the rio globalist - 2ª edição

43
Plata y Plomo Artigo Opinião Segurança e Liberdade Uma análise sobre a interdependência entre a economia global e o crime organizado Bernardo Pessanha Siqueira Crise de 2008: um novo regime Internacional Onze anos após os atentados do 11 de setembro, como estes ainda afetam as políticas de segurança norte-americanas Plata y Plomo Artigo Opinião Segurança e Liberdade Uma análise sobre a interdependência entre a economia global e o crime organizado Bernardo Pessanha Siqueira Crise de 2008: um novo regime Internacional Onze anos após os atentados do 11 de setembro, como estes ainda afetam as políticas de segurança norte-americanas

Upload: panorama-consultoria-internacional

Post on 22-Mar-2016

240 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

The Rio Globalist

TRANSCRIPT

Page 1: The Rio Globalist - 2ª Edição

Plata y Plomo

Artigo Opinião

Segurança e Liberdade

Uma análise sobre a interdependência entre a economia global e o crime organizado

Bernardo Pessanha SiqueiraCrise de 2008: um novo regime Internacional

Onze anos após os atentados do 11 de setembro, como estes ainda afetam as políticas de segurança norte-americanas

Plata y Plomo

Artigo Opinião

Segurança e Liberdade

Uma análise sobre a interdependência entre a economia global e o crime organizado

Bernardo Pessanha SiqueiraCrise de 2008: um novo regime Internacional

Onze anos após os atentados do 11 de setembro, como estes ainda afetam as políticas de segurança norte-americanas

Page 2: The Rio Globalist - 2ª Edição
Page 3: The Rio Globalist - 2ª Edição

Plata y PlomoA interdependência entre a economia global e o crime organizado

Identidades construídas através da bola

Artigo opinião Bernardo Siqueira Crise de 2008

Artigo opinião Ricardo Weber

Quosque tandem abuter commercial multilateralism patientia nostra?

Atuação da política externa brasileira nas eleições presidenciais do Peru

11 de setembro Segurança e liberdade

Commodities eindustrialização

Complementares ou excludentes?

A Justiça de transição como ferramenta política

Carta ao leitor

Equipe Editorial

45

6

10

16

22

27

32

35

37

Page 4: The Rio Globalist - 2ª Edição

Carta ao leitor

O lançamento da segunda edição da revista Globalist

brasileira, pioneira na América Latina, em continuidade ao admirável projeto da rede de alunos Global 21, da Universidade de Yale, é motivo de muito orgulho para a Panorama Consultoria

Internacional. No âmbito do empreendedorismo jovem, hoje marcado pela força das iniciativas de empresas juniores dentro de universidades, é inegável a afinidade com um projeto “de alunos para alunos”, como a iniciativa Globalist.

O momento de intensificação da internacionalização e da projeção brasileira nesse processo não poderia ser mais favorável. Cada vez com mais intensidade, o Brasil ganha espaço nas discussões internacionais, atingindo posições de prestígio e liderança, e os nossos estudantes não estão, de maneira alguma, à parte dessa evolução. Nesse contexto, uma revista que, por meio do universitário brasileiro, possa trazer a visão do Brasil para o mundo sobre temas de repercussão internacional se insere com harmonia.

A segunda edição, portanto, aborda alguns dos grandes temas do século XXI, ao mesmo tempo em que se preocupa em trazer à tona outras temáticas de relevância internacional. Perpassando assuntos-chave, como a tragédia do 11 de setembro de 2001, a crise econômica mundial de 2008 e o BRICS, a revista propõe a constante atualização da discussão sobre fenômenos que abalaram o mundo. Em contraponto, a análise da atuação brasileira nas eleições peruanas e a proposição da compreensão do papel do futebol na política internacional, atualíssima no contexto da Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil, instigam o leitor a formar opinião a respeito de temas originais.

Desejo a vocês, leitores, que as próximas páginas sejam fonte e cenário de fomentação de novas opiniões e discussões sobre temas que afetam o mundo. Que a voz dos nossos universitários reverbere, ganhando espaço junto com o Brasil e sua trajetória de evolução e conquistas no cenário internacional. Uma excelente leitura.

Marcela Nunes Quintela - Editora-Chefe4

Page 5: The Rio Globalist - 2ª Edição

Editora-Chefe - Marcela Nunes Quintela

Conselho Editorial Edição Gráfica

Caio Diniz ScofanoIgor Moraes Zonenschein

Ingra Torezin de MendonçaJulia Helena Dias Passos

Renato GalenoThais Miranda Gomes

Lucas Ximenes Vieira Aylson Miranda

Ricardo Mattos Pacheco Ricardo Miceli Rainho

Raphael dos Santos BezerraAntônia de Azevedo Coury

Letícia Novaes Fonseca

Colaboradores

Amanda Jean Jacques, Augusto Lepre, Bernardo Siqueira, Daniel Teixeira, Louise Papadellis, Luccas Benatti, Pillar

Motta, Gabriela Alves e Eduane Correia.

Apoio

5

Page 6: The Rio Globalist - 2ª Edição

Identidadesconstruídas

através da bolaMarcela Potsch

Page 7: The Rio Globalist - 2ª Edição

Configurando-se como uma metáfora da história do povo, o papel que o futebol tem exercido na

política internacional vai além de uma simples mo-dalidade esportiva. Há duas perspectivas nas quais o futebol pode ser observado: como meio de mani-festação ideológica e como um notável elemento cultural da sociedade que expressa a identidade de cada nação. Com o passar dos anos, fica evidente que o fute-bol serve a interesses ideológicos na legitimação de regimes políticos e do mercado de consumo. Mas é, sobretudo, um lugar efetivo da política no seu sentido amplo e complexo. Ao expor ao mun-do regimes como o fascismo na Itália, na Copa do Mundo de 1934, e a ditadura militar na Argentina, na Copa de 1978, possibilitou-se que manifestações contrárias pudessem ganhar destaque na mídia in-ternacional. O que nos permite considerá-lo como um influenciador da política internacional e, conse-quentemente, um ator das relações internacionais. Dentro de campo e junto às torcidas, manifestações de apoio e rejeição a sistemas políticos foram rea- lizadas, revelando a influência que o futebol possui e demonstrando ser um sinônimo de poder. Além disso, o intenso processo de globalização se intensificando desde meados do século XIX, com todas as suas transformações tecnológicas, econômicas e culturais, tornou as implicações culturais e políticas do futebol grandiosas e estas se transformaram em preocupações políticas por parte do Estado e das instituições normatizado-ras da sociedade. Ou seja, ao se transformar em um espetáculo de massas, o futebol deixou de ser apenas do interesse de curiosos e apaixonados e se transformou em assunto relevante. Com a popularidade do futebol, associada à impren-sa, o esporte passa a representar, a partir dos anos de 1930, uma grande oportunidade de ter acesso à população, atribuindo ao futebol seu caráter ideológico. O uso do futebol para fins políticos, es-pecialmente como instrumento de propaganda ideológica, ocorreu em vários momentos da história. Como por exemplo, em 1938, onde em plena dita-dura de Mussolini a “Azurra” levou o bicampeonato mundial da Copa do Mundo da FIFA, fortalecendo o

regime fascista. No mesmo torneio, a Alemanha de Hitler foi com os jogadores austríacos (a Alemanha tinha invadido a Áustria) com o chamado “super-time” que usavam no uniforme alemão a suástica do Partido Nacional Socialista Alemão (o Partido Na-zista). Isto é uma clara percepção do viés ideológico do futebol na medida em que é utilizado em deter-minado contexto social, transparecendo valores e verdades de uma determinada concepção que se pretende tornar hegemônica, como a superioridade racial dos alemães.

No Brasil, na Copa do Mundo de 1938, o Estado utilizou-se do futebol para divulgar e implementar sua política nacionalista, transformando-o em um elemento de identificação nacional e instigando um sentimento de orgulho patriótico no povo. “As-sim, se, de um lado, brasileiro era quem torcia pelo selecionado nacional — independente do lugar de nascimento —, por outro, brasileiro era quem tra-balhava para o progresso da nação.” A campanha do selo na qual todo o povo era convocado junta-mente com os jogadores para a disputa da com-petição na França fazia com que cada setor da sociedade brasileira, articulados pelo CBD e pela imprensa, participasse cada vez mais da organiza-

Capa do livro “Futebol sob a suástica - a DFB entre o esporte, a política e o comércio.

7

Page 8: The Rio Globalist - 2ª Edição

pertencem a uma unidade.

Nesse contexto, as razões que fizeram desse es-porte um meio único e eficaz para manifestar senti-mentos nacionalistas, teriam sido a capacidade e a facilidade de provocar, mesmo nos menores atores políticos individuais ou públicos, a identificação com a nação. “A imaginária comunidade de milhões de concidadãos parece mais real, mais protagonista, na forma de um time de jogadores nomeados e identificados com o público. O indivíduo, mesmo o simples torcedor, torna-se o próprio símbolo de sua nação.”

De acordo com Giulianotti “em qualquer lugar, o futebol nos fornece uma espécie de mapa cultural, uma representação metafórica, que melhora a nos-sa compreensão daquela sociedade... Sua centrali-dade cultural, na maior parte das sociedades, sig-nifica que o futebol tem uma importância política e simbólica profunda, já que o jogo pode contribuir para as ações sociais, filosofias práticas e identi-dades culturais de muitos e muitos povos... a difusão do futebol de um lado a outro do mundo possibili-tou que diferentes culturas e nações construíssem formas particulares de identidade por meio de sua interpretação e prática de jogo.” Assim, podemos citar como exemplo o modo de jogar “tipicamente” brasileiro, que constrói uma identidade única com seu estilo de jogo, os dribles desconcertantes, a ma-landragem, a irreverência e a espontaneidade com que os jogadores parecem incorporar o discurso de representantes da nação.

É reconhecida, portanto, a utilidade do esporte como meio ágil e efetivo para contribuir no sentido de reforçar a construção de uma identidade nacio-nal e seus sentimentos de lealdade. Como podemos ver, nos períodos de Copa do Mundo, o sentimento de igualdade se traduz na euforia, no entusiasmo e na sede por conquista. Destarte, a formação da identidade nacional elimina imaginariamente as profundas divisões sociais, a luta de classes e os in-teresses antagônicos enraizados na sociedade, cri-ando assim, uma igualdade ilusória.

O advento do futebol e principalmente da Copa do Mundo têm o potencial de colocar em evidência as

ção do selecionado, como se toda a nação estivesse naquele momento representada.

No ano de 1978, foi a vez de a Argentina organizar a Copa do Mundo e, semelhante ao que ocorreu no Brasil, o governo Argentino aproveitou a conquista do título mundial para que popularização da dita-dura militar fosse fortalecida. Demonstrando mais

uma vez como essa modalidade esportiva pode servir no processo de difusão de emoções e percep-ções que são direcionadas a uma disciplinarização das massas.

A identificação do povo com o futebol deriva da representação que este esporte faz de suas características,ou seja, da sua identidade. Além disso, o futebol transporta o mundo vivenciado pe-los grandes ídolos, desde suas conquistas até seu sucesso, para o cotidiano do cidadão, do torcedor, como se esse mundo também pertencesse a ele. Portanto, essa riqueza simbólica que se estabelece através do futebol, insere-se dentro do imaginário coletivo reforçando o sentimento de que todos

Publicidade da Copa do Mundo de 1978 na Argentina

RIORIO8

Page 9: The Rio Globalist - 2ª Edição

possibilidades de desenvolvimento e pacificação dentro das nações. Ao gerar confiança, esperança, orgulho aos mais fracos e promover o trabalho de equipe e a solidariedade, o futebol promove o de-senvolvimento humano. Apesar de parecer utópico, muitos enxergam o futebol como um instrumen-to para repercutir a paz e a prosperidade. E esta aparente utopia vem sendo transformada em reali-dade.

Diversos exemplos podem ser citados, um deles foi quando a seleção do Iraque, composta por sunitas, xiitas e curdos – raro símbolo de unidade nacional - venceu a Copa Asiática em 2007, não resultando apenas em título, mas na união temporária do país. Outro exemplo pode ser apontado, em 2006, quan-

do facções em guerra na Costa do Marfim pediram uma trégua temporária em um sangrento conflito civil de quatro anos, quando a equipe nacional se classificou para a primeira Copa do Mundo em sua história. Esses exemplos mostram como o futebol é capaz de fortalecer vínculos entre os povos até mes-mo em países assolados por conflitos e aproximar nações em guerra. Ademais, o projeto “8 goals for Africa”, desenvolvido pela ONU, que procura erradicar a pobreza através do cumprimento dos oito objetivos de desenvolvi-mento do milênio aproveitou a oportunidade ex-traordinária, da Copa do Mundo de 2010, de concen-trar a atenção do mundo e utilizar da boa-vontade inspirada pelos jogos para a construção de um mun-do mais harmônico e pacífico. O intuito era despertar na opinião pública mundial consciência e parâmetros de paz, cultura, humanismo e respeito a princípios éticos universais. Sendo assim, representando um símbolo da capacidade humana de alcançar a paz.

O significado disto? A crença na possibilidade de de-senvolvimento de uma nação unificada sobre uma

plataforma de preposições que venham do esporte, da música e das artes e que coloca de lado as divisões políticas e mobilizam as pessoas na vida cotidiana. As expectativas sobre o futebol como instrumento de paz e desenvolvimento são enormes, porém muitas vezes desacreditadas por muitos. Segundo um relatório das Nações Unidas “o futebol oferece um fórum para o aprendizado de habilidades tais como a disciplina, a confiança e a liderança e ensi-na princípios fundamentais, tais como a tolerância, a cooperação e o respeito. Ensina também o valor do esforço e como lidar com a vitória e com a der-rota.” Quando os aspectos positivos desse esporte são enfatizados, este se torna um poderoso veículo através do qual as nações podem trabalhar para o

cumprimento de suas metas. O poder de organização e reunião do futebol o torna uma ferramenta ainda mais eficaz para a comunica-ção e a conscientização, no entanto, seu potencial ainda precisa ser plenamente empregado/aprovei-tado. Portanto, faz-se necessário compreender a enorme relevância social que este esporte possui para que todos possam rever o futebol em uma pers- pectiva transformadora e revolucionária, baseando sua prática em valores educativos, para que ele seja capaz de promover a humanização, emancipação e a transformação da sociedade.

