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ARTE NO CONTEXTO ESCOLAR: criando novos
caminhos de aprendizagem *
Izaira Silvino
O tema que temos para pensar coletivamente, hoje, exige denós uma ligeira olhada num cenário que nos abraça e nos envolve
de forma tão óbvia, que, no final, ficamos atordoados sem
perceber como estamos por ele enredados(as). Gostaria, então, de
tentar desenhar, para nós, este cenário.
As primeiras pinceladas apontam um momento de desafios. A
história nos desafia, tanto no plano individual como no plano
coletivo, tanto no plano nacional como no plano internacional.
Assim na terra como no céu. O mundo apresenta-se para nós como
se estivéssemos no pico dos grandes desafios da história humana.O tempo nos desafia.
Neste instante preciso, temos um homem morando no
espaço. Temos olhos de vários satélites a mirar a terra, a mirar o
espaço. Temos os olhares de centenas de astrônomos, também, a
mirar o espaço: todos sondando os mistérios de nossa galáxia e os
mistérios do céu. Hoje, sabe-se bem mais sobre nosso vizinho
planeta marte, como não sabíamos ainda no ano que passou. Esta
busca pelo desvendar destes mistérios acarreta-nos conseqüência
em muitas dimensões de nossa vida, inclusive conseqüências
financeira. No mínimo, estamos pagando as contas destas
despesas.
Os astros nos desafiam, os homens nos desafiam, a natureza
nos desafia, nossos filhos nos desafiam, nossos alunos nos
desafiam, nosso vizinhos, amigos, companheiros e companheiras;
enfim, a sociedade, com uma socialidade estranha e confusa,
desafia-nos.
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O sol apresenta fenômenos que nunca havíamos visto antes
e desmancha-se em salpicos de chuvas de fogo, pura energia e
embeleza a terra com lindas auroras boreais; lua e sol oferecem-nos eclipses em configurações planetárias nunca dantes
percebidas. Aqui, na terra, uma nova Roma, somada às
exacerbadas intolerâncias culturais, plantadas entre nós há
centenas de anos, põe países e cidadãos em confrontos de
guerras que matam milhares e milhares de homens e mulheres: os
imolados modernos de uma intemperança que nunca terá preço.
Doenças novas e velhas põem em cheque o saber da ciência
moderna, expondo o quão pouco ainda sabemos sobre as relações
entre as vidas deste planeta. Mesmo assim, são inúmeras e belasas descobertas e as criações humanas que já salvam corpos e
mentes de sofrimentos e desequilíbrios vários. Jovens
abandonados à sorte, com desvio de caráter, somam às crônicas
policiais crimes terríveis, que mesmo vistos na superficialidade,
colocam em debate o tempo de ser de nossas crianças e
adolescência (um tempo que é cada dia mais e mais problemático
e mais entregue aos institutos de coação). A sede humana por
mais saber doa-nos a mais requintada tecnologia já concebida
pela história humana e, é bom lembrar que, neste campo, estamos“só no comecinho de tudo”. As distâncias entre espaços
geográficos já não são tão distantes como antes: os transportes e
sistemas de comunicação revelaram-nos um novo planeta para
nós. Com isto, convivemos com os mais arcaicos modos de vida
que a humanidade já concebeu e as mais modernas formas e
meios de conhecer nosso mundo. E tudo isto nos ensina as
dimensões da história do nosso planeta e da história de vida
humana neste planeta, o nosso planeta. Há uma ameaça bem real
de começarmos, em breve, lutas ferozes por água. Mas járesolvemos todos os problemas de alimentação que tanto
infernizaram os séculos que passaram. Hoje, já existe, no planeta,
maneira de alimentar bem toda a humanidade. O legado de
riquezas já construídas é múltiplo e vário. Mas são poucos os
homens e mulheres que têm acesso e conforto ao todo desta
riqueza, que é fruto da natureza e do trabalho humano. Assim, a
face da terra está dividida: de um lado, os pequenos feudos de
incluídos; do outro lado, exércitos e mais exércitos de excluídos
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dos confortos que a modernidade oferece. E pairando sobre esta
divisão está a sombra dos políticos e das políticas, em todos os
recantos do planeta. Elas já não dão conta das necessidades eanseios humanos. Uma miséria em crescimento acelerado e, quem
sabe?, até, planejada, ameaça vida e dignidade da humanidade.
Ainda sofremos muitas intempéries: os momentos de fúria da
natureza de nosso planeta; a natureza ambiciosa de homens e
mulheres que se dedicam aos latifúndios, a sistemas econômicos
dominadores de mercados e de mentes humanas; as diversas
formas de servilismo político e governamental e tantas outras
taras e desvios que desequilibram a vida humana. O conhecimento
científico existente hoje, tenta dominar células-tronco – humanase não humanas – e exercita o domínio da capacidade criadora de
vida no universo.
Eis, em pálidas pincelas, sem muitos pequenos detalhes, o
cenário no qual estamos inseridos(as). Estaríamos nós todos(as) à
margem destas questões e do debate sobre tudo isto?
Qualquer que seja a resposta ...“Ainda somos os mesmos e
vivemos como nossos pais” (Belchior).
Será?
Os erros e perdas, acertos e ganhos, do passado, são nossa
herança; as ações grosseiras ou amorosas do nosso presente são
nossas vivências; o futuro, expresso, principalmente em nossa
ansiedade de construir um mundo melhor para nossos filhos são
nossos sonhos; e este é o planeta em que vivemos. E tudo que nos
cerca, desde a galáxia onde está localizado nosso planeta aténossos companheiros mais vizinhos, nossos próximos mais
próximos, nosso coração ansioso e inquieto, tudo, tudo clama por
vida e por uma ação positiva de nossa parte. E o acúmulo e a
constância deste todo configuram e constituem as causas das
tantas crises que desafiam nossa humana idade. São os nossos
desafios. Nossa insaciável maneira de estar sendo.
