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8/3/2019 TORRES, Aracele Lima. Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyright no contexto da cibercult
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E LETRAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTRIA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTRIA
Aracele Lima Torres
Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyrightno contexto
da cibercultura
Monografia apresentada Banca
Examinadora da Universidade Federal do
Piau, como exigncia para obteno do
ttulo de graduada em histria.
Orientadora: Prof Msc. Maria do Socorro Rangel
Teresina Piau2009
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Aracele Lima Torres
Copy me e Remix me: o movimento de contestao do copyrightno contexto
da cibercultura
Monografia apresentada Banca
Examinadora da Universidade Federal do
Piau, como exigncia para obteno do
ttulo de graduada em histria.
Banca Examinadora:
________________________________________________
Prof Msc. Maria do Socorro Rangel (orientadora)
Universidade Federal do Piau
_______________________________________________
Prof Dr. Denilson Botelho de DeusUniversidade Federal do Piau
______________________________________________
Prof Dr. Shara Jane Holanda Costa Adad
Universidade Federal do Piau
Teresina, 21 de Dezembro de 2009
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todos os hackers, que fizeram e fazem da rede espao de
liberdade e ferramenta de luta por um acesso irrestrito ao
conhecimento.
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Agradecimentos
A minha famlia pelo apoio e amor, em especial a minha me, Maria da Cruz,
pelo(s) exemplo(s) de fora.
A minha orientadora, Socorro Rangel, pelo apoio e afeto, por acreditar nas
possibilidades deste trabalho, na minha capacidade e por compreender os meus
limites.
A Filipe Saraiva, por ter me apresentado o software livre como mais uma
forma possvel de resistncia selvageria do capitalismo que nos engole
diariamente. E tambm pelas horas de apoio, carinho, dedicao; pelos sonhos
divididos; pela vida partilhada.
Aos meus amigos queridos, meus coraes fora do peito: Tainah Negreiros,
Phelipe Cunha, Paulo Roberto, Natali Veras, Elton Larry, Maurcio Feitosa,
Elisngela Amaral, Bianca Oliveira, Mara Katyara, Eline Tavares, Elaine Naira,
Allyson Jullyan, Emanuel Alcntara, Andr Igor, Natasha Karenina, Chico Junior,
Andr Caf e muitos mais que o meu amor pode abarcar; agradeo pelo afeto, pelo
apoio, pela vida partilhada.
A todos os professores que me ajudaram durante esses anos que passei na
universidade, em especial, a Paulo ngelo, Joo Kennedy e Socorro Rangel, figuras
que gostei desde sempre e que contriburam de forma decisiva para a escolha do
tipo de historiadora que quero ser.
A toda comunidade do software livre que me fez e me faz acreditar na
liberdade e na justia social.
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Caminhos no h, mas os ps na grama os inventaro.Ferreira Gullar
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Resumo
Este trabalho procura historicizar o movimento social contemporneo de contestaodo copyright no contexto da cibercultura, identificando seus personagens, seusdiscursos e prticas. Este movimento, constitudo a partir da relao com as novastecnologias digitais surgidas nas ltimas dcadas do sculo XX, defende a liberdadede acesso e compartilhamento de bens culturais e informaes no ciberespao.
Palavras-chave: Histria, Movimentos Sociais, Cibercultura, Copyright,
Compartilhamento.
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Abstract
This work search to historicize the contestation contemporary social movementcopyright in the context of cyberculture, indentifying its characters, speeches andpractices. This moviment, constructed from the relationship with the new digitaltechnologies that have arisen in the last decades of the twentieth century, defendsthe freedom of access e sharing of cultural and information on the Internet.
Keywords: History, Social Movements
,Cyberculture, Copyright, Sharing.
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Lista de Figuras
Figura 1 - Guia de Utilizao do Community Memory1.............................................21
Figura 2 - Guia de Utilizao do Community Memory2.............................................21
Figura 3 - Guia de Utilizao do Community Memory3.............................................22
Figura 4 - Guia de Utilizao do Community Memory4.............................................22
Figura 5 - Computer Lib..............................................................................................30
Figura 6 - Educao com a hipermdia.......................................................................31
Figura 7 - Smbolo do Copyright.................................................................................48
Figura 8 - Smbolo do Copyleft.................................................................................. 48
Figura 9 - Home taping is killing music.......................................................................50
Figura 10 - Logo do The Pirate Bay............................................................................50
Figura 11 - Home Taping is Killing Business..............................................................73
Figura 12 - Home Cooking is Killing the Restaurant Industry.....................................73
Figura 13 - Pirates of the Internet...............................................................................90
Figura 14 - Rickard Falkvinge do Piratpartiet............................................................. 90
Figura 15 - Fredrik Neij do Pirate Bay........................................................................91
Figura 16 - This is what a criminal looks like............................................................101
Figura 17 - Peter Sunde............................................................................................104
Figura 18 -Grfico da McAfee..................................................................................106
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SUMRIO
Introduo.................................................................................................................10
CAPTULO I: Um novo espao comunicacional. Uma nova cultura...................15
1.1 Computador: de mquina de calcular mquina de libertar...............................15
1.1.2 O nascimento do computador...........................................................................16
1.2. O nascimento da Internet....................................................................................241.3. A World Wide Web: um salto tecnolgico...........................................................28
1.4. Ciberespao: um novo espao de comunicao.................................................32
1.5. Cibercultura: a cultura da liberdade, do remix e da produo coletiva...............36
1.6. Apresentando os personagens............................................................................42
CAPTULO II: A luta pela liberdade de acesso e partilha do conhecimento e da
cultura........................................................................................................................52
2.1. Movimento Software Livre, a informtica como questo de liberdade................52
2.2. The Pirate Bay, uma desobedincia civil organizada.........................................71
2.2.1. Da criao invaso........................................................................................71
2.2.2 Do julgamento condenao.........................................................................92
Consideraes Finais.............................................................................................109
Referncias..............................................................................................................110
Fontes......................................................................................................................111
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Introduo
Meu interesse por esse tema surgiu em meados de 2007, quando fui
apresentada ao universo do software livre. Nessa poca comecei a me interessar
pelas questes relacionadas a cultura livre e ao conhecimento colaborativo. Me
tornei, ento, alm de usuria, uma militante engajada na defesa desse modelo de
produo e de partilha do conhecimento. Me intrigava o funcionamento cooperativo
das comunidades, a ideia do copyletf, o debate em torno da necessidade de
mudanas nas leis de propriedade intelectual, enfim, todo o sistema de pensamento
deste movimentonovo e suas novas prticas polticas.
A curiosidade e a inquietao por saber como tudo isso se constituiu ao longo
do tempo, o que dava sustentao a essas ideias, me impeliram ento a pesquisar
sobre o tema, deciso difcil porque aquela altura eu j estava cursando monografia
trs e a um perodo de me formar. Difcil, mas acertada. Eu no poderia ignorar
aquelas questes que remetiam diretamente a mim, a maneira como me localizo
neste mundo.
Dessa forma foi que cheguei a ideia de produzir um trabalho que procurasse
historicizar o movimento contemporneo de contestao do copyright, buscando
elucidar como se deu a sua constituio e quais so os seus personagens e
discursos. A inteno refletir sobre as mudanas ocorridas na produo e consumo
do conhecimento desde o final do sculo XX, em funo da revoluo tecnolgica de
base informacional. Pensar sobre como esta revoluo acabou (re)acendendo o
debate a respeito da produo e distribuio das informaes. Em como oconhecimento se tornou, mais uma vez, uma pauta poltica importante tanto dentro
da academia como fora dela.
A leitura que este debate foi e est sendo permeado por novas formas de
experienciar a poltica, a cultura e o conhecimento, constitudas sobretudo a partir
das experincias do movimento contracultural, que, nos ltimos anos do sculo
passado, se apropriou das tecnologias digitais visando democratizar o acesso a
informao.Neste meu percurso, pelo menos trs pessoas me ajudaram a pensar na
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pertinncia deste debate para a contemporaneidade. Fora da academia, Gilberto Gil,
que figura para mim como um dos pensadores mais instigantes dessas novas
relaes com a cultura e com o conhecimento surgidas com o uso das tecnologias
digitais. Gil, desde o final da dcada de 60 tem incorporado ao seu repertrio
canesque buscam falar dessas novas formas de produo e consumo da arte;
que buscam pensar no s o artista, mas o prprio homem na sua relao com o
mundo virtual. Em 69, exilado em Londres, Gil produziu um disco que marcava a sua
entrada neste debate com as msicas Futurvel (Pode ser que o novo movimento lhe
parea estranho // Seus olhos talvez sejam de cobre, seus braos de estanho // No
se preocupe, meu sistema manter // A conscincia do ser // Voc pensar // Seu
corpo ser mais brilhante // A mente, mais inteligente // Tudo em superdimenso) e
Crebro eletrnico (O crebro eletrnico faz tudo // Faz quase tudo // Faz quase
tudo // Mas ele mudo).
Desde ento, Gil procurou discutir as implicaes da cultura digital e no s
como msico. Quando ocupou o cargo de ministro da cultura por pouco mais de 5
anos, Gil manteve uma postura de defesa da liberdade de acesso e cpia dos bens
culturais via internet. Seu ltimo disco, Banda Larga Cordel, defendia a
popularizao da internet banda larga no pas: Ou se alarga essa banda e a banda
anda Mais ligeiro pras bandas do serto //Ou ento no, no adianta nada // Banda
vai, banda fica abandonada Deixada para outra encarnao//, diz ele em um trecho
da msica. Quem no vem no cordel da banda larga Vai viver sem saber que mundo
o seu, afirma tambm, explicitando a nova condio cibercultural em que estamos
vivendo ao tempo em que denuncia a permanncia de desigualdades de acesso.
