teoria do socialismo texto 10 - a superestrutura do capitalismo

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Apostilas do Cipes 10 TEORIA DO SOCIALISMO Texto 10 A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO CIPES Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais

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A superestrutura do capitalismo - Página 13

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  • Apostilas do Cipes 10

    TEORIA DO SOCIALISMO

    Texto 10

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    CIPES

    Centro de Intercmbio de Pesquisas e Estudos Econmicos e Sociais

  • 2

    Esta apostila foi elaborada pela Equipe de Estudos Tericos do CIPES,

    responsvel pelo Curso Teoria do Socialismo.

    A edio do Grupo de Publicaes do CIPES.

    Os interessados em adquirir as apostilas e demais publicaes devem

    escrever para:

    CIPES - Grupo de Publicaes

    Rua Mrio Amaral, 320- CEP: 04002

    So Paulo- So Paulo

    Tel.: 289 0383

  • 3

    NDICE

    INTRODUO ................................................................................................................... 4

    I. INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA ................................................. 5

    II. IDEOLOGIA, PARTE DA SUPERESTRUTURA ............................................. 7

    III. IDEOLOGIA BURGUESA (ANTES E DEPOIS DA INSTITUIO DO

    MODO CAPITALISTA DE PRODUO) E IDEOLOGIA BURGUESA ... 9

    IV. O ABURGUESAMENO DO MARXISMO ....................................................... 18

    V. NOTAS .................................................................................................................... 19

  • 4

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    INTRODUO

    Neste texto, analisaremos somente alguns aspectos do conjunto de

    instituies, materiais e ideais, que formam a superestrutura de uma

    determinada sociedade. O conceito de superestrutura corresponde, de

    uma forma ampla:

    1) A todas as manifestaes de uma determinada poca (arte,

    literatura, filosofia, religio, direito, moral, etc.)

    2) Ao aparelho tcnico-administrativo e poltico chamado Estado.

    Em vista da amplitude e extenso de tudo isso que podemos

    conceituar como superestrutura que sublinhamos o carter

    introdutrio e esquemtico deste texto.

  • 5

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    I

    INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA

    No prefcio Contribuio, Marx indica o que entende por infraestrutura e superestrutura: ...: na produo social de sua existncia, os homens estabelecem relaes determinadas, necessrias,

    independentes de sua vontade, relaes de produo que correspondem

    a um determinado grau de desenvolvimento das foras produtivas

    materiais. O conjunto destas relaes de produo constitui a estrutura

    econmica da sociedade, a base sobre a qual se eleva uma

    superestrutura jurdica e poltica e qual correspondem determinadas

    formas de conscincia social. (1)

    Isso quer dizer que:

    1) As formas de associao que os homens estabelecem entre si (e

    que so independentes de sua vontade) correspondem sempre

    a uma determinada etapa de desenvolvimento das foras

    produtivas (isto , correspondem a um estgio de

    desenvolvimento dos meios de produo e do prprio agente

    do trabalho, o homem).

    2) Essas formas de associao determinam as formas de

    pensamento (isto , as formas jurdicas, artsticas, filosficas,

    etc.) assim como a forma de Estado de casa sociedade, em cada

    momento histrico.

    Em suma, a infraestrutura (isto , a estrutura econmica da

    sociedade) condiciona a superestrutura. Em outras palavras: as formas

    de conscincia social so geradas pela forma como os homens se

    associam para produzir a vida material. (O ser social determina a conscincia). Essa afirmao, no entanto, no deve ser entendida de uma forma mecnica: a conscincia (ou a superestrutura)

    fundamentalmente determinada pela base econmica de uma certa

    sociedade; mas ela tambm o resultado das formas de conscincia

    anteriores. Alm disso, o condicionamento tambm ocorre (em menor

    escala) na direo inversa: apesar de fundamentalmente determinada

    pela infraestrutura, a superestrutura exerce certa influncia sobre essa

  • 6

    mesma base, isto , ela tem uma relativa autonomia em relao

    infraestrutura.