A gente pode até pensar que sempre foi assim. Que tudo se
repete. E pode até ter sido. Mas não para nós. Nós não vivemos o
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“sempre”, nós somos seres históricos, datados, localizados,
limitados, finitos, viventes do tempo presente, no tempo presente,
fazendo a história da humanidade sendo parte nela. E este“agora”, com todas as experiências vividas, boas ou más,
acumuladas, é o estranho e o novo mundo vivido, o nosso mundo,
ainda que o achemos velho e desgastado, ainda que nos pensemos
descompromissados(as) em relação a este todo.
É o nosso tempo. São nossas crises. É nossa sina. É o
cenário de nosso mundo vivido. E bem aí, encontramos nosso
convite para sermos parte deste viver.
“Eu fico com a pureza da resposta das crianças,É a vida é bonita e é bonita.
Viver
E não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz.
Eu sei
Que a vida podia ser bem melhor e será
Mas isto não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita ”... (Gonzaguinha).
Este mundo, e seus desafios, induzem novas construções,
novas saídas. Necessariamente, temos que buscar novos sentidos
para viver o hoje. E temos que buscar e agir molecularmente (cada
um de nós), coletivamente (em nossos trabalhos, em nossas
famílias), politicamente (como cidadãos e cidadãs que somos) e
internacionalmente (pois, hoje, não há como negar, existe um
processo de globalização e universalização de valores que,
embora não pareça, nos une mais e mais ao nosso destinohumano). Nós temos que assinalar algo novo em nossas agendas
cotidianas. Este algo novo, não é o futuro, é o agora.
Quê seria este algo novo?
O sentido de que a vida só é possível quando compartilhada.
O sentido de que a solidariedade é a grande ética do presente, de
que a beleza e o bem são a estética do agora, de que já não se
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pode deixar para depois a luta por estes sentidos, o sentido do
amor vivido pela humanidade. Nós NÃO PODEMOS MAIS DEIXAR
PARA DEPOIS TAIS VALORES. Aliás, temos que assumi-los comocategorias, COMO PARADIGMAS de vida: a compartilha, a
solidariedade, a beleza, o bem, o amor. LUTAR POR TAIS
SENTIDOS, AGORA, LONGE DE SER NOSSO PROBLEMA, É NOSSA
SOLUÇÃO.
OLHANDO POR ESTE ÂNGULO, A LIDA DO PROFESSOR E DA
PROFESSORA FAZ SENTIDO E TUDO EXIGE AÇÃO. A NOSSA AÇÃO.
DEVEMOS ISTO À VIDA. NÓS, SOMENTE NÓS, PODEMOS DAR
ESTES SIGNIFICADOS À NOSSA REALIDADE. SÃO SENTIDOS E
SENTIMENTOS QUE VÊEM SENDO SONHADOS E CONSTRUÍDOSHÁ MUITO TEMPO, NA CAMINHADA HISTÓRICA DA HUMANIDADE.
E SÃO MUITOS OS MÁRTIRES E HEROIS QUE DERAM A VIDA POR
TAIS SONHOS: Cristo, Sidarta, Ghandi, e tantos santos e heróis
perdidos e anônimos no tempo da humanidade. Todos, agora,
devem ser resgatados e fazerem-se reencarnados em cada um de
nós.
Somos todos nós, aqui, hoje, reunidos, professores e
professoras, de fé e por profissão, com nossas crenças,
conhecimentos e competências. Ousamos ser e apresentamo-nosà nossa sociedade como os que sabem ensinar. Pretensiosamente,
somos, por legado do passado, os profissionais da educação.
Assim, temos em nossas mãos as crianças e os jovens deste
planeta, moradores nordestinos, cearenses, deste país Brasil,
onde, neste momento, tentamos dar continuidade à nossa história,
em Fortaleza, no Ceará.
Somos seres reais. Mas, ansiosa e desesperadamente,
também, somos porvir, por fazer, somos por realizar, somos um
futuro do instante presente, em nossa história, em nossasaspirações e em nossos sonhos. Sozinhos(as), não conseguimos
ter tempo nem visão para sentir o tamanho do mundo que fazemos
e no qual vivemos. E, ao mesmo tempo, também, não temos
certeza nenhuma quanto ao momento que virá, quanto ao próximo
segundo, quanto ao mundo futuro, o mundo onde nossos alunos
estarão viventes e fazentes. Assim como, quando colocamos um
passo diante do outro (em nossa caminhada diária) cada passo,
quando um pé levanta para fazer nosso corpo ir adiante é um
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momento de total e infinita insegurança, de total incerteza, de
total possibilidade de desequilíbrio, como se estivéssemos numa
corda bamba, assim, também, como professores, somosequilibristas: os que sabem o que deve ser ensinado e, ao mesmo
tempo, os que de nada sabem do que deve ser ensinado. Mesmo
assim, somos, sentimo-nos e apresentamo-nos como
professores(as) (aqueles(as) que professam uma fé incontida no
futuro, sendo o presente. Sem esta fé, jamais conseguiremos ser
professores).
Nosso tema de hoje é “A arte no contexto escolar: criando
novos caminhos de aprendizagem”. Não é um tema solto, um
acúmulo de idéias. Ele tem pertença neste cenário que acabamosde desenhar. Tomo a liberdade de acrescentar ao tema proposto,
um pronome: NÓS. Nosso tema é, então, “NÓS e a Arte no
contexto escolar: criando novos caminhos de aprendizagem”. Nós,
personagens do cenário, agora, em busca de um tema.
