testemunho estado novo silvia sousa

15

Click here to load reader

Upload: ana-cristina-f

Post on 04-Jul-2015

1.469 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Testemunho estado novo    silvia sousa

Escola Secundária de Peniche

2011/2012

História

12º LH1

Testemunho sobre

viver no Estado Novo

Trabalho elaborado por: Sílvia Sousa

Professora: Ana Cristina Ferreira

Page 2: Testemunho estado novo    silvia sousa

2

Índice

Introdução 3

Anónimo 4

Anexos 8

Anónima e falecido marido 11

Conclusão 15

Page 3: Testemunho estado novo    silvia sousa

3

Introdução

Este trabalho tem por objetivo obter mais informação acerca de uma

época da nossa história: o Estado Novo. Pretendo fazê-lo com o acesso a

testemunhos importantes sobre esse tempo.

Tentarei aprofundar partes importantes da história das pessoas

relacionadas com o próprio país, como momentos mais marcantes. Os temas

que irei abordar são: a infância e tentar fazer uma pequena comparação com

os tempos de hoje; a juventude e os tempos de escola; o trabalho; a vida

militar, no caso dos homens onde abordarei as guerras coloniais; o Forte de

Peniche; a censura e o 25 de Abril.

Para isto irei entrevistar uma senhora anónima que falará também em

nome do seu falecido marido, que participou na Guerra Colonial na Guiné

Bissau e pertenceu à PIDE. Entrevistarei também outro anónimo que participou

na Guerra Colonial em Angola e trabalhou no Forte de Peniche.

Todos sabemos que o Estado Novo foi um período bastante repressivo

da nossa história mas que apesar disso houve muitas melhorias, como por

exemplo a situação socioeconómica do pais e com estes testemunhos vamos

ver se as opiniões das pessoas que passaram por essa época controversa são

negativas, se ficaram desiludidas ou aliviadas com as mudanças após o 25 de

Abril e o que achavam que estava bem ou mal no regime.

Page 4: Testemunho estado novo    silvia sousa

4

Como foi a sua infância?

Feliz, apesar de pobre. As brincadeiras eram outras, com jogos que não

implicavam gastos de dinheiro. Agora não valorizam as coisas como nós

fazíamos e eramos ensinados.

Como era a escola?

Frequentei-a da 1ª à 4ª classe, bom aluno mas um pouco preguiçoso.

Havia respeito pela professora pela sua sabedoria, e sem violência. Desde os

primeiros dias os meus pais ensinaram-me a respeitar os professores e eles

próprios sabiam impor-se.

Em cada ano havia um livro próprio de leitura, eram os livros únicos.

Estudávamos ciências, zoologia, história, botânica, gramática e matemática. Os

textos eram banais e tinham apenas em vista ensinar a formação de frases e

incutiam ao respeito pelos outros. Aos sábados tínhamos moral e formação

cívica.

Só houve exames na 3ª e 4ª classe. O da 3ª foi escrito e feito na escola

e o da 4ª era na sede do concelho com prova escrita (ditado, redação e

matemática) e oral com juízes e professores.

Depois fui para o Seminário do Patriarcado porque não tínhamos

condições monetárias e este era financiado pela Igreja. Aprofundávamos mais

as disciplinas. Não cheguei a lá estar 6 anos e segui para o campo.

Que trabalhos exerceu, para além do trabalho no campo?

Aos 18 anos tínhamos que dar o nome para a tropa e íamos a uma

inspeção física que ou nos deixava livres ou apurados. Fiquei apurado e

quando assim era tínhamos que esperar que o exército nos chamasse.

Em 1961, tinha eu 19 anos, abriu uma vaga de escriturário na cadeia do

Forte de Peniche. Tínhamos que fazer uma prova escrita e oral.

Anónimo 30.01.1942

Page 5: Testemunho estado novo    silvia sousa

5

Em 1964 fui chamado pelo exército e ingressei em Mafra no curso de

Sargentos Milicianos. Em virtude dos resultados obtidos nos testes e do bom

comportamento passei na segunda fase para o Curso de Oficiais Milicianos.

Estudámos a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa. Fez parte de

alguma delas?

Não, não eram obrigatórias.

Exerceu mais algum trabalho?

