tese economiad

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Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” Transferências interna e externa de renda do agronegócio brasileiro Adriana Ferreira Silva Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Ciências. Área de concentração: Economia Aplicada Piracicaba 2010

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  • Universidade de So Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro

    Adriana Ferreira Silva

    Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada

    Piracicaba 2010

  • 1

    Adriana Ferreira Silva

    Bacharel em Cincias Econmicas

    Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro

    Orientador: Prof. Dr. GERALDO SANTANA DE CAMARGO BARROS

    Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada

    Piracicaba 2010

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    DIVISO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - ESALQ/USP

    Silva, Adriana Ferreira Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro / Adriana Ferreira

    Silva. - - Piracicaba, 2010. 137 p. : il.

    Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2010.

    1. Agribusiness 2. Comrcio exterior 3. Distribuio de renda 4. Rendas - Transferncia Ttulo

    CDD 338.13 S586t

    Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor

  • 3

    minha me: meu maior exemplo!

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  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeo a Deus pelo amparo no apenas neste trabalho, mas ao que

    representam todos estes anos de estudo.

    Agradeo minha me que, por sempre acreditar na educao, se tornou minha primeira e

    maior educadora. Devo a ela todos os meus sonhos realizados. Aos meus irmos e sobrinhos

    tambm agradeo pelo amor e afeto sempre incondicionais;

    Ao prof. Geraldo, no h palavras que expressem minha gratido e carinho pelas horas a

    fio dedicadas realizao deste trabalho. Seus ensinamentos foram alm de conhecimentos

    tcnicos e me mostraram que pesquisa se faz com persistncia e entrega. A mim, foi e sempre

    ser uma honra trabalhar com o senhor.

    Aos professores do Programa de Ps-graduao pelos ensinamentos. Agradeo de forma

    particular aos professores Mrian Bacchi, Humberto Spolador, Lucilio Alves pela disponibilidade

    irrestrita em colaborar com crticas e sugestes para a realizao do presente trabalho;

    A toda equipe do CEPEA pela acolhida, em especial ao Arlei Fachinello, Ana Paula

    Silva, Luciane e Elisngela pelo carinho e companheirismo em nosso dia-a-dia;

    A todos os funcionrios do Departamento de Economia, Administrao e Sociologia da

    Esalq, em especial Maielli e Cristina, a quem sou profundamente grata pela inestimvel

    ateno e carinho; ao lvaro, Silvana, Ligiana e Helena agradeo pela presteza no atendimento;

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES, pela bolsa

    de estudos;

    Aos amigos Andria Adami, Luiza Meneguelli, Maurcio J. P. Sousa, Karlin Saori Ishii,

    Silvia Kanadani, Julcemar Bruno Zilli, pela amizade e companheirismo. s amigas Maria,

    Priscila, Anglica e a todos os demais moradores e hspedes da nossa vila, pelos momentos

    de alegria e descontrao partilhados nas festas e almoos em nossas casas. Em especial,

    agradeo Rochinha pela acolhida e carinho dedicados a mim e Marina, minha companheira

    ausente de repblica, mas sempre presente em ateno e afeto;

    Agradeo afetuosamente ao meu namorido Flvio que sempre me apoiou nos momentos

    difceis. Sua serenidade e alegria de viver so meu espelho!

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  • 7

    SUMRIO

    RESUMO........ .............................................................................................................................9

    ABSTRACT ...........................................................................................................................11

    LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................13

    LISTA DE TABELAS ...............................................................................................................17

    1 INTRODUO.......................................................................................................................19

    1.1 Debates sobre transferncia de renda na economia brasileira ..............................................19

    1.2 Objetivos...............................................................................................................................28

    2 REVISO BIBLIOGRFICA................................................................................................29

    2.1 O agronegcio no Brasil: um breve histrico.......................................................................29

    2.2 As mudanas no cenrio mundial e seus reflexos no agronegcio nacional ........................34

    3 REFERENCIAL TERICO....................................................................................................41

    4 METODOLOGIA....................................................................................................................49

    4.1 Procedimentos para o clculo do PIB...................................................................................49

    4.2 Computando a transferncia .................................................................................................55

    4.3 Captao dos choques de oferta e demanda .........................................................................57

    4.3.1 Modelo econmico ............................................................................................................57

    4.3.2 Definies e funes bsicas do modelo econmico.........................................................58

    4.3.4 Obteno da taxa de crescimento das variveis.................................................................62

    4.4 Procedimentos economtricos ..............................................................................................63

    4.5 Origem e descrio dos dados ..............................................................................................69

    5 RESULTADOS .......................................................................................................................73

    5.1 A evoluo do PIB do agronegcio brasileiro......................................................................73

    5.2 Produto x PIB: a relao entre a renda gerada e a renda apropriada no agronegcio ..........83

    5.3 A decomposio da transferncia sob a tica do mercado interno e externo .....................100

    5.4 Resultados da anlise economtrica dos choques de oferta e demanda .............................110

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................127

    REFERNCIAS .......................................................................................................................131

  • 8

  • 9

    RESUMO

    Transferncias interna e externa de renda do agronegcio brasileiro

    A partir de 1995, as melhorias advindas da estabilizao monetria e a expanso de programas de transferncia de renda, em adio ao crescente padro de comrcio internacional, refletiram em reduo da concentrao de renda e da pobreza no Brasil. Acredita-se que o agronegcio, ao assumir posio estratgica para o controle da inflao e gerao de divisas no comrcio exterior, possa ter tido participao relevante nesta trajetria. Perante tal cenrio, procura-se neste trabalho contribuir para a compreenso do papel do agronegcio no processo de distribuio de renda, particularmente em relao s transferncias de renda para os demais setores da economia domstica e tambm para o mercado externo. Transferncia aqui entendida como a perda ou ganho de renda em decorrncia de mudana nos preos relativos. Buscou-se, assim, averiguar as relaes existentes entre a renda gerada pelo agronegcio e a renda efetivamente apropriada pelo setor, devido s variaes de preo reais ocorridas no perodo de 1995 a 2008. Os resultados indicaram que a evoluo do produto foi sempre superior do Produto Interno Bruto - PIB a preos reais correntes e, portanto, que o produto cresceu com preos reais decrescentes. A queda de preos somada ao aumento da produo representou uma perda de renda potencial do agronegcio, que foi absorvida pela sociedade. Tal ocorrncia se deu de forma mais marcante no ramo da pecuria do que para o das lavouras. No acumulado do perodo R$ 837 bilhes foram transferidos pelo agronegcio brasileiro, dos quais: (a) 47% provieram do segmento bsico (dos quais 46% das lavouras e 54% da pecuria); (b) 38% vieram do segmento de distribuio; (c) 20% saram da agroindstria (62% da indstria de base vegetal e 38% da indstria de processamento animal); (d) o segmento de insumos foi receptor lquido de renda (R$ 41 bilhes). Diretamente a sociedade brasileira, a maior transferncia (R$ 641 bilhes) veio do segmento bsico, sendo 67% das lavouras e o restante da pecuria. O benefcio de quedas reais de preo recebido pela sociedade, quedas estas comparveis ou superiores s observadas aos produtores rurais, indicou que os segmentos agroindustrial e de distribuio tambm colaboraram no processo de aumento do produto a preos decrescentes. Ao final, o aumento do produto, simultneo queda de preos reais, foi um indicador de aumento de produtividade no agronegcio. As anlises economtricas corroboraram essa constatao, sendo produtividade a fonte mais importante de variaes no produto do agronegcio no perodo estudado. Palavras-chave: Agronegcio; Distribuio de renda; Transferncia de renda

  • 10

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    ABSTRACT

    Internal and external transfers of income from brazilian agribusiness

    Since 1995, the monetary stabilization and expansion of programs related to income transfer, in addition to the growing standard of international trade, have reflected in a reduction of the concentrated wealth and poverty in Brazil. It is believed that the agribusiness has taken a strategic position in order to be able to control inflation and foreign currency earnings in foreign trade, might have been of great relevance in this process. Therefore, the main point of this work is to contribute to the understanding of the role of agribusiness regarding income distribution, mainly as to income transfers for the other sectors of domestic economy as well as for the export market. Transfer is here understood as the gain or loss of income due to changes in prices. Thus, one tried to establish the relationship between the income generated by agribusiness and the income effectively appropriated by the sector, due to shift in prices which took place in the period from 1995 to 2008. The results indicated that the evolution of the product was always higher than the Gross Domestic Product (GDP) at real current prices, and that there was an increase in production with real declining prices. The fall in prices added to the increased production resulted in a loss of potential income of agribusiness, which was absorbed by society. This result proved to be more noteworthy in the business of livestock than in crops. In the accumulated period, R$ 837 billion were transferred by the agribusiness, where: a) 47% came from primary segment (of which 46% from crops and 54% from livestock), (b) 38% came from the distribution segment, (c) 20% came from agroindustry (62% of agricultural industry and 38% from livestock industry), (d) the inputs segment was the one receiving income of R$ 41 billion. Directly to the Brazilian society, the largest transfer (R$641 billion) came from the primary segment, being 67% from crops and 33% from livestock, respectively. The benefit towards society of the actual fall in price, comparable to or higher than the ones observed in rural products, indicated that both the industrial and distribution segments also collaborated in the process of the increase in product with declining prices. The increase of the product, combined with the actual fall in prices was an indicator of increased productivity in agribusiness. The econometric analysis corroborated in this finding, being productivity the most important source of variations in the product of agribusiness in the period studied.