RIORIO

Esporte, Poder e Relações Internacionais, Douglas Wanderley de Vasconcellos. FOER Franklin. MEDEIROS, Carlos Alberto (tradutor). Como o Futebol Explica o Mundo – Um Olhar Inesperado Sobre a Globalização. 1 ed. Nova Iorque: 2004. Rio de Janeiro: JZE 2005BONIFACE, Pascal. Football & mondialisation. Paris: Armand Colin, 2006.RIBEIRO, Luiz. Futebol e Globalização , 2007. Editora Fontoura MACHADO, Frederico. Os aspectos de relacionamento entre o futebol e a sociedade. 2010RINALDI, Wilson. Futebol: Manifestação cultural e ideologização. Revista da Educa-ção Física/UEM , Maringá, v. 11, n.1, p. 167-172, 2000. Esporte para o Desenvolvimento e a Paz : Em Direção à Realização das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Relatório da Força Tarefa entre Agências das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz. Nações Unidas, 2003.NEGREIROS, P. J. L. de C. Futebol nos anos 1930 e 1940: construindo a identidade na-cional. História: Questões e debates, Curitiba, n. 39, p. 121-151, 2003. Editora UFPR.GALLO NETTO, Carmo. Jornal da UNICAMP. Futebol como Fenômeno Social p.12. Campinas, UNICAMP, 2005.NEGREIROS, P.J.L. O Futebol e Identidade Nacional: O caso da Copa de 1938. Lectu-ras: Educación Física y Deportes. Año 3, Nº 10. Buenos Aires. Mayo 1998

Bibliografia

o futebol oferece um fórum para o aprendizado de habilidades tais como a disciplina, a confiança e a liderança e ensina princípios fundamentais, tais como a tolerância, a cooperação e o respeito. Ensina também o valor do esforço e como lidar com a vitória e com a derrota. Relatório Oficial da ONU

9

Page 10: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

11 de setembroÍtalo Nascimento

Segurança e Liberdade

Page 11: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Onze anos se passam e as heranças do acontecimento são evidentes, tanto na política

internacional quanto na sociedade americana. Os atentados em 11 de setembro de 2001, Nova York e Washington D.C., são a origem de transformações do exercício de poder pela grande potência mundial. Com um ataque terrorista sem precedentes comparáveis, a organização terrorista Al-Qaeda coloca em xeque o aparato de uma das seguranças públicas mais caras do mundo, que arca com gastos totalizados em 300 bilhões nesse sistema de defesa. A sensação de impotência, o clima de tensão e desconfiança eram a realidade estadunidense, providências imediatas deveriam ser tomadas pelo governo. O limite dessas providências seria direitos fundamentais de cada cidadão, cerceados por uma estrutura de base institucional com vigilância e controle.

Desde o fim da Guerra Fria, a política internacio-nal norte-americana não estava claramente de-limitada, agora o contexto representava a opor-tunidade de expansão do poder em nome de um ideal de justiça.

“Nossa responsabilidade com a história é clara: responder a esses ataques libertando o mundo do mal” (George W. Bush, em discurso. Folha Online 14/09/2001). A chamada “guerra contra o terror” estava anunciada, as intervenções dos EUA não seriam contidas, ainda que vetadas do Conselho de Segurança da ONU. As atuações incluíram a queda do regime Talibã no Afeganistão (por acolher Osama Bin Laden) e do presidente do Iraque, Saddam Hussein, devido à suposta ligação com o Al-Qaeda e produção de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas. Era necessário uma estrutura eficaz de contra-ataque

para o chamado “inimigo sem face”. A decisão legal do rumo internacional do conflito viria do próprio Conselho de Segurança da ONU.

A ação terrorista visava abalar a hegemonia es-tadunidense, causada pela discordância da orga-nização paramilitar sobre políticas de interferência do país, diferentemente de algumas versões do ocorrido que relacionam o atentado contra valores norte-americanos e cristãos. Inicialmente desta-caremos fatores que legitimaram as políticas de segurança nacional. A sociedade norte-americana encontrava-se reunida por uma questão de ex-trema importância em toda sua história: patrio-tismo. Discursos que geravam comoção nacional baseados na exposição de valores americanos e cristãos, e mídia altamente pró-governo garanti-ram aprovação do governo Bush em pouco tempo

superando índices de 80%.

O estímulo do patriotismo em massa era indispensável, o sistema de denúncias anônimas aumentava consideravelmente, o governo incitava a necessidade de cooperação popular. O vínculo do cidadão com a pátria era motivado pela difusão da solidariedade. Programas para cobrir os prejuízos causados pelo atentado incentivavam a doação popular para reestruturação do governo foi arre-cadado por instituições e cidadãos; aproximadamente um bilhão de dólares. Bush marcava com sua conselheira de comunicação, Karen P. Hughes, reuniões diárias para moldar a estrutura de discurso passada na atualização da população das atividades antiterror. Uma estratégia nas relações públicas havia sido montada, a assessoria de imprensa era um combustível indispensável para alavancar o sucesso do governo, e conquistar a opinião pública. Essa realidade expressava o temor

Nós, o Povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a Justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos des-cendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América. Constituição dos Estados Unidos da Ámerica

11

Page 12: The Rio Globalist - 2ª Edição

de um novo ataque, e recobria temporariamente as reivindicações por liberdade civil.

A narrativa dos fatos em inúmeros veículos de co-municação foi totalmente desprovida de contexto. A exacerbada parcialidade do discurso midiático foi outro fator determinante para as condições de manutenção do controle. Aliada à estratégia de comunicação do governo, a mídia posicionava-se conivente com a formação dessa plataforma políti-

ca. Muitos debatem sobre poder das democracias sobre a mídia, transformada em via de ajuste dos interesses próprios. A singular publicidade política não se concretizava por uma arbitrariedade de controle dos fatos, mas na vulnerabilidade populacional diante do estado de choque. Uma parcela dos profissionais da im-prensa mantinha-se crítica à postura dos próprios veículos de comunicação, reafirmando a necessi-dade de comprometimento com diferentes faces de fato histórico. A glorificação da figura do presi-dente (dispondo-o como cidadão antes de chefe de Estado), a exploração de valores patriotas e cristãos estabelecia uma lógica institucional para

RIORIO

legitimar o exercício do poder. Devemos ressaltar que toda essa estrutura intencionava tanto atingir o apoio da nação, quanto do cenário internacional para suas ações de intervenção. A vigilância na sociedade contemporânea é constituída por um quadro de características inerente à pós-modernidade. A observância é um dos grandes fetiches da sociedade de consumo, e identificada não como normal, mas como desejável. O voyeurismo e o exibicionismo são fatores recorrentes no pensamento pós-moderno, instituídos desde rede sociais até reality shows. A suposição de ter a vida vigiada relaciona uma posição de fama e status, até tentação e sedução. A adaptação desses padrões nos sistemas de segurança não seria surpreendente. A realidade estadunidense não fugia desse perfil, uma das proposta de cooperação popular era o recrutamento em programas para vigilância civil. Cidadãos denunciavam qualquer indivíduo de atividade ou até mesmo aparência, suspeita. Em muitos casos, a população era receosa com aqueles que aparentavam seguidores da religião islâmica, sendo efetivamente investigados.

Após o atentado, as políticas fizeram-se cada vez mais controladoras, não sem antes ter algum fundamento legítimo perante a população. A ilusão da estabilidade e tranquilidade eram suficientes para silenciar a sociedade diante da repressão aos direitos fundamentais. A defesa norte-americana tornava-se o ponto central do governo Bush, nenhum poder militar é suficiente para prevenir o recente terrorismo globalizado, medidas multidimensionais seriam indispensáveis. A proposta oficial era primeiramente ações institucionais e providências legislativas.

O direito internacional enfrenta dificuldades tanto na delimitação jurídica para definir o ato de terrorismo, quanto para sua circunscrição legal. Devido à singularidade do acontecimento, no dia posterior ocorre uma reunião de emergência entres os membros do Conselho de Segurança da ONU. A Resolução nº 1368 determina os incidentes como “ameaças à paz e à segurança internacionais”, citando “direito natural à legítima defesa, individual ou coletiva”, concluindo passíveis de

Discurso do ex-presidente dos EUA, George W. Bush

12

Page 13: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

consequências dessa declaração os que “ajudarem, abrigarem, ou apoiarem terroristas”. Pela primeira vez é legítimo o uso da força contra um Estado, refletido por ato terrorista. O apoio internacional às políticas de resposta ao terrorismo pelos EUA havia se instituído imediatamente. Mantendo-se dentro das condições aplicadas na Resolução e agindo proporcionalmente no limite de respeito à interferência em outros Estados, seria o dever e responsabilidade do governo estadunidense. A projeção norte-americana figurou-se em níveis imperialistas, com a ampliação da influência gerida por interesses econômicos. Além da difusão do poder no âmbito externo, configurado pela via legislativa, era necessário embasamento legal nacional.

O controle da insegurança na sociedade civil era um ponto a ser gerenciado politicamente. Foram feitas medidas legislativas para repressão e prevenção das investidas do terror. Após o incidente a repercussão não ocorreu somente nos EUA, demonstrou ecos em demais países na Europa e América. Além da modificação legal, o acirramento da segurança deu-se na aversão a imigrantes islâmicos - como temos o exemplo do brasileiro Jean Charles, morto pela polícia inglesa, quando confundido com terrorista procurado -. Mesmo sujeito as consequências do ocorrido, a transformação na disposição legal de outros Estados dava-se visivelmente dife-rente da encontrada nos EUA, esse transitando no limite das características de uma situação de estado de emergência.

As condições propícias relacionadas na política já discutida garantiam um campo aberto nas práticas que o governo julgasse necessárias para segurança nacional. No dia 24 de outubro de 2001, nos Estados Unidos da América, foi divulgada oficialmente a “USA Patriot Act”. Inspirada em soluções anteriores do direito antiterrorismo e novas perspectivas, buscava abrigar a esperança estadunidense de estabilidade. O conteúdo não determinava barreiras para destruição do terrorismo, tais iniciativas tornavam flexível o combate em diversos níveis, atribuindo dinâmica administrativa e policial. O caráter da preparação era de urgência, em três semanas foi cons-tituído esse arcabouço dando

modelagem inicial à luta prática. Com o apoio da maioria da população entrava em vigor a lei norte-americana, entretanto questionada em vários aspectos.

O patriotismo estadunidense é caracterizado, como outros tantos, por referências simbólicas. Além da Estátua da Liberdade, de sua bandeira,

evidentemente, podemos destacar a constituição. Os ideais e valores que permeiam a sociedade da potência mundial descrevem-se no tratado formador da federação. O conflito da lei em questão com a constituição do país não era observado de forma sutil, mas dispensado de modo que parecesse imprescindível perante as ameaçadoras propostas terroristas. O pensamento primeiramente é de que a liberdade atingida seria de imigrantes, e não cidadãos, porém atinge a todos. Um trecho da constituição federal diz:”O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios de culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas.”. Em contraposição, a lei em questão garante buscas e apreensões com apenas um requerimento formulado pela polícia sem especificações de lugar e causa justa.

Entre as medidas, estão passíveis de sanções: liberdade de associação (possuindo algum vín-culo consciente à atividades de grupos reputa-

Memorial às vítimas do atentado de 11 de setembro de 2001

13

Page 14: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

dos terroristas), liberdade de ir e vir (tendo indí-cios de envolvimento com terrorismo, detenção por tempo indeterminado), inviolabilidade das comunicações(mandatos para quebra de sigilo telefônico, e-mails sem necessidade de autoriza-ção), liberdade de expressão (punindo manifesta-ções prejudiciais ao combate antiterrorista), privaci-dade e intimidade(monitoramento de transações financeiras por instituições, e passadas ao governo sem necessidade de autorização judicial).

A “USA Patriot Act” viabilizou legalmente o crescimento do poder do Estado não somente sobre a capacidade de prover defesa nacional efi-ciente, mas também sobre capacidade de moni-toramento e controle das individualidades. As ações que se justificassem em prol da segurança, estariam imersas numa jurisdição adequada. As consequências do ocorrido na segunda terça-feira de setembro, transpassavam o caráter momentâ-neo e alcançavam o permanente. Na teoria de sociedade de controle, que analisa as instâncias de domínio sobre a sociedade civil, Gilles Deleuze diz: “Num regime de controle nunca se termina nada”. Não há mais término, há prolongamento. A validade das políticas emergências eram inde-terminadas, o provisório era interminável. Após o sucesso do combate legislativo como suporte, ainda eram necessárias outras ações preventivas contra o inimigo iminente. Dispositivos deveriam ser aprimorados e construídos para fortalecer a manutenção do domínio.

As condições propícias do direito nacional, per-mitiram um apurado sistema dos EUA no controle de sua população. Através disso, instituiu-se um panorama que excedia os pontos inegociáveis da privacidade e liberdade, é necessário esclarecer as formas de vigilância que nele foram aplicadas. A globalização das comunicações e progresso técni-co converge para um fluxo imediato e ininterrupto de surgimento de tecnologias. Diante disso, uma das soluções requeridas foi a utilização e criação de tecnologias de vigilância e controle. Não so-mente após as transformações jurídicas surgiram tais mecanismos, mas por essas foram aprimora-dos e reforçados. A dinâmica e eficiência dos siste-mas tecnológicos garantiam a organização e sigilo

das ações.

Os aparelhos de instrumentalização da vigilância são dos mais variados. O CCTV (Close Circuit Televi-sion), circuito fechado de televisão, é uma forma de proteção do patrimônio de locais públicos, empre-sas, e residências contra possíveis delitos. Porém, muitos questionam a aplicação do mesmo na il-imitada supervisão de funcionários, sejam públicos ou privados, e controle de tráfego. As RFID (Radio-Frequency Identification), etiquetas com rádio

frequência, sua utilidade é vista em organização de estoques em lojas e supermercados, mas sua pro-priedade de rastreamento permite estabelecer es-pecificamente perfil e preferências de consumo.

Embora a alta performace desses dispositivos, o agente mais potente nessa categoria de vigilância é NSA (Nacional Security Agency). A agência três vezes maior que a CIA originalmente dirigia sua função para analisar documentos e decifrar códigos internacionais e nacionais. Após o fim da Guerra Fria, direcionou seu foco para âmbito doméstico. O banco de dados de Utah possui capacidade tecnológica de ponta, com consumo torno de 65 megawatts, quase total de todas as residências de Salt Lake City.

Os atentados terroristas ao Pentágono, centro políti-co-militar, resultou na descentralização da agência, tanto com receio de perda do material armazenado por um ataque, como na ampliação da capacidade

14

Page 15: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

de monitoramento. De acordo com evolução das tecnologias de vigilância, aumenta-se o volume de dados armazenados, atualmente a agência possui três centros de operação. Toda essa infraestrutura contribui para a posição de maior instituição na “in-teligência de sinais” (SIGINT) do mundo.

