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Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares 1 José Augusto Pacheco Universidade do Minho [email protected] Introdução Escrever um texto sobre as questões teóricas do currículo ligadas à regionalização é uma aventura política, pois falar sobre educação e currículo é algo profundamente político e cultural. A discussão em torno de um currículo regional, num país tão marcado pelo centralismo burocrático, apesar da existências de ventos de descentralização, é a oportunidade para nos interrogarmos na base da teorização curricular e das experiências que vivenciamos enquanto actores de um sistema educativo. Neste sentido, e de modo a justificarmos o último ponto – Referentes para um currículo regional – centralizamos o texto na existência de diferentes concepções de currículo, decorrentes das teorias curriculares, nas diversas territorialidades curriculares, nos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, nas lógicas que influenciam directa e/ou indirectamente a construção do currículo e nos desafios da sociedade do conhecimento. Porque o currículo é um projecto, um artefacto, cuja construção se insere numa dinâmica e complexa conversação, o currículo regional é um documento de trabalho em permanente elaboração, pois não é possível definir a aprendizagem a partir nem de um receituário nem de uma única perspectiva. Para além do conflito, o currículo regional só se torna possível se rompermos com os processos uniformes e estandardizados de decisão curricular. 1 Conferência realizada no âmbito do Seminário “O Currículo Regional”, Terceira, Açores, 4 de Setembro de 2003.

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Escrever um texto sobre as questõesteóricas do currículo ligadas à regionalização é uma aventura política, pois falar sobre educação e currículo é algo profundamente político e cultural.

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Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de  

regulação regional das práticas curriculares1   

José Augusto Pacheco Universidade do Minho [email protected] 

  Introdução  Escrever  um  texto  sobre  as  questões  teóricas  do  currículo  ligadas  à 

regionalização é uma aventura política, pois falar sobre educação e currículo é 

algo profundamente político e cultural. A discussão em torno de um currículo 

regional,  num  país  tão  marcado  pelo  centralismo  burocrático,  apesar  da 

existências  de  ventos  de  descentralização,  é  a  oportunidade  para  nos 

interrogarmos  na  base  da  teorização  curricular  e  das  experiências  que 

vivenciamos  enquanto  actores  de  um  sistema  educativo. Neste  sentido,  e  de 

modo a justificarmos o último ponto – Referentes para um currículo regional – 

centralizamos  o  texto  na  existência  de  diferentes  concepções  de  currículo, 

decorrentes das teorias curriculares, nas diversas territorialidades curriculares, 

nos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, nas  lógicas 

que  influenciam  directa  e/ou  indirectamente  a  construção  do  currículo  e  nos 

desafios da sociedade do conhecimento. 

Porque o currículo é um projecto, um artefacto, cuja construção se  insere 

numa dinâmica e complexa conversação, o currículo regional é um documento 

de  trabalho  em  permanente  elaboração,  pois  não  é  possível  definir  a 

aprendizagem a partir nem de um receituário nem de uma única perspectiva. 

Para além do conflito, o currículo  regional só se  torna possível se  rompermos 

com os processos uniformes e estandardizados de decisão curricular. 

1 Conferência realizada no âmbito do Seminário “O Currículo Regional”, Terceira, Açores, 4 de Setembro de 2003.

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  1. Teorias Curriculares  

 A  educação  torna‐se  num  recurso  por  excelência  se  procurar  a 

participação  de  cada  de  um  nós  na  sociedade  enquanto  actores  curriculares, 

comprometidos histórica, social e culturalmente com um projecto de formação 

que se encontra em permanente reconstrução. O currículo não é, por  isso, um 

projecto que diz  respeito  somente a professores  e a alunos, mas que abrange 

todos os intervenientes que, directa ou indirectamente, participam na sociedade 

do  conhecimento  ou  na  sociedade  de  aprendizagem,  tal  como  propõe 

Hargreaves2. 

Nas  primeiras  definições  de  currículo,  o  conhecimento  ocupa  um  lugar 

central da educação do aluno e da sua escolarização porque responde, de forma 

interactiva,  a  objectivos,  significados  e  valores  sociais3,  traduzível,  de  acordo 

com  os  defensores  de  uma  teoria  curricular  técnica,  ou  tradicional,  nos 

objectivos  e  na  avaliação.  Para  Bobbitt4  –  um  dos  precursores  do  currículo 

valorizado como um domínio de  investigação, que  tem a necessidade de uma 

teoria e de uma prática – o currículo é uma  realidade objectiva construída na 

base  de  uma  engenharia  de  educação,  terreno  dos  especialistas,  do mesmo 

modo que uma estrada é obrigatoriamente projectada por um engenheiro.  

Kliebard5 – um historiador norte‐amerciano do  currículo –  fala de Bobbitt, 

professor de Administração Educativa da Universidade de Chicago,  como uma 

referência  fundamental  relativamente  à  emergência  do  currículo,  não  só    no 

2 Cf. Andy Hargreaves. O ensino na sociedade do conhecimento. A educação na era da  insegurança. 

Porto: Porto Editora (publicação em 2004). 3 Para John Dewey, numa das primeiras obras sobre currículo, publicada em 1902, o processo 

educativo  resulta  precisamente  da  interacção  destas  três  forças  sociais.  Cf.  John Dewy, 2002. A escola e a sociedade. A criança e o currículo. Lisboa:Relógio D’Água Editores. 

4 Cf.. Franklin Bobbitt, 1918, The curriculum. New York: Houghton Mifflin. 5 Cf.. Herbert Kliebard,  1995. The  struggle  for  the  american  curriculum  1893‐1958  (2ª  ed.). New 

York : Routledge. 

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domínio específico do saber, mas também enquanto campo de intervenção dos 

especialistas.  Deste  modo,  Bobbitt  é  incluído  na  linha  de  pensamento  dos 

« eficientistas  sociais »,  isto  é,    de  todos  os  que  adoptam  para  a  educação  o 

método  de  gestão  proposto  por  Taylor,  em  1911,  com    publicação  do  livro  

ʺPrinciples  of  scientific managementʺ.Trata‐se  de  um modelo  universal,  pois  os 

princípios    podem  ser  aplicados  a  todos  os  campos  de  intervenção  social, 

conhecido    por  taylorismo  e  que  teve,  segundo  Beyer  et  Liston6,  uma  larga 

influência na formação do campo curricular. Nas décadas seguintes, sobretudo 

com o trrabalho de Tyler7, consolida‐se a noção de currículo como uma técnica 

que é conceptualizada na base de uma teoria de instrução, ou seja, uma teoria 

de controlo dos comportamentos cognitivos 

Estamos, assim, na   presença   das  teorias de  engenharia  curricular ou dos 

modelos  fechados.  Tais  concepções  funcionalista  e  estruturalista  reforçam  a 

definição  de  currículo  como  programa  definido  em  termos  nacionais  e 

implementado de modo estandardizado em todas as regiões e escolas, de modo  

a salvaguardar a  legitimidade normativa e a racionalidade técnica no processo 

de desenvolvimento curricular. As decisões curriculares são determinadas pela 

lógica do especialista, que actua junto da administração central, e pela natureza 

jurídica do normativo, assumindo o Estado um papel activo na construção dos 

produtos curriculares e na sua regulação. 

Se  o  currículo  nacional  pode  ser  legitimado  pelas  teorias  de  pendor 

tecnicista,  cada  vez  mais  presentes  no  quotidiano  educativo,  quer  pela 

“pedagogia de competências”8, quer pelo  reforço da uniformidade curricular, 

da estandardização de práticas escolares e   pela existência de uma gramática  6 Cf.. Landon Beyer e Daniel Liston, 1996. Curriulum in conlfict: social vision, educational agendas, 

and progressive school reform. New York : Teachers College Press. 7 Cf.. Ralph Tyler,   1949. Basic principles of curriculum and  instruction, Chicago  : The University 

Chicago Press.  8  No  texto  “Competências  curriculares:  as  práticas  ocultas  nos  discursos  das  reformas”, 

publicado  em  2003,  na Revista  de  Estudos Curriculares,  1,(1),  57‐75,  argumentamos  que  a “pedagogia por competências se tornou no prolongamento da denominada “pedagogia por objectivos”. 

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pedagógica  valorativa  dos  resultados  cognitivos,  em  termos  teóricos,  o 

currículo regional e local é explicado por uma perspectiva prática e crítica, isto 

é, por uma  teoria  fenomenológica do desenvolvimento curricular centrada na 

escola  e  nos  sujeitos,  implicando  um  processo  de  deliberação  prática9  ou  uma 

proposta  de  trabalho10  a  realizar    ou  ainda  um  texto11  que  pode  ter múltiplas 

leituras.  

No  entanto,  não  existe  uma  perspectiva  única  que  explique  totalmente  a 

realidade  curricular,    pois  trata‐se  de  uma  prática  que  produz  linguagens 

contraditórias,  resultantes de várias forças de influência. Também não se pode 

dizer  que  o  currículo  seja  exclusivamente  o  território  organizado  pela 

administração central ou pela escola e professores. 

Num  currículo  totalmente  nacional,  dado  que  não  há  espaço  para  as 

decisões curriculares de professores e aluno, nem tão pouco para os contextos 

regionais e locais, a escola coloca‐se no centro da transmissão de conhecimento, 

sustentado tanto pela predeterminação de conteúdos quanto pela previsão dos 

resultados  marcadamente  cognitivos,  identificados  na  palavra  mágica  dos 

objectivos de aprendizagem   e das competências. Utilizando uma metáfora de 

Tyler12,  que  em  1976, propôs  a  necessidade de  caminhar  no  sentido de uma 

teoria  curricular  global  e  coerente,  podemos  dizer  que  é  preciso  ser 

curricularmente arquitecto e não carpinteiro, ainda que esta ideia seja utópica, 

dado  que  jamais  o  Estado  deixa  de  intervir,  de  forma  decisiva  e  uniforme, 

quase  sempre,  tal  como  se  comprova  nas  políticas  neoliberais  e  neo‐

conservadoras13, na construção quotidiana do currículo. 