    Nesse sentido que Engels (em carta a Starkenburg), de 2 de

    janeiro de 1894) procurava sublinhar que a concepo materialista da

    histria no um economicismo, isto , que as relaes econmicas no explicam todo e qualquer desenvolvimento da superestrutura; elas so

    as foras determinantes, em ltima anlise: ...o desenvolvimento poltico, jurdico, filosfico, religioso, literrio, artstico etc., descansa

    um desenvolvimento econmico. Mas todos eles tambm repercutem

    uns nos outros e... sobre a base da necessidade econmica, que se impe

    sempre, em ltima instncia.

  • 7

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    II

    IDEOLOGIA, PARTE DA SUPERESTRUTURA

    As relaes entre ser e pensamento no so diretas (ou, em

    linguagem filosfica, no so estabelecidas imediatamente): alm de

    no determinarem mecanicamente as formas de conscincia, as relaes

    econmicas no aparecem diretamente na conscincia dos homens tal

    como so. (A conscincia que uma poca tem de si no retrata

    exatamente a realidade dessa poca). Quando afirmamos isso, que a

    conscincia de uma poca no apreende a realidade dessa poca tal

    como ela , estamos dizendo, em outras palavras, que essa conscincia

    ideolgica. Chegamos assim a um conceito bsico do marxismo: a

    ideologia.

    A ideologia pode ser expressa, de forma ampla, como sendo o

    conjunto de ideias correspondentes a uma determinada poca. Pelo fato

    de no expressarem diretamente a realidade de cada poca essas ideias

    podem apontar em duas direes opostas: podem contribuir para

    obscurecer a realidade, ou, inversamente, podem servir para esclarecer

    essa mesma realidade. Nas condies concretas da sociedade capitalista

    a tendncia ao ocultamento est presente na ideologia burguesa da

    mesma forma que a tendncia ao esclarecimento toma corpo na

    ideologia do proletariado. A verdade , para o proletariado, uma arma portadora da vitria, e tanto mais seguramente quanto no recua

    perante nada. (3)

    Como ocultamento, a ideologia poder ser entendida, em termos

    filosficos, como uma aparncia que no traduz corretamente a essncia

    de uma realidade. Em outras palavras: quando atua no sentido de

    obscurecer a realidade, a ideologia o processo pelo qual os homens

    apreendem de maneira distorcida a realidade social ou a essncia dessa

    realidade em cada momento histrico. Um exemplo dessa apreenso

    distorcida: no capitalismo, o trabalho do operrio parece ser totalmente

    remunerado, ou seja, a aparncia de que trabalhador recebe por todas

    as horas de trabalho dispendidas. Um exame mais profundo dessa

    mesma sociedade mostra, pelo contrrio, que a base sobre a qual elas se

    reproduz a no-remunerao de parte do trabalho efetivamente

  • 8

    executado pelo trabalhador. A essncia desse modo de produo a

    explorao do trabalho mas essa explorao no aparece como

    explorao: pelo contrrio, ela est encoberta e o que aparece uma

    suposta igualdade de direitos e condies, pela qual todos (patres e

    operrios) so remunerados igualmente.

    Para Marx, a ideologia s possvel a partir do momento em que a

    histria, a trabalho intelectual se separa do trabalho manual: a partir

    da, o pensamento pode imaginar algo independente, sem relao com a

    produo material. Torna-se assim, possvel o procedimento tpico dos

    idelogos burgueses: separar as ideias do processo real e, em seguida,

    explicar o processo real pelas ideias. Na concepo marxista, as ideias

    que devem ser explicadas pelo processo real, ou seja, preciso explicar

    porque os homens porque os homens tm certas ideias e para isso

    preciso estudar o modo de produo e reproduo da vida desses

    homens. Para estudar a sociedade a se deve partir do que os homens dizem, imaginam ou pensam, mas da forma em que produzem os ne

    necessrios sua vida. (4)

    O Capital, por exemplo, um estudo cientfico dos mecanismos

    inerentes ao modo capitalista de produo: um obra que procura

    revelar as leis essenciais que regem esse modo de produo. Existe

    nesse obra uma busca de apreenso da realidade tal como ela . Essa

    busca, na sociedade capitalista, s pode ser levada s ltimas

    consequncias no domnio da ideologia proletria

    O fim de toda ideologia s pode ocorrer com a instituio as

    sociedade sem classes, com a retomada, num plano universal, da

    permanente e fecunda ligao entre o trabalho intelectual e trabalho

    material.

