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Teoria da Relatividade Especial: transforma¸c˜ oes de Lorentz UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Instituto de F´ ısica. Departamento de ısica. ısica do S´ eculo XXA (FIS1056). Prof. esar Augusto Zen Vasconcellos. Lista 6 (Site: www.cesarzen.com) T´opicos. Princ´ ıpio da Relatividade de Galileo Galilei (It´alia, 1564 - 1642); Teoria da Relati- vidade de Albert Einstein 1 (Alemanha, 1879 - 1955): transforma¸c˜ oes de Lorentz (Hendrik Antoon Lorentz, Alemanha, 1853 - 1928). Princ´ ıpio da Relatividade de Galileo Galilei A Teoria da Relatividade Especial, tamb´ em co- nhecida como Teoria da Relatividade Restri- ta, ´ e atribu´ ıda em geral, quase que exclusiva- mente, ao trabalho criativo desenvolvido por Albert Einstein. A Teoria da Relatividade Especial 2 ´ e por´ em uma teoria que teve seu ep´ ılogo criativo no tra- 1 No ano de 1905, Albert Einstein publicou cinco ar- tigos que se tornaram paradigm´aticos na f´ ısica moder- na, abordando os seguintes temas: efeito fotoel´ etrico, termodinˆamica e relatividade especial. Einstein, embo- ra seja conhecido como o principal nome no campo da relatividade, ganhou o Pr´ emio Nobel pela descoberta da lei do efeito fotoel´ etrico. 2 Teoria da Relatividade ´ e na realidade a denomina- ¸c˜ ao utilizada para designar duas teorias cient´ ıficas dis- tintas por´ em complementares, a Teoria da Relatividade Restrita, ou Especial, e a Teoria da Relatividade Geral, publicadas por Albert Einstein em 1905, a primeira e, em 1915, a segunda. balho sobre o tema publicado por Albert Eins- tein em 1905, mas que se baseou no trabalho de diferentes autores em diferentes momentos da hist´oria da f´ ısica, todos eles dando contri- bui¸c˜ oes essenciais para que este ep´ ılogo criativo se materializasse. ´ E portanto um trabalho cri- ativo que deve ser atribu´ ıdo em boa parte a diferentes autores. Neste texto, buscamos fa- miliarizar o leitor com algumas destas contri- bui¸c˜ oes. A compreens˜ao mais plena do alcance da Te- oria da Relatividade Especial de Albert Eins- tein exige que se tenha uma boa compreens˜ao da teoria que lhe serviu de inspira¸c˜ ao, a Teoria da Relatividade de Galileo Galilei, publicada em 1632 e em 1636. Em suas duas principais obras, Di´alogoSo- bre Os Principais Sistemas Do Mundo, publi- cada em 1632 e Di´alogoAcerca DeDuas Novas Ciˆ encias, publicada em 1636, Galileo estabele- ceu o seu Princ´ ıpio da Relatividade, como ve- remos a seguir. Nestas obras ele discorreu sobre um experi- mento que envolvia dois observadores em movi- mento relativo, um deles postado em um navio que se desloca suavemente, `a velocidade cons- tante, em linha reta e outro observador pos- tado em terra firme. Galileo concluiu que os experimentos mecˆanicos feito no navio dariam precisamente os mesmos resultados que expe- rimentos semelhantes realizados em terra. Ga- lileu argumentou que uma pessoa no solo n˜ao poderia dizer se ela realmente est´a em repouso 1

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Teoria da Relatividade Especial:transformacoes de Lorentz

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

DO SUL. Instituto de Fısica. Departamento de

Fısica. Fısica do Seculo XXA (FIS1056). Prof.

Cesar Augusto Zen Vasconcellos. Lista 6 (Site:

www.cesarzen.com)

Topicos. Princıpio da Relatividade de GalileoGalilei (Italia, 1564 - 1642); Teoria da Relati-vidade de Albert Einstein1 (Alemanha, 1879- 1955): transformacoes de Lorentz (HendrikAntoon Lorentz, Alemanha, 1853 - 1928).

Princıpio da Relatividade de GalileoGalilei

A Teoria da Relatividade Especial, tambem co-nhecida como Teoria da Relatividade Restri-ta, e atribuıda em geral, quase que exclusiva-mente, ao trabalho criativo desenvolvido porAlbert Einstein.