9 Cf. Joseph Schwab, 1985. Um enfoque practico como lenguage institucional. In J. Gimeno e A. 

Pérez Gómez. La eneseñanza: su teoria y su practica., pp. 197‐209. 10 Cf.. Lawrence Stenhouse, 1984. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata. 11 Cf. Ulf Lundgren, 1993. Teoria del curriculum y escolarización. Madrid: Morata. 12 Cf. Ralph Tyler,  1976. Prospects for research and development in education. Berkeley : Mccutchan 

Company  Publishing Corporation.  13 Cf.  José  Pacheco,  org.,  2001a.  Políticas  educativas:  o  neoliberalismo  em  educação.  Porto:  Porto 

Editora. 

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Fortemente  delineadas  na  base  de  novas  perspectivas  sociológicas  na 

forma  de  entender  e  legitimar  o  conhecimento,  os  anos  setenta  e  oitenta  do 

século XX trouxeram‐nos outras concepções curriculares que se enquadram nos 

modelos abertos e na  teoria  social  crítica, em geral, e nas  teorias  curriculares 

crítica14 e pós‐crítica15. As noções de currículo  como artefactos social, cultural e 

político16 inscrevem‐se também nas teorias contextuais ou situacionais, ligadas 

à  teoria  de  acção  do  sujeito,  aos  modelos  abertos  e    às  tendências  pós‐

estruturalistas.  Consequentemente,  o  currículo  é  compreendido  como  uma 

prática  de  significados,  só  totalmente  dilucidados  pela  hermenêutica,  que 

revela  o  poder,  a  diversidade  e  a  identidade  que  existe  em  cada  projecto 

curricular  e  na  possibilidade  de  este  se  tornar  num  momento  crítico  de 

aprendizagem17.  Donde,  a  teoria  curricular18  existe  somente  no  plural  e  diz 

respeito ao conhecimento e ao modo como é organizado. 

2. Territorialidades curriculares 

 

Questionar  o  currículo  como  prática,  de  significados  distintos  e 

multirreferenciados, representa concebê‐lo a partir de um processo que admite 

uma  lógica de desconstrução,  com  a  introdução de  sucessivos discursos  cujo 

significado  se  apreende  pela  hermenêutica  da  prática,  e  optar  por  uma 

abordagem  processual  que  faz  a  inter‐relação  das  duas  componentes 

14 Cf..  Stephen Kemmis,  1988.  El  curriculum: más  allá  de  la  teoria  de  la  reproducción, Madrid : 

Morata; William Pinar, 1975. Curriculum theorizing: the reconceptualists, Berkeley: Mccutchan Publishing Copmpany.  

15  Cf.  Tomaz  Tadeu  da  Silva,  2000.  Teorias  do  currículo. Uma  introdução  crítica.  Porto:  Porto Editora. 

16 Cf.. entre outros,  Jean‐Claude Fourquin, 1996. École  et culture. Le point de vue des  sociologues britanniques  (2ª  ed.).  Bruxelles:  De  Boeck;  Henry  Giroux,  1983.  Theory  and  resistance  in education.  South  Hadley,  Mass:  Begin  and  Garvey  Publsihers;  Shirley  Grundy,  1987. Curriculum: product or praxis ? New York : Routledge.  

  Para uma visão global das  teorias curriculares, Cf.  José Pacheco, 2001b. Currículo:  teoria  e práxis (2ª ed.). Porto : Porto Editora. 

17 Cf. Robert Young, 1998. The  curriculum  of  the  future. From  the new  sociology  of  education  to a critical theory of learning. London : Falmer Press. 

18 Cf. William Pinar, 2003. What is curriculum theory? (policopiado). 

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intrínsecas  presentes  em  qualquer  projecto  curricular:  o  que  se  pretende 

(expectativas  e  intenções  curriculares)  bem  como  o  quê  e  onde  ocorre 

(realidade curricular).  

Deste  modo,  o  currículo  é,  cumulativamente,  uma  intenção  e  uma 

realidade  que  ocorrem  num  contexto  determinado  e  que  são  o  resultado  de 

decisões  tomadas  em  vários  contextos. Dentro  desta  perspectiva  dinâmica  e 

processual,  o  currículo,  e  todo  o  processo  do  seu  desenvolvimento,  é  uma 

intersecção de práticas com a finalidade de responder a situações concretas. 

Tal  quadro  de  análise  curricular  remete‐nos  para  a  perspectiva  de 

currículo  como  um  território  organizado,  através  de  normativos,  de 

orientações,  de  interesses  profissionais  e  de  interesses  de  aprendizagem,  na 

base  dos  pressupostos  da  globalidade  da  acção  educativa,  da  flexibilidade 

curricular e da integração das actividades educativas. 

Nesta multiplicidade  e  coexistência  de    territorialidades  curriculares,  a 

decisão é, por vezes, contraditória e geradora de resistências devido não só às 

rotinas escolares, mas também aos castelos ou muralhas que os  intervenientes 

constroem de uma  forma  subtil. E os obstáculos  são ainda maiores quando a 

administração  central assume, ao nível do discurso  legislativo, o processo de 

desenvolvimento do currículo numa  linha de orientação e  impõe, ao nível da 

prática, critérios formais ou informais de prescrição. 

Os  territórios  curriculares  regionais  e  locais  podem  coexistir  com  o 

território  curricular nacional  através de um processo de desenvolvimento do 

currículo  dinâmico  e  contínuo  que  exigem  a  definição  de  critérios  sobre  a 

coordenação  vertical  e  horizontal  dos  projectos  existentes  no  âmbito  dos 

territórios educativos.   

No quadro legal português, encontra‐se estipulado que 

 

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“os planos curriculares do ensino básico devem ser estabelecidos à escala nacional, sem prejuízo da existência de conteúdos  flexíveis  integrando componentes regionais”19. “Os planos  curriculares  do  ensino  secundário  terão  uma  estrutura  de  âmbito  nacional, podendo  as  suas  componentes  apresentar  características  de  índole  regional  e  local, justificadas  nomeadamente  pelas  condições  sócio‐económicas  e  pelas  necessidades  em pessoal qualificado”20.   

Apesar  do  articulado  normativo  prever  a  existência  de  componentes 

regionais  e  locais,  o  facto  é  que  a  estrutura  curricular  sempre  se  manteve 

nacional,  identificada  pelos  planos  curriculares,  programas,  avaliação  e 

manuais.  Tal  realidade manter‐se‐á  tanto  na  prática  como  na  legislação.  Por 

exemplo,  a  Lei  de  Bases,  que  se  encontra  em  discussão  para  aprovação, 

estabelece  que  o  sistema  educativo  tem  como  objectivo  fundamental,  entre 

outros,  “assegurar  a  organização  e  funcionamento  das  escolas,  públicas, 

particulares  e  cooperativas,  de  forma  a  promover  o  desenvolvimento  de 

projectos  educativos  próprios,  no  respeito  pelas  orientações  curriculares  de 

âmbito  nacional,  e  padrões  crescentes  de  autonomia  de  funcionamento, 

mediante  a  responsabilização  pela  prossecução  de  objectivos  pedagógicos  e 

administrativos,  com  sujeição  à  avaliação  pública  dos  resultados  e mediante 

um  financiamento  público  assente  em  critérios  objectivos,  transparentes  e 

justos que incentivem asa boas práticas de funcionamento”21.  

No mesmo projecto de lei, a estrutura nacional está ainda mais reforçada 

quando se diz que: 

 

 “a  política  educativa  prossegue  (…)  objectivos  nacionais  permanentes,  pressupondo uma elaboração e uma concretização transparentes e consistentes”22.  

 Porém,  no  capítulo  referente  ao  planeamento  curricular,  retoma‐se  o 

princípio das territorialidades curriculares: 

19 Cf. ponto 4, art. 47º da Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº 46/86, de 14 de Outubro. 20 Idem, ponto 5. 21 Cf. alínea h) do art. 5º da Lei de Bases da Educação (projecto governamental). 22 Idem, ponto 1 do art. 6º. 

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 “Os  planos  curriculares  do  ensino  básico  e  do  ensino  secundário  devem  ter  uma estrutura de âmbito nacional, que acolha os saberes e as competências estruturantes de cada  ciclo,  podendo  acrescer  a  essa  estrutura  conteúdos  flexíveis,  integrando componentes de  índole  regional  e  local,  e desenvolvimentos  curriculares previstos  em contratos de autonomia e desenvolvimento educativo entre a administração educativa e as escolas”23.   

Fala‐se  agora  de  legitimar  as  territorialidades  regional  e  local  pelos 

contratos  de  autonomia,  cujas  cláusulas  são  definidas  pela  administração 

central, e não propriamente pela vertente cultural. Neste caso, entendemos que 

as territorialidades curriculares são partes de um mesmo processo, ou melhor, 

peças de um puzzle que é construído, dentro do espaço nacional, em função das 

dimensões nacional, regional e local (fig. 1.): 

 

 

 

 

 

 

Currículo Nacional 

Currículo Regional Currículo 

Local

Currículo Regional 

Fig.1 ‐ Territorialidades curriculares. 

