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Revista de Cultura B E N A V E N T E B E N A V E N T E nº2 - 2002

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Revista de Cultura "Terras d' Água" Benavente Nº 2 - Maio de 2002

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B E N A V E N T E

B E N A V E N T E

nº2 - 2002

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B E N A V E N T E

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DirectorPresidente da Câmara Municipal de Benavente

Coordenação EditorialCristina Gonçalves

Concepção GráficaSandra FigueirasCristina Gonçalves

Execução GráficaCharana - Artes Gráficas Lda.

ISSN - 1645 - 1996Depósito Legal

Benavente, Maio 2002

Revista de Cultura

Terras d’Água

Terras d’ÁguaREVISTA DE CULTURA DO MUSEU MUNICIPAL DE BENAVENTE

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Revista de Cultura

Terras d’ÁguaB e n a v e n t e

Nº2 - Maio de 2002

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Nota de abertura

Reivindicação de lavradores de Benavente no século XVIII, Justino Mendes de Almeida

Do terramoto de 23 de Abril de 1909 à reconstrução da vila de Benavente,Estudo do processo da renovação urbana de Benavente,Rui Vieira

Movimento associativo, A Casa do Povo de Benavente,Sandra Ferreira

Quadros da Borda d'águaFrancisco Serra Frazão

A Benavente desejada e já nascida na imaginação dos pequeninos,Elisabete Oliveira

Disciplina/Indisciplina, uma questão da escola e da sociedade,Maria Clara França

Gil Vicente, Pai do Teatro Português, passou por Samora Correia,Mário Gonçalves

Só a viagem responde, anotações para uma leitura de Maria da Graça Freire,Pedro Sena Lino

Os sentido da vida e da obra, em Natércia Freire,Clara Branco

A minha liberdade foi uma biblioteca,António Modesto Navarro

LIFE00NAT/P/7100Recuperação dos Santuários da Avifauna do Estuário do Tejo -1Ricardo Espírito Santo

Estudo estatístico sobre as preferências culturais da população do concelho de Benavente,Jorge Fonseca e Pedro Veríssimo

Sumário

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Nota de abertura

Este segundo volume de Terras d'água, revista de cultura do Município de Benavente, vem garantir a regularidade desta publicação anual que, tal como inicialmente definido para a sua estrutura editorial, deverá constituir-se como um espaço privilegiado de reflexão e diálogo. Agregando no seu corpo temáticas diversificadas que assumem como elemento comum a região, a revista Terras d'água procura, deste modo, consolidar-se como uma referência neste horizonte cultural.A revista de cultura do Município de Benavente manter-se-á como um projecto aberto a todos os que nela desejem colaborar, no sentido de lhe conferir a validade, a actualidade e a diversidade de olhares que são, com toda a certeza, fundamentais para a sua continuidade.

Neste segundo número, o Professor Justino Mendes de Almeida, revela-nos um texto do século XVIII denominado "O papel político sobre carruagens dos exércitos das guerras entre Portugal e Castela, com que principiou o século de 1702", da autoria do Dr. Manuel Pacheco de Sampaio Valadares, natural da vila de Benavente.

O terramoto de 1909, é o ponto de partida de um interessante trabalho de Rui Vieira, " Do terramoto de 23 de Abril de 1909 à reconstrução da vila de Benavente, estudo do processo da renovação urbana", focado no processo de reconstrução da vila e pondo em evidência o conturbado contexto histórico da época.

Sandra Ferreira, em “A Casa do Povo de Benavente”, analisa esta estrutura local a partir do normativo legal e da documentação presente no Arquivo Histórico de Benavente, prestando um importante contributo para a história desta instituição.

Duas crónicas de Francisco Serra Frazão, publicadas no jornal "Primeiro de Janeiro", em 1939, que integram um conjunto mais vasto de textos denominado “Crónicas da Borda d'água”, registam um olhar atento e literário, sobre quadros tradicionais ribatejanos.

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O desenvolvimento de projectos na área das expressões e da educação para a cidadania, junto da comunidade educativa de Benavente, constitui o tema do trabalho de Elisabete Oliveira, "A Benavente desejada e já nascida na imaginação dos pequeninos".

"Disciplina/indisciplina, uma questão da escola e da sociedade", constitui a proposta de reflexão de Maria Clara França, no âmbito de uma análise histórica e educativa desta problemática.

Mário Gonçalves, apresenta um breve estudo sobre a possível passagem de Gil Vicente por Samora Correia, "Gil Vicente, pai do teatro português, passou por Samora Correia".

A ideia de viagem, da viagem como autoconhecimento, é o texto que nos traz Pedro Sena Lino em "Anotações para uma leitura de Maria da Graça Freire - Só a viagem responde".

"Os sentidos da vida e da obra de Natércia Freire", de Clara Branco, revela-nos um texto inspirador sobre o percurso poético de Natércia Freire.

A poesia popular apresentada por António Modesto Navarro, constitui a reflexão em "A minha liberdade foi uma biblioteca”.

“LIFE00NAT/P/7100” é um texto onde Ricardo Espírito Santo apresenta um projecto de conservação da natureza a realizar na Salina de Vale de Frades, atribuindo um enfoque especial à construção da Estação Ornitológica Nacional de Vale de Frades.

E, por fim, Jorge Fonseca e Pedro Veríssimo apresentam a síntese de um estudo desenvolvido junto dos públicos, em Benavente, "Estudo estatístico sobre as preferências culturais da população no concelho de Benavente".

Cristina Gonçalves

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Professor Doutor Justino Mendes de Almeida

Reivindicação de lavradores de Benavente no século XVIII

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O Prof. Doutor Manuel Lopes de Almeida foi sempre um grande estudioso dos fastos de Benavente. Tudo o que dizia respeito à sua terra natal lhe interessava sobremaneira. Nem tudo pôde publicar em vida. No seu espólio encontram-se documentos que veriam a luz mais tarde, o que nem sempre aconteceu. Está neste caso o documento que hoje publicamos e que o Prof. Lopes de Almeida copiou por sua mão, de um manuscrito da Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra. Reconhece-se a sua letra inconfundível, na reprodução que apresentamos da folha de rosto do manuscrito. Tencionava publicá-lo num conjunto de inéditos do Dr. Manuel Pacheco de Sampaio Valladares. Acabou por passá-lo às minhas mãos, sabendo que também eu me interessava pela história de Benavente.Quem foi Sampaio Valladares ? Conhecemo-lo como autor de vários trabalhos em prosa e em verso, uns publicados, outros inéditos. Fala dele a monografia de Benavente e nós também lhe dedicámos já alguns artigos, em antigos jornais de Benavente. Tínhamos notícia de que foi amigo do célebre médico Ribeiro Sanches que, cristão novo, exerceu algum tempo em Benavente, antes de se exilar para o estrangeiro, tendo sido médico da imperatriz Catarina da Rússia até se fixar definitivamente em Paris, onde alcançou grande fama como especialista no combate às doenças venéreas. De lá escrevia para Benavente, interessando-se pelos amigos que conhecera nesta terra que, apesar de tudo, o cativara. As suas cartas encontram-se na Biblioteca de Évora e numa delas pergunta pelo “menino Francisco” que era filho de Sampaio Valladares e que veio a ser, anos depois, o Dr. Francisco de Assis Pacheco, embaixador de Portugal à China, de quem também já nos ocupámos.Não sabíamos que o Dr. Valladares, além de intelectual, era também lavrador, ou, pelo menos, defensor da causa dos lavradores. As razões apontadas, causa do descontentamento de lavradores, também nós as conhecemos em nossos dias, embora mais atenuadas. É perante uma situação considerada injusta que o Dr. Valladares, em nome dos lavradores de Benavente, protesta junto do rei D. João V quando da guerra com Espanha.

Terras d’Água

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Papel político sobre carruagens

dos exércitos das guerras entre Portugal e Castela,

com que principiou o século de 1702.

Composto pelo

orD. Manuel Pacheco de Sampaio Valadares,

natural da Vila de Benavente

1708

Papel político sobre as vexações impostas aos lavradores

com a guerra que principiou em 1702

(Ms. Nº 329 da B.G.U.C.)

Revista de Cultura

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Terras d’Água

Como leal e amantíssimo vassalo, que ao seu rei deseja felicidades e à sua pátria aumentos, me pareceu conveniente ocupar o discurso para mostrar com alguma evidência a infalível ruína que de presente está ameaçando a todo este reino, não pela guerra que faz ainda que é o total princípio , mas pelo modo com que se obra com alguns dos vassalos, que som os lavradores. Porque, devendo-se tratar com amor e atenção para com eles, todo o estudo dos ministros, por cujas disposições corre o transporte das províncias e as bagagens dos exércitos, não é mais que destruírem estes vassalos.Mas, para que melhor discorra e mostre a razão da presente advertência por lhe não chamar queixa, mostrarei primeiro as conveniências que os reinos têm em conservar os lavradores; e, em segundo lugar, como estes são os mais vexados na presente guerra.O Amor e a Experiência são os dois racionais exploradores, que hão-de descobrir campo para os presentes dois pontos. O Amor, como vassalo, dará razões para as conveniências do primeiro ponto; e a Experiência, como lavrador, mostrará as sem-razões, para os reparar, do segundo.

Simbolicamente se chamou ao homem mundo pequeno, e não serei eu o primeiro que chame a um reino homem grande. Convém esta definição, para que, sendo um reino homem, se saiba que também vive o reino.Alguns dirão que a alma deste vivente reino é um bom governo, mas eu digo que semelhante múnus só compete aos lavradores. Estes só é que se podem chamar vida das províncias, alento dos reinos e alma das monarquias, porque bem pode uma monarquia viver com um mau governo, ainda que este é um dos graves sintomas da sua ruína. Governou mal Sancho Capelo, e não se acabou o Reino; governou mal Fernando, e não se acabou, ainda que esteve em grande perigo a Coroa, porque lhe não chegou a ferida até a alma, que são os lavradores, a quem favoreceu um D. Dinis, chamado o Lavrador, com o que veio a engrandecer a sua monarquia.O Reino consiste nos vassalos, porque tudo o mais são campos e paredes: os vassalos sem o sustento não vivem, o sustento sem os lavradores não se cria. Bem sei que o homem não vive só do pão, mas tão bem sei que sem o pão não pode viver o homem. Os lavradores são os que criam os gados e cultivam as terras, e, sem esta criação e aquele fruto, não pode haver vida nem alento.Nenhuma das minhas razões é sofística, e bem sabe a Experiência que, pela boca da Razão, as está proferindo a Verdade. Ninguém vive sem o necessário, todos podem passar sem o supérfluo. Quem só trata em o necessário são os lavradores; tudo o mais se pode, em largo modo, chamar supérfluo, e a razão se vê no 7º preceito do Decálogo, que, na extrema necessidade, não chama furto ao sustento. Como se há-de gloriar vitoriosa uma monarquia sem agricultura, quando nesta animam inclusos todos os espíritos vitais com que aquela se alenta? Os Filósofos negam o nome de Homem àquele que jaz cadáver; assim a monarquia sem agricultura que, é alma há-de perder o nome de monarquia.

Primeiro ponto

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Revista de Cultura

Quis no Império da China o primeiro da Família Taicim que o poderoso corsário Quesingo perdesse o nome e a opulência, com que pelos anos de 1659 se queria chamar senhor do dito Império, e mandou que se não cultivassem todas aquelas terras que serviam de termos ao mar, e assim consumiu o corsário. E, para maior opulência, El-Rei D. João I deu os maninhos de Coruche a Lamberth de Orchas para os cultivar e romper, com condição de trazer gente estrangeira para a fábrica das lavouras; e assim os mais reis, porque sabiam que com a cultura se aumentava o povo, e neste a real dignidade, como melhor que todos o entendam o Rei mais sábio nas suas parábolas.Não ignorou o primeiro legislador Licurgo tão urgente conveniência, porque logo repartiu os campos pelos seus cidadãos, para serem cultivados. Gelo Tiracusano a todos os seus exortava para semelhante cultura, pois é tão necessária para o bem público, que Suetónio conta mandara o imperador Domiciano arrancar as vinhas, para que a doce ambição do seu licor não pusesse em esquecimento a laboriosa conveniência da agricultura. Quatro são os meios por onde se constitui uma monarquia opulenta, que são: a agricultura, para osustento necessário; artes mecânicas, para a vida política; mercancia, para levar os frutos próprios e trazer os alheios; e a milícia, para defensão da pátria.Consideremos agora fundada uma monarquia sobre estas tão robustas como necessárias quatro colunas, e vamos por partes arruinando a cada uma, para que com evidência se manifeste qual é a que dá com a monarquia em terra. Mas, como é possível arruinarem-se as três, se estas fundaram as suas bases na robusta e opulenta coluna da agricultura? Estas, como já antigamente os três Geríones da Lusitânia, todas as suas capitais forças

uniram em um só corpo, para que mais fortes rebatessem os seus contrários.Quem põe a vida política da República em termos de parecer vida senão a agricultura? Digam-no as capelas, os morgados, as herdades donde saem tão grossas rendas para o necessário das vidas e para o supérfluo das galas. Irrefragável era o perigo das artes mecânicas, se não fundaram a sua base na agricultura, pois só esta lhes pode administrar as forças, pondo-lhes a mesa com o sustento que faz produzir a terra, e também os descansos, fabricando-lhe a cama com as lãs que cria e com os linhos que lavra.A coluna da mercancia, como havia de carregar os frutos, se lhe faltassem os agricultores? Que vinhos, azeites e lãs haviam levar os estrangeiros, em recompensa das suas drogas, para que não extinguissem de todo o dinheiro? Com que farinhas, carnes, azeites e vários se haviam de guarnecer as frotas e comerciar nas nossas conquistas, se faltasse a agricultura?A milícia, que toda se vale da multidão, é a que mais necessita da agricultura, porque esta lhe dá o sustento e multiplica o número. Esta dá os cavalos para as tropas e os soldados para os terços; faz os transportes, dá as carruagens, e para toda esta militar máquina oferece, como pai e mãe destas e aquelas artes, o sustento.Os Indos, a quem nós chamamos bárbaros, foram os que melhor entenderam o proveito da agricultura, porque, entre o licencioso estrago das milícias, conservam em paz aos lavradores, e o que mais é as mesmas searas. Porém, mais que todos se avantajaram os Egípcios, porque o animal que pintaram por hieroglífico da agricultura determinaram fosse inviolável. Os de Frígia castigavam com pena de morte

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Terras d’Água

a quem matava algum boi, ou furtava algum dos instrumentos rústicos. Semelhante lei observavam os Atenienses, dizendo que estes instrumentos e aqueles animais eram companheiros em os trabalhos do humano género. E a razão desta pena deu Aristóteles, dizendo que aqueles animais valiam como servos.A campo saiu o cruel Nabusardão, como general que era dos exércitos de Nabucodonosor, e, vencendo ao rei Sedácias, matou cruelmente bárbaro aos filhos diante do pai, e arruinou sacrilegamente atrevido a Cidade e o Templo; porém, deixou em paz, para a comum utilidade, aos agricultores.Se olharmos para o princípio, acharemos que pela natureza entrou a igualdade, e pela culpa a conveniência. Perdeu Adão o primeiro estado, entrou no segredo a culpa, e logo lhe disse Deus que tratasse da conveniência, cultivando a terra, porque sem semelhante exercício não se conservava o mundo.

Ao segundo pai, Noé, não foi necessário este aviso, porque as experiências que Adão não tinha o fizeram avisado, e assim principiando logo no exercício das plantas, que prosseguiu com o trabalho das lavouras.Ambos foram primeiros pais, porque ambos foram primeiros lavradores. E, por isso, Senhores do Universo, aprendam daqui os reis, que são pais que entre os do Mundo só os amos Portugueses, e julguem que sem agricultura não pode haver relação a Humanidade, nem conveniência para o senhorio.Mas, para que tomo aos doutos o tempo com lhe lembrar aquilo que os mesmos ignorantes não ignoram, a ainda os mais bárbaros veneram? Pois é tão digna de estimação a agricultura, pelo muito que o humano género dela necessita, que somente a não estimaram ladrões e viciosos, como fizeram os Traces e Tespienses, que viviam do furto, quais em nossos tempos os ciganos.

Mostrada assim geral, como particularmente, a grande e urgentíssima utilidade da agricultura, segue-se vermos agora que, entre todos os vassalos, são os lavradores os mais perseguidos. Fala como lavrador a Experiência queixosa, para solicitar os remédios a tanta ruína.Obrigação é, conforme todos os direitos, servirem ao seu rei os povos e vassalos, com suas fazendas e vidas; mas também a razão dita que seja auxílio, e não guerra; que seja adjutório, e não perdição; que seja serviço, e não desserviço. Ajudar um dia, para não ajudar muitos, não é adjutório, é perdição; dar a fazenda toda em um mês, para faltarem os mais, não é auxílio, é guerra; servirem os homens em um ano, e faltarem para os outros, não é servir, é desservir. Servem os vassalos das cidades e vilas, que não são lavradores, com os tributos que neste tempo existem, e o mesmo também pagam os lavradores; isto é que se chama servir um e muitos dias; um e muitos e muitos meses; um e muitos anos; isto é auxílio, isto é adjutório, isto é serviço. Mas dar o lavrador, além dos tributos, as suas bestas do serviço, éguas, bois, cavalos, criados e filhos, isto é ser mais perseguido que todos os mais vassalos, sendo mais necessário; isto é servir um só dia, um só mês e, quando muito, um só ano: isto é guerra, isto é perdição, isto é desserviço.

Segundo ponto

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Não me queixo, não, como lavrador, pelo que vejo, mas pelo que antevejo. Já me não faz pendor o presente, faz-me grande pesar o futuro. Não é isto pelo que agora dão os lavradores, mas porque ficam de sorte que não têm já mais que dar.Justo é que todos contribuam, mas, se os lavradores são a vida e alma do Reino, para que se há-de ferir o Reino até à alma? Feridas mortais são infalíveis sintomas da morte; que remédio pois? Ou não ferir, ou morrer. Mas, para mais clareza, discorramos pelo corpo do Reino, para que melhor se lhe tenteiem e capitulem as feridas.Compõe-se Portugal de cinco províncias e um reino, que são: Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. As três províncias primeiras não são as que podem sustentar a guerra, nem fertilizar ou alentar ao Reino mais que com a gente, porque, ainda quando estão florentes, fazem muito em sustentar aos principais e mais presídios. A melhor testemunha desta verdade é a Ribeira, o Terreiro, a Alfândega, e toda a mais cidade de Lisboa, Reino e suas Conquistas, por onde voluntariamente se espalham os filhos daquelas três províncias, por lhes faltar nelas o necessário.Supostas, pois, estas verdades, quem não há-de capitular por mortal ferida qualquer vexação que se fizer aos pobres lavradores daquelas três províncias? O certo é que já lá são muito poucos os gados, e menos os lavradores, mas, como não são estas três províncias as de maior consequência para sustentar em pé as três colunas da vida política, mercantil e militar, subamos a maior consequência e ao maior estrago.

Pondo de parte ao Algarve, por não serem as suas drogas as que nos sustentam, discorramos pelo Alentejo. É certo que os maiores campos desta província são os de Elvas, Campo Maior, Olivença, Moura e Serpa, com toda a mais raia e fronteira: em nenhum destes campos se fazem já as lavouras, porque assim os naturais, como os estrangeiros, destruíram aos lavradores. Ficam somente os que se vêm avizinhando ao Tejo, e apartando do Guadiana, e estas são as mais grossas e opulentas lavouras de que vive e se alenta o Reino.A maior parte do Alentejo se descobre ferida mortalmente; resta capaz de viver a outra parte, e muita da Estremadura. Agora pergunto: se sangrarem a estes lavradores, que restam de algum modo intactos, de sorte que as sangrias sejam mais lançadas que lancetadas, que vida, ou que alentos pode conservar o Reino? O certo é que nenhuns. Logo segue-se, por infalível consequência, que para bem se servir ao Rei e conservar o Reino, se devem conservar estes lavradores. Assim o dita a necessidade, e a razão, e o determinam as mais humanas e providentes leis. E todos os doutos estão gritando que, ainda em tempo de guerra, se não devem perturbar os lavradores, antes conservar-lhe os gados, os criados e instrumentos rústicos, porque valem mais que a mesma saúde, por cuja razão dizia Atílio Régulo que debalde se vivia em lugar salutífero quando nele se morria à fome.

Revista de Cultura

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Examinado assim o Reino todo, temos somente o Ribatejo, e parte do Alentejo, intacto das ruínas e estragos do inimigo, porque, para o apresto da presente guerra, todos têm contribuído tão sem desatenção culpa dos ministros das terras , que este é o total fundamento do presente discurso. Se, pois, se arruinarem estes, que existem vivos para infundirem os alentos a toda a Monarquia Lusitana, é certo que há-de dar a última baqueada. Quem vir Anteu nos braços do robusto Hércules, sem que da Mãe-Terra possa receber os vitais alentos, dirá que em vão trabalha, porque no ar espira: não nos queiramos sustentar no ar, que o edifício sem se entranhar em a terra, quanto é mais grande, tanto é maior a ruína.Contra tudo o que tenho dito, há um notável argumento, e vem a ser que a presente guerra necessita de bestas para as conduções, de bois e carros para as bagagens, de cavalos para as tropas, e de soldados para os terços o que tudo mais facilmente se acha nos lavradores , e que, sem se entender com eles, ficarão os presídios e fronteiras sem o necessário, para que campeie o inimigo sem oposição, e, por consequência, esses mesmos lavradores destruídos, o Reino sem reputação, e a Coroa em manifesto perigo. Respondo concedendo a necessidade, e negando aquilo que só os lavradores são capazes de contribuírem. Porque se estes são os mais necessários, por que razão hão-de entrar todos os que fazem vulto na vida política e mercantil somente com os tributos, e os lavradores, além de pagarem isso mesmo, darem de mais a mais o que já referi?

Dir-me-ão, instando, porquanto do argumento, que os bois e mais bestas necessárias para as bagagens, assim de boca, como de guerra, se devam pedir aos lavradores, por serem os que têm, e não aos mais vassalos. Respondo que, pelo que toca às bestas, os lavradores são os que menos as têm, e com mais necessidade que todos, pois servem de carregar as sementes e mais instrumentos para os campos, e com os cavalos e éguas se servem nas debulhas. Mas a nenhuma destas se tem perdoado, de tal sorte que ao mesmo tempo que lhes levam os carros e bois, levam também as bestas, sendo que deviam ser isentas as suas bestas caseiras, porque há outras que não são dos lavradores, porque estes não podem viver sem elas, e porque lhes levam os bois e carros.No que toca aos carros, é de advertir que os lavradores de Salvaterra, Benavente e Coruche, e seus termos, como hão-de dar o mesmo que se lhe proíbe, pois não podem cortar madeiras, por ser tudo contado? E, contudo, fazem-lhes dar os carros, e proíbem-lhes os cortes. Pelo que toca aos bois, primeiro é de prenotar que há três castas de lavradores: uns que têm abegões e feitores; outros que têm abegões somente; e outros que nem abegões nem feitores têm. A estes últimos já os acabaram as passadas guerras e campanhas, que, como eram pobres, feriu-os até à morte o desprezo; os segundos fere-os a necessidade, e ainda não tem sido de morte porque eram mais grossos os cabedais, mas já estão propínquos a total ruína como no fim deste papel direi , e os primeiros sustenta-os impenetráveis o respeito.

Terras d’Água

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Isto assim prenotado, respondo que é de razão que dêem os bois para as carruagens todos os que os tiverem, mas há-de ser com igualdade e amor, medindo-se pela vara das posses a entrega do cabedal. Dê o poderoso mais que o pobre, ou ao menos dêem todos, e façam-se as conduções ou semelhantes levas com suavidade, tirando somente o necessário; consulte-se o modo, e, enquanto não aparece outro melhor que aquele de que se usa, direi o que me parece.Determina campear o nosso exército: saiba-se os capitães e cabos de que há-de constar, e dê-se a cada um somente o preciso, porque dizem que hoje leva um capitão a bagagem que antigamente um general; ajuste-se o número de carros e juntas necessárias ao trem e mais munições, e, primeiro que tudo isto, saiba-se o número de todos os lavradores do Reino e sejam todos. Reparta-se então por todos aquela quantia que se julgou necessária e passem-se as ordens, com o número certo, às vilas ou cidades, conforme a quantidade dos lavradores, porque são poucas as ordens que não mandam levar tudo; e, com esta generalidade, se dá ocasião ao ministro mal-intencionado para cortar por aqueles sujeitos a quem for mal afeito, e, para ser geral em todos a contribuição, acabem-se os privilégios, que não é de razão valham mais as coutadas que as lavouras, não haja algum que ouça os gemidos sem que lhe cheguem ao coração os ecos. Como este peso se repartir igualmente por todos, não há-de parecer trabalho, mas sim obrigação, que também a morte fora totalmente insofrível, se não fora universal.Porém, é de reparar que ainda existe sem resposta a queixa que os lavradores fazem, porque, suposto lhes tirem com mais suavidade os seus gados que é o que somente se tem arbitrado , contudo não deixam de contribuir com mais vantagens e com mais despesas que os mais vassalos, e este é o ponto a que se deve acudir, pelas razões que referido tenho. Mas, como é grande a necessidade, parece impossível o remédio, o qual se lhe não poderá descobrir sem que também deixe de ser rigoroso, e, se o for, não será a primeira vez que se corta um braço para conservar um corpo.Mas, enquanto se não descobre melhor arbítrio, parecia de razão que, acabada a campanha, se procurassem os cabos das carruagens, dos quais se soubesse quantos bois e bestas se tinham gasto e consumido na campanha, e que logo se lhe pagassem conforme as avaliações que trouxessem das suas terras, para o qual pagamento era bem que houvesse nova contribuição por aqueles vassalos que nem bois nem bestas dão, que, por mais leve que fosse, sempre bastaria para a dita paga; e, assim, ficariam uns e outros vassalos medidos por igual vara e pesados em fiel balança.

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Não é menos digna de ponderação a remessa destas mesmas carruagens e levas, porque um chamado cabo, a quem se entregam, é bem que seja homem de satisfação, e que entregue por certidões autênticas os carros e juntas com que deste modo se lhes evite alguma venda, que poderão fazer, como já têm feito alguns, a quem vi passarem sem castigo. E esta mesma diligência lhe devem fazer nas vedorias, quando os despedirem para as suas terras, dando-lhes certidões dos que levam vivos e dos que morreram e vão pagos, para o que se deve encomendar aos seus ministros procedam com os ditos cabos com todo o rigor, dado que se acham em manifesto engano ou furto, no qual se dará mui facilmente não levando estes certidões das terras onde lhos entregaram, e adonde lhes morreram, assim na ida como na volta.E, pois é tempo de fecharmos o nosso discurso, seja pois com mostrarmos a calamidade presente, para que, movendo a maior compaixão, sejam os lavradores menos perseguidos.A ninguém se ocultaram as grandes perdas que o ano de 1707 tiveram os lavradores, em que houve pessoas que não chegaram a recolher o que semearam, porque houve moio semeado que não deu 40 alqueires recolhido; e esta incrível calamidade sucedeu às mais grossas lavouras do reino. Veja-se agora, com tão grandes perdas, como se haviam de satisfazer as rendas

das terras, como guardar sementes, como pagar sachas, mondas, soldas e comedias dos criados.Entrou o ano presente de 1708, e é tal o horror que tenho de lhe pronunciar os estragos, que na mão me treme a pena quanto em o coração se me aviva a mágoa. Enfim, perderam-se os campos e morreu a maior parte das bestas e gados, uns que matou a fome, outros que afogaram as águas, e prossegue a tormenta, de qualidade que passamos do meado de Maio e as nuvens não cessam de chover, nem os campos de se desalagar, as lavouras por fazer e o pior de tudo é, sobre já ser tarde, que estão incapacíssimos os gados para o trabalho. Veja-se agora se estes vassalos, tão necessários à Coroa e tão notoriamente destruídos, podem dar os seus gados, que, sobre famintos, já não são muitos.Estas só últimas regras bastam para se atender com toda a piedade a tão importante matéria, e este é todo o meu intento, e não o de dar arbítrios, pois, quando muito, não chega o meu rústico engenho mais que a narrar a destruição, porém não a arbitrar-lhe o remédio. Ponham-lhe, pois, os Doutos, e com circunspecção olhem para o que ditou o Amor e propôs a Experiência, para que melhor os julguemos expertos amantes da sua pátria e nosso rei, a quem Deus por felizes anos guarde.

Terras d’Água

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DO TERRAMOT0 DE 23 DE ABRIL DE 1909

Estudo do processo da renovação urbana de Benavente

À RECONSTRUÇÃO DA VILA DE BENAVENTE

Rui VieiraEstudante da Faculdade de ArquitecturaUniversidade do Porto

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O presente trabalho visa o estudo de todo o processo de reabilitação da vila de Benavente destruída pelo terramoto de 23 de abril de 1909. Tentando fazer a reconstituição dos tempos posteriores à catástrofe, avaliando assim as suas implicações no futuro reerguer da vila, procura-se analisar as repercussões urbanas e arquitectónicas determinadas pela destruição decorrente do terramoto na estrutura de Benavente. Organizado em duas partes, na primeira e presente, intitulada Os Tempos da Angústia, faz-se a introdução, numa viagem pelos tempos que se seguiram ao terramoto, contextualizando as bases que sustentaram a reconstrução da vila. Na segunda e última parte, denominada As Angústias do Tempo, cuja publicação está prevista para o próximo número da revista, analisar-se-á então os trabalhos de reedificação de Benavente, averiguando a natureza das intervenções e aquilatando das suas complementaridades e coerências, avaliando ainda a expressividade assumida pelo aglomerado urbano reconstruído. Aproveito a ocasião para agradecer o apoio de todos aqueles que fazem do Museu Municipal de Benavente um organismo vivo na nossa terra, em especial à Dr.ª Sandra Ferreira, pela sua colaboração inexcedível.

Terras d’Água

Ruínas da Igreja MatrizMMB Reg. Nº 1237/88

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Quando, pelas 17 horas do dia 23 de abril de 1909, a terra se viu tomada de bruscos repelões por debaixo dos pés de aterrorizados jornaleiros, nos arredores da ribatejana vila de Benavente, poucos terão tido a presença de espírito suficiente para compreender que mais do que o solo que pisavam e trabalhavam, tinham sido as suas vidas a serem ali verdadeiramente vítimas de um terramoto. A um pavor inicial provocado pela turbulência de um terreno que se rasgava, deixando sair do interior das suas fendas borbotões de água e cheiros nauseabundos, sucederia um outro, talvez ainda maior, o de regressar à vila e não encontrar sãos e salvos os seus entes queridos. Para muitos, seriam estes apenas os primeiros momentos de um calvário que duraria longos anos.

Parte I - Os Tempos da Angústia

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No retorno à vila, aguardava-os a visão angustiante da mais completa destruição. Não se via uma única casa intacta. Paredes inteiras jaziam por terra ou encontravam-se desfragmentadas em mil bocados. As que se conservavam de pé, faziam-no sob constante ameaça de derrocada, sentenciadas por fendas visíveis a cada passo. Muitas casas mantinham os seus telhados, mas um simples sopro parecia capaz de os levantar. Frontarias ausentes expunham os interiores destroçados do casario, enquanto outras exibiam de forma macabra os seus recheios intactos, como se fossem autênticas casas de bonecas. Não havia rua que estivesse desimpedida pois todas elas eram depósitos dos destroços dos prédios que as marginavam. No meio de tamanha destruição, como que querendo simbolizar o estado de profunda ruína a que fora sujeita a vila, erguia-se o arco da capela-mor da igreja matriz, único despojo do imponente templo cujas maciças paredes de 2,50 metros de grossura não haviam resistido à violência da Natureza.

Rua da Misericórdia após o terramoto. Ao fundo, o arco da capela-mor da Igreja MatrizMMB Reg. Nº 1381/88

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O pesadelo que ali se vivera, só os sobreviventes poderiam materializar em palavras: “Tinha acabado de jantar, e, conforme os meus habitos, deitara-me um pouco a ler os jornaes. Pouco depois das cinco horas senti uma violenta sacudidela, tão grande que me pareceu que a minha cama se partira. Vim rolar ao meio do quarto. Levantei-me, de um salto. Em seguida senti outro estremeção mais forte e foi então que tive a noção exacta de que era um abalo de terra. Vejo as paredes fenderem-se de alto a baixo. Os vidros das janellas fazem-se em estilhas. Ouço um ruido enorme, sêcco, profundo, um estrondo subterrâneo que se não descreve. Lanço a mão ao casaco e ao chapéo, de um pulo galgo as escadas e chego á rua. Precisamente n'este momento a minha casa alue como se fôsse feita de cartas de jogar. Na minha frente outras casas se desmoronam. Nuvens colossaes de poeira elevam-se nos ares. Sinto-me asfixiado. Quero fugir e não posso. As pernas recusam-se ao mais leve movimento. Os gritos de toda a vizinhança são aterradores. Não sinto o coração, gela-se-me o sangue nas veias e o cerebro paralysa-se-me. Vejo-me perdido. Mas tudo isto dura um momento. N'um grande esforço sobre mim mesmo, consigo reunir todas as minhas energias, como quem quer salvar-se de uma morte certíssima. E corro á toa por aquellas ruas fóra, cheio de um pavor de que não sei dar nem uma ideia approximada. Estava positivamente doido. Queria prestar auxilios e ainda complicava mais a situação angustiosa dos que estavam perdidos nos escombros. As derrocadas eram constantes. O barulho infernal dos prédios a cahir, os gritos de dôr de uma população inteira, as nuvens de pó e caliça, densíssimas, que escureceram o céo como se fôsse noite, o aspecto desolador da villa toda em ruinas são coisas que nunca mais poderei esquecer. Não, não sei contar nada que se avizinhe da verdade. Nem supponho que haja alguem capaz de o fazer... Em seguida ao terremoto toda a população fugiu para o campo, sem destino. Para que se juntassem grupos de habitantes nos largos e praças da villa, levou tempo. Muitos sobreviventes, como loucos, queriam arrancar a todo o custo, pessoas queridas que lhes tinham ficado sob as ruinas. Mas o desvairamento era enorme e nada podiam fazer. Os lamentos e queixumes dos feridos e os gritos desesperados e lancinantes das pessoas que procuravam o pae, a mãe, um filho ou um irmão, conservo tudo isso na minha memoria e enchem-me o coração de uma angústia profundíssima... Fiquei sem coisa alguma. Tudo me ficou enterrado nos escombros: a mobilia, as roupas, algumas joias e dinheiro. Tudo o que me resta está commigo: Este fato, que visto, e esta única camisa que trago”. (1)

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Terminados os tremores, a população acabaria por se reunir, na sua maioria, na Praça Anselmo Xavier ou Chaveiro, actual Parque 25 de Abril. Algum tempo depois, pouco passava das duas horas da madrugada de 24 de Abril de 1909, um novo e intenso abalo derrubaria parte dos edifícios que tinham ficado fendidos e, daí por diante, todas as casas ficariam definitivamente desertas e todos os sobreviventes passariam a noite ao ar livre. Lençóis, mantas, cobertores, velas de fragata, barrotes, remos, varas de dirigir barcos, tudo serviria para minorar o vento, o frio e a humidade para todos aqueles a quem o terramoto tirara a casa. Pela vila destruída, apenas a luz vermelha dos archotes, empunhados por aqueles que procuravam socorrer os seus conterrâneos ainda soterrados, parecia fazer frente a uma escuridão e a um silêncio espectral. Em breve, chegariam os socorros enviados por Santarém e, a pouco e pouco, tudo se estabeleceria na praça do acampamento, deixando a vila entregue ao abandono.24 de Abril traria à estampa de todos os jornais notícias do terramoto que se fizera sentir de ponta a ponta do país. Inclusive de Espanha e da sua capital chegariam notícias de tremores, mas muitos eram os periódicos que ainda desconheciam o verdadeiro epicentro de toda a catástrofe. As poucas notícias que disso davam conta chegavam por intermédio dos correspondentes de Santarém, informando da chegada àquela cidade de um automóvel com cavalheiros de Benavente, pedindo socorros. A estação telegráfica da vila teria ficado bastante danificada e, consequentemente, as comunicações interrompidas desde o primeiro abalo.

De então em diante, Benavente tornar-se-ia local de peregrinação para milhares de criaturas, umas obrigadas pelo desempenho das suas funções, como el-rei, ministros, delegados do directório do partido republicano, altos membros do clero ou repórteres de vários periódicos, outras imbuídas do desejo e vontade de levar auxílios, e ainda outras levadas somente pela curiosidade e prazer mórbido de ver uma vila completamente arrasada.

Infante D. Afonso visita as ruínas de BenaventeMMB Reg. Nº 1377/88

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Benavente fora, inquestionavelmente, a povoação mais atingida pelo sismo e a sua maior dimensão dera um outro eco à sua ruína, mas terras vizinhas como Samora Correia e Santo Estevão, ou ainda Salvaterra de Magos, haviam sido também violentamente afectadas. Um pouco por todo o Ribatejo seriam igualmente visíveis vestígios de destruição mas a uma escala substancialmente inferior. E era assim involuntariamente e pelo mais amargo dos motivos que, de um momento para o outro, estas tranquilas vilas ribatejanas se viam impelidas para o centro de todas as atenções de um país emocionado e varrido por uma imensa onda de solidariedade. Por todo o lado, multiplicar-se-iam as iniciativas, visando minorar o drama vivido pelos conterrâneos ribatejanos. Subscrições, bandos precatórios, eventos de toda a espécie, uma lista infindável de participações e iniciativas. Câmaras municipais, colectividades, empresas de periódicos, corporações de bombeiros, polícias, associações de diversas classes trabalhadoras, párocos de várias freguesias e as mais variadas instituições, para além da cooperação maciça de particulares, todos se aliariam no propósito de ajudar as povoações destruídas, num auxílio que assumiria as mais variadas formas, desde géneros alimentares a roupas, dinheiro ou mesmo materiais de construção. De governos estrangeiros viriam igualmente apoios, bem como das mais longínquas comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo, desde o Brasil à Índia, que contribuiriam com valores verdadeiramente avultados.