    Keywords: Agribusiness; Income distribution; Income transfer

  • 12

  • 13

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Preos internacionais de produtos agrcolas: alimentos e no-alimentos/metais......21

    Figura 2 ndice de preos em dlar do trigo............................................................................22

    Figura 3 ndice de preos em dlar do milho ..........................................................................22

    Figura 4 ndice de preos em dlar do arroz ...........................................................................22

    Figura 5 Produtividade da agricultura mundial em toneladas por hectare ..............................23

    Figura 6 Margem entre preos mundiais e preos ao consumidor em seis pases...................24

    Figura 7 Produtividade total de fatores....................................................................................25

    Figura 8 Preos Reais aos Produtores Rurais - IPR e da Alimentao ao Consumidor - IPC 26

    Figura 9 Preos recebidos em reais e preos internacionais convertidos pelo cmbio efetivo59

    Figura 10 PIB do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 1995 a 2008..................74

    Figura 11 Taxa de crescimento do agronegcio brasileiro 1995 a 2008 ..............................75

    Figura 12 PIB dos segmentos da agricultura em R$ milhes de 2008 1995 a 2008 ............78

    Figura 13 PIB dos segmentos da pecuria em R$ milhes de 2008........................................80

    Figura 14 Participao do PIB agrcola e pecurio no agronegcio nacional1995 a 2008 ...81

    Figura 15 Taxa de crescimento do PIB do agronegcio e do PIB total brasileiro 1995 a

    2008...........................................................................................................................81

    Figura 16 Participao dos segmentos na formao do PIB do agronegcio nacional ...........82

    Figura 17 Produto do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 1995 a 2008............83

    Figura 18 PIB e produto do agronegcio brasileiro em R$ milhes de 2008 .........................86

    Figura 19 Transferncia de renda pelo agronegcio de 1995 a 2008, em R$ milhes de

    2008...........................................................................................................................87

    Figura 20 Transferncia anual dos setores agrcola e pecurio, em R$ milhes de 2008 1995

    a 2008.........................................................................................................................88

    Figura 21 Transferncia acumulada dos setores agrcola e pecurio, em R$ milhes de 2008

    1995 a 2008................................................................................................................89

    Figura 22 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio nacional, em R$ milhes de

    2008 1995 a 2008.....................................................................................................90

    Figura 23 Renda transferida no acumulado do perodo pelos segmentos do agronegcio

    nacional, em R$ milhes de 2008 1995 a 2008.....................................................90

  • 14

    Figura 24 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio da agricultura, em R$ milhes

    de 2008 1995 a 2008..............................................................................................91

    Figura 25 Renda transferida pelos segmentos do agronegcio da pecuria, em R$ milhes de

    2008 1995 a 2008 ..................................................................................................92

    Figura 26 Preo mdio real recebido pelos produtores agrcolas e pecurios (em R$ 2008)..93

    Figura 27 ndice do preo mdio real pago pelos insumos agropecurios em R$ de 2008.....95

    Figura 28 Evoluo dos preos reais da agroindstria vegetal e animal (R$ de 2008)...........97

    Figura 29 Evoluo dos preos reais dos segmentos do agronegcio pecurio (R$ de 2008)..

    ..................................................................................................................................98

    Figura 30 Evoluo dos preos reais dos segmentos do agronegcio agrcola (R$ de 2008)...

    ..................................................................................................................................99

    Figura 31 Balana comercial e transferncia externa, em R$ milhes de 2008....................101

    Figura 32 ndice de Preo de Exportao do agronegcio - IPE, ndice de Volume Exportado

    - IVE, taxa efetiva de cmbio do agronegcio brasileiro - IC e ndice de

    Atratividade das Exportaes - IAT .......................................................................102

    Figura 35 Resumo das transferncias de renda acumulada segundo setores e segmentos do

    agronegcio em milhes de R$ 2008 .....................................................................108

    Figura 36 Evoluo anual do Produto, PIB e renda transferida ............................................109

    Figura 37 Funo acumulada de resposta ao impulso a choques na prpria varivel (fora da

    porteira) ..................................................................................................................120

    Figura 38 Funo acumulada de resposta ao impulso a choques na prpria varivel (dentro da

    porteira)....................................................................................................................121

    Figura 39 Funo acumulada de resposta do Produto, a choques nos preos, produtividade,

    salrio e exportaes (dentro da porteira) ..............................................................122

    Figura 40 Funo acumulada de resposta do Produto, a choques nos preos, produtividade,

    salrio e exportaes (fora da porteira) ..................................................................123

    Figura 41 Funo acumulada de resposta a choques nos preos, produtividade, salrio e

    exportaes (dentro da porteira) .............................................................................124

    Figura 42 Funo acumulada de resposta a choques nos preos, produtividade, salrio e

    exportaes (fora da porteira).................................................................................124

  • 15

    Figura 43 Decomposio histrica do erro de previso do produto dentro e fora da porteira..

    ................................................................................................................................125

    Figura 44 Distribuies acumuladas dos erros de previso do produto baseadas nos choques

    de preos e de preos mais produtividade ..............................................................126

  • 16

  • 17

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Concentrao de mercado dos maiores fornecedores mundiais de insumos agrcola

    ..................................................................................................................................38

    Tabela 2 PIB do agronegcio brasileiro em milhes R$ 2008................................................79

    Tabela 3 Produto gerado pelo agronegcio brasileiro em milhes R$ 2008 ..........................85

    Tabela 4 Resultados dos testes de raiz unitria de Dickey-Fuller .........................................111

    Tabela 5 Resultados do Teste de co-integrao de Johansen sobre as sries de preos,

    produtividade e PIB................................................................................................112

    Tabela 6 Coeficientes da matriz de relaes contemporneas com produtividade, preos e PIB

    dentro e fora da porteira .........................................................................................114

    Tabela 7 Decomposio da varincia dos erros de previso dos preos agropecurios........115

    Tabela 8 Decomposio da varincia dos erros de previso da Produtividade dentro da

    porteira....................................................................................................................115

    Tabela 9 Decomposio da varincia dos erros de previso do salrio mnimo ...................115

    Tabela 10 Decomposio da varincia dos erros de previso do produto.............................116

    Tabela 11 Decomposio da varincia dos erros de previso das exportaes a preos

    constantes........ .......................................................................................................116

    Tabela 12 Decomposio da varincia dos erros de previso dos preos agropecurios......117

    Tabela 13 Decomposio da varincia dos erros de previso da Produtividade fora da

    porteira....................................................................................................................118

    Tabela 15 Decomposio da varincia dos erros de previso do produto.............................118

    Tabela 16 Decomposio da varincia dos erros de previso das exportaes a preos

    constantes........ .......................................................................................................119

  • 18

  • 19

    1 INTRODUO 1.1 Debates sobre transferncia de renda na economia brasileira

    Procura-se neste trabalho compreender o papel da transferncia de renda do agronegcio

    para o processo de melhora da distribuio de renda havido no Brasil a partir de meados da

    dcada de 1990. O enfoque tanto sobre as transferncias de renda do agronegcio para os

    demais setores da economia domstica quanto para o setor externo ao pas.

    Transferncia aqui entendida como a perda ou ganho de renda em decorrncia da

    mudana de preos relativos (preos reais). Ou seja, quedas de preos relativos sem reduo ou

    com aumento de produo constituem transferncias de renda aos mercados nacional e

    estrangeiro. As transferncias referem-se, pois, s diferenas entre o Produto (valor adicionado)

    setorial avaliado a Preos Constantes - PPC, de um momento de referncia e o Produto Interno

    Bruto - PIB avaliado a preos reais ao longo de um perodo.

    Assume-se que o processo de redistribuio de renda e reduo de pobreza a curto prazo -

    como no caso recente do Brasil - reflete fatores atuantes do lado da demanda e da oferta do

    produto gerado na economia. Do lado da demanda, o controle da inflao assegura o poder mdio

    da moeda, colocando disposio dos consumidores maior e mais estvel poder de compra.

    Entretanto, fica a questo dos preos relativos. Ao receber mais renda, a sociedade ir us-la para

    a compra de bens e servios conforme seu padro de consumo. Se o uso da renda adicional for

    direcionado para bens cujos preos relativos estejam em alta, a transferncia de renda real no se

    d. Esse possvel aumento de preos relativos em uma dada categoria de bens e servios pode

    resultar de um processo de ajuste no setor produtor como queda de produtividade ou do

    prprio fato de a redistribuio de renda elevar a demanda pelos bens do setor.

    Assim, se os beneficirios do controle da inflao e dos programas de transferncia de

    renda despendem grande parte de sua renda em bens de origem agropecuria, em especial

    alimentos, para que a distribuio seja efetiva, importante que os preos relativos desse setor

    no cresam ao tempo em que se do as transferncias. Alis, se a produo estiver em

    crescimento com aumentos de produtividade, a distribuio poder ultrapassar as metas ao

    beneficiar o pblico-alvo com queda de preos relativos.

    Focam-se nesta anlise os anos de 1995 a 2008, perodo em que vm sendo detectadas

    redues na concentrao da renda nacional e no grau de pobreza, processos para os quais as

  • 20

    transferncias aqui estudadas podem ter tido papel relevante. Como exemplo, podem ser

    mencionados os estudos de Paes de Barros (2009), que apontam para queda no coeficiente de

    Gini de desigualdade de renda no Brasil de 0,599 para 0,552 entre 1995 e 2007. Indicam ainda

    que, de 2001 a 2007, a renda per capita dos 10% mais pobres cresceu a 7% ao ano, enquanto a

    renda mdia crescia a 2,5%. Neste ltimo perodo, a extrema pobreza que atingia mais de 17,3%

    da populao passou a representar pouco mais de 10,1%.

    A economia brasileira passou por importantes mudanas a partir dos anos 1980. Trata-se,

    em primeiro lugar, do perodo em que se inicia a redemocratizao do Pas aps mais de 20 anos

    de governo militar. No decorrer daquela dcada, esgotou-se a capacidade de poupar do setor

    pblico, at ento a mola mestra da economia e que sustentava o regime poltico autoritrio.

    A partir de 1986, iniciaram-se os esforos para melhorar o controle das atividades

    governamentais dos pontos de vista fiscal e monetrio com a unificao oramentria e a

    extino da conta movimento entre o Banco Central e o Banco do Brasil e, com isso, combater

    o processo inflacionrio, que se achava entranhado na economia e caminhava para uma escalada

    descontrolada. A partir dos anos 1990, passaram a ser implementados maior abertura comercial

    da economia brasileira, programas de privatizao de empresas estatais e desregulamentao de

    mercados. O Plano Real de 1994 mostrou-se eficaz no controle da inflao, complementado ao

    longo do tempo com a lei da responsabilidade fiscal, a liberalizao (flutuao) cambial e o

    estabelecimento do regime de metas de inflao.