 

Embora o currículo nacional seja uma realidade desde a década de sessenta 

do  século XIX  em Portugal24,  só muito  recentemente  é que  foi  é definido nos 

normativos.  Depois  de  um  processo  de  discussão  das  propostas  da 

administração  central,  no  que  ficou  registado  como  projectos  de  revisão 

participada, o currículo nacional é definido, do seguinte modo: 

“(...) entende-se por currículo nacional o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico [de cada um dos curso do ensino secundário], de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo para este nível de ensino, expresso em

23 Idem, ponto 3 do art. 34º. 24 Cf. José Pacheco,  2001b.  

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orientações aprovadas pelo Ministro da Educação, tomando por referência os desenhos curriculares anexos [as matrizes curriculares dos cursos gerais e dos cursos tecnológicos anexas] ao presente decreto-lei”25.

Tal  conceito  surge associado ao  reforço, pelo menos no plano discursivo, 

não  só  da  centralidade  da  escola  nas  decisões  curriculares, mas  também  do 

papel do professor,  acompanhado de outros  actores  sociais, na  construção do 

projecto curricular.  

Para  além do  currículo nacional,  fala‐se  agora de  “projecto  curricular de 

escola”  (concebido,  aprovado  e  avaliado  pelos  respectivos  órgãos  de 

administração  e  gestão)  e  de  “projecto  curricular  de  turma”  (concebido, 

aprovado  e  avaliado  pelo  professor  titular  de  turma,  em  articulação  com  o 

conselho  de  docentes,  ou  pelo  conselho  de  turma,  consoante  os  ciclos).  É  de 

salientar que não se fala nem de um projecto curricular regional nem tão pouco 

de um projecto político‐pedagógico, cuja existência, numa leitura abrangente do 

Decreto‐lei  nº  7/2003,  de  15  de  Janeiro,  pode  concretizar‐se  no  âmbito  dos 

municípios.  

 

Projecto Político‐ 

pedagógico Projecto Educativo de escola

Projecto Curricular de escola

Currículo Local  Projecto 

Curricular de turma

 

 

 

 

 

Fig. 2 – Integração de projectos a nível local. 

 

A  territorialidade  nacional  do  currículo  tem  argumentos  válidos  e 

sustentáveis na existência de uma cultura comum, com funções sociais, políticas 

e  educativas  discutidas  na  base  da  existência  de  uma  escola  que  veicula  um  25 Art. 2 dos decretos‐lei nºs  6/20001 e 7/2001, de 18 de Janeiro. 

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conhecimento que é oficial, prescrito e formal. Todavia, estamos convictos que, 

mais  importante do que a sua existência, ou não, para  todos os cidadãos, aliás 

um imperativo democrático das sociedades contemporâneas, torna‐se necessário 

problematizar  a  forma  como  é  feita  a  selecção  da  cultura  que  integra  um 

determinado  currículo  nacional.  O  que  se  tem  verificado  é  que  as  opções 

curriculares  têm privilegiado a  legitimação de um conhecimento escolar oficial 

que  representa os  interesses de grupos  sociais dominantes. Assim, o  currículo 

nacional, com todas as suas vantagens e/ou desvantagens culturais, não deixa de 

ser  um  instrumento  de  diferenciação  e  de  exclusão  social  enquanto  os 

conteúdos, que integrem esse currículo, e a escolaridade não forem amplamente 

discutidos em função dos seus sentidos social, cultural e educativo.  

Nos finais da década de noventa do século XX, os documentos orientadores 

das  políticas  para  os  ensinos  básico26  e  secundário27,  inseridos  então  no 

programa  do  governo,  no  pacto  educativo  e  no  acordo  de  concertação 

estratégica, adoptam  estrategicamente a noção de  currículo nacional,  centrado 

na  definição  de  competências  gerais  e  num  sistema  de  avaliação  dos  alunos, 

dando  continuidade  a um  esquema de decisão  sistémica  com  a definição dos 

inputs e dos outputs, entregando‐se às escolas a responsabilidade de organizar a 

gestão  flexível do currículo,  isto é, a “possibilidade de cada escola organizar e 

gerir  autonomamente  o  processo  de  ensino/aprendizagem,  tomando  como 

referência os saberes e as competências nucleares a desenvolver pelos alunos no 

final  de  cada  ciclo  e  no  final  da  escolaridade  básica,  adequando‐o  às 

necessidades  diferenciadas  de  cada  contexto  escolar  e  podendo  contemplar  a 

introdução no currículo de componentes locais e regionais”28. 

26 Cf. Departamento da Educação Básica,  1998. Educação,  integração,  cidadania. Documento 

orientador das políticas para o ensino básico. (www.deb.min‐edu.pt/ ) – consulta em Março de 1998. 

27 Cf. Departamento do Ensino Secundário  (1997). Documento orientador das políticas para o ensino  secundário. Desenvolver,  consolidar,  orientar  (www.des.min‐edu.pt/  )  –  consulta em Novembro de 1997. 

28 Cf. Ponto 1 do anexo ao Despacho  n.º 9590/99, de 14 de Maio. 

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O  currículo  nacional  definido  como  o  conjunto  de  aprendizagens  e 

competências a desenvolver pelos alunos pressupõe, de um modo linear,  ʺuma 

estrutura  simplificada  de  objectivos,  competências  e  aquisições  essenciais 

pretendidasʺ29.  O  problema  que  é  colocado  às  regiões,  às  escolas  e  aos 

professores é que não existe uma definição clara do currículo nacional nem em 

função  das  territorialidades  regional  e  local  nem  no  reconhecimento  de  um 

conjunto   nuclear de aprendizagens básicas.  O currículo nacional não responde 

ainda a uma estrutura básica comum, susceptível de ser flexibilizada e adaptada 

aos contextos escolares. 

Neste  sentido,  o  currículo  nacional  é  o  somatório  de  disciplinas  e 

programas,  não  permitindo  que  as  outras  territorialidades  curriculares  sejam 

reconhecidas  de modo  explícito,  razão  pela  qual  os  estudos  de  investigação 

revelam  que  os  programas  são  extensos  e  prolixos30  e  que  os  professores 

mantêm  uma  atitude  ambígua  face  ao  currículo  nacional31:  por  um  lado,  são 

favoráveis à autonomia e flexibilização e, por outro, concordam com a definição 

de um currículo nacional decidido pela administração central. Esta ambiguidade 

é ainda mais reforçada se falarmos de um currículo nacional que é a súmula das 

exigências académicas. 

As  territorilidades  nacional,  regional  e  local  são  partes  de  um  mesmo 

processo.  Todavia,  perguntamos:  Que  se  entende  por  currículo  de  âmbito 

regional? E por currículo de âmbito local? A leitura dos normativos e a vivência 

de  experiências  educativas  e  escolares  permitem‐nos  afirmar  que  currículo 

nacional  é  de  tal modo  catalisador  das  actividades  de  aprendizagem  que  as 

diversas  territorialidades  são  fortemente  enfraquecidas,  ainda  que  previstas  e 

valorizadas pela administração central. 

29  Cf. Maria  do  Céu  Roldão,  1998.  O  currículo  como  projecto.  O  papel  das  escolas  e  dos 

professores.  In R. Marques e M. do Céu Roldão  (org.). Reorganização  e gestão curricular no ensino básico. Reflexão participada. Porto: Porto Editora, p. 17. 

30 Cf. Josè Pacheco et al., 1996. O impacto da reforma curricular no pensamento e na acção do professor. Relatório de investigação. Braga: Universidade do Minho. 

31 Cf. José Morgado, 2000. A (des)construção da autonomia curricular. Porto: Edições Asa. 

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Pelo menos em termos continentais, argumentamos que a estrutura política 

e cultural portuguesa não justifica a existência de uma regionalização curricular, 

ou seja, a proposta de  formas curriculares próprias e diversificadas em  função 

das  especificidades  de  cada  contexto  dado  que  existem  mais  traços  de 

identificação que  traços de diversidade cultural, num sentido amplo do  termo. 

Com esta afirmação não dizemos que não existe uma  territorialidade  regional 

curricular,  tão‐só que é necessário discutir os critérios que estão presentes nas 

culturas regionais e nas culturas locais. 

Na verdade, a territorialidade curricular regional significa a construção de 

projectos  constitutivos  de  realidades  culturais  específicas,  cuja  identidade 

reforça não  só a  coesão  social, mas  também a dimensão pedagógica que  cada 

estabelecimento  escolar  procura  consolidar.  Todavia,  como  se  reconhece  no 

documento  “A  construção  do  currículo  regional”32,  a  “construção  de  um 

currículo  regional  não  pode  no  entanto,  ficar  cativa  de  condicionalismos 

geográficos ou processos históricos, por relevantes que sejam”.  Para Hagreaves, 

“as culturas educativas locais podem ser paternalistas, mesmo feudais, no modo 

como cultivam a lealdade aquiescente dos seus professores e dos seus líderes”33

O mesmo se pode dizer para a  territorialidade curricular  local ou para os 

espaços de aglutinação de identidades mais concretas, de contextos curriculares 

próprios,  pois  a  territorialidade  só  se  efectiva  em  projecto  de  formação  se 

entendermos o meio como conteúdo curricular34. 

A análise do  local como conteúdo curricular pressupõe que a cultura seja 

vista  como  um  campo  de  luta,  tornando‐se  inseparável  dos  grupos  e  classes 

sociais,  e  que  o  currículo  seja  uma  questão  política,  que  impõe  orientações 

concretas  relativamente à  selecção e organização do  conhecimento. Por  isso, a 

32 Cf. Luís Maciel Silva, 2002. A construção do currículo regional (policopiado), p. 2. 33 Cf. Andy Hargreaves, 2004, p. 219. 34 Cf.  José  Pacheco,  1995. Da  componente  nacional  às  componentes  curriculares  regionais  e  locais. 

Lisboa: Ministério da Educação (PEPT 2000 ‐ n.º 7). Ver de igual modo, José Pacheco, 1998. Projecto curricular integrado. Lisboa: Ministério da Educação (PEPT 2000 ‐ n.º 18). 