  • 9

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    III

    IDEOLOGIA BURGUESA (ANTES E DEPOIS DA INSTITUIO DO

    MODO CAPITALISTA DE PRODUO) E IDEOLOGIA BURGUESA

    muito comum, hoje em dia, o uso de expresses tais como:

    racionalidade, medidas econmicas racionais, racionalizao etc. Todas estas expresses provm de uma s palavra: razo. No entanto,

    essa palavra, mesmo sendo uma s, pode assumir muitos significados

    diferentes, ou seja, pode ter mltiplas interpretaes e cada uma dessas

    interpretaes conduz a uma consequncia prtica diferente. Isso no

    acontece somente com a palavra razo: muitas outras palavras tambm

    podem ser interpretadas de diversas formas e dessas interpretaes

    dependem diversas formas de ao humana.

    Um exemplo: se os homens acreditam que o Estado o rbitro

    imparcial dos antagonismos naturais existente entre os indivduos de

    cada sociedade, pode-se concluir que esses homens agiro sempre no

    sentido de preservar o Estado, assim como legitimaro as aes do

    Estado julgando-as necessrias e inevitveis. Por outro lado, quando os

    homens entendem o Estado como uma entidade que age em nome de

    uma classe dominante, sendo por isso mesmo, parcial e arbitrrio em

    seus empreendimentos, esses homens passa a lutar pela transformao

    e extino do Estado. Vemos assim, que uma mesma palavra (Estado),

    ao ser interpretada de forma diferente, leva os homens a agirem em

    sentidos diferentes (e, neste caso, em sentido opostos entre si).

    No entanto, as ideias no tem vida autnoma, isto , elas no podem

    ser entendidas fora da relao que elas mantem com a produo da vida

    material dos homens. Portanto, as formas distintas de interpretao de

    uma mesma palavra esto em elaes com as transformaes materiais

    das sociedades humanas. (E, por isso mesmo, para Marx, a filosofia, a

    teologia, a moral etc. s podem estar em contradio com as relaes

    sociais existentes se essas relaes sociais esto em com contradio

    com as foras produtivas existentes. Isso tudo quer dizer que um

    conflito entre as ideias e as relaes de produo material s ocorre

    quando j existe um conflito no interior do prprio modo de produo).

  • 10

    Tomemos estas cinco palavras: razo, direito, liberdade, igualdade

    e Estado. Vejamos o que acontece com seus significados ao longo da

    histria, ou melhor, em alguns momentos determinados da histria.

    A razo foi uma das grandes armas usadas pela burguesia em sua

    luta contra o poder feudal. As relaes civis (ou sociais) prprias do

    feudalismo tinham se tornado entraves para o desenvolvimento das

    foras produtivas geradas pelo comrcio, dentro do prprio modo de

    produo feudal. O iluminismo o momento no qual a burguesia

    sistematiza, no campo das ideias, a sua posio radical ao modo de

    produo feudal. Com o iluminismo, tudo passou a ser discutido, removido, analisado, desde o princpio da religio revelada, desde os

    problemas da metafsica at os relativos ao gosto, desde a msica at a

    moral, desde as questes teolgicas at as questes referentes

    economia e ao comrcio, desde a poltica at o direito pessoal e civil. (5) O racionalismo dos iluministas foi um movimento de expanso da

    razo: tudo deveria ser compreendido e justificado pela razo. Alm

    disso, os iluministas achavam que as coisas deveriam ser

    compreendidas a partir delas mesmas; sem que fosse necessrio

    recorrer a divindades ou a entidades transcendentais.