Em entrevista dada ao Portal Terra em maro deste ano, Gilberto Gildefendeu a pirataria como uma postura de desobedincia civil e classificou a
indstria do entretenimento como acomodada: Ns precisamos ter bases
experimentais para essa elasticidade, para essa viso nova, para essa nova
formao de compartilhamentos1, afirmava. A pirataria tem direito a desafi-los.
Pirataria desobedincia civil. Tem que ser vista assim, tambm. No tem que ser
vista s como criminalidade. Tem que ser vista como desobedincia civil! Assim
como os protestos das esquerdas, dos sindicatos... Gil, no entanto, no entra neste
1 Disponvel em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.html Acesso: 16/12/09.
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.htmlhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3605448-EI6581,00-Gilberto+Gil+Pirataria+e+desobediencia+civil.html -
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trabalho de forma pontual, apenas como mais um dos personagens apresentados
aqui como defensores do compartilhamento, mas como uma figura que me motiva
na militncia e no trabalho acadmico e j que esta pesquisa no se encerrar
neste trabalho, quem sabe no futuro Gil no possa ser tambm inspirao para um
tema, um problema, uma questo?
J no mbito da academia foram dois importantes estudiosos que me
ajudaram a refletir sobre o tema, Michel de Certeau e Pierre Lvy. Eles so para
mim referncias no estudo das questes relacionadas as mudanas sociais e,
consequentemente, a inteligencia histrica ocorridas na ultimas dcadas do Breve
sc. XX.
Na dcada de 70, o historiador Michel de Certeau foi convidado pelo governo
francs para fazer um projeto com o fito de compreender as mudanas culturais e
polticas decorrentes do movimento maio de 68. Desta pesquisa nasceram dois
livros:A cultura no plural, publicado em francs em 1974; eA inveno do cotidiano,
dividido em: volume 1, artes de fazer e volume 2, cozinhar, morar; e publicado em
francs em 1980. O trabalho de Certeau procurava identificar as maneiras de fazer,
os processos que envolvem o consumo/produo da cultura e do conhecimento.
A pesquisa empreendida tinha como objetivo, como ele prprio afirmou, voltar
a esta coisa que aconteceu e compreender aquilo que o imprevisvel nos ensinou a
respeito de ns mesmos, ou seja, aquilo que, ento, nos tornamos (CERTEAU apud
GIARD, 1994:12). Certeau construiu uma teoria das prticas cotidianas, onde
evidencia que os consumidores, supostamente entregues passividade, na verdade
se apropriam ou se reapropriam dos produtos culturais dispostos por uma ordem
dominante e fabricam a partir destes o seu prprio produto, fazendo bricolagens,seguindo seus interesses prprios e suas regras. Sua presena neste trabalho
extrapola o espao das citaes para funcionar como um recurso para pensar uma
poca e a construo de uma epistemologia onde o lugar dos sujeitos do
conhecimento no s se pretende plural, mas igualmente inventivo e indeterminado.
J o filsofo Pierre Lvy, tambm herdeiro de maio de 68, foi um dos
pioneiros no movimento de constituio de um campo de estudos sobre o tema da
cibercultura. De suas pesquisas nasceram obras importantssimas paraentendimento da formao e desenvolvimento da cibercultura, assim como tambm
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para a compreenso das implicaes do ciberespao nos vrios mbitos da vida
humana, como arte, educao e poltica. Destacam-se entre elas, As tecnologias da
inteligncia: o futuro do pensamento na era da informtica, livro publicado em
francs em 1990; A inteligncia coletiva: por uma antropologia do ciberespao,
publicado em francs em 1994; Cibercultura, publicado em francs em 1997; e O
que o virtual?, publicado em francs em 1995. Lvy, assinala em suas pesquisas a
importncia do movimento contracultural na constituio do movimento social
contemporneo que concebe as tecnologias digitais como tecnologias da inteligncia
e da liberdade. A sua importncia neste trabalho est na criao deste campo de
saber sobre a cibercultura e no fato de que ele, assim como Certeau, conseguiu
enxergar ainda no final do sculo passado, uma mudana na concepo e produo
do conhecimento, e tornou esta mudana objeto de estudo.
Hoje, passados 30 anos das pesquisas de Certeau e 20 anos dos primeiros
escritos do Pierre Lvy, o debate sobre as questes que rodeiam a produo e o
consumo do conhecimento s aumenta, e suas obras parecem conseguir alcanar
ainda mais essas questes. Aumenta, como j disse, porque o conhecimento se
tornou (ou retornou como?) uma pauta poltica importante. A revoluo digital
provocou reflexes sobre as questes relacionadas sua produo, distribuio e
consumo. No que o debate a respeito da comercializao do conhecimento nunca
tenha sido feito ou que antes as pessoas no se preocupassem com essas
questes. No podemos pensar que nossa poca a primeiraa discutir este tema:
A mercantilizao da informao to velha quanto o capitalismo, explica Peter
Burke (2003). Mas porque graas a ela estamos vivendo agora numa sociedade em
rede, onde a base fundamental a informao e sob uma nova fase do capitalismo,caracterizada por Manuel Castells (2007) como capitalismo informacional.
Este trabalho, ao procurar historicizar o movimento contemporneo de
contestao do copyright, identificando seus personagens, suas prticas e seus
discursos, tenta se inserir no debate h muito feito por filsofos, socilogos,
antroplogos e comuniclogos: Como as mdias digitais esto transformando
profundamente a relao do homem com o conhecimento e como os homens
tambm as transformam ao longo do tempo. Dito de outra forma, quais so asimplicaes da cibercultura na produo e consumo do conhecimento.
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Enquanto historiadora o meu trabalho o de procurar definir as
peculiaridades deste novo, e j velho, debate sobre o conhecimento na
contemporaneidade. Cabe a mim, identificar o que continuidade e o que ruptura
com os debates j feitos e tentar compreender como nos tornamos copiadores e
remixadores, como nos tornamos ciberculturais. O meu desejo de que este tema
torne-se interessante e familiar para os historiadores assim como se tornou para os
filsofos, socilogos, antroplogos e comuniclogos. Afinal, o advento da
cibercultura interferiu tambm na produo historiogrfica e no lugar do historiador.
Ele provocou mudanas nos seus objetos de estudo e nos seus procedimentos. Este
trabalho um exemplo claro disto. Os procedimentos utilizados aqui encontram-se
relacionados com essas novas formas de fabricao do conhecimento. Para falar da
cultura digital no pude e, mais importante, no quis escapar do uso de fontes
digitais nem das novas prticas que as constitui. Este trabalho foi todo construdo
tendo como fontes as noticias, textos, imagens e documentrios encontrados nas
pginas da internet. Alm disso, boa parte da documentao encontrada estava em
ingls e em sueco, e se no fossem os recursos disponveis na rede para me auxiliar
na traduo, a fabricao deste trabalho teria sido muito mais difcil e demorada.
Me encontro presa a este debate enquanto espectadora e enquanto
historiadora. O meu lugar de historiadora do presente no confortvel. Lidar com
uma memria ainda quente, fervilhando, no to seguro para mim como seria lidar
com acontecimentos dos quais j se sabe o desfecho. Refletir sobre acontecimentos
ainda to presentes, ainda em desenvolvimento, cheio de incertezas e reticncias.
auto-reflexo, mas tambm um exerccio de olhar pra si mesmo e para o
movimento de constituio desse tempo e dessa experincia social que ainda no seencerrou e not-lo cheio de possibilidades ainda realizveis.
Este movimento do qual procuro falar aqui, um movimento social do qual eu
tambm fao parte e que por isso me toca to profundamente a ponto de me
inquietar e me conduzir construo desta pesquisa. Acredito que falar daquilo que
lhe toca mais intimamente seja importantssimo para o historiador, por esse motivo
decidi pesquisar sobre movimentos sociais na cibercultura, por se tratar de um tema
relacionado diretamente com as minhas escolhas polticas.
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Captulo I: Um novo espao comunicacional. Uma nova cultura
Uma coisa certa: vivemos hoje em uma dessas pocas limtrofes na qualtoda a antiga ordem das representaes e dos saberes oscila para dar lugara imaginrios, modos de conhecimento e estilos de regulao social aindapouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos em que, a partirde uma nova configurao tcnica, quer dizer, de uma nova relao com ocosmos, um novo estilo de humanidade inventado.
Pierre Lvy2
1. Computador: de mquina de calcular mquina de libertar
O sculo XX foi palco do surgimento de vrias tecnologias da informao e da
comunicao. O homem deste sculo produziu mdias digitais e, a partir delas,
novas linguagens, novas prticas culturais, novas formas de produzir e de distribuir
o conhecimento. Estas novas tecnologias potencializaram nossas formas de
comunicar, de fazer clculos, de automatizar tarefas, de armazenar dados, deproduzir cultura e distribu-la.
O homem deste sculo conseguiu construir um fino enredamento dos
humanos de todos os horizontes em um nico e imenso tecido aberto e interativo
(LVY,1999:14), descobriu novas formas de vivenciar o tempo e o espao. Isso tudo
foi possvel, sobretudo, pela inveno de trs tecnologias da comunicao: o
computador moderno, a Internet e a Web. A inveno destas trs ferramentas, alm
de enredar os homens, de uma forma indita, em torno de um espao
comunicacional novo, nos tornou novamente nmades, num espao que no tem
por referncia o territrio geogrfico.