Gostaria de convidar cada uma, cada um de nós, aqui
presente, para fechar os olhos. Vamos nos dar as mãos, fechar os
olhos e sentir um ao outro. Cada um de nós, é único e inigualável.
Não existe, neste planeta ou em qualquer outra dimensão nenhum
ser igual a cada um de nós. No entanto, cada um de nós, assim, demãos dadas, somos iguais e coletivamente humanos. Vamos
buscar encontrar uma respiração calma... tentar olhar um pouco
para dentro nós ... quem somos? ... quem sou eu? estamos mesmo
aqui, agora, em corpo, alma e divindade? ... este momento, para
nós, é um rito de passagem ou é, simplesmente, mais um momento
passando por nós? ... estamos felizes? ... estamos aprendendo a
saber amar? ... que estamos fazendo com o conhecimento que já
acumulamos? ... nosso conhecimento tem função viva em nosso
mundo? ... estamos buscando, todos os dias, ampliar mais nossaspossibilidades de conhecimentos? ... se não fôssemos
professores(as), morreríamos de tristeza e tédio? ...estamos
tentamos aprender a amar a nós mesmos(as)?...
“Boi, boi, boi,
Boi da cara preta,
Pega esta criança que tem medo de careta.”
“É tão tarde, a manhã já vem,
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Todos dormem e a noite tb... ...” (Caymmi).
São tantos os questionamentos, são tantas as inquietações...tantas facetas de um mesmo todo...
Nós somos importantes. A vida, cada um de nossos alunos, a
instituição onde trabalhamos necessitam de nós e clamam pela
nossa consciência e amorosidade para que tudo possa florescer.
“Acorda
vem ver a lua
Que surge
Na noite escura” ... (Dora Vasconcelos e Villa-Lobos)
Neste contexto, cada um de nós é um ser único e
insubstituível, particularizado em nossas histórias, na história de
nossas famílias, na história de nossos bairros, de nossas escolas,
de nossas cidades, país, continente. Mas, somos, também,
humanidade. Assim, estamos e somos o mundo. É por isto que se
torna urgente a aprendizagem, a apreensão, a compreensão e a
vivência da compartilha, da solidariedade, do belo, do bem, do
amor. É urgente que a gente aprenda como é ser gente quecompartilha a vida, que sente no outro um nosso igual (embora
diferente de nós). Que saiba no âmago de nossa essência que
somos conviventes guardiões e guardiãs deste planeta.
Então, já que, mais ou menos, ficou desenhado um cenário, e
anunciada a definição de personagens deste cenário, fica
iluminado, para nós, a necessidade de nossa atuação como
professores e professoras. Nós temos uma função bem definida
neste cenário de mundo e nele desempenhamos um papel bem
claro. Então, estas reflexões sobre o tema dado – NÓS E A ARTENO CONTEXTO ESCOLAR – são datadas e localizadas. São nossas.
Que, então, ensinaremos a nossos alunos?
Quais são os movimentos centrais do processo educativo no
qual estamos inseridos? Temos algum sonho sobre isso?
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O processo educativo que eu sonho é um processo que nos
faz aprendizes da compartilha, que nos faz seres solidários. Um
processo que nos deixa a anos luzes distantes de todoconsumismo banal, um processo que pode nos deixar livres do afã
de acumular experiências e coisas mal sãs. O processo educativo
que eu sonho, transforma-nos a cada um de nós em aprendizes de
uma autonomia que precisa se heteronomizar. Estou, assim,
usando, a terminologia de Alfonso Quintás. Autonomia e
heteronomia. Estes são o chão, o caminho do processo educativo
do qual falo. O processo para o novo tempo, que já deve ser tempo
de agora. O processo educativo que eu sonho, exige-me uma sede
insaciável de saber e conhecer e uma vontade inabalável de sercompetente. Exige-me humildade, simplicidade e sabedoria (e a
sabedoria é a busca eterna do homem e da mulher, peregrinos da
vida).
O processo educativo que eu sonho focaliza a arte como um
grande exercício de formação humana. Assim, neste mundo
cultural pleno de diferenças e complexidades que nos desafiam
(lembram do cenário?) retorna-se à descoberta da arte como uma
das grandes possibilidades, uma das mais ricas possibilidades de
exercício de humanidade. Não mais uma arte só para seradmirada, para ser cultuada, para ser manipulada, mas uma arte
para ser exercitada cotidianamente. Nós aprendemos, no dia a dia
de nosso mundo vivido (porque assim nos foi ensinado) um sentido
de vida que predomina sobre qualquer outro sentido: o sentido da
dominação, da manipulação de uns sobre os outros e sobre todas
as coisas do mundo. Não aprendemos a arte de compartilhar o
todo da vida. Individualizamos o uso de tudo. Desde o outro a
todas as coisas. Alfonso Quintás diz que estamos tão impregnados
deste saber maniqueísta, como o gato que aprendeu a cair em pé,nas quatro patas. E ele, e quase todos os filósofos e pedagogos
modernos, afirma que só através da arte poderemos romper esta
ditadura da solidão e fazer raiar um novo clima entre nós
humanos.
Que seria Arte?