A Teoria da Relatividade Especial2 e poremuma teoria que teve seu epılogo criativo no tra-

1No ano de 1905, Albert Einstein publicou cinco ar-tigos que se tornaram paradigmaticos na fısica moder-na, abordando os seguintes temas: efeito fotoeletrico,termodinamica e relatividade especial. Einstein, embo-ra seja conhecido como o principal nome no campo darelatividade, ganhou o Premio Nobel pela descobertada lei do efeito fotoeletrico.

2Teoria da Relatividade e na realidade a denomina-cao utilizada para designar duas teorias cientıficas dis-tintas porem complementares, a Teoria da RelatividadeRestrita, ou Especial, e a Teoria da Relatividade Geral,publicadas por Albert Einstein em 1905, a primeira e,em 1915, a segunda.

balho sobre o tema publicado por Albert Eins-tein em 1905, mas que se baseou no trabalhode diferentes autores em diferentes momentosda historia da fısica, todos eles dando contri-buicoes essenciais para que este epılogo criativose materializasse. E portanto um trabalho cri-ativo que deve ser atribuıdo em boa parte adiferentes autores. Neste texto, buscamos fa-miliarizar o leitor com algumas destas contri-buicoes.

A compreensao mais plena do alcance da Te-oria da Relatividade Especial de Albert Eins-tein exige que se tenha uma boa compreensaoda teoria que lhe serviu de inspiracao, a Teoriada Relatividade de Galileo Galilei, publicadaem 1632 e em 1636.

Em suas duas principais obras, Dialogo So-bre Os Principais Sistemas Do Mundo, publi-cada em 1632 e Dialogo Acerca De Duas NovasCiencias, publicada em 1636, Galileo estabele-ceu o seu Princıpio da Relatividade, como ve-remos a seguir.

Nestas obras ele discorreu sobre um experi-mento que envolvia dois observadores em movi-mento relativo, um deles postado em um navioque se desloca suavemente, a velocidade cons-tante, em linha reta e outro observador pos-tado em terra firme. Galileo concluiu que osexperimentos mecanicos feito no navio dariamprecisamente os mesmos resultados que expe-rimentos semelhantes realizados em terra. Ga-lileu argumentou que uma pessoa no solo naopoderia dizer se ela realmente esta em repouso

1

2 Cesar A. Zen Vasconcellos. Departamento de Fısica (IF-UFRGS).

Figura 1: Primeiras paginas do livro DialogoSobre os Principais Sistemas do Mundo escritopor Galileo Galilei em 1632.Creditos: mulibraries.missouri.edu/

ou se ela esta em movimento devido a rotacaoda Terra.

E para demonstrar essa assercao, Galileo to-mou como exemplo uma bala de canhao caindodo topo do mastro do navio (figura 2). Gali-leo observou que a bala vai cair exatamentena base do mastro se o navio estiver em mo-vimento com velocidade constante ou se o na-vio estiver em repouso. Portanto, ao obser-var a queda da bola, as pessoas dentro do na-vio nao poderiam dizer se realmente estao emrepouso ou em movimento juntamente com onavio. Em outras palavras, observadores nointerior do navio nao conseguem distinguir oseu estado de repouso ou de movimento obser-vando eventos que ocorrem apenas no interiordo navio, ou seja, no referencial do navio.

Galileu, baseado nas ideias de alguns dosmais renomados filosofos da antiguidade, comopor exemplo, Aristoteles, formulou tambem oPrincıpio da Inercia, que pode ser sintetizadoda seguinte maneira:

Um corpo em movimento sobre uma superfıcieplana continuara em movimento na mesmadirecao a uma velocidade constante, a menos

Figura 2: Visao em perspectiva da queda li-vre de uma bala de canhao que cai do topo domastro de um navio em movimento uniforme.Em terra firme observamos que a bala vai cairexatamente na base do mastro, tanto no casoem que o navio estiver em repouso quanto nocaso de movimento do navio com velocidadeconstante relativamente a um observador ex-terno. A diferenca entre as duas situacoes eque a queda da bala ocorre, para um observa-dor externo, do topo a base do mastro do navioem movimento retilıneo uniforme no primeirocaso e em movimento parabolico, no segundo.Portanto, ao observar a queda da bola, as pes-soas dentro do navio nao poderiam dizer se re-almente estao em repouso ou em movimentojuntamente com o navio.Creditos: http://www.physics101online.com/

que seja perturbado.

Galileu concluiu entao, de maneira geral, quee impossıvel diferenciar entre um corpo em mo-vimento com velocidade constante e um corpoestacionario sem valer-se de um outro referen-cial externo. Referenciais em repouso ou emmovimento retilıneo uniforme (com velocidaderelativa constante) sao chamados por sua vezde referenciais inerciais.