Depois da vida militar regressei ao Forte de Peniche e depois concorri à

GNR.

Quais eram as suas funções em Peniche?

Em Peniche tratava dos processos dos reclusos e pedia documentação

aos tribunais (cópias das sentenças) e ao conservatório do registo civil

(identidade dos reclusos); arquivava expediente, que era os ofícios que

chegavam e tinha que organizá-los nos processos respetivos.

Não havia lá castigos mas sim reclusos que agiam mal

propositadamente e sabiam as consequências e queriam ser isolados para

chegar aos ouvidos da família que não podiam ser visitados. Todos os presos

eram do Partido Comunista Português, que agiam com atos violentos e

terroristas.

Mente-se muito sobre o que acontecia no Forte de Peniche, não havia

nenhum buraco para presos, só havia a furna que estava fechada para

ninguém entrar ou sair.

E como era a vida militar?

Tive 4 anos no exército, de 24.1.1964 a 28.1.1968. durante este período

estive em Mafra e no Ultramar, em Angola. Numa 1ª fase um Nanbuangongo

durante 17 meses e numa 2ª fase em Marimba Anguengo durante 10 meses.

Eu comandava um pelotão de 27 homens e eramos três pelotões, o que

formava uma companhia que era mandada pelo Capitão. Executava-se o

serviço de guarnição (segurança do quartel) e operações militares (tentativas

Page 6: Testemunho estado novo    silvia sousa

6

Abastecimento de água

de busca dos chamados terroristas). Do meu pelotão morreu um condutor,

sofremos vários ataques e vários foram feridos.

A 1ª fase foi marcada pelo desejo constante que o tempo passasse. Na

2ª fase o nosso quartel ficava junto de uma Sanzala e foi muito enriquecedor

pois havia uma consideração mutua entre os militares, que podiam ser

considerados como uma potência ocupante, e os indígenas que eram boa

gente.

Tinham uma rainha, a Rainha Isabel que mandava na Sanzala e

tínhamos que lhe pedir por exemplo para mandar pessoas irem buscar-nos

água pois não mandávamos nada.

Eles não se sentiam ofendidos pelo que estavam a defender e combater? Ao

fim ao cabo estavam a lutar contra a independência deles.

Não se sentiam nada ofendidos e até choraram quando vim embora.

Aquilo em Angola estava a caminhar muito bem e na 1ª fase, por

exemplo, sabíamos que havia lá um quartel e íamos até lá apanhá-los e

trazíamo-los como prisioneiros. Mas não os tratávamos como tal e até

construímos uma Sanzala só para eles.

Page 7: Testemunho estado novo    silvia sousa

7

Isto tudo só aconteceu porque os ingleses e os americanos tinham

inveja do tanto que tínhamos e influenciaram as ideias de independência, para

posteriormente os explorarem, se assim fosse possível

Depois foi para a Guarda Nacional Republicana. O que fazia lá?

Para a GNR havia concursos e entrei. Tivemos um estágio e depois

mediante o resultado éramos colocados nos locais onde havia vagas.

Eu era Comandante de Secção e acabei a minha carreira como

Comandante de Companhia pela Promoção de Companhia. Antes era tenente

onde tínhamos que despachar as requisições, arranjar forças para repor a

ordem pública e tratei das reformas agrárias no Vale do Sorraia… uma

experiência social extraordinária. Rondava os postos do pelotão, esclarecíamos

dúvidas, íamos a reuniões, respondíamos a pedidos dos tribunais, etc.

E onde estava quando se deu a Revolução dos Cravos?

O 25 de Abril deu-se quando já estava na GNR. Em Março tinha havido

uma tentativa e já estávamos à espera. Os militares estavam influenciados pelo

partido Comunista pois estes viam que o Estado Novo tinha sucesso. A PIDE

estava a par de tudo o que acontecia, pois já nos tinham informado.

Nesse dia estava em Aljustrel e tivemos que entrar em prevenção

(sistema que obrigava a que estivéssemos a trabalhar para além do tempo de

serviço) e depois passámos a receber ordens da Junta de Salvação Nacional.

Page 8: Testemunho estado novo    silvia sousa

8

Lançamento dos «frescos» através

de paraquedas do Nord. Atlas

Anexos

Page 9: Testemunho estado novo    silvia sousa

9

Page 10: Testemunho estado novo    silvia sousa

10

Page 11: Testemunho estado novo    silvia sousa

11

Como foi a sua infância?