O processo da NSA inicia-se em coleta e análise de diversas fontes: chamadas telefônicas, e-mails, buscas na web, entre outras. Interceptando e ana-lisando quase todas as formas de comunicação do país. Com os dados devidamente criptografados, além de criar perfis atualizados, o sistema por operações complexas de algoritmos determina quem são potenciais terroristas futuramente. Instituindo o monitoramento a todos residente no país, sem distinção de cidadão ou imigrantes. Ainda que o processo seja altamente sigiloso, várias ações da agência foram contestadas por suspeita de grampos sem mandato, porém ainda era apoiada por parte da sociedade americana. A indústria de telecomunicações prestava todo tipo de apoio à NSA. Um exemplo foi a cooperação com a empresa AT&T, na construção de alas secretas para cópia do tráfego de informações na própria empresa.

A privacidade é uma dimensão de muita importân-cia na vida social, através dela ocorre a livre difusão de nossas individualidades, sendo paradigma invio-lável no sigilo de comunicações (conversas telefôni-

BibliografiaPORTO, Sérgio Dayrell (organizador). 11 de Setembro em Nova York: A incompreen-são das diferenças. Edições IESB, Série Comunicação 2002, CNPq.

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira Brant (coordenador): Terrorismo e Direito - os im-pactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Editora Forense, Rio de Janeiro 2003.

CHEVITARESE, Leandro & Pedro, Rosa Maria Leite Ribeiro. A Questão da Liberdade na Sociedade Tecnológica Por uma Alegoria de Kafka e Dick. XXVII CD-ROOM - En-contro Anual da ANPOCS, 2003

LYON, David. 11 de Setembro, Sinóptico e Escopofilia: observando e sendo observa-do. The New Politics of Surveillance and Visibility, University of Toronto Press 2006. BAMFORD, James. Quem está no banco de dados do Grande Irmão? Link: http://www.nybooks.com/articules/23231

cas, envio de e-mails, correspondência entre out-ros), e sigilo financeiro. Além de atentar contra tais preceitos, as tecnologias formulam um sistema de previsões visando condicionar o comportamento social. O sistema de vigilância dos EUA garantia um total aprimoramento dos mecanismos de controle social, adequados por uma opinião pública favorá-vel e eficiência técnica. Entre programas de vigilân-cia devem surgir questionamentos por liberdade e privacidade, as escolhas devem ser feitas.

Manipulações e controle refletem-se no estandarte liberal do mundo. Os sistemas vigilantes não imprimem somente agressão à privacidade, mas armazenam todos os dados por hábitos e preferências, podendo servir de grande influência para determinar padrões de consumo. De acordo com Zygmount Bauman: “Liberdade na pós-modernidade se reduz a opção de consumo”6, a problemática da liberdade nas condições apresentadas torna-se cada vez mais complexa. A opção seria no mínimo compreender os agentes que a constrangem, para elaborar contrapontos de resistência.

Na data de 1º de Maio de 2011,Barack Obama anun-cia que Osama Bin Laden foi morto numa operação estadunidense no Paquistão. Tal “vitória” é tida como simbólica por alguns países europeus - não representando desestruturação da Al-Qaeda pela independência de atuação das células da organiza-ção - e motivação para retaliações da mesma como anunciou o porta-voz da Casa Branca (Jay Carney). Após clima de euforia e dever cumprido, retorna uma atmosfera de incerteza. Devemos refletir que a partir do discurso de iminência de perigo e fragilidade na segurança pública, até que ponto é legítimo vilipendiar direitos individuais indivisíveis na sociedade contemporânea.

Foto da Estátua da Liberdade retirada no momento do atentado

15

Page 16: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

A Organização Mundial do Comércio foi criada em 1995, concretizando o compromisso

celebrado no Acordo de Marraqueshe, que encerrou as negociações da Rodada do Uruguai (1986-1994), passando a representar a sede suprema da Lei Internacional. Não obstante, a OMC foi incapaz de concluir sua primeira rodada de negociações multilaterais, resultando em um longo período de hibernação da Rodada do Desenvolvimento de Doha (2001), principalmente pelos efeitos da crise financeira de 2008 sobre as possibilidades de retomada das negociações.

Oportunamente, o tema do WTO PUBLIC FORUM de 2012 (24-26 de setembro) será “Is Multilateralism in Crisis?”. Os trabalhos aprovados no Fórum que analisam a crise do multilateralismo comercial apresentam o dilema do regime de comércio a partir de dois pontos: 1- a mudança da natureza das trocas que devem ser reguladas pela OMC, ressaltando a necessidade de reformas na Organização e 2- o novo papel de liderança que deve ser exercido pelos BRICs sob uma nova OMC, adaptada ao comércio do século XXI.

Nesse sentido, originam-se visões críticas que per-cebem uma ameaça na recente proliferação de Acordos Preferenciais de Comércio - PTAs - como iniciativas que atendem aos interesses dos países desenvolvidos, principalmente após os EUA se re-traírem no papel tradicional de grandes líderes das negociações do regime de comércio - alertando para prejuízos irreparáveis advindos do retrocesso

representado pelo abandono da cooperação em bases multilaterais (BHAGWATTI, 2012).

Ainda nessa visão, caberia aos BRICs fazer valer sua influência sobre o processo negociador, ajudando a conformar um desfecho possível para a rodada, o qual necessariamente teria de ser mais compatível com os interesses desses grandes players (BHAGWATTI, 2012). Outra perspectiva vai além e atribui à inaptidão em exercer esse papel de liderança um dos entraves centrais que foram capazes de paralisar as negociações (JONQUIÈRES, 2012). Essa análise salienta ainda que, ao lado dessa nova liderança, a OMC necessita de uma reforma que atinja o cerne do multilateralismo praticado pela Organização. Nesse sentido, faz coro com o argumento central de outro autor que faz da reforma da OMC, na direção da sua adequação ao comércio do século XXI, caracterizado sobretudo pelas cadeias globais de valor - global value chains - condição sine qua non da manutenção da relevância da Instituição e, portanto, da sua sobrevivência enquanto pilar do multilateralismo comercial futuro. (BALDWIN, 2012).

Tanto da perspectiva da necessidade de reforma, quanto da urgência de liderança dos BRICs sobre a Organização, há consenso entre as análises no sentido de atribuir um grande poder explicativo do dilema atual do regime de comércio às grandes rupturas que caracterizam a evolução do regime, desde o seu surgimento no pós-guerra (GATT-1947) até a sua maior institucionalização, representada

Quosque Tandem Abutere Commercial Multilateralism

Patientia Nostra?Até Quando, Enfim, Ó Catilina, Abusarás da Nossa Paciência?

Ricardo Basílio WeberGraduado em Ciências Sociais na UERJ, Mestre em Ciência Política

pela UFF e Doutor em Relações Internacionais pela PUC-RJProfessor Associado do Ibmec-RJ.

16

Page 17: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

pela criação da OMC.

Não há dúvida de que essa evolução que culminou na criação de uma nova instituição explica parte dos dilemas vividos nessa arena multilateral. No entanto, é imprescindível resgatar uma outra di-mensão fundamental da crise da OMC que não é explorada por essas análises e que repousa sobre a grande continuidade que pautou essa trajetória, permitindo explorar um outro sentido da crise que se revela fundamental para a sua superação.

Segundo WILKINSON (2000) & WOOLCOCK (2003), a criação da OMC representou muito pouco, no que diz respeito às mudanças no sistema multilateral de comércio. O que alterou o regime nos anos noventa foi a sua substância em termos de aumento de acesso a mercados, criação de regras e mudanças institucionais, que provieram dos resultados da Rodada do Uruguai e não da criação da OMC (WOOLCOK, 2003:103).

Enxergar a criação da OMC pela perspectiva da continuidade - e não da ruptura - implica consi-derar os determinantes fundamentais da evolução do regime a partir do resgate da sua evolução conjuntamente àquela de outros pilares da ordem econômica criados em Bretton-Woods (1944), no pós-guerra. Nessa perspectiva, a criação de uma terceira instituição, ao lado do FMI e do BIRD, representou o ponto culminante do processo de construção institucional, iniciado após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de gerenciar setores-chave da economia internacional. Quando percebida numa linha de continuidade com a institucionalização da ordem econômica que se deu por diferentes etapas, podemos perceber a OMC como representando o último e mais bem sucedido esforço de criação de um ponto de centralização do regime de comércio liberal, desenhado para governar em certa medida, a política econômica global (WILKINSON, 2000).

Nessa perspectiva, o atual dilema da OMC não pode ser analisado, prescindindo da consideração da evolução do regime de comércio intimamente associada às crises que se abateram sobre o FMI e o Banco Mundial na década de noventa.

A crise que atinge em cheio essas instituições se origina das avaliações produzidas sobre a sua res-ponsabilidade no surgimento e no gerenciamento das crises financeiras que atingem os mercados emergentes na segunda metade da década. Atin-gindo primeiramente o México (1994-1995), as fu-gas de capitais ressurgiram em 1997 no Leste da Ásia, irradiando-se para a Rússia em 1998, passan-do pelo Brasil (1998-1999) para chegar à Argentina (2001-2002).

O debate gerou muitas críticas que partiam da academia, mas envolveram até mesmo membros da burocracia dessas instituições, como no caso do ex-presidente do Banco Mundial, Joseph Siglitz, que assume uma postura crítica em ‘A Globalização e seus Malefícios (2002)’. Ha Joon Chang publica ‘Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective (2002)’, onde nega a possibilidade do desenvolvimento econômico dos países que se abrem ao comércio internacional,

17

Page 18: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

sem antes haverem construído sólidas vantagens comparativas, ancoradas em níveis avançados de industrialização das suas economias. Outra voz dissonante da academia são os trabalhos de Dani Rodrik (2002) que questionam qual rumo deve ser seguido pelos países que buscam o desenvol-vimento, após o ocaso do neoliberalismo, permi-tindo que se cunhasse o termo pós-Consenso de Washington. Esse debate reverbera no Brasil em seminário no BNDES, intitulado Novos Rumos do Desenvolvimento (setembro de 2002). Na ocasião, Edmar Bacha (2002) cunha o termo Dissenso de Cambridge, como ilustrativo das lições tiradas das crises dos anos 90, para se referir ao grande de-bate internacional que não se contenta em ques-

tionar a validade do modelo de desenvolvimento hegemônico do Consenso de Washington, por associá-lo às causas da crise, mas passa também a comparar o desempenho dos países em desenvol-vimento que aderiram profundamente ao modelo, como os da América Latina, com alguns mercados asiáticos, que resguardaram as bases de gerencia-mento das suas políticas domésticas. Estes países conservaram sua capacidade estatal de emprego de políticas anticíclicas, como instrumento fun-damental para o melhor desempenho econômico apresentado por eles, inclusive no que diz respeito à sua capacidade de superar as consequências das crises.

As consequências sobre o FMI e o Banco Mundial se iniciaram em setembro de 1999, pelo relatório

semestral do FMI, World Economic Outlook, que reservou um capítulo do documento às propostas de prevenção e resolução das crises financeiras. O relatório anual do Banco Mundial procedeu da mesma forma. Nesses documentos constam as primeiras autocríticas do Fundo e do BIRD em relação à sua atuação nas crises. Ambas as instituições adotavam uma inflexão no seu posicionamento tradicional que consistia em atribuir as crises exclusivamente aos fatores estruturais ou macroeconômicos dos mercados emergentes. A partir daquele momento houve o reconhecimento do funcionamento inadequado e ineficiente do sistema financeiro internacional como responsável pela vulnerabilidade dos mercados vitimados pelas fugas de capitais. Nos relatórios das instituições, atribui-se esse mau funcionamento à falta de transparência ou informações dos países, assim como aos problemas dos seus sistemas financeiros domésticos.

Assim, na reunião conjunta do FMI e do BIRD, de abril de 2000, em Washington, debateu-se a reforma de ambas as instituições e o seu papel futuro. A proposta de reforma institucional originada do Congresso norte-americano vinha sob a forma do relatório Meltzer (2000), que defendia uma reestruturação radical do FMI e do BIRD que deveriam abandonar a sua atuação tradicional baseada nas políticas de condicionalidades e se restringir a critérios técnicos na concessão de recursos aos países, com o objetivo de atuar efetivamente na prevenção das crises, reduzindo o risco moral - moral hazard.

Foi quando as instituições de Bretton Woods passavam por esse momento de balanço, sob críticas contundentes dirigidas ao seu receituário para o desenvolvimento dos países, que a OMC buscou lançar sua primeira rodada de negociações em Seattle (1999). Os protestos nas ruas ficaram conhecidos por haverem impedido o lançamento da rodada naquela ocasião. A partir daquele impasse, seria a atmosfera política criada pelos ataques do 11 de setembro de 2001 que possibilitaria o lançamento da primeira rodada de negociações comerciais da OMC centrada no tema do desenvolvimento (JACKSON, 2002, p. 107).

a OMC necessita de uma reforma que atinja o

cerne do multilateralismo praticado pela Organização.

18

Page 19: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Como resultado do onze de Setembro, os países desenvolvidos passaram a perceber na OMC a única possibilidade de afirmação da estabilidade da ordem econômica liberal, por meio de um avanço do multilateralismo econômico naquele momento de crise das demais instituições. Desse modo, ganhava força no mundo desenvolvido a percepção que associava os resultados de uma nova rodada comercial ao combate à desigualdade

entre os países, percebida como obstáculo à paz. Segundo essa perspectiva, o desenvolvimento dos países em desenvolvimento viria através de uma grande liberalização do comércio agrícola. Essa ideia se tornava um consenso que envolvia o Secretário Geral da ONU, o Presidente do Banco Mundial e o Diretor Gerente do FMI que manifestavam a necessidade urgente de endereçar a questão da pobreza global para o que seria reservado um papel fundamental para o comércio (CHO, 2004).

Foi mediante essa migração do tema do desenvol-vimento do interior de outras instituições para se tornar o tema da primeira rodada de negociações da OMC que a organização incorporou muitas ten-sões sistêmicas às negociações. Essas tensões se materializam na Declaração Ministerial de Doha (2001), sob a forma de ambiguidades em relação à questão do desenvolvimento. O documento (98 WT/MIN(01)/DEC/1) menciona o compromisso dos

países desenvolvidos com a liberalização do comér-cio agrícola como via para o desenvolvimento dos PEDs. No entanto, não há qualquer compromisso concreto nesse sentido, assinalado pela ressalva: “Without prejudging the results of negotiations”.