    Duas caractersticas, pelo menos, predominaram durante a primeira dcada desse perodo

    de mudanas (1985-95). Por um lado, o ritmo de crescimento econmico mudou para patamar

    mais baixo em comparao aos anos 1970. Por outro, o padro de distribuio da renda nacional

    permaneceu to ou mais concentrado do que antes. Aps essa fase (de 1995 em diante), embora o

    ritmo de crescimento no tenha se alterado significativamente, passou-se a observar paulatina

    melhora, ou seja, reduo da concentrao de renda e da pobreza no Brasil. Essa fase marcada

    pela estabilizao monetria e pela expanso de programas de transferncia de renda, os quais

    foram unificados no chamado Bolsa Famlia. Em adio, uma melhora no padro de comrcio

    internacional verificada, com o que a dificuldade de superao das crises internacionais,

    freqentes no perodo, foi diminuda.

    A agricultura ou, mais amplamente, o agronegcio, pode ter tido papel relevante na

    trajetria da economia brasileira no perodo a ser analisado. Acredita-se que o setor tenha sido

  • 21

    estratgico para o controle da inflao (ncora verde), para gerao de divisas no comrcio

    exterior e no processo de desconcentrao da renda nacional e reduo da pobreza.

    No geral, a queda de preos agropecurios no decorrer do sculo XX um fenmeno

    mundial. Na Figura 1 pode-se notar uma queda de preos reais agrcolas em dlares aps o pico

    alcanado em meados dos anos 1970. Um padro parecido tambm se observou para preos de

    commodities em geral, inclusive o petrleo.

    Alimentos

    Petrleo

    Figura 1 - Preos internacionais de produtos agrcolas: alimentos e no-alimentos/metais Fonte: Fundo Monetrio Internacional FMI (2009)

    No caso dos alimentos, a queda real de preos superou os 70%. As Figuras 2, 3 e 4

    ilustram o comportamento dos preos reais de trs alimentos importantes: milho, trigo e arroz,

    todos com queda acima de 60% a partir de 1900. O fator explicativo para esse comportamento

    nos preos dos alimentos tem sido a evoluo favorvel da produtividade. Para Ruttan (2002), at

    o incio do sculo XX, a maior parte do crescimento agrcola mundial provinha da expanso da

    rea utilizada. J no fim desse sculo, o crescimento vinha predominantemente da produtividade

    por hectare. Na verdade, o fenmeno comeou nas atuais economias desenvolvidas na segunda

    metade do sculo XIX. Na maioria dos pases atualmente em desenvolvimento, o crescimento da

    produtividade agrcola comeou na segunda metade do sculo XX. Nos pases mais pobres,

    porm, o processo ainda no comeou.

  • 22

    Figura 2 - ndice de preos em dlar do trigo Fonte: Eberstadt (2008)

    Figura 3 - ndice de preos em dlar do milho Fonte Eberstadt (2008)

    Figura 4 - ndice de preos em dlar do arroz Fonte: Eberstadt (2008)

  • 23

    A Figura 5 mostra a evoluo da produtividade da agricultura mundial partir de 1960, em

    toneladas por hectare. O crescimento mais acelerado se deu na sia do Leste e do Pacfico, que

    triplicou de 1960 a 2005; nos pases desenvolvidos, a produtividade cresceu 150% e, na Amrica

    Latina e Caribe, mais do que dobrou. O caso preocupante o da frica Subsaariana, cuja

    produtividade agrcola permaneceu quase estagnada.

    1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    Figura 5 - Produtividade da agricultura mundial em toneladas por hectare Fonte: World Bank (2008)

    Para Barros (2006a), o mercado internacional em expanso associado ao processo de

    globalizao permitia que parte dos aumentos de produo do agronegcio, matrias-primas e

    produtos processados, fosse exportada, evitando maiores quedas de preos decorrentes da

    inelasticidade da demanda domstica, que poderiam inviabilizar o processo de crescimento do

    setor. O mercado para o agronegcio expandido pelas exportaes viabilizava esse crescimento,

    para o qual aumentos de escala de produo eram importantes, tanto no segmento primrio como

    nos demais. Tratava-se de estratgia importante para competir num mercado mundial em que os

    preos decresciam sistematicamente devido ao crescimento da produtividade, mas tambm pelo

    alto grau de protecionismo adotado por diversos pases, principalmente os mais desenvolvidos,

    que contavam com recursos para bancar esse custoso procedimento.

    A propsito do protecionismo, Morisset (1998) demonstrou para o perodo de 1970 a

    1994 o afastamento entre os preos de mercado internacional e os praticados no varejo,

  • 24

    decorrente de polticas de pases e da atuao de empresas comerciais atravs de aplicao de

    tarifas alfandegrias, subsdios e da prtica de two-tier-pricing1. Na Figura 6 esto as margens

    entre preos mundiais e preos ao consumidor em pases desenvolvidos (Alemanha, Canad,

    Frana, Estados Unidos, Itlia e Japo) para os alimentos (acar, arroz, caf, carne bovina e

    trigo) e para esse mesmo grupo de commodities somado o petrleo.

    Todas Commodities

    Excluindo Petrleo

    Todas Commodities (mdia mvel)

    Figura 6 - Margem entre preos mundiais e preos ao consumidor em seis pases Fonte: Morisset (1998)

    Especificamente no Brasil, Gasques et al. (2008) estimaram que a produtividade total de

    fatores triplicou de 1975 a 2005 (Figura 7). Ainda no Brasil, como indicado mais adiante,

    detectou-se queda de 2/3 nos preos recebidos pelos produtores rurais entre 1975 e 2007, sendo

    que o grosso da reduo se deu at meados dos anos 1990. H, assim, correspondncia entre as

    quedas de preos reais em escala mundial e a queda observada domesticamente, ambas na casa

    dos 60% a 70%, nos ltimos 30 anos - at cerca de 2005. A queda dos preos dos alimentos no

    Brasil parece ter se dado de forma mais ampla do que unicamente uma queda ao produtor rural.

    1 Este termo se refere a assimetria entre os preos praticados no mercado domstico e no resto do mundo, devido a ao de polticas, custos de processamento, transportes e comercializao.

  • 25

    Figura 7 - Produtividade total de fatores Fonte: Gasques et al. (2008)

    Segundo Margarido et al. (2006), o papel dos preos agrcolas como fator relevante na

    estabilidade de preos ao longo da dcada de 1990 esteve ligado basicamente a duas vertentes. A

    primeira pode ser representada por Mendona de Barros, Rizzieri e Pichetti (2001), segundo os

    quais a reduo de preos dos alimentos no decorrer deste perodo deveu-se ao expressivo ganho

    de produtividade da prpria atividade agrcola. Para esta vertente, as inovaes tecnolgicas

    ocorridas naquele perodo elevaram a produtividade da terra, sendo possvel a ampliao da

    quantidade ofertada de alimentos e, como resultado, reduo de seus preos.

    A outra vertente tem como base o trabalho de Farina e Nunes (2004), segundo o qual,

    embora se reconhea a importncia dos ganhos de produtividade da agricultura como fatores

    explicativos da reduo de preos dos alimentos ao produtor no perodo de 1994-2001, estes no

    foram os principais responsveis pela queda de preos dos alimentos ao consumidor. Na Figura

    8, mostra-se que as quedas de preos de produtos animais, das lavouras e da alimentao ao

    consumidor foram de magnitudes comparveis de 1975 a 2006, referendando a observao desse

    trabalho.

  • 26

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    1996

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    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    IPR ANIMAL IPR LAVOURAS IPC ALIMENTAO Figura 8 - Preos Reais aos Produtores Rurais - IPR e da Alimentao ao Consumidor - IPC Fontes: Fundao Getlio Vargas - FGV (2008) *, Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas FIPE (2008) **

    * para IPR e IGP ** para IPC-Alimentao

    Com base no comportamento dos preos de produtos agrcolas e industriais no atacado,

    Farina e Nunes (2004) buscaram mostrar que, entre 1994 e 2001, o setor industrial da economia

    contribuiu mais significativamente para a estabilidade de preos do que o setor agrcola. Ao se

    comparar o preo dos alimentos industrializados com os preos agrcolas, os autores verificaram

    uma tendncia consistente de reduo dos preos relativos dos alimentos. Alm disso, o preo de

    varejo cresceu menos do que os preos no atacado, indicando que o varejo tambm teve papel

    relevante.

    Portanto, no que tange existncia de reduo de preos dos alimentos ao consumidor

    final, as vertentes concordam entre si, sendo, na verdade, esse o ponto de partida dos

    questionamentos acima. Os trabalhos mencionados concordam tambm que houve um processo

    de transferncia de renda entre os setores ligados produo agroalimentar. Entretanto, qual elo

    transferiu maior parcela de sua renda ao consumidor final persiste enquanto centro da discusso

    entre as duas correntes.

  • 27

    Segundo Barros (2006b)2, a forte concentrao e verticalizao a montante e a jusante da

    produo agropecuria associado consolidao dos supermercados e da agroindstria tm

    gerado um mecanismo pelo qual, aos produtores agropecurios, resta a absoro dos impactos de

    custos de comercializao, j que aumentos de preos so evitados de todas as formas a jusante

    das cadeias produtivas. Portanto, a reduo dos preos dos produtos agroalimentares teria como

    base a presso sobre os produtores, que se torna suportvel face reduo de custos advinda dos

    aumentos de produtividade. Tendo em vista a reduo de preos medida que a produtividade e a

    eficincia crescem, os produtores rurais, consequentemente, ficam sem condies de se

    capitalizarem a partir das as redues de custos que obtm.

    digno de nota que essas redues de preo viabilizadas pelos aumentos de produtividade

    foram repassadas aos consumidores a despeito da concentrao dos mercados agroindustriais e

    varejistas. Mais significativo ainda que esses agentes de mercado tenham contribudo para

    redues de preos que vo alm das observadas ao produtor rural. um sistema de transferncia

    de renda dos produtores e do agronegcio sociedade. claro que ao mesmo tempo, cresce em

    termos reais a renda da populao mais pobre, abrindo novas oportunidades de consumo a serem

    exploradas pelo varejo em geral e pelo prprio sistema financeiro (BARROS, 2006a).