Estudei até à 3ª classe e interrompi durante três anos.

Passados esses três anos fiz a 4ª classe e a admissão ao liceu em seis

meses. Continuei a estudar no Externato D. Luís de Ataíde, mais tarde

intitulado Externato D. Lourenço, onde permaneci até ao 3º ano que

corresponde agora ao 7º.

Era normal as raparigas estudarem até tarde?

Não, só estudava quem podia financeiramente.

Como era a escola?

Quando andava na primária tinha que ir a pé e para o Externato de

bicicleta. Na primária éramos quatro classes, todos na mesma sala, só com

uma professora, mas não havia barulho, ninguém levantava a voz e a

professora era muito exigente. Na Lourinhã, que equivale ao ensino básico, já

cada turma tinha a sua sala e nos 2º e 5º anos tínhamos que fazer exames nos

liceus em Lisboa. O meu foi feito no Liceu Rainha Dª. Leonor.

Que tipo de coisas estudava?

Na primária dávamos gramática e a matemática designávamos de

problemas e tínhamos aulas ao sábado de manhã para ter moral e formação

cívica. Os estudos centravam-se no português e nos problemas mas também

abordávamos superficialmente as ciências, e na geografia falávamos da de

Portugal Continental, Ilhas e Ultramar. Na história apenas estudávamos a de

Anónima

17.07.1948

Falecido marido

2.08.1943

-

20.07.1968

Page 12: Testemunho estado novo    silvia sousa

12

Portugal. À chegada e à saída rezávamos uma oração, um Pai Nosso e uma

Avé Maria. Na parede tínhamos um crucifixo, uma fotografia de Salazar e do

Presidente da República.

O que fazia nos tempos livres durante a infância?

Jogávamos à malha, à cabra cega, à neca…

Como era a relação entre os jovens e que tipo de liberdades tinham?

Não tínhamos liberdades nenhumas. Ao sábado tinha que fazer

trabalhos domésticos e ao domingo íamos à missa. À tarde por vezes

podíamos ir dar um passeio que era só andar pela nossa rua para cima e para

baixo com amigas. Podíamo-nos encontrar com rapazes, mas era de fugida.

Como era o vestuário?

Tinha um vestido ou dois para o domingo e só para a festa anual da

terra é que eventualmente comprava outro. Para a escola usávamos a bata.

Por quantos elementos era constituída a sua família?

Morava com os mais pais e cinco irmãos mais novos. Para além de ter

que ajudar na lide domestica também tinha que ajudar a preparar as coisas

para os meus irmãos.

Como era a situação socioeconómica do país?

Eu vivi durante a 2ª Guerra Mundial, onde a comida era racionada.

Mesmo aqueles que podiam não se alimentavam devidamente pois não havia

variedade. Havia muita gente que passava fome e muita gente da cidade que

vinha às aldeias pedir comida. Apesar de tudo isso a qualidade de vida era

muito melhor.

Para a época vivia bem, nunca passei fome.

Havia quem nem sapatos tivesse, tendo apenas um único par para o

domingo. Lembro-me que quando precisava de sapatos a minha mãe tirava-me

Page 13: Testemunho estado novo    silvia sousa

13

a medida dos pés molhando-os e passando-os no chão e com um pau tirava a

medida para levar à Lourinhã para os sapateiros os fazerem, que eram tão

pobres que vinham entregá-los a casa.

A minha mãe muitas vezes fazia camisas para o meu pai e bibes para

nós, apenas as roupas mais práticas. Eu tinha uma modista que me fazia a

roupa e o meu pai e os meus irmãos iam ao alfaiate.

Que trabalhos exerceu?

Comecei a trabalhar aos 19 anos no Instituto de Odivelas (Colégio

Interno de Filhas de Oficiais) e fiquei lá durante quatro anos. Era educadora,

acompanhava as miúdas no estudo, nas camaratas e à mesa. Ganhava 1000

escudos, corresponde agora a aproximadamente 5€, mas para a época era

bom dinheiro e ainda por cima era interna, não tendo assim que pagar

alojamento nem comida.