Bando Precatório dos Bombeiros Voluntários de Lisboa

Ilustração Portuguesa Nº 16810 de Maio de 1909

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Mas não era só da iniciativa privada ou do estrangeiro que chegariam as ajudas. As entidades governativas do país também actuariam. Assim, a 24 de Abril, a Câmara de Deputados reuniria, dedicando toda a sessão aos acontecimentos provocados pelo terramoto do dia anterior e aprovando, num raro momento de tréguas entre monárquicos e republicanos, uma proposta de lei apresentada pelo presidente do conselho, que autorizava o governo a dispor de um crédito até 100 contos de réis para acudir às necessidades das regiões afectadas.Nos dias seguintes suceder-se-iam as reuniões nas altas esferas do poder. Conselho de Estado, Conselho de ministros, Câmara de Deputados, Câmara de Pares, todos se debruçariam sobre medidas a tomar para responder às necessidades das populações assoladas. A 25 de Abril, em reunião de Conselho de ministros a que assistiria el-rei D. Manuel II e o governador civil de Santarém, seria deliberado organizar um serviço especial para garantir a alimentação pública e abrigo para os que não tinham casa, procedendo-se imediatamente à construção de barracas provisórias nas vilas mais atingidas. Para tratar dos serviços de reconstrução de novas casas, distribuição de alimentos e outros socorros seria nomeada uma comissão presidida pelo coronel do estado-maior Mattos Cordeiro, com sede em Muge de onde estenderia a sua acção às povoações afectadas pelo terramoto. Para Benavente, Samora Correia, Santo Estevão e Salvaterra de Magos seria enviado um oficial da administração militar que presidiria à distribuição de víveres e outros socorros. Para cada uma dessas localidades seguiriam igualmente forças de infantaria, caçadores e sapadores mineiros.O grande passo estaria no entanto reservado para o dia 27 de Abril, quando el-rei reuniria no Paço das Necessidades algumas das mais ilustres personalidades

do país com o fim de nomear uma comissão que se encarregasse de socorrer as vítimas sobreviventes da catástrofe. Proferindo um discurso onde apelaria à boa vontade de todos para com os irmãos ribatejanos, D. Manuel II alertaria para o quão fundamental era que à assistência oficial se unisse a participação particular como único modo de fazer frente a todas as necessidades. De sua iniciativa seria aberta a Grande Subscrição Nacional para a qual deveriam ser enviados os produtos das variadas colectas que percorriam e percorreriam o país. Para gerir esses fundos seria nomeada uma comissão presidida por sua majestade el-rei denominada, Comissão Nacional de Socorros às Vítimas do Terramoto no Ribatejo. Em nova reunião, a 29 de Abril, a comissão decidiria estender a sua acção, não se limitando a angariar fundos, mas encarregando-se igualmente da sua aplicação. Daqui por diante seria este orgão a centralizar todas as questões relacionadas com socorros às populações afectadas pelo terramoto de 23 de Abril, acumulando donativos e direccionando a sua aplicação. Na região assolada seriam constituídas comissões paroquiais, ficando sob a alçada de comissões concelhias que, por sua vez, responderiam perante a comissão delegada da Comissão Nacional em Santarém. Estabelecida esta hierarquia, as verbas seriam atribuídas pelo orgão central segundo a apreciação de relatórios elaborados pelas comissões paroquiais, mencionando as necessidades locais, e sucessivamente examinados pelas suas superiores hierárquicas. Estas comissões deveriam funcionar como informadoras não só para as indicações do momento, mas também futuramente, na obra de reedificação das povoações e habitações destruídas. Em posterior reunião, a 3 de Maio, os membros da Comissão Nacional de Socorros decidiriam que, por enquanto, se procedesse apenas aos trabalhos de assistência de ocasião, reservando para mais tarde as

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tarefas de reconstrução das vilas destruídas, quando para isso houvesse conhecimento exacto dos danos a reparar e da quantia total subscrita. Assim, enquanto parte do montante angariado era depositada, à ordem, no Montepio Geral, outra parte era empregue, a prazo, em bilhetes de tesouro.A 28 de Abril, uma portaria do ministro das Obras Públicas, Luis Filippe de Castro, publicada no “Diário do Governo” dava conta da constituição de uma outra comissão incumbida de formular regulamentos para construções em terrenos sujeitos a abalos sísmicos. Ficava esta comissão encarregue de estudar os tipos de derrocada nas povoações afectadas para então estabelecer os preceitos necessários para que se procedesse à reconstrução daquilo que estivesse destruído, à consolidação do aproveitável e à regulamentação de futuras construções em zonas sísmicas.Paralelamente a esta, uma outra comissão seria nomeada a 28 de Abril, também em portaria do ministro das Obras Públicas, tendo a seu encargo o estudo científico do sismo de 23 de Abril. Reunindo-se pela primeira e única vez a 6 de Maio, rapidamente a comissão se veria reduzida a dois elementos, quer pela chamada do seu presidente, Wenceslau de Lima, a assumir outra presidência, a do Conselho de ministros, quer pela indisponibilidade demonstrada por outros dois dos seus vogais. Seriam, portanto, Paul Choffat e Alfredo Bensaúde os únicos a levar a bom porto os trabalhos da comissão. O primeiro encarregar-se-ia do estudo do fenómeno nas províncias, enquanto o segundo analisaria o sismo em Lisboa e dedicar-se-ia às observações referentes à hora dos abalos e a outros capítulos especiais. Do trabalho de ambos resultaria um relatório que o ministro do Fomento, em despacho de 3 de Dezembro de 1910, autorizaria que fosse publicado como memória da Comissão do Serviço

Geológico de Portugal, com edições em francês, língua adoptada pela Associação Internacional de Sismologia, e em português. Bastante bem documentado com desenhos, fotografias e cartas, e apesar de todas as suas indefinições e inconcludências, este relatório de Choffat e Bensaude constitui um precioso documento para a concepção do fenómeno sísmico de 23 de Abril de 1909.A constituição destas comissões de estudo era, no fundo, a resposta oficial às preocupações relativas a sismos e ao tipo de construção que lhes seria mais resistente, avivadas de forma tão cruel pelo terramoto de 23 de Abril. Efectivamente, desde 1902 com a erupção na Martinica e, mais proximamente, com os terramotos de 1906, em S. Francisco da Califórnia, e de 1908, em Messina, no sul de Itália, que se vivia em Portugal debaixo do pavor de novos tremores de terra que reeditassem a devastação de 1755. Daí que ao longo desses últimos anos várias tenham sido as sociedades científicas e as associações a organizar conferências, tendo como tema de debate o fenómeno sísmico e os meios de atenuar a destruição sua resultante. O interesse por estas questões tomaria naturalmente expressão ainda maior depois de 23 de Abril, reavivando-se numa série de conferências e reuniões realizadas nos mais variados círculos intelectuais e científicos.O sismo de 23 de Abril viria ainda a revelar-se um marco na história da sismologia em Portugal, desencadeando todo um processo que permitiria um maior apetrechamento das estações sismográficas do país e, com isso, a determinação de parâmetros instrumentais referentes a sismos que afectassem o território nacional. Seria o fim da sismicidade histórica em Portugal para se implantar a era da sismicidade instrumental.

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Era afinal uma época de revoluções. Na sismologia, na governação de um país que, a breve trecho, cairia nas mãos dos republicanos, abandonado por um rei que embarcava em direcção à aliada, mas dessa vez vã, Inglaterra, e, sobretudo, revolução na vida de populações inteiras que se viam órfãs de qualquer espécie de normalidade.Em Benavente, os tempos seguintes à catástrofe revelar-se-iam particularmente difíceis. A política, no entanto, faria questão de demonstrar que nunca nada é tão mau que não se possa piorar ou, pelo menos, prolongar. Mas fora seguramente com a melhor das intenções que, pouquíssimos dias depois do terramoto, a 27 de Abril, em sessão extraordinária da Câmara de Benavente, se criaria a Comissão Municipal de Socorros por proposta do subdelegado de saúde dr. Tiago Moreira Salles. Realizada pelas duas horas da tarde, no pátio da propriedade do dr. Francisco Sousa Dias, ao Chaveiro, numa sessão assistida pelos quarenta maiores contribuintes e pelas pessoas mais gradas da terra, ficariam então definidas as atribuições da comissão, encarregando-se esta da defesa dos interesses de Benavente e da aplicação dos donativos. A sua actuação manter-se-ia contudo ensombrada por uma outra comissão, formada por intermédio do governador civil de Santarém, Joaquim Luiz Martins, e subsidiária da Comissão Nacional de Socorros às Vítimas do Terramoto no Ribatejo, reclamando, por conseguinte, estatuto de oficial. Dificilmente o governador civil desconheceria a existência da comissão municipal, primeiramente formada, pois esta prontamente lhe oficiara a sua constituição, mas nada disso impediria que a ignorasse e continuasse a ignorar nas visitas que posteriormente faria a Benavente, nunca dando mostras de pretender harmonizar as duas comissões, nem tão-pouco de tentar congregá-las numa só.

Ruínas da Vila de BenaventeRua da AmoreiraMMB Reg. Nº 1557/88

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Por detrás de tamanha intransigência estariam porventura moventes de vincado cariz político, a que não seriam alheias as preferências partidárias dos diferentes membros das duas comissões. Não seria eventualmente do agrado do governador civil, ou até mesmo de alguém seu superior, que se verificasse tamanho equilíbrio de forças monárquicas e republicanas entre os elementos que compunham a comissão municipal, situação afinal natural numa terra onde os seus líderes eram declaradamente contra o regime instituído. A tal ordem de coisas contrapunha o governador com a sua comissão onde era notória a maioria de monárquicos, sete, contra apenas dois republicanos, numa demonstração inequívoca de como é vã a desgraça alheia perante os virtuosismos da política. Estavam assim abertas as portas da discórdia que empurrariam as duas comissões locais para um diálogo surdo de muito poucos proveitosos frutos.Mas não se ficariam por aqui as diatribes envolvendo o governador civil. Os meses seguintes seriam marcados por uma guerra de palavras, muitas vezes caracterizada por uma aspereza de linguagem a roçar a calúnia e o insulto, entre a mesma autoridade e notáveis de Benavente, tendo como pano de fundo as páginas de vários jornais. As mais variadas questões separariam autoridades locais e governador, e sobre este penderia sempre o ónus da nomeação de Sabino José da Costa como administrador do concelho, exonerando das suas funções o anterior administrador, poucos dias após o terramoto. Com um desempenho extremamente polémico, que incluiria inclusive desvios dos donativos delegados à comissão oficial de socorros, da qual era presidente, o novo administrador do concelho acabaria por ser deposto, no final do ano de 1909, por quem orgulhosamente o nomeara e, nos tempos seguintes, dele não mais se saberia na terra que o considerara o maior terramoto que por ali passara.

Ruínas da vila de BenaventeMMB Reg. Nº 1233/88

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O verdadeiro abalo, no entanto, acontecera alguns meses antes e as sequelas por ele deixadas seriam bem mais dolorosas e difíceis de sarar. Ironicamente, o terramoto de 23 de Abril, sendo benevolente ao poupar a vida de muita gente que à hora da ocorrência trabalhava ainda no campo, assumira feições de profunda crueldade na selecção que fizera das suas principais vítimas. Numa população onde, segundo os censos de 1900, se contavam 3551 almas, registar-se-iam trinta vítimas mortais, vinte e sete no momento da catástrofe e três decorrentes de ferimentos graves, a grande maioria das quais crianças que à fatídica hora brincavam nas ruas de Benavente. Ao fundo do cemitério todos seriam enterrados, enquanto defronte dos seus portões, na Praça Anselmo Xavier, a vida decorreria em moldes de profunda bizarria.À escassez inicial de víveres, provocada pela falta do pão que os fornos destruídos não podiam cozer e a que apenas os géneros retirados por comerciantes dos seus estabelecimentos em ruínas pareciam fazer frente, sucederia uma certa abundância e até excesso. As remessas caridosamente enviadas de várias procedências, quer de pão quer de outros géneros alimentares, rapidamente supririam as necessidades da população pelo que, chegados a princípios de Maio, não havia quem na vila passasse fome. A verdadeira carência daquela gente passava então a ser exclusivamente a falta de abrigos que os ajudassem a suportar melhor as inclemências do tempo. Desde a noite da catástrofe que a grande maioria da população

se abrigava ainda em barracas de lençóis e varas e as poucas barracas de campanha erguidas no meio da praça destinavam-se aos médicos e enfermeiros e às comissões encarregues da distribuição de socorros. Alguns poucos barracões de madeira começavam a ser construídos por iniciativa de particulares mais abastados, mas o povo penava e ainda penaria por longo tempo sem um abrigo mais condigno. Seria por isso natural que se começasse a apelar à substituição, nos donativos, de víveres por dinheiro ou materiais de construção. A preocupação daquela população centrava-se então na construção de barracas de madeira provisórias onde se pudessem abrigar mais comodamente enquanto se não reconstruía a vila. Mas este processo revelar-se-ia contudo de bem mais complicada resolução do que o problema alimentar. Inúmeras seriam as vezes que vozes se levantariam para protestar contra a actuação do governo, das instâncias militares, do administrador do concelho, das comissões de socorros, por não liberarem material que permitisse àqueles de menores posses a construção, por si, de um abrigo mais digno. Mas parecia que apenas as forças da Natureza eram capazes de demover as autoridades das suas recusas e só após novos abalos ou chuvadas violentas se verificava uma maior concessão e a liberalização de madeiras e chapas de zinco. Mas talvez tudo se tratasse simplesmente de uma questão de tempo, o tempo que era pouco para construir tantas barracas e o tempo que era muito para esperar por melhores abrigos.

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Nos princípios do mês de Agosto, achavam-se já construídas em Benavente cerca de seiscentas barracas, das quais 364 mandadas levantar pelo governo, 40 pela Cruz Vermelha e as restantes por particulares. Dividiam-se por dois grandes núcleos, um que se mantinha na Praça Anselmo Xavier e o outro construído nos cerrados, em terreno de arrabaldes, onde futuramente se ergueria o Bairro Novo. Neste último aglomerado concentrava-se a maior parte das barracas feitas por iniciativa governamental, construções de madeira com uma só divisão de vinte palmos quadrados, ganhando na voz pitoresca do povo o nome de “bairro do pau” ou “vila do pau”. Na praça, por seu lado, ficava uma outra vila de madeira. Composta essencialmente de construções particulares, feitas por isso com um outro cuidado, estruturava-se numa rua central onde o comércio se concentrava, como uma larga avenida transformada em bazar, e em ruas transversais mais ou menos alinhadas. No topo da via principal surgia a capela de madeira oferecida pela duquesa de Palmela, onde fora colocada a imagem de Nossa Senhora da Paz resgatada do templo destruído junto ao cemitério e desde o primeiro momento alvo das preces da população.

“Bairro do Pau” ou “Vila do Pau”Abarracamentos do Governo nos cerradosMMB Reg. Nº 1562/88

Praça Anselmo XavierRua central onde se concentrava o comércio da vilaMMB Reg. Nº 1562/88

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Havendo mais de 800 fogos na vila, o déficit do número de barracas até então construídas era em parte compensado pelas propriedades rústicas, onde desde o começo de toda a catástrofe se tinham ido estabelecer os seus donos, pelo abandono da vila por parte de muitas famílias, recolhendo a casas próprias ou de familiares em vários pontos do país, pelas pequenas casas térreas que orlavam a Praça Anselmo Xavier e ainda por outras disseminadas pela vila, as quais embora arruinadas ainda se prestavam à ocupação. A réplica de 2 de Agosto viria, no entanto, desestabilizar todo este, já de si precário, equilíbrio. Apesar de não se registarem desastres humanos, tudo parecia ter regressado ao ponto de partida. Os prédios que se encontravam em reconstrução abriram-se novamente, os outros arruinaram-se ainda mais e todas as famílias que já tinham regressado à vila voltariam a fugir para os acampamentos de madeira. Tendo visto novamente as suas vidas em risco, todos se convenceriam que era ainda demasiado cedo para regressarem aos seus antigos lares e nem posteriores períodos de tréguas sísmicas dissuadiriam tal convicção. Dali em diante era pois necessário voltar a alojar todas aquelas famílias, tornando ainda mais imperiosa a construção de novos abrigos. O administrador do concelho ver-se-ia obrigado a dividir em duas muitas das barracas já habitadas, o que não passaria sem levantar forte celeuma. O processo de realojamento arrastar-se-ia de tal modo que de Outubro de 1909 chegariam ainda notícias da construção de barracas de madeira para habitação provisória do povo desalojado.

Capela de madeira.Oferecida pela Duquesa de PalmelaMMB Reg. Nº 1560/88

Imagem de Nossa Senhora da Paz,em adoração no acampamentoMMB Reg. Nº 1376/88

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À mesma data, já se sabia que em Salvaterra de Magos, Samora Correia e demais povoações atingidas pelo terramoto se trabalhava afincadamente na reconstrução do casario arruinado, encontrando-se muita gente já alojada nas suas antigas habitações. Estariam então grandes planos na forja para o reerguer de Benavente ou estaria esta simplesmente a pagar pelas suas assumidas cores políticas? Num país que vivia num caldeirão em lume já muito pouco brando qualquer uma das hipóteses ou até as duas em simultâneo eram perfeitamente válidas. Mas independentemente das causas de tamanha demora, é absolutamente reconhecível que Benavente foi sobretudo vítima dos constantes desentendimentos entre aqueles que deveriam ter como missão o confluir de esforços para o mais rápido restabelecimento da normalidade na vila. Autoridades locais e distritais hostis, comissões de socorros paralelas e inconciliáveis, todos em permanente estado de guerrilha sob o beneplácito de governos que, à semelhança das regiões ribatejanas, encontravam-se também eles sob a acção de sucessivos terramotos. Era uma situação de profunda instabilidade sustentada por divergências políticas e questões pessoais que pareciam deixar Benavente e os seus habitantes entregues à sua própria sorte.

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Ruínas da vila de BenaventeMMB Reg. Nº 1236/88

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Notas:

(1) Mala da Europa, número 690, de 2 de maio de 1909.

(2) Portaria do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria de 27 de abril de 1909, publicada em Diário de Governo, número 92, de 28 de abril de 1909:«Sua magestade el-rei, tendo em vista que dos desastrosos effeitos causados em algumas localidades pelos abalos de terra do dia 23 do corrente se tire todo o possivel ensinamento quanto aos typos, materiaes e processos de construcção mais apropriados para as regiões sujeitas a movimentos sismicos: ha por bem ordenar que uma commissão constituida pela forma abaixo designada, visitando as localidades mais flagelladas, e estudando as differentes formas de derrocada, formule os alvitres e preceitos que a sua competencia e a lição dos factos lhe suggerir, não só para a reconstrucção das povoações arrasadas e consolidação do que ainda seja aproveitavel, como tambem, em geral, para as construcções que em outros pontos do país hajam de levantar-se. A commissão que será presidida pelo engenheiro inspector de edificios publicos terá por vogaes:Os engenheiros directores das obras publicas dos districtos de Lisboa e Santarem;Os chefes das secções de edificios publicos das mesmas direcções;O engenheiro chefe da circunscripção mineira do sul;Os lentes das cadeiras de architectura e construcções civis da Escola do Exercito, da Academia Real das Bellas Artes e do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa;Um delegado designado por cada uma das seguintes associações:Associação dos Engenheiros Civis Portugueses;Real Associação dos Architectos e Archeologos Portugueses;Associação dos Conductores das Obras Publicas;Sociedade dos Architectos Portuguezes;O engenheiro subalterno de 1ª classe, chefe de secção na Direcção das Obras Publicas de Santarem, Diocleciano Alberto Feio de Carvalho;O architecto Arnaldo Redondo Adães Bermudes, que servirá de secretario.Paço, em 27 de abril de 1909. D. Luis Filippe de Castro.»

(3) Portaria do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria de 27 de abril de 1909, publicada em Diário de Governo, número 92, de 28 de abril de 1909:«Considerando quanto é urgente, tanto pelo lado scientifico como humanitario, proceder desde já a um minucioso estudo do phenomeno sismico que ultimamente assoberbou o país e nomeadamente a região do Ribatejo: Ha Sua Majestade El-Rei por determinar que uma commissão composta do presidente da commissão do serviço geologico, Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima, que servirá de presidente; do professor geologo Paulo Choffat, do lente de geologia e mineralogia do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa, Alfredo Bensaude, do lente da 4ª cadeira do Instituto de Agronomia e Veterinaria, Filipe Eduardo de Almeida Figueiredo, e do director dos serviços agrologicos do reino, Ramiro Larcher Marçal, proceda no mais curto prazo ás convenientes investigações acêrca do phenomeno acima mencionado, elaborando o respectivo relatorio, que será presente a esta Secretaria de Estado.Paço, em 27 de abril de 1909. D. Luis Filippe de Castro.» (4) Estudos sobre o sismo do Ribatejo de 23 de abril de 1909; Paul Choffat e Alfredo Bensaude, vogais da comissão nomeada por portaria do Ministério das Obras Públicas, de 27 de abril de 1909; Commissão do Serviço Geologico de Portugal; Imprensa Nacional; Lisboa; 1912.

(5) Extraído da acta da sessão extraordinária do dia 27 de abril de 1909 da Câmara Municipal de Benavente:«O senhor Doutor Thiago Cesar Moreira Salles, propoz que se nomea-se uma Commissão que fosse eleita n'esta sessão e que tivesse a seu cargo a recepção e distribuição de donativos e tudo mais que fosse conducente para melhorar a situação do concelho. Esta proposta foi approvada por aclamação e foram eleitos para a referida comissão os seguintes senhores: Presidente e vereadores da Camara Municipal, Presidente das juntas de parochias, Administrador do concelho, Presidentes das associações e centros, João Vicente d'Almeida, Antonio Pereira Palha e Luiz Carlos Pinto d'Azevedo. O mesmo senhor propoz mais que se dessem a esta commissão os necessarios poderes para aggregar a si qualquer pessoa que achar indispensavel.»

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Movimento Associativo

Sandra FerreiraTécnica Superior de HistóriaArquivo Histórico Municipal de Benavente

Casa do Povo de Benavente

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As Casas do Povo, organismos providos de personalidade jurídica e com atribuições de carácter social, são criadas pelo DL 23:051 de 23 de Setembro de 1933 e consideradas organismos corporativos primários. É o elemento mais original da organização corporativa associativa, adaptada à indiferenciação profissional que se verificava nos meios rurais. Tratava-se de uma organização de cooperação social de que faziam parte como sócios protectores: os proprietários rurais; como sócios efectivos: os chefes de família, indivíduos do sexo masculino com 18 anos desde que na situação de trabalhadores rurais.

Alvará de Constituição da Casa do Povo de BenaventeCPB/A.4. 15 de Agosto de 1935

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O Estado Novo não foi produto de uma só classe nem persistiu apoiado numa só classe, pelo menos até à década de sessenta. Se é verdade que teve consigo até ao fim, a totalidade ou quase totalidade da alta burguesia e nela recrutou os seus principais suportes, não é menos verdade que consigo teve igualmente, durante várias décadas, vastas fracções da média burguesia, da pequena burguesia, do campesinato e até do operariado.A alta burguesia foi, indubitavelmente, protegida e acarinhada pelos regimes salazarista e caetanista até ao fim. Os latifundiários viram a confirmação e o robustecimento dos seus privilégios, mediante toda uma série de medidas que caracterizaram a política rural e económica do Estado Novo: fixação artificial do preço do trigo e dos outros cereais, permitindo e tornando rendoso o seu cultivo em larga escala; contenção firme de reivindicações campesinas, temperada por paliativos, mais ou menos artificiosos, como as Casas do Povo e o alargamento da assistência social aos rurais; política de jornas baixas, de lenta modificação; recusa a quaisquer modos de reforma agrária mas, em contrapartida, política de reconversão dos baldios e de colonização interna; impostos pouco elevados e de carácter proporcional; e até apoio moral à agricultura e à feição paternalista e patriarcal do grande

Abreviaturas

CP - Casas do PovoFNAT - Federação Nacional para Alegria no TrabalhoINTP - Instituto Nacional do Trabalho e Previdência

proprietário, dentro do quadro, tantas vezes pintado, de um Portugal «essencialmente agrícola» Neste sentido e integradas no movimento associativo gerado pelo Estado Novo, as Casas do Povo, instituição do estado Corporativo trouxeram ao trabalhador do nosso país várias modalidades de protecção e amparo, de maneira a suavizar-lhe os meios de existência e, o que é muito importante, a velar-lhe pela saúde e dos seus. Uma dessas modalidades foi, incontestavelmente, a criação destes organismos em que, especialmente, os que se entregam ao rude trabalho da lavoura, aqui encontram protecção e amparo e em cujo número segundo a apreciação superior se dá destaque á acção desenvolvida pela Casa do Povo de Benavente.Com efeito, a Casa do Povo de Benavente, prestou apreciáveis serviços aos que trabalhavam nos campos e às suas famílias. É o seu amparo na doença e na dor, na velhice e no desemprego, á parte outros benefícios.

Desta maneira, no trabalho que se segue pretende-se destacar a acção desenvolvida pela Casa do Povo de Benavente tendo como pilares a documentação pertencente ao Arquivo Histórico da própria instituição, assim como na legislação recolhida no processo de tratamento da referida documentação.

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1. Enquadramento geo-humano

A Criação das CP, organismos primários da organização corporativa, inscreveu-se no conjunto de medidas legislativas, datadas de Setembro de 1933, destinadas a implementar os alicerces da organização corporativa em Portugal.Tinham como finalidade o enquadramento institucional das zonas rurais e estariam, especialmente, adaptadas aos modos de ser e estar das gentes do campo. Por um lado, o povo rural era aquele que melhor tinha preservado as qualidades do modo de ser nacional; por outro, as circunstâncias precárias da vida rural aproximavam, irremediavelmente, proprietários, assalariados, e outros que detinham formas intermédias de propriedade. Por esta ordem, as CP reuniam, indistintamente, proprietários e não proprietários, numa suposta comunidade de interesses e solidariedades que seriam o exemplo mais perfeito da implementação dos princípios subjacentes à doutrina social da igreja e à ética corporativista. Salazar parece ter nutrido um especial carinho por estes organismos tendo sido um dos mais entusiastas na sua materialização. Agradara-lhe, desde o primeiro momento, o esquema de acção tão simples que se lhes oferecia. Salazar terá feito questão de estar presente no acto da primeira inauguração de uma CP , dada a importância que atribuía a tais organismos. Foram, entretanto, consideradas a criação mais original do corporativismo nacional.Cid Proença, apreciando o contexto em que esta instituição tem a sua génese, afirma: "(...) as Casas do Povo seriam, por força das características peculiares do meio em

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que se implantam, como que o resíduo de um ambiente social dinamicamente ultrapassado mas ainda estaticamente resistente"

Posteriormente, as CP estenderam-se a todo o país, mas na forma mitigada de organismos de previdência, mantendo activa a doutrina que as consagrava como organismos de representação e centros de cooperação social.

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Trabalho no Campo, debulha do Trigos/dataMMB Reg.. Nº 309/88

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2. Enquadramento normativo

2.1. Constituição e fins das Casas do Povo

Documento de maior importância é o DL n. 23.051 de 23 de Setembro de 1933 uma vez que, é o texto legislativo que dá vida às CP e que vigora até 1969, altura em que surge a Lei n.º 2.144 de 29 de Maio de 1969 que procede à sua reorganização. Outros textos normativos foram acompanhando a vida destas instituições e a eles faremos referência.

Na análise do DL n.º 23.051 podemos constatar que os primeiros artigos definem a quem cabia a iniciativa da criação destas instituições. Assim, a iniciativa de criação de uma CP podia partir de particulares interessados e de reconhecida idoneidade, das Juntas de Freguesia ou de qualquer autoridade administrativa e cuja jurisdição estivesse submetida a freguesia rural onde se pretende a criação da CP. Mas, também ao Estado, pela mão do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, poderia caber a constituição de uma CP desde que tal se mostrasse necessário. Este procedia à aprovação dos Estatutos, primeiro aspecto onde era visível a mão controladora do Estado; o âmbito geográfico de influência de uma Casa do Povo, definido neste decreto, era a freguesia .Dentro de uma freguesia rural não podia existir mais

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do que uma CP, nem era pe r mi t ida a criação/constituição de qualquer outra organização da mesma índole e com fins idênticos. Posteriormente, dentro deste âmbito, serão introduzidas modificações: o artigo n.º 1 do DL n.º 23.618 de 1 de Março de 1934 veio autorizar a criação de CP em localidades que, não sendo freguesias rurais, reunissem as condições que tornassem recomendável a existência de uma; o artigo 2º do DL n.º28.859 de 18 de Julho de 1938 acrescentou, excepcionalmente, poder ao Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social que poderia aprovar a criação de CP abrangendo freguesias l imítrofes que isoladamente, não reunissem condições suficientes à existência daquelas instituições.

No que respeita aos fins, no momento da sua criação, estes consideravam a previdência e assistência, a instrução e os progressos locais. Cinco anos mais tarde, o anteriormente referido, DL n.º 28.859 de 18 de Julho de 1938 introduziu, no que respeita aos fins das CP, a representação profissional de todos os trabalhadores nelas inscritos ou em condições de em tal categoria se inscreverem, alargando assim o âmbito de intervenção destes organismos.

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Previdência e assistência Obras tendentes a assegurar aos sócios protecção e auxílios nos casos de doença, desemprego, inhabilidade e velhice.Para a realização dos seus fins de assistência entrava na esfera de acção das CP a criação de dispensários, lactários-creches e asilos para crianças e velhos, proporcionados de acordo com as possibilidades locais.Às CP cabia também a defesa das condições de sanidade local, em especial contra a tuberculose, servindo-se para isso de todos os recursos de propaganda ao seu alcance e devendo submeter-se às normas ditadas pelo organismos superiores competentes. Para garantir a concretização destes objectivos, previa-se a criação de uma mutualidade entre sócios efectivos de cada casa. No entanto o alcance detas medida foi de tal modo reduzido que o DL n.º 30.710 de 29 de Agosto de 1940, viria a alterar esta situação, passando a existir um Fundo de Previdência obrigatório em cada CP.

Instrução Compreende o ensino aos adultos e às crianças , desportos, diversões e cinema educativo , visando a preparação de uma profissão, sem que houvesse qualquer preocupação de distinção entre a formação básica que devia caber ás escolas primárias e a que estes organismos podiam ministrar; preconizava ainda a formação a nível de "preceitos educativos" que permitissem atingir nível social mais elevado (art.º 8º).Competia também às CP a criação de pequenas bibliotecas e de escolas ou postos de ensino destinados a ministrar instrução aos sócios e aos seus filhos.Procuravam desenvolver a cultura física dos seus associados pela utilização racional dos desportos, ficando esta prática sujeita à fiscalização do médico do respectivo partido. Para este efeito as CP, logo que estivessem devidamente instaladas, deveriam adquirir ou alugar terrenos destinados à instalação de campos de jogos.

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As CP deviam também utilizar o cinema como instrumento de cultura e de educação popular, promovendo a exibição de fitas adequadas a estes fins e excluindo todas aquelas que pudessem constituir elemento de perversão dos bons costumes. As entradas para estes espectáculos eram, em regra, pagas a preços reduzidos, contudo estes poderiam ser fixados de modo a obter-se receita para o cofre da associação. Estes espectáculos não deviam ser fonte de perturbação da economia doméstica dos associados nem deviam prejudicar os dias normais de trabalho.Tanto a instrução como a educação moral, intelectual ou física, a ministrar aos sócios das CP deviam ter por objectivo a formação de caracteres fortes, de trabalhadores activos e de cidadãos inteiramente votados ao serviço da Pátria.

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Progressos locais Cooperação nas obras de utilidade comum, comunicações, serviço de águas, higiene pública.

Tendo em vista o progresso material da freguesia, as CP poderiam acordar, entre os seus associados, com os proprietários locais ou com o Estado, a realização de obras de interesse comum, especialmente abertura e conservação de caminhos e outras vias de comunicação, águas, esgotos, melhoramentos locais; deveriam estes empreendimentos ser feitos especialmente em épocas de desemprego para, desse modo, garantir o direito ao trabalho (art.º 13º). O DL n.º 30.710, já referido, alterou, pelo artigo 21º, esta disposição ao impor que a comparticipação nos custos das obras carecesse de autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

A cooperação das CP nestes trabalhos era feita mediante atribuição de verbas dos seu fundos e a prestação de trabalho dos sócios efectivos, de acordo com os costumes locais, ou através de deliberação dos interessados.A atribuição de verbas do cofre das CP para pagamento de salários aos sócios efectivos em obras de interesse comum realizava-se especialmente em épocas de falta de trabalho e constituia um processo de combate ao desemprego.

Dos sócios, da assembleia e da direcçãoHavia dois tipos de sócios: efectivos e protectores

Podiam ser sócios efectivos das CP:a) os chefes de família;b) quaisquer outros indivíduos do sexo masculino com mais de 18 anos.

Não podiam ser sócios efectivos os indivíduos de nacionalidade estrangeira nem aqueles que, sendo de nacionalidade portuguesa, residam fora do termo da freguesia.Os sócios efectivos pagariam a cota mensal de 1$, ficando as cotas dos sócios protectores ao arbítrio individual dos interessados, sujeitas porém ao mínimo mensal de 5$.

São sócios protectores natos todos os proprietários rurais da freguesia respectiva. Os indivíduos nestas condições, cujos bens não fossem suficientes para lhes assegurar situação diversa da situação corrente dos trabalhadores rurais, podem deixar de pertencer a esta categoria, mas são obrigados a fazer parte das CP como sócios efectivos.As CP podiam promover entre os seus sócios a organização de sociedades cooperativas de produção e consumo.

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A Assembleia Geral

A Assembleia Geral era constituída exclusivamente pelos sócios efectivos chefes de família, desde que se encontrassem em pleno gozo dos seus direitos de associados.A Assembleia reunia ordinariamente uma vez em cada ano, a fim de eleger a sua mesa e a nova Direcção, ou confirmar as que se encontrassem em exercício.

Mesa da Assembleia Geral

A Mesa da Assembleia Geral era composta por um presidente e dois vogais, um dos quais seria designado para substituir aquele nas suas faltas ou impedimentos.O presidente e o vogal que deva substitui-lo serão eleitos de entre os sócios protectores e o outro vogal de entre os efectivos.

Ao Presidente da Assembleia Geral competia (além das atribuições indicadas no DL N.º 23:051):a) Tomar parte nas deliberações da Direcção, com voto consultivo, sempre que julgasse conveniente a sua presença, e cooperar com aquela na realização dos diversos fins da CP;b) Outorgar, com a Direcção, em todos os actos que interesassem à CP ou à respectiva Caixa de Previdência e que deviam constar de documento autêntico;c) Defender os interesses da CP no Grémio da Lavoura de que fizer parte e promover pelos meios ao seu alcance a íntima colaboração entre os dois organismos;d) Exercer a representação da CP no Concelho Municipal.

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Os fundos

No acto de criação de um novo organismo o Estado dotava-o com uma verba de 5000$ da qual apenas 20% podia ser gasta na instalação. A restante constituía fundo a que, para além das quotas dos sócios, se podiam juntar donativos de particulares, do Estado ou de outras entidade públicas.

Assim, os fundos das CP são constituídos por:a) quotas dos sócios efectivos;b) quotas dos sócios protectores;c) proventos resultantes de qualquer forma de actividade das CP;d) donativos;e) auxílios do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas.

Em caso de dissolução, os bens da CP passaria para o Estado até à concorrência da cota entregue por este e o restante será destinado ao cofre da Junta de Freguesia.Copmpetia ao Administrador do Concelho acompanhar a actividade social das CP, informando regularmente o Sub-Secretariado das Corporações e Previdência Social da forma como eram respeitados os Estatutos e propondo tudo quanto era julgado conveniente para melhorar as condições de vida das referidas instituições.

As CP estão sujeitas, quanto à sua actividade económica e social e à administração dos seus fundos, à fiscalização regular do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

O DL 28:859 de 18 de Julho de 1938 aumenta a representação dos trabalhadores, passando a ser possível a celebração convenções colectivas de trabalho com os produtores agrícolas.Em 18 de Junho de 1962, a lei n.º 2.115, classificava as CP como instituições de previdência de inscrição obrigatória, devendo incluir a acção médica, social, assistência materna-infantil e protecção à invalidez.

O presidente era eleito entre os vogais da Assembleia Geral e estes eleitos entre os sócios contribuintes.Pelo DL 40:199, de 23 de Junho de 1955, os sócios efectivos passariam a ser elegíveis.

A 23 de Setembro de 1957, com o DL 41:286, as CP podem agrupar-se em federações coordenadas pela Junta Central Casas do Povo a quem cabia propor a aplicação das verbas do Fundo Comum.

Em 31 de Dezembro de 1965, existiam 648 Casas do Povo.

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Junta Central das Casas do Povo

Quem superintendia a todas as CP do país era a Junta Central das Casas do Povo. Esta Junta é criada pelo DL n.º 34:373, junto do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social e exercendo a sua actividade em estreito contacto com os serviços do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.A esta Junta, que já se encontra extinta, competia: orientar e coordenar a acção das CP ; propor a aplicação das verbas do respectivo Fundo Comum ; apresentar anualmente à aprovação do Subsecretário de Estado o orçamento das despesas de administração e, bem assim, o relatório da actividade desenvolvida e as contas do exercício, devidamente documentadas.No domínio da assistência sanitária, caberá á Junta procurar o entendimento com as Câmaras Municipais, as Misericórdia e outras entidades públicas ou particulares, por forma a evitar a dispersão e a duplicação de esforços. Constituia ainda competência da Junta promover e estimular a cooperação das CP e dos Grémios da Lavoura, no interesse da melhoria da condição de vida dos trabalhadores.A Junta Central das CP era presidida pelo Subsecretário de Estado das Corporações, que designava um vice-presidente para dirigir os trabalhos, em seu nome.O exercício normal das funções da Junta é assegurado pelo vice-presidente e por três vogais, sendo: um representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas; um representante da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho; o da 1ª Repartição do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

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Os assuntos de especial importância poderão ser submetidos pela previdência da Junta ao exame de uma Comissão Consultiva . É gratuito o exercício dos cargos da Junta e da Comissão Consultiva, tendo os seus membros unicamente direito a ser indemnizados das despesas de deslocação que efectuarem por motivo do seu funcionamento. As despesas resultantes do funcionamento da Junta Central são suportadas pelo Fundo Comum das CP.A Junta pode corresponder-se directamente com todas as autoridades e entidades oficiais.Em 1974 a Junta Central das CP fornece uma Lista das Casas do Povo onde podemos verificar a distribuição geográfica da instituição. Esta listagem dá-nos parte da sua reduzida implantação até época tardia e revela as prioridades a que foi obedecendo a extensão da cobertura á população através das mesmas (anexo III); podemos destacar, como períodos de algum dinamismo, os anos 30, com a implantação de cerca de 290 CP e a primeira metade da década de 40 que assistiu à implantação de cerca de 227 destes organismos. De 1933 a 1940 os distritos de Beja, com 40 CP, Portalegre com 25, Vila Real com 24, Bragança, Castelo Branco, Santarém e Viseu com 21, Évora com 20 e Coimbra com 17, foram os que apresentaram, neste período, maior número de fundações. É de salientar que a Casa do Povo de Benavente, alvo deste estudo, encontra a sua criação dentro deste período (15-08-1935).

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Na década de 40 apenas apareceram novas instituições até 1945. Braga assistiu, neste período, ao aparecimento de 83 instituições, apenas se lhe aproximando, com larga distância, Portalegre com 23, Beja com 18 e Évora com 17. Na década seguinte apenas foi fundada 1 CP, esta em Évora, em 1950. A partir de 1955 e durante toda a década de 60 o número de novas CP é bastante pequeno (surgem cerca de 155 CP para um período de 15 anos). O início dos anos 70 e particularmente o ano de 1973 marcaram o aparecimento de um número bastante grande de novas instituições cujo significado nos parece a tentativa do alargamento da cobertura dos serviços de assistência e previdência prestados no âmbito das funções do organismo. Os distritos onde, até esta fase, se tinham instalado muito poucas CP são agora o palco da sua aparição. Entre estes distritos podemos salientar Aveiro, Angra do Heroísmo, Faro, Funchal, Guarda, Horta, Leiria, Lisboa e Porto.