Nos pargrafos que se seguem discutirei sobre o desenvolvimento dessas
trs ferramentas, sobre como elas transformam profundamente a relao do homem
com o conhecimento e como os homens tambm as transformam ao longo do
tempo, a partir dos diferentes usos que fazem delas. Explicarei como esse
desenvolvimento, impulsionado pelo desejo da juventude contracultural de novas
2 In: As tecnologias da inteligncia: o futuro do pensamento na era da informtica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1993.
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experincias comunicacionais, diferentes daquelas propostas pelas mdias
clssicas, acaba por criar um novo espao comunicacional e uma nova forma de
cultura (Idem:11).
1.1 O nascimento do computador
A inveno dos primeiros computadores modernos3 se deu no auge da
Segunda Guerra mundial, mais precisamente durante a dcada de 40. Eles nascem
como parte de projetos militares e sua funo original foi a de subsidiar estes
projetos atravs da realizao mais rpida de clculos cientficos. As experincias
iniciais de produo destas ferramentas que se tem registro so: o Colossus,
produzido pela Inglaterra em 1943 para decifrar cdigos inimigos; o Z-3 alemo, de
1941, que foi criado com o intuito de auxiliar os clculos das aeronaves; e o ENIAC,
computador produzido pelos norte-americanos em 1946 na Universidade da
Pensilvnia, com o patrocnio do seu exrcito. Este foi o primeiro computador para
uso geral, ele foi considerado mil vezes mais rpido do que qualquer mquina
produzida anteriormente. Pesava 30 toneladas e era construdo sobre uma estrutura
metlica de 2,75 m de altura, (CASTELLS, 2007:78), no se parecia nada com os
computadores que usamos hoje, os primeiros computadores chegavam a ocupar
andares inteiros de um prdio e no possuam telas, mouses ou teclados.
Como podemos ver, ento, a origem da informtica est ligada a esses
projetos militares e seu uso inicial foi restrito a eles. Os primeiros computadoresdesenvolvidos era grandes mquinas de calcular operadas por cientistas, dentro de
salas isoladas e refrigeradas. A informtica no seu incio servia apenas para
realizao de clculos cientficos, clculos estatsticos de Estados e grandes
empresas etc. (LVY, 1999:31), mas no permaneceria assim por muito tempo.
Alguns anos depois, j na dcada de 60, o uso civil do computador moderno
3 A Cincia da Computao define computador como qualquer mquina capaz de realizar o
processamento automtico de informaes. Ela tambm cria a distino entre os computadoresmodernos, aqueles que podem ser programados, ou seja, que podem receber instrues, armazen-las e execut-las; e os outros tipos de computadores, como o caso da calculadora e do baco,mquinas no programveis. Mais informaes em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador
http://pt.wikipedia.org/wiki/Computadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Computadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Computador -
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j comeava a se expandir, em 1960 contabilizava-se cerca de 5 mil computadores
nos EUA e no final da dcada cerca de 100 mil espalhados pelo mundo 4. No
entanto, foi durante a dcada seguinte que aconteceu a verdadeira disseminao
dessas mquinas, isso porque foi na dcada de 70 que os primeiros
microprocessadores foram desenvolvidos e comercializados.
O surgimento dos microprocessadores possibilitou o surgimento da
microinformtica que significou a produo de mquinas muito menores e muito
mais potentes do que as produzidas anteriormente. Esse avano tcnico produziu
uma srie de implicaes econmicas e sociais. Do ponto de vista econmico,
houve mudanas nos processos de automao industrial, desenvolvimento da
robtica e do controle digital das mquinas, e a automao de servios bancrios
(idem).
As implicaes sociais tambm foram significativas. O desenvolvimento da
tecnologia dos microprocessadores foi crucial para o desenvolvimento dos primeiros
computadores pessoais, no entanto, no foi s o avano da tcnica que determinou
o surgimento dessas mquinas. Seu surgimento est relacionado tambm com uma
postura libertria dos usurios, que viram no nascer desta nova tecnologia a
possibilidade de alargamento do acesso informao.
Pierre Lvy, filsofo da informao, foi um dos primeiros, seno o primeiro, a
teorizar a nova forma de cultura nascida pelo uso das tecnologias digitais e a
conceb-la como campo de estudos. Desde a dcada de 80 vem desenvolvendo
trabalhos e construindo um campo de conhecimento sobre as tecnologias da
informao e as implicaes de seu uso. De forma que se torna quase impossvel
falar sobre as novas formas de acesso ao conhecimento, sem cit-lo. Por isso, aolongo deste trabalho, ele ser um ponto de apoio para a discusso que se prope
aqui.
Em seu livro Cibercultura, publicado na Frana em 1997 e aqui no Brasil em
1999, Lvy procura explicar as origens da cibercultura, caracteriz-la e apontar as
mutaes provocadas por ela nos vrios campos da vida humana, como educao,
cultura e comunicao. Neste estudo, ele explica que o desenvolvimento das
cibertecnologias no foi fruto apenas de avanos tcnicos, mas que vrios projetos
4 Disponvel em: Um pouco da histria dos Computadoreshttp://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspx Acesso: 12.11.09
http://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspxhttp://www.mansano.com/beaba/hist_comp.aspx -
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sociais alimentaram o crescimento do ciberespao:
Por trs das tcnicas agem e reagem idias, projetos sociais, utopias,interesses econmicos, estratgias de poder, toda a gama dos jogos doshomens em sociedade. Portanto, qualquer atribuio de um sentido nico tcnica s pode ser dbia. A ambivalncia ou a multiplicidade dassignificaes e dos projetos que envolvem as tcnicas so particularmenteevidentes no caso do digital. O desenvolvimento das cibertecnologias encorajado por Estados que perseguem a potncia, em geral, e asupremacia militar em particular. tambm uma das grandes questes dacompetio econmica mundial entre as firmas gigantes da eletrnica e dosoftware, entre os grandes conjuntos geopolticos. Mas tambm reponde aos
propsitos de desenvolvedores e usurios que procuram aumentar aautonomia dos indivduos e multiplicar suas faculdades cognitivas. Encarna,por fim, o ideal de cientistas, de artistas, de gerentes ou de ativistas da redeque desejam melhorar a colaborao entre as pessoas, que exploram e dovida a diferentes formas de inteligncia coletiva e distribuda. (ibidem:24)
O computador pessoal, idealizado como ferramenta de luta pela liberdade,
nasceu como projeto revolucionrio de uma pitoresca comunidade de jovens
californianos margem do sistema (idem,1993:43), que se formou no territrio do
Vale do Silcio (Silicon Valley), situado na Califrnia (EUA) e conhecido ainda hoje
como um territrio frtil de inovaes cientficas e tecnolgicas. Nos anos 70, o Vale
do Silcio era povoado pelas mais variadas utopias: desde indstrias de eletrnica,
universidades, instituies cientficas, at os vrios movimentos de contestao
social, como, por exemplo, o hippie e o hacker5. neste cenrio, misto e borbulhante
de utopias e paixes diversas e, s vezes, divergentes, que nasce o computador
pessoal, fruto de bricolagem eletrnica, fruto de astcias de seus consumidores,
fruto de uma utopia social (Idem).6
5 Andr Lemos define hackers como outsiders da informtica que, atravs de um comportamentoldico e criativo, tomam os computadores no como uma simples ferramenta de clculo, mas comoum media de comunicao. Mais ainda, utilizam as ferramentas da informtica e da telemtica comoarmas, contra o que identificam como sendo a ameaa do controle e do poder sobre a informao econseqentemente sobre a sociedade. (2004:215)6Os computadores de uso pessoal foram produzidos e aprimorados tambm pelas astcias de seusconsumidores, pelas maneiras de empregar das quais fala Michel de Certeau, em seu livro AInveno do Cotidiano. Essas astcias caracterizam-se como produes geradas a partir de produtosimpostos por uma tecnocracia dominante, por uma produo racionalizada. Fazem parte daquilo que
Certeau chama de consumo, uma produo astuciosa, dispersa, mas que ao mesmo tempo seinsinua ubiquamente, silenciosa e quase invisvel, pois no se faz notar com os produtos prpriosmas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econmica dominante(1994:39).
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Philippe Breton, antroplogo e socilogo francs, em seu Histria da
Informtica publicado em 1987, explica que a juventude que liderou o movimento de
constituio do computador pessoal, era tambm a ponta de lana do movimento
pacifista contra a Guerra do Vietn. Foram estes jovens, apaixonados pela
informtica, que resolveram usar seus conhecimentos tcnicos para fazer o
computador libertar as pessoas:
Toda a questo parece ter comeado em 1970 na Universidade de Berkeley,
na Califrnia, em plena crise do Camboja, onde vrios grupos de estudantesapaixonados pela informtica e pela programao, mas tambmconstituindo-se em uma das pontas de lana do movimento contra a guerrado Vietn, decidiram colocar seus conhecimentos tcnicos a servio de suacausa poltica. Dois anos mais tarde, a revista People's Computer Companyproclamava que os computadores eram principalmente utilizados contra opovo ao invs de libert-lo. O artigo conclua: Chegou o momento demudar tudo isso, precisamos de uma companhia de computadores para opovo. (1991:242)
A constituio desta ferramenta, significou mais que um avano tcnico ou odesejo deste avano. O que se constitua com a criao do computador de uso
pessoal no era apenas uma mquina, um objeto eletrnico capaz de realizar
clculos de forma mais rpida e precisa. O que os jovens californianos estavam
alimentando quando produziam suas bricolagens era a utopia social(LVY,1993:45)
da democratizao da cultura e do conhecimento, era a sua esperana de que o
computador poderia ser uma tecnologia da liberdade.