    Ao direito divino dos reis o iluminismo ops uma outra forma de

    sistematizao das leis: o direito natural. O direito natura mantm como tese o princpio fundamental mximo de que existe um direito

    anterior a todo poder humano e divino e que vlido

    independentemente destes. O contedo do conceito direito no se funda

    na esfera do mero poder ou vontade, mas no domnio da pura razo. (6). Isso quer dizer que os iluministas acreditavam que o direito tem

    uma estrutura objetiva (lgica) assim como a matemtica tem a sua. Isto

    , os iluministas eram tpicos idelogos burgueses: separavam as ideias

    dos homens a achavam que essas ideias eram autnomas em relao aos

    homens.

    Locke, um dos iluministas, afirma que existem direitos naturais do

    homem anteriores a toda formao de sociedades e Estados, e, em relao a eles, a funo prpria do Estado consiste em acolh-los (...)

    protege-los e garanti-los.. (7) Ou seja, para Locke, o Estado tem por objetivo garantir os direitos fundamentais de todo homem e inclui entre

    esses direitos o direito de liberdade pessoal e o direito de propriedade.

    Outro iluminista, Condorcet, declara que toda cincia da comunidade humana no pode ter outro fim que no o de garantir aos homens o livre

  • 11

    exerccio de seus direitos fundamentais em perfeita igualdade e com

    mxima amplitude. (8) Vemos, portanto, que os iluministas tinham uma determinada concepo de liberdade e igualdade: estas eram

    direitos inalienveis ao homem, direitos que nasciam com cada homem.

    Avancemos um pouco no tempo; deixemos os iluministas para

    reencontrar algum que j conhecemos: Hegel. Vejamos o que ele pensa

    a respeito do Estado. Para ele, o Estado a ideia poltica por excelncia..., (o Estado) no possui nenhum interesse particular, mas apenas os interesses comuns e gerais de todos. (9) Assim como para Locke o Estado tinha por objetivo garantir e manter os direitos

    fundamentais de todos os homens, para Hegel o Estado harmoniza os

    interesses de todos, uma comunidade universal. Alm disso, Hegel achava que o Estado era uma unidade que permanecia existindo graas

    contradio entre a parte pblica e a parte privada de cada indivduo,

    pois o Estado permitia a expresso de cada individualidade ao mesmo

    tempo em que retomava para si essa mesma individualidade. Em suma,

    Hegel estava fazendo a apologia ao Estado burgus: ele achava que essa

    forma de Estado era o ponto final poltico da histria.

    At agora estivemos no perodo histrico de ascenso da burguesia:

    nesse perodo, esta classe apresentava como representante dos

    interesses universais frente aos privilgios da nobreza e do clero,

    vigentes no modo feudal de produo.

    Avancemos mais um pouco: detenhamo-nos na segunda metade do

    sculo XIX, na poca em que Marx estava concluindo a sua Contribuio Crtica da Economia Poltica, e se encaminhava para a elaborao do primeiro volume dO Capital. Nesta poca, o modo capitalista de produo j estava consolidado em alguns pases. nesse momento

    histrico que Marx escreve: Em certo estgio de desenvolvimento, as foras produtivas materiais da sociedade entram em contradio com

    as relaes de produo existentes, ou, o que sua expresso jurdica,

    com as relaes de propriedade no seio das quais se tinham movido at

    ento. De formas de desenvolvimento das foras produtivas estas

    relaes transformaram-se no seu entrave. Surge ento uma poca de

    revoluo social. (10). tambm neste momento que a burguesia deixa de ser classe revolucionria para se tornar classe reacionria: as

    relaes de burguesas de produo que num momento anterior tinham

    impulsionado o desenvolvimento das foras produtivas, comeam a ser

    obstculo para esse mesmo desenvolvimento.