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Sala de reuniões da Casa do Povo de BenaventeAntiga Casa do Povo situada na Praça do Município

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Casa do Povo de Benavente

A Casa do Povo de Benavente, foi fundada por Alvará de 15 de Agosto de 1935(11).Tem sede própria, pelo facto de ter sido extinta a Associação de Trabalhadores Rurais de Benavente, em 4 de Junho de 1934. Na sede desta Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais, com a autorização do Governador Civil de Santarém, reuniu a Assembleia Geral da antiga Associação para resolver sobre a transformação desta em CP, revertendo para a mesma todos os bens da Associação.O Presidente Sócio da Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais nesta reunião relatou todos os trabalhos realizados para se conseguir a pretendida transformação, agradecendo ao Doutor Carlos Fagulha, Delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência deste distrito, a sua presença nesta Assembleia. Contou também, esta Assembleia, com a presença do Doutor Amaral Pyrrait, Assistente do mesmo Instituto, e com o Doutor Álvaro Betamio d'Almeida.O Doutor Carlos Fagulha explicou qual a constituição e fins da CP. O Doutor Amaral Pyrrait explicou como as Cp se integravam na organização corporativa da Nação e no Estado Novo e os benefícios que trazem às classes trabalhadoras.A transformação da Associação em CP, revertendo

N.º de Sócios Efectivos

0

200400

600800

1000

12001400

1600

19

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19

38

19

40

19

42

19

44

19

46

19

48

19

50

19

52

Anos

N.º

de

cio

s

Doc.1

Evolução do nº de sócios entre1936-1952

Notas Históricas

para esta todos os bens da Associação, por grande maioria, tendo obtido apenas quatro votos desfavoráveis . Apenas quatro sócios votaram contra esta mudança.Assistiu à assembleia o Administrador deste Concelho, o senhor Lúcio Rodrigues Neto.

Segundo a estrutura em que se assenta a organização corporativa, a CP de Benavente exercia funções de representação de todos os trabalhadores nela inscritos como sócios efectivos (Doc.1), competindo-lhe também o estudo e a defesa dos respectivos interesses nos seus aspectos moral, económico e social.

foi aprovada

Casa do Povo Benavente Relatório e Contas da Gerência

1936-1953

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No campo da previdência e da assistência tem ela uma maior actividade a desenvolver no sentido da progressiva extensão de benefícios que é chamada a dispensar.

A CP era entendida como o organismo no qual o povo encontra o abrigo necessário nas suas mais prementes necessidades inevitáveis.

Mas não será só nesse capitulo que a acção da Casa do Povo poderá circunscrever-se, por quanto, inteiramente devota ao serviço do povo, serve, ainda, os interesses locais e patrocina iniciativas que tenham, por objectivo, dar resolução a problemas que se relacionem com o bem da terra, difundindo a cultura popular pela criação e organização do que constitua elementos de bons costumes e ordem social, como era o caso do Rancho Folclórico da Casa do Povo de Benavente , da Sala de leitura e das sessões cinematográficas.Esta CP, publica os seus estatutos em 1935. De acordo

com os termos do artigo 44.º dos referidos estatutos, organizou uma sala de leitura para os seus associados. Não existindo Biblioteca publica na vila, todos os sócios, nas suas horas livres, podem aproveitar essa distracção, agradável e educativa. Neste sentido recebia qualquer tipo de livro, mesmo usados.

Em Maio de 1975 a CP de Benavente transfere a sua sede para as instalações onde, ainda hoje, a Segurança Social desenvolve a sua actividade.

Nos documentos existentes no Arquivo Histórico da Casa do Povo de Benavente podemos conhecer a actividade desta instituição nos seus primeiros anos de vida. Neste sentido foi transcrito um excerto de um Relatório de Contas da Gerência que nos mostra como, nesses anos, os serviços prestados por esta instituição demoraram a ser percebidos e receberam, da parte da população, reacções mais ou menos negativas que se reflectiram na sua não aderência como sócios.

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Sala do Lagaronde de realizava também

a projecção de filmes cinematográficos

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(...)Como se verifica nesta classe de sócios, houve diminuição devido há pouca compreensão do seu meio rural, as quais não compreendem bem os fins das Casas do Povo, apesar destas ainda não se encontrarem preparadas para o fim que foram criadas, no entanto alguns benefícios fizemos aos nossos sócios, registamos as seguintes:

1º Distribuímos 1880 litros de azeite pelo motivo de se encontrarem sem trabalho devido ás inundações dos campos do Ribatejo.

2º Distribuímos géneros alimentícios, pão, etc. em grande quantidade enviados por sua Exc. o Subsecretário de Estado e das Corporações, por intermédio o Ex.mo Delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Providência do Distrito de Santarém que muito beneficiaram os sócios que se encontravam sem trabalho.

3º Recebemos 5000$00 escudos, da Federação Nacional do Vinicultores do Centro e Sul de Portugal, por intermédio do Ex.mo Delegado de Santarém, que muito contribuíram para debelar a crise de trabalho empregando-se 120 sócios no seguimento da Estrada Camarária de Trejoito a fim de ligar este Concelho ao de Coruche.

4º Consegui-se também trabalho para 65 sócios desempregados na Companhia da Lezírias do Tejo e Sado, por intermédio do Ex.mo Sr. Dr. Emílio Infante da Câmara.

5º Distribuímos as verbas de 500$00 e 300$00 escudos, enviados por Sua Excelência o subsecretário de Estado, pelos sócios mais necessitados. Como se demonstra alguma coisa se fez a favor dos sócios. A Casa do Povo de Benavente devido ás suas possibilidades vai entrar no campo da Acção Social, e assim se fará compreender aos sócios efectivos os benefícios que lhes pode prestar no futuro.

Casa do Povo de Benavente, 14 de fevereiro de 1938A Direcção

Casa do Povo Benavente - Relatório e Contas da Gerência de 1936-1937

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Assembleia Geral

Mesa da Assembleia

Direcção

Presidente Secretário Tesoureiro

Presidente (2) Vogais

OrganigramaAssociação de Classe dos Trabalhadores Rurais

Casa do Povo de Benavente

AS Relações entre a Casa do Povo e a Misericórdia de Benavente

Na actividade da CP deparamo-nos com algumas relações de caracter conflituoso com a Santa Casa da Misericórdia relativamente à fixação das quotas para esta instituição. De 17 de Setembro de 1958 a 6 de Dezembro do mesmo ano a CP de Benavente e Misericórdia da mesma vila mantiveram uma acesa discussão em que a Casa do Povo considerava obrigatória a inscrição da Santa Casa da Misericórdia como sua sócia contribuinte. Deste modo, e dado que os prédios rústicos dessa entidade estavam inscritos na Secção de Finanças sem rendimento colectável por se encontrarem isentos definitivamente (despacho de 22 de Agosto do corrente ano, da Direcção Geral do Trabalho e Corporações), foi superiormente entendido que, para efeitos da fixação da quota a pagar por essa Misericórdia, se devia recorrer ao disposto na

clausula II do acordo entre o Grémio da Lavoura deste Concelho e esta Casa do Povo, que se passa a transcrever: "A determinação do rendimento referido nesta clausula baseia-se na colecta da contribuição predial rústica mas, nas hipóteses em que este critério é insuficiente atende-se ao valor médio dos produtos agrícolas normalmente colhidos num ano".Desta forma, a quota a pagar pela Misericórdia era determinada pelo valor médio das cortiças, lenhas e outros produtos agrícolas colhidos num ano. No preço da quota é também tido em conta o número de rendeiros e, naturalmente, as rendas recebidas.A 6 de Dezembro de 1958 a Santa Casa da Misericórdia, depois de ter sido contactada, por escrito, pela CP desta vila, comunica ao Director Geral da Assistência que esta CP queria que, obrigatoriamente, a Misericórdia se tornasse sócia

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do Povo de todas as entidades que sejam produtores agrícolas na área daqueles organismos, mesmo tratando-se de instituições de assistência. Esta Misericórdia não é produtora agrícola, visto ter todas as suas propriedades rústicas arrendadas, explorando apenas directamente uma horta e um pomar para consumo no seu Hospital.A 29 de Novembro do mesmo ano, os corpos gerentes da Casa do Povo de Benavente comunicam ao Presidente da Comissão Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Benavente que segundo os artigos 15º do DL n.º 23:051, 3º e 8º doDL n.º 28:859 e 1º e 5º do DL n.º 30:710 procederam nesta data á inscrição da Misericórdia como sócio obrigatório desta CP na categoria de contribuinte, com a quota mensal de 1250$00 a partir de Março deste mesmo ano.Na sede desta CP encontram-se afixados os direitos e deveres dos associados e ainda é possível consultar os Estatutos sobre os fins que se propõem atingir dentro da orgânica corporativa, que são os mais humanitários. Tudo isto ficava á disposição da Misericórdia.

Em relação ao facto da CP tornar sócia a Misericórdia, esta menciona que não é um produtor agrícola, como já foi referido tem todas as suas propriedades rústicas arrendadas, sendo apenas produtora na horta, cujos produtos utiliza no Hospital e o remanescente vende na praça. Assim, a Misericórdia rejeita o pagamento da quota. Como entre as duas entidades não se chegou a um consenso a Misericórdia comunica á CP que o assunto irá ser tratado superiormente com a Direcção Geral de Assistência.

daquela entidade. Em relação a tal assunto a Misericórdia alega que está dispensada de pagar as contribuições ao Estado e as quotas ao Grémio da Lavoura, como pode pagar qualquer quota á Casa do Povo?Além disso, alega ainda a Misericórdia, que presta verdadeira assistência aos sócios necessitados da Casa do Povo, internando-os no seu Hospital, quando é necessário, e permitindo-lhes entrada nas consultas externas.No n.º 2 do Art.º 1º do DL N.º 30:710, de 29 de Agosto de 1940, refere que é obrigatória a inscrição nas Casas

Fachada da Casa do Povo de Benavente

Antiga Casa do Povo situada na Praça do Município

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Os casamentos celebrados pela Casa do Povo

“Aos catorze dias do mês de Agosto do ano de mil novecentos e sessenta e um, pelas vintes e uma horas, na sede da Casa do Povo de Benavente, (...)Por iniciativa da Delegação da Conferência de São Vicente de Paulo desta Vila de Benavente e com o patrocínio desta Casa do Povo, celebraram-se no dia trinta de Julho findo, quinze casamentos de trabalhadores rurais, nossos associados.A cerimónia, que teve solenidade, realizou-se na Igreja Matriz desta vila, com a presença dos senhores doutores Emanuel Cotrim Belo Salgueiro, vice-presidente da Junta de Acção Social, em representação do Senhor Ministro das Corporações, Augusto Soares Coimbra, delegado do I.N.T.P. em Santarém, Joaquim Palmeiro, presidente do Conselho Central da Conferência de São Vicente de Paulo, António de Sousa Ramos, assistente das Casas do Povo deste distrito, autoridades locais, entidades eclesiásticas, dirigentes deste organismo e outras individualidades.

Administrou o sacramento do matrimónio o beneficiado padre Manuel António Fernandes.Os noivos, Carlos dos Santos e Maria Inocência; Manuel da Silva Frieza e Maria José Dias Ribeiro; Joaquim Mendes e Antónia Ferreira; Mário da Silva e Maria Leonor Roberto; António Ganhão e Zeferina Maria Ricardo; José Pedro Duarte e Cremilde Maria; Fernando da Conceição Correia e Maria Gertrudes Guerreiro; AugustoPaulo Baptista do Vale e Maria Ricardina Perpétua de Almeida; Guilherme Costa e Elisa Maria Friezas; Salustiano Rodrigues Ramalho e Cristina D. Ribeiro; António Diniz da Cruz e Maria Alice Coelho; António Saúde e Carolina Maria; Joaquim Custódio e Emília Maria Lúcio(?) Guerreiro; Francisco da Silva Palmar e Maria Adelina da Encarnação Rodrigues; e, Francisco Carvalho Costa e Maria Justina da Silva, foram apadrinhados, respectivamente, por Dr. Emanuel Cotrim Belo Salgueiro e sua esposa D. Maria

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Noivos e padrinhosIgreja Matriz de Benavente, 1961

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Hortense Belo Salgueiro; Dr. Augusto Soares Coimbra e sua esposa D. Maria de Lourdes Silva Mendes Soares Coimbra; Dr. António Eugénio de Almeida e sua esposa D. Edla Franco Duarte de Almeida; Dr. Rui Pinto de Azevedo e sua esposa D. Maria Lina Prestes Salgueiro de Azevedo; Eng.º Manuel Miguel de Sousa Dias e sua esposa D. Eugénia de Sousa Dias; Dr. Francisco Alexandre de Sousa Dias e sua irmã D. Ana Rosa de Sousa Dias Boto: Eng.º Jorge Gens(?) de Azevedo Neto e sua esposa D. Maria Helena Neto; Sr. António Eugénio Cortes Paim dos Reis e sua esposa D. Maria Isabel Ferreira de Lima Paim; Dr. João Augusto Fragozo Lima e sua esposa D. Noémia Reis de Oliveira Lima; Sr. Augusto António de Almeida Ferreira e sua esposa D. Alice Lourenço de Almeida; Dr. Abílio Pedro de Brito Fontes e sua esposa D. maria F. Brito Fontes; Dr. António Joaquim Mendes de Almeida e sua esposa D. Maria Suzete de Almeida; Sr. Nuno vasco Soares Neto e sua esposa D. Margarida Maria Neto; Sr. José Manuel de Sousa Dias e sua tia D. Maria do Carmo de Sousa Dias e, Carlos Alberto Carvalho de Brito e sua esposa D. Luisa Maria Mendes de Brito, casais representativos das melhores famílias de lavradores desta vila.

Fundo Casa do Povo de BenaventeLivro de Actas n.º 3, 1955-1962

acta n.º 8, fls. 83 a 85

Findo o acto religioso, organizou-se um cortejo em direcção a esta Casa do Povo, onde foi oferecido aos nubentes, padrinhos e convidados um banquete, durante o qual discursavam o Sr. António Eugénio Cortes Paim dos Reis, presidente da assembleia geral deste Organismo; Dr. Joaquim Palmeiro; Sr. Augusto António de Almeida Ferreira, em nome dos padrinhos; Dr. Augusto Soares Coimbra e, por fim, o Sr. Dr. Emanuel Cotrim Belo Salgueiro, os quais puzeram em destaque o significado do acontecimento, fazendo votos de felecidades aos noivos.Nesta iniciativa tiveram acção de relevo o reverendo José de Jesus Esteves e o Sr. José Maria Gonçalves Pedreira, respectivamente, coadjutor do pároco desta freguesia e presidente da Delegação da Conferência de São Vicente de Paulo desta vila, para quem vão os melhores agradecimentos dos dirigentes desta Casa do Povo.Por este acontecimento muito prestigiar este Organismo e integrar-se nos seus fins, aqui deixamo-lo exarado.(...)”

Terras d’Água

Cortejo dos casamentos

Boda - Casa do Povo, 1961

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INVENTÁRIO DO ARQUIVO HISTÓRICO DA CASA DO POVO DE BENAVENTE

História Custodial deste FundoEste Fundo Arquivístico pertença da Casa do Povo de Benavente está na posse do Arquivo Histórico Municipal.

Organização e OrdenaçãoA documentação foi mantida de acordo com a sua proveniência, tendo sido respeitada a orgânica institucional.As séries que integram o quadro de classificação são o resultado do expediente corrido da Casa do Povo de Benavente como tal, tende a ser testemunho dos actos e procedimentos, reconstituindo, tanto quanto possível, os circuitos documentais e ordem original.Seguiu-se a orgânica da instituição, pelo que cada «orgão» da Casa do Povo corresponde a uma secção. Constituiram-se subsecções funcionais, seguiu-se, sempre que possível, o circuito do documento e

estabeleceu-se uma ordenação valorativa das séries.O Lagar da Casa do Povo, na sua especificidade, foi organizado como uma secção.O plano de classificação adoptado corresponde a uma estrutura orgânico-funcional.

Condições de Acesso e UtilizaçãoContém documentação sujeita a reservas, ao abrigo do Art.º 17 do Decreto-lei n.º16/93, de 23 de Janeiro.

Utilização e ReproduçãoReprodução sujeita ao exercício dos direitos patrimoniais e a autorização prévia.

Características FísicasParte da documentação encontra-se em mau estado de conservação, o que em determinados casos significa dificuldades de leitura.

Abreviaturas utilizadas

liv. (livro) // vol. (significando livro)mç.(maço)pt. (pasta)doc. (documento)

Revista de Cultura

Page 53: Terras d agua 2

FundoCasa do Povo de Benavente

1934-1971N.º/Tipo de itens: 197 (95 vols., 102 cx.)

Quadro de Classificação

CPB/A/ Const i tuição, Regulamentação e Organização

CPB/B/ Orgãos da Casa do PovoCPB/B/A/ Assembleia GeralCPB/B/B/ DirecçãoCPB/B/C/ Sócios

CPB/C/ AdministraçãoCPB/C/A/ ContabilidadeCPB/C/B/ Expediente

CPB/D/ Assistência e Obras SociaisCPB/D/A/ SubsídiosCPB/D/B/ Movimento ClínicoCPB/D/C/ Habitações Sociais

CPB/E/ Instrução, Desportos e Actividades CulturaisCPB/E/A/ Grupo DesportivoCPB/E/B/ Sessões Cinematográficas

CPB/F/ Lagar de Azeite

CPB/A/ Constituição, Regulamentação e Organização

CPB/A/1. Legislação Impressa1936-1957 5 cxs.

CPB/A/2. Circulares e ofícios do Tribunal de Trabalho de Tomar1946 1 macete

CPB/A/3. Instruções da Junta Nacional de Azeite1946 4 docs.

CPB/A/4. Alvará de constituição da Casa do Povo de Benavente1935 1 doc.

CPB/A/5. Estatutos da casa do Povo1935-1969 3 docs.

CPB/A//6. Relação de bens doados à Casa do Povo de Benavente pela Câmara Municipal Benavente1966 1 doc.

CPB/B/ Orgãos da Casa do Povo

CPB/B/A/ Assembleia Geral

Inventário

FundoCasa do Povo de Benavente

Terras d’Água

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CPB/B/A/1. Avisos para a realização de Assembleias Gerais 1952 1 maço

CPB/B/B/ Direcção

CPB/B/A/1. Relatórios de contas1936-1953 1 cx.

CPB/B/B/2. Listas e outros documentos das eleições para a Direcção no triénio de 1959-19611958 1 mç.

CPB/B/B/3. Actas1936-1988 9 vol.CPB/B/B/3/1. 1936-1941 (N.º1)CPB/B/B/3/2. 1942-1955 (N.º2)CPB/B/B/3/3. 1955-1962 (N.º3)CPB/B/B/3/4. 1962-1968 (N.º4)CPB/B/B/3/5. 1968-1972 (N.º5)CPB/B/B/3/6. 1972-1974 (N.º6 + documentação anexa)CPB/B/B/3/7. 1974-1977 (N.º7)CPB/B/B/3/8. 1977-1982 (N.º8)CPB/B/B/3/9. 1982-1988 (N.º9)

CPB/B/B/4. Livros de inventário1936-1986 2 vols.

CPB/B/B/4.1. 1936-1977CPB/B/B/4.2. 1985-1986

CPB/B/C/ Sócios

CPB/B/C/1. Matriculas de sócios efectivos1939-1941 1 vol.

CPB/B/C/2. Índice de registo de sócios contribuintes1947 1 vol.

CPB/B/C/3. Índice de registo de sócios efectivos1942 1 vol.

CPB/B/C/4. Relação de sócios contribuintes1952 1 vol.

CPB/B/C/5. Relação de sócios efectivos1952 1 vol.

CPB/B/C/6. Classificação de sócios contribuintes1948 1 vol.

CPB/B/C/7. Folhas de benefícios de sócios efectivos1943-1968 2 cxs.

CPB/B/C/8. Relação de cobrança de sócios1967-1970

CPB/B/C/9. Movimento de sócios1939-1952

CPB/B/C/10. Requerimentos e reclamações de sócios1942-1945 11 docs.

CPB/B/C/11. Relação de cotas anuladas aos sócios1958-1965 1 maço

CPB/B/C/12. Lançamento dos rendeiros dos sócios contribuintes1948-1950 1 maço

Revista de Cultura

Page 55: Terras d agua 2

CPB/B/C/13. Cadernos de descargas de sócios contribuintes efectivos1939-1943 1 maço

CPB/B/C/14. Nome dos sócios e n.º de filhos, por classes, que beneficiaram da distribuição de artigos escolares1949-1950 1 maço

CPB/B/C/15. Números e nomes de sócios que receberam livros escolares para seus filhos1950-1964 14 cad.

CPB/B/C/15.1. 1950-1951CPB/B/C/15.2. 1951-1952CPB/B/C/15.3. 1952-1953CPB/B/C/15.4. 1953-1954CPB/B/C/15.5. 1954-1955CPB/B/C/15.6. 1955-1956CPB/B/C/15.7. 1956-1957CPB/B/C/15.8. 1957-1958CPB/B/C/15.9. 1958-1959CPB/B/C/15.10. 1959-1960CPB/B/C/15.11. 1960-1961CPB/B/C/15.12. 1961-1962CPB/B/C/15.13. 1962-1963CPB/B/C/15.14. 1963-1964

CPB/B/C/16. Valor das cotas de sócios contribuintes1948-1949 1 cad.

CPB/B/C/17. Conferência mensal das cotas dos sócios1941-1965 4 vols.

CPB/B/C/17.1. 1941-1957CPB/B/C/17.2. 1943-1965CPB/B/C/17.3. 1953-1965CPB/B/C/17.4. 1957-1965

CPB/B/C/18. Inquérito às condições de habitação dos sócios efectivos desta Casa do Povo1959 1 cad.

CPB/B/C/19. Relação dos proprietários rústicos e respectivos rendimentos1948-1949 1 doc.

CPB/C/ Administração

CPB/C/A/ Contabilidade

CPB/C/A/1. Registo do extracto mensal do caixa1936-1966 5 vols.

CPB/C/A/1.1. 1936-1938CPB/C/A/1.2. 1942-1946CPB/C/A/1.3. 1942-1949CPB/C/A/1.4. 1949-1961CPB/C/A/1.5. 1962-1966

CPB/C/A/2. Registo dos lançamentos de caixa(Livros «Caixa»)1936-1970 8 vols.

CPB/C/A/2.1. 1936-1938CPB/C/A/2.2. 1942CPB/C/A/2.3.1951-1957 (L.6)CPB/C/A/2.4.1957-1961 (L.7)CPB/C/A/2.5.1961-1965 (L.8)CPB/C/A/2.6.1965-1967 (L.9)CPB/C/A/2.7.1967-1970 (L.10)CPB/C/A/2.8. 1970

CPB/C/A/3. Registo de devedores e credores1936-1953 3 vols.

Terras d’Água

Page 56: Terras d agua 2

CPB/C/A/3.1. 1936-1938CPB/C/A/3.2. 1938-1941CPB/C/A/3.3. 1947-1953

CPB/C/A/4. Índice de devedores e credoresS/data 1 vol.

CPB/C/A/5. Documentos de despesa1936-1959 30 cxs.

CPB/C/A/5.1. 1936-1943CPB/C/A/5.2. 1944-1945CPB/C/A/5.3. 1945CPB/C/A/5.4. 1946CPB/C/A/5.5. 1947CPB/C/A/5.6. 1947-1949CPB/C/A/5.7. 1948CPB/C/A/5.8. 1949CPB/C/A/5.9. 1949CPB/C/A/5.10. 1950CPB/C/A/5.11. 1950-1952CPB/C/A/5.12. 1950-1953CPB/C/A/5.13. 1951CPB/C/A/5.14. 1951CPB/C/A/5.15. 1952CPB/C/A/5.16. 1952-1953CPB/C/A/5.17. 1953CPB/C/A/5.18. 1953CPB/C/A/5.19. 1954CPB/C/A/5.20. 1954-1955CPB/C/A/5.21. 1955CPB/C/A/5.22. 1955CPB/C/A/5.23. 1956CPB/C/A/5.24. 1956CPB/C/A/5.25. 1957

CPB/C/A/5.26. 1957CPB/C/A/5.27. 1958CPB/C/A/5.28. 1958CPB/C/A/5.29. 1959CPB/C/A/5.30. 1959

CPB/C/A/6. Guias de receita1937-1965 4 cxs.

CPB/C/A/7. Ordens de pagamento1942-1965 1 cx.

CPB/C/A/8. Mandados de pagamento1937-1941 3 cxs.

CPB/C/A/9. Folhas de conta corrente com o orçamento da receita e despesa1943-1964 1 cx.

CPB/C/A/10. Balancetes da receita e despesa1936-1960 1 Cx.

CPB/C/A/11. Descontos feitos pela Casa do Povo respeitantes á sua contribuição e do seu pessoal1944-1954 1 maço

CPB/C/A/12. Registo dos impostos cobrados aos sócios1936 1 vol.

CPB/C/A/13. Relatórios mensais da receita e despesa1939-1959 1 maço

CPB/C/A/14. Registo de cobranças a sócios efectivos (?)1959-1967 1 vol.

Revista de Cultura

Page 57: Terras d agua 2

CPB/C/A/15. Folhas de ordenados dos beneficiários1959-1966 1 maço

CPB/C/A/16. Folhas de autorização de pagamento de abonos1943-1954 1 maço

CPB/C/A/17. Folhas mensais de cobranças das cotas entregues ao cobrador1943-1945 1 maço

CPB/C/B/ Expediente

CPB/C/B/1. Registo de correspondência recebida1943-1971 4 vols.

CPB/C/B/1.1. 1943-1955CPB/C/B/1.2. 1955-1959CPB/C/B/1.3. 1959-1965CPB/C/B/1.4. 1968-1971

CPB/C/B/2. Registo de correspondência expedida1936-1965 6 vols.

CPB/C/B/2.1. 1936-1937CPB/C/B/2.2. 1937-1942CPB/C/B/2.3. 1942-1947CPB/C/B/2.4. 1947-1951CPB/C/B/2.5. 1951-1957CPB/C/B/2.6. 1964-1965

CPB/C/B/3.Correspondência recebida1937-1969 17 cx.

CPB/C/B/3.1. 1937-1942CPB/C/B/3.2. 1947-1948CPB/C/B/3.3. 1949-1951CPB/C/B/3.4. 1950CPB/C/B/3.5. 1953

CPB/C/B/3.6. 1954-1957CPB/C/B/3.7. 1955-1956CPB/C/B/3.8. 1959CPB/C/B/3.9. 1960CPB/C/B/3.10 1961CPB/C/B/3.11. 1963-1969CPB/C/B/3.12. 1964-1966CPB/C/B/3.13. 1966CPB/C/B/3.14. 1966CPB/C/B/3.15. 1967CPB/C/B/3.16. 1968CPB/C/B/3.17. 1969

CPB/C/B/4. Correspondência oficial da Assembleia Geral e Direcção1936 1 maço

CPB/C/B/ Expediente

CPB/C/B/1. Registo de correspondência recebida1943-1971 4 vols.CPB/C/B/1.1. 1943-1955CPB/C/B/1.2. 1955-1959CPB/C/B/1.3. 1959-1965CPB/C/B/1.4. 1968-1971

CPB/C/B/2. Registo de correspondência expedida1936-1965 6 vols.

CPB/C/B/2.1. 1936-1937CPB/C/B/2.2. 1937-1942CPB/C/B/2.3. 1942-1947CPB/C/B/2.4. 1947-1951CPB/C/B/2.5. 1951-1957CPB/C/B/2.6. 1964-1965CPB/C/B/3.Correspondência recebida1937-1969 17 cx.

CPB/C/B/3.1. 1937-1942

Terras d’Água

Page 58: Terras d agua 2

CPB/C/B/3.2. 1947-1948CPB/C/B/3.3. 1949-1951CPB/C/B/3.4. 1950CPB/C/B/3.5. 1953CPB/C/B/3.6. 1954-1957CPB/C/B/3.7. 1955-1956CPB/C/B/3.8. 1959CPB/C/B/3.9. 1960CPB/C/B/3.10 1961CPB/C/B/3.11. 1963-1969CPB/C/B/3.12. 1964-1966CPB/C/B/3.13. 1966CPB/C/B/3.14. 1966CPB/C/B/3.15. 1967CPB/C/B/3.16. 1968CPB/C/B/3.17. 1969

CPB/C/B/4. Correspondência oficial da Assembleia Geral e Direcção1936 1 maço

CPB/C/B/5. Correspondência recebida da Santa Casa da Misericórdia de Benavente1958-1965 1 maço

CPB/C/B/6. Correspondência recebida da Junta Nacional de Azeite1943-1948 1 maço

CPB/C/B/7. Correspondência recebida da Caixa Regional do Abono de Família do Distrito de Santarém e Caixa de Previdência dos Operários do Distrito de Santarém1943-1968 2 maços

CPB/C/B/8. Correspondência recebida e expedida da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho1965-1966 1 maço

CPB/C/B/9. Correspondência recebida e expedida com a Direcção dos Serviços Médico-Sociais1965-1966 1 maço

CPB/C/B/10. Correspondência recebida e expedida com a Direcção Geral da Previdência e Habitações Económicas1962 1 maço

CPB/D/ Assistência e Obras Sociais

CPB/D/A/ Subsídios e Donativos

CPB/D/A/1. Registo de subsídios pagos aos sócios1944-1964 7 vols.

CPB/D/A/1.1. 1944-1947CPB/D/A/1.2. 1947-1951CPB/D/A/1.3. 1951-1952CPB/D/A/1.4. 1952-1954CPB/D/A/1.5. 1953-1957CPB/D/A/1.6. 1957-1959CPB/D/A/1.7. 1962-1964

CPB/D/A/2. Folhas de processamento do Abono de Família e dos subsídios de aleitação e nascimento1948-196 1 cx.

CPB/D/A/3. Índice das folhas de benefícios de sócios subsidiadosS/data 1 vol.

Revista de Cultura

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CPB/D/A/4. Subsídios de Invalidez1957-1966 1 maço

CPB/D/A/5. Mapa da distribuição de roupas a famílias necessitadas, Natal de 19481948 1 macete

CPB/D/A/6. Certidões de nascimento para fins de assistência (12)1963-1965 1 maço

CPB/D/B/ Serviços Médico-Sociais

CPB/D/B/1. Registo do Movimento Clínico1944-1970 14 vols.

CPB/D/B/1.1. 1944-1950CPB/D/B/1.2. 1950-1952CPB/D/B/1.3. 1952-1954CPB/D/B/1.4. 1954-1955CPB/D/B/1.5. 1955-1956CPB/D/B/1.6. 1956-1957CPB/D/B/1.7. 1957-1959CPB/D/B/1.8. 1962-1964CPB/D/B/1.9. 1964-1965CPB/D/B/1.10. 1965-1967CPB/D/B/1.11. 1967-1968CPB/D/B/1.12. 1968-1969CPB/D/B/1.13. 1969CPB/D/B/1.14. 1970

CPB/D/B/2. Guias para consulta médica1967-1968 6 cxs.

CPB/D/B/3. Receitas médicas1969-1970 5 cxs.

CPB/D/B/4. Mapas de movimento clínico1967-1968 2 maçosCPB/D/B/5. Boletins sanitários1967-1968 1 maço

CPB/D/B/6. Instruções dos Serviços Médico-Sociais1965 1 maço

CPB/D/B/7. Relação dos beneficiários cujas fichas clínicas foram devolvidas1968-1970 1 maço

CPB/D/B/8. Ordens de Serviço1965-1967 1 maço

CPB/D/B/9. Escalas de Serviços Clínicos1959-1966 1 maço

CPB/D/B/10. Atestados médicos1958-1961 2 docs.

CPB/D/C/ Habitações Sociais

CPB/D/C/1. Projectos das habitações de renda económica1968 1 cx.

CPB/D/C/2. Sugestão dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Benavente relativa às habitações económicas1964 1 doc.

CPB/E/ Instrução, Desportos e Actividades Culturais

CPB/E/A/Grupo Desportivo da Casa do Povo de Benavente

Terras d’Água

Page 60: Terras d agua 2

CPB/F/ Lagar de Azeite

A Casa do Povo de Benavente era proprietária de um motor de 1ª categoria, fixo a óleos, instalado no seu Lagar de Azeite situado na Praça Dr. João Jacinto da Silva Correia (Praça do Município), desta freguesia e concelho, onde a Casa do Povo tinha, também, a sua sede.

A 30 de Março de 1946 é pedido pela Casa do Povo que se efectue a vistoria de instalação e exame de funcionamento do motor do Lagar, destinado a accionar o veio geral do referido Lagar.

O motor do Lagar dispunha das seguintes características:potência: 16/18 cavalos vapor efectivorotações por minuto: 400cilindros: 1construtor: Grosseleypaís de origem: InglaterraN.º de fabrico: 124730tipo: horizontal

A junta Nacional do Azeite coordenava todas as actividades que intervêm ou possam intervir no ciclo de produção e do comércio do azeite.O lagar da Casa do Povo estava registado na Junta sob o n.º 2.850.

Revista de Cultura

Na sua actividade o funcionamento do Lagar era o seguinte: A azeitona era pesada no acto da entrega. Essa azeitona podia, mais tarde, ser paga em dinheiro ou em azeite. Depois da entrega da azeitona era marcado um dia para se levantar o azeite que correspondia à respectiva azeitona.O Lagar vendia as borras desse azeite para que este fosse todo aproveitado. Existia, sempre, quem comprasse o bagaço (escorrido das ceiras) para dar de comer aos porcos.

Pátio da Sede da Casa do Povo de BenaventeAntiga Casa do Povo situada na Praça do Município

Page 61: Terras d agua 2

CPB/F/3.4. 1943-1944CPB/F/3.5. 1944-1945CPB/F/3.6. 1945-1946

CPB/F/4. Índice de Laboração do Lagar1936-1965 4 vols.

CPB/F/4.1. 1936-1942CPB/F/4.2. 1942-1949CPB/F/4.3. 1949-1953CPB/F/4.4. 1953-1965

CPB/F/5. Diário de saída de azeite1947-1970 3 vols.

CPB/F/5.1. 1947-1953CPB/F/5.2. 1953-1954CPB/F/5.3. 1967-1970

CPB/F/6. Documentos de despesa1955-1963 2 cx.

CPB/F/7. Registo do lançamento do razão da escrita do lagar1953-1957 1 vol.

CPB/F/8. Receita e despesa do lagar1936-1947 1 vol.

CPB/F/9. Registo do lançamento de caixa da escrita do lagar1953-1960 2 vols.

CPB/F/9.1. 1953-1956CPB/F/9.2. 1956-1960

CPB/F/10. Armazém do Lagar

CPB/F/10.1. Conta do Armazém1936-1942 1 vol.

CPB/F/11. Registo diário do trabalho do lagar1952-1960 6 cad.

CPB/F/12. Talões de entrega de bagaço a seu dono1967-1968 1 macete

CPB/F/13. Talões de entrega do azeite fabricado no lagar1967-1968 1 macete

CPB/F/14. Talões de entrega de azeitona no lagar

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Anexos

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Anexo I

Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e PrevidênciaDe 28 de Fevereiro de 1941

Modelo de Estatutos para as Casas do Povo

I - Organização geral, atribuições e fins

Artigo 1.º A Casa do Povo de ... rege-se pelos presentes estatutos e pelas disposições legais aplicáveis.Art. 2.º A área da Casa do Povo que tem a sua sede em ... fica circunscrita à freguesia (ou ás freguesias) de ..., do concelho de ...Art. 3.º A Casa do Povo é um organismo de cooperação social, com personalidade jurídica, podendo estar em juízo e exercer todos os direitos relativos aos seus interesses legítimos.Art. 4.º A Casa do Povo terá uma bandeira, com as cores do concelho sede, tendo ao centro o escudo nacional e disposta por baixo deste a sua designação.Art. 5.º Os fins da Casa do Povo são os seguintes:1.º Exercer funções de representação de todos os trabalhadores nela inscritos como sócios efectivos ou em condições de nessa categoria se inscreverem, assumindo o estudo e a defesa dos respectivos interesses nos seus aspectos moral, económico e social;2.º Assegurar o exercício da actividade de previdência e de assistência que lhe incumbe desenvolver com o objectivo de dispensar protecção e auxílio nos casos de doença, desemprego, inhabilidade e velhice;3.º Cooperar, dentro da sua área, no ensino aos adultos e ás crianças, tendo em vista a elevação do nível de cultura profissional e geral e o melhor aproveitamento do tempo disponível dos trabalhadores;4.º Contribuir para a realização de melhoramentos locais, participando em obras de utilidade comum, comunicações, serviço de águas, higiene pública e outras equivalentes, tendo, porém, sempre em vista o combate ao desemprego e devendo, para esse efeito, cooperar em obras de iniciativa e responsabilidade do Estado, das autarquias locais ou dos proprietários, executadas em épocas de falta de trabalho.

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II - Dos sócios

1) Categorias

Art. 6.º Há três categorias de sócios: efectivos, contribuintes e protectores.Art. 7.º São sócios efectivos os trabalhadores rurais ou outros que deles se não diferenciem nitidamente em situação material ou modo de vida, residentes na área da Casa do Povo, desde que uns e outros sejam de nacionalidade portuguesa e chefes de família ou maiores de dezoito anos do sexo masculino, e ainda os produtores agrícolas que não possam ser contribuintes por os seus bens ou rendimentos não serem suficientes para lhes assegurar situação diversa do comum daqueles trabalhadores.Art. 8.º São sócios contribuintes os produtores agrícolas da área da Casa do Povo, ainda que ali não residam, considerando-se como tais todas as entidades, singulares ou colectivas, que forem proprietárias ou explorem, como rendeiros, parceiros ou, na ausência do proprietário, como administradores, sejam ou não seus parentes, quaisquer prédios rústicos, e as mais entidades assim classificadas pela legislação reguladora dos organismos corporativos e de coordenação económica.Art. 9.º São sócios protectores todas as entidades que contribuam voluntária e periodicamente com quaisquer quantias para a constituição das receitas da Casa do Povo.Art. 10.º Podem ser declarados benfeitores da Casa do Povo as pessoas que, por lhe prestarem relevantes serviços ou a auxiliarem com donativos consideráveis, se tornem merecedoras de tal distinção.Art. 11.º A Casa do Povo organizará anualmente a lista de sócios efectivos e contribuintes e afixará, na sua sede, em lugar bem visível, no início de cada ano e durante trinta dias pelo menos, a relação nominal das pessoas inscritas em uma ou outra qualidade, para efeito de quaisquer reclamações que os interessados queiram formular.§ 1.º As reclamações serão apresentadas à Casa do Povo até ao dia 15 de Fevereiro e decididas pela direcção no prazo de quinze dias, com recurso para o delegado distrital do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, interposto nos dez dias seguintes ao recebimento pelo interessado da notificação da resolução tomada.§ 2.º A Casa do Povo poderá solicitar da Câmara Municipal e Junta de Freguesia as informações necessárias ao justo recenseamento dos sócios.