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construção de um currículo regional pressupõe não a alteração de questões de 

forma  (nos  métodos  de  ensinar,  na  predeterminação  dos  resultados,  na  

pedagogia por competências…), mas na relação do que se ensina, de uma forma 

integrada,  com  a  vida  real  dos  alunos,  de modo  que  o meio  se  torne  num 

conteúdo com expressão curricular.  

No entanto, e como argumenta Forquin35, a exploração do local como fonte 

exclusiva  de  conhecimento  levanta  questões  éticas  como  as  da  tirania  do 

contexto  próximo  (reduzir  a  identidade  pessoal  à  identidade  social)  e  da 

regressão cultural. Com efeito, o  aluno precisa  não só de referências simbólicas 

do meio a que pertence  bem como de referências e valores mais globais, para  lá 

duma estrutura básica de conteúdos.  

O local na construção do currículo ganha, assim, sentido de luta curricular 

e é justificado, no contexto das teorias pós‐modernas e pós‐culturais educativas 

com  base    na  valorização  quer  das  análises  pessoais  e  subjectivas,  quer  das 

análises sociais que revelam preocupações e conflitos. 

Entender  as  territorialidades    regional  e  local  como  campo  de  luta 

curricular significar questionar o estudo do contexto36 através da construção de 

projectos  curriculares que  evidenciem  ʺas vozes,  experiências  e histórias pelas 

quais os alunos dão sentido ao mundoʺ37.  

Trata‐se de  legitimar curricularmente a cultura do quotidiano dos alunos, 

dos  seus  saberes,  dos  seus  contextos  e  dos  seus  problemas  sociais,  já  que  a 

escolarização, regulamentada pelo Estado, tem perspectivado esta cultura ʺcomo 

um terreno marginal e perigoso, algo contra o qual se deva ser imunizado ou ‐ 

na melhor  das  hipótese  ‐  algo  a  ser  ocasionalmente  explorado  como  táctica 

35 Cf. Jean‐Claude Fourquin,  1996, p. 148. 36 Cf. Maria do Céu Roldão, 1995. O estudo do meio no 1º ciclo:  fundamentos e estratégias. Lisboa: 

Texto Editora. 37 Cf. Henry Giroux e Roger Simon, 1994. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana 

como  base  para  o  conhecimento  curricular.  In  A. Moreira  e  T.  Tadeu  da  Silva  (orgs.). Currículo, cultura e sociedade (2ª ed.). São Paulo: Cortez Editora, p. 95.  

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circunstancial  de  motivação,  para  aumentar  o  interesse  do  aluno  por 

determinada lição ou disciplinaʺ38. 

Tem sentido falar do regional e local se o trabalho escolar estiver centrado 

nos  problemas  dos  alunos  e  se  as  práticas  curriculares  promoverem  a  sua 

capacidade  crítica  de  modo  a  permitir‐lhes  a  compreensão  daquilo  que 

culturalmente os rodeia.  

Outros sentidos adquire o local se o currículo for entendido como artefacto, 

e  não  meramente  como  um  plano  que  é  elaborado  pelos  especialistas  e 

seguidamente, na lógica de uma linha de montagem fabril, implementado pelos 

professores.  

Para  isso,  é  torna‐se  fundamental  explorar  critérios  não  só  de  uma 

pedagogia  intercultural  (conhecimento dos  contextos  específicos dos  alunos  e 

das  culturas  dentro  das  várias  civilizações  históricas), mas  também  de  uma 

pedagogia  crítica, pedagogia esta que  só poderá  ʺser discutida a partir de um 

tempo,  um  espaço  e  um  tema  específicosʺ,  pelo  que  ʺexercê‐la  é  um  tarefa 

estratégica,  prática  e  não  científicaʺ39.  Nesta  perspectiva,  aplicar  à  escola  as 

ideias de pluralismo cultural implica escutar a multiplicidade de vozes, cada vez 

mais organizadas nas questões do multiculturalismo40, que conferem significado 

curricular ao que se aprende. 

A expressão das territorialidades nacional, regional e local verifica‐se, no 

plano  dos  normativos,  na  construção  de  projectos  educativos,  de  projectos 

curriculares de escola e de projectos curriculares de  turma41. Também se pode 

verificar,  pelo  menos  em  termos  de  uma  visão  global  da  participação  da 

38 Idem, Ibidem, p. 105. 39 Idem, Ibidem, p. 105. 40  Sobre  o multiculturalismo,  vide:  Carlinda  Leite,  2002. O  currículo  e  o multiculturalismo  no 

sistema educativo português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 41 Não abordamos neste texto tais projectos. Para uma visão mais pormenorizada, baseada na 

centralidade do projecto  curricular de  escola,  vide:  José Pacheco  e  José Carlos Morgado, 2003. Construção e avaliação do projecto curricular de escola. Porto: Porto Editora. 

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comunidade local, na construção de projectos político‐pedagógicos, ou seja, em 

projectos educativos municipais42.  

O projecto educativo concelhio não é um documento declarativo nem tão 

pouco  uma  carta  de  intenções,  elaborada  pelos  responsáveis  políticos  do 

município  com  fins  explicitamente  temporais.  Trata‐se  da  construção  de  um 

projecto que visa a  integração de dinâmicas relacionadas com as  iniciativas de 

todos  os membros  da  comunidade  educativa,  tendo  por  finalidade  principal 

dotar os estabelecimentos de educação de infância e dos ensinos fundamental e 

médio de um recurso que  favoreça a relação da escola com a comunidade. Tal 

projecto    é  uma  plataforma  de  enriquecimento  dos  projectos  pedagógicos 

comuns às escolas de um dado território.  

Porque  a  escola  existe  para  a  sociedade,    a  construção  de  um  projecto 

educativo  municipal  necessita  da  participação  de  todos  os  elementos  da 

comunidade. Por isso, não se pretende o consenso que represente meras ideias e 

a troca utópica de experiências, mas a colaboração de todos os responsáveis da 

comunidade escolar, mediante a promoção de relações de comunicação, que são 

estabelecidas no contexto amplo da escola. 

 Só a colaboração de todos garante a transparência da tomada de decisões 

sobre o projecto, cuja intencionalidade é constantemente redefinida pela relação 

de  reciprocidade.  Com  efeito,  trata‐se  de  um  projecto  que  se  faz  pela 

participação efectiva de todos numa situação de autonomia, em que o local é o 

referente principal para a territorialização de um projecto educativo nacional. 

  As  territorialidades  presentes  na  construção  do  currículo, 

correspondentes  a  palcos  com  actores  diferentes,  embora  agindo  na  base  de 

regras  comuns,  adaptadas  e  flexibilizadas  constantemente,  não  existem  em 

função  de  palavras  como  descentralização,  projecto,  autonomia,  contrato,  etc. 

Para  além  do  valor  semântico  de  cada  palavra,  e  dos  significados  que 

42 Cf.  José Pacheco,  2003b. O município  e  as politicas  educativas públicas. Revista Pedagógica 

Pátio, nº 25, 16‐19. 

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desempenham quando as políticas  educativas descentralizadas  correspondem, 

efectivamente, a aspectos de recentralização, o currículo é uma prática e não um 

mero jogo linguístico.  

E  perguntamos:  Que  descentralização  curricular  existe  quando  o  Estado 

define o que se ensina, quando se ensina, como se ensina, o que, quando e como 

se  avalia?  Estamos  perante  um  princípio  administrativo:  delegação  de 

autoridade, mas  jamais  delegação  de  responsabilidades43. De  jure,  o  currículo 

tem uma versão oficial, prescrita e normativa. Mais prescrição existirá quando a 

administração  define  o  currículo  como  um  produto  final,  uniformizando  os 

planos  curriculares que devem  constar do projecto  construído  em  autonomia. 

Todavia, as escolas defrontam‐se hoje em dia com uma autonomia de conquista, 

resultante  da  luta  travada  contra  o  centralismo  burocrático  e  contra  as 

prescrições  curriculares  estandardizadas  e  totalizantes,  visíveis  cada  vez mais 

nos processos de regulação. 

  3. Processos de regulação 

  

A  transferência de políticas educativas e curriculares verifica‐se  tanto ao 

nível  interno  como  ao  nível  externo,  sendo  este  último  o  mais  marcante, 

principalmente  na  sinalização  de  trajectórias  cada  vez  mais  globalizantes 

através de organismos que  funcionam  como palcos de decisão política  e que 

tendem para o enfraquecimento das territorialidades nacional, regional e local. 

 Na  fig.  3,  estabelecemos  uma  tipologia  de  regulação  das  políticas,  de 

acordo  com  uma  relação  complexa  e  não  linear  dos  processos  e  práticas  de 

43  Cf.  Guy  Pélletier,  Guy.  2001.  Décentralisation,  régulation  et  gouvernance  de  systèmes 

éducatives:  un  cadre  de  référence.  In  G.  Pelletier  (dir.).  Autonomie  et  décentralisation  en éducation: entre projet et évaluation. Montréal: Éditions de l’AFIDES, p. 19. 

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decisão entre actores concatenados em  função de aspectos comuns e de redes 

coercivas definidas de acordo com os meios de influência44. 

 

 Fig. 3 – Níveis de territorialidade política. 

 

Nos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, a falta 

de  tradição de  estudos  analíticos das políticas  educativas  e  a  tendência para 

interpretações  extremas  devem‐se  fundamentalmente  pela  “referência  a 

políticas  e  projectos  para  a  educação  de  origem  externa  e  de  circulação 

supranacional, seja remetendo para influências nos planos político‐ideológico e 

partidário,  seja para  intertextualidades promovidas por uma espécie de novo 

senso  comum  educacional,  produzido  por  agências  e  organismos 

internacionais,  difundido  através  de  recomendações,  relatórios  ou  livros 

brancos, e especialmente recontextualizados pela comunicação social de massas 

e por instituições de âmbito nacional” 45. 