  • 12

    Voltemos agora s cinco palavras que escolhemos no incio desse

    item e vejamos o que elas significam concretamente, a partir do

    momento em que o poder poltico da burguesia se consolida: vejamos o

    que elas significam ainda hoje, dentro do modo capitalista de produo,

    quando so interpretadas do ponto de vista do proletariado (isto , do

    ponto de vista da nova classe revolucionrio.

    A razo humana passou a ser comandada pela razo do capital: os

    homens, ao trocarem produtos de seu prprio trabalho (as

    mercadorias) no se reconhecem como produtores dessas mercadorias

    pelo contrrio, as mercadorias aparecem como dotadas de valor

    prprio, de vida prpria. O ouro, por exemplo, que simplesmente o

    equivalente geral de todas as mercadorias (conforme texto) aparece aos

    homens como dotado de um valor natural. Este processo, de apario mgica das mercadorias na conscincia humana, chamado por Marx de fetichismo das mercadorias.

    Fetiche: objeto animado ou inanimado feito pelos homens ou

    produzidos pela natureza, ao qual se atribui o poder sobrenatural.

    O que acontece ento que as relaes humanas aparecem aos

    prprios homens como se fossem relaes entre coisas. Em outras

    palavras: os homens passaram ser regidos por uma lgica das coisas

    (que lgica do modo capitalista de produo). O movimento da sociedade, que seu prprio movimento, toma para eles a forma de um

    movimento das coisas a cujo controle submetem, em vez de as

    controlarem. (11)

    Alm disso, a racionalizao do trabalho significa, para o operrio,

    a perda da razo do seu prprio trabalho: ...O processo de trabalho retalhado em operaes parciais abstratamente racionais, (...) o que

    destri a relao entre o trabalhador e o produto como totalidade e

    reduz o seu trabalho a uma funo especial que se repete

    mecanicamente. (12) Em outras palavras: o trabalho humano existe como complemento de uma mecanizao estabelecida anteriormente,

    isto , de uma mecanizao sobre a qual o trabalhador no tem controle

    algum.

    Vemos, portanto, o que a razo do capitalismo: submisso dos

    homens (e principalmente dos operrios) uma lgica das coisas. No

    toa que Marx afirma nO Capital: A forma do processo social de vida, isto , do processo material de produo, s pode desprender-se do seu

  • 13

    vu nebuloso e mstico, quando passar a ser obra de homens livremente

    socializados, submetida a seu controle consciente e racional. (13). Em outras palavras: o fetichismo s deixar de existir quando os homens

    tiverem as coisas sob seu controle (e esse controle, por sua vez, supe

    um grau elevado de desenvolvimento das foras produtivas como um

    todo.)

    Percebemos assim, que o racional expresso por Marx tem um

    significado oposto ao racional prprio do modo de produo capitalista.

    O racional ao que Marx se refere justamente a negao e a superao

    do racional burgus. A razo dialtica compreende a irracionalidade do

    modo capitalista de produo e aponta para o socialismo: a sociedade

    racional dos iluministas se tornou na prtica, no decorrer da histria,

    irracional e precisa ser transformada.

    Na Contribuio, Marx afirma que as relaes de propriedade so apenas expresso jurdica das relaes de produo. Isto quer dizer que

    as relaes de propriedade, expressas pelo direito, so a forma atravs

    da qual os homens apreendem na conscincia certas relaes que se do

    na organizao da produo material. Marx, ao contrrio dos idelogos

    burgueses (como por exemplo, os iluministas), no separa as ideias (que

    certos homens tm) da existncia concreta desses homens. Mais do que

    isso: Marx relaciona as reaes materiais de produo s relaes

    jurdicas (as ideais jurdicas). Ou seja, para ele o direito determinado

    pela forma com que os homens se relacionam para produzirem (e

    reproduzirem) sua vida (conforme item 1). Em outras palavras, em

    ltima instncia, pela infraestrutura. O direito, dentro da concepo

    marxista, no anterior aos homens, nem vlido independentemente

    deles: ao contrrio, o direito est sempre relacionado com certos

    homens, homens determinados, dentro de cada perodo histrico. Essa

    apenas outra forma de dizer que as ideias no esto fora da histria,

    nem possuem uma existncia eterna: elas so produzidas pelos homens

    na histria (sendo, portanto, condicionadas por cada momento

    histrico).

