptores

    esto isolados uns dos outros (ibidem:203).

    A questo da interatividade um dos pontos principais a partir do qualpodemos criar uma distino entre a comunicao feita atravs do ciberespao e a

    comunicao feita pelos media clssicos. As novas tecnologias constituintes do

    ciberespao possibilitam uma comunicao bidirecional entre os grupos e

    indivduos, elas comprovam a falncia do modelo de centralidade dos media de

    massa, trazem embutidas noes de interatividade e de descentralizao da

    informao. (LEMOS, 2004:69)

    O desenvolvimento dessa comunicao via ciberespao provoca, na opiniode Andr Lemos, duas importantes rupturas: uma quanto concepo de

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    informao que agora passa pelos processos microeletrnicos e outra em relao ao

    modo de difuso dessas informaes, que se d agora atravs do modelo de

    comunicao todos-todos. Segundo o socilogo, alguns autores chegam at mesmo

    a falar que os meios de produo esto sendo dominados pelo grande pblico

    (ibidem:79).

    Do ponto de vista da produo de conhecimento, a emergncia do

    ciberespao potencializou a troca de contedo na medida em que as informaes

    em formato digital podem ser transportadas por diversos meios. Os transportes

    fsicos mais comuns so as mdias removveis (CD's, DVD's, pendrives etc.), no

    entanto, a maneira mais rpida para o transporte de informaes digitais continua

    sendo a rede. Uma importante caracterstica a ser citada sobre as informaes

    digitais que elas podem ser copiadas e transmitidas quantas vezes quiser sem que

    haja perda de informao. A cpia de um CD de udio para um computador ou o

    downloadde um arquivo de texto da Internet no causaro nenhuma alterao nos

    arquivos originais.

    5. Cibercultura: a cultura da liberdade, do remix e da produo coletiva

    Mentes desenraizadas e pessoas sem face agora comunicam-se em umateia descentralizada que cobre o planeta, dissolvendo espao e tempo.

    Gustavo Lins Ribeiro13

    Em consonncia com o desenvolvimento do ciberespao emerge uma nova

    forma de cultura, a cibercultura. Ela caracteriza-se pela juno de tcnicas

    (materiais e intelectuais), de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de

    valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespao (LVY,

    1999:17). Cria-se a partir de astcias dos usos feitos das novas tecnologias digitais.

    A cibercultura no pode ser entendida como uma cultura alternativa. Ela a

    13 In: Cultura e poltica no mundo contemporneo: paisagens e passagens. Braslia: Editora daUniversidade de Braslia, 2000, p. 182.

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    nova forma de cultura que marca a vida contempornea. Essa cultura oriunda do

    ciberespao traz consigo novas maneiras de perceber, sentir, lembrar-se, trabalhar,

    jogar e estar junto (idem, 1998:105). No podemos confund-la com uma subcultura

    particular, a cultura de uma ou algumas tribos (...) Entramos hoje na cibercultura

    como penetramos na cultura alfabtica h alguns sculos (idem, 2004:11). Cada

    vez mais vivemos e nos constitumos com base na relao com a tecnologia digital

    e/ou com ambientes virtuais. A prpria produo historiogrfica contempornea no

    pode se dar sem levar em considerao as possibilidades de produo e distribuio

    de conhecimento no ciberespao, o seu uso como local e ferramenta de produo de

    memria. Este trabalho nasceu desta noo, da minha relao intima com as

    tecnologias digitais e com os movimentos que se constituram na relao com elas.

    A minha constituio como historiadora est se dando a partir desta percepo de

    que a Histria no pode ignorar as evidentes mudanas na forma como produzimos

    e consumimos provocadas pelo uso das mdias digitais.

    Constituda a partir das prticas de um movimento social que sonhava com a

    construo de um espao de comunicao alternativo que configuraria uma

    comunidade altamente democrtica e, secundariamente, anrquica (RIBEIRO,

    2000:175), essa nova cultura baseia-se numa conectividade generalizada, numa

    potencializao da comunicao, na variedade de troca das informaes (LEMOS,

    2004:87), em novas formas de produo de conhecimento e de novas formas de

    socialidade. Alimentos para as diversas formas de agregao social, de criao de

    comunidades.

    A cibercultura parece expressar-se, antes de tudo, pelo seu carter

    agregador, pela sua capacidade de reunir os indivduos de diferentes regies,diferentes culturas, de diferentes experincias sociais, em torno de interesses

    comuns, criando laos sociais, formando uma comunidade transnacional virtualque

    no se baseia:

    nem sobre links territoriais, nem sobre relaes institucionais, nem sobre asrelaes de poder, mas sobre a reunio em torno de centros de interesses

    comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre aaprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaborao (LVY,1999:130).