Galileo formulou entao seu Princıpio da Re-latividade:

Dois observadores que se movem com velo-cidade uniforme, um relativamente ao outro,devem formular as leis da natureza exata-mente da mesma forma. Em particular, ne-

Fısica do Seculo XXA. Lista 6: Teoria da Relatividade Especial: transformacoes de Lorentz. 3

nhum observador de inercia pode distinguirentre repouso absoluto e movimento absoluto,com apelo exclusivo as leis da natureza. Naoexiste pois movimento absoluto, mas apenasmovimento relativo (de um observador relati-vamente a um outro).

O Principio da Inercia de Galileu deu ori-gem a Primeira Lei da Mecanica, formuladapor Isaac Newton3:

A menos que influenciado por uma forca re-sultante, um objeto ira manter uma velocidadeconstante.

Inercia, para Issac Newton, e uma propri-edade fısica da materia enquanto que paraAlbert Einstein, como veremos mais adiante,inercia e uma propriedade da energia.

Na fısica de Galileo e de Newton, um referen-cial inercial descreve o espaco e o tempo comoentidades independentes e que apresentam aspropriedades de homogeneidade4 do espaco edo tempo e de isotropia5 do espaco.

Todos os sistemas de referencia inerciaisestao portanto em movimento em trajetoriaretilınea com velocidade relativa constante.Neste sentido, a descricao de sistemas fısicosem um referencial inercial pode ser convertidapara outro referencial inercial equivalente pormeio de um conjunto de transformacoes de co-ordenadas: no caso da Fısica Classica de New-

3Em sua obra Philosophiae Naturalis PrincipiaMathematica, publicada em 1687.

4Ou seja, um sistema de referencias que apresentaas mesmas propriedades em cada ponto do espaco edo tempo. Em outras palavras, um sistema inerciale invariante frente a translacoes do espaco e do tempo.Este conceito e essencial para a descricao de um sistemafısico, pois as leis fundamentais da fısica nao podemdepender explicitamente de uma posicao especıfica noespaco e no tempo.

5Quando dizemos que o espaco e isotropico, isso sig-nifica dizer que dado um sistema de referencias isolado,ao gira-lo por um angulo arbitrario, as propriedades dosistema ficam inalteradas. Este conceito tambem e es-sencial para a descricao de um sistema fısico, pois asleis fundamentais da fısica nao podem depender expli-citamente de uma direcao especıfica no espaco.

ton, por meio das transformacoes de Galileo e,no caso da Relatividade Especial de Einstein,por meio das transformacoes de Lorentz, comoveremos mais adiante.

De maneira geral, dados dos referencias iner-ciais, o fato de serem equivalentes significadizer que as equacoes fundamentais da fısicasao invariante (nao mudam de forma) quandodescritas em qualquer um destes referenciais.Neste contexto, falamos de invariancia de Ga-lileo, quando as equacoes da fısıca (classica)sao descritas em referenciais de Galileo e in-variancia de Lorentz, quando as equacoes dafısica (relativıstica) sao descritas em referenci-ais de Lorentz.

Transformacoes de Coordenadas deGalileo

A mecanica de Isaac Newton se baseou nasconcepcoes de Galileo para o movimento, agre-gando novos conceitos que incluem a gra-vitacao e a concepcao de tempo absoluto6.Quando formulado no contexto das leis deNewton, o Princıpio da Relatividade estabe-lece que as leis da fısica sao invariantes frenteas transformacoes de Galileo: dados dois refe-renciais inercias, O e O′ (ver figura (3)), ca-racterizados respectivamente por coordenadas(x, y, z, t) e (x′, y′, z′, t′), em movimento rela-tivo com velocidade v paralelamente ao eixo x,as transformacoes de Galileo estabelecem que

x′ = x− vt , y′ = y , z′ = z , t′ = t. (1)

A Mecanica de Newton, o Princıpio da Re-latividade de Galileo e as transformacoes decoordenadas (1) apresentam coerencia formal,na medida em que, ao aplicarmos estas trans-formacoes de coocrdenadas as equacoes daMecanica Classica, estas equacoes preservam

6Esta ideia cairia por terra na visao de Albert Eins-tein, como veremos mais adiante.