Assim, uma das primeiras realizaes deste projeto poltico foi a Resource
One, um tipo de comunidade informtica que foi instalada em um bairro de artistas
da periferia de So Francisco, na Califrnia, e organizada em torno de um
computador IBM XDS-940, que tinha a funo de coletar dados teis s atividades
comunitrias da regio. O objetivo era criar uma base de dados sobre a comunidade
que fosse acessvel todos (BRETON, 1991:242). A ideia aqui era a de utilizar o
computador para potencializar a troca de informaes da uma comunidade e
contribuir para o seu processo de autoconhecimento.
Um segundo projeto dos jovens californianos foi o Community Memory
(Memria Comunitria), criado em 1973. O objetivo deste projeto era o de criar uma
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rede de informaes, uma espcie de boletim eletrnico, que no possusse um
controle central, onde cada um pudesse introduzir informaes ou l-las da forma
como lhe conviesse. Para isso, eles usavam uma rede de terminais espalhados por
toda a regio. Esse projeto representavaa construo de uma mdia alternativa que
pudesse ser usada pela comunidade na produo de informaes relacionadas s
suas necessidades e interesses. Alm de ser tambm uma forma de crtica ao uso
dominante das mdias eletrnicas que provocavam passividade dos usurios
(Ibidem: 243). Foi uma tentativa de usar o poder do computador a servio da
comunidade7.
Um texto feito em 1972 pelo grupo que operava a Community Memory
informava as intenes e as possibilidades do projeto:
Nossa inteno introduzir a Community Memory em bairros ecomunidades desta regio, e torn-la acessvel para que possam viver comela, brincar com ela, e formar o seu crescimento e desenvolvimento. A idia trabalhar com um processo por meio de ferramentas tecnolgicas, comocomputadores, que so utilizados pelas prprias pessoas para moldar suas
prprias vidas e as comunidades de uma maneira sadia e libertadora. Nestecaso, o computador permite a criao de um banco de memria comum,acessvel a qualquer pessoa da comunidade. Com isso, podemos trabalharfornecendo a informao, os servios, as habilidades, a educao e o apoioeconmico que a nossa comunidade necessita. Temos uma ferramentapoderosa - um gnio - nossa disposio, a questo saber se podemosintegr-lo em nossas vidas, mant-lo e us-lo para melhorar nossa prpriavida e a nossa capacidade de sobrevivncia.8
As imagens abaixo so parte do Guia de Utilizao da Community Memory
publicado no One Resource Newsletter, Nmero 2, datado de abril de 1974:
7 Disponvel em: From Community Memory!!!http://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.html Acesso:01/12/09.8 Idem.
http://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.htmlhttp://www.well.com/~szpak/cm/cmflyer.html -
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Figura 1: Guia de Utilizao do Community Memory 1Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpg
Figura 2: Guia de Utilizao do Community Memory2Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-2-Leopolds.jpg
http://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpghttp://www.well.com/~szpak/cm/cm-1-atlast.jpg -
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Figura 3: Guia de Utilizao do Community Memory3Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpg
Figura 4: Guia de Utilizao do Community Memory4Fonte: http://www.well.com/~szpak/cm/cm-5-szpak-crt.jpg
http://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpghttp://www.well.com/~szpak/cm/cm-4-altinfosys.jpg -
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O desenvolvimento da microinformtica est ligado portanto a uma
(re)apropriao em favor da democratizao da informao. Ele foi liderado por este
movimento social que buscava fazer esta potncia tcnica e social, que o
computador, chegar s mos de todos os indivduos e deixar de ser monoplio dos
grandes informatas (LVY, 1993: 125).
Como assinala Michel de Certeau (1994), ningum consome passivamente os
bens culturais que lhes so dispostos no cotidiano. O computador, portanto, no
escapou das astcias dos consumidores. A despeito de ter sido produzido a partir de
projetos militares em meados dos anos 40, essa nova mquina no se restringiu a
esse ambiente, a sua funo foi pouco a pouco sendo direcionada para torn-la a
porta-voz de um movimento internacional de jovens vidos para experimentar,
coletivamente, formas de comunicao diferentes daquelas que as mdias clssicas
(idem, 1999:11) lhes propunha.
A juventude californiana tomou para si esta nova tecnologia e atribuiu a ela
um uso libertrio e anrquico. Se no inicio a informtica nasce ligada cincia
ciberntica, cincia do controle da informao, a partir da dcada de 70, a ideia
que o acesso as novas tecnologias no fosse restrito aos grandes informatas, que o
acesso a informao no fosse privilgio de poucos, mas que qualquer um, sem
necessariamente possuir especializao tcnica, pudesse us-las. Computers for
the people (computadores para o povo) esse foi o lema da microinformtica que
representava bem essa ideia de acesso irrestrito (ibidem: 125).
O nascimento da microinformtica muito mais do que informar sobre um
avano tcnico, tambm informa sobre uma postura libertria que ia contra um
poder tecnocrata controlador da informao. Uma postura que v nas novastecnologias a possibilidade de constituio de novas formas de sociabilidade e
liberdade, de novas formas de criao e comunicao.
A partir da dcada de 70 o uso que se passou a fazer dos computadores foi
escapando progressivamente do uso inicial que eles tiveram. Andr Lemos, um dos
principais tericos da cibercultura no Brasil, explica em seu livro Cibercultura:
tecnologia e vida social na cultura contempornea, de 2004, que este uso foi se
constituindo como uma espcie de rebelio contra o peso da primeira informtica(grandes computadores ligados pesquisa militar) (LEMOS, 2004:204).Atravs dos
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projetos desenvolvidos pelos jovens californianos, pela noo do uso do poder do
computador em prol das pessoas, cada vez mais essas mquinas distanciavam-se
da influncia da cincia ciberntica, cada vez mais iam ganhando o status de
tecnologias da inteligncia e tecnologias da liberdade.
O uso da tcnica foi sendo determinado pelos seus consumidores, j que
estes no se contentam em se submeter a ela. O seu papel supera aquele de
escolhas elementares do tipo adquirir/no adquirir, ou utilizar bem/no utilizar () os
novos objetos tcnicos. So os consumidores que, pelas prticas que eles vo
progressivamente desenvolver e afinar, fazem do computador pessoal uma mquina
de libertar e uma tecnologia da criao e de comunicao. So eles que
determinaro, no final das contas, a incidncia efetiva das novas tecnologias sobre a
transformao de suas vidas quotidianas (MERCIER apud LEMOS, 2004:78). Foram
eles que escolheram e conduziram o processo de constituio do computador
pessoal enquanto mdia alternativa, enquanto potncia de criao.
tambm na dcada de 80 que o fenmeno da microinformtica deixa de
provocar mudanas apenas nos servios do setor industrial e vai aos poucos
provocando mudanas nas telecomunicaes, na editorao, na televiso e no
cinema. A rea da comunicao foi sendo transformada cada dia mais pelo
fenmeno da digitalizao9 das informaes. A informao tratada pelos
computadores j no diz mais respeito apenas a dados numricos ou textos (como
era o caso at os anos 70), mas tambm, e cada vez mais, a imagens e sons
(LVY,1999:63). Surgem os hiperdocumentos, hipertextos10 e CD-ROM (Compact-
Disc Read Only Memory), os videogames e as interfaces grficas amigveis. As
funes do computador so alargadas, seu uso se expande. Ele deixa de serexclusividade das grandes empresas e chega s mos dos indivduos criadores,
9 A digitalizao de uma informao consiste na sua transformao em linguagem binria (na formade 0 e 1), que a linguagem dos computadores. No geral, todo e qualquer tipo de informao podeser digitalizada. As informaes digitais, ao contrrio do que ocorre com as analgicas, que sedegradam a cada nova cpia ou reproduo, podem ser reproduzidas ou copiadas infinitas vezes,sem que percam suas qualidades ou caractersticas originais.10 Tecnicamente, um hipertexto um conjunto de ns ligados por conexes. Os ns podem serpalavras, pginas, imagens, grficos ou partes de grficos, seqncias sonoras, documentoscomplexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informao no so ligados
linearmente, como em uma corda com ns, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexesem estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso emuma rede que pode ser to complicada quanto possvel. Porque cada n pode, por sua vez, conteruma rede inteira. (LVY, 1993, p.33)
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tornando-secada vez maisuma ferramentadecriao (textos, imagens, vdeos), de
comunicao, de diverso (jogos).
2. O nascimento da Internet
Na dcada de 60, nasceria tambm uma outra ferramenta que iria, assim
como fez computador, mudar a forma como as pessoas se comunicavam e
produziam conhecimento, a Internet. Esta ferramenta tambm se configurou como
uma esperana para a utopia da democratizao da informao e foi reapropriada
pelo mesmo movimento contracultural, que procurava fazer do computador uma
tecnologia sadia e libertadora. O seu desenvolvimento se assemelhou muito com o
desenvolvimento do computador de uso pessoal e tambm foi marcado por vrios
projetos sociais.