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    Com o advento da cibercultura experincia de pertencimento a uma

    determinada comunidade so agregadas novas formas de vivenciar espao, territrio

    e poltica. Cria-se um espao que transnacional, que corresponde a um novo

    domnio de contestao poltica e ambincia cultural que no so equivalentes ao

    espao tal qual o experimentamos (RIBEIRO, 2000:73). Indivduos de reas

    geogrficas diferentes, de culturas e lnguas diferentes, passam a beber na mesma

    fonte, consultar uma memria que comum a todos que se conectarem a rede. A

    cibercultura cava um meio informacional ocenico, mergulha os seres e as coisas no

    mesmo banho de comunicao interativa (LVY, 1999: 127).

    Essa interconexo interativa promove novas formas de agregao social,

    comunidades virtuais transnacionais, simbolizadas pelos fruns de discusses sobre

    os mais diversos temas, redes sociais, chats, blogs, microblogs etc. Ela vai

    possibilitar que indivduos de uma comunidade virtual(que podem ser tantos quanto

    se quiser) se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memria comum,

    e isto quase em tempo real, apesar da distribuio geogrfica e da diferena de

    horrios (ibidem: 49).

    Na verdade, apesar das comunidades virtuais ganharem mais visibilidade com

    o advento da cibercultura, no podemos achar que elas so produtos desta.

    Comunidades virtuais j existiam antes da criao da Internet, como nos explica

    Gustavo Lins Ribeiro. Antes de se constiturem as comunidades virtuais a partir da

    Internet os ouvintes de rdio, rdio-amadores, espectadores de cinema e

    telespectadores faziam parte desses grupos. (RIBEIRO, 2000:176) O que muda

    com a criao da Internet na dinmica dessas comunidades sobretudo a questo

    interativa, elas a cibercultura acrescentaqualidade e quantidade. No possvelaos espectadores do rdio ou da TV notarem a presena uns dos outros, assim

    como ocorre entre os usurios da Internet. O seu grande diferencial em relao aos

    media clssicos que ela possibilita que os seus usurios unam experincias,

    debatam, cooperem e aperfeioem suas inteligncias, enriqueam suas vivncias

    (LVY, 1998: 97)

    O que poderia representar mais uma forma de segregar os indivduos, alien-

    los a ponto de interferir no desejo de estar junto, funciona como mais um fator desolidariedade social, mais uma ferramenta de comunho e cooperao. O

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    ciberespao mais uma via de aglutinao social, de exerccio da solidariedade.

    Exemplo disso foram as manifestaes ocorridas no Ir em junho deste ano14. As

    suspeitas de fraldes na eleio presidencial que reelejeu Mahmoud Ahmadinejad

    levaram muitas pessoas a realizem protestos contra o resultado das eleies. Aps

    os resultados da eleio os iranianos que estavam descontentes passaram a

    priorizar a internet como ferramenta e como espao para fazer denncias sobre o

    processo eleitoral e para pedir novas eleies.

    As ferramentas mais usadas foram o Twitter, a rede social Facebook e as

    mensagens de celular, SMS. nicas ferramentas que escapavam da censura do

    governo. Houveram denncias de que o governo estava tentando impedir a

    comunicao entre os manifestantes atravs de bloqueio de mensagens SMS e da

    censura aos meios de comunicao de massa como as TVs e os jornais. O uso feito

    pelos manifestantes do microblog Twitter foi to grande que no terceiro dia de

    manifestaes a tag15#IranElection j era a mais popular do microblog.

    Alm das manifestaes polticas via rede sociais houve tambm ataques aos

    sites oficiais do governo. Foram atacados, por exemplo, o site da presidncia e o do

    ministrio das relaes exteriores. Ambos sofreram ataques de negao de servio,

    envio de forma artificial de muitas requisies ao servidor causando-lhe uma

    sobrecarga e, consequentemente, a interrupo temporria dos servios do site.

    Esse caso, longe de fazer parte de uma exceo compe uma tendncia

    ciberpoltica contempornea, como dito anteriormente, a cibercultura inaugura um

    novo domnio de contestao poltica, que a Internet, o ambiente virtual. O uso

    desse ambiente traz duas implicaes evidentes para a discusso poltica na

    contemporaneidade, sobretudo no que diz respeito relao entre informao epoder. Em primeiro lugar, pode-se fazer poltica internamente ao ciberespao,

    poltica na realidade virtual. Em segundo lugar, desde o ciberespao a comunidade

    virtual pode influenciar a poltica no mundo real(RIBEIRO, 2000:189).

    O modo como produzimos e consumimos informao, cultura e conhecimento

    tambm foram e vem sendo bastante afetados pelo advento do ciberespao. A

    digitalizao das informaes e a interconexo dos indivduos possibilitam o

    14 Disponvel em: http://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shl Acesso em: 01/10/09.15 Tag uma palavra-chave que associada a um determinada informao, que pode ser um texto,imagem, vdeo, etc.

    http://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shl
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    surgimento de novas prticas de distribuio, produo e consumo da informao e

    dos bens culturais. Assim como tambm a construo de um ambiente informacional

    descentralizado e interativo.