Temas sensíveis de negociação que despertavam a rejeição dos países em desenvolvimento, como os Temas de Singapura (1996) - facilitação do co-mércio, compras governamentais, investimentos e competição comercial - implicando em grande interferência da regulação multilateral sobre a

19

Page 20: The Rio Globalist - 2ª Edição

soberania dos Estados e que se encontravam profundamente deslocados da linha central do debate sobre as novas perspectivas do desenvolvimento também assumiram um

tratamento ambíguo no texto. Na declaração de Doha, estabelece-se que após a quinta Conferência Ministerial, que ocorreria dois anos depois, em Cancun (2003), seriam decididas as modalidades das negociações desses temas. Os países em desenvolvimento interpretaram essa mensagem significando que futuramente ainda teriam oportunidade de rejeitar a negociação desses temas, enquanto os países desenvolvidos interpretavam a mesma sentença significando que em Cancun seria decidido apenas quanto às modalidades para aquelas negociações, que já consideravam parte integrante da agenda da rodada.

Não há espaço ou pretensão de abordarmos nesse artigo as consequências que se seguiram, mas desde o lançamento da rodada estavam lançadas as bases que converteriam as negociações sobre a Agricultura no palco da re-emergência da clivagem Norte-Sul que terminaria paralisando as negociações em junho de 2008. A inspiração desse artigo consistiu no resgate das tensões sistêmicas que permitiram o lançamento da rodada como reação de afirmação do avanço do multilateralismo num momento em que havia frágeis bases para a adesão da totalidade dos

RIORIO

BibliografiaBacha, Edmar. Do Consenso de Washington ao Discenso de Cambridge. Seminário do BNDES sobre Novos Rumos do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 12-13 de setembro de 2002.

Bhagwatti, J. The Broken Leg of International Trade. Disponível em: http://www.wto.org/english/forums_e/public_forum12_e/public_forum12_e.htm. Consulta em 15/06/2012.

Baldwin, R. 21st Century Trade and Global Trade Governance: The WTO’s Future. Disponível em: http://www.wto.org/english/forums_e/public_forum12_e/public_forum12_e.htm. Consulta em 15/06/2012.

Chang, Há-Joon. Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Per-spective. London, Anthem Press, 2002.CHO, S. A Bridge Too Far: The Fall of The Fifth WTO Ministerial Conference in Cancun and The Future Of Trade Constitution. Journal of International Economic Law, v. 7, n. 2, p. 219-244, 2004.

Jonquiere, G. Wanted: A New Model for Multilateralism. Disponível em: http://www.wto.org/english/forums_e/public_forum12_e/public_forum12_e.htm. Consulta em 15/06/2012.

PAULINO, L.A. Os BRICs e o Equilíbrio de Poder Global. FFC – UNESP - Marília, In: XIX ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA: Poder, Violência e Exclusão. Anais... ANPUH/SP – USP; 08/12 set. 2008.

Rodrik, Dani. Depois do Neoliberalismo, O Quê? Desenvolvimento e Globalização, Desenvolvimento em Debate. Disponível em: www.bndes.gov.br/conhecimento/livro_debate/1- desnv&glob.pdf Consulta em 14/06/2012. STIGLITZ, J.E. A Globalização e seus Malefícios. São Paulo: Futura, 2002World Economic Outlook. IMF, sept-1999. Disponível em: http://www.imf.org

a atmosfera política criada pelos ataques do 11 de setembro de 2001 que

possibilitaria o lançamento da primeira rodada de

negociações comerciais da OMC

membros da OMC a uma agenda muito ampla e plena de ambiguidades. Sobre o conteúdo dessa agenda incidiriam ainda algumas características institucionais da recém-criada OMC, que tornavam ainda mais delicado o apoio da grande maioria de membros em desenvolvimento da Organização àquelas negociações. Segundo o primeiro Diretor-Geral, Renato Ruggiero, a criação da OMC equivalia à criação de uma Constituição da economia internacional, fazendo menção à “cláusula de entendimento único”, que restringia ou limitava o repertório e as opções de políticas econômicas à disposição dos Estados em desenvolvimento (PAULINO, 2008). Simultaneamente, a OMC inaugurava um formato institucional baseado em regras e dirigido pelos seus membros - rule based and member driven- apontando para uma grande fragilidade política, dada a ausência de um órgão político na sua estrutura organizacional. Desse modo, todos os membros, cuja preponderante maioria consiste em países em desenvolvimento, têm o direito de veto. Assim, apesar da sua heterogeneidade enquanto Grupo, os PEDs tomaram consciência de que a natureza da OMC, de cada país um voto, consistia num ativo político fundamental para que exercessem uma grande e inconclusiva influência sobre as negociações. No mesmo sentido, o papel político fundamental e tradicionalmente desempenhado pelo G-7 para a evolução do regime desde o fim de Bretton Woods também foi dificultado pela maior institucionalização da OMC.

20

Page 21: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Cursos de Idiomas no Exterior

Vá em busca daquela linha no seu currículo que fará toda diferença.Alunos IBMEC recebem isenção da matrículana EF - Rio comprando um intercâmbio.

EF Rio de JaneiroRua Visconde de Pirajá, 550Loja 227 - IpanemaTel: 21 2287 4240 www.ef.com/LinkedInGroup www.ef.com

Page 22: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Nos últimos anos, assistimos uma crescente valorização das matérias-primas, impulsion-

ada em grande parte pela forte demanda chine-sa, onde o Brasil se beneficia, contribuindo para auferir saldos positivos em sua balança comer-cial. Entretanto, o aumento da participação de commodities em nossa pauta exportadora vem

causando preocupações no governo, suspeitas de que uma possível doença holandesa (termo criado pela revista “The Economist” para designar um fenômeno na Holanda em que, após a descoberta e produção de reservas de gás natural, o país teve uma valorização cambial que prejudicou a expor-tação de seus produtos manufaturados e, assim,

afetou a indústria) na ótica de alguns analistas e/ou, um processo de desindustrialização estaria ocorrendo no país, argumento fortemente defen-dido por associações industriais, em especial, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Além disso, a forte presença de maté-rias-primas na exportação é apontada como um

problema, pois, - além de não agregar valor, tec-nologia e conhecimento - são produtos com alta volatilidade no mercado internacional, sujeitando o balanço de pagamentos brasileiro às variações das commodities nas bolsas estrangeiras. Mais do que contábil, o problema se torna de cunho políti-co-econômico, impondo reflexões tais como: qual

Commodities e Industrialização:

Complementares ou excludentes?Alexandre Carvalho Dieterichs

22

Page 23: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

a papel do Brasil no comércio mundial? E nos BRICS,: ser uma fazenda enquanto a China é a fábrica do mundo?

O aumento da participação de commodities na balança exportadora brasileira é resultado de investimentos feitos e por vir nos setores primários. Nossas maiores empresas atuam nesses segmentos. A exportação de minério, capitaneada pela Vale, aumentou desde 2003 tanto em tonelada exportada quanto em seu preço no mercado internacional. Em relação à soja, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) estima uma safra recorde de 75 milhões de toneladas para a safra 2010/2011, boa parte para exportação. Além disso, investimentos chineses da ordem de US$ 16 bilhões em soja estão programados para a próxima década. Os campos do pré-sal, descobertos em 2006, já começaram a produção e, de acordo com o plano de negócios da Petrobras 2010-2014, em 2020 serão produzidos 5.382 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boepd), isto é, con-tabilizando

apenas a produção da estatal e excluindo o setor privado nacional (OGX, HRT, Queiroz Galvão) e as petroleiras internacionais (BG Group, BP, Statoil, Sinopec, entre outras). Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o Brasil deve produzir 6.1 milhões boepd em 2020. Se considerarmos que, até lá, o barril de petróleo não subirá e se manterá em 100 dólares, pode-se ter uma idéia da

quantidade de renda por vir nessa década. Ainda que não oficial, existem palpites que Petróleo e Gás (P&G) chegará a 20% do PIB em 2020.

Um estudo feito pelo BNDES aponta que no período 2006-2009 o ramo de P&G recebeu R$205 bilhões (bi) e a extrativa mineral R$60 bi (somando 68% do total) ao passo que o segmento de veículos teve R$25 bi e eletroeletrônica R$20 bi (alcançando apenas 11,6%). O mesmo estudo identificou que entre 2010-2014 serão investidos no setor de matérias-primas, como P&G, R$378 bilhões (bi) e na extrativa mineral R$ 62 bi (juntos correspondem a 70% do total de investimentos) enquanto na indústria de veículos R$ 33 bi e eletroeletrônica R$29 bi (representando 10,2% do total). Isto é, ambos os produtos já possuem grande destaque na balança comercial brasileira, seja com o mundo, ou especificamente com a China e, com uma distribuição de investimentos como esta, não será uma surpresa se houver uma polarização ainda maior entre commodities e bens manufaturados nessa década em nossas exportações.

Atualmente, fatores como o aumento da relevân-cia de matérias-primas em nossa pauta exporta-dora, as mega jazidas do pré-sal e a valorização cambial estão levando alguns a pensarem que está ocorrendo o processo de doença holandesa. De fato, os três fatores estão acontecendo, en-tretanto, por motivos diferentes de uma “doença holandesa” clássica. Segundo pesquisa feita pela

23

Page 24: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

FIESP em 2007, foi identificado que 96,6% do ca-pital que entrou no país naquele ano foi via conta capital-financeira, e apenas 3,4% pela balança co-mercial, onde são contabilizada as commodities. Ou seja, fatores como economia aquecida, altas taxas de juros e, a partir de agora, ser sede de eventos internacionais como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio em 2016 atraem o capital internacional para entrar como IED (In-vestimento Estrangeiro Direto), participação na dívida pública ou para empréstimo a empresas privadas (o cenário de baixas taxas de juros no ex-terior combinado com a política de afrouxamento quantitativo do FED inserem liquidez no mercado internacional e estimulam firmas nacionais a con-traírem empréstimos fora do país). Podemos ter sintomas de doença holandesa, mas suas causas divergem de seu conceito original.

Em seguida, existe a suspeita de um processo de desindustrialização. Certamente muito mais compli-cada de afirmar sua existência ou não. Apesar de in-clusivo, o aumento de renda observado nos últimos anos, especialmente depois de controlada a infla-ção, estimulou diretamente o consumo (fator que, por sinal, foi decisivo para a superação dos efeitos da crise de 2008). No entanto, alguns aspectos negati-vos começam a aparecer. Somando-se esses fatores a uma conjuntura de aumento de liquidez global, países emergentes recebendo capital como jamais visto, constante valorização do real (reforçando ain-da mais o poder de compra da população) associada à aparição de uma China com câmbio artificialmente desvalorizado e fornecendo produtos para consumo de massa com eficiência vem causando sérias preo-cupações, com razão, à indústria nacional.

A constante diminuição do peso da indústria no PIB e pauta exportadora brasileira, a forte aquisição de maquinário no exterior e a concor-rência estrangeira contribuem para o argumento da desindustrialização, porém, não é prova defini-tiva. A competição chinesa, como em vários can-tos do mundo, é a principal razão de preocupação e seus efeitos atingem tanto o mercado domés-tico quanto o externo.

Segundo o Observatório Brasil-China da Confe-deração Nacional das Indústrias (CNI), a participa-ção chinesa nas importações americanas passou de 10,76% em 2002 para 19,09%, enquanto a fatia brasileira decaiu de míseros 1,36% para 1,25%. No caso mexicano a situação é ainda mais interes-sante, em 2002, a China possuía 3,62% e o Brasil 1,48%. No entanto, em 2010, Pequim já possuíra 15,11% das importações do México enquanto as indústrias brasileiras decaíram para 1,44%.

Em 2010, no intuito de avaliar o clima perante a situação com os empresários a CNI realizou uma pesquisa. Foi descoberto que 45% das empre-sas brasileiras perderam mercado para a concor-rência oriunda de Pequim; os setores de metal, couro, calçados e têxteis foram os mais afetados. Dessas, as pequenas empresas foram as que mais sofreram, com perda de mercado de até 49% en-quanto as grandes conseguiram resistir melhor, com perda 32%. No intuito de avaliar a mesma competição nos mercados estrangeiros, a mesma organização patrocinou outra pesquisa com em-presas exportadoras brasileiras, suas conclusões foram: 67% das indústrias nacionais perderam cli-entes no exterior devido à concorrência chinesa; 4,2% deixaram de exportar por causa da com-petição e 27% conseguiram manter ou ampliar sua base de clientes. Ou seja, muitos foram afe-tados pela disputa com os chineses, entretanto, menos de 5% tiveram que parar seus negócios por esse motivo.

Existe algum ponto positivo neste cenário de verdadeira luta pelo consumidor? Sim. O mesmo levantamento apurou estratégias das empresas nacionais para driblar a concorrência e, assim, 48% delas estão investindo em diferenciação por

24

Page 25: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

qualidade ou design, buscando valorizar a marca para um produto diferenciado. Por outro lado, 45% ainda preferem o aplicar em corte de custos e ganhos de produtividade, apostando em “fôlego” para vencer a corrida contra os chineses. Ainda que sejam desconsideradas discrepâncias cambiais, é difícil imaginar que a indústria nacional não fosse afetada pela concorrência da China. Seus graus de escalas são mundiais (apenas sua classe média, ou seja, habitantes com considerável poder de compra, possui de 200 a 300 milhões), portos conferindo grande escala, salários e encargos mais baixos que os encontrados no Brasil, tudo isso pesa contra nossas empresas. Além disso, com os índices de desemprego em torno de 6.4% (IBGE, março de 2011) é difícil imaginar onde encontrar mão-de-obra suficiente para suportar um grande número de indústrias de baixa tecnologia focada em escala.

O lado bom desta situação é que uma indústria mais sofisticada, com maior tecnologia e qualidade deverá predominar no país. Cabe a nós termos uma força de trabalho qualificada (e poupança) na demanda necessária para conduzir esse processo. Observa-se que a presença de produtos chineses tende a ser cada vez maior uma vez que eles devem ganhar mercado com sua escala, especialmente em população de menor renda e, assim deteriorando a balança comercial brasileira. Formas para frear este movimento? O ideal seria um maior financiamento de produtos brasileiros no exterior e a uma progressiva eliminação do custo Brasil. Isto é, redução da carga tributária, encargos nos salários, problemas em infraestrutura e outras ineficiências. No limite, infelizmente também o caminho mais fácil, pode ser que haja proteção da indústria nacional pelas clássicas barreiras tarifárias e técnicas, o que não é bom pro consumidor local.