A histria desta tecnologia ser rapidamente contada aqui para mostrar como
se deu a formao desta ferramenta to essencial para o entendimento e a
constituio da sociedade contempornea. Para isso, utilizarei como referncia o
trabalho construdo pelo socilogo espanhol Manuel Castells, a obra A Sociedade
em Rede, primeiro volume da trilogia A era da informao: economia, sociedade e
cultura, produzida a partir de pesquisas desenvolvidas desde a dcada de 80, no
intuito de entender a dinmica econmica e social gerada pelas novas tecnologias
de informao e comunicao. Estes trabalhos o tornaram uma grande referncia no
assunto.A Internet uma rede de computadores unida por uma linguagem comum e
repleta de protocolos, um para cada tipo de servio. Entre eles est o TCP/IP
Transmission Control Protocol/Internet Protocol. este protocolo que permite que
um pacote de informaes enviado por exemplo, por um computador no Brasil possa
ser decodificado, sem nenhum erro, por um outro computador em qualquer parte do
mundo, independente de plataforma, sistema operacional e/ou navegador.
Essa rede, assim como o computador moderno, nasce como produto deestratgia militar, em meio s disputas entre os EUA e URSS, que se caracterizaram
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como a Guerra Fria. Durante a dcada de 60, a Agncia de Projetos de Pesquisa
Avanada (ARPA) do Departamento de Defesa dos EUA, tenta criar um sistema de
comunicao que no fosse vulnervel a ataques nucleares de seus inimigos
soviticos. A ideia era construir um sistema de comunicao alternativo que pudesse
ser usado em caso de ataques que destrussem os meios convencionais de
telecomunicaes. O resultado, como conta Manuel Castells, foi a construo de
uma arquitetura de rede que, como queriam seus inventores, no pode ser
controlada a partir de nenhum centro e composta por milhares de redes de
computadores autnomos com inmeras maneiras de conexo (2007: 44). Esta rede
surge em 1969, com o nome de ARPANET.
A ARPANET, era formada por quatro ns: um na Universidade da Califrnia
em Los Angeles, outro no Stanford Research Institute, outro na Universidade da
Califrnia em Santa Brbara e o ltimo na Universidade de Utah. Ela era acessvel
apenas aos militares e aos cientistas que colaboravam com o Departamento de
Defesa dos EUA (ibidem: 82-3).
Segundo Castells, como os cientistas passaram a fazer uso da rede para suas
prprias comunicaes, conversas pessoais, em 1980 a ARPANET foi dividida em
duas: ARPANET, para fins cientficos e MILNET, para fins militares. Ainda nesta
mesma dcada surgem a CSNET (Computer Science Network) e a BITNET
(Because it's time to Network), a primeira funcionando como uma rede para fins
cientficos e a segunda como uma rede para acadmicos no-cientficos. No
entanto, essas duas redes no eram desvinculadas do projeto ARPANET, ambas
tinham-no como a base de seus sistemas de comunicao. No final da dcada de
1980, todas essas redes formavam juntas a ARPA-INTERNET, chamada mais tardeapenas de INTERNET.
Na dcada seguinte a NSFNET (National Science Foundation Network)
assume o lugar da ARPANET, que se torna obsoleta depois de funcionar por mais
de vinte anos. A essa altura j haviam uma srie de presses comerciais no sentido
de privatizar a Internet. Em 1995, com o crescimento das redes de empresas
privadas e das redes de cooperativas sem fins lucrativos, houve o encerramento das
atividades da NSFNET e uma srie de acordos colaborativos foram feitos pelasramificaes comerciais das redes regionais NSF e levaram no sentido de privatizar
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a grande rede (ibidem: 83)
Ao ser privatizada, a Internet passou a no mais contar com a superviso de
uma autoridade, passando assim a no ser de domnio ou exclusividade de nenhum
pas ou regio, pertencendo, ao mesmo tempo, todos os povos e nenhum. A
rede passava a ser aberta para a explorao comercial e para o uso com fins
lucrativos. A atribuio de seus endereos e domnios feita a partir de acordos
multilaterais, sinal das caractersticas anarquistas do novo meio de comunicao,
tanto tecnolgica quanto culturalmente (ibidem: 84).
A dinmica que comandou o desenvolvimento da rede de computadores foi a
mesma que comandou a dos computadores modernos, uma dinmica libertria,
caracterizada pela apropriao social desta mdia para criar um sistema
internacional de comunicao. O mesmo movimento contracultural que fazia do
computador uma arma na luta contra a centralizao da informao nas mos dos
tecnocratas, fez tambm da Internet ferramenta potencializadora dessa
descentralizao, ferramenta que possibilitava uma comunicao, a nvel mundial,
aberta e sem estar sob o controle direto de nenhum governo.
Como possvel perceber, foram sempre vrios os projetos que se
embricaram no desenvolvimento e na constituio destas duas mdias, computador e
Internet. Vrias foram (e so) as maneiras de fazer, as operaes dos usurios, as
formas de consumir uma mesma tcnica, um mesmo bem cultural. E estes
consumos astuciosos sempre se cruzaram de maneira conflituosa ou no, com as
estratgias das grandes empresas, de governos, de instituies de ensino. Esses
cruzamentos so o que constituem e constituram estas novas tecnologias. Ao falar
da Internet, por exemplo, Manuel Castells afirma que a sua criao e
desenvolvimento foram conseqncia de uma fuso singular de estratgia militar,
grande cooperao cientfica, iniciativa tecnolgica e inovao contracultural(ibidem:
82).
Quando nasce a Internet, como dito anteriormente, sua funo inicial era
apenas a de proteger o sistema de comunicao americano de ataques nucleares
de seus inimigos. medida em que esta tecnologia vai sendo disponibilizada para
os pesquisadores, o seu uso original foi sendo ressignificado para servir s
necessidades destes usurios. Eles acabam por usar a rede para um outro tipo de
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comunicao que no aquele para a qual ela foi criada, passam a corresponderem
entre si, criam um espao comunicacional transversal, queparte de uma concesso
feita pelas autoridades militares(LVY, 1999: 226).
Esse espao transversal, caracterizado pela utopia da democratizao do
saber, atravs do uso feito por pesquisadores e estudantes, vai mais tarde ganhar
ares e usos novos. Com o correio eletrnico a rede passa tambm a ser usada por
negociantes, que vem nela um timo espao para publicidade e que a transformam
em um espao potencializador, tambm, da compra e da venda. No final dos anos
80, os negociantes invadem a rede e comeam a explor-la como um novo espao
para publicidade e vendas (Idem).
3. A World Wide Web: um salto tecnolgico
At o final dos anos 80, a Internet tinha o seu uso ainda bastante limitado.
Isso por que, para explorar essa ferramenta de comunicao era preciso ter
conhecimentos de comandos complexos, pois no havia uma interface grfica tal
como a que utilizamos hoje para acessar o seu contedo. A Internet s se tornou
acessvel ao grande pblico apenas a partir da dcada de 1990, quando a WWW
(World Wide Web)foi criada.
A World Wide Web uma funcionalidade que permitiu Internet o acesso a
diversos tipos de arquivos alm de arquivos de texto, transformando o modo como
se acessava a rede e o modo como se trocava informaes. Ela foi criada em 1991por um grupo de pesquisadores do CERN (Centre Europen poour Recherche
Nucleaire), um dos principais centros de pesquisas fsicas do mundo, localizado em
Genebra. Tim Berners Lee e Robert Cailliau foram os responsveis por comandar a
equipe que possibilitou rede de computadores uma maior operabilidade e,
conseqentemente, uma maior popularidade.
A inveno do CERN possibilitou a expanso do universo de arquivos que
podiam trafegar pela rede. Permitiu que msicas, sons, animaes, filmes, etc.fossem tambm visualizados e transportados via Internet, tudo isso em modo grfico
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e ao alcance atravs apenas com um clique no mouse. Sem essa funo grfica e
hipermiditica que a Internet ganhou com a WWW, seu uso poderia ser bem mais
limitado do que hoje.
Essa nova forma de organizar a rede possibilitada pela Web difundiu e
alargou o uso desta ferramenta. Foi um passo muito importante rumo a
democratizao do conhecimento e dos meios de comunicao, foi um verdadeiro
salto tecnolgico, como afirma Castells (2007:87-8). Ela permitiu a difuso da
Internet na sociedade ao organizar a localizao dos seus sites por informao e
no por localizao, como era feito antes. A navegao na Internet tornou-se mais
fcil com a criao da Web.
Com a implementao da interface grfica da Internet, os usurios tinham
sua frente links nos quais podiam clicar e pelos quais era possvel abrir inmeras
janelas, por onde podia navegar pelos mais variados contedos dispostos na grande
rede. Os contedos agora podiam ser localizados por pesquisas feitas atravs das
janelas dos navegadores ou browsers.
A Web d Internet o carter de um hipertexto gigante, j que os documentos
acessados via WWW parecem fazer parte de um mesmo computador. O acesso a
eles independente da localizao fsica do computador que os contm. Ela permite
o acesso por palavras-chave a documentos dispersos em centenas de
computadores dispersos atravs do mundo, como se esses documentos fizessem
parte do mesmo banco de dados ou do mesmo disco rgido ( LVY, 1999: 106).
Este projeto de desenvolvimento da Web tambm no foi comandado por
macro-atores, por grandes empresas. Foi no mbito da micro-poltica, dos seus
pequenos consumidores, dos usos cotidianos que faziam dela, que a Web sedesenvolveu e se constituiu como ela .A World Wide Web no foi nem inventada,
nem difundida, nem alimentada por macro-atores miditicos como a Microsoft, a
IBM, a AT&T ou o exrcito americano, mas pelos prprios cibernautas(ibidem: 222).