    O advento da cibercultura o advento da cultura e do conhecimento em rede,

    das produes coletiva e colaborativa em rede. Ao pensar na cibercultura preciso

    remeter esta palavra significados que se relacionam intimamente com os conceitos

    de comunho, colaborao, cooperao e compartilhamento. Todos esses conceitos

    se relacionam com a ideia de que a cibercultura o espao do commons. Este

    entendido como comum, produo ou espao comum. Segundo Srgio Amadeu, o

    significado de commons tambm pode se referir pblico em oposio ao privado

    ou, ainda, algo produzidos por todos e/ou por coletivos e comunidades (2008:49).

    As prticas de remix, colagem, recombinao de contedos e formas

    configuram-se como expressesmaiores da noo de commons. A cibercultura

    um terreno tpico dos commons (Idem). Com o advento da cibercultura a produo

    comum torna-se pauta cultural, econmica e poltica (ibidem:50).

    Essas novas concepes de produo e consumo do conhecimento geradas

    a partir do uso do ciberespao, so fundamentais para o desenvolvimento do que

    Pierre Lvy chama de inteligncia coletiva. Compartilhar os conhecimentos e poder

    apont-los uns para os outros a condio elementar para o florescimento dessa

    inteligncia. Ela caracteriza-se por ser distribuda por toda parte, incessantemente

    valorizada e coordenada em tempo real. Sua base e seu objetivo so o

    reconhecimento e o enriquecimento mtuos das pessoas, e no o culto de

    comunidades fetichizadas e hipostasiadas. (LVY, 1998:28-29)

    A cibercultura funciona como catalizador do desenvolvimento destainteligncia. A estrutura do ciberespao que permite a organizao das pessoas em

    comunidades, em coletivos inteligentes, faz desse espao de comunicao um lugar

    propcio para o desenvolvimento da inteligncia coletiva.

    No h espao para hierarquias e excluso na inteligncia coletiva, a

    produo do saber, dos bens culturaisse d de forma colaborativa, os sujeitos da

    inteligncia coletiva no so submetidos e no tm sua inteligncia individual

    limitada pelo coletivo, essa a condio essencial para o desenvolvimento de umcoletivo inteligente. O funcionamento de um coletivo inteligente s pode ser

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    progressivo, integrador, includente e participativo. (idem,1999:208)

    A cibercultura, cultura do commons e do remix, tambm contribui para um

    questionamento do papel do autor como uma autoridade, seja o autor de uma obra

    escrita como um livro, por exemplo, seja o autor de uma msica ou um filme. Com o

    advento das mdias digitais, coloca-se em questo tanto a sua importncia enquanto

    figura totalizadora do sentido de uma obra, quanto os seus direitos sobre a obra que

    ele produz. Direitos esses expressos a partir do selo copyright. Paralelo essa

    discusso surge tambm um questionamento sobre o acesso aos bens culturais,

    sobre suas formas de uso, que o ciberespao e a digitalizao das informaes

    potencializam, mas que, segundo muitos usurios da rede, defensores de uma

    cultura livre, o copyright inviabiliza e limita. Isso ser melhor tratado no segundo

    captulo.

    Como explica Pierre Lvy, a figura do autor tal qual a concebemos hoje

    produto de uma configurao social bem particular. Portanto, no de se estranhar

    que o autor possa se tornar secundrio no momento em que as mdias digitais esto

    provocando mudanas no nosso sistema de comunicaes e na nossas relaes

    sociais (ibidem:153). A participao ativa dos intrpretes, criao coletiva, obra-

    acontecimento, obra-processo, interconexo e mistura dos limites, caractersticas da

    cibercultura, convergem, explica ele, em direo ao declnio (mas no ao

    desaparecimento puro e simples) da figura do autor (ibidem: 136-7).

    O que a cibercultura traz para a contemporaneidade , entre outras coisas,

    um maior questionamento dos direitos de uso/consumo e distribuio dos bens

    culturais, simbolizado, entre outras coisas, pela filosofia do Software Livre (enquanto

    movimento), filha da dcada de 80 e defensora de uma liberdade decompartilhamento dos conhecimentos. Discutiremos melhor as questes referentes

    ao Movimento Software Livre no prximo captulo.

    Alm desse questionamento a cibercultura tambm produz uma valorizao

    das obras abertas, obras que podem ser produzidas a partir das intervenes de

    qualquer indivduo, ou ainda obras interativas como as instalaes artsticas.

    Conceitos como bricolagem, remix ou sampling16 ganham a cena. O evento da

    16 Os conceitos de remix e sampling surgiram para denominar combinaes e/ou recombinaesfeitas com obras musicais, entretanto, ao longo do tempo eles se estenderam a outros tipos deprodues artsticas/culturais.