    Scucato (2005) destacou a tendncia mundial de transferncia de renda para os setores

    urbanos da economia e arrocho sobre o setor primrio. Citando um estudo da FAO nos pases

    emergentes, mostrou que, em geral, o retorno de investimento de 67% para o setor secundrio,

    22% para o tercirio e apenas 11% para o campo.

    Para Souza (2005), medida que se promove a transferncia de recursos do agronegcio

    para a sociedade, os produtores rurais parecem ser mais vulnerveis, face ao menor nvel de

    capitalizao. A transferncia de poder de compra, quando em excesso ao incremento de

    produtividade, pode debilitar o produtor rural, prejudicando seus investimentos e inibindo o uso

    de insumos modernos do processo produtivo. Aqueles produtores de menor porte podem ser mais

    atingidos por deixarem de acompanhar os avanos tecnolgicos e de investirem suficientemente.

    Grandes contingentes acabam se retirando da agropecuria.

    2 BARROS, G.S.C. Economia da comercializao agrcola, Piracicaba, 2006b. 220 p.

  • 28

    Frente a este contexto, o padro de crescimento agropecurio pode se dar com

    deslocamento expressivo de agricultores para o meio urbano, nas metrpoles ou cidades de

    menor porte, no interior. Segundo Souza (2005), esse fato acarreta prejuzo ao desempenho da

    agricultura, refletindo-se no desenvolvimento industrial. De outra parte, os agricultores podero

    ficar desestimulados em investir na agricultura comercial, medida que parcelas crescentes de

    seu excedente vo sendo extradas, seja mediante o mecanismo de preos seja por outras formas

    compulsrias de transferncia.

    No h consenso de como as mudanas no segmento agroalimentar influenciaro agentes

    tradicionais do setor (isto , atacado, comerciantes e empresas de pequeno porte) a longo prazo.

    Tais caractersticas apontam a importncia de aes especficas sobre os diferentes segmentos do

    agronegcio, j que a forma com que tais mudanas afetam os diferentes segmentos pode variar.

    1.2 Objetivos

    O principal objetivo deste trabalho calcular a transferncia de renda do agronegcio

    brasileiro aos demais setores da economia e ao exterior, devido s variaes de preo reais

    ocorridas no perodo de 1995 a 2008. Busca-se, assim, averiguar as relaes existentes entre a

    renda gerada pelo agronegcio (e seus segmentos) e a renda efetivamente apropriada pelo setor.

    De forma especfica, os objetivos so:

    Estimar sries mensais do PIB do Agronegcio para o perodo de 1995 a 2008; Identificar a relao entre o valor gerado pelos segmentos do agronegcio a preos constantes

    (classificado, no presente trabalho, por produto a preos constantes - PPC) e o correspondente

    valor da parcela realmente apropriada (classificado, no presente trabalho, por PIB a preos

    reais);

    Estudar o comportamento da transferncia de renda por segmentos do agronegcio (Insumos, Bsico, Indstria e Distribuio), atravs da evoluo em seus preos reais;

    Desagregar as estimativas da transferncia do setor sob a tica do mercado interno e externo, investigando, dessa forma, o destino (ou origem) da renda transferida (ou recebida) pelo

    agronegcio sociedade;

    Investigar o efeito dos choques de oferta e demanda sobre o PIB do agronegcio, frente ao comportamento dos preos reais e produtividade do setor do perodo em anlise.

  • 29

    2 REVISO BIBLIOGRFICA

    2.1 O agronegcio no Brasil: um breve histrico

    A atividade agropecuria no Brasil sempre esteve em pauta nas discusses sobre o

    crescimento e desenvolvimento do pas. Em diversas ocasies, foi encarada como caminho ao

    dinamismo da economia, alm da principal fonte geradora de riquezas e divisas ao pas. Em

    outras, viu-se a inverso de tal tica, passando a assumir o papel de vil da inflao e obstculo

    ao desenvolvimento nacional.

    At meados da dcada de 1960, grandes ciclos econmicos ligados produo

    predominaram na economia brasileira, entre eles, destacam-se, os ciclos da cana-de-acar, da

    borracha e do caf, todos dirigidos para a exportao. Tais ciclos, ao mesmo tempo em que foram

    responsveis pela gerao de riquezas e prsperos anos, tambm geraram amplos prejuzos e

    profundas crises economia. A no diversificao da produo, alm de gerar dependncia

    externa, constitua os principais pontos fracos desse sistema.

    Como exemplo, pode-se destacar as conseqncias da grande depresso de 1929. Neste

    perodo, a agricultura brasileira era regida pelo comrcio mundial cafeeiro, e, portanto,

    fortemente voltada para a exportao. Diante da drstica reduo nas compras de bens nacionais e

    corte nos emprstimos externos, o Brasil se viu exposto. A crise que teve origem nos Estados

    Unidos atingiu praticamente todos os setores produtivos nacionais.

    Segundo Campa (1990), os pases da Amrica Latina foram os primeiros atingidos pela

    depresso de 1929, sendo a reduo nas entradas de capital estrangeiro, o decrscimo no volume

    exportado e a acentuada queda nos preos de exportao, as principais dificuldades enfrentadas.

    O cenrio criado neste perodo levou os pases latino-americanos a mudar seu modelo de

    crescimento, que passou, ento, a ser orientado pela tica do processo de substituio de

    importaes.

    Por muito tempo, as grandes discusses poltico-econmicas passaram a tratar da

    necessidade de se corrigir a baixa diversificao da pauta produtiva e reduzir a dependncia

    externa, que causavam tantos problemas perante crises. De acordo com Mendona e Pires (2002),

    o modelo de colonizao adotado pelos portugueses no Brasil desde seu incio visava gerao

    de excedentes para o comrcio mundial a partir da produo de artigos oriundos de atividades

  • 30

    primrias, assim o desenvolvimento do pas no era compatvel criao de uma forte estrutura

    industrial.

    Segundo Braick (2003), o deslocamento da oligarquia cafeeira em meados da dcada de

    1930, criou condies para o revigoramento de um poder central, que priorizava polticas

    desenvolvimentistas, tendo no Presidente Getlio Vargas, o lder que implementou as bases de

    um modelo de industrializao. Essas bases compreendiam novas instituies, novos

    instrumentos legais, redefinio do papel do Estado e do capital externo na economia, re-

    estruturao dos fluxos de comrcio dentro do conjunto de setores econmicos, estratgias de

    ocupao do territrio nacional.

    Para Mendona e Pires (2002), a morte de Getlio Vargas significou a derrocada do

    projeto nacionalista e a breve administrao de Caf Filho no teve fora poltica suficiente para

    implantar um projeto que provocasse profundas mudanas no modelo de desenvolvimento

    vigente. Entretanto, entre os anos de 1956 e 1960, Juscelino Kubitschek - JK implementou seu

    Plano de Metas, no qual amplos investimentos (pblicos e privados) em infra-estrutura foram

    realizados visando acelerao da industrializao brasileira. Lacerda et al. (2005) afirmam que,

    contrariamente ao projeto nacionalista de Vargas, o Plano implantado por JK aceitava de forma

    clara a predominncia do capital externo, limitando ao capital nacional, o papel de scio menor

    desse processo, se estruturando, assim, um modelo de desenvolvimento tido como associado e

    dependente.

    Segundo Barros et al. (2006a), j em meados de 1960 as melhores e mais bem servidas

    terras, localizadas no Sul, Sudeste j se mostravam incapazes de atender demanda vigente. Ao

    mesmo tempo, a urbanizao e a industrializao dependiam de crescentes quantidades de

    matrias-primas da agropecuria, que no podiam ser obtidas nas reas tradicionais. As

    conseqncias foram a inflao e a escassez de alimento, que emperravam o processo de

    desenvolvimento.

    No setor agropecurio predominava um sistema de produo tradicional e de baixa

    produtividade, sendo esttico dos pontos de vista tecnolgico e empresarial. Para romper tal

    inrcia, a estratgia concebida por Juscelino Kubitschek e assumida tambm pelos governos

    militares foi um grande programa para modernizar a agropecuria e apoiar sua transmutao do

    Sul e do Sudeste para o Centro-Oeste e Norte do Pas. Investimentos em infra-estrutura, na

    formao de pesquisadores e em instituies geradoras de tecnologia foram realizados;

  • 31

    financiamentos e preos subsidiados foram oferecidos para a agropecuria. Novas tecnologias

    foram criadas e outras j existentes em outros pases foram adaptadas (BARROS, 2006a).

    Para Gama (2003), graas a esses incentivos, pode se observar um importante crescimento

    e modernizao da agricultura, que logo resultaram em aumento das exportaes. Ao mesmo

    tempo, o volume de emprstimos externos superou o montante utilizado para financiar o

    crescimento, havendo, assim, grande acmulo de reservas cambiais.

    Entre os anos de 1969 e 1973, perodo caracterizado pelo Milagre Econmico, a indstria

    nacional passou por acelerado crescimento, com taxas que variavam entre 11% e 18% em

    diversos setores. A indstria de bens durveis (automveis e eletrodomsticos) era a de maior

    destaque. De acordo com Barros (2006a), em 1960, cerca de 9,5% das residncias urbanas tinham

    televiso, mas em 1970 esse valor j chegava a 40%.

    A classe mdia urbana se expandia vertiginosamente, enquanto se observava intenso

    xodo rural, decorrente da compresso de mo-de-obra marcava o setor rural. Fortes estmulos ao

    uso de insumos modernos, inclusive mecanizao, mais aplicao de legislao trabalhista mais

    rgida resultavam num modelo de produo poupador de mo-de-obra na agricultura.