2) Cotas

Art. 12.º As cotas dos sócios efectivos serão fixadas anualmente pela direcção entre o mínimo de 1$50 e o máximo de 3$ mensais, consoante os benefícios que a Casa do Povo se proponha conseguir para os seus filiados.Art. 13.º As cotas dos sócios contribuintes serão estipuladas por classes de produtores agrícolas, tendo em vista os respectivos rendimentos e tomando-se normalmente, por base as colectas da contribuição predial rústica.Art. 14.º A classificação dos sócios a que se refere o artigo anterior e, bem assim, a fixação das cotas para as diferentes classes, as quais, em regra, não serão inferiores a 5$ mensais, resultarão de acordo entre a Casa do Povo e o Grémio da Lavoura do Concelho.§ 1.º Não estando constituído e em funcionamento o Grémio da Lavoura, a representação dos produtores agrícolas incumbirá a três de entre eles, eleitos por maioria de votos em reunião convocada pelo delegado do I.N.T.P.

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§ 2.º O acordo a que se refere o corpo do artigo, uma vez homologado pelo subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, obrigará todos os produtores agrícolas em condições de serem sócios contribuintes da Casa do Povo.§ 3.º Nos casos em que o acordo deixe de realizar-se, por omissão do Grémio da Lavoura ou dos produtores agrícolas, a classificação dos sócios contribuintes e a fixação das respectivas cotas serão feitas pelo I.N.T.P.Art. 15.º Sempre que o sócio efectivo esteja em dívida não justificada de cotas, a Casa do Povo avisar-lo-á para, no prazo de quinze dias, efectuar o pagamento ou prestar caução, ou justificar a falta, sob a comunicação de não poder ser admitido em qualquer trabalho enquanto não o fizer.§ 1.º Decorrido aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento, prestada caução ou justificada a falta, se o sócio remisso se empregar por cota de outrém, será pela Casa do Povo, em carta registada com aviso de recepção ou entregue contra recibo, advertida a entidade patronal que o admitir de ficar responsável pelo pagamento se o mantiver a seu serviço.§ 2.º Se o sócio remisso tiver já salários vencidos e não pagos na altura em que a entidade patronal receber o aviso, a Casa do Povo cobrará dela a respectivo importância até ao quantitativo das cotas em debito.§ 3.º Nas execuções contra as entidades patronais, por dívidas resultantes da aplicação dos parágrafos anteriores, a Casa do Povo enviará ao Tribunal do Trabalho competente, certidão da dívida, da qual conste haver sido feita a advertência aos responsáveis.

3) Deveres e direitos

Art. 16.º São deveres dos sócios em geral:1.º Pagar pontualmente as suas cotas;2.º Não desenvolver qualquer espécie de acção política ou social contrária aos interesses da Nação ou à constituição do Estado.Art. 17.º Aos sócios efectivos incumbe mais:1.º Comparecer nas reuniões da assembleia geral;2.º Servir de zelo e gratuitamente os cargos para que forem designados;3.º Participar à direcção qualquer mudança de residência e ainda comunicar-lhe a sua ausência da área da Casa do Povo quando por tempo excedente a três anos;4.º Concorrer para o progresso e desenvolvimento da Casa do Povo.Art. 18.º Cumpre especialmente aos sócios contribuintes:1.º Desempenhar zelosa e gratuitamente as funções para que forem escolhidos;2.º Assegurar o pagamento regular das suas cotas quando se afastem da área da Casa do Povo ou lá não residam;3.º Observar rigorosamente o disposto nos §§ 1.º e 2.º do artigo 15.ºArt. 19.º Os sócios efectivos que sejam chefes de família gozam dos seguintes direitos:1.º Tomar parte das assembleias gerais;2.º Eleger e ser leitos para os cargos sociais, nos termos destes estatutos;3.º Formular propostas à assembleia geral ou à direcção relativamente aos assuntos da competência da Casa do Povo;4.º Requerer a convocação da assembleia geral, de acordo com o estipulado nos presentes estatutos;5.º Levar ao conhecimento do presidente da assembleia geral qualquer resolução ou acto administrativo da direcção que se lhes afigure contrário aos interesses da Casa do Povo ou oposto aos seus estatutos.

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Art. 20.º Durante a prestação do serviço militar obrigatório ficarão os sócios efectivos dispensados do pagamento das cotas, mas não poderão exercer cargos sociais nem beneficiar das regalias concedidas pelo Fundo de Previdência.Art. 21.º Além dos deveres e direitos, expressamente reconhecidos nos artigos antecedentes, cabem aos sócios todos os mais que resultem do disposto nos presentes estatutos ou nas leis aplicáveis.

3) Deveres e direitos

Art. 16.º São deveres dos sócios em geral:1.º Pagar pontualmente as suas cotas;2.º Não desenvolver qualquer espécie de acção política ou social contrária aos interesses da Nação ou à constituição do Estado.Art. 17.º Aos sócios efectivos incumbe mais:1.º Comparecer nas reuniões da assembleia geral;2.º Servir de zelo e gratuitamente os cargos para que forem designados;3.º Participar à direcção qualquer mudança de residência e ainda comunicar-lhe a sua ausência da área da Casa do Povo quando por tempo excedente a três anos;4.º Concorrer para o progresso e desenvolvimento da Casa do Povo.Art. 18.º Cumpre especialmente aos sócios contribuintes:1.º Desempenhar zelosa e gratuitamente as funções para que forem escolhidos;2.º Assegurar o pagamento regular das suas cotas quando se afastem da área da Casa do Povo ou lá não residam;3.º Observar rigorosamente o disposto nos §§ 1.º e 2.º do artigo 15.ºArt. 19.º Os sócios efectivos que sejam chefes de família gozam dos seguintes direitos:1.º Tomar parte das assembleias gerais;2.º Eleger e ser leitos para os cargos sociais, nos termos destes estatutos;3.º Formular propostas à assembleia geral ou à direcção relativamente aos assuntos da competência da Casa do Povo;4.º Requerer a convocação da assembleia geral, de acordo com o estipulado nos presentes estatutos;5.º Levar ao conhecimento do presidente da assembleia geral qualquer resolução ou acto administrativo da direcção que se lhes afigure contrário aos interesses da Casa do Povo ou oposto aos seus estatutos.Art. 20.º Durante a prestação do serviço militar obrigatório ficarão os sócios efectivos dispensados do pagamento das cotas, mas não poderão exercer cargos sociais nem beneficiar das regalias concedidas pelo Fundo de Previdência.Art. 21.º Além dos deveres e direitos, expressamente reconhecidos nos artigos antecedentes, cabem aos sócios todos os mais que resultem do disposto nos presentes estatutos ou nas leis aplicáveis.

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4) Penalidades

Art. 22.º Pelas infracções disciplinares cometidas pelos sócios são aplicáveis as seguintes penalidades:1.ª Repreensão;2.ª Suspensão.Art. 23.º São factos pelos quais o sócio pode ser repreendido:1.º Ser menos prudente ou correcto no seu procedimento associativo, por forma a poder diminuir o bom nome da Casa do Povo;2.º Não cumprir as resoluções tomadas pela assembleia geral ou pela direcção, de harmonia com os estatutos e a lei.Art. 24.º Será suspenso por trinta a noventa dias o sócio que:1.º desrespeite qualquer membro da assembleia geral ou da direcção, ou empregado em exercício das suas funções;2.º Se recuse, sem motivo justificado, a desempenhar os cargos sociais para que houver sido designado;3.º Se encontre pronunciado, com trânsito em julgado, por crime a que corresponda pena maior.Art. 25.º Serão suspensos por tempo superior a noventa dias:1.º Os que se mostrarem maus portugueses:2.º Os que desenvolverem acção contrária aos interesses do estado português ou da ordem social estabelecida;3.º Os que delapidarem os bens da instituição;4.º Os que tentarem desacreditar a casa do Povo;5.º Os que, por qualquer forma, atentarem contra a boa ordem e harmonia que nela deve existir;6.º os que contra outros sócios formularem acusações que não provarem, em assuntos relacionados com a actividade do organismo;7.º Os que, na sede da Casa do Povo ou fora dela, ofenderem corporalmente qualquer membro da mesa da assembleia geral ou da direcção, ou empregado no exercício das suas funções;8.º Os que perturbarem a ordem dos trabalhos em sessões da assembleia geral;9.º Os que forem definitivamente condenados a pena maior;10.º Aqueles que, havendo já sido suspensos, incorrem em nova falta.Art. 26.º A suspensão implica a incapacidade temporária para usufruir os direitos e regalias que resultam da qualidade de sócio, mas não isenta do pagamento das cotas.Art. 27.º Os sócios incursos na penalidade do artigo 25 poderão ser expulsos, mantendo-se, porém, a obrigatoriedade do pagamento das cotas.Art. 28.º As penalidades são aplicadas pela direcção, sob proposta do seu presidente ou do presidente da assembleia geral.Art. 29.º As penalidades dos artigos 25 e 27 carecem de ser confirmadas pelo I.N.T.P., sob proposta fundamentada pela direcção da Casa do Povo, remetida por intermédio do delegado distrital.Art. 30.º O sócio arguido de qualquer falta será sempre, antes de punido, convocado para se defender e ouvido, caso compareça.

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IIIDa actividade social

1)Generalidades

Art. 31.º A Casa do Povo respeitará os princípios e a finalidade da colectividade nacional, com renuncia a toda e qualquer forma de actividade contrária aos interesses da Nação portuguesa.Art. 32.º A Casa do Povo constitui factor de cooperação activa com todos os outros elementos da economia nacional e repudia expressamente o principio da luta de classes.

2) Representação profissional

Art. 33.º No exercício da sua função de representação do trabalho rural pode a Casa do Povo:1.º Negociar e firmar com o Grémio da lavoura do seu concelho contratos colectivos de trabalho e acordos colectivos com os produtores agrícolas da sua área, no caso de estes se não encontrarem corporativamente organizados;2.º Colaborar com o Grémio da lavoura em iniciativas que tendam a melhorar a condição moral ou material da população agrícola.Art. 34.º Os acordos colectivos a que se refere no n.º 1 do artigo anterior, uma vez aprovados pelo subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, obrigam todos os produtores agrícolas da respectiva área, signatários ou não signatários desde que aqueles representem mais de metade do valor matricial da propriedade rústica.3) Previdência

a) Dos objectivos

Art. 35.º Na Casa do Povo haverá um Fundo de Previdência, destinado exclusivamente a garantir a realização dos fins de previdência que lhe incumbe.Art. 36.º Pelos recursos do Fundo de previdência será feita a título obrigatório e nos termos destes estatutos, a concessão dos seguintes benefícios:!Assistência médica;!Subsídio pecuniário na doença;!Subsídio por morte, que reverterá para as famílias dos que falecerem.Art. 37.º Poderão ser postos em prática outras modalidades de previdência nomeadamente subsídios de invalidez e por nascimento de filhos e socorros farmacêuticos, desde que os recursos o permitam e mediante autorização do subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

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b) Dos benefícios

Art. 38.º São, por direito próprio, beneficiários do Fundo de previdência todos os sócios efectivos da Casa do Povo.Art. 39.º Os benefícios, ou alguns deles, poderão ser extensivos aos sócios contribuintes cuja situação económica o justifique.Art. 40.º Igualmente podem beneficiar de assistência médica, independentemente de qualquer contribuição, as mulheres legítimas e os menores de dezoito anos e os pais inválidos que vivam em economia familiar com os sócios efectivos ou contribuintes a que se referem os artigos antecedentes.Art. 41.º mediante o pagamento da contribuição que for fixada pela Casa do Povo e sancionada pelo I.N.T.P., poderão usufruir os benefícios facultados pelo Fundo de Previdência decorrido um ano após a sua admissão como beneficiários os indivíduos de qualquer sexo que, não sendo chefes de família, residam na área da Casa do Povo e aí exerçam mester ou desfrutem situação económica comparável á dos trabalhadores rurais e que tenham bom comportamento moral e civil.Art. 42.º Aos beneficiários cumpre passar recibo de todas as quantias que receberem da Casa do Povo e observar, quando doentes, as prescrições do médico, devendo ainda pagar pontualmente as suas cotas ou contribuições.Art. 43.º Não têm direito a subsídios por doença ou invalidez, nem assistência médica e farmacêutica:1.º Os sinistrados por acidentes de trabalho ou portadores de doenças profissionais contraídas ao serviço de outrem que estejam a coberto da respectiva legislação;2.º Os que sejam vítimas de desastres motivados por embriaguez;3.º Os que sejam vítimas de ofensas corporais em consequência de desordem que hajam provocado;4.º Os sócios da Casa do Povo ou outros beneficiários do Fundo de Previdência que se encontrem suspensos dos seus

direitos por virtude de penalidade que lhes tenha sido imposta ou por falta de pagamento de cotas ou contribuições, por mais de dois meses;5.º Os que faltarem ao respeito á direcção ou ao presidente da assembleia geral da Casa do Povo, derem provas de espírito indisciplinado ou praticarem actos indignos;6.º Os que tiverem praticado qualquer crime a que no código penal caiba pena maior, ou o crime de furto ou roubo, depois da sentença passada em julgamento.Art. 44.º Pode a direcção da Casa do Povo aplicar a pena de suspensão de direitos, por um mês a um ano a todo e qualquer beneficiário que, estando com parte de doente e a receber subsídio, for encontrado a trabalhar ou fora de casa sem licença do médico assistente ou por qualquer forma tenha demonstrado o propósito de iludir o pessoal sanitário ou administrativo, com o fim de obter benefícios indevidos.§ 1.º Da decisão que aplicar a pena de suspensão cabe recurso para o delegado do I.N.T.P., o qual será interposto no prazo de quinze dias.§ 2.º A suspensão não isenta do pagamento de cotas ou contribuições.

c) Da assistência médica

Art. 45.º A todos os beneficiários do fundo de Previdência no pleno gozo dos seus direitos será prestadas, quando doentes, assistência médica, incluindo visita no domicílio caso a doença os impossibilite de sair.§ 1.º O parto é considerado doença para os efeitos deste artigo.§ 2.º Na assistência médica estão abrangidos os tratamentos e as intervenções de pequena cirurgia.Art. 46.º O médico, sempre que seja chamado a visitar um doente no domicílio, deverá comunicá-lo imediatamente, por escrito, à direcção, se verificar que a chamada se não justificava por o beneficiário poder comparecer à consulta.Art. 47.º Quando se der a hipótese prevista no artigo

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anterior o transporte do médico e a consulta ficarão a cargo do beneficiário e a importância respectiva será deduzida no subsídio a que tiver direito ou cobrada pelos meios ordinários.Art. 48.º O médico visitará periódica e obrigatoriamente, a partir do oitavo dia de doença, os beneficiários que recebam subsídios.Art. 49.º Poderá a Casa do povo designar o médico privativo ou ajustar com vários, entre os quais será licito aos doentes optar, o regime e condições em que se obrigam a prestar assistência aos beneficiários, ou ainda acordar com a respectiva Câmara Municipal ou Misericórdia os termos em que os médicos daqueles organismos a deverão prestar.§ 1.º Sempre que for possível, deverá a Casa do Povo acordar com a Câmara Municipal os termos em que o médico municipal prestará assistência aos beneficiários e o dia da semana da consulta, de harmonia com o disposto no artigo 150.º, n.º9.º, do Código Administrativo.§ 2.º Poderá ainda a Casa do Povo assumir o encargo de prestar assistência clínica à população da sua área, mediante um subsídio a conceder pela Câmara Municipal, nos termos do § 3.º do artigo 145.º do Código Administrativo.Art. 50.º No caso de se adoptar a primeira das modalidades referidas no artigo anterior, o médico será escolhido precedendo concurso documental, preferindo-se o concorrente que ofereça melhores garantias de idoneidade moral e profissional e de cooperação na realização dos fins das Casas do povo e do Estado.Art. 51.º O médico escolhido será contratado nas condições estabelecidas para o concurso, devendo o contrato ser reduzido a escrito e só vigorando a partir da sua homologação pelo subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.Art. 52.º Do contrato deve obrigatoriamente constar:!O nome do contratado;!Os serviços que se obriga a prestar;!Os honorários que receberá;

!O local onde serão dadas as consultas e, no caso de não serem diárias, os dias para elas designados;!A obrigação de substituição por outro colega sempre que tenha de ausentar-se por período superior a vinte e quatro horas;!O prazo de validade;!Os casos em que é permitida a rescisão.§ 1.º Sempre que for possível, consignar-se-á a obrigação de residência na localidade da sede da Casa do Povo ou, pelo menos, dentro da respectiva área.§ 2.º No quadro dos serviços a prestar incluir-se-á sempre a efectivação de pequenas palestras sobre temas elementares de higiene, profilaxia e puericultura.Art. 53.º No caso de se adoptar a segunda, o regime e condições em que o médico se obriga a prestar os seus serviços constarão de regulamento especial, que será submetido à sanção do I.N.T.P.Art. 54.º Os honorários dos médicos serão, de preferência, estabelecidos de acordo com o sistema de capitação e em função do número total dos beneficiários.

d) Do subsídio na doença

Art. 55.º O subsídio na doença será concedido aos sócios efectivos e mais pessoas a que se referem os artigos 39.º e 41.º, sempre que se verifique a sua incapacidade temporária para o trabalho e esta não resulte de doença crónica.Art. 56.º O subsídio será pago a partir do terceiro dia de doença verificada pelo médico, se a impossibilidade durar tempo igual ou superior, e referir-se-á apenas aos dias úteis de trabalho.Art. 57.º O subsídio será pago semanalmente, em dia certo s fixar pela direcção da Casa do Povo.Art. 58.º O subsídio será calculado sobre a base do salário médio corrente na região ao tempo da doença.Art. 59.º O quantitativo do subsídio será fixado pela forma seguinte: 40 por cento do salário nos primeiros trinta dias; 30

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por cento nos sessenta dias seguintes.§ 1.º Cada beneficiário não tem direito a mais de noventa dias de subsídio em cada ano, mas, excepcionalmente, a direcção da Casa do Povo poderá conceder-lho por mais trinta dias.§ 2.º Sempre que as condições de família a cargo do beneficiário o justifiquem e as receitas do Fundo de Previdência o permitam, as percentagens referidas neste artigo poderão ser elevadas respectivamente a 60 e 40 por cento.Art. 60.º Aos beneficiários que dentro do prazo de um ano, depois de terem tido alta, adoeçam novamente, será contado, para o efeito do cálculo do subsídio, o período de doença ou doenças anteriores.

e) Do subsídio por morte

Art. 61.º O subsídio por morte, cuja importância é fixada em 150$, destina-se ao pagamento das despesas com o funeral e luto e a ele têm direito, independentemente da habilitação judicial, os herdeiro legítimos que á data do óbito vivam em economia familiar com qualquer das pessoas a que aludem os artigos 38.º, 39.º e 41.º

f) Das outras modalidades de previdência

Art. 62.º As outras modalidades de previdência serão eventualmente estabelecidas de harmonia com os regulamentos que forem elaborados pela Casa do povo e sancionados pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

g) Da perda de direitos

Art. 63.º Os subsídios não reclamados no prazo de uma ano, a contar do último dia do seu vencimento, revertem para o Fundo de Previdência.h) das receitas do Fundo de Previdência

Art. 64.º Constituem receita do Fundo de Previdência:1.º A parte das receitas normais da Casa do Povo que for fixada de acordo com a previsão do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência;2.º O produto das contribuições dos indivíduos a que se refere o artigo 41.º;3.º Os subsídios recebidos do Fundo Comum das Casas do Povo com destino à realização dos fins de previdência;4.º Os donativos ou legados que forem feitos à Casa do Povo, por quaisquer entidades públicas ou particulares, com aplicação expressa a objectivos de previdência.

i) Da administração do Fundo de Previdência

Art. 65.º A administração do Fundo de Previdência compete à direcção da Casa do Povo, que será assistida pelo presidente da assembleia geral e poderá agregar a si, para a execução dos serviços, um sócio efectivo ou contribuinte, ou mesmo um empregado remunerado, o qual poderá prestar serviço em mais de uma Casa do Povo, sempre que as circunstâncias o justifiquem e o aprove o I.N.T.P.

4) Assistência

Art. 66.º A Casa do Povo destinará anualmente uma verba para auxílios imperiosos aos sócios efectivos, tendo especialmente em vista acudir aos inválidos, enquanto não estiver em condições de garantir a concessão regular de pensões de invalidez.Art. 67.º Destinar-se-á a reforço dos subsídios de invalidez a verba que para esse efeito for concedida pelas forças do Fundo Comum das Casas do Povo.Art. 68.º Entra na esfera de acção da Casa do Povo a criação de dispensários, lactários-creches e asilos para crianças e velhos, proporcionados às possibilidades locais, ou cooperar na sua fundação e manutenção.Art. 69.º Poderá também a Casa do Povo conceder,

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mediante autorização superior, subsídios pecuniários por nascimento de filhos e socorros farmacêuticos, assim como efectuar eventualmente a distribuição de alimentos e agasalhos em épocas de crise.Art. 70.º Incumbe ainda à Casa do Povo a defesa das condições de sanidade local, em especial contra a tuberculose, servindo-se para isso de todos os recursos de propaganda ao seu alcance e devendo submeter-se às normas estabelecidas pelos organismos superiores competentes.Art. 71.º A acção de assistência da Casa do Povo poderá estender-se às famílias dos sócios efectivos e ainda a outros indivíduos que, por falta de requisitos legais, nela se não possam esclarecer nessa qualidade.

5) Educação

Art. 72.º A acção educativa da Casa do Povo terá sempre em vista fortalecer nos meios rurais o culto da Pátria, o amor da terra, o sentimento de família e, de um modo geral, as virtudes cristãs da moral tradicional.Art. 73.º A instrução, ministradas nas escolas, cursos e postos de ensino para adultos e crianças, tomará como objectivo fundamental a formação ou o aperfeiçoamento dos conhecimentos profissionais de técnica agrária.Art. 74.º A Casa do Povo poderá, na medida em que o consintam as suas possibilidades, instalar uma pequena biblioteca de obras criteriosamente seleccionadas.Art. 75.º A Casa do Povo utilizará, sendo possível, o cinema como instrumento de cultura popular, promovendo a exibição de fitas adequadas e excluindo todas aquelas que possam constituir factor de perversão dos bons costumes e da ordem social.§ único. As entradas para os espectáculos serão em regra pagas a preços reduzidos, podendo estes, contudo ser fixados de modo a produzirem receita para o cofre da instituição.

Art. 76.º O número de espectáculos, cinematográficos ou outros, será fixado de forma que estes não venham a prejudicar os dias normais de trabalho, nem constituam, pela sua frequência, causa de perturbação na economia doméstica dos associados.Art. 77.º A Casa do Povo diligenciará igualmente desenvolver a cultura física dos seus filiados, pela utilização racional dos desportos, ficando, porém, a prática destes sujeita à fiscalização médica.§ único. Deverá a Casa do Povo, logo que lhe seja possível, adquirir ou arrendar terreno destinado à instalação de um campo de jogos.Art. 78.º Poderá ainda a Casa do Povo promover outras diversões além das indicadas nos artigos anteriores, mas tendo sempre em vista a finalidade educativa.Art. 79.º Em toda a actividade cultural, no tríplice aspecto da educação física, intelectual e moral, a Casa do Povo subordina-se às directrizes orientadoras da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.

6) Melhoramentos Locais

Art. 80.º A cooperação da Casa do Povo na realização de melhoramentos locais consistirá no recrutamento do pessoal desempregado e na fiscalização das respectivas condições de trabalho e ainda em comparticipações no custos das obras, carecendo neste caso de autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.

7) Outras formas de actividade

Art. 81.º A Casa do Povo poderá conceder empréstimos aos sócios efectivos para a exploração agrícola ou de pequenas industrias de caracter doméstico, desde que seja aprovado o regulamento destas operações de crédito e se encontre devidamente autorizada pelo Subsecretário de Estado das

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Corporações e Previdência Social.Art. 82.º A Casa do povo poderá promover entre os seus sócios, nos termos das leis vigentes, a organização de sociedades cooperativas de produção ou de consumo.

IV - Administração e funcionamento

1) Generalidades

Art. 83.º Os orgãos administrativos da Casa do Povo são a assembleia geral e a direcção.Art. 84.º A duração dos mandatos dos membros da mesa da assembleia geral e da direcção é de três anos.Art. 85.º É gratuito o exercício dos cargos da mesa da assembleia geral e da direcção.Art. 86.º É permitida a reeleição para todos os cargos sociais.

2) Da assembleia geral

Art. 87.º A assembleia geral é constituída por todos os sócios efectivos que sejam chefes de família e se encontrem no pleno gozo dos seus direitos de associados.Art. 88.º Compete à assembleia geral:1.º Eleger os membros da direcção e o 2.º vogal da mesa;2.º Examinar e discutir as contas anuais;3.º Apreciar e aprovar contratos e acordos colectivos de trabalho;4.º Discutir e votar as alterações a introduzir eventualmente nos estatutos que lhe forem submetidas pela direcção;5.º Dar parecer sobre todos os assuntos que lhe forem propostos pela direcção.Art. 89.º è expressamente proibida a discussão de assuntos alheios à competência da assembleia geral.Art. 90.º A assembleia geral reunirá ordinariamente uma vez em cada ano, até ao fim do mês de Fevereiro, para se pronunciar acerca das contas do exercício findo, e de três em

três anos, na segunda quinzena de Novembro, para proceder à eleição dos membros da direcção e do 2.º vogal da mesa.Art. 91.º A título extraordinário, a assembleia geral reunirá toda a vez que for convocada pelo presidente, quer por iniciativa própria, quer a pedido de um terço dos sócios efectivos que nela possam tomar parte.Art. 92.º A convocação da assembleia geral será feita por aviso afixado na sede da Casa do Povo durante os quinze dias que antecederem a data designada.Art. 93.º Os sócios não podem fazer-se representar nas sessões da assembleia geral.Art. 94.º A mesa da assembleia geral é formada por um presidente e dois vogais, um dos quais designado para substituir aquele nas suas faltas e impedimentos.§ único. O presidente e o vogal que deve substituí-lo serão eleitos de entre os sócios contribuintes e o outro vogal de entre os efectivos.Art. 95.º O presidente da mesa da assembleia geral e o vogal seu substituto são eleitos em reunião dos sócios contribuintes, que será convocada para se realizar na primeira quinzena de Novembro.§ único. Se não comparecer a maioria dos sócios contribuintes, será convocada de novo a reunião para os oito dias imediatos, e se desta vez não estiver presente um mínimo de dez sócios contribuintes considerar-se-á renovado o mandato para o novo triénio.Art. 96.º Incumbe ao presidente da assembleia geral:1.º Convocar as reuniões e dirigir os trabalhos da assembleia, mantendo a ordem e orientando a discussão dos assuntos;2.º Assinar o expediente e rubricar os livros que digam respeito à assembleia geral;3.º Dar posse aos membros da mesa e da direcção;4.º Assistir às reuniões da direcção, com voto consultivo, sempre que o julgue conveniente;5.º Outorgar com a direcção em todos os actos que interessem à Casa do Povo e devam constar de documento autêntico;

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3) Da direcção

Art. 104.º A direcção é constituída por três sócios efectivos, chefes de família e no pleno gozo dos seus direitos de associados, que exercerão os cargos de presidente, secretário e tesoureiro.Art. 105.º A direcção tomará posse no primeiro domingo imediato ao conhecimento pela Casa do Povo da sanção da respectiva eleição§ único. A direcção cessante continuará em exercício até à posse da nova, acto em que se efectuará a entrega de todos os bens da Casa do Povo por meio de inventário, que será devidamente assinado e arquivado.Art. 106.º A direcção deve reunir sempre que se torne necessário para o bom andamento dos negócios da Casa do Povo e, obrigatoriamente, pelo menos uma vez em cada mês.Art. 107.º Na primeira reunião de cada mês a direcção é obrigada a proceder à revisão de contas, com a assistência do presidente da assembleia geral, sendo o primeiro acto da reunião a conferência da caixa.§ único. Do livro de actas da direcção constará sempre o estado das contas.Art. 108.º Os directores e o presidente da assembleia geral são solidariamente responsáveis, civil e criminalmente, para com a instituição e para com terceiros pelos actos de gerência que importem infracção dos presentes estatutos ou das disposições legais aplicáveis.Art. 109.º A direcção não pode fazer por conta da Casa do Povo operações alheias à respectiva administração, cobrar cotas diferentes das estabelecidas legalmente ou aplicar quaisquer quantias para fins que não estejam expressamente designados.Art. 110.º Aos membros da direcção e ao presidente da assembleia geral é expressamente proibido negociar com a Casa do Povo, quer em nome próprio, quer por interposta pessoa.

6.º defender os interesses da Casa do povo no Grémio da Lavoura do concelho e promover, por todos os meios ao seu alcance, a íntima colaboração dos dois organismos;7.º Exercer a representação da Casa do Povo no Conselho Municipal;8.º Cooperar com a direcção na realização dos fins da Casa do Povo, orientando e fiscalizando a sua actividade.Art. 97.º Os dois vogais da mesa da assembleia geral secretariam as reuniões, incumbindo-lhes de todo o expediente respectivo e a escrituração dos livros competentes.Art. 98.º As eleições realizam-se por escrutínio secreto, devendo as listas indicar os nomes e os respectivos cargos.Art. 99.º Finda a eleição, serão proclamados eleitos os mais votados; no caso de empate preferirá o sócio mais antigo, e em igualdade de circunstâncias o mais idoso.§ único. As dúvidas que se levantarem serão resolvidas pela mesa.Art. 100.º A eleição só é válida depois de sancionada pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.§ único. No caso de recusa da sanção proceder-se-á a nova eleição total ou parcial, no prazo máximo de quinze dias.Art. 101.º Os lugares que vagarem depois da eleição serão preenchidos por designação do presidente da assembleia geral, sancionada nos termos do artigo anterior, devendo os escolhidos servir até ao fim do triénio em curso.Art. 102.º Não podem ser eleitos para os cargos sociais:1.º Os sócios que houverem feito parte de alguma direcção dissolvida pelas autoridades competentes;2.º Os sócios que sejam devedores à Casa do Povo de quaisquer quantias ou que figurem como fiadores ou abonadores em contratos com ela celebrados;3.º Os sócios que, por qualquer forma, negoceiem com a instituição.Art. 103.º Nenhum associado poderá votar em assunto que lhe diga particularmente respeito.

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Art. 111.º Compete à direcção:1.º Representar a Casa do Povo em juízo e fora dele, salvo o disposto no n.º 7.º do artigo 96.º;2.º organizar os serviços da instituição e contratar os empregados, fixando a sua remuneração;3.º Apresentar anualmente à assembleia geral as contas do exercício anterior;4.º Assinar, em nome da Casa do Povo, contratos e acordos colectivos de trabalho e demais compromissos de carácter corporativo, quando para tanto autorizada, e assegurar a sua execução por todos os meios legítimos ao seu alcance;5.º Executar e fazer executar pelos associados as disposições destes estatutos e as disposições legais vigentes e bem assim as deliberações da assembleia geral;6.º Administrar as receitas com o maior zelo e economia;7.º Aplicar penalidades nos termos dos presentes estatutos;8.º Resolver sobre as pretensões formuladas pelos sócios ou por outros beneficiários do Fundo de Previdência;9.º Propor ao presidente da assembleia geral a reunião desta, quando o entender indispensável.10.º Dar balanço mensalmente aos fundos da instituição, verificando os documentos de caixa;11.º Organizar e remeter à mesa da assembleia geral a relação dos sócios que podem votar e ser votados para os diferentes cargos da Casa do Povo, até três dias antes das respectivas reuniões;12.º Patentear a escrita e mais documentos aos funcionários do I.N.T.P., no exercício das suas funções de fiscalização;13.º Escriturar devidamente os livros competentes;14.º Tomar conhecimento das faltas verificadas no serviço e providenciar convenientemente;15.º Outorgar em todos os actos que interessem à Casa do Povo;16.º Praticar todos os mais actos conducentes à realização dos fins da Casa do Povo e tomar todas as resoluções necessárias em matérias que não sejam declaradas da competência da assembleia geral;

17.º Elaborar os orçamentos.Art. 112.º Incumbe especialmente ao presidente da direcção:1.º Convocar as reuniões da direcção, de acordo com o presidente da assembleia geral;2.º Assinar a correspondência;3.º Superintender em todos os assuntos administrativos e orientar os serviços.Art. 113.º É das atribuições do secretário:1.º Substituir o presidente nas suas faltas e impedimentos;2.º Lavrar as actas das sessões da direcção e executar o mais serviço de secretaria.Art. 114.º O tesoureiro é o depositário responsável dos fundos da Casa do Povo; e como tal pertence-lhe:1.º Observar todas as resoluções da direcção que digam respeito a receita e despesa;2.º Receber e guardar os valores pertencentes à instituição;3.º Escriturar o livro «Caixa» e tê-lo sempre em dia, extraindo periodicamente os dados necessários para se avaliar a situação económica da Casa do Povo;4.º Arquivar todos os documentos de receita e despesa;5.º Preencher e assinar os recibos das cotas ou de quaisquer outras verbas de receita;6.º Manter a direcção a par do estado das cobranças, particularmente no que respeita ao pagamento de cotas.Art. 115.º O secretário e o tesoureiro, nos seus impedimentos temporários, serão substituídos pelos sócios efectivos que o presidente da assembleia geral designar.

V - Regime Financeiro

Art. 116.º O exercício anual da Casa do Povo corresponde ao ano civil.Art. 117.º Constituem receita da Casa do Povo:1.º O produto das cotas dos sócios efectivos, contribuintes e protectores;2.º As importâncias pagas pelos beneficiários do Fundo de Previdência;

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Art. 123.º A Casa do Povo não pode utilizar ou ceder, em nenhum caso, a sua sede ou contribuir com os seus meios de acção para qualquer espécie de actividade política ou social contrária aos interesses da Nação ou à Constituição do Estado.Art. 124.º A Casa do Povo pode adquirir, a título gratuito ou oneroso, terrenos para edificação de prédios urbanos, destinados às suas instalações ou para directa realização dos fins sociais.Art. 125.º Nos termos da lei, a Casa do Povo está isenta de:!Custas e selos nos processos judiciais, administrativos e

fiscais em que for interessada;!Imposto do selo no alvará de aprovação dos estatutos, nos

livros de escrituração, nos recibos de cotização dos sócios, nos recibos passados pelos sócios ou outros beneficiários por quaisquer quantias recebidas a título de previdência ou de assistência, nas reclamações e recursos sobre assuntos do seu interesse e documentos que os instruam;

!Sisa ou imposto sobre sucessões pela transmissão de quaisquer bens mobiliários e imobiliários que adquira por qualquer título, com prévia autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, na parte que for destinada para sua instalação e directa realização dos seus fins;

!Contribuição predial relativamente aos prédios que possuir nas condições da alínea anterior, sem prejuízo da isenção geral concedida pela legislação vigente para o fomento da construção de habitações.

Art. 126.º Dentro da área da Casa do Povo não poderá, de harmonia com a lei vigente, ser autorizada a criação nem permitido o funcionamento de outra organização da mesma índole ou de qualquer associação recreativa cuja acção contrarie ou embarace a sua.§ único. Pode igualmente ser proibida a instalação de estabelecimentos de venda de vinho a copo num raio de 100 metros em torno do edifício da Casa do Povo, se a vizinhança de tais estabelecimentos for nociva à vida social da instituição.

3.º Os subsídios do Fundo Comum das Casas do Povo;4.º Os auxílios do estado por ocasião de epidemias ou outras calamidades;5.º Os donativos, legados ou heranças aceites a benefício de inventário e precedendo autorização do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social;6.º Os juros e outros rendimentos dos bens que possuir;7.º Os proventos resultantes de qualquer forma de actividade que exerça e deva ser remunerada, nos termos dos estatutos e da lei.Art. 118.º As despesas da Casa do Povo são as que provierem da execução dos presentes estatutos e da legislação aplicável.Art. 119.º Anualmente será pela Casa do Povo elaborado e submetido, até 30 de Novembro, à sanção do I.N.T.P. o orçamento para o ano seguinte, em que se discriminarão as receitas ordinárias e as extraordinárias, e bem assim as despesas de administração, sociais e de fomento, descrevendo-se em rubricas próprias as verbas que especialmente se referem a movimento do Fundo de Previdência.Art. 120.º A Casa do Povo poderá elaborar, no decorrer do ano, até dois orçamentos suplementares, destinados a ocorrer a despesas imprevistas ou insuficientemente dotadas no orçamento ordinário, devendo estes orçamentos ser igualmente submetidos à sanção do I.N.T.P.Art. 121.º Até 31 de Março de cada ano serão apresentadas no I.N.T.P. as contas relativas ao exercício anterior.

VI - Disposições gerais e transitórias

Art. 122.º A inscrição como sócios de todos os indivíduos em situação de serem admitidos como efectivos ou contribuintes deverá estar completa no prazo de três meses, contados da publicação no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência do alvará de aprovação dos estatutos da Casa do Povo.§ único. Observar-se-ão, quanto à inscrição inicial dos sócios, as disposições contidas no artigo 11.º e seus parágrafos.

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Art. 127.º Nos termos da lei, o Estado vigiará o funcionamento da Casa do Povo, podendo suspender temporariamente a sua actividade ou dissolvê-la no caso em que a sua acção se torne prejudicial aos interesses da ordem publica e social, independentemente das sanções pessoais aplicáveis.§ único. Em caso de dissolução os bens da Casa do Povo passarão para o Estado até à concorrência da cota entregue por este e o restante será destinado ao cofre da Junta de Freguesia.Art. 128.º A Casa do Povo está, nos termos da lei, sujeita, quanto à sua actividade económica e social e à administração dos seus fundos, à fiscalização regular do I.N.T.P.Art. 129.º Os presentes estatutos poderão ser alterados em virtude de proposta da assembleia geral, aprovada pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.Art. 130.º Nos casos omissos observar-se-ão os princípios consignados no Estatuto do Trabalho Nacional e a mais legislação aplicável às Casas do Povo.

Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, Ano VIII - N.º 4, 28 de Fevereiro de 1941, págs. 101 a 107

Anexo II

Regulamento dos espectáculos cinematográficos dosorganismos corporativos

1.º Todos os espectáculos cinematográficos realizados com os projectores adquiridos através da Junta de Acção Social serão organizados por esta á qual os organismos corporativos se devem dirigir para o efeito.

§ único Quaisquer outros espectáculos cinematográficos que, acaso, as direcções dos organismos corporativos

queiram organizar necessitarão de autorização que será dada conforma a índole do programa que, previamente, deve ser presente á Junta de Acção Social.

2.º Os espectáculos cinematográficos assim organizados estão isentos das disposições constantes na portaria n.º 6:501 de 26 de Novembro de 1929 e, ainda, dos decretos 13:564, de 6 de Maio de 1937 e 34:590, de 11 de Maio de 1945, ao abrigo dos decretos n.º 37:836, de 24 de Maio de 1950 e 35:460 de 19 de Janeiro de 1946.

3.º A Junta da Acção Social fornecerá todos os filmes necessários á manutenção quinzenal dos espectáculos, encarregando-se igualmente da sua expedição para os organismos corporativos. Estes, todavia, pagando essa despesa, devem devolvê-los para a Sede da Junta, logo no dia seguinte ao do espectáculo.

4.º Deve ser rigorosamente respeitada a classificação oficial dos programas emanada da Inspecção dos Espectáculos.

5.º Os organismos corporativos são responsáveis perante a Junta da Acção Social por quaisquer danos causados nos filmes desde que se verifique que os prejuízos resultaram da inobservância das regras para uso dos projeccionistas que, oficialmente e em devido tempo, foram fornecidas aos interessados.