Transnacional      Supranacional     

Local     

Regional        Nacional 

No processo de regulação, a década de noventa do século XX marca, pelo 

menos no plano discursivo, a substituição de um “controlo pelas normas” por 

um “controlo pelos resultados”, na medida em que novos vocábulos começam 

44 Para  uma análise global da transferência de políticas públicas, vide: Pedro Crespo e Salvador 

Chávez, 2002., Globalización, gobierno y  transferência de políticas públicas. El caso de  la educación  superior  en  México.  Education  Policy  Analysis,  10  (41),  1‐29 (http://epaa.asu./epaa/v10n41.html ‐ consulta em 1 de Setembro de 2003).

45  Cf.  Licínio  Lima  e  Almerindo  Afonso,  2002.  Reformas  da  educação  pública.  Democratização, modernização, neoliberalismo. Porto: Edições Afrontamento, p. 8. 

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a fazer parte dos textos políticos e outros são ressignificados, em busca de uma 

reedição  de  modismos,  agora  essencialmente  traduzidos  pela  autonomia, 

descentralização,  qualidade,  eficiência,  qualidade,  projecto,  contrato,  actor, 

etc.46  

O veículo de  tais políticas, cada vez mais apresentadas como solução de 

curto prazo, ainda que enquadradas em ciclos de reformas, tem como principal 

motor  a  educação  comparada,  cuja  ênfase  se  faz  sentir  quer  pela  “voz 

estrangeira”,  quer  pela  “voz  do  viajante”,  sediado  num  organismo 

internacional.  Estamos,  assim,  no  primeiro  nível  de  regulação,  de  origem 

transnacional, cujos processos são de contaminação e empréstimo de políticas e 

cujos efeitos produzem a convergência, normalização e externalização47. 

A  externalização  presente  na  dimensão  transnacional,  como  escreve 

Steiner‐Khamsi48,  tem  uma  influência  marcante  nos  processos  de  reforma 

educativa: “Em épocas de rápidas mudanças sociais, e económicas e políticas, 

as  referências  internas  são  insuficientes  para  justificar  a  persistência  ou  

introdução de reformas. É precisamente nestes momentos que a externalização 

oferece a oportunidade de romper radicalmente com o passado e importar, ou 

tomar  como  empréstimo, modelos,  discursos  ou  práticas  de  outro  sistemas 

educativos”. 

Tal  processo  de  regulação  cada  vez  mais  se  faz  sentir,  através  das 

organizações  internacionais  para‐universais  (ONU,  OIT,  GATT,  BIRD,  AID, 

FMI)49, atendendo não  só às novas  linguagens que  em nome da globalização 

46  Cf.  José  Carlos  Morgado,  2003.  Processos  e  práticas  de  (re)construção  da  autonomia 

curricular. Braga: Universidade do Minho. Tese de doutoramento (policopiada). 47  Cf.  João  Barroso,  2003a.  Organização  e  regulação  dos  ensinos  básico  e  secundário,  em 

Portugal: sentidos de uma evolução. Educação & Sociedade, 24 (82), 63‐92. 48  Citado  por  João  Barroso,  2003b.  Regulação  e  desregulação  nas  políticas  educativas: 

tendências  emergentes  em  estudos de  educação  comparada.  In  J. Barroso  (org.). A  escola pública. Regulação, desregulação, privatização. Porto Edições Asa, p. 28. 

49 ONU (organização das Nações Unidas); OIT (Organização Internacional do Trabalho); GATT (Acordo  Geral  sobre  Pautas  Aduaneiras  e  Comércio);  BIRD  (Banco  Mundial,  mais precisamente,  Banco  Internacional  para  a  Reconstrução  e  o  Desenvolvimento);  SFI 

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impõem  a  necessidade  de  enveredar  pela  via  da  reforma,  como  também  à 

adopção de palavras‐clichê que preenchem os discursos políticos. E estas “são 

palavras  gastas pelo uso,  obtusas,  sem  fio; palavras  que  se pronunciam  e  se 

escutam  quase  automaticamente,  superficialmente,  sem  encarnação  singular, 

nem no corpo, nem na alma; palavras mortas, solidificadas e opacas, não mais 

capazes de captar, ou de expressar vida; palavras comuns e homogéneas, que já 

não podem incorporar um sentido plural”50. 

Uma  organização  internacional pode  “definir‐se  como uma  associação 

voluntária  de  sujeitos  do Direito  Internacional,  constituída mediante  tratado 

internacional  e  regulada  nas  relações  entre  as  partes  por  normas  de Direito 

Internacional, dotada de um ordenamento jurídico interno próprio, e de órgãos 

próprios,  através  dos  quais  prossegue  fins  comuns  aos  membros  da 

Organização, mediante a realização de certas funções e o exercício dos poderes 

necessários que lhe tenham sido conferidos”51. 

A  existência  de  organizações  intergovernamentais  regionais  (por 

exemplo, OCDE, OTAN,  EFTA, OEA, OUA)52  origina  um  segundo  nível  de 

regulação, de natureza supranacional, sobretudo se seguirmos o caso da União 

Europeia.  Permanência  e  autonomia  da  União  Europeia53  em  relação  aos 

estados  membros  são  princípios  que  se  conjugam  com  os  princípios  da 

integração,    quando  se  procura  a  criação  de  uma  política  conjunta  entre 

diversos  estados,  e da  subordinação,  com a  existência de “relações verticais de 

integração,  que  levam  ao  nascimento  de  um  verdadeiro  poder  integrado,  um 

(Sociedade Financeira Internacional); AID (Associação Internacional de Desenvolvimento); FMI (Fundo Monetário Internacional). 

50 Cf.  Jorge Larrosa e Walter Kohan, 2003. Igualdade e liberdade em educação: a propósito de o Mestre Ignorante. Educação & Sociedade, 24 (82), p. 181.  

51 Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, 1997. Manuel de Direito Internacional Público (3ª ed.). Coimbra:Almedina, p. 412. 

52 OCDE  ( Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico); OTAN  (Organização do  Tratado  do Atlântico Norte);  EFTA  (Associação  Europeia  de  Comércio  Livre); OEA (Organização dos Estados Americanos); OUA (organização da Unidade Africana). 

53 O Mercosul (Mercado Comum do Sul, criado em 1991, pelo Tratado de Assunção, tem como modelo a União Europeia 

19

Page 20: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

autêntico  poder  político  comunitário,  na  titularidade  da  Organização 

supranacional54.  

Neste sentido, a agenda educativa nacional é fortemente dominada pela 

agenda  supranacional,  no  plano  organizacional  da União  Europeia,  também 

influenciada  pela  regulação  transnacional,  com  a  tendência  para  o  Estado‐

Nação  se  converter  no  Estado‐União.  A  sociedade  do  conhecimento  é  um 

desígnio supranacional, com repercussões directas nas processos e práticas de 

decisão  curricular  e  de  formação  de  professores  e  formadores    a  partir  do 

momento em que se pretende cumprir até 2010 um programa de trabalho sobre 

os  objectivos  futuros dos  sistemas de  educação  e  formação.,  referenciado  no 

ponto sobre os desafios da sociedade do conhecimento. 

No  terceiro  nível,  encontra‐se  a  regulação  nacional  que,  segundo  João 

Barroso, tem no governo, administração burocrática e profissionalismo docente 

a  origem;  na  sedimentação  e  hibridismo  entre  autonomia  transnacional  e  o 

centralismo nacional  os processos; na coexistência de medidas contraditória os 

efeitos55. 

Apesar  da  existência  das  regulações  transnacional  e  supranacional 

transnacional com vertentes nacionais, sobretudo no caso da União Europeia, 

as  políticas  educativas  e  curriculares  têm,  e  decerto  continuarão  a  ter, 

características  de  um  centralismo  estatal,  visível  na  aditiva  montanha  de 

normativos que traduzem de forma clara o fenómeno burocrático. Do conjunto 

dos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, e fazendo‐se 

a  sua  análise  tanto  nos  ciclos  de  reforma,  quanto  nos  ciclos  de  inovação56, 

identifica‐se o modelo  de uma política centralista e descentralista: prevalece a 

54 Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, 1997, p. 423. 55 Cf.  João Barroso,2003a. 56  As  políticas  educativas  e  curriculares  podem  ser  analisadas  em  função  de  dois  ciclos 

principais: os  ciclos de  reforma  e os  ciclos de  inovação, que  têm  funcionado no  sistema educativo português  num  sistema de descontinuidade  e de  contraciclo. Assim,  em  1986 inicia‐se o ciclo da reforma, dez anos mais  tarde o ciclo da  inovação e em 2003 atinge‐se mais um ciclo de reforma, que não é mais do que um contraciclo. 

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Page 21: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

perspectiva  normativa.  Política  educativa  e    curricular  “descentralizada  ao 

nível  dos  discursos,  mas  recentralizada  ao  nível  das  práticas.  A  prática 

educativa  e  curricular  é autónoma no discurso  e nos  textos mas  é definida  e 

regulada pela administração central através do estabelecimento de referenciais 

concretos. Os  territórios  locais  têm autonomia para  (re)interpretar o currículo 

em  função  de  projectos  curriculares  que  são  administrativamente 

controladosʺ57. 

A regulação também se processa a nível regional, se  a região corresponder 

a  um  regime  político‐administrativo  próprio    que  se  fundamenta  nas  suas 

características  geográficas,  económicas,  sociais  e  culturais  e  nas  históricas 

aspirações  autonomistas  das  populações58,  dotada  de  autonomia  legislativa  e 

administrativa59. 