    O processo de substituio de importaes com financiamento externo inclusive de

    insumos e bens intermedirios que permitia elevadas taxas de crescimento encontrou barreira

    intransponvel quando o choque do petrleo e o aumento nas taxas de juros internacionais, no

    final dos anos 70, reverteram o cenrio de prosperidade da economia nacional. A inflao

    disparou medida que a sistemtica de indexao acelerava os efeitos dos choques de oferta. Os

    crditos externos se reduziram e ficaram mais custosos. O peso da dvida externa, acumulada ao

    longo dos anos do milagre, passou a ser duramente sentido. O Brasil entrou em forte recesso. A

    concesso de incentivos pelo setor pblico foi caindo.

    Os recursos pblicos se esgotaram e a onda de liberalizao econmica talvez mais por

    falta de alternativas do que por opo estratgica atingiu com atraso a Amrica Latina e o

    Brasil, em particular. Em 1980, as aplicaes da Unio na agricultura correspondiam a 8% do

    oramento, cifra que tambm vigorou em 1988. Segundo Barros (2006a), j em 1989, a cifra caiu

    para 2% concretizando-se assim o afastamento do setor pblico dos mercados agropecurios e do

    financiamento agrcola.

    Na verdade, ao longo dos anos 1980, ao tempo em que foram se exaurindo os recursos do

    setor pblico, com dvidas pblicas interna e externa sinalizando falta de sustentabilidade, o

  • 32

    processo de industrializao completava um ciclo, sem que se divisasse o prximo a inflao

    galopava num mecanismo de indexao auto-alimentado. Ficava claro que a inflao alcanava

    nveis no tolerados pela sociedade, de forma que a poltica econmica volta seu foco para o

    combate dessa inflao, para o que foram acionados sucessivos e malsucedidos aparatos

    heterodoxos, que lograram desestruturar boa parte do sistema econmico.

    Barros (2006a) destaca que a dcada de 1990 veio acompanhada de antigos e novos

    problemas e, ao mesmo tempo, de novos temas. Globalizao e formao de blocos regionais

    tornaram-se constantes nos debates sobre comrcio internacional. No Brasil, o Plano Real

    fazendo uso de criativo mecanismo de desindexao - conseguiu por a inflao sob controle. A

    abertura e desregulamentao econmica em andamento na ocasio-, conjuntamente

    manuteno de altas taxas de juros falta de um controle fiscal consistente e cmbio

    conseqentemente sobrevalorizado, ao tempo que continham a inflao, impuseram ao pas

    situao de desvantagem frente ao mercado externo.

    Segundo Silva (2000), tendo de enfrentar termos de troca desfavorveis, o agronegcio

    brasileiro foi drasticamente compelido a aumentar a produtividade para sobreviver. Muito

    embora o setor tenha se beneficiado de preos favorveis no mercado externo, inegavelmente o

    crescimento do complexo do agronegcio nacional refletiu a ocorrncia de elevados ganhos de

    produtividade atravs da modernizao de mtodos e processos.

    Para Kageyama (1996), a modernizao da agricultura brasileira, em meados da dcada de

    1990, foi de forma geral, resultado de trs fatores: utilizao crescente de insumos modernos e

    mudanas das relaes de trabalho; mecanizao em todas as fases do processo produtivo em

    substituio s habilidades manuais do trabalhador; e internacionalizao dos setores produtivos

    de insumos, mquinas e equipamentos para a agricultura.

    Uma anlise crtica da modernizao da agricultura brasileira nesse perodo, realizada por

    Silva et al. (1993 apud SOUZA; LIMA, 2003), considera que o padro tecnolgico implantado se

    direcionou basicamente expanso do complexo agroindustrial e no o foi absorvido

    completamente pelos pequenos produtores. Nesse processo, teve importncia o crdito rural

    subsidiado, cujos benefcios foram maiores para a regio Centro-Sul do que para a Norte-

    Nordeste, favorecendo essencialmente os produtores modernos e utilizadores de tecnologias mais

    avanadas, alm de privilegiar os grandes produtores em detrimento dos pequenos (SOUZA;

    LIMA, 2003). O crdito subsidiado era visto como estmulo modernizao e ao investimento e

  • 33

    tambm como medida compensatria aos impostos incidentes sobre o setor, inclusive

    exportao, bem como s taxas cambiais sobrevalorizadas que usualmente eram vigentes. A

    compensao acabava por ser desigual em razo da desuniformidade da distribuio do crdito.

    Alm da tecnologia, alguns aspectos da estratgia poltica podem ter favorecido o

    agronegcio. Por exemplo, a ncora cambial que ajudava o controle de preos permitiu ao setor

    ampliar o processo de modernizao atravs da aquisio de mquinas, equipamentos e

    defensivos agrcolas importados necessrios para a modernizao (FONSECA, 2007).

    Ademais, o governo adotou medidas visando uma maior agilidade s operaes de

    comrcio exterior. Em 1991, foi estabelecida uma legislao sobre medidas compensatrias para

    reduzir a demora na anlise de casos antidumping, e foram eliminados os impostos nas

    exportaes. O Imposto sobre Comercializao de Mercadorias e Servios - ICMS s foi retirado

    das exportaes em 1996 (Lei Kandir) e representava em mdia, 12% do valor adicionado

    (GASQUES et al., 2004).

    O forte protecionismo nos principais mercados consumidores, ao derrubar os preos

    agropecurios internacionais, induzia os pases produtores - em condies de faz-lo a adotar

    estratgias alternadas de reduo de custos via aumentos de produtividade ou atravs da escala de

    produo. O aumento de produtividade tem sido visto como alternativa ocupao de maiores

    extenses territoriais. A dificuldade para o agronegcio brasileiro era agravada pela

    sobrevalorizao macroeconmica de ento. O Brasil foi bem sucedido (em meio a tais

    dificuldades) ao alcanar seu principal objetivo de manter o agronegcio em crescimento

    produzindo alimentos, fibras, energia alternativa que ajudava a conter a inflao e gerava

    divisas providenciais numa fase de grandes dficits em conta corrente. Entretanto, em outros

    aspectos relevantes, a situao se agravou: do ponto de vista ambiental, o desmatamento e

    emisso de gases poluentes cresceram, os conflitos sociais (principalmente ligados terra)

    permaneceram a estrutura agrria marcada pela concentrao da propriedade - pouco se alterou,

    muitos pequenos agricultores tiveram de deixar a atividade.

    Crrea e Figueiredo (2006) apontam que o rpido aumento na intensidade do uso de

    capital e da produtividade, pilares da modernizao agrcola teve como ponto negativo desse a

    manuteno das discrepncias regionais j existentes quanto ao uso da tecnologia, de crdito e

    investimento.

  • 34

    Alm disso, a economia mais aberta e menos regulamentada propiciou a entrada de

    grandes grupos internacionais, aumentando a concentrao dos setores o que, ao final, passou a

    exigir uma maior atuao do governo sob a tica de regulao do mercado. Segundo Leme e

    Souza (2000), o Estado passa, ento, a priorizar aes que visam promoo e defesa da

    concorrncia sem, no entanto, serem necessariamente intervencionistas, como no passado.

    Atualmente, o desafio para a poltica pblica facilitar a insero do produtor nacional

    nos mercados de exportao atravs de investimentos em infra-estrutura e logstica, defesa

    sanitria, sistemas de rastreabilidade e certificao de qualidade, alm de continuar com uma

    agenda agressiva de liberalizao do comrcio agrcola internacional nas negociaes

    multilaterais e regionais (CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).

    De uma forma geral, o resultado dessas mudanas tem exigido de todos os agentes

    produtivos novas posturas perante o mercado, pois, ao mesmo tempo em que esse novo ambiente

    viabiliza o acesso da produo nacional a novos e diversificados mercados, exige competncia na

    produo e na concretizao das transaes.

    2.2 As mudanas no cenrio mundial e seus reflexos no agronegcio nacional

    As transformaes ocorridas no cenrio mundial, ao longo dos ltimos anos, tm sido

    responsveis por profundas mudanas nas relaes entre os setores econmicos. A conjuno

    entre rpida circulao de informaes, difuso tecnolgica e industrializao dos processos

    produtivos imps uma nova realidade competitiva aos agentes, que passaram, de forma cada vez

    mais ampla e diversificada, a realizar suas transaes em nvel mundial.

    Simultaneamente, mudanas na organizao e padres da sociedade em todo mundo

    tambm vm ocorrendo. Em muitos pases, a acelerada urbanizao e o crescente nmero de

    mulheres no mercado de trabalho mudaram o padro de demanda dos consumidores. A rotina

    alimentar em um mundo globalizado exigiu adequaes, pois, ao mesmo tempo em que a renda

    mdia per capita das famlias se elevou, devido participao da mulher no mercado de trabalho,

    o tempo para realizao das refeies diminuiu. Como conseqncia, a busca por alimentos de

    qualidade e de fcil preparo, ou mesmo pr-prontos, tornaram-se caractersticas primordiais na

    deciso de compra dos consumidores nos maiores centros urbanos.

  • 35

    A indstria de alimentos, e, bem assim, o sistema de distribuio, percebendo tais

    mudanas, passou a criar e diversificar seus produtos e se reestruturar economicamente, atravs

    de fuses e incorporaes tanto horizontal quanto verticalmente. Alto grau de investimento,

    associado ao desenvolvimento de novas tecnologias, desde praticidade e eficincia das

    embalagens, ao grau de nutrientes contido nos produtos, resultou em uma enorme gama de

    opes de consumo dispostos nos supermercados.

    Para Ges (2005) o sistema de alimentos capitalizou a problemtica do mundo

    globalizado, oferecendo solues para reduzir o gasto de tempo com a alimentao. Alimentos

    pr-cozidos, congelados e enlatados foram criados, reduzindo as tarefas de preparo da

    alimentao. Na rea de servio, entregas em domiclio, drive-thru, fast food, formaram opes

    para o consumo imediato. Segundo dados de Senauer e Venturini (2001), a participao de

    alimentos processados no comrcio agroalimentar subiu de 27% em 1970 para 58% em 1999.

    A realidade trazida por tais mudanas permite visualizar a formao de duas tendncias

    simultneas: enquanto a alimentao tradicional vem perdendo espao, novas prticas alimentares

    tm ganhado ascenso.