6.º Este regulamento deve ser afixado na sede dos organismos corporativos em local bem visível e de modo a que, sendo contrariado, se não possa alegar o seu desconhecimento.

Lisboa, 29 de Março de 1961

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Anexo III

N.º DE CASAS DO POVO FUNDADAS DE 1933 A 1974 POR DISTRITO(14)

DISTRITOS 1933-39 1940-49 1950-59 1960-69 1970-74 TOTAL

Angra do Heroísmo 2 2 0 5 20 29

Aveiro 6 6 3 5 48 68

Beja 40 18 2 1 3 64

Braga 11 83 0 3 3 100

Bragança 21 4 6 6 6 43

Castelo Branco 21 7 4 0 17 49

Coimbra 17 6 6 5 31 65

Évora 20 17 5 2 0 44

Faro 12 7 1 2 17 39

Funchal 3 0 1 0 13 17

Guarda 9 5 1 7 30 52

Horta 1 1 0 0 16 18

Leiria 6 3 1 0 18 28

Lisboa 3 9 3 5 37 57

Ponta Delgada 7 2 2 6 8 25

Portalegre 25 23 3 5 0 56

Porto 3 10 2 7 44 66

Santarém 21 10 7 12 20 70

Setubal 10 5 1 0 5 21

Viana do Castelo 10 8 0 5 15 38

Vila Real 24 3 10 6 12 55

Viseu 21 7 5 10 52 95

TOTAL 293 236 63 92 415 1099

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BIBLIOGRAFIA

Junta Central das Casas do Povo - Lista das Casas do Povo - Lisboa, 1974 Marques, Henrique - Essência do Corporativismo em Portugal, 2ª edição, Braga, Livraria Cruz, 1952Mora, Mário Damas - As Casas do Povo no Estado Corporativo - Lisboa, Edições Cosmopólia, 1935Rosas, Fernando e Brito, J.M. Brandão - Dicionário de História do Estado Novo - vols. I e II, Lisboa, Edição Círculo dos Leitores, 1996

LEGISLAÇÃO CONSULTADA

Casas do PovoDecreto-lei n.º 23:051 (23 de Setembro de 1933)Autoriza em todas as freguesias rurais a criação das Casas do Povo, organismos de cooperação social, com fins de previdência, assistência, instrução e progressos locais. (D.G. 217)Decreto-lei n.º 23:378 (20 de Dezembro de 1933)Inscrita no orçamento do Ministério da Finanças a verba destinada ao pagamento de dotações às Casas do Povo, nos termos do decreto-lei n.º 23:051.Decreto-lei n.º 23:618 (1 de Março de 1934)Autorizado o subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social a aprovar a criação das Casas do Povo, prevista no decreto-lei n.º 23:051, em localidades que, não sendo freguesias rurais, reunam todavia condições que tornem recomendável a existência daquelas instituições.Decreto-lei n.º 23:951 (2 de Junho de 1934)Consideradas abrangidas pelo preceituado no artigo 25º do decreto-lei n.º 23:051 as instituições de Caixas de Previdência criadas nas Casas do Povo ao abrigo do disposto no § único do artigo 5º do mesmo decreto e cujo regulamento tenha sido aprovado pelo subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.Decreto-lei n.º 23:550(Associações de Classe)As importâncias provenientes da liquidação das Associações de Classe, que não possam ser aplicadas conforme as disposições do decreto-lei n.º 23:050, devem ser destinadas a subsídios às mutualidades das Casas do Povo, nos termos do decreto-lei n.º 23:051.Decreto-lei n.º 24:511 (27 de Setembro de 1934)Para pagamento das dotações às Casas do Povo, nos termos do artigo 25º de decreto-lei n.º 23:051.Despacho Ministerial (29 de Setembro de 1934)Ministério do Interior (Direcção Geral de Saúde)Aprovado o parecer da Direcção Geral de Saúde no sentido de se criarem, com a colaboração das Câmaras Municipais, Casas do

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Povo e Misericórdias, centros de saúde, com o fim de se proporcionar assistência médica profícua às populações rurais.Decreto-lei n.º 27:646 (9 de Abril de 1937)Ministério das Finanças (Direcção Geral da Contabilidade Pública)Destinado á constituição de Casas do Povo.Decreto-lei n.º 28:859 (18 de Julho de 1938)Regulamentado o seu funcionamento/Regulamenta o funcionamento das Casas do Povo.Decreto-lei n.º 29:418 (1 de Fevereiro de 1939)Cedido, a título de arrendamento, á Casa do Povo da freguesia de S. Bartolomeu de Messines um prédio situado na Rua de Miguel Bombarda, para ali ser instalada a sua sede.Decreto-lei n.º 29:474 (7 de Março de 1939)Autorizada a Câmara Municipal do Concelho do Crato a ceder gratuitamente à Casa do Povo local uma parcela de terreno com destino à construção do novo edifício para a sede do referido organismo corporativo.Decreto-lei n.º 29:506 (30 de Março de 1939)Autorizada a Câmara Municipal do Concelho de Abrantes a ceder gratuitamente à Casa do Povo de S. Miguel do Rio Torto uma parcela de terreno com destino à construção da sede do referido organismo corporativo e respectivo recreio.Decreto-lei n.º 29:580 (10 de Maio de 1939)Autorizada a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos a ceder gratuitamente à Casa do Povo local uma parcela de terreno com destino à construção da sede social do referido organismo corporativo e respectivo recreio.Decreto-lei n.º 30:710 (29 de Agosto de 1940)(rect. D.G. 261)Nova organização das Casas do Povo.Portaria 9:807 (4 de Junho de 1941)Substituídas as taxas sobre cortiça a que se refere o art.º 14º do decreto-lei n.º 30:710, que estabelece a nova organização das Casas do Povo.Despacho (9 de Setembro de 1941)Despacho Ministerial de 5 de Setembro de 1941 (D.G.213)Taxas, sobre lãs nacionais, destinadas ao Fundo Comum das Casas do Povo.Decreto-lei n.º 34:373 (10 de Janeiro de 1945)Criada, junto do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, a Junta Central.Portaria 11:866 (3 de Junho de 1947)Criados, conforme os modelos E/G, E/S, E/C, e E/P anexos a esta portaria, cartões de identidade a emitir, respectivamente, pelos Grémios, Sindicatos Nacionais, Casas do Povo e Casas de Pescadores.Junta Nacional do AzeiteDecreto-lei n.º 23:403 (26 DE Dezembro de 1933)Normas a que se deve satisfazer o manifesto dos lagares de azeite e das fábricas de produção ou de refinação de azeite ou de outros óleos comestíveis.

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Notas:

1- Marques, A. H. de Oliveira Breve História de Portugal 2ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 19962- "As Casas do Povo merecem, pelo simples facto de fomentarem a cooperação e a paz social, a melhor compreensão, pois representam o princípio básico da nossa ética constitucional, igualmente definida no Estatuto do Trabalho Nacional" (Maria Eugénia Torres Pereira, Carlos Alberto Dominguez Calado, Casas do Povo, Lisboa, Editorial Império,LDA, 1960, pág. 21)3- Esta inauguração aconteceu na aldeia de Barbacena no Alto Alentejo pelo Dia de Reis de 1934, tendo constituído o primeiro acto inaugural desse ano4- «Problemas actuais da organização corporativa do meio rural» in I Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social. Comunicações, vol. III, Lisboa, 1961, pág. 3195- Decreto-Lei n.º 23.051 de 23 de Setembro: art.º 2º - "A esfera de acção das Casas do Povo circunscreve-se à respectiva freguesia rural"; art.º 3º - "Dentro da mesma freguesia rural não pode haver mais do que uma Casa do Povo(...)".6- Competia às Casas do Povo a criação de escolas ou postos de ensino bem como de pequenas bibliotecas, destinadas à consecução deste fim.7- O desporto, devidamente fiscalizado, e o cinema (que não incorresse em perigo de perturbar os bons costumes ou a ordem ou, atendendo a que a entrada era paga, não fosse motivo de desequilíbrio dos orçamentos familiares), eram ainda meios de garantir a formação de "caracteres fortes, de trabalhadores activos e de cidadãos inteiramente votados ao serviço da Pátria" (art.º 12º).8- No desempenho da função orientadora e coordenadora que lhe é confiada, a Junta Central deverá ter em vista a plena realização da finalidade das Casas do Povo, tendendo a constituir nelas os centros naturais da vida rural, núcleos de convívio e de cooperação, através dos quais se exerça a acção de previdência e de assistência, se participe nos melhoramentos locais, se assegure a defesa dos legítimos interesses do trabalho e se desenvolva uma longa acção educativa, tanto no aspecto do ensino organizado como no aproveitamento do tempo disponível dos trabalhadores, com o objectivo da sua valorização física e da elevação do seu nível cultural e moral.

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9- Durante toda a actividade de laboração das Casas do Povo existia um Fundo Comum para a sua organização e pleno funcionamento.10- Constituição da Comissão Consultiva: um representante da Direcção Geral da Assistência; um representante da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização; um representante da Direcção Geral do Ensino Primário; um representante do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo; três representantes das Casas do Povo; três representantes dos Grémios da Lavoura.Os representantes das Casas do Povo e dos Grémios da Lavoura são escolhidos pelo Subsecretário de Estado das Corporações, respectivamente, de entre os presidentes da Assembleia Geral e os presidentes da Direcção daqueles organismos, pertencendo, por categoria, um dos lugares a cada uma das zonas norte, centro e sul do país.11- O seu Alvará consta de 9 capítulos e foi aprovado pelo Subsecretário de Estado das Corporações e previdência e publicado no N.º 18 do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.12- No final encontra-se uma relação de sócios que têm auxílio imperioso.13- Se a Casa do Povo compreender mais de uma freguesia e se reconhecer vantagem na organização de delegações deverá inserir-se um § único, assim redigido:«Para melhor realização dos fins sociais na freguesia (ou nas freguesias) de ... será organizada uma delegação (ou serão organizadas delegações), dirigidas por um sócio contribuinte e dois efectivos, escolhidos, respectivamente, pelos membros da Assembleia Geral e da Direcção. 14- O quadro foi elaborado a partir de elementos colhidos na lista de Casas do Povo divulgada pela Junta Central das Casas do povo, em 1974.

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Quadros da Borda d’Água

Francisco Serra Frazão

Crónicas da Borda d’ÁguaPublicadas no jornal Primeiro de Janeiro, 1939

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Quadros da Borda d'água

Não é com propriedade que se chamam pastores aos homens que, na vastidão das lezírias do Tejo, vigiam as manadas de cavalos ou de touros, durante todo o santo ano, excepto naqueles meses em que as águas espraiando-se pelo campo, fazem da planície um verdadeiro mar, com ondulações perigosas e uma corrente que tudo arrasta, derruba e destrói na sua passagem. O seu nome vulgar é “moirais”, pronuncia popular da palavra “maiorais”. É um dos maiores títulos de honra que se pode conferir a um desses rapazolas que estão para entrar nas sortes, e passam por nós galopando nos seus belos alazões, com a ponta do barrete a vasculhar-lhes o ombro, de botas ou sapatos enlameados, em que mal se vê luzir a larga fivela da espora, e com a vara ou o cajado seguro debaixo da nádega direita, é o título de maioral. Se deles queremos saber qualquer coisa, não os tratemos por senhor, timidamente, respeitosamente, cortêzmente, porque nos olharão desconfiados e o galope do seu cavalo não será sopesado, e lá vão lezíria fora, sem nos darem a confiança de um cumprimento; mas se qualquer de nós parar à beira da estrada ou da cortada, e lhes dirigir, em voz possante, um:-Eh! Moiral!Imediatamente o cavalo estacará a uma forte pressão do freio ou do bridão, enquanto a mão direita do interrogado faz deslizar o barrete da cabeça até ao ombro, em atitude obsequiosa:-Eh! Lá, patrão; quer' alma-coisa?E, então, podemos fazer-lhe as perguntas que entendermos, porque temos ali homem para nos responder a tudo, pois sabe quantas vacas, quantos bois, bezerros, éguas, cavalos e poldros pastam na

lezíria, conhece os donos de todo o gado e os nomes dos lavradores “que fazem” as diferentes folhas do vastíssimo campo, sendo capaz de ir, de noite, em pleno escuro, ou densa cerração, seja para onde for, que não é menos aguçado o seu instinto que o do cavalo que monta, que é o seu amigo, o seu companheiro, quase uma pessoa de sua família. A ele quem o livra, quase todos os dias de uma possível carícia dos cornos de um toiro, a ele que o transporta para além do lamaçal, onde ficaria submerso, a ele quem o transporta, nadando, para a margem oposta de qualquer “ aberta” mais larga, para não ir dar uma larga volta em busca da ponte. Por isso ele o afaga e acarinha, dizendo-lhe até, em ar de rifão, a propósito de pessoa que tem tudo quanto lhe apeteça em casa de um amigo: - “Aquele, ali, é como o cavalo do moiral; come por onde quer”.Disse, a princípio que não era com propriedade que se chamam pastores a estes vigilantes de gado; e assim é. O pastor é o que pastoreia, e, por extensão, o que vai guiando, ensinando a vereda; e o maioral não tem que

Maioral Joaquim Ganhão tirando o toiro às vacasMMB Reg. Nº 222/88

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ensinar a vereda ao seu gado. De manhã, abre-lhe as largas cancelas do “aposento” e o gado fica em plena pastagem. Poderá, em arroubos de cio, algum dos garanhões, transpor a vedação da folha do vizinho; mas que importa isso; que importa mesmo que, em vez de um cavalo, para lá se passem três ou quatro, ou meia dúzia deles? Na Borda d'água não se é “comichoso” por causa de uns palmos de terra ou de umas gavelas de feno. Se tudo aquilo é tão grande e tão rico! Se a terra é tanta, louvores a Deus, que bastariam apenas as marradas que ficam por lavrar, ao fazer as sementeiras para fazerem a fortuna de povoações inteiras dos concelhos do norte! Se tudo aquilo é tão grande e tão rico!Nas serras, por um palmo de terra, porque uma cabra entrou na propriedade alheia, onde tasquinhou duas folhas de couve, pode matar-se um homem, não tanto pelo facto, mas pelo azedume que a discussão conduz;

mas na Borda d'água quer-se lá saber de uma coisas dessas! Poderá haver zaragata ruidosa, por causa de uma ponta de pinheiro que se levou de junto da casa do vizinho, ou de um bocado de tábua, que se pretendeu subtrair a furta-la-capa, mas por causa de meia geira de terra, nem pensar nisso. Por um figo, pode um serrano ser derribado de uma figueira abaixo, com uma calhoada, mas no Ribatejo, se se passar por uma vinha ou por um meloal, não é preciso grandes rogos para que nos encham uma cesta de uvas fresquinhas ou um saco de aromáticos e preciosos melões. Não gostam que lhes mexam na “novidade”, por causa dos maus exemplos; mas pedir para comer?... Quanto se queira e para levar para o caminho não faltará também.Não há vida como a dos maiorais da Borda d'água, pelo menos desde Março a Julho. Todo o santo dia deitados à revessa de um valado sentindo a aragem fresca dedilhando harmonias nos arames das tapadas, vendo o gado lustroso, luzente, com feno até acima do joelho… abençoado tempo! Mas depois vêm as debulhas; e o maioral tem de atirar para o lado a manta e o cajado e então ali é que é p'rá banda das mãos! Depois o Inverno com todos os eus riscos de inundações, com os seus frios cortantes e lamas que os atascam e absorvem. De dia e de noite molhados até aos ossos, passam muitas inclemências os pobres maiorais. Mas têm os serões nas pousadas, serões em que há poesia, em que há qualquer coisa de primitivo, em que há liberdade, como livre é ainda toda a vida sadia da lezíria ribatejana. Quanto tivermos de nos referir aos pastores da Serra, que confina com a Borda d'água, procuraremos estabelecer o paralelo, entre a vida deles e dos pastores ou maiorais da Lezíria, o que não é possível fazer neste acanhado cantinho.

Maioral Carlos Feijoca com o gadoMMB Reg. Nº 298

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A Tralhoada

Sabe-se que uma das principais riquezas do Ribatejo, além dos seus preciosos trigos e dos seus afamados vinhos, é constituída pelas suas abundantes manadas de bois e de cavalos; porque, não obstante estes terem rareado muito devido ao desenvolvimento da tracção mecânica, ainda há grandes manadas porque os seus serviços agrícolas e os seus estrumes são de grande apreço nestas terras. E os bois apesar da decadência das toiradas terem sido quase batidas pelo futebol, ainda representam um grande e apreciável valor, porque, se a rapaziada se extasia hoje mais à vista de um pontapé bem dado, ou de uma “cabeça” a tempo, que dantes se extasiavam perante a arte verdadeiramente estética de uma espada de cartel, o que é verdade é que ainda não se inventou coisa que substitua com vantagem o saboroso bife na grelha ou a saborosa posta da chã de

dentro devidamente lardeada de toicinho de Aldeia Galega. Também, não obstante ser grande a quantidade de coiros de zebra, de pacassa, de ngunga e de outros bicharocos das selvas africanas, o coiro dos bois ainda não encontrou vantajoso substituto que nos livre as plantas dos pés da agressividade das calçadas de grande parte das nossas povoações civilizadas.O boi da Borda d'água, na sua grande maioria de cor negra, encontrando-se um ou outro jardo, malhado de branco, ou amarelado, é um boi próprio para o trabalho, pouco sensível à fadiga, muito parco na alimentação; e, como é criado em regime de pascido, à vontade, nunca experimentando a estabulação, nem mesmo nos dias de grandes tempestades, é bravo, não por instinto, mas porque lhe desenvolveram essa má qualidade e lha refinaram em sucessivos cruzamentos.

Manada de toiros na pastagemMMB Reg. Nº 263/88

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Quando em manada, no campo, não agride ninguém, excepto se o desafiam ou provocam; porque, não sendo provocado, podemos passar por entre os toiros da manada, onde não haja vacas com crias, que são às vezes as mais perigosas, que nenhum mal nos fazem. Mas livrar do encontro nada desejável de u toiro tresmalhado, ou fugido, ou perseguido pelos pastores; porque, se encontra alguém, arremessa-se como uma verdadeira fera. Uma vez, estávamos numa aldeia do coração da Borda d'água, quando se sentiu algazarra, lá para o fim do lugar. São toiros, informaram e, como se aquela gente não estivesse farta de ver toiros, tudo correu às portas, às janelas, aos muros, aos valados, ver os toiros que passavam.

Uns malteses que se dirigiam à sua vida com os alforges às costas, sentindo o alarido, colocaram os alforges apressadamente na berma da estrada e fugiram para detrás de um muro, a fim de se porem a bom recato. Eram dois toiros seguidos de bem longe por dois campinos a cavalo e, quando passaram perto dos alforges, como num gesto combinado, atiraram-nos ao ar como uma pampulhada de chavelhos. Um dos malteses olha para o companheiro com ar de caso e comenta: - Eh Manel! Olha a volta ca gente levava se ainda estivesse de alforges às costas, an?!Estes bois, depois de corridos, se a isso se prestam, e depois de devidamente castrados, são aproveitados para a tralhoada, que o mesmo é que dizer para os serviços da charrua, em terras alagadiças, onde os tractores não poderiam trabalhar; e o dia em que se metem toiros à tralhoada é um dia de verdadeira festa ribatejana, até mesmo para aqueles que directamente e perigosamente nela são obrigados a tomar parte. Estão as charruas no rêgo, como os bois do coice jungidos à canga, perto dos quais se encontram, firmes como rochas, os abegões que sabem da coisa. Dali a pouco, correria daqui, cerco dali, lá se vêem aproximando os bois bravos que pouco experimentaram as doçuras de um colarinho de madeira com uma gravata de coiro cru. E então começa a algazarra, de que se destaca a sílaba:-Trou! Trou! Trou!

Junta de bois na preparação da terraMMB Reg. Nº296/88

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Repetida por uma ou duas dezenas de vozes, num sussurro ensurdecedor; e os bois coitados, num instinto de conservação e defesa, lá se vão chegando para os seus companheiros de infortúnio e quase sem saberem como nem por quem, lá estão também jungidos, com as piaças no pescoço e as brochas amarradas sob o pavio!Não são laçados, como era lícito supor-se; entram no jugo devido ao barulho e à grande perícia dos abegões e maiorais que lidam com aquilo, com a facilidade com que o cigano lida com os seus burricalhos.No segundo dia, já quebrados das forças, porque os primeiros rêgos que dão custam-lhes um esforço que chegaria para lavrar uma boa geira, já não fazem tamanha oposição ao serviço que se lhes dirige; e depois da primeira semana de trabalho, estão metidos à tralha e prestam ao lavrador os mais valiosos serviços. Lavram a terra, puxam o carro, debulham o calcadoiro, se for necessário, mas isso hoje é raro, porque as debulhadoras são mais práticas e de melhor rendimento e, sem perderem nunca o seu instinto de marrar, tornam-se às vezes perigosos; porque os carreiros, supondo-os já perfeitamente amansados, vêem a morrer-lhes nos cornos, por excesso de imprevidência e de confiança em quem nasceu para marrar.Campino Custódio David

MMB Reg. Nº 246/88

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Elisabete Oliveira Docente da FPCE/UL. Pintora. Conselheira Mundial InSEA/UNESCO, 1988-1997

A BENAVENTE DESEJADA

E JÁ NASCIDA NA IMAGINAÇÃO DOS PEQUENINOS

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Por iniciativa da C. M. de Benavente/Museu Municipal, em 1995/O3/22, orientámos uma manhã de Acção de Formação para vinte professores e oitenta alunos (rapazes e raparigas, especialmente do Concelho de Benavente) das Escolas C+S e Secundária de Benavente desta, escolhidos alunos de opções mais pró-culturais abordando o Foral de Benavente, integrada no projecto das comemorações dos seus 800 anos para o ano 2000.

Foi uma OFICINA DE IDEIAS, actividade complexa aplicando metodologias alicerçadas no processo de projecto, resultante do trabalho de grupo(s); e tendo as componentes de reflexão sobre valores/atitudes importantes para os participantes (por exemplo, de intervenção cultural); confrontação/análise de situações problemáticas, com hipóteses/ recursos de mudança; busca/partilha de soluções; e eventual lançamento de uma dinâmica de concretização das soluções, em que os seus conceptualizadores assumissem implicar-se e/ou implicarem outros .Os objectivos prioritários foram os seguintes: .sensibilização dos participantes ao sentido de cidadania culturalmente interventiva, radicado no Foral;.reflexão sobre os valores da vida quotidiana /cultura em Benavente, num paralelo do que o Foral documenta e da vivência destes pelos participantes;.apreciação partilhada de documentos elaborados por participantes ou pelo Museu (sob nossa proposta), como motivação para a reflexão/projecto de intervenção dos participantes;

.concepção de projectos de intervenção, em trabalho de grupo, com vista à melhoria da qualidade de vida de Benavente, na perspectiva da dignidade já conferida pelo seu Foral, até ao ano 2000 - eventualmente implicando indíviduos e instituições benaventenses na sua possível concretização. E imediata partilha das propostas emergentes deste trabalho.

O problema em torno do qual se concretizou a Oficina de Ideias, foi assim enunciado:O que faz falta que nasça e cresça em Benavente, para um quotidiano sócio-cultural que dê gosto, actualizando a dignidade de ser benaventense, que o Foral conferiu?

Recordamos alguns dos conceitos então explorados: (1)

Já Sócrates, como se lê em azulejos do Metro da Cidade Universitária/Lisboa, assim se visionou: Eu sou cidadão do mundo. Poderemos definir cidadania como a consciência de que temos direitos e deveres no sítio (próximo ou universal) onde existimos; esse lugar pertence-nos um pouco e nós pertencemos-lhe também. Deveremos reduzir a nossa passagem pela nossa terra a um acaso sem consequências, ou darmos-lhe contributos, à maneira preconizada por Saint-Exupéry quando - em Le Petit Prince - põe na boca do Principezinho as palavras ...ma fleur...j' en suis responsible! (p 91, ed.Gallimard 1946) ?

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Até onde poderemos ir, na nossa responsabilização pela valorização do que está à nossa volta? A resposta poderá marcar a diferença de mentalidade, a mudança de sermos consumidores para passarmos a ser fruidores, e até autores: a atitude implicada deixará de ser a de usar e gastar despreocupadamente, dando lugar ao uso evitando o estrago; com prazer; e facilitando que um prazer semelhante continue possível para outros. Por exemplo, saborear-se-á a Coca-Cola mas a embalagem não ficará lixo a poluir águas, campos, praias, ruas...os desperdícios poderão ir para os contentores de reciclagem, poupando recursos ... Preocupar-se com o respeito de uma ordem/forma de viver, foi algo para o qual já a pena de Pelágio, no Foral de Benavente, despertou: “...para vós povoadores de Benavente, tanto presentes como futuros.”Outro conceito a considerar é o de cultura. Paulo Freire, Pedagogo brasileiro que desenvolveu uma metodologia da alfabetização, como condição de autonomia (A Pedagogia do Oprimido. Afrontamento, Porto.1975), escreveu que uma alfabetizanda dissera que as flores são natureza mas, ao adornar a casa de flores, ela fazia cultura . O que se poderá entender por cultura ?- A esta pergunta, os participantes da Oficina de Ideias responderam, distinguindo as acepções de cultivo (uma plantação...) ou de algo feito/apreciado por alguém, porque isso lhe dá gosto.Segundo Malinowski (Une théorie scientifique de la culture. 1944,

Maspero. Paris. 1968), não basta a acção isolada para que se crie

cultura; é preciso que o grupo/comunidade/sociedade, assumam que as formas/práticas apropriadas ou emergentes são significativas para essa sociedade, são parte importante do seu viver, podem representá-la em certa medida. Àquelas formas (naturais ou construídas)/práticas, daremos a designação de património cultural dessa sociedade.Por exemplo, talvez não se conceba Benavente sem o trabalho dos campinos na lezíria, ou a açorda de sável; e sem outras características além-regionalismo, de âmbito nacional...? (…Um dos presentes assinalou o carácter de Benavente como Vila limpa, por isso recém-distinguida nacionalmente). Se há a substituição de soluções tradicionais como os celeiros da Vila por inovações como o hiper-mercado, todavia mantêm-se muitas tradições, certamente porque ainda encontram eco na população; é assim que as festas da Senhora da Paz mantêm os seus juízes-festeiros, de 1909 ao presente.

A i n t e r v e n ç ã o c u l t u r a l i m p l i c a u m a participação/responsabilização das pessoas ou grupos, inter-activa com a sociedade que deve servir; terá de ser intencional/finalizada, com vista às metas de qualidade almejadas nessa sociedade e, portanto, axiológica, norteada por valores assumidos em comum. E, para ser eficaz, deve ser sistemática - continuada e abrangente - de acordo com aquelas metas, enquanto permaneçam válidas, ou com reajustamentos/ inovações, se a evolução social o tornar necessário.

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Para orientar a actuação quotidiana, consciente ou inconscientemente, cada um faz o seu projecto de acção, parte do (mais vasto) projecto de vida, em que se interroga e auto-constrói/direcciona para o que deseja tornar-se, ou para aquilo em que a sociedade lhe vai permitindo que se torne (referimo-nos às dificuldades de acesso a certas vias de ensino e emprego desejadas). Flexibilidade e adaptabilidade são qualidades fundamentais para se lançar o projecto de intervenção cultural que, como vimos, empenhará a pessoa congregadamente com a comunidade próxima ou mais vasta em que se integre; e requer vigilância de reajustamento constante à realidade do envolvimento em imparável evolução. O projecto exige o reconhecimento das situações, suas tensões e factores/recursos de possível mudança para a solução dos problemas eventualmente detectados.

Em geral, ao buscarem-se novas soluções, o projecto de intervenção assumirá as componentes do processo (re)criador, compor-se-á de actos re-criadores partilhados; e, assim, compreenderá: - preparação, pesquisando-se o que exista e possa contribuir para resolver o problema detectado; incubação, buscando - divergentemente do conhecido - o ainda desconhecido, mas que pode servir melhor do que o existente; iluminação, o eureka, momento imprevisível em que se concebe a solução procurada; e verificação, confrontação do valor do que se encontrou com a realidade: sua aplicação, avaliação de

processo/resultado; e é desejável a disseminação da experiência havida, para relativização do seu valor face à reacção de outros e eventual redesign de melhoria.Notar-se-á que as descobertas só costumam acontecer a quem anda procurando mesmo que diversas daquilo que se procurava. E, como apontam as obras de E. Bono, facilitar-se-á a descoberta do desconhecido que é o que a futura intervenção cultural nos exigirá:- se se utilizar não só o usual pensamento vertical, de apropriação sequencial da informação do conhecido mas, também, o pensamento lateral - tacteando o desconhecido, como já Freinet preconizou ; - se se atender a recursos de: quebra com o pré-concebido; suspensão do juizo prematuro e bloqueador; admissão de alternativas; atendimento à verdade que possa existir no reverso do usual; progresso por patamares, quando necessário…-se se ultrapassarem os posicionamentos de Retroacção (preferir o passado...saias a arrastar, espadeiradas, exclusivo ruralismo), de Imobilidade (desejar, conservadoramente, que tudo se mantenha como está); e de Pré-acção (desejar mudanças mas aguardar que outros as consigam, sem contribuir para tal); e, em vez destes, se assumir um posicionamento de Pró-acção, geralmente interactiva (arriscar uma actuação, tentando alterar sistemas/condições, procurando conseguir a mudança sentida como necessária).

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Na experiência da intervenção cultural, facilitar-se-á o crescimento integral das pessoas e comunidades, nas seguintes dimensões/funções (exemplificamos com a intervenção pelo diaporama Aldeia do Peixe, apresentado por participantes, nesta sessão*):- dimensão material/função tecnológica - (Exº: domínio de técnicas de imagem/som/ texto, dotando a comunidade com um documento tecnicamente funcional),- dimensão social/função comunicativa (Exº: mensagem das condições preocupantes da vida naquela Aldeia, consciencializando quem souber Ver aquele documento, num apelo implícito à valorização, pela solução dos problemas detectáveis);-dimensão ontológica/de organização-de-vida (Exº: empenhamento patenteado; e desafio à comunidade: a passar da indiferença acomodada, ao posicionamento interventivo).* Os Alunos da E. Sec. de Benavente apresentaram dois Diaporamas, realizados sob orientação do Docente Galrito: o primeiro, Vila de Benavente, explorando o ambiente desta, comparando fotos da colecção do Museu com imagens captadas no presente pelos Alunos; o segundo, Aldeia do Peixe, incidindo no ambiente, pessoas e ofícios desta aldeia do Concelho de Benavente, afigurando-se-nos possuir força documental/social/poética.Na intervenção cultural, é atingível o âmbito estético - não no sentido da dicotomia bonito-feio, matéria de gosto pessoal ou dominante; mas como orientação do

potencial de transformação para a qualidade, no re-criar ou apreciar forma; isto é, sempre que se actue sobre forma, ter-se-á em conta a sua qualia (primeiridade, segundo C. Peirce), o seu carácter. E ter-se-á de ponderar o que é essencialmente caracterizador, necessário, a preservar; e o que haja a transformar, para melhoria. Os participantes na Oficina de Ideias enumeram componentes do carácter de Benavente, a preser var : campinos ; monumentos ; o típico/tradições (ruas e brancura das casas; festas); limpeza; o Parque; Rio e Lezíria; Pessoas marcantes...)

Ao aplicarmos a nossa energia de transformação, a mudança resultará sobre um sistema de âmbitos da realidade interactivos que explicitaremos num construto, segundo o qual:- Nada fazemos que escape ao enquadramento no envolvimento material - aqui, nesta terra. Neste, situa-se o desenvolvimento humano, nos planos instrumental e da comunicação. E, compreendidas nestes âmbitos, estão a Educação; e os domínios de Arte/Ciência e Técnica.No coração deste sistema, está a relação educador-educando. Assumimos que toda a acção com alcance educativo, recebe influências de - e influencia - estes âmbitos. E que é a imaginação quem nos conduz, na actuação, à concepção do inexistente, dando sentido ao desconhecido e criando mapas (mentais) de acção: actuaremos em direcção às metas ideais, ao imaginário, chegando ao possível; mas orientados para que esse possível se aproxime cada vez mais do imaginado,em melhoria crescente.

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Ao desafio-exercício de projecto, no sentido exposto, responderam** os participantes da Oficina de Ideias - em 8 grupos espontâneos, de cerca de 10 alunos e 1 a 2 professores (intervenientes se solicitados) - com registos e porta-vozes. De 1H de trabalho empenhado, emergiram 46 propostas, sugerindo dezenas de projectos que, em seguida, sintetizamos em 6 grupos de operacionalização, quantificando o volume das propostas e codificando os seguintes 8 grupos proponentes: E.C+S: A,E,F,G; 8º Ano:D; E.C+S & E.Sec.:B; E.Sec.:H; E.Sec.,11º &12º Anos:C.

** Um artigo sobre esta Oficina de Ideias, incluindo também a análise pluridimensional feita ao FORAL, foi publicado em O Professor, sequentemente, por Elisabete Oliveira.

PROPOSTAS DE PROJECTOS RECOLHIDAS (P): Compare-se com o que o labor da C. M. de Benavente concretizou, desde 1995, e nas Comemorações de 2000

P (13) Criação de Centros de Cultura e de Lazer (em espaços naturais e construídos).Ateliers de Leitura, Fotografia, Documentação e Convívio (B,D,G).(Revitalização do) Jardim da Fateixa (junto ao Rio; incluindo parque de merendas/bar podendo caber a este, o encargo da limpeza do local) (B,C)NB.O diaporama apresentado pelos alunos da E.Sec. sobre a Aldeia do Peixe ,implicitamente, propõe que esse local seja também alvo de revitalização - como espaço de pesca, banhos, etc..

.Discotecas, Locais de Convívio, na periferia (D,F)

.(Revitalização do) Rio, com pesca, barcos, banhos/Espaços para desporto, mais ao ar livre (F) .(Recuperação do) Parque, incluindo comércio adequado e jogos ao ar livre (G)

.(Apropriação da) Lezíria para passeios a cavalo (F)

.Recinto socio-cultural em tenda (C).(Alargamento da) Biblioteca ao Largo do Calvário (D)

P(10) Restauro/Recuperação do Património Construído: arqueológico/contemporâneo.Cine-Teatro (C,D,F,G).(Recuperação da) Estação Romana da Garrocheira (C/ colab. da CMB ; e das Escolas - abrindo, pelo menos, aos fins-de-semana) (D,E,G).(Melhoria do acesso e animação cultural do) Convento de Jenicó/(Restauro da) Traça arquitectónica e Pa t r imón io H i s t º d a V i l a , mob i l i z ando CMB/População/Escolas (D)

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P(11) Reconstituições (incl.criação de Feiras) .Comemoração/Feira anua l do Fora l , c/ gastronomia/música/dança/folclore da época (A,B,C,H) .Dramatização: 1200 vs. teatro de agora (A,B).Desfile dos Ofícios de 1200/Ceia, incluindo Cenas de antes vs. depois do Foral. (A).Tendas/Mercado Medieval anual, no Parque 25 de Abril, 3 dias, pelo S.Miguel (H) .Jogos Tradicionais (D).Passagem de Modelos de trajes antigos (com colaboração do Museu)( C )NB. O esforço de pesquisa para a concretização destes projectos, pode aplicar-se à criação de representações evocativas permanentes, em espaços públicos da Vila/Concelho de Benavente, exteriores ou interiores.

P ( 0 9 ) C r i a ç ã o d e O b j e c t o s d e Simbolização/Disseminação Cultural.Folheto de orientação turística; com percursos... (B,D).Logotipo Benavente/Mascote Benavente (D) .Calendários, postais, exposições de fotografia, desfiles, divulgando Benavente (D).Publicidade às Festas de Benavente (F).Concurso de Trabalhos Escolares relativos à valorização cultural de Benavente (E).Concurso de Pintura-paisagem, Consº de Benavente - c/ expo. itinerante nacional ( C ).Grupo de Guias Voluntários, das Escolas de Benavente, para darem a conhecer aos Turistas o património natural e construído da região Benaventense (B)

P(02) Encontros Intergeracionais, com os MAIS VELHOS.Para os mais novos aprenderem Ofícios/Para Debates (A)

P(01) Melhoria das Condições de Vida/Criação de Postos de Trabalho.(Urgente criação de) Centro de Recuperação de Tóxico-Dependentes (C)

À CMB foram encaminhadas 50 propostas - as relevantes 46 recebidas, mais 4, de Avelina Oliveira (AO) e Elisabete Oliveira(EO), derivadas do diálogo com os participantes:.(Criação da ) Avenida/Passeio dos Construtores de Benavente (ao longo do rio?). (EO) .Selo Postal Nacional com o tema dos 800 anos do Foral de Benavente/Ano 2000. (AO).Divulgação: Diaporama sobre a Aldeia do Peixe com cópias para o Museu e E. Sec. Benavente ; e apresentação ao Forum Intern. do Ambiente, Verão 95, Lisboa / Utilização permanente de painéis culturais, em zonas muito frequentadas de Benavente. (EO).Criação de Albuns de Família: recolhas de fotos e notas escritas, intergeracionalmente, sobre a sua Vida/Quotidiano na Região de Benavente; e sua posterior exposição. (EO)

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Concretizando a Proposta sublinhada em Criação de objectos de simbolização/Disseminação Cultural, propusemos, regulamentámos e co-avaliámos, o 1º Concurso de Expressão Infanto-Juvenil de Benavente: Tema - Benavente 2000-800 anos e o futuro. A CMB/Comissão das Comemorações do Foral aprovou-o para o final de 2000; e o Museu Municipal de Benavente, pela acção da sua Directora, Cristina Gonçalves, concretizou a recolha dos trabalhos, sua exposição, impressão de colecções de 7 postais dos primeiros prémios, cartaz e convites à sessão de premiação/certificação de todos os participantes, à qual presidiu o Presidente da CMB, António José Ganhão.