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A arte é um dizer expressivo da criatura humana, um
exercício de autonomia que só encontra sentido na heteronomia
(pela autonomia, encontro comigo mesmo, sei meu tamanho, meuespaço, descubro minha forma de atuação, torno-me cônscio do
que sou; pela heteronomia, entrego-me a ser na compartilha, no
encontro com o outro, meu diferente. Eu continuo sendo no outro,
meu igual, que continua sendo em mim, o diferente). O exercício e
o entendimento do fazer artístico e da obra de arte proporciona a
nós o alcance do sentido da nossa autonomia e dá significado à
heteronomia. E isto é beleza! É a configuração do bem! A beleza e
o bem que o exercício da arte faz-nos entrever, é o saber enxergar,
ouvir, saborear, tatear, cheirar, sentir, ter vontade de estar vivo,feliz e alerta, saber estar com os outros, amar a vida, descobrir a
vida e criar e conservar a vida deste planeta! Isto é beleza e é
bem! A arte no contexto escolar pode ser um exercício de
aprender a ser do belo e ser do bem. Isto exige de cada um de nós
e em cada um de nós, a aprendizagem de um saber e de um saber
fazer. Pois na arte, que é sempre obra, ação, movimento, não há
como só saber, o movimento de saber fazer é uma imposição. O
saber na arte exige um conhecimento materialmente prático, um
saber fazer técnico, um sair para fora de nós.A arte é a prova de que a criatura humana que a criou e
gerou aprendeu a mostrar para fora de si, o seu entendimento
interior sobre o mundo vivido. Através da arte, aquela expressão
criada, só ganha ou ganhará sentido no outro, só terá sentido se
sentida pelo outro, o diferente do criador. Pela arte o outro
diferente de mim torna-se meu igual, pelo sentimento do encontro
com aquela expressão criada. O artista criador, pela obra de arte,
traz para o momento presente do outro, numa relação
comunicativa, algo que simboliza uma ausência sentida (mas quepassa a estar ali, expressa naquela obra criada). É uma metáfora.
Tudo sem intenção de manipulação ou domínio. É pelo sentimento,
pela unidade do sentimento, pela aprendizagem do amor.
A arte antes de ser uma linguagem, é uma expressão, é uma
forma de expressão. Cria-se a obra de arte. A obra de arte é,
sempre, algo criado. Uma vez criada, ela torna-se autônoma.
Independente de seu criador, ganha vida e diz-se para alguém, o
outro, dizendo algo para ser percebido, alcançado, pela razão
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sensível, pela sensibilidade. Assim, neste tempo de agora, a obra
de arte pode ser cada um de nós, que temos de aprender, pela
convivência com a obra de arte, pela vivência com a criaçãoartística, a fazer de cada um de nós e de cada um de nossos
alunos uma obra de arte.
Rolando Toro Acuña, filho do criador da Biodança, escreveu
uma historinha que adoro e, sempre que posso, leio para
professores com os quais me encontro:
“Minha obra prima”Minha obra de arte, pode ser uma causa ou uma obra de arte. A
obra prima mais importante que um ser humano pode fazer é a sua
existência. Pode fazê-la luminosa e cálida. Pode fazer uma existência feliz.Passar pelo mundo dando o melhor de si, passar pelo mundo deixando asua marca e que ela seja de solidariedade e ajuda. Passar pelo mundoamando. Passar pelo mundo cuidando da vida. A obra prima maior queum ser humano pode fazer é fazer da sua vida um exemplo pra si mesmo,de coerência com seus sentimentos e emoções. Escutando seu coração,escutando, sempre escutando. Ser auto referêncial neste planeta é difícil.As pressões são muitas para agradar gregos e troianos. Mas Você não égrego nem troiano. E terá que fazer a sua vida do jeito que você acheconveniente e permitir-se errar quantas vezes seja necessário paradescobrir o caminho certo. Suas decisões deverão partir de seu coração e
serão escutadas por você. Serão tomadas muitas vezes cheias de dúvidas.Mas Você as terá que tomar, com risco de se machucar, com risco demachucar os outros. Sua obra prima tem muita dor e muita alegria, suaobra prima tem muito desespero e incertezas, sua obra prima tem muitosangue correndo por dentro, tem muitas dúvidas e a certeza absoluta quequer ser um quadro final de beleza e encanto, sua obra prima lhe custaráchoro, lhe custará a vida, mas a vida é sua maior obra prima, sua vida é oque você pode fazer como uma obra prima. Ter uma vida com doçura,prazer, encanto e felicidade. E para isso tem que passar pela morte e vida,por provas que não gostaria nunca de passar. Tem que enfrentar todos osseus medos e sempre continuar em frente. Só Você sabe como lhe tem
custado ser feliz. Só você sabe como lhe tem doído o coração e como aindaalgumas vezes lhe dói. Mas uma obra prima não tem espaços parafalsidades e mentiras. Deverá encontrar-se consigo mesma.”
“Você é isto, uma beleza imensa
Toda a recompensa de um amor sem fim.
Você é isto uma nuvem rara
No céu de minh’alma
É ternura imensa.
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Você é isto
Estrela matutina
Luz que iluminaUm mundo encantador...” (Luis Vieira)
Além de nós, que podemos ser obras primas, além de
determinadas formas de atuação – de criaturas singulares ou de
determinados grupos, cujas ações e feitos são verdadeiros
monumentos artísticos – existem aquelas artes que são
conseqüentes de um saber-fazer, aquelas que, tradicionalmente,
chamamos obras de arte:
a)
As artes plásticas: a pintura, a escultura, a arquitetura;b) a arte sonora: a música;
c)
as artes cênicas: o teatro, a dança;
d)
a arte cinefotofonográfica ou artes visuais: o cinema, a
fotografia, o vídeo, a televisão e todos os seus derivados.
Faço esta divisão por uma necessidade didática, de
explicação. Porque é na materialidade estruturante de cada arte
que vamos encontrar o que as distingue umas das outras. E
existem muitas outras formas didáticas de arrumar o mundo das
expressões artísticas. E, na maioria das vezes, na vivência dacriação artística, buscamos a não divisão, seja buscamos a
vivência de uma arte total. E, também, é importantíssimo
esclarecer e falar outra vez, aqui, que todas as obras de arte
exigem uma artesania, o “modus faciendi”, maneira de saber
fazer. E estas artesanias fazem o pensamento e o sonho que
estava na cabeça do criador transformar-se em obra, em objeto a
ser percebido. Porque, neste planeta, não se percebe nada que
não tenha forma, materialidade (visível ou não visível, palpável ou
não palpável).A artesania de cada arte exige conhecimento e exige
competência de saber fazer e, antes de tudo, exige uma vontade
de estar apto a. Assim como exige matéria prima e instrumentos
específicos.