    Como ressaltado por Ramos et al. (2007), as produes agropecurias ficam cada vez

    mais determinadas por exigncias que envolvem aspectos que vo muito alm da porteira. Os

    elos da cadeia inclusive os produtores agropecurios esto mais submetidos s

    recomendaes e percepes do varejo. Em grande medida isso vem decorrendo das novas

    dimenses do consumo de bens pelo ser humano, tais como o respeito s exigncias sociais e

    ambientais, acarretando novas normas produtivas, ampliando a diversificao e a diferenciao,

    aprofundando as segmentaes dos mercados e criando novas oportunidades de negcios

    (RAMOS et al., 2007).

    Ademais, a conseqncia direta desse cenrio tem sido o aumento na parcela de

    processamento e embalagem no valor do produto final e, portanto, uma queda na participao da

    matria-prima, o que tem gerado um distanciamento entre o que os produtores recebem pelo seu

    produto e o que consumidor final paga pela compra de bens.

    De acordo com Barros (2006b), o mercado de bens agropecurios costuma se dividir em

    trs nveis. O mercado produtor, em que os produtores oferecem sua produo aos intermedirios,

    o mercado atacadista, onde as transaes mais volumosas ocorrem e o mercado varejista,

    responsveis por colocar a mercadoria no momento, na forma e no lugar desejados pelos

  • 36

    consumidores. Conduzidos por ganhos de economia da escala e pela globalizao do setor de

    alimento, os agentes envolvidos no agronegcio, em todos esses nveis, tm passado por

    adequaes em seus processos, o que, ao final, pode gerar um afastamento ainda maior entre o

    consumidor final e os produtores.

    O processo de transformao do sistema agroalimentar tambm influenciado pelo

    comrcio internacional de commodities agrcolas e alimentos processados. Em 2000, o comrcio

    internacional de produtos agrcolas foi avaliado em US$ 449 bilhes, representando um valor

    duas vezes maior que em 1980. Entretanto, esse crescimento foi inferior ao comrcio de produtos

    manufaturados, que triplicou no mesmo perodo. As tarifas consolidadas para produtos agrcolas

    permanecem altas, com uma mdia de 40%, enquanto a mdia para produtos manufaturados fica

    em 10% (FAO, 2005 apud CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).

    Conforme Silva (2005) as mudanas ocorridas no setor do agronegcio vm sendo

    classificadas por muitos como industrializao da agricultura mundial uma vez que a tendncia

    entre os produtores tem sido de aumento do tamanho de suas unidades produtivas (e reduo no

    nmero de firmas), adoo de processos de produo parecidos s prticas de empresas

    manufatureiras e desenvolvimento de laos mais prximos aos processadores, varejistas e a

    outros atores ao longo da cadeia produtiva. No nvel institucional, tem-se observado a formulao

    de regulamentos mais rgidos e a reduo do papel do setor pblico. Para Silva (2005), tais

    mudanas tm se consolidado em nvel mundial e seus efeitos so ilimitados, uma vez que em um

    mundo globalizado, onde as informaes circulam de forma ampla e rpida, atravs dos pases e

    dos continentes, suas conseqncias tornam-se de longo alcance e abrangncia.

    Wilkinson (1995), apud Reardon e Barrett (2000), afirma que o processo de

    agroindustrializao est relacionado a basicamente trs conjuntos de mudanas: (1) crescimento

    das atividades de agroprocessamento, distribuio, e incluso de atividades de fora da porteira

    para dentro da porteira, sendo estas interpretadas como "firmas agroindustriais"; (2) mudana

    institucional e organizacional na relao entre firmas e fazendas agroindustriais, tal como o

    aumento da coordenao vertical; e (3) simultneas mudanas no setor agrcola, tal como

    alteraes na composio de produto, tecnologia, e estrutura setorial e mercadolgica. Ademais,

    Reardon e Barret (2000) consideram que, pelo fato do processo de agroindustrializao se tratar

    de um fenmeno muito recente, existem ainda diversas falhas no entendimento de como e porque

    esse processo vem ocorrendo e o que isso implicar ao desenvolvimento.

  • 37

    No Brasil no tem sido diferente. A agroindstria nacional j vem h tempos

    experimentando tendncias de verticalizao e aumento na concentrao ao longo de toda sua

    cadeia produtiva. Como observado por Aguiar (1994), para o caso da soja, o aumento no tamanho

    mdio das plantas com maior capacidade de produo e processamento em detrimento das plantas

    menores (ganho de escala), j vem ocorrendo desde a primeira metade da dcada de 1980, o que

    tem ganhado ainda mais fora nos perodos mais recentes.

    Outro exemplo refere-se ao setor canavieiro, que segundo Marques et al. (1992),

    aumentou seu grau de integrao vertical para trs, com as unidades agroindustriais participando

    com maior parcela de cana prpria no total modo. Como conseqncia, Viegas (2005) destaca os

    rumos tomados pela indstria citrcola que, preocupada com o avano da cana-de-acar sobre a

    laranja no Estado de So Paulo, tambm entrou num processo de verticalizao e concentrao.

    Como resultado, a cadeia de suco de laranja vem se consolidando em uma das maiores formaes

    industriais do agronegcio.

    As cadeias do caf, acar e lcool, tem sido alvo da expanso de empresas

    multinacionais num processo de consolidao. Ao longo dos anos 2000, os atos administrativos

    do Conselho Administrativo de Defesa Econmica - CADE, contra a formao de cartel nas

    indstrias de processamento de suco de laranja e carne bovina sugerem que a concentrao

    industrial afeta a conduta das empresas, podendo levar a abusos de poder de mercado em

    detrimento da renda dos produtores agrcolas (CHADDAD; JANK; NAKAHODO, 2008).

    Em relao ao setor de insumos, como fertilizantes, defensivos e sementes, tambm tem

    se observado a crescente tendncia a concentrao, associada a ampliao de participao de

    capital estrangeiro. Segundo Silva (2000), no caso da indstria de fertilizantes, a maior exposio

    competio externa, dos anos 90 contribuiu para a reduo dos preos reais, mas a subseqente

    reestruturao, que implicou em fuses e incorporaes de empresas, parece ter resultado em

    elevao do poder de mercado grau de monoplio da indstria, uma vez que, a partir de 1994, os

    preos voltaram a subir em termos reais. Na rea de sementes, at 1997, duas empresas lderes

    controlavam cerca de 57% do mercado, sendo uma de capital nacional. O restante era distribudo

    entre cerca de 60 pequenas e mdias empresas. Como resultado das fuses e incorporaes

    realizadas nos ltimos anos, uma nica empresa de capital estrangeiro absorve, agora, cerca de

    63% do mercado. Trs outras multinacionais absorvem 22%, restando, para as empresas

    nacionais, cerca de apenas 15% do mercado (SILVA, 2000).

  • 38

    Como ressaltado por relatrio do Banco Mundial (WORLD BANK, 2008), fornecendo

    insumos tais como pesticidas, sementes, e tecnologia gentica de cultivo, grandes multinacionais

    vem-se consolidando horizontalmente e verticalmente em um pequeno nmero de firmas no

    setor de insumos do agribusiness. A Tabela 1 demonstra o pequeno nmero de empresas que vem

    ocupando uma alta parcela de mercado no setor.

    Tabela 1 Concentrao de mercado dos maiores fornecedores mundiais de insumos agrcolas Agroqumicos Sementes Biotecnologia

    Empresas Vendas 2004 ($milhes)

    Parcela de Mercado (%)

    Vendas 2004 ($milhes)

    Parcela de Mercado (%)

    Nmero de Patentes Americanasa

    Parcela de Mercado (%)

    Monsanto 3180 10 3118 12 605 14 Dupont/Pioneer 2249 7 2624 12 562 13 Syngenta 6030 18 1239 5 302 7 Bayer Crop Sciences 6155 19 387 2 173 4 BASF 4185 13 - - - - DowAgrosciences 3368 10 - - 130 3 Limagrain - - 1239 5 1425 - Outros/Privados 7519 23 16593 68 1037 34 Setor Pblico - - - - - 24 Concentrao de mercado CR4(2004) 60 33 38 CR4(1997)b 47 23

    Fonte: Banco Mundial (2008) a = Nmero de patentes de biotecnologia agrcola americanas, entre 1982-2001. b = Fulton e Giamakas

    Em 1997, a parcela de mercado das quatro maiores companhias de agroqumicos e de

    sementes, dada pelo CR4, foi de 47% e 23% respectivamente. Em 2004 esses valores alcanaram

    60% para agroqumicos e 33% para sementes. J o CR4 para patentes em biotecnologia foi de

    38% em 2004. Como resultado pode-se destacar a possvel reduo na rivalidade entre as firmas,

    e como conseqncia a distoro nos preos e volumes oferecidos no mercado, uma vez que

    poucas empresas dominam o mercado.

    Segundo Benetti (2004), informaes sobre recentes movimentos de fuses e aquisies

    na cadeia de fertilizantes permitem identificar a ocorrncia de uma intensa reestruturao

    patrimonial, conduzindo a um processo de concentrao da atividade industrial do setor. O

    objetivo de integrar o setor visa, alm do poder de mercado, ao controle das fontes de recursos

    naturais e da produo de matrias-primas bsicas para a formulao de adubos.

  • 39

    Em relao ao segmento de distribuio dos produtos agroalimentares, o varejo, em

    especial o setor supermercadista, perante o grande volume de capital estrangeiro atrado pela

    abertura econmica, passou a apresentar um expressivo crescimento no nmero de lojas e, ao

    mesmo tempo, um acelerado processo de concentrao, resultante de fuses e aquisies.

    Segundo dados da Associao Brasileira de Supermercados ABRAS (2007), em 1994 as cinco

    maiores cadeias de supermercados do Brasil representavam 23% do faturamento bruto do

    segmento, j em outubro de 1999 essa participao passou para 40%. Em 2006, apesar da

    manuteno das cinco primeiras empresas do setor em termos do percentual de faturamento, com

    40% de participao, percebeu-se no quadro uma melhora significativa no faturamento das outras

    empresas que compem o grupo das 50 maiores.