A ideia que influenciou a equipe do CERN na criao da Web tambm no
veio de grandes atores ou empresas, mas de uma cultura hackerdos anos 70, mais
precisamente do trabalho de Ted Nelson, que em 1974 atravs de um panfleto
denominado de Computer Lib, imaginou uma nova forma de organizar asinformaes, o hipertexto. Foi a partir dessa ideia de Nelson, que a equipe do CERN
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desenvolveu a Web (2007: 87-8). Nelson, pretendia facilitar o uso e o entendimento
do computador para todas as pessoas. O Computer Lib trazia como frase inicial You
can and must understand computers now (Voc pode e deve entender de
computadores agora).
Figura 5: Computer LibFonte: http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf
Ao longo do texto Ted Nelson, explicava ainda o funcionamento da sua ideia
das hipermdias:
Hiper-mdias so ramificaes ou apresentaes que respondem a aes dousurio, sistemas de palavras e imagens (por exemplo) que de antemo
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podem ser explorados livremente ou consultados de forma estilizada. Elasno vo ser "programadas", mas sim concebidas, escritas, elaboradas eeditadas, por autores, artistas, designers e editores. (Cham-las deprogramadas seria sugerir falso tecnicismo. Os sistemas de computadorpara apresent-las que sero "programados.") Como a prosa comum e asimagens, elas sero mdia, e porque elas esto em algum sentido"multidimensional", podemos cham-las de hiper-mdia, seguindo o usomatemtico do termo "hiper-".11
Figura 6: Educao com a hipermdiaFonte: http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf
A Web, assim como ocorreu com o computador pessoal e a Internet, tambm
traz no cerne do seu desenvolvimento um ideal libertrio que corresponde ao ideal
11 Disponvel em:http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfAcesso:01/12/09.
http://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdfhttp://www.newmediareader.com/book_samples/nmr-21-nelson.pdf -
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hackerde acesso s informaes, de democratizao delas. A Web contribuiu para
o aumento desse acesso na medida em que possibilita o manuseio da ferramenta
atravs de grficos e imagens, interface amigvel, atravs de um simples clique com
o mouse. Esse salto tecnolgico contribuiu para a construo de uma nova noo e
de uma nova forma de comunicao.
4. Ciberespao: um novo espao de comunicao
A criao e o uso da microinformtica transformaram e vem transformando
profundamente as nossas prticas culturais. As ferramentas comunicacionais que
surgem com ela acabam por contribuir para a formao de um novo espao
comunicacional que Pierre Lvy chama de ciberespao:
O ciberespao (que tambm chamarei de rede) o novo meio decomunicao que surge da interconexo mundial dos computadores. Otermo especifica no apenas a infra-estrutura material da comunicaodigital, mas tambm o universo ocenico de informaes que ela abriga,assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.(1999:17)
Foram vrios os projetos que alimentaram o desenvolvimento desse novo
espao de comunicao, mltiplos e muitas vezes destoantes uns dos outros. Se de
um lado podia-se ver os investimentos dos Estados com vistas, sobretudo, a uma
posio de supremacia militar; de outro era possvel identificar projetos de: grandes
empresas da eletrnica e de desenvolvimento de software em busca de lucros;
desenvolvedores e usurios buscando aumentar suas capacidades intelectuais;
cientistas, artistas e ativistas explorando novas formas de distribuir o conhecimento,
via criao de comunidades na internet, fruns de discusso, sites de
armazenamento de vdeos etc. (Idem: 24).
Esse novo espao, caracterizado por uma comunicao em rede, como
explicou Lvy, no pode ser entendido apenas como o espao virtual de
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comunicao no qual os usurios se inserem quando se conectam rede, deve ser
visto como algo alm. Ele composto pela juno da infra-estrutura que permite a
interconexo e a troca de informaes (computadores e celulares, por exemplo), por
todas as informaes que trafegam na rede, e pelos usurios, responsveis por
essa dinmica de trfego (uploads e downloads12) que constitui a Internet.
Mas o ciberespao mais do que representar um lugar de comunicao,
representa tambm, e principalmente, uma arte de fazer, um modo de usar a
tcnica. uma forma de usar as infra-estruturas existentes e de explorar seus
recursos por meio de uma inventividade distribuda e incessante que
indissociavelmente social e tcnica (LVY, 1999:193).
O ciberespao deve ser percebido, assim defende Pierre Lvy, no somente
como uma infra-estrutura, mas como tambm como um movimento social, por ter se
desenvolvido a partir de um trabalho coletivo, em prol do direito dos indivduos de
acesso s informaes. No se pode tratar de ciberespao como mera infra-
estrutura tcnica, pois estaramos correndo o risco de no reconhecer o que de
social ele tem no seu desenvolvimento:
Ao assimilar o ciberespao a uma infra-estrutura, recobre-se um movimentosocial com um programa industrial. Movimento social, de fato, j que ocrescimento da comunicao digital interativa no foi decidido por nenhumamultinacional, nenhum governo. verdade que o Estado americanodesempenhou um papel importante de suporte, mas de forma alguma foi omotor do movimento de jovens cidados diplomados, espontneo einternacional que explodiu no final dos anos 80. Ao lado de fundos pblicose de servios pagos oferecidos por empresas privadas, a extenso dociberespao repousa em grande parte sobre o trabalho benvolo de milharesde pessoas pertencentes a centenas de instituies diferentes e de dezenasde pases, sobre uma base de funcionamento cooperativo. (ibidem: 194)
importante ressaltar que este movimento social tem como seu grupo lder
uma juventude metropolitana escolarizada. Apesar de hoje em dia, computador e
internet estarem cada vez mais ao alcance das camadas populares da sociedade,
isso no se deu ainda de forma universal; o uso dessas ferramentas tecnolgicas
12 Upload o ato de colocar contedos na rede. Download, por sua vez, o ato de baixar contedosda rede.
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sempre foi bem restrito a uma classe mdia escolarizada e urbana, sempre esbarrou
nos limites de renda e de educao.
Depois do surgimento destas novas tecnologias cria-se um abismo entre os
que esto includos digitalmente, os que tem acesso aos equipamentos e sabem
us-lo; e os excludos digitais, os que no tem acesso a esse tipo de tecnologia, ou
ainda se tem no sabem como us-la.Ainda hoje a grande maioria das pessoas que
integram a rede e que nela praticam algum tipo de ciberativismo, seja em relao a
questes ambientais ou a questes de liberdade e neutralidade da Internet, por
exemplo, so jovens escolarizados e citadinos. A criao e o desenvolvimento das
novas tecnologias da comunicao funcionaram ora consolidando velhas excluses
ora produzindo novas (RIBEIRO, 2000:184).
O ciberespao um espao virtual que no possibilita o contato fsico entre as
pessoas. No entanto, ele parece funcionar como um aglutinador social mais do que
como um isolador. As novas redes telemticas agem, menos como fator de
isolamento ou homogeneizao social, do que como vetores de tactilidade e de
proximidade gregria. (LEMOS, 2004:138) Ele caracterizado como um espao de
comunho, onde as mais diversas tribos se encontram para realizar as mais
diversas atividades. O ciberespao funciona como mais um espao para a troca de
experincias e conhecimentos. Pessoas ao redor do mundo se encontram e se
renem a partir de interesses comuns, seja via redes sociais, blogs, bate-papos,
fruns ou listas de discusso.
Do ponto de vista da comunicao, o ciberespao inaugura um novo
paradigma comunicacional, denominado de todos-todos. O dispositivo
comunicacional designa a relao entre os participantes da comunicao
(LVY,1999:63) . A inveno destas novas tecnologias da comunicao, reunidas
em torno desse conceito de ciberespao, muda a hierarquia da comunicao do
tradicional paradigma massivo um-todos (comunicao unidirecional) para um
paradigma ps-massivo ou rizomtico todos-todos (comunicao bidirecional).
Pierre Lvy explica que os dispositivos comunicacionais podem ser divididos
em trs categorias: um-todos, um-um e todos-todos. Como exemplo do primeiro
temos a imprensa, o rdio e a televiso, que funcionam como um centro emissor queenvias as mensagens aos seus receptores, mas que no ocorre uma interao de
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forma direta entre eles. J o correio e o telefone funcionam como dispositivos um-
um, por que mediam a comunicao apenas de um individuo para outro, ponto a
ponto. No caso do ciberespao, a comunicao ocorre de forma descentralizada e
cooperativa, os indivduos dividem o mesmo contexto e trocam informaes em
tempo real (idem). Nele as mensagens giram em torno do seu receptor, situado no
centro, ao contrrio do que ocorre com os media de massa.
Alm de implicar nesse novo modelo de comunicao, a emergncia do
ciberespao tambm implicou no fim dos monoplios da expresso pblica. Hoje em
dia, qualquer um um jornalista em potencial, qualquer um que estiver conectado
pode produzir contedo na internet, publicar noticias, textos, vdeos, msicas, enfim,
qualquer individuo tem nas mos uma ferramenta de comunicao que atinge um
nmero incalculvel de pessoas a um baixo custo(ibidem: 239-240).