No comércio exterior brasileiro, as commodities vêm progressivamente ganhando espaço na pau-ta exportadora, entretanto, apenas em 2010 elas (46,06%) ultrapassaram os produtos industria-lizados (38,9%). Porém, o problema se encontra, novamente, na relação comercial Brasil-China (É bom ressaltar que os chineses são os maiores im-

portadores, exportadores e investidores no Bra-sil). As duas nações complementam-se (talvez até demais) no seu comércio, em uma relação que, para alguns, lembra o pacto colonial, em que um fornece matérias-primas e a outra parte os produ-tos manufaturados. A polarização é tamanha que, em 2010, 83% das exportações brasileiras são produtos básicos, enquanto as 97,5 % das impor-tações são de manufaturados altamente diversi-ficados (variação positiva de 60% em relação ao ano anterior).

No entanto, é preciso reconhecer que essa rela-ção também vem beneficiando sobre certos as-pectos o país uma vez que as cotações das com-modities a preços elevadíssimos têem ajudado a garantir superávits na balança comercial e, conse-qüentemente, causando um aumento da fatia das matérias-primas em relação a bens industrializa-dos. Em 2010, no comércio exterior com o mundo as exportações de petróleo corresponderam a 11,34% e o minério de ferro ganhou destaque por, sozinho, corresponder a 14,32% do total.

Todavia, o Brasil não exporta pela simples casualidade de possuir recursos em seu território. Ele assumiu a liderança em diversos segmentos de matérias-primas devido a pesados investimentos em pesquisa, infraestrutura, maquinário e produção realizados nos últimos anos. Isso assegurou vantagens competitivas sobre outras nações, desenvolvidas ou não. No

O mito que nações agrícolas são

subdesenvolvidas precisa ser superado e o

segmento respeitado.

25

Page 26: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

caso da agricultura, por exemplo, é importante citar as nações desenvolvidas, pois, no setor, os Estados Unidos lideraram as exportações com US$140 bilhões e a União Européia, em segundo lugar, com US$ 128 bilhões (ambos com os famosos subsídios). Ou seja, o mito que nações agrícolas são subdesenvolvidas precisa ser superado e o segmento respeitado gerador de valor. A diferenciação desses países ocorre pelos investimentos e modernizações que levam a uma maior produtividade (é importante ressaltar que tais nações estão chegando perto de seu máximo de área cultivável, portanto, em um sistema de livre mercado, tendem a perder para o Brasil que ainda possui terras disponíveis e produtividade a ser adquirida) de seus campos.

Isso leva a mais reflexão será mesmo que matérias-primas não agregam tecnologia? As pesquisas de manipulação genética da Embrapa (melhorando a qualidade dos diversos animais e safras do país); a exploração dos campos do pré-sal pela Petrobras, alcançando mais de 5000 metros abaixo do mar ou investimentos da Vale em ferrovias e portos são exatamente a prova que é possível conciliar tecnologia de última geração com matérias-primas e mais que isso, essas atividades demandam uma cadeia gigantesca de produtos e serviços, gerando empregos, inclusive na indústria. Não necessariamente são segmentos rivais, ou que deva ser privilegiado em detrimento do outro.

Por fim, é difícil reverter à tendência de que as commodities se destaquem na pauta exportadora brasileira nesta década uma vez que existem os recursos naturais, os investimentos necessários

e compradores dispostos a pagar altos preços. Entretanto, cabe ao Brasil fazer o dever de casa e ajudar sua indústria a fortalecer sua presença no exterior, valorizando a marca e qualidade. Se-ria um erro focar toda a produção para o merca-do interno, ainda que este esteja aquecido, pois certamente irá gerar ineficiência e comodismos prejudiciais a qualquer setor. Ao invés de uma nova industrialização por substituição por impor-tações, uma política para exportações deveria ser buscada, no intuito de agregar competitividade ao produto brasileiro. O caso do petróleo é um exemplo, a instalação de indústrias para atender as demandas da Petrobras e das demais petro-leiras deve, sim, ter o foco em abastecer o mer-cado nacional, entretanto, é preciso mirar novos mercados, como a costa oeste africana e, assim, assegurar que nossa produção possui qualidade e preço competitivo. Esta década possui elementos para que nosso país tenha presença marcante, é preciso lembrar que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são uma oportunidade ímpar para que o mundo conheça mais sobre o Brasil e, assim, este possa mostrar sua cultura, suas empresas e consolidar sua marca. É preciso utilizar esse Soft-power a serviço de nossos negócios.

http://www.fgv.br/mailing/ibre/carta/agosto.2010/CIBRE_agosto_2010.pdfhttp://www.bbvaresearch.com/KETD/fbin/mult/201010_Observatorio_Economico_tcm348-234367.pdf?ts=962011http://www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2011/ha-espaco-para-manufaturados-brasileiros-na-china-diz-abdenurhttp://www.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-ja-e-o-terceiro-maior-exporta-dor-agricola-do-mundo,520500,0.htm http://www.maxpressnet.com.br/Conteudo/1,393866,Perda_de_mercado_interno_para_China_atinge_45_das_empresas_diz_CNI,393866,8.htmhttp://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/vale-investe-us-29-bilhoes-em-expansao-de-porto.htmlhttp://colunistas.ig.com.br/guilhermebarros/2010/08/25/nao-ha-desindustrializacao-no-brasil-diz-fgv/http://www.centrocelsofurtado.org.br/adm/enviadas/doc/17_20060825230822.pdfhttp://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Alexandre_Tombini_Apresentacao_CAE_22-03-2011.pdfhttp://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=3129&refr=1161http://veja.abril.com.br/infograficos/economia_brasileira/http://noticias.r7.com/economia/noticias/fiesp-diz-que-brasil-passa-por-desindustri-alizacao-20101028.htmlhttp://www.fiesp.com.br/derex/publicacoes/pdf/a%20superoferta%20de%20d%C3%B3lares%20(16.10.2007)%20ppn.pdfhttp://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arqui-vos/conhecimento/visao/Visao_91.pdfhttp://www.cni.org.br/portal/data/files/FF8080812FA1DE73012FBC57E0EC6156/Obsv%20Brasil%20China_mar_2011.pdfhttp://redepetrobrasil.org.br/wp-content/uploads/2010/06/26891.Plano_de_Neg%C3%B3cios_2010-2014.pdfhttp://www.jb.com.br/economia/noticias/2011/06/06/epe-brasil-vai-quase-triplicar-a-producao-de-petroleo-ate-2020/http://meagrofaceufgd.blogspot.com/2011/04/chineses-investem-na-soja-brasileira.htmlhttp://portalmaritimo.com/2011/03/23/gabrielli-petrobras-deve-duplicar-reservas-nos-proximos-cinco-anos/

Bibliografia

26

Page 27: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

A justiça de transição pode ser definida como o conjunto de medidas político-jurídicas

adotado quando do fim de um regime político e da ascensão de outro, em especial, quando uma Nação supera um período de arbítrio e retomam Estado Democrático mesmo neste inicio de século XXI, ainda testemunhamos inúmeros regimes arbitrários, sejam as democracias formais ou as teocracias familiares que subjugam seu povo. É justamente na ponte que conduzirá esta nação das turvas nuvens do arbítrio ao alvorecer de uma democracia que se encontra nosso objeto de estudo: a justiça de transição.

Tais quais os países, costumes, regras e culturas, a justiça transicional é múltipla, operada com ferramentas distintas de um país para o outro, apesar de manter similaridades estruturais. Como por exemplo, a ideia de perdão coletivo, ou seja, um salvo conduto de toda a sociedade. Porém este perdão coletivo, com o passar dos anos e descoberta de verdades antes ocultas, se tornará escandaloso, forçando aquele país a tomar novos rumos, que vão desde a definição histórica da autoria dos crimes cometidos durante o regime ditatorial até a efetiva responsabilização penal dos agentes que os cometeram. Sobre o perdão coletivo, o Ministro Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal, nos brinda com o seguinte poema, intitulado “A Propósito de Hitler’:

“A humanidade não é o homem para se dar a virtude do perdão. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha. Convite masoquístico a reincidência. De fato a coletividade não é o individuo. No individuo o perdão é virtude, na coletividade pode não ser, e pode levar a coletividade à situação tão vexatória do ponto de vista ético-humanístico, de se olhar no espelho da história e ter vergonha de si mesma.”

Quando falamos em retrospectiva, o primeiro im-pulso nos leva ao passado, mas a retrospectiva aqui necessária é o pontapé inicial para um passo adiante.

A questão transicional pode ser considerada es-gotada e ultrapassada, mas seu estudo contem-porâneo, passado o momento mais caloroso da transição, tem importância e atualidade fun-dantes. Isso se dá por dois motivos essenciais: O primeiro é o modelo adotado nos dias de hoje, do qual depende a chamada reconciliação nacio-nal. O segundo motivo é o processo de revisão histórica que deve ser feita para que a justiça de transição, em geral, seja remodelada, atualizada, compatibilizada com a sociedade internacional contemporânea e globalizada que temos neste início de século XXI. Cotidianamente temos notí-cias de decisões judiciais das Supremas Cortes

A Justiça de Transição como ferramenta política

Uma retrospectiva necessáriaWilliam Rodrigues

27

Page 28: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

e políticas dos Parlamentos latino-americanos com a revisão da legislação transicional, em es-pecial, as Leis de Anistia, ou com indiciamento e condenações dos chamados ‘terroristas de Es-tado’, aqueles que, valendo-se da posição estatal que tinham, cometeram crimes contra a humani-dade. Exemplo disso é a extinção do Tribunal Penal Militar argentino, da revogação da Lei de Anistia uruguaia, a condenação do Brasil na Corte Inter-americana de Direitos Humanos, a abertura de in-vestigações sobre a morte do Presidente Allende no Chile. No Brasil, depois de uma longa tramita-

ção, o Congresso Nacional aprovou a nova Lei de Acesso a documentos públicos e a Comissão da Verdade. Além do parecer da UNESCO que clas-sifica os documentos da Ditadura militar brasileira como documentos da Memória do Mundo, entre tantas outras.

A ONU aponta como justiça de transição o

conjunto das seguintes ações: adoção de medidas que permitam o acesso a informações e dados públicos, para preservar a memória do período de ditadura; reparação dos prejuízos sofridos por cidadãos que tiveram seus direitos lesados pelo Estado; promoção de mudanças nas instituições de segurança pública com o objetivo de acabar com a mentalidade autoritária e apuração de todos os crimes contra os direitos humanos e contra a humanidade cometidos - imprescritíveis e não passíveis de anistia. Essas ações vão se desenvolver na interface de vários pólos: o

pólo penal que aborda a responsabilidade e punição dos agentes criminosos; a histórica em que o Estado reconhece sua res-ponsabilidade pelos atos cometidos e se assegura não só o acesso às informações e documentos, mas como a construção e preservação do patrimônio memorial daquela coletividade; o reparatório, no qual o Estado tenta, de alguma maneira reparar

28

Page 29: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

o irreparável, concedendo indenizações, pensões às vitimas e seus familiares; a administrativa, em que as pessoas são reconduzidas á funções públicas das quais tenham sido exonerados, e até mesmo à Universidade das quais alguns foram expulsos e outros impedidos de ingressar; e a justiça constitucional de transição, que é a remoção do entulho autoritário outrora travestido de legalidade, por um pacto constitucional verdadeiramente republicano, democrático, que assegure os direitos e garantias fundamentais. A especialista Ruti Teitel faz uma síntese desse processo:

“Enquanto nossas instituições são concebidas como textos fundadores voltados para o futuro; em perío-dos de mudanças políticas radicais, constituições são, ao invés de textos mediadores, simultanea-mente voltadas para o passado e o futuro, com-preendendo modalidades constitucionais e graus de incorporação variáveis”

A justiça de transição inacabada, que precisa ser revista, cujo processo precisa ser reaberto, geral-mente se originam em um processo de transição político e não baseado em revoltas populares ou luta armada. Esses processos são atrelados a concessões que reduzem a justiça de transição ao elemento de pacificação da sociedade para o restabelecimento da democracia, independente do preço a ser pago. E esse preço, geralmente, é a máxima do esquecimento.

A justiça transicional serve como mola propulsora do ‘virar de páginas’ da história. Ela vem para colocar um ponto final nas mágoas e feridas deixadas pelo regime superado e inaugurar um novo marco histórico-social daquela coletividade. Na maioria dos casos, e pela incidência de inúmeros fatores, em algum momento desse processo de transição algo não foi feito, seja por falta de condições políticas, seja por ausência de consenso no seio da sociedade, e até mesmo pela resistência de instituições que serviram como agentes, e patrocinadoras do regime autoritarista, que, apesar de ora se encontrarem rendidas, sobreviveram ao processo de transição (rendidas no sentido de Hegel: conservados ao mesmo tempo

em que foram deslocados). No caso brasileiro, destacam-se as Forças Armadas e os políticos que migraram para novas legendas e que não tinham interesse na execução de determinadas políticas transicionais.

Como vimos antes, certas forças políticas, em senti-do amplo, sobrevivem à transição de regimes e pas-sam a ter o esquecimento como bandeira. Um pas-

sado que não se conhece, não pode ostentar este título - ele está vivo, como uma página em aberto. A Comissão da Verdade, instrumento transicional que congrega o acesso a informação, a preservação da memória e a reparação, foi finalmente aprovada e instalada no Brasil. Mesmo depois de tantos de-bates, a polêmica continua a cercar a Comissão, seja pela sua composição (sete membros de escolha exclusiva da Presidenta da República), pelo perío-do que irá investigar (1946-1988),pela ausência de poder persecutório à Comissão, pelo seu curto período de trabalho e principalmente por que atos serão investigados: só os praticados por agentes do Estado, só os da resistência ou ambos. Estas e out-ras polêmicas levaram alguns críticos a rebatizá-la de ‘Comissão da Meia Verdade’.