4 Cesar A. Zen Vasconcellos. Departamento de Fısica (IF-UFRGS).

O x

z

��������y

O′ x′

z′

��������y′

-

-

-

Figura 3: Orientacao relativa entre dois re-ferenciais inerciais, O e O′, se movendo emdirecoes paralelas, respectivamente x e x′

sua forma e sao portanto validas em diferen-tes referenciais inercais obdecendo portanto osditames da Teoria da Relatividade de Galileo.

Quando porem consideramos a Teoria Ele-tromagnetica de Maxwell, esta consistenciaformal deixa de existir pois as equacoes deMaxwell nao sao invariantes frente as trans-formacoes de coordenadas de Galileu. Este foio ponto de partida para a criacao da Relativi-dade Especial.

Dentre todos os caminhos buscados por cien-tistas a epoca para explicar este fato, as prin-cipais ideias foram as seguintes:

• propostas de modificacao das equacoes deMaxwell para ficarem invariantes as trans-formacoes de Galileo;

• suposicao de que o Princıpio da Relati-vidade de Galileo se aplicava somente aMecanica Classica;

• suposicao da existencia de umasubstancia, o eter luminıfero, que

permeava o universo e que serviria comoportador da propagacao da luz7;

• substituicao das transformacoes de Galileopor outro conjunto de transformacoes decoordenadas entre dois referenciais iner-ciais que preservassem a invariancia dasequacoes de Maxwell.

Esta ultima opcao foi a escolhida por AlbertEinstein, por meio da consideracao das trans-formacoes de Lotentz8, juntamente com a pro-

7Segundo as leis de Maxwell do eletromagnetismo,a luz se propaga no vacuo com velocidade c =300.000km/s com respeito a um dado referencial iner-cial qualquer, O. Ao considerarmos um outo referencialinercial, O′, a velocidade da luz nao permaneceria in-variante se considerarmos as transformacoes de Galileo.Isto porque, devido a lei de composicao de velocidades,valida na Mecanica Classica, a velocidade da luz, noreferencial O′, seria dada por c′ = c− vrel, onde vrel ea velocidade relativa entre os dois referenciais inerciais.A velocidade da luz, c, pode ser determinada a partirdas grandezas ϵ0 e µ0 que aparecem nas equacoes deMaxwell:

c =

√1

ϵ0µ0.

Mas uma pergunta, a epoca, se impunha: em relacaoa que referencial inercial c deve ser determinada?Maxwell, em resposta, afirmou que c deveria ser de-terminada em relacao ao eter luminıfero, que represen-taria assim o referencial absoluto da mecanica classica.Esta substancia, de acordo com concepcoes dominan-tes dos cientistas daquela epoca, representava o meiode propagacao das oscilacoes transversais das ondaseletromagneticas. Este eter, estatico em relacao aoespaco absoluto, deveria ter propriedades nao usuais:grau infinito de elasticidade e nao massividade, ocu-par todo o universo e todos os corpos materiais e aomesmo tempo ser imperceptıvel. Por meio de modi-ficacoes apropriadas das grandezas ϵ0 e µ0 se poderiaentao obter invariancia das equacoes de Maxwell frenteas transformacoes de Galileo.

8Hendrik Antoon Lorentz (Holanda, 1853 - 1928) ga-nhou o Premio Nobel de Fısica juntamente com PieterZeeman pela descoberta do efeito Zeeman. As trans-formacoes de Lorentz foram desenvolvidas para expli-car o fato observado de que a velocidade da luz inde-pende de sistema de referencias. Lorentz baseou suateoria em outra proposta, feita em 1889, por GeorgeFrancis FitzGerald (Irlanda, 1851- 1901), que sugeria

Fısica do Seculo XXA. Lista 6: Teoria da Relatividade Especial: transformacoes de Lorentz. 5

posicao da constancia da velocidade da luz.

Albert Einstein interpretou as trans-formacoes de Lorentz como uma consequenciada propria natureza do espaco e do tempo.Tres anos apos, em 1908, o matematicoHermann Minkowski introduziu uma in-terpretacao simples e elegante, em umaformulacao geometrica, das transformacoesde espaco e tempo, criando assum o conceitode estrutura espaco-tempo. A formulacaogeometrica da Relatividade Especial elaboradapor Minkowski se tornaria um dos ingredientesfundamentais para a criacao de uma teoriarelativıstica da gravidade, a assim denominaTeoria da Relatividade Geral, publicada porEinstein em 1915.

Postulados da Relatividade Especial:o espelho de Einstein

Albert Einstein realizou, durante seus estudossobre a velocidade da luz, um experimento depensamento conhecido como espelho de Eins-tein.