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    criao no se encontra mais limitado ao momento da concepo ou da realizao

    da obra: o dispositivo virtual prope uma mquina de fazer surgir eventos.

    (ibidem:136)

    Na cibercultura, as obras tm seu potencial de combinaes e reutilizaes

    expandido, cada leitor um autor em potencial, um bricolador, e cada obra infinita de

    possibilidades de bricolagens, remixes, samplers. Oprincpio que rege a cibercultura

    a re-mixagem (LEMOS Apud SILVEIRA, 2008:49). As distines clssicas que

    costumamos fazer entre

    autores e leitores, produtores e espectadores, criadores e hermeneutas,confundem-se em proveito de um continuum de leitura-escrita que parte dosque concebem as mquinas e redes at o receptor final, cada um delescontribuindo para alimentar, por sua vez, a ao dos outros (declnio daassinatura) (LVY, 1998: 106)

    O ambiente tecnocultural produzido pela emergncia do ciberespao altera o

    esquema clssico de produo e consumo das obras, um autor assina uma obra queo pblico vai ler, interpretar, experimentar, consumir. Nesse esquema, emissor

    (autor) e receptor (pblico) mantm ntidas diferenas, possuem funes prprias e

    distintas. No ambiente da cibercultura, novas formas de produo e consumo dessas

    obras se fazem presentes, por vezes, ignora-se as distines entre quem produz a

    obra e quem a consome. Consumidores tornam-se, no raras vezes, tambm

    produtores da obra (ibidem:107). Este trabalho um exemplo disto. Ao meu lugar de

    consumidora de blogs, sites, vdeos, livros etc., sobre os movimentos sociais nacibercultura acrescentei um outro, o de produtora.

    6. Apresentando os personagens

    Nos tpicos anteriores procurei historicizar a criao do computador e daInternet, destacando as apropriaes que eles sofreram durante os seus

    desenvolvimentos, por parte do movimento libertrio, que via nestas novas

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    tecnologias a possibilidade da democratizao da informao e dos bens culturais.

    Fiz isso por entender que o fenmeno contemporneo de contestao do copyright,

    salvo as devidas diferenas e peculiaridades, herdeiro das concepes do

    movimento contracultural que defendia o uso destas ferramentas de forma libertria.

    Falar sobre a apropriao que as novas tecnologias digitais sofreram ao longo

    de seu desenvolvimento, significa falar do passado deste movimento

    contemporneo, contextualizar o seu nascimento, dizer que circunstncias permitem

    aos grupos que contestam o copyrightna atualidade faz-lo.

    Explicada a trajetria das tecnologias digitais aqui tratadas e definidos alguns

    conceitos principais para o entendimento deste trabalho, creio que j posso passar

    s linhas que trataro dos grupos, ou melhor, dos coletivos e movimentos que fazem

    parte de uma imensa rede de pessoas que contestam a forma como o copyright

    usado e/ou a sua necessidade no mundo atual.

    A ideia deste trabalho discutir sobre as prticas desses coletivos e grupos

    que contestam a forma como os bens culturais so distribudos e usados na

    contemporaneidade, identificando seus personagens, suas tticas e seus discursos.

    Entendendo essa contestao como parte de uma postura da juventude

    contempornea adquirida a partir da experincia de uso das tecnologias digitais.

    O primeiro personagem deste trabalho o Movimento Software Livre, iniciado

    nas ltimas dcadas do sculo XX. Esse movimento nasceu da insatisfao com a

    mudana ocorrida na dcada de 80, na forma como os softwares eram produzidos e

    distribudos. At meados dos anos 70, os softwares no eram proprietrios, ou seja,

    no possuam uma licena copyrightque restringisse o acesso ao seu cdigo-fonte17

    e a seus usos. Eles eram copiados e compartilhados entre os programadores.Quando as empresas de softwares comeam a restringir o acesso ao cdigo-

    fonte de seus programas, atravs do uso de licenas copyrighte a comercializar os

    softwares ao invs de distribu-los, isso causa uma verdadeira frustrao entre os

    programadores, acostumados a modificarem os programas de acordo com as suas

    necessidades.

    A reao deles foi imediata e se deu no sentido da construo de um projeto

    17 Cdigo-fonte um conjunto de instrues, palavras ou smbolos, escrito em uma linguagem deprogramao para formar um software.

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    de recriao de softwares livres18. Este projeto surge nos anos 1980, mais

    precisamente em 1983, atravs da iniciativa de um pesquisador do Laboratrio de

    Inteligncia Artificial do MIT, Massachusets Institute of Technology, Richard

    Stallman.

    Stallman explica que at o final da dcada de 70 ainda era possvel aos

    programadores ter acesso ao