A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff assina o documento da Comissão da Verdade

29

Page 30: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

A despeito das críticas, só o tempo poderá dizer se a Comissão da Verdade que temos é a Comis-são da Verdade que precisávamos. Independente de qualquer coisa, a Comissão não poderá afastar-se da investigação do que ocorreu, com o com-promisso histórico da veracidade de trazer luz aos fatos, de nominar os inominados, de criminosos que atuaram sob a responsabilidade do governo e a segurança do Estado, para que um dia se possa fazer justiça. A Comissão Nacional da Verdade é a láurea de um processo que vem se arrastando a anos, de um ciclo iniciado com o reconhecimento da responsabilidade estatal. Ela não tem ânimo revanchista, não sendo detentora de poderes ju-diciais, nem tampouco a missão persecutória do Ministério Público. Não produzirá julgamentos nem réus, condenados ou condenadores. Simples-mente devolverá ao povo brasileiro algo que nun-ca lhe devia ter sido avocado: o direito a memória e a verdade.

Como abordado preambularmente, a transição de um regime a outro é algo recorrente na história mundial, em especial na América Latina no fim do século XX. Temos exemplos históricos e corajosos a serem seguidos. Como a já citada extinção do Tribunal Penal Militar na Argentina, que possibilitou que os ditadores locais fossem julgados por Tribunais comuns e não por seus pares da caserna; a revogação da Lei de Anistia pelo Congresso uruguaio e a atuação do juiz Baltazar Garzon na Espanha, que, além de investigar crimes da ditadura chilena contra nacionais espanhóis, vêm tentando investigar crimes da ditadura franquista, motivo pelo qual, depois de um processo administrativo intimidatório foi afastado da Corte Constitucional Espanhola.

No fim do ano de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Es-tado brasileiro por não ter investigado os crimes ocorridos durante a repressão da ditadura militar à Guerrilha do Araguaia (1972-1974). A decisão da Corte afirma que a Lei de Anistia brasileira é incompatível com a Carta Americana de Direitos Humanos - e com sua jurisprudência -, e que não pode constituir impedimentos à investigação que

assegure o acesso à justiça, à verdade, à informa-ção, e à punição dos responsáveis. A Sentença “obriga” o Estado brasileiro, no prazo de um ano, e sob supervisão da OEA a cumprir determinações, que em síntese, representam o conjunto efetivo de uma justiça transicional efetiva.

A condenação internacional vai de encontro à decisão da Suprema Corte Brasileira sobre o tema,

que afastou a possibilidade de responsabilização dos agentes da ditadura. Neste mesmo julgamento, o Supremo Tribunal Federal chegou a ventilar discussão sobre a jurisdição do Brasil à OEA, sem, no entanto, dar conclusão à mesma. Chegamos ao segundo semestre de 2012 e muitos itens da sentença ainda não sairão do papel, como a implantação do tema Direitos Humanos na formação de todos os membros das Forças Armadas Brasileiras e em especial na revisão da Lei de Anistia. É nesse ponto, que em que se estabelece o conflito. Cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar se o sistema internacional de direitos humanos – que considerou a Lei de Anistia nula de pleno direito – se sobrepõe ao sistema constitucional brasileiro que, por decisão do próprio STF, julgou a mesma lei como compatível com a Constituição. Se o tema da Anistia já era por si só, sério e delicado, adquiriu agora vulto mais significativo, pois coloca em cheque a credibilidade, e a imagem brasileira frente à Comunidade Internacional e seus organismos de mediação.

Um passado que não se conhece, não pode

ostentar este título - ele está vivo, como uma

página em aberto.

30

Page 31: The Rio Globalist - 2ª Edição

BRITTO, C.A. Voto Julgamento ADPF 153, 2010. Disponível em ttp://www.youtube.com/watch?v=5ranNPsDDAk

TEITEL, R. Transitional Justice. Oxford University Press. 2000

SILVA, E.L.e, O Salão dos Passos Perdidos, 1997, p. 310

O processo transicional inacabado mantém o Es-tado e sua sociedade em permanente estágio de suspensão. A História nos mostra que, invariavel-mente, independente do caminho transicional a ser seguido, nenhum efetivamente será capaz de

Bibliografia

Independente do caminho transicional a ser seguido, nenhum

efetivamente será capaz de corrigir as

atrocidades cometidas em face de nossos

compatriotas.

corrigir as atrocidades cometidas em face de nos-sos compatriotas. O que garantirá, efetivamente, a concretização de nossa justiça quanto ao regime ditatorial de nossa história recente diz respeito ao perdão, mas, sobretudo, à lembrança, resgatada pelo efetivo diálogo entre o direito e a memória. O ponto final necessário só virá quando decidirmos que caminho seguir nesse momento decisivo. Que escolha faremos? A anistia controversa? O perdão coletivo? Ou honraremos os gregos, e o Tribunal instituído por Atenas, ainda no século V a.C, que era a catedral do julgamento pela polis, o julga-mento democrático e político?

Como nos disse o eterno defensor da liberdade, Evandro Lins e Silva: “o direito da pessoa humana supera tudo”.

Page 32: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

A atuação da política externa Brasileira nas

eleições presidenciais do Peru

Marina Yzú

A política externa brasileira tem sido cada vez mais discutida, questionada e criticada den-

tro e fora do país. Uma possível interpretação dos motivos que levaram o Brasil a tomar decisões em relação a questões internacionais, que vêm causando polêmica recentemente, pode levar à identificação de novos tipos de visões sobre a forma que a política externa brasileira deve ser formulada para atingir seus objetivos. Estas no-vas visões podem ser entendidas como fatores que levam à política externa a passar por um pro-cesso de mudança e principalmente de adaptação ao novo cenário mundial. Uma das principais críti-cas feitas é direcionada à ideologia utilizada nas decisões do Brasil em relação a questões interna-cionais, podendo ser colocado em foco o início de um processo de afastamento do realismo que a orientou tradicionalmente, vista a relativa con-tinuidade desta política ao longo da sua história, tanto em períodos em que era orientada pelo projeto nacional-desenvolvimentista quanto em fases em que prevaleceu a integração regional e internacional.

O debate atual em relação à forma de inserção do Brasil no cenário internacional tem a crescente participação de empresas nacionais devido à diversificação dos seus interesses econômicos, haja vista o fenômeno da “mundialização” que nos

atinge. O motivo para política externa brasileira apoiar a internacionalização dessas empresas se dá pela necessidade de satisfazer os interesses dessas, que são parcialmente atendidos pelo Mercosul. Entretanto, as críticas que as empresas fazem, se baseiam na influência de visões mais ideológicas sobre a formulação da política externa para a América do Sul, como a chamada “coalizão sul-sul”. Essas visões interpretam o Brasil como o país que compete diretamente com os EUA pela influência na América do Sul e entende a política externa do Brasil a partir das relações que um partido político estabeleceu, ou pode vir a estabelecer, com partidos políticos afins em outros países da região. Privilegiando, assim, mais os líderes que compartilham os mesmos ideais do que os interesses nacionais e respaldando-se em uma diplomacia presidencialista, que pode ser utilizada para estabelecer acordos bilaterais, com países que podem vir a facilitar a internacionalização de empresas brasileiras.

Uma das principais diretrizes da política externa brasileira é a colocação da América Latina, e prin-cipalmente da América do Sul, como prioridade nas suas relações, podendo ser identificado nas iniciativas recentes de integração regional. En-tretanto, a liderança brasileira no continente não consegue se afirmar através de suas iniciati-

32

Page 33: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

vas integradoras, devido à grande fragmentação ideológica da política no continente e à fragmen-tação em relação às formas de inserção de cada país no cenário internacional. Tornando-se de in-teresse do governo brasileiro que nos governos dos países vizinhos predominem partidos políti-cos que compartilhem as mesmas ideologias, com o intuito de facilitar as negociações bilaterais que visem a promover o desenvolvimento da região.

Em 2011, a América Latina acompanhou as eleições presidenciais no Peru. O candidato Ollanta Humala, que passou em primeiro lugar no primeiro turno, e que concorreu, de forma acirrada, com a candidata Keiko Fujimori , apoiada pelos grupos mais conservadores da sociedade peruana, no segundo turno, fez parte do Partido Nacionalista Peruano (PNP) e é considerado de “esquerda”. Por essas características, o candidato é entendido, pela sociedade peruana, como uma ameaça aos interesses dos grupos mais conservadores peruanos. Ele é criticado através de questionamentos sobre possíveis intenções de nacionalização de empresas e de reformas constitucionais, tendo sido colocado, como na sua candidatura em 2006, como participante do movimento iniciado pelo atual presidente da Venezuela, Hugo Chavez.

O Peru é um país que vem crescendo de forma sustentável e acelerada nos últimos anos e que tem como estimativa para o ano de 2012 um crescimento de 5,7% do PIB . Esse crescimento pode ser entendido, em parte, não só pelo au-mento dos investimentos no país como também por uma mínima estabilização do governo que permitiu tornar-se atraente para os investidores devido, principalmente, aos recursos naturais e às facilidades fiscais que o país oferece. Porém, a polêmica gerada dentro e fora do país, e as notí-cias nacionais e internacionais com relação às in-tenções desse candidato, geraram, depois de uma pesquisa de intenção de voto antes do primeiro turno, a queda da Bolsa de Valores de Lima e a valorização do dólar, entendido como a constata-ção do medo de uma possível vitória do Partido Nacionalista Peruano. Dessa forma, pelo surgi-mento de dúvidas em relação à garantia de que

o país continue crescendo, gerou-se um grande debate nacional e internacional, levando em con-sideração a vulnerabilidade da economia peruana em relação às mudanças políticas internas.

A partir desse momento, Ollanta Humala passou a adotar um discurso menos radical do que o pra-ticado em sua candidatura de 2006. Dessa forma, passou a afirmar que irá respeitar os acordos celebrados pelo Peru e que não fará mudanças na constituição que ameacem os interesses do país.

Mesmo assim, o candidato tem sido acusado de usar uma estratégia similar à do ex-presidente brasileiro, Lula, por ter moderado suas ideias com o intuito de conquistar a confiança dos empresários e de uma parte mais conservadora do eleitorado. Justifica-se, assim, inclusive pela contratação de assessores brasileiros que orientaram sua campanha desde janeiro de 2011, por parte do Partido Nacionalista Peruano, o questionamento que se faz, dentro e fora do país, da relação entre as ações realizadas pelo candidato Ollanta Humala e Partido dos Trabalhadores do Brasil.

Depois das polêmicas geradas pelas especulações em relação ao futuro do país, Ollanta Humala rea-lizou uma coletiva de imprensa na qual assegurou que irá respeitar os acordos comerciais e principalmente a liberdade de expressão. Esse discurso foi nomeado por ele “Carta de Compromisso com o Povo Peruano”, estratégia muito similar à “Carta ao Povo Brasileiro”,

grandes empresas brasileiras

têm realizado substanciosos

investimentos durante os últimos anos

33

Page 34: The Rio Globalist - 2ª Edição

BibliografiaMEIRELES MONTES, Pedro David – Eleições no Peru e os rumos da esquerda na América Latina, Observatório Político Sul Americano – IUPERJ/UCAM, 2011

THOMAZ CARVALHO, Beatriz – Peru: eleições presidenciais e legislativas de 2011, Boletim OPSA 01, janeiro/março 2011-05-30

Partido Nacionalista Peruano – “Ollanta Humala se reúne com representante del Partido de los Trabajadores del Brasil” , 19 de janeiro de 2011, Disponível em: www.partidonacionalistaperuano.net/prensa/noticias/ acessado 20 de maio de 2011

POMAR, Valter – “Peru: Humala defende integração, soberania e as camadas popu-lares, diz petistas”, 12 de maio de 2011, Disponível em: www.pt.org.br/portal/noti-cias/internacional-1/ acessado 24 de maio de 2011

PAIM, Gilberto – Os desafios do comércio com a China, Carta Mensal 681, Confedera-ção Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Dezembro 2011

MEIRA NASLAUSKY, Marco César – Alguns vetores da Política Externa Brasileira, Carta Mensal 682, Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Janeiro 2012

SAVARECE, Mauricio – Peru vê potencial para Brasil investir tanto quanto China, Reu-ters, 18 de setembro de 2008

MORAES, Maurício – Posse do Humala no Peru reforça influência brasileira na Améri-ca do Sul, BBC Brasil, São Paulo, 28 de julho de 2011

LAURENCINI, Rafael – Aposta brasileira no Peru, Boletim Internacional, 02 de agosto de 2010

RIORIO

BibliografiaMEIRELES MONTES, Pedro David – Eleições no Peru e os rumos da esquerda na América Latina, Observatório Político Sul Americano – IUPERJ/UCAM, 2011

THOMAZ CARVALHO, Beatriz – Peru: eleições presidenciais e legislativas de 2011, Boletim OPSA 01, janeiro/março 2011-05-30

Partido Nacionalista Peruano – “Ollanta Humala se reúne com representante del Partido de los Trabajadores del Brasil” , 19 de janeiro de 2011, Disponível em: www.partidonacionalistaperuano.net/prensa/noticias/ acessado 20 de maio de 2011

POMAR, Valter – “Peru: Humala defende integração, soberania e as camadas popu-lares, diz petistas”, 12 de maio de 2011, Disponível em: www.pt.org.br/portal/noti-cias/internacional-1/ acessado 24 de maio de 2011

PAIM, Gilberto – Os desafios do comércio com a China, Carta Mensal 681, Confedera-ção Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Dezembro 2011

MEIRA NASLAUSKY, Marco César – Alguns vetores da Política Externa Brasileira, Carta Mensal 682, Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Janeiro 2012

SAVARECE, Mauricio – Peru vê potencial para Brasil investir tanto quanto China, Reu-ters, 18 de setembro de 2008

MORAES, Maurício – Posse do Humala no Peru reforça influência brasileira na Améri-ca do Sul, BBC Brasil, São Paulo, 28 de julho de 2011

LAURENCINI, Rafael – Aposta brasileira no Peru, Boletim Internacional, 02 de agosto de 2010

BibliografiaMEIRELES MONTES, Pedro David – Eleições no Peru e os rumos da esquerda na América Latina, Observatório Político Sul Americano – IUPERJ/UCAM, 2011

THOMAZ CARVALHO, Beatriz – Peru: eleições presidenciais e legislativas de 2011, Boletim OPSA 01, janeiro/março 2011-05-30

Partido Nacionalista Peruano – “Ollanta Humala se reúne com representante del Partido de los Trabajadores del Brasil” , 19 de janeiro de 2011, Disponível em: www.partidonacionalistaperuano.net/prensa/noticias/ acessado 20 de maio de 2011

POMAR, Valter – “Peru: Humala defende integração, soberania e as camadas popu-lares, diz petistas”, 12 de maio de 2011, Disponível em: www.pt.org.br/portal/noti-cias/internacional-1/ acessado 24 de maio de 2011

PAIM, Gilberto – Os desafios do comércio com a China, Carta Mensal 681, Confedera-ção Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Dezembro 2011

MEIRA NASLAUSKY, Marco César – Alguns vetores da Política Externa Brasileira, Carta Mensal 682, Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Janeiro 2012

SAVARECE, Mauricio – Peru vê potencial para Brasil investir tanto quanto China, Reu-ters, 18 de setembro de 2008

MORAES, Maurício – Posse do Humala no Peru reforça influência brasileira na Améri-ca do Sul, BBC Brasil, São Paulo, 28 de julho de 2011

LAURENCINI, Rafael – Aposta brasileira no Peru, Boletim Internacional, 02 de agosto de 2010

Registre-se que, em 2006, o Brasil e o

Peru assinaram um significativo tratado de cooperação energética

utilizada com o mesmo fim pelo ex-presidente do Brasil, em junho de 2002. Não é assim, sem razão, que o relacionamento entre o nacionalista Ollanta Humala e o Partido dos Trabalhadores (PT) pode ser identificado, em várias ocasiões. A principal delas o convite realizado pelo PT para que o candidato peruano, então não presidente do país, participasse das diversas atividades organizadas em Brasília, durante as cerimônias de posse da nova presidente brasileira.