Exercitar, no contexto escolar, esta vontade e esta
competência de saber criar e saber fazer uma obra nunca dantes
existente, é um exercício que leva a uma aprendizagem que se
incorpora para toda a vida e abre campos de possibilidades. Eis
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um dado importantíssimo a apontar novos saberes para a escola:
eu aprendo a fazer obra de arte e eu posso fazer-me obra de arte.
Eu posso ser criador e criatura, posso ser artesão e obra, tudo aomesmo tempo. É uma vontade de buscar qualidade e beleza que se
incorpora ao nosso ser e é para toda nossa vida. E,
importantíssimo, não adianta nada conseguir tudo isto sozinho,
porque a obra só é arte se houver alguém, o outro, para senti-la e
reconhecê-la como arte. Além disto, este poder ser criador e poder
fazer-se obra prima, ao mesmo tempo, vislumbra mudança: não há
mais lugar para o pensamento fragmentado, pensamento dualista,
o pensamento do primeiro isto e depois aquilo. O pensamento do
primeiro eu e depois Você. O pensamento do eu sou o patrão evocê o servo. O pensamento do eu sou o dono e você a coisa, a
propriedade. O pensamento do eu sou o professor e você o aluno.
Aqui, esta dualidade é superada pelo sentido da
complementaridade. Tudo pode integrar-se, interagir,
interrelacionar-se, intercomplementar-se, interatuar-se. Um não
existe sem o outro. Um é complementar ao outro, mesmo que se
contraponham, um é, sempre, complementar ao outro. Assim,
pode-se educar para a solidariedade, para a tolerância, para o
amor. São brotos de novos campos de possibilidades. E tudo vividocom corpo, alma e divindade, com movimento significante de vida.
Não é um discursando e o outro ouvindo. O discurso é a prática, o
fazer, o saber fazer, o aprender a saber fazer fazendo, sentindo. A
escola fica alegre e coloridamente viva! A escola viva!
Até aqui, então, falei de nós, de educação, de sonhos e de
arte, para, agora, chegarmos ao contexto escolar.
A escola é um dos mais antigos projetos da humanidade. A
escola é um local de vivências onde podemos construir as
possibilidades de aprendizagem da arte das convivências e dascompartilhas, da arte de conhecer, de aprender a não ter medo do
mundo, de aprender a saber não ter medo do desconhecido,
aprender a superar o medo do obscuro, do desconhecido.
Convivência conosco, convivência com o outro, convivência com o
mundo, com as coisas a as vidas de nosso planeta, de nossa
galáxia, dos mistérios do céu. No cenário onde nos encontramos,
só há esta perspectiva para a escola. O mais que haja para ser
falado (currículo, aprendizagem, teorias, conceitos, ciências,
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filosofias, arte) deve estar a serviço do princípio de convivência
acima descrito, deve estar a serviço da formação dos que vivem a
escola. E, na escola, todos são aprendizes: professores, alunos,diretores, demais trabalhadores, o entorno da escola, os pais dos
alunos, os velhos do bairro da escola, os bandidos do bairro da
escola, os excluídos do bairro da escola, o delegado do bairro da
escola, a polícia do bairro da escola. A escola é o local da
formação da sensibilidade e do exercício da sensibilidade. Todos e
cada um de nós temos de aprender a ser sensível. Aprender e
ensinar tal dimensão humana é um pólo de resistência de
humanidade. Esta é a escola que eu sonho e que já existe, então,
não estaríamos aqui. Está latente em nossa vontade e já érealidade em muitas experiências que estão, já, sendo
vivenciadas. E este sonho é minha crença. Eu creio no projeto de
escola criado pela humanidade. E eu creio na função e papel do
professor e da professora deste projeto.
A vivência da arte é, hoje, apontada por estudiosos das mais
diversas áreas do saber, como a ação humana que melhor pode
abrir perspectivas de educação e formação da sensibilidade de
crianças, jovens e adultos para o agora vivido. Todos os espaços
chamados alternativo de formação humana, hoje, fazem da arte ocaminho para alcançar esta formação.
Por quê? Que teria a arte de tão importante, para ter e ser
esta importância que lhe é dada?
A arte, sendo expressão humana, traz em si, viva, todas as
dimensões que dão a vida deste planeta. O que está por traz dos
movimentos de vida deste planeta? Matéria, energia, espaço e
tempo. A matéria viva, movimenta-se (pela força da energia) num
espaço e cria o tempo. Assim, este é o planeta das formas e das
ocorrências. E assim o homem é e cria eventos. Assim, ele cria otempo. Tudo que percebemos neste planeta, tudo que nos toca,
tem forma e movimento. Até nosso pensamento. É a vida cultural.
A arte traz, dentro dela, estas dimensões de vida e bem vivas. É
assim que a obra de arte e o processo criativo de arte trazem
sempre elementos que nos tocam diretamente, elementos que
atuam em nossos componentes corporais orgânicos. E como não
somos somente corpo, os elementos da arte tocam, também,
nossa inteligência sensível e nosso espírito. Este é um saber raro,
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um conhecimento que deve ser, agora, mais que nunca, um
conhecimento pedagógico e pedagógico escolar. Então, é assim
que a arte deve ser parte no contexto escolar. E é como arte queela se contextualiza na escola, não como auxílio ou como bengala
para a aprendizagem de outros saberes. Como arte.