O ciberespao configura-se assim como uma alternativa aos media clssicos
na medida em que qualquer um de qualquer lugar pode produzir informao a
qualquer momento. Acabe-se com o monoplio da distribuio da informao, assim
como tambm com os furos de reportagem, vide o caso do blogs (Blogger,
Wordpress) e dos microblogs (Identi.ca, Twitter), ferramentas de publicaes
instantneas onde as pessoas informam o que esto fazendo, pensando, sentindo...
enfim, pode-se dizer de tudo nesses espaos. O ciberespao permite que cada um
possa publicar a sua verso dos fatos sem necessariamente precisar de mediao
de jornais, revistas, etc.Ele encoraja uma troca recproca e comunitria, enquanto
as mdias clssicas praticam uma comunicao unidirecional na qual os receptores
esto isolados uns dos outros (ibidem:203).
A questo da interatividade um dos pontos principais a partir do qualpodemos criar uma distino entre a comunicao feita atravs do ciberespao e a
comunicao feita pelos media clssicos. As novas tecnologias constituintes do
ciberespao possibilitam uma comunicao bidirecional entre os grupos e
indivduos, elas comprovam a falncia do modelo de centralidade dos media de
massa, trazem embutidas noes de interatividade e de descentralizao da
informao. (LEMOS, 2004:69)
O desenvolvimento dessa comunicao via ciberespao provoca, na opiniode Andr Lemos, duas importantes rupturas: uma quanto concepo de
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informao que agora passa pelos processos microeletrnicos e outra em relao ao
modo de difuso dessas informaes, que se d agora atravs do modelo de
comunicao todos-todos. Segundo o socilogo, alguns autores chegam at mesmo
a falar que os meios de produo esto sendo dominados pelo grande pblico
(ibidem:79).
Do ponto de vista da produo de conhecimento, a emergncia do
ciberespao potencializou a troca de contedo na medida em que as informaes
em formato digital podem ser transportadas por diversos meios. Os transportes
fsicos mais comuns so as mdias removveis (CD's, DVD's, pendrives etc.), no
entanto, a maneira mais rpida para o transporte de informaes digitais continua
sendo a rede. Uma importante caracterstica a ser citada sobre as informaes
digitais que elas podem ser copiadas e transmitidas quantas vezes quiser sem que
haja perda de informao. A cpia de um CD de udio para um computador ou o
downloadde um arquivo de texto da Internet no causaro nenhuma alterao nos
arquivos originais.
5. Cibercultura: a cultura da liberdade, do remix e da produo coletiva
Mentes desenraizadas e pessoas sem face agora comunicam-se em umateia descentralizada que cobre o planeta, dissolvendo espao e tempo.
Gustavo Lins Ribeiro13
Em consonncia com o desenvolvimento do ciberespao emerge uma nova
forma de cultura, a cibercultura. Ela caracteriza-se pela juno de tcnicas
(materiais e intelectuais), de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de
valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespao (LVY,
1999:17). Cria-se a partir de astcias dos usos feitos das novas tecnologias digitais.
A cibercultura no pode ser entendida como uma cultura alternativa. Ela a
13 In: Cultura e poltica no mundo contemporneo: paisagens e passagens. Braslia: Editora daUniversidade de Braslia, 2000, p. 182.
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nova forma de cultura que marca a vida contempornea. Essa cultura oriunda do
ciberespao traz consigo novas maneiras de perceber, sentir, lembrar-se, trabalhar,
jogar e estar junto (idem, 1998:105). No podemos confund-la com uma subcultura
particular, a cultura de uma ou algumas tribos (...) Entramos hoje na cibercultura
como penetramos na cultura alfabtica h alguns sculos (idem, 2004:11). Cada
vez mais vivemos e nos constitumos com base na relao com a tecnologia digital
e/ou com ambientes virtuais. A prpria produo historiogrfica contempornea no
pode se dar sem levar em considerao as possibilidades de produo e distribuio
de conhecimento no ciberespao, o seu uso como local e ferramenta de produo de
memria. Este trabalho nasceu desta noo, da minha relao intima com as
tecnologias digitais e com os movimentos que se constituram na relao com elas.
A minha constituio como historiadora est se dando a partir desta percepo de
que a Histria no pode ignorar as evidentes mudanas na forma como produzimos
e consumimos provocadas pelo uso das mdias digitais.
Constituda a partir das prticas de um movimento social que sonhava com a
construo de um espao de comunicao alternativo que configuraria uma
comunidade altamente democrtica e, secundariamente, anrquica (RIBEIRO,
2000:175), essa nova cultura baseia-se numa conectividade generalizada, numa
potencializao da comunicao, na variedade de troca das informaes (LEMOS,
2004:87), em novas formas de produo de conhecimento e de novas formas de
socialidade. Alimentos para as diversas formas de agregao social, de criao de
comunidades.
A cibercultura parece expressar-se, antes de tudo, pelo seu carter
agregador, pela sua capacidade de reunir os indivduos de diferentes regies,diferentes culturas, de diferentes experincias sociais, em torno de interesses
comuns, criando laos sociais, formando uma comunidade transnacional virtualque
no se baseia:
nem sobre links territoriais, nem sobre relaes institucionais, nem sobre asrelaes de poder, mas sobre a reunio em torno de centros de interesses
comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre aaprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaborao (LVY,1999:130).
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Com o advento da cibercultura experincia de pertencimento a uma
determinada comunidade so agregadas novas formas de vivenciar espao, territrio
e poltica. Cria-se um espao que transnacional, que corresponde a um novo
domnio de contestao poltica e ambincia cultural que no so equivalentes ao
espao tal qual o experimentamos (RIBEIRO, 2000:73). Indivduos de reas
geogrficas diferentes, de culturas e lnguas diferentes, passam a beber na mesma
fonte, consultar uma memria que comum a todos que se conectarem a rede. A
cibercultura cava um meio informacional ocenico, mergulha os seres e as coisas no
mesmo banho de comunicao interativa (LVY, 1999: 127).
Essa interconexo interativa promove novas formas de agregao social,
comunidades virtuais transnacionais, simbolizadas pelos fruns de discusses sobre
os mais diversos temas, redes sociais, chats, blogs, microblogs etc. Ela vai
possibilitar que indivduos de uma comunidade virtual(que podem ser tantos quanto
se quiser) se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memria comum,
e isto quase em tempo real, apesar da distribuio geogrfica e da diferena de
horrios (ibidem: 49).
Na verdade, apesar das comunidades virtuais ganharem mais visibilidade com
o advento da cibercultura, no podemos achar que elas so produtos desta.
Comunidades virtuais j existiam antes da criao da Internet, como nos explica
Gustavo Lins Ribeiro. Antes de se constiturem as comunidades virtuais a partir da
Internet os ouvintes de rdio, rdio-amadores, espectadores de cinema e
telespectadores faziam parte desses grupos. (RIBEIRO, 2000:176) O que muda
com a criao da Internet na dinmica dessas comunidades sobretudo a questo
interativa, elas a cibercultura acrescentaqualidade e quantidade. No possvelaos espectadores do rdio ou da TV notarem a presena uns dos outros, assim
como ocorre entre os usurios da Internet. O seu grande diferencial em relao aos
media clssicos que ela possibilita que os seus usurios unam experincias,
debatam, cooperem e aperfeioem suas inteligncias, enriqueam suas vivncias
(LVY, 1998: 97)
O que poderia representar mais uma forma de segregar os indivduos, alien-
los a ponto de interferir no desejo de estar junto, funciona como mais um fator desolidariedade social, mais uma ferramenta de comunho e cooperao. O
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ciberespao mais uma via de aglutinao social, de exerccio da solidariedade.
Exemplo disso foram as manifestaes ocorridas no Ir em junho deste ano14. As
suspeitas de fraldes na eleio presidencial que reelejeu Mahmoud Ahmadinejad
levaram muitas pessoas a realizem protestos contra o resultado das eleies. Aps
os resultados da eleio os iranianos que estavam descontentes passaram a
priorizar a internet como ferramenta e como espao para fazer denncias sobre o
processo eleitoral e para pedir novas eleies.
As ferramentas mais usadas foram o Twitter, a rede social Facebook e as
mensagens de celular, SMS. nicas ferramentas que escapavam da censura do
governo. Houveram denncias de que o governo estava tentando impedir a
comunicao entre os manifestantes atravs de bloqueio de mensagens SMS e da
censura aos meios de comunicao de massa como as TVs e os jornais. O uso feito
pelos manifestantes do microblog Twitter foi to grande que no terceiro dia de
manifestaes a tag15#IranElection j era a mais popular do microblog.
Alm das manifestaes polticas via rede sociais houve tambm ataques aos
sites oficiais do governo. Foram atacados, por exemplo, o site da presidncia e o do
ministrio das relaes exteriores. Ambos sofreram ataques de negao de servio,
envio de forma artificial de muitas requisies ao servidor causando-lhe uma
sobrecarga e, consequentemente, a interrupo temporria dos servios do site.
Esse caso, longe de fazer parte de uma exceo compe uma tendncia
ciberpoltica contempornea, como dito anteriormente, a cibercultura inaugura um
novo domnio de contestao poltica, que a Internet, o ambiente virtual. O uso
desse ambiente traz duas implicaes evidentes para a discusso poltica na
contemporaneidade, sobretudo no que diz respeito relao entre informao epoder. Em primeiro lugar, pode-se fazer poltica internamente ao ciberespao,
poltica na realidade virtual. Em segundo lugar, desde o ciberespao a comunidade
virtual pode influenciar a poltica no mundo real(RIBEIRO, 2000:189).