 Porém,  no  campo  da  organização  política  portuguesa,  a  regulação 

curricular processa‐se a nível regional mais ao nível dos processos do que dos 

fins,  já que  estes  são definidos, na  sua generalidade, pela dimensão nacional, 

embora  se  reconheça  que  a  educação  é  um  lugar  privilegiado  da  autonomia 

regional, “nomeadamente na sua vertente formal, enquanto sistema educativo, 

e nas orientações que a regem e que a tornam específica no todo nacional”60. 

A  dimensão  local,  último  nível  de  regulação,  impõe‐se,  pelas  regras 

informais  e  pelas  redes  de  inovação  subversivas,  não  se  decreta  nem 

uniformiza. Existe pela aglutinação de  identidades e pela adopção de práticas 

de inovação quotidiana.  

Na  medida  em  que  os  espaços  de  incerteza  actuam  formal  e 

informalmente no quadro de um “sistema de acção concreto”61, decorrente de 

uma regulação estatal que não é unitária nem coerente, há lugar para processos 

57 Cf. José Pacheco, 2002. Políticas curriculares. Porto: Porto Editora, p. 33. 58 Cf. art. 225º da Constituição da República Portuguesa. 59 Idem, art. 228º. 60 Cf. Luís Maciel Silva, 2002, p.1 61 Cf. Erhard Friedberg, 1995. O poder e a regra. Dinâmicas da acção organizada. Lisboa: Instituto  

Piaget. 

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Page 22: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

de  micro‐regulação  local,  assumidos  por  actores  que  interagem, 

estrategicamente, num espaço de conflitos e indefinições. “Numa palavra, não 

se  trata  nem de  super‐homens  hiper‐racionais  e  soberanos,  nem de  esponjas 

que absorvem as normas exteriores, nem de simples suportes de estruturas”62. 

A outro nível, a regulação local pode coincidir com o poder das autarquias 

locais  (enquanto  pessoas  colectivas  territoriais  dotadas  de  órgãos 

representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações 

respectivas63),  sobretudo  se  as  suas  competências  na  educação  forem 

significativamente  ampliadas,  não  se  limitando  a  uma  participação  indirecta. 

Aliás, o Conselho Local de Educação64 é agora uma: 

 

“instância de coordenação e consulta, que tem por objectivo promover, a nível municipal, a  coordenação  da  política  educativa,  articulando  a  intervenção,  no  âmbito  sistema educativo,  dos  agentes  educativos  e  dos  parceiros  sociais  interessados,  analisando  e acompanhando o funcionamento do referido sistema e propondo as acções consideradas adequadas à promoção de maiores padrões de eficiência e eficácia do mesmo”.  

 

Quer dizer que os municípios, através dos Conselho Local de Educação, 

são  os  que,  independentemente da  sua participação na definição das macro‐

políticas  educativas,  passam  a  ser  responsabilizados  pela  promoção  da 

eficiência e eficácia do sistema educativo. Donde que a descentralização é uma 

forma muito subtil de esconder responsabilidades, sobretudo quando o Estado 

não reconhece as suas próprias debilidades.  

A linguagem da autonomia, da flexibilidade é sobretudo uma outra forma 

de  o  Estado  agir,  pois  como  refere Charlot65,  a  descentralização  ʺnão  é  uma 

conquista  do  local mas  o  efeito  de  uma  política  nacional:    ela  foi  desejada, 

definida, organizada e posta em prática  pelo Estadoʺ. E podemos acrescentar: a 

62 Idem, Ibidem, p. 200. 63 Cf. art. 235º da Constituição da República Portuguesa. 64 Cf. Decreto‐lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, 65  Cf.  Bernard  Charlot,  1994.  Lʹécole  et  le  territoire, Nouveaux  espaces,  nouveaux  enjeux.  Paris: 

Armand Colin, p. 27. 

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Page 23: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

descentralização,  enquanto  processo  de  responsabilização  das  escolas  e  dos 

professores,  responde, simultaneamente, às necessidades de um Estado    forte 

na selecção, organização e avaliação do conhecimento escolar e de um Estado 

fraco na gestão do seu processo de implementação. 

 

Entre  os  diferentes  processos  de  regulação  existem  redes  coercivas 

directas e/ou  indirectas definidas de acordo  com os meios de  influência e do 

grau de aplicabilidade das políticas (fig. 4): 

    Transnacional               Supranacional 

    

Local     

Regional        Nacional   

  Coerção directa   Coerção indirecta 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

                          Fig. 4 – Trajectórias de coerção 

 

Partindo  da  análise  das  actuais  políticas  educativas  e  curriculares, 

constata‐se que  a  coerção  é  indirecta  ,  excepto para os  casos de  contratos de 

subordinação  explícitos,  nas  trajectórias:  transnacional  –  supranacional; 

regional  –  regional;  transnacional‐local;  supranacional‐local.  Por  sua  vez,  a 

coerção  é  directa  nas  trajectórias:    supranacional‐nacional;  regional‐local; 

nacional‐local;  regional‐local,  embora  seja  mais  reforçada  nas  duas  últimas 

trajectórias,  contribuindo  para  que  a  trajectória    regional‐local  tenha menos 

eficiência. 

23

Page 24: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

Dentro de cada territorialidade existem trajectórias específicas   que são a 

síntese das regras de poder. 

A  tipologia  de  processos  de  regulação  descrito  pode  ser  ainda  visto  a 

partir de  concepções diferentes de política. Em  termos  formais, a política, na 

sua  definição mais  global,  é  um  enunciado  performativo  porque  dimana  de 

alguém  investido  de  autoridade,  cuja  análise  “não  se  limita  ao  estudo  das 

produções discursivas ou dos textos doutrinais das reformas, nem se esgota na 

interpretação  dos  processos  legislativos  e  das  regras  jurídicas  e  formais 

produzidas pelos actores políticos centrais, nem sequer na acção administrativa 

levada  a  cabo  pelos  aparelhos  burocráticos  centralizados”66.  Deste modo,  a 

política deve ser entendida mais como um processo, que ultrapassa o domínio 

do Estado, embora a análise política consista, em geral, “em descobrir o que os 

governos fazem, porque o fazem e que diferença é que isso faz”67. 

Assim,  a  política  é,  ao mesmo  tempo,  processo  e  produto,  envolvendo 

quer a produção de intenções, ou de textos, quer a realização de práticas, ou de 

acções concretas,  ou ainda de texto e discurso68. 

Quer  os  documentos  de  orientação,  elaborados  pelos  organismos 

internacionais, quer os  textos curriculares, oriundos da administração central, 

são documentos de  trabalho que simbolizam o discurso oficial do Estado que 

agrega  interesses  diversos  e  compromissos  elaborados  a  diversos  níveis  de 

acção.  Porém,  são  textos  macropolíticos  que  se  inserem  num  linha  de 

racionalidade  técnica  quando  os  contextos  de  microdecisão  política  são 

marginalizados.  Reconhecer‐se‐á,  assim,  que  as  decisões  políticas  são 

fragmentadas e multicentradas. 

No entanto, há outros discursos que  também  legitimam a política e que 

são  produzidos  no  contexto  das  diferentes  práticas,  pois  ʺa  acção  pode  ser 

66 Licínio Lima e Almerindo Afonso, 2002, p. 10. 67 Jenny Ozga 2000. Investigação sobre políticas educacionais. Porto: Porto Editora, p. 83. 68  Stephen  Ball,  1997.  Education  reform. A  critical  and  post‐structural  approach  (2ª  ed.). Oxford: 

Oxford Open University Press. 

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Page 25: Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares

determinada de modo diferente mas não é determinada pela políticaʺ69. Neste 

caso,  não  há  um  decisor  político, mas  diversos  decisores  políticos  por mais 

coesa e uniforme que seja a proposta de texto. 

Com  efeito,  as  políticas  educativas  e  curriculares  são  decididas  e 

construídas em espaços e vertentes que envolvem lutas e compromissos e que 

de forma alguma se restringem ao conceito racional e operativo da linearidade 

política:  o  papel  da  administração  na  prescrição  curricular,  através  de  uma 

estratégia de verticalização. 

Ao contrário da perspectiva prescritiva, em que a política se processa em 

distintas fases lineares, desde a formulação até à avaliação, a política tem uma 

outra  realidade:  é  um  processo  complexo,  interactivo,  multifacetado, 

desarticulado e menos racional.  Não se trata de legitimar os dois níveis de uma 

noção linear de política através partir de duas categorias analíticas autónomas 

ou  justapostas:  uma,  o  nível  da  concepção,  a  outra,  o  momento  da 

implementação. Se numa política tradicional estes dois momentos são cruciais, 

no entanto, a passagem para o momento da prática faz‐se através de inúmeros 

filtros  que  não  só  determinam  o  percurso  das  intenções  como  também 

acrescentam  diversas  leituras,  uma  vez  que  a  construção  de  significados 

depende dos contextos em que se inserem.  

Por  isso,  é  “indispensável  integrar  nas  análises de política  educativa  as 

dimensões micropolíticas  e mesopolíticas,  as dinâmicas  e  as  lógicas de  acção 

específica de cada contexto, de cada organização educativa e da diversidade e 

heterogeneidade  dos  actores,  contrariando  focalizações  normativistas  e 

legalistas,  imagens meramente  reprodutivas da  acção política    levada  a  cabo 

por  instâncias  e  actores  tradicionalmente  considerados  centrais,  instantâneos 

do  sistema  educativo  e  das  escolas  em  função,  apenas,  das  orientações 

69 Idem, Ibidem,  p. 19. 

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megapolíticas e macropolíticas, por mais relevantes que sejam actualmente os 

fenómenos políticos de tipo global ou transnacional”70. 