Realizar o exercício de criação artística, vivenciar a
aprendizagem de admirar e reconhecer a beleza das obras de arte,
deve ser e compor o cotidiano do contexto escolar. Pois começa,
já, aí, o exercício da crença na utopia, o exercício de saber o que
é utopia, é saber que realizar a utopia, é possível. Este exercício
leva à aprendizagem da crença na ação: sonho + ação = sonho
real, realidade. Esta aprendizagem, num país como o nossoreabilita a auto-estima e a capacidade de estar e ser digno, de ser
cidadão atuante.
Como a arte leva a isto?
De um pequeno detalhe, de uma frase dita, de um suspiro, de
restos de coisas velhas, de um pedaço de pau imprestável, de
blocos materiais sólidos, de um instrumento sem vida, de
descobertas de modo de fazer, de descobertas da capacidade defazer, de uma parede suja, de lápis, papel, tinta, um violão, um
pedaço de mármore, uma câmara fotográfica, uma filmadora pode
surgir, como por encanto, uma expressão de anseios, uma obra
prima, uma obra de arte, um elemento de encantamento. Antes, o
nada. De repente, a obra. E, na obra, um amanhã, uma aspiração,
um sonho expresso feito obra, uma realidade. Um momento de
magia, um encantamento tanto para quem fez como para quem
admira. Num momento era o nada. No outro, a obra de arte. Num
momento era o desequilíbrio total, no outro uma vida em ebulição.Num momento a tristeza e a dor, no outro, a beleza de um
momento vivido. Num momento a briga e a possibilidade da morte,
no outro um alguém que interfere com calma e beleza e o amanhã
sorri. Este fenômeno é ricamente inigualável. E, neste fazer, a
aprendizagem da possibilidade de se chegar ao sonho de uma
humanidade amorosa, uma humanidade que adote a vida como
opção eterna.
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Como a obra de arte pode provocar tudo isto? Existe fórmula
pronta? Não. No mundo, existe ordem e desordem. Equilíbrio e
caos são dimensões da vida. A ação deve ser firmemente criativae objetiva. Assim, os caminhos, os métodos, os conhecimentos, as
criações são encontrados, ensinados, transformados, revividos...
A gente se encontra, a gente percebe, a gente frui uma obra
de arte, porque toda arte tem forma (a forma é o corpo da arte).
Quando crio uma obra de arte (da mesma forma que quando crio
qualquer obra), uso um meio, um método e materiais próprios e
crio um corpo que ganha vida própria. Esta vida é significante e, a
partir daquele que percebe, pode ter significado. É pelo movimento
de saber fazer que a obra de arte se faz corpo, tem forma. É pelaforma, que nós admiramos e sentimos a obra. Nós a sentimos, nós
com ela nos comunicamos, nós damos sentido ao seu significado.
Nós, também, temos corpo. E tudo o que criamos, tem corpo. E
todo corpo ocupa um espaço (Lembram daquele princípio da física,
“dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo
tempo?”). Todo corpo tem necessidade de espaço para agir, para
atuar. Sem espaço, o corpo se atrofia, não pode se movimentar.
Mas... ó milagre! O espaço da arte vai além da sua
materialidade, o espaço da arte é o nosso sentimento, a nossasensibilidade. Se aprendo, pela arte, a importância da forma, pela
arte, aprendo, também, a importância do meu corpo e do corpo do
outro. E aprendo que todo corpo necessita de espaço. E que só o
pensamento amoroso ocupa outro corpo sem desgastá-lo,
rompendo aquele princípio da física. E é esta a aprendizagem – só
o pensamento amoroso ocupa o espaço do outro sem desgastá-lo –
que dá função educativa à arte. Tal aprendizagem é
imprescindível, e abre os campos de possibilidades do saber
comprometer-se com a vida, saber agir para encontrar os meios desuperação dos desconfortos que atingem não só a nós mesmos,
mas aos sem terra, aos sem tetos, aos sem saúde, aos sem amor,
aos desprezados, aos manipulados de nosso entorno. Isto pode
nascer a partir de coisas simples como uma brincadeira infantil.
(um pequeno grupo brinca de “escravos de jô”)
Numa brincadeira, numa dança, numa peça de teatro, num
exercício de criação de uma pintura, de uma escultura, posso
vivenciar e incorporar a aprendizagem do respeito ao espaço físico
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geográfico do outro e o como compartilhar o espaço, meu e dos
outros. Se esses exercícios forem contextualizados (numa conta
de somar, de multiplicar, num exercício de reconhecimento demapas, na aprendizagem dos pontos cardeais, no reconhecimento
das partes do corpo humano), aprenderemos a olhar o mundo com
o olhar da razão sensível, da opção pelas soluções belas,
integradoras, solidárias, tolerantes das diferenças.
(Voltando à brincadeira).
A arte necessita de espaço próprio que ela ocupa com o
movimento de sua forma. A forma é movimento, é energia que
movimenta uma matéria (e a matéria precisa de espaço para
movimentar-se) que ocupa espaço, com um ritmo próprio. Otempo. A materialidade da forma dá lugar ao entendimento das
especificidades e das características da obra, do tempo da obra.
Vejamos, na melodia da brincadeira Escravos de Jó: a
materialidade é o som, que se movimenta em ondas no espaço e
atinge nosso ouvido. Nosso ouvido conduz aquela sensação sonora
ao nosso cérebro (através de nosso sistema nervoso). E temos a
sensação da forma rítmica daquele evento – a melodia “Escravos
de Jô”. Que milagre! A imaginação faz a memória reconhecer
aquela melodia, guardá-la e apreendê-la. A imaginação é atingida emovida pelas especificidades daquela materialidade da forma, no
caso, aquela melodia. Estes movimentos, vivos, ampliam a
sensibilidade. Leva-nos a uma aprendizagem fascinante: a opção
pela beleza. Pelas soluções belas. Beleza de movimento e ações
no espaço vivido, junto com outros movimentos de outras pessoas,
de outras coisas, da natureza, dentro de um espaço de tempo.