Da mesma forma que ocorre com as ondasmarinhas em um oceano, ao fim do seculo 19,a propagacao da luz era considerada como umaperturbacao em um meio estatico com propri-edades elasticas que permearia todo o universochamado de eter luminıfero. A velocidade daluz por sua vez era determinada em relacao aeste meio.

que os corpos se contraıam quando se moviam a velo-cidades proximas a da luz e portanto caso a velocidadeda luz se modificasse em distintos referenciais inerciais,como velocidade e definida como a razao entre distanciae tempo, a diferenca nos valores da velocidade da luznos distintos referenciais se tornaria imperceptıvel, pormeio de compensacoes, devidas a contracao dos equi-pamentos de medicao. A proposta de Lorentz era se-melhante a esta mas acrescentava ainda modificacoesno ritmo dos relogios usados pelos pesquisadores paradeterminar o tempo local. Por esta razao, comumente,as transformacoes de Lorentz sao denominadas trans-formacoes de Lorentz-FitzGerald.

Einstein entao se perguntou o que ocorre-ria com sua imagem em um espelho se ele semovesse a velocidade da luz relativamente aoeter?

Para realizar o mesmo experimento segureum espelho de mao a sua frente e olhe para areflexao de sua imagem no espelho. Imagineentao o que aconteceria com a reflexao de seurosto a medida em que voce estivesse em movi-mento retilıneo uniforme. Imagine que sua ve-locidade cresce ate voce atingir a velocidade daluz. O que aconteceria entao com o reflexo deseu rosto no espelho a medida em que voce esti-vesse a mesma velocidade que a luz em relacaoao eter? Os raios de luz atingiriam o seu rosto?Sua imagem desapareceria? Ou sua imagempermaneceria inalterada?

Einstein concluiu que a luz nao viaja a umavelocidade fixa em relacao ao eter, que a luznao e transportada pelo eter e finalmente queo proprio eter nao existe.

Para preservar o Princıpio de Galileo, Eins-tein sugeriu que a luz sempre se move a ve-locidade constante relativamente ao observa-dor. Assim, ao mover-se com a velocidadeda luz, um observador medira a velocidade de300.000km/s e nao 0km/s como esperado nateoria de Galileo segundo a lei de adicao de ve-locidades. Se os raios de luz refletirem no es-pelho de Einstein, retornam ao obervador coma mesma velocidade ao inves de 600.000km/scomo esperado na relatividade de Galileo.

Einstein postulou entao que:

1. Existem sistemas cartesianos de coordena-das, os chamados sistemas de inercia, re-lativamente aos quais as leis da mecanica(mais geralmente as leis da fısica) se apre-sentam com a forma mais simples. Pode-mos assim admitir a validade da seguinteproposicao: se O e um sistema de inercia,qualquer outro sistema O′ em movimentode translacao uniforme relativamente a O,e tambem um sistema de inercia.

6 Cesar A. Zen Vasconcellos. Departamento de Fısica (IF-UFRGS).

2. A luz tem velocidade invariante igual a cem relacao a qualquer sistema de coorde-nadas inercial.

Assim, a velocidade da luz no vacuo e amesma para todos os observadores inerciais enao depende da velocidade da fonte que estaemitindo a luz nem tampouco do observadorque a esta medindo. A luz nao requer qual-quer meio (como o eter) para se propagar9.

Simples Derivacao das Trans-formacoes de Lorentz10

A seguir deduziremos as transformacoes de Lo-rentz utilizando os dois referenciais inerciaismostrados na figura (3).

Um sinal de luz que se propaga, no referen-cial O, na direcao positiva do eixo das abcissas,x, e transmitido, com velocidade c, no tempot, segundo a equacao:

x = ct → x− ct = 0 . (2)

Similarmente, no sistema O′, o mesmo sinalde luz se propaga de acordo com a equacao:

x′ − ct′ = 0 . (3)

Os pontos do espaco tempo que satisfazem(2), devem satisfazer tambem (3). Matema-ticamente, esta condicao pode ser expressa na

9Aparentemente, Einstein nao sabia que a com-provacao da inexistencia do eter luminıfero ja haviasido realizada em 1887, por Albert Abraham Michel-son (EUA, 1852 - 1931) e Edward Williams Morley(EUA, 1838 - 1923) em um famoso experimento co-nhecido como experimento de Michelson-Morley. Nessaesperiencia, foram medidos valores da velocidade da luznas direcoes de rotacao e de translacao da Terra. Casoo eter existisse, estes valores seriam diferentes dos va-lores correspondentes medidos em direcoes perpendicu-lares aquelas. Os resultados obtidos por Michelson eMorley mostraram que a velocidade da luz nao e afe-tada pelos movimentos considerados, concluindo assimpela nao existencia do eter.