O modo como produzimos e consumimos informao, cultura e conhecimento
tambm foram e vem sendo bastante afetados pelo advento do ciberespao. A
digitalizao das informaes e a interconexo dos indivduos possibilitam o
14 Disponvel em: http://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shl Acesso em: 01/10/09.15 Tag uma palavra-chave que associada a um determinada informao, que pode ser um texto,imagem, vdeo, etc.
http://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shlhttp://info.abril.com.br/noticias/internet/twitter-coordena-protestos-no-ira-17062009-23.shl -
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surgimento de novas prticas de distribuio, produo e consumo da informao e
dos bens culturais. Assim como tambm a construo de um ambiente informacional
descentralizado e interativo.
O advento da cibercultura o advento da cultura e do conhecimento em rede,
das produes coletiva e colaborativa em rede. Ao pensar na cibercultura preciso
remeter esta palavra significados que se relacionam intimamente com os conceitos
de comunho, colaborao, cooperao e compartilhamento. Todos esses conceitos
se relacionam com a ideia de que a cibercultura o espao do commons. Este
entendido como comum, produo ou espao comum. Segundo Srgio Amadeu, o
significado de commons tambm pode se referir pblico em oposio ao privado
ou, ainda, algo produzidos por todos e/ou por coletivos e comunidades (2008:49).
As prticas de remix, colagem, recombinao de contedos e formas
configuram-se como expressesmaiores da noo de commons. A cibercultura
um terreno tpico dos commons (Idem). Com o advento da cibercultura a produo
comum torna-se pauta cultural, econmica e poltica (ibidem:50).
Essas novas concepes de produo e consumo do conhecimento geradas
a partir do uso do ciberespao, so fundamentais para o desenvolvimento do que
Pierre Lvy chama de inteligncia coletiva. Compartilhar os conhecimentos e poder
apont-los uns para os outros a condio elementar para o florescimento dessa
inteligncia. Ela caracteriza-se por ser distribuda por toda parte, incessantemente
valorizada e coordenada em tempo real. Sua base e seu objetivo so o
reconhecimento e o enriquecimento mtuos das pessoas, e no o culto de
comunidades fetichizadas e hipostasiadas. (LVY, 1998:28-29)
A cibercultura funciona como catalizador do desenvolvimento destainteligncia. A estrutura do ciberespao que permite a organizao das pessoas em
comunidades, em coletivos inteligentes, faz desse espao de comunicao um lugar
propcio para o desenvolvimento da inteligncia coletiva.
No h espao para hierarquias e excluso na inteligncia coletiva, a
produo do saber, dos bens culturaisse d de forma colaborativa, os sujeitos da
inteligncia coletiva no so submetidos e no tm sua inteligncia individual
limitada pelo coletivo, essa a condio essencial para o desenvolvimento de umcoletivo inteligente. O funcionamento de um coletivo inteligente s pode ser
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progressivo, integrador, includente e participativo. (idem,1999:208)
A cibercultura, cultura do commons e do remix, tambm contribui para um
questionamento do papel do autor como uma autoridade, seja o autor de uma obra
escrita como um livro, por exemplo, seja o autor de uma msica ou um filme. Com o
advento das mdias digitais, coloca-se em questo tanto a sua importncia enquanto
figura totalizadora do sentido de uma obra, quanto os seus direitos sobre a obra que
ele produz. Direitos esses expressos a partir do selo copyright. Paralelo essa
discusso surge tambm um questionamento sobre o acesso aos bens culturais,
sobre suas formas de uso, que o ciberespao e a digitalizao das informaes
potencializam, mas que, segundo muitos usurios da rede, defensores de uma
cultura livre, o copyright inviabiliza e limita. Isso ser melhor tratado no segundo
captulo.
Como explica Pierre Lvy, a figura do autor tal qual a concebemos hoje
produto de uma configurao social bem particular. Portanto, no de se estranhar
que o autor possa se tornar secundrio no momento em que as mdias digitais esto
provocando mudanas no nosso sistema de comunicaes e na nossas relaes
sociais (ibidem:153). A participao ativa dos intrpretes, criao coletiva, obra-
acontecimento, obra-processo, interconexo e mistura dos limites, caractersticas da
cibercultura, convergem, explica ele, em direo ao declnio (mas no ao
desaparecimento puro e simples) da figura do autor (ibidem: 136-7).
O que a cibercultura traz para a contemporaneidade , entre outras coisas,
um maior questionamento dos direitos de uso/consumo e distribuio dos bens
culturais, simbolizado, entre outras coisas, pela filosofia do Software Livre (enquanto
movimento), filha da dcada de 80 e defensora de uma liberdade decompartilhamento dos conhecimentos. Discutiremos melhor as questes referentes
ao Movimento Software Livre no prximo captulo.
Alm desse questionamento a cibercultura tambm produz uma valorizao
das obras abertas, obras que podem ser produzidas a partir das intervenes de
qualquer indivduo, ou ainda obras interativas como as instalaes artsticas.
Conceitos como bricolagem, remix ou sampling16 ganham a cena. O evento da
16 Os conceitos de remix e sampling surgiram para denominar combinaes e/ou recombinaesfeitas com obras musicais, entretanto, ao longo do tempo eles se estenderam a outros tipos deprodues artsticas/culturais.
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criao no se encontra mais limitado ao momento da concepo ou da realizao
da obra: o dispositivo virtual prope uma mquina de fazer surgir eventos.
(ibidem:136)
Na cibercultura, as obras tm seu potencial de combinaes e reutilizaes
expandido, cada leitor um autor em potencial, um bricolador, e cada obra infinita de
possibilidades de bricolagens, remixes, samplers. Oprincpio que rege a cibercultura
a re-mixagem (LEMOS Apud SILVEIRA, 2008:49). As distines clssicas que
costumamos fazer entre
autores e leitores, produtores e espectadores, criadores e hermeneutas,confundem-se em proveito de um continuum de leitura-escrita que parte dosque concebem as mquinas e redes at o receptor final, cada um delescontribuindo para alimentar, por sua vez, a ao dos outros (declnio daassinatura) (LVY, 1998: 106)
O ambiente tecnocultural produzido pela emergncia do ciberespao altera o
esquema clssico de produo e consumo das obras, um autor assina uma obra queo pblico vai ler, interpretar, experimentar, consumir. Nesse esquema, emissor
(autor) e receptor (pblico) mantm ntidas diferenas, possuem funes prprias e
distintas. No ambiente da cibercultura, novas formas de produo e consumo dessas
obras se fazem presentes, por vezes, ignora-se as distines entre quem produz a
obra e quem a consome. Consumidores tornam-se, no raras vezes, tambm
produtores da obra (ibidem:107). Este trabalho um exemplo disto. Ao meu lugar de
consumidora de blogs, sites, vdeos, livros etc., sobre os movimentos sociais nacibercultura acrescentei um outro, o de produtora.
6. Apresentando os personagens
Nos tpicos anteriores procurei historicizar a criao do computador e daInternet, destacando as apropriaes que eles sofreram durante os seus
desenvolvimentos, por parte do movimento libertrio, que via nestas novas
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tecnologias a possibilidade da democratizao da informao e dos bens culturais.
Fiz isso por entender que o fenmeno contemporneo de contestao do copyright,
salvo as devidas diferenas e peculiaridades, herdeiro das concepes do
movimento contracultural que defendia o uso destas ferramentas de forma libertria.
Falar sobre a apropriao que as novas tecnologias digitais sofreram ao longo
de seu desenvolvimento, significa falar do passado deste movimento
contemporneo, contextualizar o seu nascimento, dizer que circunstncias permitem
aos grupos que contestam o copyrightna atualidade faz-lo.
Explicada a trajetria das tecnologias digitais aqui tratadas e definidos alguns
conceitos principais para o entendimento deste trabalho, creio que j posso passar
s linhas que trataro dos grupos, ou melhor, dos coletivos e movimentos que fazem
parte de uma imensa rede de pessoas que contestam a forma como o copyright
usado e/ou a sua necessidade no mundo atual.
A ideia deste trabalho discutir sobre as prticas desses coletivos e grupos
que contestam a forma como os bens culturais so distribudos e usados na
contemporaneidade, identificando seus personagens, suas tticas e seus discursos.
Entendendo essa contestao como parte de uma postura da juventude
contempornea adquirida a partir da experincia de uso das tecnologias digitais.
O primeiro personagem deste trabalho o Movimento Software Livre, iniciado
nas ltimas dcadas do sculo XX. Esse movimento nasceu da insatisfao com a
mudana ocorrida na dcada de 80, na forma como os softwares eram produzidos e
distribudos. At meados dos anos 70, os softwares no eram proprietrios, ou seja,
no possuam uma licena copyrightque restringisse o acesso ao seu cdigo-fonte17
e a seus usos. Eles eram copiados e compartilhados entre os programadores.Quando as empresas de softwares comeam a restringir o acesso ao cdigo-
fonte de seus programas, atravs do uso de licenas copyrighte a comercializar os
softwares ao invs de distribu-los, isso causa uma verdadeira frustrao entre os
programadores, acostumados a modificarem os programas de acordo com as suas
necessidades.
A reao deles foi imediata e se deu no sentido da construo de um projeto
17 Cdigo-fonte um conjunto de instrues, palavras ou smbolos, escrito em uma linguagem deprogramao para formar um software.
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de recriao de softwares livres18. Este projeto surge nos anos 1980, mais
precisamente em 1983, atravs da iniciativa de um pesquisador do Laboratrio de
Inteligncia Artificial do MIT, Massachusets Institute of Technology, Richard
Stallman.
Stallman explica que at o final da dcada de 70 ainda era possvel aos
programadores ter acesso ao