Veja como uma pequena melodia, uma simples brincadeira pode
mobilizar. E sem discurso, sem imposições, sem gritos. Aprende-se
que TEMPO é criação humana. E que a ação de cada um move omundo e traz conseqüências, que, as vezes a gente não nota, mas
a história humana sente. Esta aprendizagem, ampliada pelos
conhecimentos e exercícios da linguagem escrita, da leitura, dos
movimentos históricos, dos passeios, das análises de notícias de
jornais e televisão, enseja ao reconhecimento, entendimento e
tolerância das diferenças e da complexidade da vida. Nós somos
eventuais, temos ritmo próprio, como a arte. Os agrupamentos
humanos têm ritmo próprio, como as artes, têm histórias
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ocasionadas por causas diferentes, como as artes. E, como a arte,
precisa de ação para ser existente. Ora é um som, ora uma tinta,
ora um bloco de mármore, ora as técnicas de uma máquinafotográfica... qualquer que seja a materialidade da obra, a ação do
artista é quem cria, quem mobiliza, quem faz o evento. Vivenciar
estes movimentos na escola é algo fantástico. Os alunos
aprendem e nunca esquecem! Sem nenhum discurso falado, os
conhecimentos são incorporados pela vivência e prática da
criação de uma obra artística ou pelo reconhecimento da beleza
de uma obra já existente. Assim, toda a cidade, além do espaço da
escola, é campo de ensino, é sala de aula. O aluno sente que a
escola está no mundo, está em um local, o seu local de habitação.E ele, o aluno, tem tudo a ver com aquele local. Aquele local é o
seu espaço de atuação no mundo. Sua atuação ecoa por todo o
universo. Que possibilidade de aprendizagem, hein?
A arte tem especificidades e características essenciais e
próprias para ser reconhecida como tal. Nós, também somos
assim. O mundo também é assim. Por isto, aprendemos a
reconhecer uma pintura, que é diferente de uma música, que é
diferente de uma escultura... Por isto, reconhecemos quem é João
Pereira da Silva, que é diferente de Ana Ma. Braga, que é diferentede José das Preces. E os exercícios de reconhecimento destas
especificidades tornam-nos aptos a escolher melhor, a tomar
decisões mais firmes e coerentes, a ter clareza sobre as coisas,
os fatos e as pessoas. A ser tolerante com as diferenças e as
complexidades. Aprendo a posicionar-me melhor e a entender o
posicionamento e a beleza das atitudes do outro. Que
possibilidade de aprendizagem para a vida!
A arte, para ter forma, tem, imbricada em si, elementos
espaciais íntimos, que dão a ela o seu tempo, a sua personalidade.Nós, também somos assim. A sociedade também é assim. E assim,
aprendemos que, pela imaginação, mobilizamo-nos para entender
a vida. Eis outro campo de possibilidades da arte na escola.
Aprendemos, no ato do saber- fazer-criar artístico, qual a função
da imaginação e dela não vamos ter medo.
A arte tem um criador que lhe dá forma. Isto possibilita o
exercício, o entendimento, a compreensão e a consciência de que
cada um pode agir, ser criador de possibilidades de mudanças e
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transformações. É a ação do criador que dá vez à vida. As religiões
deixam isto bem claro para quem as pratica. As religiões fazem-
nos entrar em êxtase ante o entendimento de que o criadorinventa a vida! A arte nos faz praticar o entendimento de que nós
todos e cada um de nós somos criadores e obras. Poderemos
aprender a saber reconhecer a grandeza da ação do outro e a
compartilhar, pelo bem, esta grandeza. Lembram? É a vida
chegando na escola! É a escola viva!
A arte uma vez criada e formada tem vida própria. Autônoma.
Independente. E só é arte quando é sentida pelo outro, quando tem
um entendedor de si. Quando se heteronomiza. Quando presta um
serviço. Nós, também somos assim. A arte não existe sozinha,mesmo sendo obra. Ela existe quando o outro a reconhece. Nós,
também, somos assim. Que alegria, entender esta dimensão pela
imaginação e pela fantasia da criação artística e pelo êxtase que
a admiração de uma obra de arte proporciona!
A arte é histórica, sofre influência de seu tempo e, ao mesmo
tempo, influencia o tempo. Nós também. Que apreensão e
compreensão do sentido de política, hein, professor de história?
Exercícios assim, com esta dimensão de sedução, no
contexto escolar, certamente enseja aprendizagensrevolucionárias. E esta é a função mais clara da arte.
Desinstitucionalizar. Transformar. Fazer sair do lugar. Fazer
compreender a diferença que existe entre o nada de antes e o
novo de depois da criação, da ação. Arte é obra e tem um criador.
Pelo exercício da criação artística ou pelo reconhecimento da
obra já existente, pode-se aprender a compreender como as
coisas se institucionalizam e como podem se desistitucionalizar,
se necessário. Isto constitui uma aprendizagem política sem igual.