Participaram aprox. 130 crianças (2000/1) das Escolas em seguida mencionadas, mais 1 do Centro de Recuperação Infantil de Benavente e as do Jardim de Infância de Benavente, nos 1º Escalão/1º Ciclo (presentes: 7-11AA) e 2º Escalão/2º Ciclo (presentes: 10-14AA): . Escola Nº2/1º Ciclo, Samora Correia 2º Ano (33): 1º Prémio/1º Esc: Carlos Santos; e Certificados: Tânia Anes, Cláudia Aparício, Pedro Coelho, Tiago Ferreira, Mariana Gonçalves, Alexandra Alves, Nicole Antunes, Soraia Rocha, Sylvain Gaspar, Carina Santos, Patrícia Gaspar, Nuno Ferreira, Marco Alves, Pedro Pereira, João Famigo, Cecília, Rute, Lucas, Ana Marta Oliveira, Catarina Hortelão, João Sousa, André Encarnação, Catarina Santos, Carlos Silva, Tânia Reis, Carina Saragaço, João Barradas, João Pedro, Fábio

Benavente 2000-800 anos e o futuro

Canudo, Ana Oliveira, e Pedro Cordeiro..Escola B1 de Benavente 4º Aº/Tª B (16): 2º Prémio/1º Esc: Teresa de Melo; 3º Prémio/1º Esc: Paulo Oliveira; e Certificados: Luis Feitor, Ana Semeano, Soraia Ferreira, Patrícia Santos, Ana Raio, Nádia Nunes, Hugo Penela, Tiago Alves, Marília Garcia, Melissa Ferreira, Raquel Simões, Filipe Cunha, Mafalda Silva, David Marques..Centro de Recuperação Infantil de Benavente: Certificado: Cátia Tomás..Jardim de Infância de Benavente: Certificados..Escola B 2,3 de Duarte Lopes, Benavente 5º Aº/Tªs. A, B e G: Dois 1ºs (ex-aequo), e 2ºPrémios/2ºEsc:TªA: Ana Dias, André Nunes, Filipe Pereira, Inês Fonseca, Joana Lourenço, João Machacaz, Jorge Lima, Liliana Figueiredo, Margarida Faria, Mª do Carmo Palha, Mariana Melo, Miguel Baptista, Miguel Pereira, Pedro Carvalho, Rafael Augusto, Raquel Ruivo, Rita Oliveira, Tiago Ferreira e Vera Champalimaud. Tª B: Ana Castanheiro, Ana Casabranca, Ana Cardoso, Bruno Almeida, Cátia Martins, Diogo branco, Eduardo Pereira Filipe Fernandes, Joana de Sousa, Joana Barnabé, Márcia Silva, Márcio Alexandre, Marta Bule, Paulo Castanheiro, Pedro Serafim, Ricardo Marramaque, Ricardo Sezinando, Rosita Pozo e Telma Pereira. Tª G: Adriano Claro, Ana Travessa, Andreia Alberto, Bruno Soares, Carla Tabanez, Diogo Casquinha, Fábio Almeida, Flávio Silva, José Tadeia, Marta Jacinto, Rodrigo Santos, Sandra Nunes e Tânia Vitor. Tª G: 3º Prémio/2º Esc: Adriano Claro e Filipe Castanheiro. E Certificados: Tª C: Bruna Teles, Cláudia Pereira,

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Revista de Cultura

Diamantino Consolado, Diana Sanches, Flávio Durães, Guilherme Inês, Hugo Alves, Ivo Calado, Pedro Nunes, Pedro Rosa, Romina Angélica, Suzana Duarte e Vanessa Mendes. A relevância deste novo passo das crianças de Benavente, ao participarem nesta iniciativa das Celebrações dos 800 anos do Foral da sua terra, é a de assumirem um posicionamento pró-activo; exercerem o seu direito de terem uma palavra a dizer sobre a construção de uma Benavente em que lhes dê ainda mais gosto viverem; e se revelarem no caminho da competência para, com a sua imaginação construtiva, criarem soluções para responder às necessidades do futuro.

O que vai exigir o futuro - no enfoque da educação e da cultura - ? (2)As variáveis da transição cultural presente são: Fora do nosso controlo, a globalização. Sob o nosso controlo, o sistema educacional: políticas multiculturais; cuidados éticos com a autonomia e a exclusão; pluralização das formas de excelência, em racionalidae, arte, etc.; e reflexão/acção/investigação pelos professores em equipa, quer na formação inicial, quer na contínua (Adaptado de Silva, A. S. em (2)).As capacidades pessoais e de grupo que se tornam relevantes, são: criatividade; inovação; enfrentar o desconhecido; fazer emergir o novo, do antigo ainda relevante; espírito crítico sobre a informação; aprendizagem entre pares, com prazer; bife do lombo, em vez de sacrifício; interactividade e escola ampliadas através do ciberespaço; decisão responsável, dos estdantes; integração de gerações; traços femininos de sensibilidade e inteligência emocional vs. força masculina; comportamento delicado e relacional. (Adaptado de Marques,

R. em (2)). Dar sentido à extraordinária transformação técnica deste final de século, esta é a parte de liberdade que nos foi deixada escrevia Pierre Lévy em 1994.As crianças de Benavente apontam cenários de inovação, a partir do que existe. Na liberdade de visionar que lhes foi deixada, qual o sentido em que se expressaram? Vamos ver as suas criações visuais, com o devido respeito. Num concurso de ideias, no Design Center/Londres, vimos que crianças haviam proposto um parque infantil com formas de frutos; e testemunhámos como a ideia foi aceite, sendo a tecnologia necessária desenvolvida pelos Técnicos. Assim saibamos ser abertos a acolher/aprender o referencial da qualidade de vida que existe já na imaginação destas crianças, e que elas desejam que lhes garanta bife do lombo no quotidiano… a bem de Benavente! Nos sete postais das obras premiadas, é desejado o progresso urbanístico e das comunicações; mas com a valorização, a par, do envolvimento natural.

Nas Figs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, a natureza desejada, contempla os bichos: aves livres, com especial lugar para a cegonha e o flamingo-rosa; gaios, perdizes, andorinhas, milhafre azul (?), patos, galinhas; animais, privilegiando o touro, a vaca leiteira ou o boi de lavoura e o cavalo; e o coelho, o cão e a raposa?… e peixes aos pares, no rio. E almeja-se um Parque Natural, livre do fumo, com regras de estimação, onde se conviverá com as espécies queridas, em suas casas (em vez de jaulas ou gaiolas) entre árvores e flores: cavalo e cegonha,

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decerto para estarem sempre à vista do turista -, girafa, elefante, leão; golfinho e foca; pavão, papagaio. E para lá se poder demorar. no inverno ou no verão, com os sabores festivos à mão, não faltarão os cachorros quentes e os gelados. As figs 1, 2, 3, 4 e 6 ressaltam a árvore: o sobreiro de cortiça trabalhada; o pinheiro… em grupo, nos campos; bem altas, a oxigenarem os bairros, ultrapassarem os nonos andares; em canteiros, no Parque Natural… e nas Figs 1, 3 e 4, a lezíria e as flores (tb Fig 2) realçam, as papoilas no auge, na Fig 1 - na qual há ainda uma misteriosa presença palmeira/cacto/monumento de poupa?Nas Figs. 1, 2, 3 e 6, a água é importante: o rio, onde cheguem barcos grandes à vela; e os lagos, agora raros em Benavente (sugeríramos um, espelho para o Memorial do Foral…).Nas Figs 1, 3, 4 e 6, a habitação antiga e a Câmara são preservadas; e os novos bairros não excedem os nove andares, respeitam, os telhados de telha, o branco dominante e a tradição das barras azuis no Centro; mas na periferia - à margem direita da Fig 1 - parece alvorar um bairro novo de torres (silos?) muticolores. A estrada, com carros em trânsito impecável, parece desaparecer - por túnel subterrâneo? num Centro pedonal intervalar. Deve haver um heliporto/aeródromo por perto, pois o céu, em Fig1 (3?) e 5, é cruzado por helicópteros e pequenos aviões voando baixo; e, na Fig. 5, voa mesmo um jumbo: os benaventenses do futuro sonham dispor da ligaçãos veloz aos outros, pelo vôo!Os céus são, naturalmente, de Sol ou benevolamente nublados; e uma marca maior da despoluição e qualidade de vida ambiental, será o monumento das das cegonhas alto arco branco, de barras azuis: será um orgulho para Benavente, que elas aqui permaneçam, nidificando em liberdade. Outros monumentos, preservados em Benavente, são: o Calvário, o Pelourinho e a Torre da Câmara.

Fig. 11º Prémio (ex-aequo) /2º Escalão

Fig. 23º Prémio (ex-aequo) /1º Escalão

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Notamos que será inconveniente propiciar-se uma panorâmica de Benavente ao turista, a partir desta torre; mas, assim sendo, não há donde o benaventense conheça a sua terra do alto, salvo se a sobrevoou em helicóptero ou avião: é esta, a necessidade reconhecida na Fig 5, solucionada pela criação da torre (que rivaliza com Gaudi!) tocando as núvens e rasando os vôos das aves desejavelmente próxima do rio para permitir abarcá-lo ao longo da lezíria, e distante do Calvário o suficiente para o ver lá em baixo, sem o esmagar pela proximidade. Este monumento seria ainda vocacionado para espectáculos de som e luz, eventualmente de história ao vivo, como a cena de reis que na Fig. 6 é representada.

Para um lazer mais satisfatório, é projectado o disco do futuro discoteca com antecâmara que se escala entre esfusiante cor/luz e som, sinestesicamente diremos? um corredor labiríntico verde transparente, liga-a ao grande pavilhão-disco/plataforma espacial, que um

Fig. 32º Prémio (ex-aequo) /2º Escalão

Fig. 41º Prémio (ex-aequo) /2º Escalão

Fig. 51º Prémio (ex-aequo) /1º Escalão

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terminal tubular do labirinto pode suportar acima do solo; uma das formas, aventurosa, de sair do disco, será pelo escorregadio rosa e a escada (de corda?) luminosos. Julgamos ter ouvido que o caminho alaranjado, na frente da discoteca, se relaciona com antepassados: então, poderá oferecer um cenário-fantasma, exploratório do viver antigo em questão…Muito forasteiro haveria de fazer gosto em vir a Benavente, só por uma discoteca assim!Finalmente, as crianças benaventenses parecem ansear por claridade, por luz! Brancos e azuis luminosos dominam em todas as obras - o azul da Fig 4, como num claro nocturno. Aqui, há uma proposta feérica emoldurada, plena de fulgurações. Transporta-nos ao Strawberry Hill do Central Park de New York, em vésperas do Natal de 1999… só que, ali, era um qualquer retalho de conto de fadas; e, aqui, em Benavente, o tubular de luzinhas pode abraçar um sobreiro, vendo-se ao longe, também em luz, a Câmara e o casario que ali resistem; entretecida a moldura com ramos de verdade… e até, se não se quiser quadrar um flamingo postiço, talvez alguma cegonha curiosa passe por ali, a completar o quadro!… e parece haver (e pode haver) suavíssima

Fig. 72º Prémio (ex-aequo) /1º Escalão

Fig. 63º Prémio (ex-aequo) /2º Escalão

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subtil música no ar.A entrada de Benavente fica sombria quando a noite mergulha o Memorial do Foral no negrume. Será um desperdício, criar um vislumbre de sonho, dar permanentemente luz, como uma imagem de marca de Benavente, rompendo as trevas e a noite da lezíria?Assim recriados, a água. a terra, o ar e a luz (fogo) de Benavente, num sentido decerto mais feliz viverão os seres que a habitam e os que lhe conhecem a hospitaliidade.

Na base do reportado, proporíamos que este 1º Concurso passasse a Bienal ou Trienal de Expressão I-J. de Benavente, motivando-se os 3º e 4º Esc.s (3º Cº e Eº Secº) ausentes.

Bibliografia

Oliveira, Elisabete. A interacção escola-cultura, com foco na vertente estética e visual, no ensino básico português. In O

Professor .Nº 40, 3ª série, Set/Out.1994.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/PRODEP-DAPP. Estudos de SILVA, A. S.; MARQUES, R.; etc. 1999. Focados em Colóquio sobre o Sistema Educativo e o

futuro, na F. C. Gulbenkian..

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Maria Clara França

Mestre em Ciências da Educação

Docente na Escola E.B. 2,3 Duarte Lopes, Benavente

DISCIPLINA/INDISCIPLINA

Uma questão da escola e da sociedade

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A temática da disciplina/indisciplina tem sido alvo de múltiplas investigações científicas nas últimas décadas, por parte da Psicologia, da Sociologia, da Pedagogia e da História da Educação em contextos diferenciados tanto nacionais como internacionais. Utilizando diferentes paradigmas de investigação, dando visões diferenciadas do problema, definindo conceitos e metodologias diversos, reflectem as múltiplas concepções das causas e dos tratamentos das situações de indisciplina na escola. Todas estas abordagens permitiram a construção de um saber específico sobre este complexo fenómeno, pela identificação dos diferentes factores que o condicionam, sejam eles de ordem psicológica e/ou social e/ou cultural e/ou organizacional e/ou pedagógica, internos e externos à escola. Trata-se de um saber, de um conhecimento nunca acabado, aberto a outras perspectivas, a outras formas de entender um problema que é tão antigo quanto a escola, recorrente em todos os espaços educativos nomeadamente nos actuais. A análise histórica desta complexa questão tem pois todo o sentido no debate educativo deste novo milénio. Permite abrir outros horizontes de análise, definindo os conceitos de disciplina/indisciplina em diferentes contextos históricos. Contribui para um melhor entendimento dos mecanismos disciplinares inerentes às estruturas organizacionais e pedagógicas da escola,

desde sempre orientados para a instrução e formação das novas gerações, em função de uma intencionalidade social colectiva, expressa num dado modelo de aluno, de jovem e de cidadão. Para que servia a disciplina escolar? Quais os seus fins? Como se organizava? Que meios utilizava? O que era a indisciplina? Como se combatia?Partindo das memórias escritas e orais de uma instituição de ensino secundário o Liceu Sá da Bandeira em Santarém coloquei ao passado as interrogações que me inquietam no presente. Orientada pelas palavras sábias de Durkheim “uma história do ensino é a melhor das escolas pedagógicas” procurei insistentemente “ a razão das coisas”. Enveredei pela análise de todo o processo de escolarização pública operada nos séculos XIX e na primeira metade do XX, no intuito de desvendar a linha orientadora que me conduzisse à matriz disciplinar da Educação Nacional definida pelo Estado Novo, o tempo e o espaço fulcral da minha investigação.Historicamente, o sentido da disciplina na escola foi construído por espaços de continuidade, mas também de ruptura, espelhando os diferentes modelos de Liceu, de aluno e de adolescente inerentes aos sucessivos projectos de sociedade, de educação e de indivíduo experimentados ao longo do período em

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estudo. No “Liceu das disciplinas”, até aos finais do século XIX, a estrutura organizacional e pedagógica que lhe deu forma e vida, assim como os mecanismos de regulação, herdeiros de uma matriz jesuítica, adaptada à escola pública e em crescente secularização, baseavam-se num sistema de gratificações e de sanções, numa disciplina fundamentalmente imposta e exterior ao aluno. A grande mudança processou-se com a política educativa liberal de Jaime Moniz. No “Liceu das classes”, introduziu-se um outro conceito de disciplina, desta feita consentida e interiorizada pelo sujeito, se possível sem recorrer a constrangimentos e abolindo a violência física. À institucionalização da “classe” como nova modalidade de gestão curricular e relacional de um grupo heterogéneo de alunos, correspondeu a reformulação das tecnologias de governo anteriormente utilizadas, mecanismos progressivamente dotados de meios e de estruturas operacionais direccionadas para determinados fins - a adequação emocional e intelectual dos indivíduos e a edificação do tecido social da Nação. A disciplina, mais do que o garante da ordem na sala, assumia de uma forma explícita a complexa tarefa de construir o perfil indiv idual do a luno em função de uma intencionalidade social colectiva, constituindo-se como um sistema integrado e intrínseco à escola, onde

se congregavam e articulavam as estruturas internas da subjectividade com as estruturas externas da socialização. Nos contextos históricos e educativos seguintes, tanto na República como no Estado Novo, houve uma recorrência de todos estes princípios de regulação centrados no aluno e na sua subjectividade. Constituiu-se uma genealogia de ideias desde Jaime Moniz, nas quais se filiaram os posteriores conceitos de disciplina escolar, mecanismos de governo progressivamente cada vez mais complexos e estruturados. O processo de institucionalização das tecnologias disciplinares fez-se historicamente de sucessivas apropriações e reformulações, num registo centrado na autodisciplina, na capacidade do aluno se autogovernar como pessoa e como ente social, ao qual a pedagogia da Educação Nova deu o suporte científico e os instrumentos operativos, alicerçados num discurso psicológico e sociológico sobre o indivíduo e a sua subjectividade, sobre a sua liberdade, a autonomia e o self-governement. Fazendo a gestão psicológica das disposições individuais do aluno, levando-o a pensar e a falar de si mesmo, das suas inclinações e dos seus defeitos, criavam-se as condições subjectivas que propiciavam a inscrição na sua individualidade, dos princípios estruturadores do que era permissível ou proscrito. Estas tecnologias disciplinares, persuasivas, conduziam

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o sujeito num processo introspectivo, que o levava à contenção dos seus impulsos, das suas emoções e das suas condutas, tornando-o autogovernado e autónomo. Reconhecendo a adequação e a eficácia das tecnologias de governo centradas no aluno e na sua subjectividade, tanto o Liceu Republicano como o do Estado Novo se apropriaram, e potencializaram, cada um à sua maneira , os legados da Educação Nova, perspectivando-os em função dos fins a atingir. Consoante as diferentes concepções do Estado, e do papel dos cidadãos na vida pública, protagonizadas nesses contextos históricos, dependendo do caminho a dar à construção do tecido social da Nação, os projectos de autonomia e de selfgovernement foram utilizados, em ambos os casos, como mecanismos de formação e de enquadramento moral, social, político e ideológico das sucessivas gerações de jovens que acediam ao Liceu. Enquanto que na República os princípios pedagógicos das escolas novas estavam dimensionados para a valorização da regra e da lei como elos de ligação dos indivíduos à sociedade, no sentido de exercitar os adolescentes para uma cidadania responsável e actuante, no Estado Novo as mesmas tecnologias de governo centradas no aluno e na sua subjectividade, reformuladas e optimizadas visaram uma intencionalidade colectiva diferenciada, a

da construção do indivíduo disciplinar. Todo este processo de passagem de um conceito de disciplina centrado no aluno/cidadão, para outro baseado no aluno/sujeito fez-se à custa de uma aprofundada e complexa instrumentalização da norma, de uma cuidada utilização de todos os mecanismos de governo internos e externos ao aluno, de uma notificação constante do delito, do fortalecimento e institucionalização da sanção educativa. A diferença fez-se essencialmente dos pontos de vista jurídico e científico, não tanto pela sua inovação e pela sua originalidade relativamente ao período anterior, mas antes por uma maior codificação dos princípios normativos e dos argumentos psicopedagógicos existentes. Valorizando o pessoal em detrimento do social, todas as tecnologias de regulação faziam a articulação entre as estruturas internas da subjectividade e as estruturas externas da socialização, de modo a que cada sujeito interiorizasse pela persuasão, as restrições e as contrições vigentes, os valores, os referenciais que instituíam a justa medida entre o pensar e o agir, entre o desejo individual e a acção colectiva. Desvalorizando a dimensão social e política da disciplina, expressa no sentido cívico e no espírito académico bem arreigados no Liceu republicano, invertendo o seu rumo até então direccionado para a

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aprendizagem de uma cidadania crítica e actuante, o Estado Novo traçou outra orientação para a postura moral, social, política e ideológica da adolescência, outra forma de ser e de estar em sociedade. Rentabilizando com pragmatismo o governo das almas, o projecto pedagógico/disciplinar da Educação Nacional hiperbolizou todos os mecanismos conducentes à introspecção do aluno, num retiro espiritual, num ideal ascético de contenção dos seus sentimentos, das suas emoções e das suas condutas. Marcando a distância e a dicotomia entre o desejo individual e a acção/interacção social, entre o sentir/pensar e o agir/interagir, a disciplina escolar no Estado Novo, nas suas múltiplas dimensões, visou uma intencionalidade colectiva de encerrar o ciclo do aluno/cidadão e de instituir o do aluno/sujeito, do indivíduo disciplinar, “com tino e compostura”, ético e fechado em si próprio, respeitador, pouco participativo, mas trabalhador e produtivo, sem preocupações cívicas e políticas que contrariassem a ordem vigente. Como se de uma radiografia se tratasse, este exercício sistematizador permitiu visualizar um complexo esqueleto, suporte de uma imensa estrutura corpórea. Descodificando este discurso metafórico, a disciplina representou ao longo de todo o processo de

escolarização pública, a massa óssea, um conjunto de mecanismos mais ou menos estruturados e interligados, mais ou menos robustos, dimensionados consoante a sua função essencial de suportar todos os órgãos e músculos de um corpo gigantesco, figura alegórica para definir a escola e a sociedade. Assegurando a organização da multiplicidade humana, gerindo o trabalho de cada um e de todos, definindo o espaço e os movimentos possíveis do indivíduo, a disciplina escolar tanto na República como no Estado Novo, desempenhou a tarefa titânica de instituir a disciplina social, consoante as diferentes ordens políticas e ideológicas. A normalização e a socialização das novas gerações, a razão de ser de todos os mecanismos disciplinares existentes na escola e na s o c i e d a d e , f e z - s e h i s t o r i c a m e n t e p e l a transmissão/imposição de normas, por modalidades diferenciadas de notificação dos desvios e por uma menor ou maior acção penal sobre o prevaricador. Esta relação triangular entre a regra, a falta e a pena, contribuindo para a construção do que se deveria considerar delito e indisciplina serviu para instituir os referenciais de normalidade/anormalidade, a justa medida entre o pensar e o agir, os valores morais e éticos que estruturaram as personalidades juvenis nos diferentes contextos históricos em análise.

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Alguma bibliografia de referência:

- AMADO, João da Silva (1989). A Indisciplina numa Escola Secundária. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação. Lisboa :Universidade de Lisboa (policopiado).

- AMADO, João da Silva (1991 b). Indisciplina na sala de aula (algumas variáveis de contexto). Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano XXV, pp. 133-148.

- AMADO, João da Silva ( 1998 ). Interacção Pedagógica e Indisciplina na Aula- Um estudo de características etnográficas. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de Lisboa ( policopiada)

- BARROSO, João (1995a). Os Liceus - Organização Pedagógica e Administração (1836-1960) . Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian- Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.

- BARROSO, João (1995b). Organização pedagógica e disciplina escolar uma abordagem sócio-histórica. Colóquio, Educação e Sociedade, n.º10,pp.75-98.

- COMÉNIO, João Amós (1966) 1627. Didáctica Magna- Tratado da Arte Universal de Ensinar tudo a todos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

- DURKHEIM, Émile ( 1984). Sociologia, educação e moral. Porto: RES.

- ESTRELA, Maria Teresa (1986) . Une étude sur l'indiscipline en classe. Lisboa: INIC, Pedagogia - 6.

- ESTRELA, Maria Teresa (1994a). Relação Pedagógica, Disciplina e Indisciplina na sala. Porto: Porto Editora, Colecção Ciências de Educação.

- FOUCAULT, Michel (1996). Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: 13ª edição, Vozes.

- FRANÇA, Maria Clara (2001). Com Tino e Compostura. História da Disciplina Escolar Liceu Sá da Bandeira (1925/1956). Dissertação de Mestrado em Ciências de Educação. Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade de Lisboa.

- NÓVOA, António (1992). A Educação Nacional (1930-1960), in Portugal e o Estado Novo (1930-1960) ( Fernando Rosas ,ed. ). Lisboa: Editorial Presença, pp. 455-519.

- PRAIRAT, Eirick (1994). Eduquer et Punir. Nancy: Presses Universitaire de Nancy.

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Pai do Teatro Português

Mário Gonçalves

Professor e Jornalista

GIL VICENTE PASSOU POR SAMORA CORREIA

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Foi assim que, em 1996, comecei um dos meus artigos publicados no livro “Samora Correia Através dos Tempos”, da autoria do meu amigo Padre Camilo Neves Martins. Tal como tem acontecido com Luís de Camões, em que várias são as localidades que reivindicam o berço, a presença ou a simples passagem do príncipe dos poetas portugueses, o mesmo parece surgir com Gil Vicente, o mais importante dramaturgo português. Mas continuar a defender que Gil Vicente terá estado em Samora Correia poderá parecer bizarro se for tido em linha de conta que muito pouco se sabe sobre o autor dos célebres Autos. Paul Teyssier é um dos muitos estudiosos da vida e obra de Gil Vicente que defende, sem hesitação, que se conhece muito mal a biografia do dramaturgo português, e refere que “aos dados que podem ser deduzidos da própria obra haverá que acrescentar os resultados das investigações

de arquivos efectuadas na época moderna, nas quais se distinguiram, entre outros, o general Brito Rebelo (1830-1920) e o grande erudito Braamcamp Freire (1849-1921)”. E o mais difícil, é que nessa época em que viveu Gil Vicente (1465-1536?), poderá ter existido outra pessoa com o mesmo nome. Será que o célebre ourives do reino, mestre de balança da Casa da Moeda, autor da famosa Custódia de Belém foi o mesmo que, em 1502, representou o Auto da Visitação (Monólogo do Vaqueiro), perante a rainha parturiente? Por enquanto ainda não se tem toda a certeza. Ou talvez nunca se venha a confirmar através de documentos. Então como poderá o autor deste texto continuar a defender que Gil Vicente terá estado em Samora Correia. No início do século XVI, Samora era um pequeno lugar, onde viviam pouco mais de 200 pessoas. Por que motivo estaria interessado Gil Vicente

Nem alguns dos grandes vultos do mundo intelectual português esqueceram Samora Correia; a proximidade com Lisboa, e o local de passagem quase obrigatória para o Ribatejo profundo, são preciosos indicadores que nos levam a defender a hipótese que nomes como o de Gil Vicente terão apreciado com justeza os horizontes samorenses.

Gil Vicente

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no nome de Samora Correia? Ao ler-se Gil Vicente, facilmente se percebe que o autor não hesita em destacar o nome de pessoas e lugares de Portugal. Entre dezenas de passos onde se citam lugares da Beira, Estremadura, Ribatejo e Alentejo, encontram-se nomes como os de Salvaterra, Erra, Coruche e até “Çamora”. Defendo que para um dramaturgo tão famoso, era importante mostrar que também conhecia os pequenos lugares da época, não se limitando por isso a referir apenas o nome das grandes cidades como, por exemplo, Lisboa e Santarém. E assim surge o Auto da História de Deus, onde Gil Vicente decidiu aludir algumas localidades ribatejanas, demonstrando, desta forma, que até era conhecedor de pequenos aglomerados populacionais do Ribatejo.Mas, a esta vontade de referir pessoas e lugares, deverá acrescentar-se, como não pode deixar de ser, a necessidade de alguns nomes aparecerem por razões de rima. Veja-se, praticamente no final do auto, quando Satanás leva Cristo ao alto de um monte diz-lhe:

« (...) Sat. - Cantá pola escada um manco fará isso, vem-me à vontade fazer-te um partido, todo o homem pobre é oborrecido: tu de meu conselho acolhe-te ao siso. E que um homem faça muitos pecados e erros de 111111praça por enriquecer, tudo é muito bem; que bem sabe Deus que quem nada tem, que tenha mil graças per divina graça, não no quer ninguém.Sabes Rio Frio, e toda aquela terra, Aldeia Galega, a Landeira, e Ranginha, e de Lavra a Coruche? tudo é terra minha. E de Çamora até Salvaterra, e desde Almeirim bem até Herra e tudo per ali, e a terra que tenho de cardos e de pedras, que vai desde Sintra até Torres Vedras; tudo é meu. Olha pera mi, veras como medras.

O Auto da História de Deus também conhecido pelo Breve Sumário da História de Deus junta-se a uma outra peça vicentina: Diálogo sobre a Ressurreição, cuja data é difícil de precisar (1526-28 ?), os dois autos foram concebidos como um conjunto único, retratando a história da Salvação, desde a Queda até à Ressurreição. O Auto da História de Deus, tal como o próprio título

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evidencia, trata alguns episódios embebidos em textos bíblicos realçando uma espécie de solenidade intemporal. A peça apresenta-se tripartida: Lei da Natureza (Queda de Adão e Eva, Abel e Job), Lei da Escritura (os profetas representados por Abraão, Moisés, David e Isaías) e a Lei da Graça (São João Baptista e Cristo). Segundo alguns estudiosos, o Breve Sumário da História de Deus foi representado, em 1527, à Rainha D. Catarina e a D. João III, em Almeirim. Daí, se perceber a necessidade de referir estes lugares, certamente bem conhecidos de quem assistia às representações. Tal como já foi referido, o tema é a história da Salvação, desde a queda até à Ressurreição. Além do "Diálogo sobre a Ressurreição", nenhuma outra obra se aproxima tanto dos "mistérios" representados em França, embora ambos os textos vicentinos sejam mais curtos. Para fazer um breve sumário de uma longa história que queria representar, Gil Vicente teve de escolher alguns episódios, utilizando a "voz" das personagens para fazer narrar acontecimentos "desaparecidos". Esta peça solene, entremeada com textos bíblicos, pode ser dividida em três partes, não contando com a introdução feita pelo Anjo ("agora vereis/o que por diversos doutores lereis/ dabenicio mundi até à Ressurreição"):1ª- Lei da Natureza - Queda de Adão e Eva, Abel e Jacob;2ª- Lei da escritura com os profetas representados por

Abraão, Moisés, David e Isaías; 3ª- Lei da Graça (S. João Baptista e Cristo).Lúcifer (o chefe do Inferno) envia Satanás (fidalgo do seu conselho) para destruir Eva e Adão: Lúcifer: "(...) e vai-te a Eva, porque é mulher, e dize que coma, que não haja temor (...) Faze-te de cobra, por dissimular - (...) porque hás-de dizer: -Senhora fermosa, deveis de saber que aquela fruta que vos foi legada oh! quanta ciência em si tem cerrada! Mais tarde...Satanás-" (...) são destruídas duas criaturas mui maravilhosas".Algumas das personagens do Breve Sumário da História de Deus participam no conjunto da acção: os diabos (Lúcifer, Satanás e Belial) e as alegorias do Mundo, do Tempo e da Morte. Mundo - "eu sou o mundo, que remo o meu remo em vosso cuidado". Todas as personagens desde a Queda estão destinadas a morrer. Quando o tempo assim decide, a Morte leva-as para as trevas e para o limbo. Tempo- "Despachai, Abel parti pola fria que as vossas horas estão consumidas" Abel- "(...)leixai-me Morte!"Morte - "O Tempo me atiça". Mas no final, Cristo crucificado entra no limbo, libertando os prisioneiros que lá se encontram.Com os caminhos terrestres seiscentistas praticamente intransitáveis na região, é de defender que Gil Vicente terá utilizado o barco como meio de transporte. Era mais rápido e muito mais cómodo. Nessa altura entre Lisboa e Santarém ficava Samora Correia, na altura banhada pelo Rio Tejo.

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Pedro Sena Lino

SÓ A VIAGEM RESPONDE

anotações para uma leitura de Maria da Graça Freire

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«Os homens possuem dois olhos por fora e milhões de olhos por dentro»(Murilo Mendes)

A viagem fundamental, já nos provaram Xavier de Maistre, Almeida Garrett, Konstandinos Kavafis e James Joyce, é aquela que se trava no espaço que um corpo terrestralmente marca. Sobre esse tema, a obra de Maria da Graça Freire (1913-1993) é uma das mais significativas criações do século XX. Num momento da história da literatura o fim dos anos quarenta, o início da década de cinquenta em que o papel (livre) da mulher como poetisa e contista estava a começar a firmar-se (com os exemplos corajosos de Florbela Espanca, Maria Archer, Irene Lisboa, Branca de Gonta Colaço ou Fernanda de Castro), uma mulher debruçar-se sobre o terreno da viagem é no mínimo inédito. Ressoavam ainda os tempos dostoievskianos, onde o romance, entendido como percurso psicológico, dentro da cabeça da personagem, vigorava. A ideia mental da procura de si, ainda resquício do wanderer romântico, da viagem como autoconhecimento (e ainda mais agora entendido como percurso interior, psíquico) tinha ou teria ainda fulgurantes exemplos no romance português, com Pedro Serra de O Jogo da Cabra Cega, de José Régio (1934) ou com os romances de Vergílio Ferreira. Donde se entende a inovação do testemunho de uma mulher, assinando abnegadas mas conscientes personagens femininas, vítimas de um processo forçado de viagem dada a sua condição.

Disso nos falam os seus romances A Primeira Viagem (1952), O Regresso de Bruno Santiago (1957) ou A Terra Foi-lhe Negada (1958) apenas para citar alguns. O primeiro, de cariz marcadamente autobiográfico traz-nos uma viagem que não se prende apenas com a passagem de Portugal para África (porque do percurso não temos sequer retrato), mas da capacidade de deixar tudo, de deixar-se a si mesmo, para chegar. E neste preciso sentido, é um romance de iniciação: Mónica abandona a noção idealizada, romântica, pura ou incensa de amor, para se entregar à construção de uma casa, esquecendo-se de si e estruturando-se à medida do tamanho da sua missão. Romance da condição feminina, mas não redutoramente: não há rebelião nem desistência: antes, a protagonista redefine os seus próprios limites como mulher e os vence, em nome de uma redescoberta interior despoletada pela terra, pelo sofrimento, e pela regeneração de si. Tinha sido e seria já uma constante na vida de Maria da Graça Freire a constante deslocação. O pai, João Ribeiro de Oliveira Freire, Chefe de Conservação da Hidráulica Agrícola, sofrera já várias alterações de residência dado o seu posto; pouco depois, pelos seus dez anos, o que se pensou ser uma tuberculose fê-la passar de Benavente para a Parede, perto de Lisboa, para ser curada pelos ares do mar. Aí perdeu um pai, prematuramente morto por um enfarte. Nova

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mudança para Campo de Ourique, em Lisboa, sob a direcção da mãe, Maria Emília Freire, agora cabeça de uma casa com cinco filhas (mudança, aliás, retratada no conto “Nós Descemos à Cidade”, em Os Deuses Não Respondem, de 1959). O seu casamento com Cláudio Azambuja Martins leva-a a partir para Angola, onde vive vários anos; transfere depois residência para Algés, perto de Lisboa. Casa em segundas núpcias com Antero Miranda Mendes, e vive, nos vinte anos desse último casamento que a morte separou, entre o Porto e Lisboa. A mudança geográfica é igualmente uma mudança de referentes, mas como se o que constantemente se alterasse fosse o próprio “eu”; atravessar a terra pela água significa sempre rebaptizar-se, voltar ao centro da terra, e comungar dos elementos a dinâmica de uma transfiguração: «Uma asa negra roçou o barco. Os rostos ensombraram-se. Liberto à ondulação, o retrato segue-nos todavia, segue na esteira do barco, preso por fios invisíveis. A cara voltada para o alto, toda molhada de luz e de sol, reflecte-se nos olhos dos passageiros, no espanto angustiado da mãe e no nosso, até que desaparece. (...) Descubro o silêncio, expressivo, prometedor e angustioso como jamais tinha sido até aí. (...)»(1)

Outro aspecto é a dimensão da viagem como partida para outra realidade. Os seus contos retratam-no riquissimamente: “A Morte de Benjamin Trovisco”, de As Estrelas Moram Longe (1947), é um impressionante percurso de uma personagem, tolhido por uma apoplexia que rapidamente o vitimou, da realidade física, à compreensão do fim do seu corpo, enquanto, duplamente, enceta uma viagem dentro de si, deixando o mundo terrestre e os seus símbolos até chegar à compreensão do despojamento. Num tom por vezes quase pícaro, burlesco nas tintas narrativas, ferozmente sensitivo, com um poder narrativo fulgurante, este conto abre uma dimensão de separação do mundo visível que outros, como os insertos em O Inferno Está Mais Perto (1971) exploram e desdobram.Um terceiro aspecto da viagem é a memória. E disso sensível exemplo nos dá o seu último livro, O Nosso Tempo Verde de Nós Dois (1990). Composto a partir de escritos de Antero Miranda Mendes, que encontrou, Maria da Graça Freire enceta com o marido, já morto, «o visível e o invisível num espaço único»(2): «Não quero ver ninguém, o meu espaço todo ocupado connosco. É como se tivesse deitado fora o meu pequeno corpo e estivesse encorpada num tecido de

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luz e de fumo. Digo não à solidão, não ao vazio, lançando fora toda a carga do que é passageiro para ficar apenas um fio de eternidade.»(3)Talvez por isso a prosadora tivesse sido convocada, como ensaísta, para acorrer a um conjunto de personalidades todas elas estrangeiras na terra ou estrangeiras de si: Rosalía de Castro, Mariana Alcoforado, Mouzinho de Albuquerque.

A literatura como viagem de conhecimento: talvez o princípio activo da obra de Maria da Graça Freire. Nesse aspecto muito próxima da poesia da sua irmã, Natércia Freire, quando esta afirma querer rasurar-se, apagar-se, desconhecer-se, voltar ao início, fazer viagem até ao Ser Um:

«Não tenho nada mais a escrever sobre as ondas.E mesmo que tivesse, ninguém leria o mar.»(4)

O desdobramento do conceito de viagem, como símbolo da condição humana, e como verdadeiro estar na terra, tocando o inferno e a felicidade, libertando a mulher e denunciando feridas sociais é um dos aspectos mais vibrantes e também minimamente lidos e estudados na obra de Maria da Graça Freire.Conhecer-se é procurar-se.

1- FREIRE, Maria da Graça 1959 Os Deuses Não Respondem Lisboa: Verbo. Pgs. 18-192- idem 1990 O Nosso Tempo Verde de Nós Dois Lisboa: Edição da Autora. Pg 183- idem, ibidem. Pg. 734- FREIRE, Natércia 1994 “A Morte de Calar” in Obra Poética II Lisboa: INCM. Pg 182

Notas:

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Clara Branco

Os sentidos da vida e da obra, em Natércia Freire

135

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A voz da poetisa Natércia Freire habita numa Casa e nessa Casa há anjos, há crianças que brincam desconhecendo a brincadeira, ali num Tempo anterior ao próprio nascimento (“As crianças permaneciam invioladas,/ Possuídas de secretas imagens/ E de tudo quanto foi antes do próprio nascimento”)(2), e à própria palavra (Mas as crianças germinavam, mudas e sábias)(3), onde se recolhem o sol, o mar, as cegonhas, o lago e os choupos. Um Tempo antes do tempo, onde a memória se universaliza (As ordens recebidas num sol antigo)(4) e nega as mortes prescritas pela distância que os homens colocam entre si ( Mas a distância de cada dia, entre os homens, /Escurece-lhes a memória finita)(5) e pela mentira que semeiam entre uns e outros (Ao teu canto, ao teu r i so/De ave do Paraíso,/Opuseram cegueiras)(6).E para melhor expressar esse Tempo Absoluto e fundamental que é a Infância, lembrem-se as palavras de Jacinto do Prado Coelho, escritas na “Introdução” à primeira edição de Poesias Escolhidas (1942-1952), com quem Natércia partilhou o tempo de estudos no Colégio Portugal - Brasil: a Infância nunca morre para sempre: perdura e vai-se transformando, nos recessos mais fundos da alma; o privilégio do Poeta é o milagre repetido da infância recuperada (...)(7)Eis o nascimento da poeta, inscrito no movimento criativo inerente ao Cosmos. E se a voz do sujeito poético habita na Pátria do sonho, da memória, do infinito, da palavra poética, entendida como sentido original, o Cosmos não deixa de ser uma realidade em constante transição, que obriga o sujeito poético a viajar. Di-lo em “Logo que Nasci”, poema inserido na obra Liberdade Solar, de 1978:

Logo que nasciFoi-me dada ordemDe me procurar.Logo assim e aquiNão vou ter descansoEm nenhum lugar.(8)

Passageiro de si próprio e do mundo, viajante estacionado entre o Eu e os Outros, entre a distância e o ser, entre a memória finita e infinita, entre um Tempo Absoluto, que é o tempo em que habita o Poema e a efemeridade terrena, entre a vida e a morte e entre o dia e a noite, o sujeito poético tende ao apagamento de si próprio e ao desprendimento do mundo. Sujeito ao devir, qualidade criativa do Cosmos e entidade geradora de sentido, o Eu como que se suspende nesse movimento entre o efémero e o etéreo. Ana Marques Gastão diz, a propósito, no ensaio publicado na revista “Phala”: Há, sempre, na poesia de Natércia Freire a noção de uma suspensão, de um movimento circular e ascendente sugerindo a procura de sentido para um sujeito que reflecte sobre a iminência da morte, num estado de “desprazer”, sim, mas também na certeza de uma “harmonia não visível”....(9) Nesse movimento ambíguo a que está sujeito o Eu, divinizado na figura do Anjo Branco, confundem-se e entrelaçam-se dois tempos: o da Infância, imortalizado no sonho e na memória e o da perda transitória da Infância, a que Jacinto do Prado Coelho apelida de o “enterro “ de si própria.