    Segundo relatrio da FAO (2007), a crescente tendncia de concentrao e coordenao

    vertical nos setores ligados ao agronegcio certamente prosseguir a nvel mundial, como j se

    observa no Brasil. Nesse sentido, a reformulao de polticas agrcolas, instituies e agncias

    ligadas ao agronegcio so requeridas o mais breve possvel, assumindo, assim, papel primordial

    na promoo do desenvolvimento das agroindstrias de seus pases.

    Para Barros et al. (2006a), o aumento na concentrao do agronegcio associa-se a ganhos

    de eficincia graas economia de escala e viabilizao de novas tecnologias. Resta,

    portanto, o desafio de compatibilizar tais benefcios a jusante e a montante da agropecuria

    possivelmente necessria para a competitividade global e para os investimentos em qualidade

    para acesso a mercados e benefcio do consumidor com a partilha dos ganhos com os

    produtores espalhados atomizadamente por todo o territrio nacional.

    As tendncias tm mostrado que o recente desenvolvimento do agronegcio pode elevar a

    capacidade competitiva dos pases, tanto no mercado domstico quanto no internacional, o que

    aumenta as oportunidades de desenvolvimento dos pases. Entretanto, vale ressaltar que tais

    mudanas trazem consigo particulares riscos a todos os elos da cadeia produtiva, podendo os

    benefcios gerados no serem compartilhados entre todos.

    Partindo dos pequenos produtores, passando pelos comerciantes e processadores e

    chegando aos mercados atacadistas e varejistas, todos esto expostos. Para os pequenos

    produtores, as dificuldades esto ligadas ao curto prazo, pois necessitam se encaixar de forma

    rpida, aos novos padres e exigncias contratuais do setor. Os pequenos processadores cada vez

    mais tero que competir com os grandes fabricantes, que, por sua vez, podem se beneficiar das

  • 40

    economias de escala em tecnologias de processamento. Ao mesmo tempo, os comerciantes locais

    se vem cada vez mais espremidos pelo crescimento de prticas especializadas e de produtos

    certificados (FAO, 2007).

    Para Rodrigues (2001), tanto a tendncia de fuses no setor de insumos quanto o processo

    de incorporao na indstria de alimentos afetam a renda dos produtores rurais, negativamente.

    Afetam tambm, positivamente, o oramento dos consumidores, que tm sua disposio

    produtos cada vez mais baratos e de melhor qualidade. Este cenrio resulta na transferncia de

    renda do campo para a cidade, o que, segundo o autor, exige polticas de renda rural.

    De forma geral, o que se tem visto so mudanas que partem basicamente de duas frentes:

    do lado da demanda, os consumidores tm exigido produtos de alta qualidade, valor nutritivo e de

    fcil preparo; do lado da oferta, uma nova estrutura, com grandes empresas verticalizadas

    negociando volumes cada vez maiores, com poder de compra e venda na realizao de suas

    transaes. Ao final, resta saber qual a extenso e a velocidade com que tais mudanas afetaro

    os diferentes elos do agronegcio e como a ao de cada um influenciar os ganhos e perdas do

    setor.

  • 41

    3 REFERENCIAL TERICO

    O termo agribusiness (agronegcio), estabelecido por Davis e Goldberg (1957), foi a

    primeira definio formal que caracterizou as relaes intersetoriais da agricultura com os demais

    setores da economia. Baseado nos fundamentos da matriz insumo-produto de Wassily Leontief,

    esse conceito engloba os agentes de cada elo da cadeia produtiva, tendo como ponto de partida o

    mercado de insumos e fatores de produo (antes da porteira), passando pela unidade agrcola

    produtiva (dentro da porteira) e chegando ao processamento, transformao e distribuio (depois

    da porteira). Assim, o agronegcio dado pela soma total das operaes de produo e

    distribuio de suprimentos agrcolas; das operaes de produo na fazenda; do armazenamento,

    processamento e distribuio dos produtos agrcolas e itens produzidos a partir deles.

    Zylbersztajn (1995) ressalta que este conceito faz convergir as definies de filire, da

    escola francesa e de agribussines commodity system, na tradio norte-americana. Sob a tica

    francesa, os sistemas agroindustriais referem-se a uma seqncia de operaes que conduzem

    produo de bens, onde as relaes de interdependncia ou complementaridade entre os agentes

    so ditadas por foras hierrquicas. Na escola americana, um sistema de commodities engloba

    todos os atores envolvidos com a produo, processamento e distribuio de um produto, at a

    entrega ao consumidor final. Para Zylbersztajn (1995), o conceito francs privilegia as relaes

    tecnolgicas, enquanto a americana enfatiza a coordenao. Definidos em momentos diferentes e

    dentro de concepes tericas distintas, eles concentram os mesmos aspectos definidos por Davis

    e Goldberg (1957).

    Para Marques (2002), o conceito de Cadeia Agroindustrial - CAI, ao mesmo tempo em

    que procura englobar todos os vnculos intersetoriais do segmento agrcola, desloca o centro de

    anlise de dentro, para fora da fazenda, substituindo, assim, a anlise parcial dos estudos sobre

    economia agrcola, pela anlise sistmica da agricultura. Da o surgimento da denominao

    Complexo Agroindustrial.

    De acordo com Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico - BNDES (1988), o CAI

    define-se como: um conjunto de atividades relacionadas entre si, em que se destaca

    o duplo vnculo da agropecuria com o setor industrial: com a indstria fornecedora de mquinas e insumos, que tem na agropecuria o seu mercado, e com a indstria e organizaes comerciais compradoras de matrias-primas agropecurias, que necessitam de produtos em quantidade

  • 42

    e qualidade e custo compatveis com suas atividades (BNDES, 1988, p 10).

    Como ressaltado por Porsse (2003), a construo e utilizao do conceito do CAI esto

    associadas evoluo natural do setor agropecurio. Originalmente, o setor era essencialmente

    primrio, adquirindo insumos dentro do prprio setor (sementes e animais) para gerar uma

    produo cuja maior parcela de seu valor tinha como destino a demanda final. H tempos, essa

    dinmica no representa sua realidade, pois se observou um crescimento das operaes fora da

    porteira, seja pela ampliao da participao de produtos no rurais em seu conjunto de insumos

    (adubos, fertilizantes, defensivos, etc.), seja pela ampliao e pelo aperfeioamento das operaes

    de processamento e transformao da produo rural para somente depois direcion-la demanda

    final (PORSSE, 2003).

    Ainda nessa dinmica, tambm assumem importncia o contedo tecnolgico dos

    processos produtivos, tanto para a produo agropecuria como para a agroindustrial (tratores,

    implementos agrcolas, mquinas-ferramentas, etc.), os instrumentos de financiamento da

    produo (servios financeiros), as atividades de pesquisa e desenvolvimento e, como j citadas,

    as atividades de comercializao, armazenagem e transporte dos produtos rurais e agroindustriais

    (PORSSE, 2003).

    Sorj (1980), estudando o ciclo histrico de expanso agroindustrial brasileiro, apresentou

    uma srie de dados que corrobora a intensidade das relaes entre agricultura/indstria. Nessa

    anlise, a estrutura do Complexo Agroindustrial e as diferentes formas de insero da produo

    agrcola, englobaram setores que iam desde a indstria de insumos para a agricultura at o setor

    de supermercados.

    O conceito de agronegcio para Sorj (1980) tem como base o conjunto formado pelos

    setores produtores de insumos e maquinarias agrcolas, de transformao industrial dos produtos

    agropecurios e de distribuio, e de comercializao e financiamento nas diversas fases do

    circuito agroindustrial. Para este autor, as relaes entre os segmentos so um acontecimento

    contemporneo, e o surgimento do Complexo Agroindustrial s foi possibilitado pelo

    desenvolvimento agrcola anterior e se transformou no maior acelerador das transformaes na

    agricultura.

    Ramalho (1988) tambm utilizou esta perspectiva intersetorial do complexo

    agroindustrial. Segundo o autor, tal procedimento permite analisar a evoluo da agropecuria

    atravs dos ncleos pressionadores do seu dinamismo e evidenci-los. Alm disso, essa forma de

  • 43

    mensurao permite uma melhor avaliao das relaes intersetoriais, alm explicitar o papel do

    progresso tcnico como um elemento de modernizao da estrutura agropecuria.

    Tomando por base as matrizes insumo-produto de 1980 a 1994, Furtuoso (1998) delineou

    uma metodologia de clculo do PIB para o complexo agroindustrial brasileiro em quatro

    agregados (Insumos para agricultura e pecuria, Agropecuria, Agroindstria e Distribuio

    Final). Para tanto fez uso dos conceitos de ndices de ligaes, para a definio de setores-chave e

    desenvolveu um procedimento, a partir do ndice Puro de Ligaes Interindustriais, visando

    identificao dos componentes do complexo agroindustrial.

    Nunes e Contini (2001), visando estimar a magnitude da estrutura do CAI, bem como a

    respectiva participao no PIB brasileiro, utilizaram as informaes das Contas Nacionais, para

    obter viso sistmica das inter-relaes entre os agentes. Os resultados foram apresentados em

    trs grandes grupos: (i) Ncleo do CAI: Agropecuria; (ii) Antes da Porteira: Insumos e

    Mquinas para a Agropecuria; e (iii) Depois da Porteira: Agroindstria e Servios. De acordo

    com tais autores, a metodologia utilizada permitiu a eliminao das atividades no constitutivas

    do complexo, mesmo quando estavam agregadas a alguma de suas atividades, obtendo-se, assim

    um resultado isolado do CAI quando comparado aos demais setores da economia.

    O procedimento realizado por Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000) na estimativa mensal do

    PIB do Agronegcio brasileiro adotou a tica do valor adicionado a preos de mercado, obtido

    pela soma do valor adicionado a preos bsicos aos impostos indiretos lquidos de subsdios

    sobre produtos e subtrao da dummy financeira. Como base metodolgica utilizou-se

    informaes provenientes das matrizes insumo-produto calculadas pelo Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica - IBGE (correspondente ao perodo de 1985 a 1996) e integradas ao Novo

    Sistema de Contas Nacionais - NSCN. O refinamento metodolgico adotado nesse trabalho evita

    o problema de dupla contagem apresentado comumente em estimativas do gnero.