A arte é, sempre, fruto de uma crise. A crise é provocadapela ausência de material necessário, de um sonho por realizar, de
um desrespeito à dignidade, pela pobreza de recursos materiais,
pela falta de amor, de solidariedade. A ausência de muitas outras
coisas, materiais ou espirituais, se forem essencialmente
necessárias, provocam sérias e grandes crises. A crise move,
mobiliza, cria necessidade de superação, desacomoda. Toda obra
de arte, todo exercício artístico nasce de uma crise. Então, na
escola, a arte não pode ser exercício de cópia, de imitação pura,
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de fruto de dominação. O aluno deve sentir a necessidade
suprema de ultrapassar-se de ir além do que já pode fazer. O
exercício e a convivência e vivência de processos de criaçãoartística leva-nos a aprender que a acomodação é perda, é uma
conta de diminuir. Ser acomodado é ser menor que o outro, ser
acomodado rompe com o sentido de igualdade. Que oportunidade
de entender o movimento dos caminhos da humanidade, hein?
Vamos ver se a gente pode, agora, criar uma orquestra
rítmica e exercitar uma batucada das boas. Vejamos. Quais os
instrumentos que usaremos? Não temos os instrumentos ideais.
Vamos fazer, a partir do que temos aqui, agora, nossa orquestra. E
vamos lutar para conseguir o que não temos aqui, agora. Alguémtem cadernos? Alguém tem caneta? Todos têm pés e temos o
chão. Temos ainda as cadeiras e as paredes, o corpo, a voz. Eu e
mais algumas pessoas que estão aqui temos os conhecimentos
necessários para criar esta orquestra (lembram, a questão da
artesania?). Criar arte nunca é por milagre, é por trabalho e
conhecimento. E por necessidade de comunicação, de sair do
lugar, de dizer-se ao outro. Agora, por exemplo, temos muitos
instrumentos. Vamos, então, formar os naipes. Sim, porque uma
orquestra tem naipes, pequenos grupos que a constitui. O naipedos cadernos, o naipes das batidas de pé. O naipe dos sons da
boca. O naipe das palmas. Ta bom, esta quantidade de naipes.
(Exercício de criação e uma performance de uma pequena banda
rítmica, formada pelos presentes). Claro que, aqui, não temos uma
obra prima. Mas um exercício que, se continuado, poderia vir a ser
uma obra prima. Eis um exercício maravilhoso. Vocês podem ver,
então, que a partir de algo inteiramente caótico pode-se fazer uma
revolução. É a aprendizagem do processo de como
desinstitucionalizar, de desacomodar. E é divertido. E une. E trazsolidariedade. É uma aprendizagem que incorpora elementos para
o entendimento do que vem a ser mudança real e como provocar
as mudanças. Sem discursos. Já pensou, um exercício destes num
sindicato, hein?
É, a presença da arte na escola, exige também a presença de
professores sábios e prenhes de conhecimentos vários e
diferentes, competências e níveis de complexidades ampliados
junto com a consciência de que pode, sempre, mais. E uma
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vontade e amor, incomensurável, na disposição de estar sempre
integrando, ampliando, somando, multiplicando, criando,
compartilhando. Sabendo, humildemente, que ainda sabe muitopouco... ... e que... “a gente sofre mas nóis goza!”
Não só no como aprender, mas no quê aprender e no para
quê aprender. Não só no como ensinar, mas no quê ensinar e no
para quê ensinar. Mesmo sentindo-se como um equilibrista, vamos
aprendendo e ensinando a arte de ser criador de possibilidades.
Humildemente.
Não é aprender a ser artista ou aprender a falar bem o
português ou resolver rápido uma equação. Não. É aprender que
todo saber é vivo se incorporado ao ser e ao mundo.Numa simples brincadeira infantil, numa dança de roda,
numa brincadeira de quadrilha, pode-se perceber e viver os
movimentos da história humana. Pode-se incorporar o respeito
pelo espaço do outro, pode-se aprender a sentir os ritmos da vida,
pode-se dar sentido ao movimento de cada um, pode-se vivenciar a
aprendizagem que nos anuncia que só podemos viver
compartilhando vida, dando-nos as mãos, entendendo o valor das
rupturas, aprendendo a transcender a superar as rupturas,
aprendendo a refazer e fazer o continuum da vida. Sem dominaçãoou exploração de uns sobre os outros, de uns em detrimento dos
outros, mas para o outro, por opção de vida.
A arte, assim, no contexto escolar, depende de cada um de
nós professores, de nossa vontade de continuar sendo um eterno
aprendiz, um compartilhador de idéias e saberes, um amante do
nosso tempo, um desbravador e criador de novidades, um amante
de tudo que já foi criado, um reconhecedor e fomentador de
talentos, um criador e uma obra prima: UM PROFESSOR. UM
PROFESSOR APRENDIZ DE SER ETERNO ALUNO DA VIDA - criandonovos caminhos de aprendizagem!
“Viver
E não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será
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Mas isto não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita !!!!!!!!!!!!” (Gonzaguinha).
“Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer...” (Vandré).
OBRAS CITADAS :
Alfonso Lopes Quintás – www.hottopos.com/4.htm#quintas
Belchior – “Como nossos pais”
Do Folclore Brasileiro – “Boi da cara preta”
– “Escravos de Jô”
Dora Vasconcelos e Villa-Lobos – “Viola quebrada”
Dorival Caymmi – “Acalanto”
Erasmo e Roberto Carlos – “Tudo vai ser diferente”
Geraldo Vandré – “Pra não dizer que não falei de flores”
Gonzaguinha – “E vamos à luta”Luis Vieira – “Paz do meu amor”
Rolando Toro Acuña – www.inforum.insite.com.br
* Texto criado para o Seminário Escola Viva: “Afinando Conceitos, Orquestrando Ações”,
promoção da Coordenadoria de Desenvolvimento Técnico Pedagógico – Célula Escola
Viva – SEDUC. Dias 20, 22 e 23 de abril, 2004, em Fortaleza – Ce. Demais Conferencistas
– Profa. Luiza de Teodoro Vieira e Maestro Orlando Vieira Leite.