Cabe ressaltar que grande-sileiras têm realizado substanciosos investimentos durante os últimos anos, principalmente por suas políticas de internacionalização em países latino-americanos. Essa postura é particularmente verificada no Peru, assumida devido ao crescimento da economia peruana nos últimos anos e por meio da concessão de benefícios e de facilidades de investimentos no país. Registre-se que, em 2006, o Brasil e o Peru assinaram um significativo tratado de cooperação energética. Esse acordo estabeleceu a construção de pelo menos 5 hidrelétricas na Amazônia peruana, com o intuito de fornecer energia ao Brasil, sendo a primeira destas a hidrelétrica de Inambari. A construção dessas hidrelétricas será feita por um consórcio de grandes construtoras brasileiras, com experiência na implementação de hidrelétricas na Amazônia. Esse tratado binacional caracteriza-se por decisão “de gabinete” sem necessário conhecimento das comunidades envolvidas e a sua desejável participação, como se espera de nações democráticas.

O Peru, por outro lado, é um dos países latino-americanos que assinou um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos e que, ao lado do Chile, México e Colômbia, manteve, desde os anos 90, uma política mais alinhada às diretrizes colocadas pelo Consenso de Washington. Logo, a vitória do candidato nacionalista nas eleições para a presidência peruana significa um avanço facilitador de iniciativas de integração sul-americana, liderada pelo Brasil, uma vez que o Peru passaria a compartilhar ideologias políticas mais semelhantes às do atual governo brasileiro. Outro ponto a favor seria que a aproximação do Brasil com o candidato peruano, além de garantir os interesses, evitaria que a influência do radica-lismo do movimento do Hugo Chavez seja imple-mentada na procura por uma base política maior.

Devido à recente importância do Peru no continente sul-americano por causa do seu crescimento econômico, conforme já enfatizado, reforça-se a garantia da manutenção dos acordos bilaterais assinados pelo Peru, de forma que os investimentos feitos pelo Brasil e pelas empreiteiras brasileiras, não serão afetados. Entende-se, assim, que o relacionamento entre o Partido Nacionalista Peruano (PNP) e o Partido dos Trabalhadores (PT) pode ser interpretado como uma atuação direta do governo brasileiro, visando à garantia dos seus interesses no país vizinho, além de satisfazer os interesses de internacionalização das empresas brasileiras.

34

Page 35: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

A crise financeira desencadeada em 2008, cujos efeitos e reflexos se perpetuam até os

dias de hoje, sem previsão de solução definitiva ou evidente, ressalta um fenômeno histórico que sofreu uma distorção a partir da década de 1970 e reforçou-se com o advento da ideologia neoliberal. Esse fenômeno histórico é o que Susan Strange chamou de “Casino Capitalism”, título de seu livro de 1986, no qual as finanças internacionais tornaram-se um jogo descontrolado e, mais do que isso, foram dissociadas da chamada “economia real”.

Após o colapso da Bolsa em 1929, o sistema internacional experimentou a supremacia da ideologia keynesiana, uma vez que contava com o regime de complementariedade embasado pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o conhecido Acordo de Bretton-Woods. Esses regimes nada mais eram do que a extensão de instrumentos econômicos nacionais, que estavam em completa consonância com o propósito econômico da época: aumento do bem-estar social, alto crescimento do PIB, foco na distribuição de renda e a estabilidade macroeconômica.

Entretanto, com o fim desse arcabouço institu-cional econômico-financeiro, que, como afirma o professor Luiz Carlos Gonçalves Bresser Pereira, privilegiava a capacidade intelectual de segmen-

tos administrativos ligados às políticas governa-mentais, é possível perceber que se cria uma la-cuna de referência para as finanças internacionais. Mais do que isso, o capitalismo adquire um caráter meramente financeiro e perde o teor econômico real que antes consistia em sua natureza essencial, controlado por especuladores e financistas. Nesse

sentido, o significado da palavra “riqueza” sofre mudança e adquire uma nova conotação, culmi-nando no que o empresário – e hoje 22º homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes – George Soros denomina de “reflexividade”: a riqueza agora tem base no capital especulativo, em promessas que se auto-cumprem de aumento ou queda do preço dos ativos.

Desde a queda de Bretton-Woods, a ideologia

Crise de 2008: um novo regime internacional?

Bernardo Siqueira PessanhaEstudante do 7º Período de Relações Internacionais, IBMEC/RJ,

Consultor na TOTVS Consulting e Ex-Diretor Executivo da Panorama Consultoria Internacional.

os mecanismos dos quais dispomos são

inadequados para suportar a financeirização do

capitalismo

35

Page 36: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

O desafio, portanto, é regulamentar as finanças de forma que, no longo prazo,

possamos desenvolver um sistema internacional baseado em regimes de

complementariedade altamente adequados a esse

capitalismo financeiro.

neoliberal adquiriu o posto de referência global e foi a premissa básica para decisões econômicas e políticas governamentais. Contudo, a crise de 2008 abalou esse pressuposto e trouxe consigo o ressurgimento do papel estatal na economia. A discussão sobre esse “Capitalismo de Casino” tomou um novo rumo.

Por que não conseguimos evitar uma crise como a que vivemos atualmente? Mais uma vez, Bresser-Pereira afirma que os mecanismos dos quais dispomos são inadequados para suportar a financeirização do capitalismo, já que eles lidam com o lado real da economia. São mecanismos keynesianos e que não se aplicam a um sistema financeiro internacional altamente integrado, volátil e especulativo. Os economistas, dentro desse sistema, desempenham um papel marginalizado no que tange a regulação dele.

Diversos economistas e estudiosos preconizam um futuro de regulamentação das finanças, com um menor avanço do capitalismo especulativo, através do resgate e da revalorização da economia real. Porém, se analisarmos a base desse sistema financeiro extremamente integrado, vemos que a globalização e a tecnologia surgem como a premissa básica para sua existência. O que possibilitou a especulação não foram, apenas, os especuladores e a falta de uma regulamentação específica para as finanças, mas, também, a inexistência de ferramentas econômicas que possam lidar com a tecnologia financeira e a globalização do sistema financeiro. Esses dois elementos impulsionaram a especulação e os desdobramentos que surgem a partir dela.

O desafio, portanto, é regulamentar as finanças de forma que, no longo prazo, possamos desenvolver um sistema internacional baseado em regimes de complementariedade altamente adequados a esse capitalismo financeiro. Esses regimes internacionais correspondem a uma extensão das práticas nacionais, evidenciando uma consonância entre os países, em termos de princípios, práticas, regras e normas. Ao optar por um escopo regulatório das finanças, evita-se o jogo de casino criado em torno da especulação.

É inevitável a adequação dos instrumentos econômicos às constantes mudanças, pois a tecno-logia e a globalização não regridem ou são freados. Esses dois fenômenos devem ser categoricamente estudados para que os economistas possam de-senvolver instrumentos de política econômica que lidem com o avanço da tecnologia, e a mudança que dela advém, além de abranger em as nuances da globalização. Na verdade, a crise de 2008 foi a grande (e infeliz) oportunidade da qual precisáva-mos para desenvolvê-los.

Autores como Ladislau Dowbor afirmam que a crise financeira nada mais é do que uma “crise civilizacional”, que não é sustentável no longo prazo. Sendo uma crise de valores ou não, o objetivo principal da economia internacional deve ser a definição de princípios norteadores do sistema financeiro para, então, regulamentá-lo através de mecanismos econômicos eficazes e que evitem o desencadeamento de crises advindas da tecnologia e da globalização. Desse modo, a máxima de Bresser-Pereira de que a “crise global em 2008 provavelmente representará uma virada na história do capitalismo” será, de fato, consolidada.

36

Page 37: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Plata y PlomoA interdependência entre a economia

global e o crime organizadoLeonardo Rezende Cecilio

Page 38: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

Plata o plomo – dinheiro ou chumbo. Na década de 1980, a essência das organizações crimino-

sas poderia assim ser definida, a considerar o que costumava dizer Pablo Escobar. O advento da glo-balização, contudo, dispensa esforços para se re-conhecer que o trocadilho do maior traficante de drogas da História está obsoleto. Em dias atuais, negócios e crimes já não são questões que se al-ternam; são parcelas – frequentemente associadas – de uma equação que produz resultados indiscu-tivelmente dignos de atenção.

Finda a Guerra Fria, sucedida pelo colapso sovié-tico, o globo experimentou uma série de proces-sos mitóticos que revolucionaria o antagonismo bipolar que o marcara no período pós-guerra. A

integração geopolítica se determinava a partir de uma inédita ordem de desenvolvimento - a tecno-logia da informação -, abrindo espaço para potên-cias e blocos econômicos até então inexistentes, e conectar-se em tempo real com o resto do mundo tornava-se cada vez mais possível. Nascia a socie-dade da informação.

Nos anos 1980, o Governo norte-americano, sob a Administração Reagan e incentivado por econo-mistas e lobistas financeiros, estimulou a livre cir-culação de capitais a partir da crescente dissolução das barreiras nacionais, combinada às oportuni-dades oferecidas pelas instituições de crédito e ao impulso global de privatizações. O fluxo de capital crescia exponencialmente, por já não haver o con-trole exercido pelos bancos centrais locais , ocasio-nando uma hipertrofia jamais vista no setor finan-ceiro. Aproveitando o contexto das transformações evidentes, a economia paralela não deixaria de buscar meios para se adequar às configurações da nova ordem mundial, razão pela qual percebeu ca-

nais singulares para ampliar sua teia de atuação e de influência .

A partir do segundo semestre de 2008, o estado de emergência econômica, anunciado pela quebra do banco norte-americano de investimentos Lehman Brothers e da seguradora AIG, varreu o planisfério em efeito dominó. Promovendo uma crise dos subprimes e seus derivativos associados, diversos ícones do capitalismo pós-moderno foram conduz-idos à insolvência, e um poderoso impacto sobre as bolsas de valores foi inevitável. Os prejuízos avali-ados ultrapassaram a casa do trilhão de dólares e as taxas de juros despencaram para os mais baixos índices já registrados. No entanto, negócios clan-destinos pareciam não ser afetados.

Um ano após a eclosão da crise financeira mundial, a declaração de Antonio Maria Costa, então Diretor Executivo do United Nations Organization on Drugs and Crimes (UNODC) ao jornal britânico The Guard-ian parecia bastar para resumir um cenário em que uma linha tênue divide atividades legais e ilegais. Revelando um ciclo retroalimentar entre o sistema financeiro global e aquilo a que se chamou de mac-rocriminalidade, manobras fraudulentas, governos coniventes e autoridades corruptas inserem hoje na agenda da comunidade internacional o desafio de coibir o patrocínio de organismos de índole criminosa e terrorista. Tendo origem, respaldo ou destino político, suas ações são operadas por meio de células difundidas em proporções continentais, interconectadas graças à incontrolável expansão cibernética observada no limiar do terceiro milênio.

A relação de interdependência entre economia e criminalidade tem por nítido exemplo a origem do capital responsável pela salvaguarda das institu-ições financeiras no período pós-crise de 2008;

Em diversas situações, o dinheiro proveniente do tráfico de drogas foi a única fonte de investimento líquido disponível. No segundo semestre de 2008, manter liquidez foi o maior desafio do sistema bancário, e obter capital líquido se tornou um fator importante. (Antonio Maria Costa . The Guardian, 2009)

38

Page 39: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

praticamente integralizada por proventos de atividades delitivas, segundo a ONU. De um modo geral, têm se destacado o tráfico de armas, o tráfico de drogas e o tráfico de pessoas – especialmente de mulheres, para exploração sexual –, além da falsificação de produtos industrializados e contrabando. Uma vez auferidos os lucros, engenhosos processos de lavagem os conduzem a injeções no sistema financeiro através de vias lícitas, como os mercados cambial e de ações.

O crime organizado é um negócio; o objetivo é lucro. Compreender sua dinâmica implica adotar essa proposição como premissa de quaisquer re-flexões que do tema possam advir. A partir de 2003, com a entrada em vigor da Convenção de Palermo, consagrou-se uma série de definições terminológicas, inclusive, sobre a que se chamaria grupo organizado criminoso. Análogo a estruturas empresariais, o conceito combina, genericamente, características dos moldes de produção fordista e toyotista – tarefas racionalizadas com o uso de

mão-de-obra versátil –, dispostas em microssiste-mas hierárquico-piramidais. Isso se explica pelo fato de que oferecer bens e serviços ilegais - diante de uma demanda em constante expansão - compele essas organizações a reproduzir a esquemática da economia global, nas palavras do especialista Luiz Ramón Ruiz Rodríguez, Professor de Direito Penal da Universidad de Cádiz. A globalização é regida, afinal, pela seleção dos mais eficientes, como afir-mou uma vez Henry Kissinger.

A indústria petroquímica mobiliza, hoje, um capital estimado em 640 bilhões de dólares, anualmente . Se, por um lado, a atuação dos BRICS no setor cor-responde a 18% do PIB mundial, as atividades de crime organizado representam 20%, de acordo com o FMI. O comércio de drogas chega a compor – por ano – valores de 1,75 trilhão de euros, em es-cala mundial, e, em análise isolada, somente o da cocaína produziu 85 bilhões de dólares em 2009. Seis anos antes, um dos mais influentes líderes do Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), Salvatore

39

Page 40: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

“Há três tipos de mercado: branco, o legal; negro, o ilegal; e – minha cor favorita – cinza.” (Lord of War. Andrew Niccol, 2005)

Mancuso, preso em Washington D.C., havia de-clarado que, através do tráfico de drogas, cerca de 7 bilhões de dólares penetrariam, todos os anos, a economia colombiana. Mancuso capitaneava a organização paramilitar de extrema direita que, ainda hoje, manteria estreitas relações comerciais com a máfia calabresa N’drangheta.