    O mtodo de trabalho adotado por Montoya e Finamore (2001) sintetizou diversas

    metodologias para o clculo da produo do agronegcio. Nesse mtodo, a estrutura divide-se em

    trs partes: a) Agregado I: parte anterior produo rural, que engloba o conjunto de setores

    fornecedores de insumos e fatores de produo para os produtores rurais; b) Agregado II:

    produo rural; c) Agregado III: setores que recebem a produo dos produtores rurais para

    armazen-la, process-la e distribu-la no mercado.

  • 44

    Porsse (2003) mostra que, embora haja certo consenso entre os trabalhos mais recentes

    quando se trata do critrio de classificao setorial dos segmentos fornecedores de insumos

    agropecurios a montante (uma vez que na sua grande maioria so fundamentados na estrutura

    insumo-produto de Leontief), o mesmo no ocorre na classificao setorial a jusante. O Quadro 1,

    extrado de Porsse (2003) apresenta, de forma resumida, a diversidade na classificao dos

    setores a jusante dos trabalhos mais recentes.

  • 45

    Descrio dos Setores Furtuoso

    (1998)

    Guilhoto,

    Furtuoso &

    Barros

    (2000)1

    Nunes &

    Contini

    (2001)

    Montoya &

    Finamore

    (2001)

    Agroindstria

    Siderurgia X X

    Madeira e mobilirio X X X

    Papel e grfica X X

    Borracha X

    Elementos qumicos no petroqumicos

    X X X X

    Indstria txtil X X X X

    Vesturio e acessrios X X

    Calados, couros e peles

    X X

    Indstria do Caf X X X X

    Beneficiamento de produtos vegetais

    X X X X

    Abate e preparao de carnes

    X X X X

    Leite e Laticnios X X X X

    Indstria do acar X X X X

    leos vegetais e gorduras

    X X X X

    Outras indstrias alimentares e de bebidas

    X X X X

    Distribuio e servios

    Comrcio X X X X

    Transporte X X X X

    Comunicaes X

    Instituies financeiras X

    Servios Prestados s famlias

    X X X

    Servios prestados s empresas

    X X X

    Aluguel de imveis X

    Administrao pblica X X

    Quadro 1 - Classificao setorial a jusante dos trabalhos selecionados Fonte: Porsse (2003) 1 Em funo da inexistncia de uma definio clara dos setores que compem a distribuio e servios do CAI,

    reproduziu-se aqui a classificao de Furtuoso (1998), principal referencial em Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000).

  • 46

    Segundo Arajo Neto e Costa (2005), a utilizao da estrutura de insumo-produto de

    Leontief a forma mais lgica para a realizao do clculo do CAI, uma vez que esse

    instrumental permite identificar as relaes de interdependncia entre a agropecuria e os demais

    setores da economia. Entretanto, as abordagens de clculo possuem, individualmente,

    particularidades importantes, a serem avaliadas na deciso de clculo do PIB. Como exemplo,

    Furtuoso (1998) contribui para aliviar o grau de subjetividade inerente s classificaes de

    agregados. Por outro lado, a preocupao de Nunes e Contini (2001) em excluir do valor

    adicionado dos setores agroindustriais, as parcelas associadas a produtos que no pertencem ao

    CAI, favorece a elaborao de estimativas mais acuradas.

    Para Marques (2002) e Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000), ao adotarem o mtodo de

    fracionamento matricial, como procedimento analtico de delimitao dos componentes do

    complexo do agronegcio brasileiro, permitiram uma mensurao mais precisa do agronegcio e

    tambm uma identificao das inter-relaes entre as atividades agropecurias e os demais

    setores, em termos dos impactos diretos e indiretos.

    O Centro de Estudos Avanados em Economia Aplicada - CEPEA da Escola Superior de

    Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ, da Universidade de So Paulo - USP, utilizando-se da

    metodologia de Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000), realiza o clculo das taxas de crescimento

    mensal do PIB do Agronegcio brasileiro. importante salientar que estes ndices contabilizam

    no apenas a variao do volume, usualmente levada em considerao nas estimativas do PIB,

    mas tambm os preos dos produtos. Esse procedimento faz com que o crescimento do PIB

    setorial do Agronegcio expresse a renda no sentido de poder de compra dos agentes

    econmicos envolvidos na produo agropecuria. Faz-se, assim, distino entre as modalidades

    de clculo da produo entre (a) a que visa mensurao do volume - a preo constante, que

    importa ao consumidor ou sociedade como um todo; e (b) a que visa a captar renda (poder

    aquisitivo) dos produtores de cada segmento das cadeias. Para efeito deste trabalho,

    convencionou-se que a produo quando aferida pela tica do volume recebe o nome de Produto;

    quando medida pela tica da renda dos produtores chamada de PIB.

    Em suma, a relevncia da anlise sistmica do Agronegcio j amplamente disseminada

    na literatura brasileira, onde h um crescente reconhecimento da importncia de uma perspectiva

    intersetorial na economia agrcola em substituio aos enfoques tradicionais de anlise

    econmica que utilizam a tica de setores primrio, secundrio e tercirio na economia. Sendo

  • 47

    assim, o conceito analtico de agribusiness ou agronegcio se afigura como unidade de anlise

    adequada para se estudar a dinmica da agricultura considerando as mltiplas relaes do setor

    rural com a indstria e os correspondentes mercados (GUILHOTO; FURTUOSO; BARROS,

    2000).

    importante salientar que o conceito de agronegcio no exclui nenhuma categoria de

    produtor rural, ou beneficiadoras e processadoras, qualquer que seja o seu tamanho (em termos

    de rea ou volume e tipo de produo). Ou seja, agronegcio inclui o que tem sido referido como

    agricultura empresarial ou comercial, pequena agricultura, agricultura familiar, etc. Sendo um

    conceito agregado, no distingue essas categorias, assim como o PIB de um pas no especifica

    sua distribuio entre patres e empregados, ou entre pequenas, mdias ou grandes empresas ou

    negcios.

    A opo pelo conceito de negcio proposital, no sentido de que, quaisquer que sejam as

    formas e escalas de organizao ou arranjo das atividades produtivas, econmica e

    financeiramente, trata-se de negcios estruturados para consecuo da produo de bens e

    servios a partir de recursos produtivos. Tais negcios tm de ser viveis e sustentveis para que

    propiciem condies de manuteno do nvel de vida e progresso econmico e social ao longo do

    tempo. O PIB um indicador da evoluo desses negcios, isto , da medida em que esses

    objetivos esto sendo atendidos potencialmente.

  • 48

  • 49

    4 METODOLOGIA

    4.1 Procedimentos para o clculo do PIB

    Segundo Barros, Fachinello e Silva (2009)3, existem trs abordagens ao considerar o PIB

    de agronegcio, para regies ou setores, sendo que essas abordagens obrigatoriamente levam s

    mesmas estimativas do PIB.

    1. Uma primeira alternativa seria calcular o valor da produo de bens e servios finais, ou

    seja, que vo at o consumidor final, aos estoques ou ao exterior. Para fazer isso, seriam

    somados os valores de (a) consumo das famlias, (b) bens de capital novos e de reposio,

    (c) as variaes nos estoques, (d) as compras governamentais e (e) as exportaes; do

    total, seria subtrado o valor dos bens adquiridos do exterior (importaes). Este

    procedimento seria recomendado quando se pretende calcular o PIB de um pas ou regio,

    sem referncia s contribuies de cada segmento ao longo das cadeias produtivas;

    2. Uma segunda alternativa seria, partindo das Matrizes de Insumo Produto - MIP, calcular o

    valor adicionado em cada segmento de cada setor da economia. Esse valor adicionado o

    PIB do segmento referido e obtido a partir do Valor Bruto da Produo (volume

    produzido vezes preo de mercado). Por definio, valor adicionado de um segmento o

    VBP menos o valor dos bens e servios adquiridos ou seja, insumos que desaparecem

    (ou melhor, so transformados completamente no produto no perodo considerado). A

    economia ento um grande conjunto de cadeias produtivas, que sequencialmente

    envolve diversos segmentos, que produzem insumos para a o segmento seguinte. Por

    exemplo, o segmento de insumos agrcolas (fertilizantes, p.ex.) vende sua produo ao

    segmento da agropecuria. As compras da agropecuria constituem o VBPi do segmento

    dos insumos. O PIBi dos insumos o VBPi menos os seus prprios insumos (materiais

    adquiridos para fazer fertilizante, p. ex.). J o PIBa da agropecuria ser o VBPa desse

    segmento menos o valor dos insumos adquiridos do segmento a montante (segmento de

    insumos) ou seja, VBPi menos os estoques, caso haja.

    3BARROS, G.S.C.; FACHINELLO, A.L.; SILVA, A.F. Conceitos e mtodos sobre o PIB do agronegcio: Brasil, estados e cadeias produtivas. Piracicaba, 2009. 7 p.

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    3. A terceira maneira de medir o PIB seria somar as remuneraes recebidas pelos fatores de

    produo de cada segmento, ou da cadeia como um todo, ou mesmo o conjunto delas,

    formando o agronegcio. Assim, o PIB seria constitudo pela remunerao ao trabalho

    (salrios e equivalentes), capital fsico (juros e depreciao), terra (aluguel ou juros), e

    lucro. Quando o PIB cresce, os detentores do trabalho, capital e terra, bem como o

    empresrio, podem repartir entre si uma renda real maior.

    A metodologia adotada no presente trabalho segue a segunda estratgia, sendo os

    procedimentos metodolgicos descritos por Guilhoto, Furtuoso e Barros (2000). Tal mtodo

    envolve as MIP4, as quais representam os fluxos de produo, de consumo e de gerao de renda

    e, ao abordar de forma sistmica os componentes do PIB do agronegcio brasileiro, bem como a

    tica do valor adicionado a preos de mercado, permite anlises desagregadas essenciais aos