As minhas primeiras “férias” foram passadas no Forte de Stº. António,

em S. João do Estoril, onde era a casa de férias de Salazar, e íamos com as

raparigas cujos pais estavam na guerra e fora do país.

Como era o namoro na altura?

Comecei a namorar aos 18 anos e ele tinha 17, e casei-me aos 25. Para

me casar tiveram que investigar se tinha antecedentes políticos (se era contra

o regime).

Depois do casamento fomos morar para Peniche e o meu marido era

Agente da Direção Geral de Segurança, ou seja da PIDE. Começou em 1966 e

tinha o cargo de investigar as pessoas contra o regime, mas teve lá tão pouco

tempo que não chegou a investigar nada e também não era um trabalho que

lhe agradasse muito, só foi para lá porque foi o único serviço que apareceu.

Não sei explicar muito mais as funções dele, pois não estava autorizado a falar

e eu também não me interessava.

Ele recebia 2300 escudos, que é pouco mais de 10€.

Entretanto ele faleceu - quando eu tinha 26 anos, dois dias após o meu

aniversário e estando grávida de sete meses – e tive que procurar trabalho aqui

perto pois estava desempregada. Fui colocada no posto de Direção Geral de

Segurança em 1968 onde era escriturária. Tive lá seis anos e pouco fazia pois

não havia movimento e ganhava 1800 escudos (não chega a 10€).

Page 14: Testemunho estado novo    silvia sousa

14

Como foi a vida militar do seu falecido marido?

Foi para a tropa como Cabo Especialista na Base Aérea 2 Ota em 1962.

A tropa era obrigatória mas ele foi aos 18 anos voluntariamente e escolheu a

Força Aérea.

Foi para a Guiné Bissau em 1963/64 e teve lá vinte e um mês, onde

fazia a manutenção dos aviões.

E exerceu mais algum trabalho?

No 25 de Abril fui saneada. Cheguei de manhã ao trabalho para me

apresentar e o chefe mandou-me embora e avisou-me para não lá voltar nos

próximos dias. Ele e os agentes acabaram por ser presos em Caxias. No

entanto eu não sabia de nada pois não tinha o costume de ouvir noticia e não

estava nada à espera.

Como era a repressão do regime?

Não havia repressão, no entanto só aqueles que se mostravam contra a

ditadura é que se manifestavam e acabavam por ser presos. Não havia

liberdade de expressão porque as pessoas abusavam dessa liberdade, mas

para quem não se mostrasse contra não havia problema algum, podíamos

fazer a vida normal, alguns é que abusavam mas no entanto Salazar estava a

cumprir as leis do regime.

No tempo de Salazar havia muito mais respeito, nada como se vê nos

dias de hoje.

Quando se deu o 25 de Abril o sistema não era tão repressivo pois o

Sr.º Marcelo Caetano era mais a favor da democracia e foi um acto precipitado

e muita gente diz que se o mesmo tivesse continuado no poder o país teria

melhorado porque ele aos poucos estava a deixar a ditadura dando lugar a

uma democracia mais controlada.

Depois do 25 de Abril o povo ficou demasiado entusiasmado mas o país

não estava preparado para a mudança e as pessoas começaram logo a

comportar-se de forma menos disciplinada.

Page 15: Testemunho estado novo    silvia sousa

15

Conclusão

Após a entrevista a dois cidadãos do Estado Novo apercebi-me de que

as opiniões obtidas eram similares, apesar de serem pessoas que vieram de

contextos socioeconómicos diferentes.

Apesar do regime ser repressivo e das condições económicas não

serem as mais favoráveis as pessoas estavam satisfeitas com a atuação do

Estado e com a evolução do país. As ideias em contrário partiriam das minorias

que tentavam influenciar a população.

Com os testemunhos obtidos apercebi-me também que a população

vivia feliz e com qualidade de vida, não económica mas social devido aos

valores incutidos e à simplicidade da vida.

Tentei obter algumas opiniões contrárias mas visto que não encontrei

nenhuma aprofundei apenas estas duas pessoas.

Então podemos constatar que o Estado Novo foi um período ditatorial

mas livre ao mesmo tempo, onde as pessoas se sentiam melhor que agora,

mais felizes, mais seguras e certas de que o país e a população estariam a

seguir o caminho certo, onde reinava a harmonia e educação.