 4. Lógicas curriculares 

 A  regulação política  inclui processos  e práticas  existentes  em diferentes 

territorialidades,  com  estratégias    complexas  de  transferência  de  decisões  e 

lógicas de acção. Em termos de construção do currículo, e partindo do lado da 

prescrição e do lado da análise crítica, identificamos quatro lógicas em função 

do modelo das racionalidades técnicas e do modelo das racionalidades contextuais71

Neste  caso,  incluímos,  no  modelo  das  racionalidades  técnicas,  dois 

referentes concretos: a engenharia  tyleriana e a engenharia mercantil que, por 

sua vez, estão na origem de outras duas lógicas de construção dessas políticas ‐ 

a  lógica  de  Estado  e  a  lógica  de  mercado;  e  incluímos,  no  modelo  das 

racionalidades  contextuais,  outros  dois  referentes:  a  racionalidade  crítica  e  a 

racionalidade cultural que fundamentam duas lógicas específicas ‐ a lógica do 

actor e a lógica cultural (fig.5): 

 

 

Rac

iona

lidad

escontextuais

Racionalidade cultural 

Racionalidade Crítica 

Engenharia mercantil 

Engenharia tyleriana 

Lógica de           Lógica  Estado                        do actor    Lógica de             Lógica mercado cultural

Racion

alidad

estécnicas

Fig. 5 ‐ Lógicas na construção das políticas curriculares (Pacheco, 2002). 

 

 

70 Licínio  Lima e Almerindo Afonso, 2002, p. 11. 71 Cf. José Pacheco, 2002. 

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Tais  lógicas  devem  ser  entendidas  como  campos  de  poder  que 

legitimam, em diferentes momentos, as políticas curriculares. Metaforicamente 

pode‐se  dizer  que  cada  lógica  curricular  funciona,  num  vasto  e  complexo 

mundo  subterrâneo,  nas mesmas  condições  das  placas  tectónicas,  sujeitas  a 

alterações  e  a  ritmos  de  reajustamentos  em  função  de  critérios  geográficos. 

Cada lógica curricular é, deste modo, um poder diferenciado que deve ser visto 

não só como um espaço próprio, com as suas dinâmicas e fronteiras específicas, 

mas  também  como  um  espaço  interdependente  e  permeável,  com  as  suas 

relações construídas na base do conflito, porque é manifesta a impossibilidade 

de um consenso absoluto. 

Enquanto  espaço  social  diferenciado,  onde  os  significados  são 

legitimados  pelos  vectores  da  ideologia  e  hegemonia,  a  lógica  educativa  e 

curricular  identifica‐se  pelos  jogos  de  poder  existentes. Assim,  a  educação  é 

construída  pela  luta  de  diferentes  fronteiras  que  delimitam  terrenos  de 

participação  e  âmbitos  de  decisão.  Não  se  poderá,  contudo,  aceitar  que  a 

educação, em geral, e currículo, em particular, sejam a expressão de uma única 

lógica, na medida em que as lógicas de Estado, de mercado, do actor e cultural 

são  peças  de  um  puzzle  que  adquire  sentido  pelas  fronteiras  que  são 

conquistadas em momentos diferentes. 

Com razão se propõe que as políticas educativas e curriculares resultam 

de  complexas  decisões  que  derivam  tanto  do  poder  político  oficialmente 

instituído  quanto  dos  actores  com  capacidade  para  intervir  directa  ou 

indirectamente  nos  campos  de  poder  em  que  estão  inseridos. 

Consequentemente,   Gimeno72 afirma que as  ʺpolíticas e práticas da educação 

não  podem  ser  pensadas    nem  governadas  à  margem  dos  agentes.  A 

racionalidade  técnica cede, assim, a   proeminência a uma outra racionalidade 

72 Cf. José Gimeno, 1998. Poderes inestables en educación. Madrid: Morata,  p. 82.   

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imperfeita,  modesta  nas  suas  aspirações  mas  compreensiva  das  realidades 

sociais e humanasʺ. 

Tanto  a  forma  como  o  conteúdo  das  políticas  educativas  e  curriculares 

não são decididos nem a  partir de critérios meramente técnicos nem de sólidos 

argumentos  teóricos  e  científicos, mas  na  base    de  opções  políticas  que,  em 

termos  ideológicos,  representam  noções  distintas  de  Estado  e  lógicas 

proporcionais  às  influências  dos  grupos  sociais  com    interesses  e  valores 

educativos. 

 

5. Desafios da sociedade do conhecimento   

O  currículo  não  é,  por  isso,  um  projecto  que  diz  respeito  somente  a 

professores e a alunos, mas que abrange todos os intervenientes que, directa ou 

indirectamente, participam na sociedade do conhecimento ou na sociedade de 

aprendizagem,  tal  como  propõe  Hargreaves73.O  que  torna  divergente  o 

currículo são as questões em torno do conhecimento, quer no que diz respeito 

aos aspectos culturais, políticos, económicos e sociais, sobretudo com a selecção 

e  organização  em  disciplinas,  quer  no  que  se  prende  com  a  transformação 

didáctica ao nível do processo de ensino/aprendizagem.  

Porque estamos na sociedade dominada pela informação, ou melhor dito 

na sociedade do conhecimento, “o conhecimento é um recurso flexível, fluido, 

sempre em expansão e em mudança”74. Neste sentido, a escola é exaltada como 

a plataforma de democratização da sociedade se à partida for a âncora do livre 

e  igual  acesso de  todos  os  aprendentes  à  aprendizagem. Consequentemente, 

quanto mais se  fala de sociedade do conhecimento, e sobretudo na economia 

do  conhecimento, mais  existe  a  tendência para  reforçar  o  currículo  nacional, 

73 Cf. Andy Hargreaves. O ensino na sociedade do conhecimento. A educação na era da  insegurança. 

Porto: Porto Editora (publicação em 2004). 74 Cf. Andy Hargreaves, 2004, p. 34. 

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com  a  definição  de  competências  gerais  e  estratégicas,  comuns  aos  sistemas 

educativos.  

A ênfase da educação está, por  isso, na centralidade do conhecimento, 

com  a  clara  tendência  para  o  reforço  de  políticas mais  eficientes,  ainda  que 

nominalmente  designadas  por  políticas  descentralizadas,  de  controlo 

curricular75,  na  mistificação  da  aprendizagem  ao  longo  da  vida  e  na 

religiosidade  da  competência.  Acredita‐se,  pois,  que  a  solução  para  os 

problemas económicos se encontra na redefinição do conhecimento através de 

um McCurrículo76, capaz de impor a cultura uniforme, práticas estandardizadas 

e a divisão dos saberes (áreas disciplinares – núcleo forte do currículo, ou hard 

currículo;  áreas  não  disciplinares  –  núcleo  fraco,  light,  do  currículo,  ou  soft 

currículo).  A  existência  de  um  McCurrículo  existe  na  medida  em  que  se 

reforçam outras  territorialidades que ultrapassam o  espaço nacional,  capazes 

de  silenciar  as  territorialidades  regional    e  local.  Por  isso mesmo,  o  sistema 

educativo  é  traduzido  em  números  que  expressam  os  resultados  de 

aprendizagem  e  a  seriação  das  escolas,  pretendendo‐se  ignorar  que  “uma 

percentagem de 25% do potencial de sucesso dos alunos (…) continua a ser da 

responsabilidade da escola e dos professores”77. Também se ignora o papel que 

a  comunidade  educativa  tem  no  sucesso  dos  alunos, mormente  quando  se 

constitui  numa  referência  para  valores,  para  práticas  democráticas,  tanto  no 

acesso  quanto  na  avaliação  do  conhecimento,  e  para  identidades  traduzidas 

pelo carácter das regiões e das escolas, onde se reconhece que “o ensino não é 

uma  prática  exclusivamente  cognitiva  e  intelectual,  mas  também  social  e 

emocional”.  

75 Os  documentos  dos  anos  oitenta  do  século  XX,  respectivamente  publicados  nos  Estados 

Unidos  da  América  e  na  Inglaterra,  “A  nação  em  risco”  e  “A  educação  não  está  a funcionar”, são exemplos de um centralismo curricular associado às políticas neoliberais e neo‐conservadoras. 

76 A proposta deste conceito é feita a partir da leitura de Andy Hargreaves, 2004, p. 34. 77 Cf. David Hopkins.   Prefácio. In Andy Hargreaves, 2004., p. 11. O autor refere‐se a estudos 

realizados pelo governo do Reino Unido. 

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A obsessão pela eficiência e pelo  resultado,  cultivada pelos defensores 

de um escola meritocrática, embora de raiz democrática, pois à partido  todos 

têm  a  mesma  possibilidade,  ainda  que  orwellianamente  uns  tenham  mais 

hipóteses  de  sucesso  que  outros,  transforma  a  aprendizagem  numa  corrida 

clínica  e  desapaixonada,  orientada  para  determinadas  metas,  [ocupando]  o 

tempo dos professores com  tarefas  técnicas, de modo que não  reste qualquer 

espaço  para  a  criatividade,  para    a  imaginação  e  para  o  estabelecimento  de 

relações interpessoais – para tudo aquilo que alimenta a paixão de ensinar”78. 

Quando  se  discute  o  sistema  educativo  e  factores  de  regionalização  e 

localização do  currículo  é necessário  também debater  o  currículo nacional,  o 

core curriculum, ou o currículo comum em  termos que não nos coloquem na 

obrigação de dizer simplesmente não. 

A  problemática  do  currículo  comum,  tanto  menosprezada  pelos 

educadores  críticos,  é  algo  que  deve  ser  discutido,  mormente  a  partir  do 

momento que se reconhece a educação como um direito cultural. Deste modo, 

o currículo comum, formulado e desenvolvido de maneira flexível, tem que dar 

resposta ao pluralismo social e cultural, admitindo as diferenças entre culturas 

sem renunciar à universalidade de muitos traços culturais e de certos objectivos 

básicos79. 