Em 1964, ao publicar Liberta em Pedra ouve-se o grito da plenitude humana. Ali, naquele corpo permanente, em que se transformou a palavra, a poesia existe e o poeta atinge a liberdade:

Liberta, liberta em pedra. Até onde couberTudo o que é dor maior,.........................................Importa a liberdade De não ceder à vida,Um segundo sequer.

Ser de pedra por foraE só por dentro ser.(10)

“Os Anjos são rijos como as pedras E leves como as prumas.”(1)

Vitorino Nemésio, “Anjos”, in O Pão e a Culpa.

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Para João Gaspar Simões, esta obra é, acima de tudo, um protesto contra os limites da palavra poética, que nunca conseguirá exprimir a plenitude do ser humano.(11) Diz, então: Foi preciso que o poeta se “libertasse em pedra” para que a sua obra poética se mostrasse aquilo que de facto é na sua funda perspectiva: um protesto contra as próprias limitações da menos limitada das formas de expressão. Mas não será esse estado petrificado uma afirmação do perpetuar da memória e do superar das limitações temporais e existenciais? Não será o imperar da Infância, desse Tempo Absoluto, sobre o efémero presente? Isto é, o dar a conhecer aos povos a descoberta do Paraíso Perdido, onde a palavra, até então designação de imposs ib i l i dade , s e a f i r ma como, Casa , espaço/expressão de liberdade e de existência do Ser. O Eu, viajante, entre si e os outros, descobre a sua Pátria de origem: O Verbo. Contudo, o Verbo, princípio do Cosmos e da Vida torna-se Pátria de estrangeiros, de gente exilada na sua própria Casa. É que o devir é natural da Vida, e Natércia Freire torna-se vítima do delírio nacional: a liberdade que tão bem soubemos conquistar, muitas vezes não soubemos utilizar, analfabetos do verdadeiro existir, aprenderemos com os nossos próprios erros o verdadeiro sentido da palavra liberdade.E, assim, houve um dia em que o Anjo Branco foi expulso da sua Casa e ferido pela cegueira dos homens livres, refugia-se destes:

Fujo dos homensComo os lobos fogemE não me sinto lobo.

Escondo-me em fojosComo os lobos fazemE não me sinto lobo.

Ergo à Lua o meu uivo angustiadoE não me sinto lobo.

Os meus ouvidos outrosOuvem queixasDe lobos espectrais.E não me sinto lobo.

Alvejaram-me a tiroEntre os olhos leaisE não me sinto lobo.

Se estoiro como o loboQue também tem um astroRepercutindo ânsias solitáriasTerríveis e humildesEm esferas mudas várias

Deito um rasto de sangueUm visível pastoA vampiros humanos.

E assim na morte vamosLobos, irmãos, iguais.(12)

O mar e o sol estão com a infância, e entre estes e o tempo presente ergueu-se uma eterna distância. O Anjo chora o “nosso chumbo, hora a hora”. Vidente dos sonhos, das estrelas, do sol e do mar, passageiro entre a sua adiada Pátria e o presente, eterna criança, a poetisa, só, entre os homens fala da morte, a sua- “A morte de calar”:

As viagens que sou prenderam-se em redomasAo corpo das palavras. À morte de calar....................................................................Não tenho mais nada a escrever sobre as ondasE, mesmo que tivesse, ninguém leria o Mar. (13)

Esperemos que o seu último livro Antologia Poética, publicado no ano que passou, seja um indício da nossa própria aprendizagem, para que não mais se silenciem aqueles que falam o Amor.

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1- Nemésio, Vitorino, “Anjos”, ( O Pão e a Culpa), in Obras Completas, vol. II, pg 217, INCM, 19892- Freire, Natércia, “As crianças” ( Os Intrusos), in Antologia Poética, Assírio & Alvim, pg 93, 20013- Idem, Ibidem4- Idem,Ibidem5- Idem, Ibidem6- Idem , “Nada Mais” ( Liberta em Pedra), in Antologia Poética, Assírio & Alvim, pg 69, 2001.7- Coelho, Jacinto Prado, “ Introdução” (à 1ª edição de Poesias Escolhidas), in Obra Poética, vol. I, INCM.8- Freire, Natércia, “Logo que nasci” ( Liberdade Solar) , in Antologia Poética, Assírio & Alvim, pg. 1179- Gastão, Ana Marques, “Antologia Poética”, in revista “ A Phala”, nº 90, Assírio & Alvim, Dezembro de 2001.10- Freire, Natércia,” Liberta em Pedra”, in Liberta em Pedra11- Simões, João Gaspar, “Liberta em Pedra” ( Crítica II), in Obra Poética, vol I, INCM, 199112- Idem, “Como os lobos”, ( Liberdade Solar), in Antologia Poética, Assírio & Alvim , pg. 118, 2001.13- Idem, “ A morte de calar” ( Foi apenas Ontem), in Antologia Poética, Assírio & Alvim, p6, 123, 2001.

Notas:

Bibliografia activa:

Freire, Natércia, Antologia Poética, Assírio & Alvim, 2001Idem, Obra Poética,Vol I/II, INCM, Biblioteca de Autores Portugueses, 1991.

Bibliografia passiva:Coelho, Jacinto do Prado, “Introdução de Jacinto Prado Coelho à 1ª edição de Poesias Escolhidas”, Obra Poética, INCM, 1991.

Gastão, Ana Marques, “Antologia Poética”, in “A Phala”, Assírio & Alvim, Dezembro de 2001.

Mourão-Ferreira, David, “Do movimento e do fixo na poesia de Natércia Freire”, in Hospital das Letras, Guimarães Editores, 1966.

Nemésio, Vitorino, Obras Completas, Vol II, INCM, 1989.

Sena- Lino, Pedro, Natércia Freire, Câmara Municipal de Benavente, 2000.

Simões, João Gaspar, “ Liberta em Pedra”, Obra Poética, INCM, 1991

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A MINHA LIBERDADE FOI UMA BIBLIOTECA

António Modesto Navarro

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Há muitos, muitos anos, numa noite mágica da minha vila transmontana, de repente os contos de fadas, as histórias contadas pelas mulheres à porta de casa, foram substituídas por um homem que criou ali mesmo, para os que se sentavam nas escadas de pedra de uma casa da rua de Santa Luzia, as quadras de um poema.Havia rapazes e raparigas sentados nas escadas daquela casa, havia camponeses e operários juntos, como por acaso. Olho ainda o grupo e distingo o Miguel, um trolha, homem alto e magro, a dizer aquilo com a naturalidade maior de quem trabalha.Fiquei impressionado para o resto da vida. Afinal a arte (a escrita de livros, a música, o teatro, a poesia) podia ser nossa. Se a soubéssemos conquistar, se não fôssemos apenas os parvos que só sabem falar de futebol e trabalhar sem questionar a injustiça e a exploração, poderíamos ir mais longe, crescer na vida e ocupar de corpo inteiro a natureza das coisas.De repente, aquilo que era só poder dos grandes, dos que estudavam e viviam longe de nós, era também poder nosso, pela voz desse homem, um trolha, um operário dos muitos que então havia.Era o início da década de 1950/60.Fiquei atento, desde aí, à mudança, à conquista de todos os poderes da terra. Se um homem, ou mulher, cá de baixo, do trabalho, se aventurava a ser grande e criava poesia, então era possível conquistar todos os poderes do mundo e mudar a vida.Um rapaz, de repente feito tocador de gaita-de-foles,

filho da mulher que guardava as sentinas públicas, na praça nova da vila, transmitiu-me a segunda impressão de força. Ele chegara dos lados de Miranda do Douro e tocava, à porta de casa da mãe, e esse domingo foi um dia libertador.Para quem tocava?Ali estava eu, à entrada da praça nova, e ele, sozinho, a tocar. Era a transgressão, no poder de fazer música, de ligar a nossa vida dura ao prazer e à alegria.Os outros, os grandes senhores, não gostavam disso, na vila. Quando nos viam juntos, com o Mestre Manuel Palmeirão a contar histórias, ou a inventar as farsas que iria fazer no Entrudo com o João do Albino e o Fernando Tripeiro, mandavam a guarda. Telefonavam, de casa, para o posto, e lá vinha a patrulha afastar-nos, ou levar os mais renitentes para o porão do quartel da GNR.O som da trompete de um homem que vivia no largo de igreja, e que pertencera à banda de música já então desaparecida, todas as manhãs atravessava a janela da casa, ocupava o largo e entrava em nós com poderes mágicos, de incentivo a voos novos, de procura de saídas para a nossa tristeza, para a vida amarga que tínhamos.Por tudo isso, aos dez anos, fiz as primeiras quadras da minha vida. Estava sentado no muro do pomar, num dia de calor, acabara de escrever um postal apaixonado a uma primeira namorada e de repente veio aquilo, os versos, que até eram satíricos e fizeram torcer de raiva certos senhores da terra.

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Estava traçado um destino, no meio de tantos destinos adversos?Nesse tempo, nós não podíamos aspirar a outra coisa que não fosse o trabalho nas oficinas, ou nos campos. Os mais afortunados iam trabalhar para as lojas de comércio, feitos marçanos. Aos dez anos, em Julho de 1952, quatro alunos da 4ª classe ficaram distintos no exame e não foram estudar para o 2º colégio particular que iria abrir na vila, em Outubro. O 1º colégio tinha fracassado e aí vinha outra hipótese de rasgar novos horizontes. Os quatro melhores alunos não conseguiram ir estudar, por não haver dinheiro para as mensalidades, e foram trabalhar para a terra e para as oficinas da vila. Outros estudaram e víamo-los passar, cheios de livros, na nossa infância dos dez, onze e doze anos já carregada de violência, de necessidades e de pesos que provavelmente nos iriam esmagar. A minha liberdade foi uma biblioteca. Tinha um guarda que era secretário da Câmara e sargento da Legião Portuguesa. Atirava-nos as chaves com má vontade, cada vez que aparecíamos à porta da Câmara Municipal, ou então dizia: hoje não há livros!, e lá tínhamos de regressar a casa com os já lidos, à espera de outro dia de melhor humor desse homem que guardava o poder do sonho e do saber, de tudo o que ainda mal percepcionávamos.A vida rolou e entraram nos mundos daquelas duas ou três crianças que liam livros da biblioteca os universos tão vivos de centenas de escritores que ali estavam à nossa espera. O mais velho de nós principiou a escrever contos aos treze anos. Aos quinze, saía da oficina às cinco horas da tarde e ia para o café, ler por exemplo o “Vermelho e Negro”, volume enorme que

escandalizava os agrários e outros senhores, sentados no espaço do salão que só a eles pertencia.Lá fora, na praça, um homem passeava no jardim e lia o jornal, o “Primeiro de Janeiro”, outra ofensa clara a quem tudo dominava. Para nós, estes acontecimentos foram decisivos, a abrirem pistas, a traçarem destinos diferentes. Manuel da Fonseca, com “Aldeia Nova”, deu o primeiro sinal da partida necessária e do sempre possível regresso à terra já numa postura crítica. Victor Hugo, Aquilino Ribeiro, Pavese, Redol, Ferreira de Castro, Eça de Queirós, tantos e tantos escritores enfileiraram ao nosso lado e dormiram connosco, nas tardes e noites dessa terra agreste e aparentemente parada.Foi um trajecto duro. Manuel Palmeirão, um mestre com quem trabalhei numa oficina, na velha forja de histórias criadas por ele ali mesmo, enquanto o ferro aquecia ou o levávamos a tomar forma, conduziu-me sem querer pelos caminhos da imaginação e da descoberta incessante e sofrida do mundo que não tínhamos.Os livros lidos às escondidas, pela noite dentro, ou em sítios sossegados, perto da terra, das árvores e dos homens, abriram outros destinos que não seriam os nossos, na falsa normalidade da existência que nos impunham.Creio que foi através de Manuel da Fonseca que tive o primeiro contacto com a poesia popular do Alentejo. Ainda então os livros significavam rasgões enormes na escuridão da nossa vida de transmontanos, antes de sermos sacudidos pela grande emigração para essa Europa a que (não) pertencíamos.Mais tarde, conheci uma décima de um poeta e

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revolucionário de Aljustrel “Não tenho vagar amor Para te dar atenção Tenho muito que fazer Na minha Associação” que me havia de impulsionar determinadamente para o levantamento que fiz em três distritos do Alentejo, Évora, Portalegre e Beja, de que resultou uma edição difícil e gratificante “Poetas Populares Alentejanos”.Como técnico da Secretaria de Estado da Cultura, foi-me dado apenas um mês para esse trabalho, seguido de outro, arrancado a ferros. Apesar de tudo, tive a oportunidade rara de sulcar grande parte do Alentejo, de ver e ouvir os criadores de poesia e os construtores da Reforma Agrária. “Mãe da minha alma”, como dizia Francisco Angélico, poeta popular de Aldeias de Montoito, “um susto eles levaram...” Por isso, foi tão difícil autorizarem-me a andar pelo Alentejo, à procura dos poetas e criadores da vida e da revolução. Por isso também, pelas dificuldades criadas, não andei pelo litoral, onde sabia que existiam homens e mulheres que faziam poesia e construíam a liberdade e o futuro nos campos.Hoje, olhando para trás e relendo o prefácio do livro “Poetas Populares Alentejanos”, percebo melhor porque fiz esse levantamento, no ano amargo de 1976, após o 25 de Abril. Ia para onde era possível ir, para uma região de homens e de orgulhos legítimos, de consciências e de sonhos, à procura do que perdera e haveria de reencontrar no mais fundo de todos nós, o direito inalienável à conquista da felicidade e da mudança.Está lá, nessa procura, sempre, o encantamento

perante o primeiro homem que fez e disse uma quadra, ou o segundo homem que se pôs à frente das sentinas públicas onde a mãe era guarda e tocou gaita-de-foles num som que ainda hoje atravessa a minha vida e me diz que é sempre possível conquistar o impossível, ir mais longe, meus amigos, sempre mais longe, como diria aqui e agora Manuel da Fonseca, um homem e escritor desse sul mais lindo, o que está dentro de nós e se interliga com o meu Trás-os-Montes e lhe dá vida e futuro. Aqui estamos a falar de poetas e da língua que não queremos perder. Há muitos anos, ainda não imaginava que iria fazer um livro que se chamaria “Emigração e Crise no Nordeste Transmontano”, entrevistei um casal de emigrantes que tinha dois filhos. Falaram do salto, das dificuldades, e até deram lustro à vida airosa que já teriam conquistado em França. Os filhos também falaram, misturando curiosamente o português com o francês. Era em 1970. Tempos depois, gorada a ideia de fazer um filme sobre camponeses transmontanos e a emigração (por intervenção da GNR secundada por uma brigada da PIDE), tirei essa e outras entrevistas das fitas do gravador e tentei publicá-las. A desse casal emigrante foi parar ao Jornal “República”. Enviada à Censura, veio cortada nas partes em que as duas crianças falavam da vida que tinham em França, exactamente quando o francês que já utilizavam se sobrepunha à nossa língua. Fiquei estupefacto, pois as frases eram tão inocentes como as crianças... Mais tarde, percebi a subtileza dos censores, quando veio a lume a ausência de escolas e de professores portugueses em França e noutros países de forte emigração nossa. Por isso perdemos a 2ª geração e a 3ª geração dos filhos de emigrantes. Por isso perdemos mais e mais a nossa língua, a cultura e a identidade que nos caracteriza.

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Foi isso, o peso da língua viva e criadora, que senti no Alentejo, nesse ano de 1976 e noutros que se seguiram. Carreguei um gravador e um saco, de terra em terra, de casa em casa, à procura da resistência antiga, da reforma agrária que avançava nesse tempo, e de que maneira, e dos poetas criadores de quem tinha lido composições nos livros de Manuel da Fonseca e também em jornais, embora muito esporadicamente. Por todo o lado, de Montemor-o-Novo a Montoito, de Benavila a Campo Maior, de Pedrógão a Aljustrel, de Corte Vicente Anes a Vale Vargo, encontrei esse carinho e essa paz que sentimos quando estamos na nossa terra e no meio de homens e mulheres que são livres e impõem essa liberdade como quem respira, como quem ama e faz décimas ao mundo, para acordar sempre em nós essa ambição de romper fronteiras e ir mais longe, lá onde se encontram a alegria e a fraternidade, a ambição e o sonho de fazer de novo o

(*)(1) Digamos aqui algo do que pensamos acerca da cultura popular e da cultura erudita , clarificando logo à partida serem as palavras a dizer mais fruto da experiência que de profunda teoria, coisa que, no tocante à cultura popular, ainda está, em nosso entender, insuficientemente desenvolvida entre nós.Pode dizer-se que, tal como aconteceu na cultura erudita, tem havido ao longo dos tempos criatividade popular nos campos da música, teatro, literatura oral, dança, escultura, etc. No entanto, enquanto a cultura erudita beneficiava mais frequentemente do apoio e do incentivo do poder, no geral a outra lá ia acontecendo e sobrevivendo à margem, sobretudo se era incómoda. Isto quando não era perseguida e atingida por medidas de censura e outras ainda mais graves, aliás como sucedia frequentemente à cultura erudita inovadora.

que está errado e criar o que não existe.Por isso, alegra-me ver o emigrante que ainda é analfabeto e conta a história do irmão que ia descalço para a escola, em dias de neve, com um sentido crítico acentuado pelas lutas e greves que viu em França, ou mostra com alegria a biblioteca das filhas que estudaram e se libertaram à custa do seu sacrifício e da participação activa delas e da mulher, nesses anos de ausência e de dor. Por isso, é sempre com o sentimento íntimo de dar mais um passo em frente quando descubro que em Montemor-o-Novo foi feito, três anos depois de por lá ter passado e de não ter encontrado poetas, a não ser os que faziam a reforma agrária, um levantamento que permitiu uma publicação na revista Almansor de mais de cinquenta poetas populares, homens e mulheres que trouxeram, através da Câmara Municipal e para todos nós, um acervo de trezentas composições criadoras.

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A poesia popular alentejana, pela amostra que recolhemos durante dois meses passados nos distritos de Évora, Portalegre e Beja, está ligada ao trabalho, ao amor, à amizade, à vida de todos os dias e também aos grandes valores e problemas da humanidade, como a paz e a guerra, a história e a ciência, denunciando e combatendo a opressão e a fome. A ironia está latente no trabalho de criação, como o estão a alegria e uma enorme confiança na vida, apesar da tortura que foi viver anos e anos sem um mínimo de justiça, numa paz

Disto resultou, e em Portugal foram bem significativos os anos de ditadura do fascismo, que muita riqueza cultural popular foi perdida e hoje torna-se quase impossível reconstituir aspectos importantes desse caminhar do povo à procura da sua razão de ser, do conhecimento, do sonho e da alegria. Mesmo alguns aspectos que poderiam à primeira vista parecer positivos, como por exemplo o incentivo que há anos atrás a RTP dava a certo “folclore”, mais não eram que a imposição do vulgar, a continuação dos objectivos de destruição das raízes da cultura popular entendida como meio de libertação e de progresso. É público que muito teatro, muitos jogos, cantares e danças, entre nós, estavam voltados para a crítica social e a procura de justiça; essa produção secular foi particularmente atingida por uma política “cultural” dirigida para a mistificação, para a repressão e a censura, para a travagem e morte da capacidade criadora, quer popular quer erudita, desde que expressassem directa ou indirectamente sentimentos de amor à liberdade e desejos de melhor vida.Ainda hoje, após alguns anos de implantação de uma vida nova, não estão traçados, e muito menos postos em prática, de forma clara, os princípios e objectivos de levantamento e estudo da criação popular, de defesa do património cultural e artístico do nosso povo. Continuam a ser destruídos monumentos como continuam a ser ignorados ou a desaparecer poetas e contadores de histórias, pintores, escultores e músicos, sem se tomarem medidas suficientes para o conhecimento, incentivo e defesa do que é tão importante para a compreensão e avanço da sociedade portuguesa.

podre que era afinal feita de repressão, exploração e analfabetismo.No meio disto as luzes iam surgindo, na alegria profunda da voz do poeta, nos sinais crescentes de luta clandestina, na amizade solidária que caracteriza gente que aboliu há muito tempo, se é que alguma vez os teve, os hábitos e vícios que uma propriedade privada pequenina, de mera subsistência, existente por exemplo no centro e no norte do país, e o isolamento imposto, entre outros factores, podem instalar na alma humana.

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Hoje novas questões se põem em relação à cultura popular e à cultura erudita. A evolução social e económica, a conquista da liberdade em tantos países, o avanço da ciência e da técnica, determinaram o reforço da criação cultural no sentido da justiça, da aproximação entre a cultura popular e a outra. Aquilo que parecia ser dom de privilegiados, as artes plásticas, a música, o teatro, a dança, o cinema, o canto, a literatura, é hoje em muitos países pertença e campo de trabalho de centenas de milhar de homens e mulheres que ascenderam ao domínio e à compreensão dos meios necessários através da luta revolucionária. Em todos os continentes, a cultura erudita perde o carácter de zona proibida para as populações que trabalham e entra no seu dia-a-dia, ao mesmo tempo que a cultura popular é defendida, estudada e promovida.Ainda se passará algum tempo em Portugal até serem determinados os caminhos mais sólidos para o entendimento entre a cultura popular e a cultura erudita; mas há aspectos significativos a sublinhar, como sejam a importância crescente que os criadores da segunda dão às formas e aos conteúdos encontrados na primeira, para vivificarem o seu trabalho, e a influência da cultura erudita no trabalho dos criadores populares.No nosso país, como em qualquer outro, só será possível assumir uma verdadeira independência cultural (e isto não é para recusar outras culturas) quando soubermos o que temos, o que fizemos, quais as suas motivações e objectivos. Existem ainda contradições entre a criação cultural popular e parte da criação erudita; enquanto a criação popular está intimamente ligada à realidade, a outra, no seu lado

mais elitista, escapa-se tantas vezes para domínios do inatingível, da abstracção, da morte e do passado. Só quando esta evoluir para uma dinâmica viva, precedendo ou acompanhando o processo social, será possível aproximá-las decisivamente e transformá-las enfim em património comum, como elo importante do caminho para o futuro.Poderíamos aqui avançar que o destino das duas culturas vai ser o mesmo dos povos, ou seja: com a evolução científica e técnica, com a conquista do lugar próprio para a cultura nas sociedades, haverá aproximação, haverá cortes, haverá saltos e haverá finalmente maior ligação entre elas, até desaparecerem as diferenças mais nocivas. Mas isso será muito lá para diante e o que hoje se torna urgente é que sejam traçadas rapidamente as linhas fundamentais de apoio à cultura popular e à defesa do seu património artístico, num esforço que terá em muito de vir das populações, dos grupos ou pessoas com interesses culturais, das associações, das colectividades, das autarquias, dos sindicatos e clubes de empresa. Só o movimento popular, incluindo obviamente os seus artistas, e o sector intelectual progressista, poderão em conjunto levar a cabo um trabalho que se impõe ter o apoio oficial, tanto através de leis adequadas como de meios financeiros e técnicos.“Hoje, quando morre um velho em África é uma biblioteca que arde”, diz Colette Magny numa sua canção, segundo me contaram. Neste momento, pode estar a morrer um poeta popular alentejano dos muitos e muitos que não ouvi, dos muitos que Michel Giacometti, um homem de longo trabalho de levantamento sociocultural, também não terá

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conseguido descobrir nas vilas e aldeias alentejanas e noutras regiões.Parte dos poetas com quem contactámos eram analfabetos. Em geral, nada fica escrito do seu trabalho. Como não ficam escritas as pequenas peças de teatro representadas no Entrudo e noutras fases do ano, os monólogos, as histórias, a literatura oral construída a partir da imaginação e dos acontecimentos.Um dia entenderemos o preço disto, quando aprofundarmos minimamente o problema. Povo que não defende e estimula a sua própria cultura é um povo a morrer antes de tempo. E o nosso povo tem criado a sua cultura, só não tem podido defendê-la. E apenas em raros casos aparece quem defenda o trabalho de um pintor ou escultor popular, quem saiba o valor da produção de um poeta ou de um contador de histórias e lute pela sua divulgação, como aconteceu em relação a António Aleixo.Em Campo Maior, ouvindo o poeta popular analfabeto João Francisco Golaio Beringela, conhecido pelo “Sete Cabeças”, aconteceu que, a certa altura, depois de horas passadas a dizer décimas, ele fez uma paragem, à procura da continuação do que dizia. Era nítido que estava cansado. Então dissemos-lhe que já tínhamos material de sobra para o nosso levantamento. Aí, ele olhou-nos e com um sorriso profundo perguntou:O amigo quando está a ler não tem de folhear o livro?! Pois tenho.! Então eu estou a fazer o mesmo.! O poeta analfabeto revolvia a cabeça, à procura de composições que não dizia há anos.

!Temos estado a falar da necessidade de democratização da cultura, da aproximação entre a cultura popular e a erudita até se transformarem efectivamente em património comum. E também poderíamos falar da vida diária dos trabalhadores alentejanos, da sua luta contínua pelo pão e pela liberdade, agradáveis e insubstituíveis dons da vida que eles sabem andar juntos. Francisco Angélico disse coisas sérias a certa altura, quando lhe perguntámos ingenuamente qual era a sua profissão. Vejamos a resposta, que parece complicada mas tem a sua leitura:! A minha profissão era aquela que podia ser quando o trabalho era pedido por esmola...E noutro passo completa:! Não levo em crer que a minha inteligência tenha algum valor, mas ninguém precisou de me ensinar o que é a verdade e o que é a mentira, o que é o crime e o que é a justiça, ninguém precisou de me ensinar. Não precisava de saber ler para compreender, porque lá está o caso, conforme agora estávamos a falar, então a terra é deles porquê?, então eles (os agrários) fizeram-na com quê?, então o sol quando nasce com a mesma vontade que alumia uns, alumia outros; mas se eles pudessem engarrafar a luz do sol, a gente andava sempre às escuras, que eles apanhavam-na toda.Por estas palavras pode ser avaliado o que foi a vida no Alentejo. Maria Rita Mirador, natural de Igrejinha, contou-nos qual a razão da sua saída compulsiva da escola e a vida que teve no campo, iniciada ainda antes da implantação da República. Ela, com dez anos, queria tanto andar na escola que fingia ser professora, na vindima, e mais tarde até fez versos à vida no liceu...

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António Maria Coelho, de Corte Vicente Anes, arrasta a voz por causa da silicose e fala da censura que era feita à criação dos poetas populares do Alentejo e das pressões que recebia “para fazer versos aos passarinhos”. Fala também da prisão e da tortura. José Virgínia, de Aldeia dos Fernandes, recordou a nosso lado as noites que passava com António Maria Coelho e outros poetas, dizendo décimas e criando outras ali mesmo, no despique ameno de quem sabe que tem o futuro no caminho. Manuel de Jesus Silveira, de Vale de Vargo, começou a fazer versos aos dez anos, idade com que também começou a trabalhar, e conta em que circunstâncias encontrou um português em França a chorar, sem trabalho e sem família, e como lá de longe fazia décimas aos filhos tão amados.

Começámos este levantamento no distrito de Évora. Depois subimos a Benavila e a Campo Maior, procurando indicações de onde se encontrariam fulano e sicrano, e onde descobríamos poetas populares ali ficávamos conversando e ouvindo. Depois descemos ao Baixo Alentejo e fizemos um percurso que foi de Pedrógão a Vale de Vargo. Os poetas que nos indicaram e os que descobrimos aí estão, no livro que foi editado. Outros há, e são tantos que não chegariam vinte livros para guardar a sua obra, bem escolhida, e dar a conhecer a sua capacidade criativa. O livro que

recolhi é apenas uma amostra, que fique bem claro. É talvez a chamada de atenção necessária para uma recolha mais profunda, organizada e levada a cabo com a ajuda dos órgãos do poder local, das colectividades e do poder central, num esforço conjugado.Não é possível, em muitos casos, saber de quem é esta ou aquela décima. Por ser fundamentalmente uma riqueza cultural colectiva desde a raiz, acabámos por optar pela fórmula “décimas ditas por...” Parece-nos ser esta a mais justa.Escritas, as décimas ficam com menos força. Cabe dizer que foi feita uma ou outra leve alteração, apenas com o intuito de tornar o texto escrito mais claro.Há um esquema mental para a construção das décimas, que passa pela memorização de palavras “próprias” para rima. Encontra-se nas décimas menos cuidadas uma ou outra rima que é mais compreensível pelo som do que pelo significado, mas esta “liberdade poética” é rara, dada a clareza com que a obra é feita, ligada a acontecimentos ou a objectivos concretos.Aqui e ali, aparecerá uma décima menos boa, do ponto de vista estético, incluída pela força das ideias que transmite ou por outro aspecto significativo. Mas também aparecem décimas de valor estético alto, como resultado de profunda sabedoria da vida e até de bons conhecimentos.

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Para além das décimas recolhemos quadras, forma de criação de Maria Rita Mirador, por exemplo, e ainda quintilhas e sextilhas, que não incluímos por falta de qualidade e também de espaço. No geral, a produção apresentada é composta por décimas, que devem ter caída boa, como diz Gil Quintas, não ter buracos e terem obviamente os quarenta pontos certos. Têm como início clássico o Mote, composto por quatro versos que vão terminar, por ordem, cada um dos blocos de dez versos. E aqui é que está a sabedoria, bem como nas leis de que o 1º, o 4º e o 5º versos rimam entre si, o 2º rima com o 3º, o 6º, o 7º e o 10º também rimam entre si, e o 8º rima com o 9º. O número de sílabas de cada verso é arbitrário, mas apesar desta facilidade podemos pensar no trabalho que é fazer um Mote e quarenta pontos “na cabeça”, porque geralmente o poeta criador não sabe ou não costuma escrever, e no fim dar tudo certo.Resta acrescentar que as décimas são também conhecidas por quadras de décimas, quadras de quarenta pontos e contos versados (segundo especialistas, serão a continuação dos rimances ou romances). E que existem ainda outras formas de produção poética. A certa altura Gil Quintas falou-nos de Montejuntos, terra onde mais tarde fomos ouvir Joaquim José Pacheco, Manuel Inácio Veladas e outros poetas cantarem a saloa. Foi um dos locais onde vimos criar poesia ao desafio. Esta noitada, viva na nossa memória, traz-nos uma sugestão como forma de apoio e incentivo à produção poética dos trabalhadores do Alentejo: que se recupere o hábito de nas festas ou noutros acontecimentos de recreio e culturais se juntarem poetas populares e contadores de histórias,

porque de algumas experiências por nós vividas no Alentejo e já em Lisboa podemos dizer que são acontec imentos ino lv idáve is. Além disso representarão incentivo importante para homens e mulheres que até agora foram postos de parte, ignorados, no que toca à cultura. Bom, e no percurso libertador que hoje fazemos os criadores populares ainda vão dizer a sua palavra.

As Letras e as Artes não devem impedir o desenvolvimento dos povos. Devem dar alegria, formar o gosto das pessoas e originar fraternidade. No livro Poetas Populares Alentejanos pode dizer-se que há dois tempos, ligados a tudo isto. O tempo antigo, de sofrimento e de revolta, com a esperança na frente dos olhos, e o tempo actual, que tem luta, tem sofrimento, mas tem já a esperança dentro dos olhos e do peito, ao lado da liberdade desejada, de trabalhar e de criar para a comunidade, a partir de uma nova Reforma Agrária que é necessário fazer.Por isso aí está nas vossas mãos, como prova do valor e da humanidade dos trabalhadores e dos criadores populares do Alentejo (1).

Hoje, é um dado adquirido que o Poder Local tem sido um apoio fundamental ao levantamento e à projecção da criatividade popular, no sul, sobretudo, mas também noutras regiões do país. Ao invés, o poder central, concretamente a Secretaria de Estado da Cultura, para a qual realizei este levantamento de poetas populares, fez tudo para interromper esse meu trabalho logo ao fim do 1º mês de levantamento e recolha no Alentejo. O outro tempo de trabalho de

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campo foi imposto por mim e o trabalho de casa saiu dos meus fins-de-semana, das noites e das férias. Em 1977, o trabalho estava pronto e era grande a incomodidade dos chefes, quando se propunha a sua publicação. Só em 1979, com o poeta e romancista Helder Macedo à frente da Secretaria de Estado, foi possível abrir concurso e publicar finalmente, em 1980, numa editora, três mil exemplares de um livro reduzido a um terço do que era possível publicar, por razões de custos e da magra dotação concedida. Ficou para trás um projecto que era mais amplo, de incentivo em todo o país ao levantamento, à recolha, ao estudo e à difusão do que era, e é, património de todos. Ficaram para trás muitas oportunidades de dar a palavra aos que afinal vêm tendo voz porque existem estudiosos, autarcas, amigos da língua e da cultura, sempre, em cada sítio, atentos ao fluir da criatividade e do sonho, essa utopia transformada em realidade, do homem e da mulher que muitas vezes não sabem ler mas vêem impressa a sua voz e a sua criatividade e sabem que jamais serão calados por poderes obscurantistas. Por isso, em Lisboa, no Porto ou noutra cidade, é sempre triste ver quando alguém pensa mais nos que já têm o que têm, o acesso à cultura, o poder do saber e se aborrecem diariamente de tanto espectáculo, de tanto concerto, e coçam a barriga de tédio, fingindo lerem livros ou verem exposições, quando deviam voltar maiores esforços para a pesquisa, o levantamento, a descoberta desse gesto às vezes aparentemente tão pequeno que é a chegada de mais um ser afastado da

cultura e da criação, por origem, por classe, pela carga diária de alienação e de trabalho ou por falta dele, um ser que se aproxima e faz um poema, ou quer fazer música, ou teatro, ou quer participar na vida com os outros, e não encontra atenção, nem resposta, nem um posicionamento sério, da parte de quem, afinal, poderá deter poderes de decisão mas já não sonha, não inova, não revoluciona, e apenas faz de suporte, de mero suporte, daqueles que detêm os poderes de tudo e não querem sonho, nem criatividade, nem uma nova vida que afinal acaba sempre por surgir, lá longe, na nossa memória e no futuro da conquista daquilo que pertence a quem está vivo e quer viver com todos os direitos, livre e em plenitude.

Que debaixo duma árvore, no Alentejo, em Trás-os-Montes, ou em qualquer parte do país, numas escadas de pedra ou no silêncio da casa, nunca faltem um homem e uma mulher a enfrentarem o mundo e a mostrarem mais uma vez, mil vezes, que a cultura e o conhecimento são de nós todos. Têm de ser de todos nós, para transfigurar o quotidiano, para que as transformações e novas revoluções aconteçam e nasçam outras poesias e vidas, libertas de fome, de opressão e de violência, neste País que amamos e cantamos, mesmo quando não responde aos nossos anseios e se deixa ocupar e destruir por dentro e por fora, pelos inimigos encapotados ou declarados da nossa existência independente, onde deve caber sempre a felicidade de criar e de trabalhar em plenitude e liberdade.

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*) Embora estas formulações, cultura popular e cultura erudita, sejam utilizadas assim, nesta breve abordagem, não podemos deixar de apontar a necessidade de as questionar e clarificar, nomeadamente no seu conteúdo, com a exactidão que cada uma delas merece e exige, tarefa que cabe um pouco a cada um de nós.

Notas

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Ricardo Espírito SantoArquitectoTécnico Superior daR. N. Estuário do Tejo - I.C.N.

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Recuperação dos Santuários da Avifauna do Estuário do Tejo - 1

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A vontade da Reserva Natural do Estuário do Tejo ao candidatar um projecto de conservação da natureza a financiamentos europeus do programa Life NATUREZA 2000, radicou na necessidade de agir sobre territórios de extraordinário valor para a avifauna aquática selvagem que corriam o risco de se degradar e de perder algumas das suas mais importantes valências ambientais.

Para que tal se não consumasse, planeou-se o trabalho, elaboraram-se esquemas de dados científicos e financeiros, consultaram-se especialistas e bibliografia vária, arregimentaram-se vontades e elaborou-se o projecto, atempadamente enviado para Bruxelas para apreciação técnica da Comissão aí sediada.

E... no dia 19 de Julho de 2001, data do 25º aniversário da Reserva Natural do Estuário do Tejo, foi recebida a comunicação oficial da aprovação de atribuição dos fundos comunitários solicitados ao projecto:

L I F E 0 0 N A T / P / 7 1 0 0 Recuperação dos Santuários da Avifauna do Estuário do Tejo - 1

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Visando a melhoria das condições ambientais de áreas-chave do seu território, a União Europeia lança anualmente um programa de fundos financeiros a utilizar em parceria com os Estados-membros, aplicáveis em projectos locais que de algum modo se proponham proteger as condições ambientais numa perspectiva de conservação da natureza. De facto, segundo o n.º 1 do art. 3º do Regulamento (CE) n.º 1655/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho, relativo ao Instrumento Financeiro para o Ambiente (Life), “o objectivo específico do Life-Natureza é contribuir para a aplicação da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril, relativa à conservação das aves selvagens, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens, e em especial da rede europeia Natura 2000 criada por esta última Directiva”

É neste espírito que se propõe este projecto Life, de larga incidência territorial, englobando parte dos concelhos de Benavente e Vila Franca de Xira e que implicará uma nova atitude perante os territórios directamente envolvidos. É agora tempo de dar a conhecer as propostas de trabalho definidas no projecto, apresentando os resultados já concretizados e os que se antecipam para o futuro.

O projecto LIFE00NAT/P/7100 tem um alcance temporal de 5 anos, de Julho de 2001 a Julho de 2006, assumindo o Estado Português e a União Europeia a parceria do seu financiamento, para um valor total definido em 459.489,0 euros.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA

O projecto pode ser caracterizado pela proposição de três ideias-força:

! Aquisição de terrenos com características excepcionais para utilização pela avifauna protegida, que estejam em grave risco de desaparecimento, promovendo a sua recuperação e a gestão das qualidades biofísicas que os qualificam como santuários da avifauna;! Estruturação destes espaços de modo a garantir a sua preservação e qualificação para acções de carácter científico e educativo.! Realização de acções de monitorização, permitindo a melhoria do conhecimento da dinâmica das populações da avifauna do estuário do Tejo e também verificar qual a importância das acções levadas a cabo neste projecto para a melhoria das condições ambientais nas áreas a intervir.

A escolha dos locais onde este conjunto de intenções iria ser implementado, obedeceu portanto a uma opção por terrenos que apresentavam os parâmetros ambientais exigidos e que necessitavam de intervenção urgente de modo a preservar e recuperar as qualidades de território preferencial para a conservação da natureza.