    Vejamos agora quais os significados das palavras igualdade e

    liberdade dentro do modo capitalista de produo.

    O trabalhador livre: livre da servido feudal e separado dos prprios instrumentos de trabalho O capitalismo, ao derrubar as

    relaes jurdicas do feudalismo, retirou o trabalhador da rede de

  • 14

    obrigaes que o mantinham preso ao senhor feudal; mas ao libertar o

    trabalhador das amarras feudais, libertou-o tambm em outro sentido: separou o trabalhador dos meios de produo. A partir desse momento,

    o trabalhador no tem mais condies de trabalhar para si prprio: ele

    pode escolher entre trabalhar para o capitalista ou deixar de viver. Esse

    o primeiro significado da liberdade capitalista: o trabalhador livre para escolher entre a venda da sua fora de trabalho para o capitalista

    ou a prpria morte.

    Outra forma de liberdade do capitalismo o liberalismo: a crena de que o livre jogo das foras econmicas (prprias do modo capitalista)

    conduz satisfao geral e ao desenvolvimento permanente das foras

    produtivas. NO Capital, Marx expe ironicamente os fundamentos dessa crena: a nica fora que junta os homens no capitalismo e os relaciona

    a busca do proveito prprio, da vantagem individual, dos interesses privados. E justamente por cada um cuidar s de si mesmo, no

    cuidando ningum dos outros, realizam todos, em virtude de uma

    harmonia preestabelecida das coisas, ou sob os auspcios de um

    providencia onisciente, apenas as obras de proveito recproco, de

    utilidade comum, de interesse geral. (14) Essa crena, de que a busca exclusiva do proveito individual traz automaticamente o proveito geral,

    foi uma forma de ideologia tpica do perodo inicial do capitalismo,

    (onde a concorrncia desempenhava um papel importante). Hoje em

    dia, depois das duas guerras mundiais e da grande crise de 1929, o

    liberalismo se revela como pura iluso o Estado intervm cada vez mais,

    em todos os campos da economia, principalmente nos pases onde o

    capitalismo mais se desenvolveu.

    Analisando a esfera de circulao (isto , da troca de mercadorias

    do modo capitalista de produo, Marx tambm no pode deixar de

    ironizar: A esfera...da troca de mercadorias... realmente um verdadeiro paraso dos direitos inatos do homem. S reinam a

    liberdade, igualdade, propriedade. (15). A liberdade neste caso, liberdade de comprar e vender mercadorias: o trabalhador vende a sua

    fora de trabalho de acordo com sua vontade livre, assim como o capitalista compra, livremente, essa mesma fora de trabalho. Neste ato

    de compra e venda simultneas, eles contratam como pessoa livres juridicamente iguais. (16)

    A igualdade aqui significa somente que eles se defrontam apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por

  • 15

    equivalente. (17) Ou seja, essa igualdade apenas a igualdade de sujeitos de troca, de pessoas que trocam mercadorias de igual valor.

    Pensemos um pouco sobre a situao de um trabalhador da

    construo civil de um pas subdesenvolvido: qual a liberdade que ele

    tem e viajar para a Europa, de frequentar uma piscina nos dias de vero

    ou interferir na poltica econmica de seu pas? A sua liberdade formal

    (por exemplo, a liberdade de tirar um passaporte e ir para o Exterior)

    jamais se concretiza, jamais se efetiva como liberdade. Quando

    comparamos as condies de vida desse mesmo trabalhador com as

    condies de vida de um dono de banco, que tipo de igualdade

    percebemos? Enquanto o trabalhador (que produtor efetivo da

    riqueza) recebe um salrio que no supre nem suas necessidades

    bsicas (de alimentao, vesturio, habitao e transporte), o dono do

    banco tem uma renda que lhe permite todo tipo de conforto, isto , uma

    renda que lhe permite inclusive o esbanjamento. Vemos, assim, que tipo

    de igualdade gerada pelo capitalismo. (Esse tipo de igualdade uma das formas de manifestao da contradio, j estudada, entre produo

    social e apropriao privada dos produtos do trabalho). Vemos aqui

    tambm como se realizaram, no decorrer da histria, a liberdade e a

    igualdade dos iluministas.