10Extraıdo do livro Relatividade: a Teoria Especiale Geral, de autoria de Albert Einstein, publicado em1920 por Methuen & Co Ltd (domınio publico).

forma(x′ − ct′) = λ(x− ct) (4)

onde λ representa uma constante, uma vez que,de (4), o desaparecimento de (x − ct) envolveo desaparecimento de (x′ − ct′).

De maneira similar, se considerarmos raiosde luz sendo transmitindos na direcao megativade x obtemos:

(x′ + ct′) = µ(x+ ct) , (5)

onde µ representa tambem uma constante.Adicionando e subtraindo as equacoes (4) e

(5), obtemos:

(x′ − ct′) + (x′ + ct′) = λ(x− ct) + µ(x+ ct)

→ 2x′ = (λ+ µ)x− (λ− µ) ct

(x′ − ct′)− (x′ + ct′) = λ(x− ct)− µ(x+ ct)

→ −2ct = (λ− µ)x− (λ+ µ) ct

(6)

Introduzindo as constantes a e b:

a =λ+ µ

2; b =

λ− µ

2(7)

obtemos as equacoes

x′ = ax− bctct′ = act− bx

}(8)

A solucao destas equacoes exige o conheci-mento das constantes a e b. Para isto conside-ramos a origem do referencial O′. Neste caso,como x′ = 0, da primeira das equacoes (8),obtemos

x′ = ax− bct = 0 → x =bc

at . (9)

Representando por v a velocidade de movi-mento da origem do referencial O′ em relacaoao referencial O (velocidade relativa entre osdois referenciais), na forma v = x/t, obtemos

v =bc

a. (10)

Fısica do Seculo XXA. Lista 6: Teoria da Relatividade Especial: transformacoes de Lorentz. 7

A segunda das equacoes (8) leva ao mesmo re-sultado.

De maneira similar, se tomarmos t = 0no referencial O (como denominado por Eins-tein, instantaneo fotografico), da primeira dasequacoes (8)

x′ = ax− bct ,

obtemos

x′ = ax . (11)

Desta expressao, supondo por extrema simpli-cidade, dois pontos separados no eixo x′ do re-ferencial O′ pela distancia11

∆x′ = 1 , (12)

quando mensurados no sistema de referenciasO os dois pontos estao separados no ins-tantaneo fotografico correspondente, t = 0,substituindo x por ∆x e x′ por ∆x′, na forma:

x′ = ax → ∆x′ = a∆x →

→ ∆x =∆x′

a=

1

a. (13)

Porem, se o instantaneo fotografico for tomadono referencial O′, ou seja, fazendo t′ = 0, dasegunda das equacoes (8),

ct′ = act− bx ,

obtemos

t =b

acx . (14)

Combinando esta expressao com a primeira dasequacoes (8)

x′ = ax− bct ,

11Esta expressao, ∆x′ = 1, representa um caso espe-cial: uma distancia entre dois pontos medida no referen-cial O que corresponde a uma unidade de comprimentoqualquer. Albert Einstein escreveu originalmente estaexpressao certamente invocando razoes de simplicidadeformal. Evidentemente as unidades de distancia asso-ciadas a expressao acima ficam subtendidas.

obtemos

x′ = ax− bct → x′ = ax− b2

ax . (15)

A expressao (10) pode ser reescrita por sua vezna forma

v =bc

a→ v

c=

b

a

→ v2

c2=

b2

a2→ a

v2

c2=

b2

a. (16)

Ao combinar estas expressoes, obtemos entao

x′ = a

(1− v2

c2

)x . (17)

Destes resultados concluimos que a separa-cao entre dois pontos no eixo x′ do referencialO′ em t′ = 0 pode ser representada por

∆x′=a

(1− v2

c2

)∆x . (18)

Entretanto, por simetria, os resultados da-dos pelas expressoes (13) e (18) devem seridenticos, uma vez que os dois instantaneos fo-tograficos, tomados no primeiro e no segundocaso, devem dar identicos resultados. Por-tanto, da equacao (18) obtemos