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Muito naturalmente, aquela opção recaiu sobre a Reserva Integral da Lagoa do Mouchão do Lombo do Tejo, no concelho de Vila Franca de Xira e sobre o complexo salineiro de Vale de Frades, adjacente à Reserva Integral de Pancas, no concelho de Benavente. A opção por dois locais de origem antrópica, veio permitir actuar em habitats não completamente naturais, evitando intervenções em sistemas naturais, nem sempre viáveis ou desejáveis. Gerir o habitat proporcionado pela lagoa, promovendo a nidificação da Garça-imperial, da Águia-sapeira, do Pato-real ou do Pato-de-bico-vermelho é o princípio de actuação para este espaço.

De igual modo, a prioridade de gestão na Salina de Vale de Frades irá no sentido de promover a nidificação destas e outras espécies como o Perna-longa, o Borrelho-de-coleira-interrompida ou a Andorinha-do-mar-anã, oferecendo ainda às populações de Alfaiate, Fuselo, Maçarico-de-bico-comprido e Tarambola-cinzenta entre outras, condições de refúgio e de alimentação durante os períodos de maré-alta.

INTEGRAÇÃO REGIONAL E ESTATUTOS DE PROTECÇÃO PRESENTES

A importância ecológica dos sítios a intervir no âmbito deste projecto Life, é evidente na listagem de classificações e estatutos presentes.

! Região de Lisboa e Vale do Tejo - código NUTS: Pt13

! ZPE do Estuário do Tejo - código NATURA 2000: PTCON0009 - 45 020 hectares

! Reserva Natural do Estuário do Tejo - área de 14 563 hectares

! Sítio Ramsar n.º 211 - Zona Húmida de Importância Internacional como Habitat de Aves Aquáticas

! Biótipo CORINNE - código: C2 1200009

! Área Importante para a Avifauna Europeia - presente nas categorias 1iii, 3 e 4

! Reservas Integrais de Pancas e da Lagoa do Mouchão do Lombo do Tejo

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Perna-longa nidificando

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! Classe de Espaço Agrícola - nos PDM de Benavente e Vila Franca de Xira

! Área territorial de intervenção do projecto LIFE00NAT/P/7100 - 54 hectares

Trata-se de um complexo padrão de classificações territoriais segundo os diferentes instrumentos de ordenamento, exemplificativo da importância ambiental destes locais.

No início de 2002, o PROTAML incluía ainda estas áreas nos corredores ecológicos.

O ESTUÁRIO DO TEJO

É a mais extensa Zona Húmida do território nacional e uma das maiores e mais importantes da Europa, com uma biodiversidade muito elevada e uma notável variedade de paisagem. Essa riqueza e sobretudo a grande diversidade biológica intrínseca derivam do facto de ser um estuário mediterrânico ou de transição entre dois continentes, Europa e África, classificado biogeograficamente como pertencendo ao Paleártico Ocidental .Como todos os grandes estuários do mundo, o seu principal problema reside no facto de ser uma das zonas húmidas costeiras mais poluídas. Este facto é decorrente de todo um rol de actividades poluentes implantadas na orla ribeirinha, uma vez que em seu redor se concentra a maior mancha de ocupação humana do ocidente da Península Ibérica.Ainda assim, o estuário do Tejo é a Zona Húmida portuguesa de maior importância internacional como habitat da avifauna aquática migradora, acolhendo em média 54% das aves limícolas, 30% dos anatídeos e 4% dos ardeídeos invernantes recenseados em Portugal. Ocorrem aqui com regularidade cerca 100 000 aves, ultrapassando o número de 120 000 no período de passagem migratória, constituindo deste modo uma unidade crucial da East Atlantic Flyway .

Com uma área de 32 500 hectares, é notável pela grande extensão de área de entre-marés, aproximadamente 40% do total, desempenhando funções essenciais na ligação com a zona costeira imediatamente adjacente.

Como medida do valor ecológico do estuário do Tejo, refere-se a ocorrência de distintos tipos de habitats previstos na Directiva Comunitária 92/43/CEE, utilizados por 101 espécies de peixes, aves aquáticas e alguns mamíferos, com destaque para a Lontra-europeia.

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AS ÁREAS-CHAVE DO PROJECTO LIFE

Lagoa do Mouchão do Lombo do TejoEsta lagoa de águas estuarinas ocupa 29 hectares na zona deltaica do rio, no chamado Mouchão do Lombo do Tejo. Dentro do estuário, os mouchões constituem pequenas ilhotas de solos aluvionares de formação recente, utilizados preferencialmente para a produção agrícola.

A entrada e saída de águas da lagoa era assegurada por uma comporta, destruída pela força das águas, durante uma cheia ocorrida há alguns anos. Face ao risco real de inundação dos férteis terrenos, os proprietários obstruíram com terra, a entrada de água fluvial na lagoa. Como consequência, é agora alimentada somente com águas pluviais, verificando-se a quase completa secagem a cada estio. A situação levou ao quase total desaparecimento das condições que qualificavam esta lagoa como Reserva Integral, nomeadamente das outrora abundantes populações de peixes, bem como das condições óptimas para reprodução de espécies de avifauna protegida que utilizava o local, referindo-se que se localizavam aqui os principais núcleos de nidificação no nosso país de Garça-vermelha, Tartaranhão-ruivo-dos-paúis e Perdiz-do-mar.De uma forma sumariada, o projecto propõe como medidas basilares para a lagoa, a reparação do sistema de comportas e a vedação do seu perímetro, recuperando as condições para refúgio e nidificação da avifauna aquática que estão subjacentes à sua classificação como Reserva Integral.

Salina de Vale de FradesDentro do seu território, a RNET agrega zonas de salinas, as quais constituem um dos mais importantes habitats de suporte para as espécies de aves limícolas incluídas no Anexo I da Directiva Comunitária 79/409/CEE. (5)

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Salinas de Vale de Frades

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A continuada perda de importância do sector salineiro em Portugal, em virtude de alterações económicas ocorridas, torna em geral mais vantajosa para as empresas de comercialização, a aquisição de matéria-prima importada, neste caso de países do Norte de África. O progressivo abandono das salinas tem consequências nefastas nas condições ambientais para a avifauna protegida, uma vez que não é possível assegurar a manutenção dos níveis de água adequados à alimentação e repouso das espécies. Um outro factor de ameaça decorre forte pressão para a transformação das salinas em tanques de piscicultura, aumentando a capacidade de retenção das águas através do abaixamento da cota dos fundos, criando massas da água com um metro ou mais de altura, incompatíveis com a utilização por aves limícolas que, invariavelmente, possuem pernas mais curtas.Sendo a salvaguarda deste tipo de habitat fundamental para os objectivos de conservação da natureza e pressupondo a não continuação da actividade salineira, a salina de Vale de Frades, com 35 hectares, possui excelentes condições naturais que justificam a inclusão neste projecto Life. A sua gestão pode facilmente ser orientada para as acções previstas no projecto, de entre as quais cabe destacar a reparação do sistema de circulação de águas, nomeadamente das comportas de admissão de águas estuarinas, a vedação da salina e a construção de uma estrutura de apoio a acções de monitorização e estudo da avifauna. Esta estrutura, denominada Estação Ornitológica Nacional de Vale de Frades - EONvf, destaca-se pelo peso específico de intervenção no território e papel axial na lógica deste projecto, pormenorizando-se em seguida os critérios que presidiram à sua concepção.

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E S T A Ç Ã O O R N I T O L Ó G I C A NACIONAL DE VALE DE FRADES

O Instituto da Conservação da Natureza bem como várias ONG's, têm vindo a construir estruturas específicas de apoio a acções de estudo, monitorização e recuperação de espécies animais feridas. Estruturas similares dedicadas em exclusivo ao estudo ornitológico in situ não foram, tanto quanto foi possível verificar, em nenhum caso propostas, estudadas ou realizadas. Colocou-se no âmbito deste projecto Life, a possibilidade de realização de uma Estação Ornitológica, que viesse eventualmente dar origem a uma rede de estruturas, podendo deste modo servir de objecto de estudo para modelos funcionais a utilizar no futuro. Bando de Alfaiates

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Definição do programaDesde o início dos trabalhos, surgiu algo de muito evidente: o programa seria definido numa base puramente empírica, dada a novidade funcional do objecto, sem paralelo conhecido. Não podendo basear o projecto no estudo de estruturas ou programas já existentes, de onde extrair qualidades positivas a aplicar ou evitar situações negativas já experimentadas, abria-se um campo de exploração programática, estrutural e estética, que não seria de outro modo possível. O programa foi elaborado com a colaboração de pessoas com experiência de campo, procedendo-se ao levantamento das necessidades sentidas durante as acções de carácter ornitológico. Também a experiência vivida, ajudou à definição e principalmente à hierarquização dessas necessidades. As repetidas visitas às salinas, tentando compreender as suas cambiantes de luz e cor, de vento e humidade, que lentamente se alteram com o correr das Estações, terão de algum modo contribuído para o entendimento do lugar.

O lugar da intervençãoO complexo salineiro de Vale de Frades pode ser caracterizado como uma zona plana, com altimetrias variando cerca de 2 m. A paisagem é despojada de elementos marcantes da verticalidade, excepção feita a um depósito de água a cerca de 70 m. do lugar de intervenção. Quanto a elementos de marcação da horizontalidade, a paisagem é “tecida” e estruturada por eles. São canais, valas, esteiros, planos de água nos cristalizadores e em todos os tanques da salina, cômoros, combros ornados com galerias de caniçal. A horizontalidade domina, esmagadora.

Cercada de água, a construção realizar-se-á numa plataforma com as dimensões de 30x12 m. elevada cerca de 1 m. em relação aos planos de água da salina. Sobre esta plataforma, grosseiramente orientada de norte para sul, assentava um antigo armazém de sal em alvenaria bastarda, entretanto demolido por se encontrar totalmente derruído, sem viabilidade de recuperação.

Dado importante a reter para a concepção da EONvf, é o facto do local se encontrar bastante distante de qualquer rede de infra-estrutura, seja de abastecimento ou de saneamento.

As directrizes do projecto e as condicionantesTendo em conta as particulares condições do local de intervenção e as balizas financeiras propostas e aprovadas no projecto Life, sintetizaram-se as directrizes e condicionantes a aplicar no acto de projecto. A lista apresentada resume, sem esgotar o conjunto das principais ideias que foram tidas em conta para a realização da construção:

1. Utilizar como referência a área de implantação da construção preexistente, calculada para o efeito em 105 m2;

2. Definir a carga máxima de utilizadores para a partir desse número dimensionar as redes e espaços. 8 utilizadores de ambos os sexos, para períodos de 2/3 dias de permanência, ficou definido como parâmetro de referência;

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3. No entanto, a EONvf deverá ser dimensionada prevendo a capacidade de acolhimento de acções de formação na área da ornitologia, para um máximo 15/20 utilizadores/dia;

4. Durante os períodos de permanência, os utilizadores disporão de condições para dormida, conservação e elaboração de alimentos, instalação sanitária e arrumos;

5. Garantir a auto-suficiência da EONvf em termos de abastecimento eléctrico;6. Garantir a auto-suficiência da EONvf em termos de abastecimento e armazenamento de águas limpas para

consumo humano;7. Garantir a auto-suficiência da EONvf no tratamento biológico e exaustão das águas residuais;8. Procurar no acto de projecto a modulação dos materiais e elementos construtivos, de modo a acelerar e

simplificar a montagem da estrutura, no entendimento de que o acto construtivo deverá introduzir o menor grau possível de perturbação no local;

9. Dentro desta lógica e assumindo a inevitabilidade da perturbação, o processo construtivo decorrerá no menor intervalo de tempo possível, limitando-o às janelas temporais onde seja menos susceptível de criar perturbação, nomeadamente durante os períodos de maré-baixa diários e durante os meses de Maio a Agosto;

10. Dado que em termos biofísicos haverá uma permanente exposição às condições particularmente agressivas do meio ambiente, procurar-se-á o máximo isolamento possível em relação a esse meio. Serão utilizados materiais inertes, insusceptíveis de alterações químicas relevantes ao longo do tempo, evitando a contaminação do local;

11. Utilizar materiais que apresentem garantias de resistência a acções de vandalização, sempre possíveis, dado o relativo isolamento espacial do local de intervenção;

12. Por fim, será equacionada a possibilidade da remoção da estrutura após o seu período de utilização, estimado em 10 anos, para uma outra localização dentro do território da Área Protegida. Deverá apresentar capacidade de desmontagem e assemblagem, sem recurso à inutilização de peças ou execução de novos elementos.

Tendo como ponto de partida esta dúzia de directrizes/condicionantes, existia ainda um campo que faltava definir: a imagem morfológica. A EONvf deveria remeter para a arquitectura tradicional da zona ou, por outro lado, assumir a sua época e na medida do possível traduzir uma ideia de intervenção actual, ainda que evidenciando a memória do sítio?

Pareceu-me óbvia a escolha deste segundo caminho. Trata-se de uma estrutura inovadora na função, com objectivos que estão dentro de uma lógica contemporânea, procurando dar resposta a um programa simples, mas que as características do lugar se encarregam de complexificar.

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Raiz morfológicaA forma proposta, um prisma triangular truncado, procura mimetizar uma “Serra de Sal”. Estas estruturas, outrora comuns no território e por agora quase desaparecidas, constituem uma forma de armazenamento a granel de grandes quantidades de sal junto ao local de produção, antes de ser escoado. Uma vez recolhido nos cristalizadores, o sal é amontoado nestas massas cristalinas, que podem atingir as dimensões de 25 metros de comprimento, por 10 de largura e uma altura de 6 metros na aresta superior.

Este monte é então coberto com um tapete de colmo ou junco, o que por um lado permite a respiração do sal subjacente, impedindo ao mesmo tempo a dissolução dos cristais nas águas pluviais. Ao ser desmontada para retirar determinada quantidade de sal, a cobertura de colmo entretanto escurecida pela chuva e pelo sol, é parcialmente destruída, exibindo a radiante claridade do sal, num forte contraste visual nesta paisagem cromaticamente monótona.

Proposta estruturalA solução propõe a utilização de uma rede de pilares de betão com secção quadrada de 0,4 m. unidos por uma viga de travamento no mesmo material. A utilização desta rede de pilares eleva a base da construção a uma altura média do solo da ordem dos 0,3 m. evitando qualquer contacto que permita a infiltração de humidade por capilaridade, mantendo também um fluxo de ventilação permanente sob a construção.

Serras de sal

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A estes pilares será aplicado por chumbamento, um estribo contínuo realizado em viga de aço do tipo HBE 140, de secção em I, sobre o qual repousará a superestrutura exterior de metal e madeira da gaiola. Com guias e montantes alternando entre estes dois materiais, para diminuir a massa da construção, será montada a estrutura resistente do interior, englobando pavimentos e paredes/cobertura.

Todos os elementos estruturais serão fixos por aparafusamento com cavilhas roscadas de 0,012 m. de diâmetro. Somente as unidades elementares que possam ser transportadas numa única peça para o local serão electrosoldadas. Pelo interior e exterior desta gaiola, será aplicado um revestimento em placas pré formadas de VIROC com as espessuras de 0,010 e 0,022 m. respectivamente, sendo as juntas tratadas de modo a assegurar a total estanquicidade do conjunto.

Proposta funcionalSobe-se a rampa até à Entrada Coberta a partir da qual se acede ao interior da construção e pelo lado oposto, aos Arrumos Exteriores para guarda de material pesado e sujo.

No interior da EONvf observa-se o desdobramento num espaço de Sala, o qual com 47,5 m2 possibilita o acolhimento simultâneo a 15/20 pessoas. Esta Sala estará provida com uma bateria de quatro janelas abrindo directamente por sobre os tanques de cristalização. Procura-se deste modo possibilitar a observação da avifauna sob quaisquer condições climáticas, permitindo ao mesmo tempo a entrada directa de luz solar do quadrante poente. À direita abre-se um quase corredor de acesso à Cozinha, a qual com 12 m2, estará equipada com bancada, bacia de lavagens com águas quentes e frias e armários, estando ainda prevista a instalação de um frigorífico, um esquentador e um fogão, todos abastecidos a gás. Adjacente à Cozinha, de modo a minimizar o dimensionamento das canalizações, realizar-se-á a Instalação Sanitária com 5,7 m2, equipada com lavatório e cuba de duche com águas quentes e frias e sanita. Os Quartos, colocados na extremidade norte da construção terão uma área de 12 m2, proporcionando cada um espaço para três dormidas. A forma interna dos Quartos implica a utilização de um beliche e uma cama individual. Duas janelas basculantes colocadas na face norte da construção proporcionarão iluminação directa e ventilação natural do interior. Todas as janelas serão equipadas com ensombradores, para que as luzes nocturnas do interior, não sejam perceptíveis pelo exterior.

Por sobre este conjunto de espaços e aproveitando o plano dos tectos, realizar-se-á uma zona de Arrumo Interno acessível por escada vertical, vocacionada para receber materiais mais ligeiros, com uma área de 30,5 m2.

As divisórias internas entre os diferentes espaços funcionais serão realizadas sobre elementos estruturalmente secundários. No seu encerramento será utilizado o mesmo material compósito usado exteriormente, aqui numa espessura de 0,01 m.

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RedesTal como previsto nas directrizes, o abastecimento eléctrico terá origem local, assegurado por meios próprios. Excluindo a possibilidade de extensão da Rede Eléctrica Nacional por uma distância superior a 1000 m. por razões de ordem financeira e estética. Restaria o abastecimento por baterias recarregáveis, que se revelaria demasiado oneroso e de manejo complexo, a utilização de um gerador de combustível, dispensável pela carga de ruído associada e também pelos poluentes químicos que iria aportar ao local, ou a utilização de aerodínamos, absolutamente proibidos nesta zona inserida em rota migratória da avifauna. A opção pela energia fotovoltaica é portanto imposta pelas condições locais e pelas directrizes aceites. Um conjunto de 5 unidades fotovoltaicas será colocado sobre a cobertura horizontal da Sala, beneficiando da orientação para Sul e Poente para recolha de energia solar. O armazenamento dessa energia realizar-se-á em baterias, localizadas sob a bancada da Cozinha.

Nas condições presentes no local, o abastecimento de água potável para uso humano só pode ser realizado, utilizando um depósito que assegure o armazenamento em boas condições de uma pequena quantidade de água para utilização sanitária. A proposta aponta para a colocação sobre a Entrada de um depósito de 350/500 litros de capacidade, com abastecimento assegurado por autotanque. Para garantir a boa qualidade desta massa de água, deverá ser mantido um ritmo de renovação quinzenal. Em alternativa, poderá equacionar-se a utilização/adaptação do depósito de água existente a cerca de 70 m. para norte do local de intervenção, onde é possível o armazenamento de cerca de 2500 litros de água. Esta solução implicaria a execução de uma rede subterrânea exterior à construção, complicando um pouco os procedimentos para o seu enchimento.

O tratamento e exaustão das águas residuais produzidas, revela-se como o mais complexo problema técnico a solucionar. Encontramo-nos numa zona húmida onde o elemento líquido é omnipresente. Definida a importância de garantir a presença por períodos de 2/3 dias por grupos de 6/10 pessoas em perfeitas condições de salubridade, encarava-se um problema de considerável dimensão, que só seria solucionado recorrendo a uma unidade de depuração biológica. Estas unidades são possíveis de utilizar a descoberto, semi enterradas ou totalmente enterradas. Optou-se por esta última hipótese, reutilizando uma prévia escavação de fossa séptica, diminuindo o movimento mecânico de terras necessário e retirando da vista um objecto visualmente duvidoso. A qualidade das águas remanescentes será assegurada, realizando-se a sua descarga para o valado a nascente da plataforma. Está prevista uma cuidada e frequente manutenção do equipamento, bem como a monitorização dos seus efeitos na qualidade das águas em redor.

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Arranjos exterioresTerminado o processo construtivo da EONvf, decorrerão os processos de limpeza e arranjo exterior do local. Após a remoção de todos os materiais sobrantes, será definido um espaço para estacionamento de 3 veículos, junto ao lado sul da construção. A definição resultará numa pequena lomba impedindo o acesso de viaturas até demasiado próximo da construção. Todos os pisos em redor da EONvf bem como na zona de acesso e estacionamento serão colonizados pouco a pouco pela vegetação indígena.

Entretanto colocar-se-á a cobertura de colmo ou junco, erguendo-se ao mesmo tempo uma paliçada de canas com 1,7 m. de altura ao longo do caminho de acesso. Procura-se deste modo minimizar os impactes sobre a avifauna, causados pela movimentação de pessoas ou viaturas neste acesso.

Desenvolvimentos futurosLançado o concurso para a execução da empreitada em Abril, prevê-se a sua conclusão em Agosto do corrente ano. A presença deste equipamento em Vale de Frades permitirá não só o seu funcionamento como centro de actividades científicas ligadas à ornitologia, mas também como uma estrutura potencialmente integrável em actividades de lazer. Neste âmbito, a EONvf poderia funcionar como um espaço de acolhimento ao visitante, com informação temática dedicada ao ambiente e em particular à avifauna protegida, levando-o depois num pequeno circuito que passará por uma Plataforma de Observação de aves, a adaptar em redor do depósito de água. Daqui, o circuito conduziria o visitante até à Casa da Bomba da salina, onde poderá facilmente ser criado um pequeno espaço museológico exemplificativo do funcionamento e maneio de um complexo salineiro.

Quando realizadas, estas estruturas poderão contribuir para a criação de um pólo científico/educacional de valor que, de uma forma controlada, atenderá às necessidades e interesses quer dos utilizadores científicos quer dos visitantes ocasionais.

1- Jornal Oficial das Comunidades Europeias - L/192 de 28 de Julho de 2000.2- PROTAML: Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa.3- Paleártico Ocidental: unidade biogeográfica definida grosseiramente como um polígono quadrangular que engloba a nascente os montes Urais, a poente o arquipélago dos Açores, a norte a península escandinava e a Islândia e a sul toda a zona sub-sahariana até ao Golfo Pérsico.4- East Atlantic Flyway: rota de migração preferencial para a avifauna, entre os continentes europeu e africano.5- Anexo I da Directiva 79/409/CEE onde surgem listadas todas as aves sob estatuto de protecção. 6- VIROC: painéis planos compósitos, constituídos por 70% de cimento Portland e 30% de lascas de madeira, fabricados segundo a norma europeia EN 634-1 e 634-2.

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ESTUDO ESTATÍSTICO DAS PREFERÊNCIAS CULTURAIS

Pedro Verissímo

Licenciado em Relações Públicas

DA POPULAÇÃO DO CONCELHO DE BENAVENTE

Jorge Fonseca

Licenciado em Comunicação Social

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A Câmara Municipal de Benavente pretendeu com este inquérito conhecer as preferências culturais da população do Concelho de Benavente. Neste sentido o estudo surge da necessidade de conhecer, avaliar e estudar a realidade cultural. Assim, as ilações que se retiram deste trabalho pretendem conhecer a forma como a população do Concelho participa e se envolve em eventos de carácter Cultural, podendo vir a constituir-se como uma importante base de trabalho para a definição de novas propostas culturais. Importa desde já referir que o relatório agora apresentado corresponde a uma síntese de um estudo mais vasto onde foi possível conhecer globalmente a opinião de diversos escalões etários e sociais, áreas de residência, formação académica e ocupação profissional. Num inquérito com estas características pretendemos conhecer as motivações dos públicos, o seu percurso enquanto espectadores (eventos a que assistiram, preferências culturais) e expectativas em relação a futuras propostas. A partir da análise e mesmo do cruzamento destes parâmetros poderemos realizar

estudos específicos de acordo com o tipo de eventos, o local ou o tipo de públicos a quem é dirigido depois de traçar o perfil de cada público-alvo. Este inquérito consistiu em 16 perguntas maioritariamente de resposta fechada (SIM-NÃO), onde se tentou abordar as várias vertentes da acção cultural do município de Benavente: Museu, Bibliotecas, Espaço Internet, Núcleo Agrícola, Centro Cultural, Cine-Teatro, Centros Sociais, Boletim Municipal e Agenda Cultural. Para além de aferirmos se as pessoas têm ou não conhecimento dos espaços culturais existentes no Concelho de Benavente, o estudo mostra-nos quais as preferências culturais dos munícipes nos vários espaços culturais existentes ou projectados, como é o caso do futuro Centro Cultural de Samora Correia.

O estudo foi realizado no Concelho de Benavente durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2002 através do envio de 2916 inquéritos (12,6% da população) para Escolas, Associações, Colectividades, Juntas de

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Freguesia, Câmara Municipal, Bibliotecas e Piscinas, tendo sido recebidos 1158 exemplares(39,7% de respostas). O envio dos inquéritos para as escolas pareceu-nos o mais indicado para chegar aos pais dos alunos e assim conseguir resultados na faixa etária entre os 31 e os 50 anos. Os alunos também participaram no estudo manifestando a sua opinião e os gostos próprios do grupo etário entre os 16-18 anos. A amostra prevista situava-se na ordem dos 2313 inquéritos (10% da população do Concelho de Benavente segundo os resultados preliminares do Censos 2001), no entanto sabendo que este tipo de estudo obtêm uma taxa de não respostas na ordem dos 65%, optou-se por um número superior. Foram entrevistados indivíduos de ambos os sexos, a partir dos 16 anos, residentes no Concelho, tendo a preocupação de respeitar a característica de controle - Sexo - de 48% (masculino) e 52% feminino. A forma de distribuição e as características do inquérito não permitiram cumprir esta meta, pelo que ficámos com a seguinte distribuição de inquéritos: 63% femininos (733 inquéritos), 35% masculinos (403 inquéritos) e 2% de não respostas (22 inquéritos).

Relativamente à amostra do nosso estudo é do tipo não probabilístico, isto é, não há forma de estimar a probabilidade de cada elemento ser incluído na amostra e não existe segurança de que todos os cidadãos do concelho de Benavente tenham alguma

probabilidade de serem incluídos. A amostra do estudo foi constituída pelo conjunto de pessoas que responderam ao inquérito, amostra essa que não teve nenhuma forma de selecção além daquela que foi a disponibilidade das pessoas que responderam, através das Escolas, Associações e Colectividades.

Após a recolha de dados foi feito o seu tratamento. A sua análise permitiu aferir vários aspectos relativos à acção cultural do Concelho de Benavente - as actividades que mais atraem as pessoas, as melhores formas de divulgar os eventos culturais, entre outros. Ao chegar a nosso poder, todos os inquéritos foram numerados e identificados, de modo a facilitar o tratamento dos mesmos.

Desde já, agradecemos a colaboração de todas as pessoas e Instituições que permitiram a realização deste inquérito.

Quando questionadas se conheciam a actividade cultural da Câmara Municipal de Benavente, a diferença entre o SIM e o NÃO é pouco expressiva: apenas mais oito pessoas afirmaram desconhecer a mesma. Transformando os números em percentagens, ainda é mais perceptível: 49.6% dizem SIM, 50.3% respondem NÃO e 0.1% não sabe/não responde a esta questão.

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No tratamento dos inquéritos, utilizámos dois tipos de gráficos: circular 3D e barras (horizontais ou verticais). Para uma melhor leitura dos resultados finais foram utilizadas as mesmas cores em todos os gráficos para definir o valor mais alto (fundo branco com contorno a negro) e o valor mais baixo (padrão losangos pretos em fundo branco).

Gráfico 1

Gráfico 2

Segundo a opinião dos inquiridos, o carro sonoro é o meio que mais contribui para a divulgação das actividades da Câmara Municipal de Benavente (261 respostas), seguindo-se os programas (235) e os cartazes (222) em 1158 inquéritos.

Gráfico 3

Quando perguntámos qual a melhor forma de divulgação, os cartazes foram o meio mais votado (204 respostas), seguindo-se o carro sonoro (176) e os programas (124). O mailing, método muito utilizado actualmente, não teve a preferência da maioria, recolhendo apenas duas opiniões. Uma situação que poderá ser explicada pelo desconhecimento das pessoas em relação a este meio de divulgação e também por ser uma pergunta de resposta aberta, isto é, os inquiridos tinham de expressar a sua opinião.

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Gráfico 4

Ao colocarmos esta questão as respostas obtidas foram maioritariamente positivas, 358 indivíduos responderam que têm por hábito frequentar as actividades culturais realizadas pela Câmara Municipal de Benavente, enquanto 214 responderam que NÃO, num total de 574 respostas. Podemos concluir que mais de 50% dos inquiridos que conhecem a actividade cultural da C.M.B. têm por hábito frequentar os eventos culturais.

Gráfico 5

Os indivíduos que responderam afirmativamente à pergunta 4, foram convidados a dizer com que frequência costumam participar nessas actividades, onde se destacou a categoria Por vezes com 287 respostas.

Gráfico 6

Segundo os inquiridos a sua participação nos eventos culturais é condicionada quase exclusivamente pelos Horários em que são realizados e o seu conteúdo. Na categoria Outros, 94 pessoas atribuíram a outros factores a sua presença nas actividades culturais, como se pode observar no gráfico 7.

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Gráfico 7

Esta pergunta é uma das mais importantes neste inquérito porque permite-nos saber quais são as actividades que mais interessam aos munícipes e, por isso, merece a nossa atenção na futura apresentação de propostas culturais. Nesta questão, a pergunta foi feita no geral, isto é, independentemente do local onde se realizam. Nas perguntas 9.1, 15.1 voltámos a perguntar quais as actividades que gostariam de ver no Cine-Teatro de Benavente e no Centro Cultural de Samora Correia, tendo registado resultados diferentes. Relativamente a esta questão, a categoria Música recolheu a maioria das respostas com 678 votos, seguindo-se Desporto, Exposições e Dança. Na categoria Outros contabilizámos 101 respostas, cuja distribuição apresentamos no Gráfico 9. Teatro (58 respostas) e com menos expressão Cinema e Informática são as actividades preferidas da amostra deste estudo.

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Gráfico 8

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Gráfico 9Depois de saber quais as actividades que mais interessam aos munícipes, as razões que limitam ou não a participação nos eventos culturais e o conhecimento dos mesmos, interessa também conhecer os espaços culturais que são mais utilizados pelos inquiridos. É importante ter estes dados para adaptar os eventos aos espaços culturais do Concelho de Benavente, promovendo assim os menos conhecidos pela população.

Gráfico 10

A maioria dos inquiridos (71%) disse que conhecia os espaços culturais do Concelho de Benavente, enquanto apenas 28% afirmavam desconhecer os mesmos. Na pergunta seguinte foi avaliado o grau de conhecimento dos indivíduos, quando colocados perante todos os espaços culturais.

Verificou-se que os espaços culturais mais antigos, situados nas duas maiores freguesias do concelho são os mais visitados e mais conhecidos, sendo o Centro Cultural de Benavente o mais conhecido individualmente com 670 respostas. Contudo, se tivermos em conta que a Biblioteca de Samora Correia e o Palácio do Infantado estão integrados no mesmo espaço físico recolhem 769 respostas, tornando-se no espaço cultural mais conhecido.

Gráfico 11

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Para terminar esta parte do inquérito respeitante aos espaços culturais, perguntámos se os espaços culturais que conheciam eram agradáveis. Das 824 respostas positivas na pergunta 6 (quem não conhecia os espaços culturais passavam directamente à pergunta 9), 90% consideraram os espaços agradáveis e apenas 7% mostraram-se desagradados. Em concreto, não podemos retirar mais informação pois a expressão "agradáveis" pode levar a várias interpretações. Medir as condições físicas, estruturais e de equipamento oferecido pelos diferentes espaços culturais, tem de passar por um estudo mais aprofundado e não nos cingirmos apenas a esta pergunta.

Dos 1158 inquéritos analisados, 751 inquiridos responderam afirmativamente quando questionados se tinham conhecimento das obras de reconstrução do Cine-Teatro de Benavente, 382 desconheciam e 25 optaram por não responder a esta questão. Para aprofundar esta questão e apresentar as melhores propostas para aquele espaço cultural, desdobrámos em três categorias as respostas analisadas e que são apresentadas (em anexo) por freguesia, idade e formação.

Em relação ao tipo de eventos a realizar no Cine-Teatro de Benavente, os Filmes de Cartaz assumiram uma posição de destaque, obtendo 921 respostas. Com menos preferência mas com expressão seguiram-se o Teatro e Música. As Reposições, com 107 respostas, será na opinião geral uma actividade com pouco público.Quanto aos Filmes de Cartaz, esta categoria foi dividida em várias subcategorias, as quais apresentam os seguintes valores (Gráfico 15):

Gráfico 14

Gráfico 12

Gráfico 13

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Quanto às categorias Filme de Cartaz destacamos os filmes infantis com 454 respostas, com muitas respostas da classe etária 31-50 anos. Estes filmes não são directamente dirigidos a esta classe etária, mas podemos concluir que esta classe pretende levar os filhos ao cinema, embora não seja frequentadora deste tipo de filmes.Como se pode observar, muitas pessoas gostariam de ver no Cine-Teatro outros géneros de filmes, sendo o Terror o género mais apreciado com 31 respostas a favor da exibição deste tipo de filmes, logo seguido pelos filmes Dramáticos ( 17 respostas) e Romances (com 10 respostas). 26 dos indivíduos que responderam à categoria Outros filmes não especificaram que outros géneros gostariam de ver exibidos, deixando ao critério das entidades promotoras.

Quando questionadas sobre a sua visita ao Cinema, 445 dos inquiridos mostram preferência por visitas semanais, 354 disseram que pensam frequentar o cinema quinzenalmente e 262 disseram que o iriam fazer todas as semanas. 97 dos inquiridos não mostraram qualquer interesse em visitar este espaço cultural.

Gráfico 16Gráfico 15

Gráfico 17

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Foi solicitado aos inquiridos a responder à questão se conheciam o espaço físico do Museu Municipal, 69% desses indivíduos respondeu afirmativamente à questão, ou seja, 796 pessoas responderam que SIM. Em contrapartida, 349 (30%) pessoas responderam que NÃO conheciam este espaço. 13 indivíduos (1%) optaram por não responder a esta questão.

Aos indivíduos que responderam afirmativamente à questão 10 (796 no total) foi ainda solicitado que respondessem à questão 10.1: se já alguma vez tinham visitado uma exposição no Museu Municipal; 77% dessas pessoas (616 respostas) respondeu afirmativamente à pergunta, enquanto que 17% (135 respostas) respondeu negativamente, ou seja, apesar de conhecerem o local nunca o tinham visitado. 6% (45 pessoas) não quis responder a esta questão.

Na pergunta 10.2 pedimos às pessoas que responderam afirmativamente às perguntas 10 e 10.1, qual era o tema da exposição que tinham visitado. Das 796 respostas, registamos uma taxa de não resposta de 67%, o que equivale a 535 inquiridos. Os restantes 261 indivíduos recordaram-se do tema da exposição: 59 destacaram os Trajes Tradicionais, 42 referiram a exposição Rios que correm como sendo a última que visitaram; a categoria Diversos apresenta um número elevado que pode ser explicado por dois factores: não se conseguiu decifrar com exactidão qual a exposição a que essas pessoas se referiam, para além de só terem sido quantificadas as exposições mais relevantes e com mais referências.

Gráfico 19

Gráfico 18

Gráfico 20

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Perguntámos às pessoas quando foi a última vez que tinham visitado a Biblioteca da sua área de residência; as respostas dirigiram-se em grande parte para a categoria mais de um ano, com 387 respostas, uma situação que evidencia a falta de hábitos de leitura. A categoria 1 mês obteve também um elevado número de resposta, 368 respostas, devido ao elevado número de estudantes e membros da classe docente que responderam ao inquérito.

Pedimos ainda às pessoas que nos dissessem que tipo de actividade realizaram na Biblioteca, da última vez que a visitaram; a categoria Consultas de Estudo obteve o maior número de respostas, 468 no total. Estes números devem-se novamente ao elevado número de estudantes e professores que participaram na realização do inquérito.

Quando colocadas perante a questão se já tinham visitado a exposição patente no Núcleo Agrícola, 919 indivíduos (79% da amostra) responderam que ainda NÃO tinha visitado o local. O Núcleo Agrícola é um espaço relativamente recente (inaugurado em 2000), podendo ser uma das explicações possíveis para este elevado número de respostas. Uma campanha de divulgação podia atenuar estes números.

Gráfico 23

Gráfico 22

Gráfico 21

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O gráfico 24 mostra o desconhecimento da população do Concelho de Benavente no que respeita ao Espaço Internet, embora 393 pessoas saibam onde se localiza este espaço. Contudo, a maioria dos inquiridos optou por não responder ou confundiu com outros locais onde também está disponível a Internet.

Paralelamente a este estudo foi lançado o primeiro número da Agenda Cultural e Desportiva do Concelho de Benavente. Ao lançarmos esta questão pretendemos saber qual a importância desta publicação. Assim sendo, 617 pessoas consideram Importante a criação da Agenda. tendo em conta a soma das categorias Importante e Muito Importante chegamos à conclusão que esta é uma publicação que reúne o consenso da população.

Em relação à pergunta 15 pretendemos aferir o grau de conhecimento no que respeita ao futuro Centro Cultural de Samora Correia. A resposta foi clara: 78% (906 respostas) das pessoas desconheciam que iriam ter ao dispor um Centro Cultural. Esta questão foi criada com dois objectivos: medir o grau de conhecimento em relação ao futuro Centro Cultural de Samora Correia e ao mesmo tempo dar a conhecer este novo espaço cultural.

Gráfico 26

Gráfico 25

Gráfico 24

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Quanto às propostas para o futuro Centro Cultural de Samora Correia, os inquiridos apostam na variedade de programação, com destaque para a Música (647 respostas), Teatro (598 respostas ) e as Exposições ( 468 respostas). Ao observarmos o Gráfico 27, temos a percepção que as pessoas não preferem especificamente um tipo de eventos mas sim a sua multiplicidade.

A última pergunta do inquérito faz referência ao Boletim Municipal. Na primeira pergunta 713 pessoas (62% da amostra) disse que conhecia esta Publicação; 432 pessoas (37%) desconhece esta publicação. Através deste gráfico podemos concluir que o Boletim Municipal é conhecido, embora seja necessário uma melhor divulgação junto da população.

Das 713 pessoas que conhecem o Boletim Municipal, 572 (80%) são leitores, enquanto que 121 pessoas responderam negativamente à questão.

Gráfico 28

Gráfico 27

Gráfico 29

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A forma como as pessoas têm acesso ao Boletim Municipal pode ser um factor explicativo para os 37% de respostas negativas na pergunta 16. A maioria das pessoas têm acesso ao Boletim através das Instituições Públicas (347 respostas) ou através das Colectividades (160 respostas). Na categoria Outros, 56 inquiridos disseram receber o Boletim através dos CTT. Melhorar a distribuição, aumentar o número de Boletins enviados para os estabelecimentos comerciais e empresas privadas podem ser duas medidas a tomar para aumentar o número de leitores.

Na última questão da pergunta 16 pretendemos saber até que ponto as pessoas estão receptivas em relação ao envio do Boletim Municipal para suas casas. 76% (871 pessoas) gostaria de receber esta publicação, 16% (190 pessoas) disse NÃO querer recebê-lo, enquanto que 97 pessoas preferiram não responder à questão.

Gráfico 30

Gráfico 31

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M M u n I c I p a l d e B e n a v e n t e u s e u

B E N A V E N T E