    Resta-nos ainda analisar, dentro do capitalismo, a ltima das cinco

    palavras que escolhemos no incio: o Estado. Tambm em reao a esta

    palavra a realidade posterior contradiz completamente os iluministas e

    Hegel. Engels afirma, por volta de 1880: O Estado no , de forma alguma, um poder imposto de fora da sociedade; no , tampouco a realidade da ideia moral, ou a imagem e a realidade da razo, com afirma Hegel. O Estado um produto da sociedade ao chegar a uma

    determinada fase de desenvolvimento; confisso de que esta

    sociedade se enredou em si mesma, em uma contradio insolvel, se

    dividiu em antagonismos irreconciliveis. E para que esses

    antagonismos, essas classes distintos interesses econmicos que lutam

    entre si, no se devorem mutuamente e no destruam a sociedade em

    luta estril, foi necessrio um poder situado, aparentemente, por cima

    da sociedade, destinado a amortecer o conflito e mant-lo dentro dos

    limites da ordem . (18) Ou seja, o Estado produto das contradies de classe. Em outras palavras: o Estado que parece ser um aparelho de

    defesa dos interesses universais , na verdade, um instrumento de

    defesa de certos interesses (de interesses particulares): os interesses da

  • 16

    classe dominante. Basta analisarmos as relaes entre o Estado e a

    burguesia, por um lado, e as relaes entre o Estado e os trabalhadores,

    por outro, para verificarmos quais os interesses efetivamente atendidos

    pelo Estado: ao mesmo tempo em que os sindicatos dos trabalhadores

    so submetidos represso sistemtica, sendo muitas vezes destrudos

    por completo, os sindicatos patronais jamais sofrem qualquer tipo de

    policiamento ou violncia. Essa outra forma concreta de igualdade no capitalismo.

    A partir do momento em que as contradies de classe no mais

    existirem, a partir do momento em que a sociedade no estiver mais

    dividida em classes antagnicas, o Estado deixa de ser necessrio: este

    um dos pontos importantes da concepo marxista do Estado. O

    Estado transitrio. Em outras palavras: se o estado s existe para

    proteger interesses particulares (ao contrrio do que afirmavam os

    iluministas), numa sociedade em que no existam mais interesses

    antagnicos (de classe) o Estado no tem mais razo de ser.

    Cabe ressaltar ento que:

    1) O Estado tem como funo principal manter sob sujeio da classe

    dominante todas as demais classes de uma determinada

    sociedade. Assim, esse aparelho representante da classe

    dominante: a concepo de Estado como representante universal ideolgica no sentido de encobrir o papel efetivo do Estado. O Estado uma comunidade ilusria. Isto no quer dizer que seja

    falso, mas sim que aparece como uma comunidade porque assim

    percebido pelos sujeitos sociais. (19) 2) O Estado tem uma dupla determinao: um aparelho com

    funes tcnico-administrativas e com funes polticas, sendo

    que so estas ltimas que definem propriamente o Estado. (O

    Estado s passar a existir quando exerce funes de dominao

    poltica). O Estado sempre instrumento de opresso na medida

    em que constitudo para tentar conciliar o irreconcilivel.

    Voltamos assim aos temas discutidos ao longo de todo o texto: o

    Estado como resultado da estrutura econmica de certa sociedade,

    determinado por certa forma de associao estabelecida pelos homens

    (independentemente de sua vontade) para a produo de vida material.