∆x′|2=a

(1− v2

c2

)∆x|2 = ∆x|1 =

1

a. (19)

onde os sımbolos 1 e 2 caracterizam o primeiroe o segundo caso. Desta equacao resulta, to-mando por simetria ∆x|2 = 1:

a =1√

1− v2

c2

, (20)

determinando-se assim a constante a. A cons-tante b pode ser determinada a partir da com-binacao das equacoes (16) e (20), ou seja:

b =av

c=

v/c√1− v2

c2

. (21)

8 Cesar A. Zen Vasconcellos. Departamento de Fısica (IF-UFRGS).

Inserindo as constantes a e b nas expressoes(8), obtemos as transformacoes de Lorentz

x′ = x−vt√1− v2

c2

t′ =t− v

c2x√

1− v2

c2

;

y′ = yz′ = z

}(22)

Contracao de Lorentz: contracao dedimensoes espaciais

Uma das consequencias das transformacoes deLorentz e que o comprimento de um objetoqualquer em um referencial inercial em mo-vimento sofre contracao na direcao do movi-mento. Seu comprimento observado e maximoquando o objeto esta em repouso (referencialproprio).

Figura 4: Contracao de Lorentz. A figuramostra dois referenciais inercias, um em re-pouso (a esquerda) e o outro em movimentorelativo com respeito ao primeiro (a direita),com velocidade constante v. No referencial dadireita um objeto de comprimento L0 (com-primento proprio) tem coordenadas correspon-dentes a seus pontos extremos dadas respecti-vamente por x′1 e x′2 tal que seu comprimentoe L0 = x′2 − x′1. As transformacoes de Lorentzpermitem a obtencao do valor do comprimentodo objeto no referencial em repouso, ou seja,L = x2 − x1.

Das equacoes de Lorentz temos que:

L0 = x′2 − x′1 =x2 − vt2 − x1 + vt1√

1− v2

c2

(23)

E como a determinacao do comprimento do ob-jeto no referencial em repouso e realizada deuma so vez, isto equivale a determinar os pon-tos extremos do objeto de maneira simultanea,ou seja, tal que t1 = t2. Assim, da expressaoanterior resulta

L0 = x′2 − x′1 =x2 − x1√1− v2

c2

=L√

1− v2

c2

. (24)

Ou entao,

L =

√1− v2

c2L0 . (25)

E como√1− v2

c2≤ 1, entao, L ≤ L0.

Dilatacao do Tempo

Um relogio em um referencial em movimentotera um ritmo mais lento, de acordo com astransformacoes de Lorentz. O intervalo detempo observado entre dois eventos e maximoquando o objeto esta em repouso (tempoproprio).

Das equacoes de Lorentz temos que:

T = t2 − t1 =t′2 + vx′2/c

2 − t′1 − vx′1/c2√

1− v2

c2

.

(26)E como a determinacao do intervalo de tempono referencial em movimento e realizada emuma mesma localizacao, entao x′1 = x′2. Assim,da expressao anterior resulta

T = t2 − t1 =t′2 − t′1√1− v2

c2

=T0√1− v2

c2

. (27)

Ou entao,

Fısica do Seculo XXA. Lista 6: Teoria da Relatividade Especial: transformacoes de Lorentz. 9

Figura 5: Dilatacao do tempoo. A figura mos-tra dois referenciais inercias, um em repouso(a esquerda) e o outro em movimento relativocom respeito ao primeiro (a direita), com velo-cidade constante v. No referencial da direita otempo propio medido e dado por T0 = t′2 − t′1.As transformacoes de Lorentz permitem a ob-tencao do valor do intervalo de tempo no refe-rencial da esquerda, ou seja, T = t2 − t1.

T0 =

√1− v2

c2T . (28)

.E como

√1− v2

c2≤ 1, entao, T0 ≤ T .

Problemas

1. Mostre que a equacao de onda eletro-magnetica

∂2ϕ(x, y, z, t)

∂x2+

∂2ϕ(x, y, z, t)

∂y2

+∂2ϕ(x, y, z, t)

∂z2− 1

c2∂2ϕ(x, y, z, t)

∂t2= 0

nao e invariante frente as transformacoesde Galileu.

2. Calcule o valor do fator de Lorentz,

γ =1√

1− β2=

1√1− v2

c2

,

com β2 = v2/c2, nos seguintes casos: a)v = 10−2c; b) v = 0, 9998c.