Curiosamente, muitos dos grupos que são hoje foco de combate da comunidade internacional receberam, em algum momento, apoio substan-cial ora de gigantes do mercado privado, ora de potências mundiais. Violando normas americanas por mais de uma década, o Credit Suisse contribuiu no desenvolvimento dos programas nuclear e aeroespacial do Irã, induzindo afirmações de que transações destinadas à proliferação de armas de destruição em massa teriam sido facilitadas. O Cit-igroup, na mesma linha, teria auxiliado no escoa-

mento de 100 milhões de dólares do tráfico de dro-gas mexicano, e não se pôde esconder o escandalo de que o UBS tolerava operações de lavagem de capitais manobradas por seus clientes .

Dois dias após os ataques de 11 de setembro, o governo norte-americano iniciou uma mega-ope-ração de rastreamento de ramificações de grupos terroristas. As investigações relatam que a maior parte dos sequestradores dos aviões utilizados no evento recebido havia recebido patrocínio oriundo de Dubai. Em via oposta, calculou-se que, a partir do incidente, quantias entre centenas de bilhões e 3 trilhões de dólares tenham sido transferidos dos EUA para a Pasárgada dos Emirados Árabes Unidos – apontada como centro mundial da lavagem de dinheiro. De um modo ou de outro, o emirado fun-cionaria como uma incubadora, um terreno propí-cio para aquisição de suporte logístico. Anos antes, o Governo Reagan escorara financeira e operacio-

nalmente os mujahedin (guerrilheiros) afegãos, a fim de impedir a disseminação da ideologia comu-nista no Oriente Médio. Do outro lado do globo não teria sido diferente; se-gundo o pesquisador Roger Faligot, a China tam-bém teria fornecido apoio a fundamentalistas – dentre eles, Osama Bin Laden – por volta de 1979. Igualmente, teriam contribuído a Arábia Saudita e o Paquistão, fornecendo armamento e custeio dos dispêndios adjacentes. Anunciado o término da corrida armamentista, cessada a utilidade da guerrilha, e, portanto, interrompido o apoio es-trangeiro, os radicais se organizaram e criaram o grupo batizado de al-Qaeda – A Base.

O paradoxo estadunidense parece não ficar adstrito ao Oriente Médio; embora vanguardista nas construções jurídicas que tornaram ilegal a

lavagem de dinheiro, e em contraponto à intensa política War on Drugs, a economia norte-americana se abastece – ciente ou não – também de proventos de grupos atuantes no mercado paralelo. Em 1974, o Cartel de Cali, Colômbia, edificou seu próprio banco (El Banco de los Trabajadores), adquirindo participação em bancos sul e centro-americanos que tivessem relações com os de Miami e Nova York. Em tempos mais recentes, a Camorra – máfia napolitana dominante na região da Campagna –, investiu maciçamente no projeto de reconstrução do World Trade Center, como documenta Roberto Saviano, jornalista outrora infiltrado na organização.

As peças essenciais no tabuleiro de enfrentamento do crime transnacional quase sempre esbarram no dilema dos chamados tax heavens. Os paraísos fis-cais são regiões que, por fatores diversos, exibem forte dependência de investimento estrangeiro

40

Page 41: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

direto, geralmente em razão da escassez de recur-sos naturais. Para atrair esses investimentos vanta-gens à instalação de mercado são concedidas por meio de flexibilidade sobre entidades societárias, desregulamentação sobre preços de transferência e maior facilidade para obtenção de licenças para abertura de empresas. Além disso, a política fiscal local admite ainda a aplicação de capitais de pro-

cedência desconhecida, protegendo a figura do titular por meio de sigilo bancário absoluto.

Ocorre que, sob a ótica jurídica, uma vez garantidos pela soberania do próprio Estado, aliada ao fato de não ratificarem os protocolos internacionais que vinculam assistência mútua nas investidas contra o crime supranacional, os paraísos fiscais têm legitimidade para regulamentar – conforme seus interesses – aspectos internos, como tributação favorecida e (des)controle cambial. Sob o prisma das relações internacionais, entretanto, a falta de transparência fiscal produz desconfortos; inevitavelmente, são criadas cortinas às investigações, na medida em que são camuflados ou mesmo apagados quaisquer rastros que possam indicar a identidade de indivíduos e redes delinquentes. De acordo com o último relatório

da ONU (datado de Outubro de 2011) menos de 1% dos fluxos financeiros ilícitos é detido no mundo. Isso tem ocasionado discussões e forte pressão internacional sobre essas localidades cujas instituições admitem contas anônimas - dentre outras facilidades polêmicas -, destacando a relevância da cooperação e do intercâmbio de informações entre entidades empenhadas na

repressão.

Com uma cesta de ban-cos administrando cerca de 40% dos ativos priva-dos do mundo, a Suíça é amplamente conhecida pela proteção conferida aos seus clientes – razão pela qual é frequente- mente alvo de severas críticas. Defendendo-se dos ataques políticos decorrentes de sua pos-tura, afirma, porém, que o sigilo bancário não é aplicado em casos de evidências criminosas, já que o intuito é atrair in-vestimentos, e não aco-bertar delitos . Em oposição ao con-

texto de volatilidade econômica ao redor do mundo, frente ao despontar de sua economia – e destacando-se pela sua vulnerabilidade –, o Bra-sil tem recepcionado uma série de ramificações criminosas, com amplas cartelas de atuação. Em 2006, o Departamento de Polícia Federal prendeu Rana Abdel Rahim Koleilat, em São Paulo. Pro-curada pela Interpol em 184 países sob acusação de fraude, roubo e estelionato no Líbano, Rana teria desviado cerca de 1 bilhão de dólares do al-Madinah Bank, onde ocupava o cargo de direto-ra-executiva. O Governo do Líbano requereu sua extradição ao Brasil alegando, inclusive, hipótese de envolvimento com o homicídio do ex-Premier libanês, Rafik Hariri, em 2005. O pedido, contu-do, foi indeferido pelo Supremo Tribunal Federal devido à deficiência de instrução procedimental; o Governo libanês havia se mantido inerte acer-

41

Page 42: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO

AMORIM, Carlos. Assalto ao Poder - O crime organizado. Rio de Janeiro: Record, 2010BARBER, Hoyt L. Secrets of SwissBanking: an owner´s manual tp quietly building a fortune. New Jersey: John Wiley & Sons Inc., 2008.BOTTINO, Thiago. Direito Penal Econômico - Roteiro de Curso 2010.1. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2010.CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. Global Trends 2025: A transformed world. The National Intelligence Council´s. Introdução de Heródoto Barbeiro. Tradução e notas adicionais Cláudio Blanc. São Paulo: Geração Editorial, 2009.CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes Digitais. 1ª Edição. 1ª Tiragem. Rio de Janeiro: Saraiva, 2011.GLENNY, Misha. McMafia - Crime sem fronteiras. Tradução Lúcia Boldrini. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. _________. Mercado Sombrio: O Cibercrime e você. Trad. CALIL, Augusto Pacheco; SCHLESINGER, Jorge; ARAÚJO, Luiz A de. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.GRATTERI, Nicola; NICASO, Antonio. La Malapianta. Itália: Mondadori, 2010.PINTO, Edson. Lavagem de Capitais e Paraísos Fiscais. São Paulo: Atlas, 2007.SAVIANO, Roberto. Gomorra - A história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana. 4ª Edição. Tradução Elaine Niccolai. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.VALLEJO, Virginia. Amando a Pablo - Odiando a Escobar. Bogotá: Grijalbo Monda-dori, 2007.CECILIO, Leonardo Rezende. O Brasil no Cenário do Tráfico Internacional de Drogas - Um estudo multidimensional da realidade. Revista da SJRJ, n. 29. Direito Penal e Processual Penal. Rio de Janeiro, ago./dez. 2010. ISSN: 1678-3085. Disponível tam-bém em versão eletrônica: <http://www.jfrj.jus.br/revistasjrj>. ISSN: 2177-8337.

GUIDUCCI, Wendell. Os EUA, o FBI e a CIA. Revista Conhecer Fantástico. Espiona-gem. Nº 48. Ano 6. São Paulo, 2010.MANZO, Paolo. Planta Má em Nossa Terra. Carta Capital, ano XV, n. 589, março de 2010, p. 22-28.ROBINSON, Andy. O dinheiro ilícito: a globalização chega às máfias. La Vanguardia. Madrid: 02.04.2008. Disponível em: <http://www.lavanguardia.es>. Acesso em: 08.06.2010.RODRÍGUEZ, Luiz Ramón Ruiz Rodríguez. El Factor Tecnológico em La Expansión Del Crimen Organizado. Centro de Investigacion Interdisciplinaria en Derecho Penal Económico. Disponível em: <http://www.ciidpe.com.ar/>. Acesso em: 14.fev.2011.SANTOS, Coriolano Aurélio Almeida Camargo. Atual Cenário dos Crimes Ciberné-ticos no Brasil. Disponível em: <http://www2.oabsp.org.br.>SCOT-JOYNT, Jeremy. An A-Z of Money Laundering. BBC News Online. Postado em 15.mar.2002. Disponível em: <www.bbc.co.uk/news>. Acesso em: 16. nov. 2010.SOARES, Denise. O Terrorismo Internacional: Sistema de Combate a um Crime Indefinível. Disponível em: <http://www.gmxbrasil.org>. Acesso em: 08.mar.2011. STREBEL, Etiene. Adaptação: Geraldo Hoffmann. O sigilo bancário não vai acabar. SwissInfo. Disponível em: <http://www.swissinfo.ch/por/index.html>SZKLARZ, Eduardo. Estrelas Cadentes. Revista Superinteressante. Edição especial. Nos bastidores dos serviços secretos. Nº 277-A. São Paulo: Mai.2010. WALCHER, Guilherme Gehlen. Paraísos Fiscais - A utilização das empresas offshore em finanças internacionais e os limites da licitude. Porto Alegre: UFGRS, 2008.WOJCIECHOWSKI, Guilherme Dreyer. Terroristas Made in Paraguay. SopaBrasigua-ia.com. Disponível em: <http://sopabrasiguaia.blogspot.com/>. Acesso em: 22.out.2010. CIA - Central Inteligence Agency. Disponivel em: <www.cia.gov>. Acesso em : 02.02.2011.DefesaNet. <http://www.defesanet.com.br>. Acesso em: 15.01.2011.Departamento de Polícia Federal. Brasil. Disponível em: <http://www.dpf.org.br>. Acesso em: 17.ago.2011.FATF - Financial Action Task Force. International Standards on Combating Money Laundering and the Financing of Terrorism & Proliferation. The FATF Recommenda-tions. Disponível em: <http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommen-dations/pdfs/FATF%20Recommendations%20(approved%20February%202012)%20reprint%20May%202012%20web%20version.pdf>. Acesso em: 15.07.2012.IMF - International Monetary Fund. <www.imf.org>. Acesso em : 15.set.2010.INTERPOL. <http://www.interpol.int>. Acesso em: 18.12.2010.Geografia para Todos.<www.geografiaparatodos.com.br>. Acesso em: 17.09.2010.The Guardian. <www.guardian.co.uk>. Acesso em: 06.11.2010.The New York Times. <http://www.nytimes.com>. Acesso em: 24.04.2011.Ministério da Justiça. Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/informacao-e-comunicacao/eventos/trafico-de-pessoas-e-de-orgaos/informacao-e-comunicacao/eventos/trafico-de-pessoas-e-de-orgaos/workshop-prevencao-ao-trafico-de-pessoas-e-acolhimento-as-vitimas/apresenta-cao-snj>. Acesso em: 16.07.2012.Ministério das Relações Exteriores. <http://www2.mre.gov.br>. Acesso em: 17.10.2011.Folha.com. <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 15.03.2012.Schweizerische Bankiervereinigung. Disponível em: <http://www.swissbanking.org>. Acesso em: 11.03.2011.Schweizerische Eidgenonssenschaft. Departement Fedéral des Finances. <http://www.efd.admin.ch>. Acesso em: 12.11.2011.United Nations Organization. United Nations Organization on Drugs and Crime. <www.unodc.org>. Acesso em: 14.07.2012. Extradição nº 1.047-6 / República do Libano. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27.04.2011.GARRONE, Matteo. Gomorrah. Italy: 2008.FERGUSON, Charles. Inside Job. 2010.NICCOL, Andrew. Lord of War. 2005.

Bibliografia

ca dos esclarecimentos solicitados a respeito da suposta relação da libanesa com a morte do ex-Primeiro-Ministro.

No tráfico internacional de drogas, o Brasil figura como ponto de estocagem e escoamento de car-gas que rumam à Europa e aos EUA. No âmbito dos crimes cibernéticos, responde por uma das piores colocações no ranking mundial, a ponto de 80% dos desfalques sofridos por seus bancos dever-se a fraudes virtuais. Finalmente, no tráfico interna-

cional de pessoas e contrabando de imigrantes, circula pelo País cerca de 10% dos 30 milhões de dólares mobilizados mundialmente.

Se por um lado as políticas de combate ao crime organizado trazem tantas polêmicas quanto às estratégias adotadas – ora liberais ora draconian-as –, por outro, a definição jurídica de terrorismo permanece ainda intangível, se o que se pretende é padronizá-la ao redor do mundo. O alto grau de subjetividade sobre o bem jurídico – o valor social – a ser resguardado encontra pontos de divergência de uma sociedade para outra, o que sofre influên-cia de fatores políticos, econômicos e culturais. Isso dificulta a elaboração de normas penais pre-cisas, capazes de incidir sobre as condutas que seriam, a partir de então, eleitas para preencher o conceito de ação terrorista. Nesse sentido, o Bra-sil permanece ainda sem normas específicas para regular criminalmente o assunto.

Em conclusões panorâmicas, a corrupção de enti-dades e a incoerência das atividades governamen-

tais projetam a inércia da comunidade interna-cional frente ao combate à globalização do crime – cada vez mais especializado e influente. Por es-sas razões, entendamos plata e plomo como indi-cadores de realidades que tangenciam interesses; e que interesses são determinantes políticos.

42

Page 43: The Rio Globalist - 2ª Edição

RIORIO