Contudo, e tal como é comummente defendido em diversos documentos 

de  organismos multilaterais  e  na  bibliografia  que  reconhece  a  vantagem  da 

empresarialização  da  educação,  o  currículo  comum  é  expresso  na  forma  de 

competências muito genéricas, para as quais contribuirão  a escola, em termos 

de  uma  formação  geral,  de  pendor  vocacional,  e  o mercado  de  trabalho,  na 

forma de uma formação específica, de natureza ocupacional. Numa perspectiva 

muito  pragmática, mas  redutora  do  papel  da  educação,  admitir‐se‐á  que  a 

78 Cf. Andy Hargreaves, 2004, p. 94. 79 Cf. José Gimeno, 2002. Educação obrigatória. Seu sentido educativo e social. Porto: Porto Editora. 

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escola  tem a  função de   veicular  saberes,    cuja  importância    é mais validada 

pelo empregador do que pelo professor.  

Daí que o documento sobre os objectivos  futuros concretos dos sistemas de 

educação  e  formação80  seja  crucial na definição dos objectivos  estratégicos para 

tornar  o  espaço  europeu  de  aprendizagem  ao  longo  da  vida  uma  realidade81  e 

possibilitar a emergência de uma europa do conhecimento. 

Estaremos  ou  não  perante  os  primeiros  objectivos  estratégicos  de  um 

currículo europeu que dê sentido social à educação obrigatória e atribua uma 

finalidade profissionalizante aos ensinos secundário e superior?   

As    identidades educacional e  curricular  são, assim,  conjugadas  com  o 

espaço  europeu  de  aprendizagem  ao  longo  da  vida  e  a  europa  do 

conhecimento mediante o reforço de uma política europeia das universidades 

no  sentido  de  tornar  a  Europa    “na  economia  do  conhecimento  mais 

competitiva e dinâmica do mundo”82. 

Para  além das  atribuições  culturais  que  lhe  são  confiadas,  a  educação 

surge, nos documentos de orientação da União Europeia, entre as políticas que 

promovem  a  competitividade  económica  e  empresarial,  num  quadro  de 

mudanças advindas da globalização,  e que, por isso, devem reforçar a europa 

do  conhecimento.  A  nova  economia  baseada  no  conhecimento  parte  da 

convicção  que  este  é  a  chave  da  competitividade  e  do  desenvolvimento 

económico e social europeu. 

Tornar  a  europa  do  conhecimento  uma  realidade  significa  o 

reconhecimento de um espaço europeu de aprendizagem ao longo da vida que 

englobe  aspectos  que  são  essenciais  em  qualquer  documento  económico 

80  Cf.  Relatório Objectivos  futuros  concretos  dos  sistemas  de  educação  e  formação,    aprovado  no 

Conselho Europeu de Estocolmo, em 2001. Cf., de  igual modo, Comunidades Europeias, 2002.  Educação  e  formação  na  Europa:  sistemas  diferentes,  objectivos  comuns  para  2010. Luxemburgo: Serviço das publicações Oficiais das Comunidades Europeias. 

81  Cf.  Relatório  Tornar  o  espaço  europeu  de  aprendizagem  ao  longo  da  vida  uma  realidade, comunicação da Comissão, em 21 de Novembro de 2001. 

82 Cf. Relatório Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao longo da vida uma realidade, p. 8. 

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direccionado  para  a  competitividade  e  qualidade:  espaços  de  aprendizagem, 

empregos, conhecimentos, competências, recursos e parcerias. 

A  valorização da  aprendizagem  (formal,  não  formal  e  informal)  é um 

dos vectores principais nos documentos que são discutidos no âmbito da União 

Europeia  e  ainda  mais  nos  documentos  de  orientação  sobre  as  políticas  

educativas. O conceito de aprendizagem ao  longo da vida é associado a uma 

estratégia europeia para o emprego e reúne consensos relativamente a quatro 

áreas globais de formação: realização pessoal, cidadania activa, inclusão social 

e  empregabilidade/adaptabilidade83. A  definição    aprendizagem  ao  longo  da 

vida  consagra,  assim,  “toda  a  actividade  de  aprendizagem  em  qualquer 

momento da vida, com o objectivo de melhorar os conhecimentos, as aptidões e 

competências,  no  quadro  de  uma  perspectiva  pessoal,  cívica,  social  e/ou 

relacionada com o emprego”84. 

Aprendizagem  e  competência  são  as  duas  faces  de  uma  política  de 

educação  e  formação  centrada  na  economia do  conhecimento, pois  o Estado 

que não definir os saberes de base será um Estado desligado da nova realidade 

europeia ou da grande casa do conhecimento que se procura edificar em nome 

da competição económica. Mais uma vez  ‐   e o currículo das organizações de 

aprendizagem  obedece  a  uma  tradição  inventada85,  na  medida  em  que  as 

propostas ora se repetem, ora são reformuladas ‐  o conhecimento é redefinido 

em função de interesses económicos, tal como o demonstram diversos  estudos 

sobre  as  disciplinas  escolares  e  as  áreas  de  conhecimento  referenciados  por 

Goodson86. 

Advoga‐se  ainda, no  referido documento, que  estamos num  tempo de 

transição:  do  conhecimento  para  a  competência  e  do  ensino  para  a 

83 Idem, p. 11 84 Idem, p. 11. 85 Para uma análise deste conceito, vide: José  Pacheco, 2001. 86 Cf. Ivor Goodson, 2001.  O currículo em mudança. Estudos na construção social do currículo. Porto: 

Porto Editora. 

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aprendizagem  pelo  que  os  “aprendentes  devem,  na  medida  do  possível, 

assumir  a  responsabilidade  da  sua  própria  aprendizagem  e  procurar 

activamente adquirir conhecimentos e desenvolver as suas competências”87. 

Assim, o principal desafio que a sociedade do conhecimento nos coloca 

não  é o de  seguir    a uniformidade do que  se  aprende,  a  estandardização de 

práticas  curriculares,    mas  o  de  reduzir  o  currículo  nacional,    a  partir  da 

discussão de critérios em torno duma cultura básica comum que não silencie e 

marginalize  a  criatividade,  as  experiências  enriquecedoras  e  a  diversidade 

presente  nos  múltiplos  processos  de  aprendizagem.  Reduzir  o  currículo 

nacional, estabelecendo parâmetros concretos para a identificação do conjunto 

nuclear  de  aprendizagens  básicas,  é  um  imperativo  que  trará  qualidade  e 

eficiência,  não  desfigurando  os  propósitos  das  seitas  da  formação  para  o 

desempenho88,  unicamente  voltadas  para  o  lado  cognitivo  da  aprendizagem, 

apenas  reorientando‐os para novos modos de olhar para a  riqueza que existe 

no interior das escolas. 

 6. Referentes para um currículo regional 

 A construção de um currículo regional realiza‐se através de critérios bem 

explícitos,  cuja  referencialização  exige  uma  discussão  e  problematização 

permanente,  aliados  a propósitos  que  se  estabelecem  como metas  a  alcançar 

num determinado  tempo  e  espaço. Neste  sentido,  e mais no  âmbito de uma 

reflexão do  que no  contexto de uma    receita, preconizamos para  o  currículo 

regional as seguintes ideias: 

a) O  currículo  regional  é  um  documento  de  trabalho  que  favorece  a 

democratização escolar se for elaborado na procura da igualdade e da 

diversificação dos percursos de aprendizagem. 

87 Cf. Relatório Tornar o espaço europeu de aprendizagem ao longo da vida uma realidade, p. 30. 88 Cf. Andy Hargreaves, 2004, p. 236. 

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b) O currículo  regional é um documento de  trabalho a elaborar na base 

da deliberação curricular, implicando escolhas, compromissos e perdas 

e ganhos. 

c) O  currículo  regional  é  um  documento  de  trabalho  que  produz  o 

conflito curricular. 

d) O  currículo  regional  é  um  documento  de  trabalho  que  segue  o 

princípio da integração de saberes, valores, atitudes e capacidades. 

Tais  ideias  só  se  tornam  válidas  na  base  dos  seguintes  princípios 

formativos e áreas de intervenção: 

 

a) A  democracia  como  estilo  de  trabalho  ao  nível  de  todos  os 

contextos  da  vida  escolar,  assumindo‐se  a  Escola  como  uma 

Comunidade  onde  se  observam  os  princípios  da  igualdade,  da 

diversidade, da justiça e da participação.  

 

b) Aprendizagem educativa  referenciada pelos parâmetros de uma 

cultura básica  comum,  enquadrados no  currículo nacional,  e de 

uma  cultura  diferenciada  em  função  dos  contextos  regionais  e 

locais. 

 

c) A  aprendizagem  educativa  referenciada  por  propósitos  bem 

delineados  e  organizados  –  objectivos,  competências  –  em 

projectos de formação adequados aos aprendentes e à realidades 

das escolas e comunidades. 

 

d) A Escola ocupa um lugar central na elaboração de uma postura ética e 

na  discussão  dos  problemas  sociais,  cuja matriz  de  resposta  exige  a 

diversidade e o reconhecimento da diferença. 

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e) A  cidadania  como  registo  cívico  (função  socializante  em  direitos  e 

deveres)  e  como  registo  afectivo  (contacto  com  problemáticas  do 

quotidiano) 

 

f) Aprendizagem  educativa  referenciada  pela  valorização  das 

tecnologias de  informação e comunicação que valorizem  tanto a 

lógica  de  participação  na  sociedade  da  aprendizagem  quanto  a 

lógica de utilização da  informação como processo de construção 

do conhecimento.  

 

 

 

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