3. O tempo medio de vida de muons esta-cionarios e 2, 2µs. o tempo medio de vidade muons de alta velocidade produzidospor raios cosmicos e 16µs no referencial daterra. Determine a velocidade em relacaoa terra dos muons produzidos pelos raioscosmicos.

Figura 6: Decaimento do muon. A vida mediado muon, em seu referencial proprio, e τ0 =2, 2µs. Em um referencial movendo-se a ve-locidade v com respeito ao referencial propriodo muon, sua vida media e τ = γτ0, ondeγ representa o fator de dilatacao do tempoγ = 1√

1− v2

c2

.

4. Uma espaconave cujo comprimento em re-pouso e 130m passa por uma base espaciala uma velocidade de 0, 74c. (a) Qual eo comprimento da nave no referencial dabase espacial? (b) Qual e o intervalo detempo registrado pelos tripulantes da baseespacial entre a passagem da proa e a pas-sagem da popa da espaconave? Respostas:a) 87, 4m b) 3, 94× 10−7s.

5. (a) Uma pessoa seria capaz, em princıpio,de viajar da Terra ate o centro da galaxia(que esta a cerca de 23.000 anos-luz dedistancia) em um tempo de vida normal?Explique por que, levando em conta a di-latacao dos tempos ou a contracao dasdistancias. (b) Com que velocidade cons-tante a pessoa teria que viajar para fazer a

10 Cesar A. Zen Vasconcellos. Departamento de Fısica (IF-UFRGS).

viagem em 30 anos (tempo proprio)? Res-postas: a) sim; b) 0, 99999c.

6. Um astronauta parte da Terra e viaja comuma velocidade de 0, 99c em direcao aestrela Vega, que esta a 26 anos-luz dedistancia. Determine quanto tempo terapassado, de acordo com os relogios daTerra, (a) quando o astronauta chegar aVega e (b) quando os observadores terres-tres receberem a notıcia de que o astro-nauta chegou a Vega. (c) Qual e a dife-renca entre o tempo de viagem de acordocom os relogios da Terra e o tempo de vi-agem de acordo com o relogio de bordo?Respostas: a) 26, 26 anos; b) 52, 26 anos;c) 3, 7 anos.

7. Um experimentador dispara simultanea-mente duas lampadas de flash, produzindoum grande clarao, de cor azul, na origemde seu referencial e um pequeno clarao, decor verde, no ponto igual a 30km. Um ob-servador que esta se movendo com umavelocidade de 0, 25c no sentido positivodo eixo tambem observa os claroes. (a)Qual e o intervalo de tempo entre os doisclaroes, de acordo com o observador? (b)De acordo com o observador, qual dos doisclaroes ocorreu primeiro? Respostas: a)−2, 58 × 10−5s; b) Uma vez que o inter-valo de tempo e negativo, o observador emmovimento observara em primeiro lugar oflash verde.

8. A partir de medidas do deslocamento parao vermelho da luz, os astronomos chega-ram a conclusao de que um certo quasar,Q1, esta se afastando da Terra a uma ve-locidade de 0, 8c. O quasar Q2, que estana mesma direcao de Q1, mas se encontramais proximo da Terra, esta se afastando auma velocidade de 0, 4c. Qual seria a velo-cidade de afastamento de Q2 medida por

um observador localizado em Q1? Res-posta: −0.588c

9. Efeito Doppler da Luz. Em 1842 o fısicoaustrıaco Christian Doppler propos a ideiade que as ondas de luz sofreriam uma mo-dificacao em sua frequencia se observadasem um referencial em movimento relati-vamente a fonte de luz. Este efeito foiobservado pela primeira vez pelo cientistaalemao Christoph B. Ballot, no ano de1845, em uma experiencia com ondas so-noras. Este efeito foi observado com ondaseletromagneticas, em 1848, pelo francesHippolyte Fizeau. Na relatividade espe-cial, dada uma fonte em movimento comvelocidade v, emitindo luz de frequencia f0em seu referencial proprio, para um obser-vador estacionario, a seguinte relacao des-creve o efeito Doppler:

f = f0

√1− β

1 + β,

onde f caracteriza a correspondentefrequencia observada no referencial es-tacionario. Tendo como base estas in-formacoes, consideremos o problema deuma espaconave que se afasta da Terra auma velocidade de 0, 2c. Os passageiros sesurpreendem com a presenca de uma fonteinterna a nave que emite luz de cor azul(λ = 450nm). Que cor teria a luz emi-tida por esta fonte para um observador naTerra? Resposta: amarelo-esverdeada.