    No entanto, no percebido como tal, no aparece como tal: aparece

    como poder, separado, autnomo em relao aos homens, aos sujeitos

  • 17

    sociais. No momento em que for efetivamente poder social unificado a

    servio de interesses universais, o Estado no tem mais razo de existir:

    numa sociedade sem classes, o Estado tende a desaparecer, a se

    extinguir: Ao tornar-se, finalmente, representante de toda a sociedade, o Estado se torna, ele mesmo suprfluo. No momento em que deixa de

    haver classe para ser mantida em opresso, no momento em que, com o

    domnio de classe e a luta pela existncia individual condicionada pela

    atual anarquia da produo, desaparecem as colises e excessos que

    disso tudo advm, no h mais o que reprimir, nem necessrio um

    poder especial repressivo, um Estado. O primeiro ato no qual o Estado

    aparece realmente como representante da sociedade toda- a tomada da

    posse dos meios de produo, em nome da sociedade- , ao mesmo

    tempo, seu ltimo ato independente como Estado. A interveno de um

    poder estatal em relaes sociais vai se tornando progressivamente

    suprflua em um terreno aps o outro, e acaba por inibir-se a si mesma.

    Em lugar de governo sobre pessoas aparece a administrao das coisas

    e a direo de processos de produo. O Estado no suprimido, antes se extingue. (20)

  • 18

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    IV

    O ABURGUESAMENO DO MARXISMO

    Muitos tericos, apesar de considerarem vlidos certos pontos da

    teoria marxista (tais como a luta de classes, a teoria do valor etc.).

    Distorcem radicalmente outros pontos desta teoria. o caso, por

    exemplo, dos pensadores que concebem o Estado com instrumento de

    conciliao de classes, como arbtrio neutro da luta de classes. Esse fenmeno, o aburguesamento do marxismo, no est limitado apena s

    discusses tericas: ... a pequena burguesia, como classe de transio na qual os interesses das duas classes (burguesia e proletariado) se

    atenuam reciprocamente, vai sentir-se por cima da oposio das classes em geral (21). Ou seja, a prpria prtica das classes mdia, apesar de reconhecer, muitas vezes a luta dos opostos na sociedade, caminha em

    direo de uma harmonizao desses opostos (isto , admite que os interesses das duas classes, podem ser conciliados) e no na direo da

    supresso revolucionria de ambos.

  • 19

    A SUPERESTRUTURA DO CAPITALISMO

    V

    NOTAS

    1. Marx, K.: Contribuio Crtica de Economia Poltica. Ed. Martins Fontes, So Paulo, 1977, pg. 24

    2. Engels, F.: citadas por Harmecker, M.: Os conceitos Elementais do Materialismo Histrico, pg. 96

    3. Lucks, G. Histria e Conscincia de Classe Ed. Escorpio. 1974, pg. 83

    4. Harnecker, M.: op. Cit. Pg. 92

    5. D Alembert, citado por Cassier, E. Filosofia de la Ilustracion, Ed. FCE, Mxico, 1975, p. 18

    6. Cassirer, E., op. Cit, P. 267

    7. Cassirer, E., op. Cit. P. 278

    8. Cassirer, E., op. Cit. P. 280

    9. Chau, M., O Que Ideologia, Ed. Brasiliense, So Paulo, 1981, pg. 46

    10. Marx, K.: op. Cit.p. 24-25

    11. Marx, K., citado por Lucks, G. op. Cit. p. 62

    12. Lucks, G. op. Cit., pg. 102

    13. Marx, K., El Capital, Ed. FCE, Mxico, 1978, p.44 14. Marx, K. El Capital, p. 129 15. Idem, p.128

    16. Idem, ibidem

    17. Idem, pg. 129

    18. Engels, F. citado por Lnin, V.I. El Estado Y La Revolucion Pequim, 1971, p.7

    19. Chau, M. op. Cit., p.70

    20. Engels, F. citado por Harnecker, M. op. Cit. P. 117

    21. Lucks, G. citado por Harnecker, M. op. Cit., p. 179