teoria da argumentaÇÃo: da lÓgica aristotÉlica À
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
Flávio Alves de Paula Lima
TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO: DA LÓGICA ARISTOTÉLICA À
RACIONALIDADE JURÍDICA DO SÉCULO XX
Belo Horizonte
2015
Flávio Alves de Paula Lima
TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO: DA LÓGICA ARISTOTÉLICA À
RACIONALIDADE JURÍDICA DO SÉCULO XX
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Lucas de Alvarenga Gontijo
Belo Horizonte
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Lima, Flávio Alves de Paula
L732t Teoria da argumentação: da lógica aristotélica à racionalidade jurídica do
século XX / Flávio Alves de Paula Lima. Belo Horizonte, 2017.
77 f.
Orientador: Lucas de Alvarenga Gontijo
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito
1. Aristóteles - Crítica e interpretação. 2. Silogismo. 3. Lógica. 4.
Argumentação jurídica. 5. Direito - Filosofia. I. Gontijo, Lucas de Alvarenga. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Direito. III. Título.
CDU: 340.12
Flávio Alves de Paula Lima
TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO: DA LÓGICA ARISTOTÉLICA À
RACIONALIDADE JURÍDICA DO SÉCULO XX
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Lucas de Alvarenga Gontijo (Orientador) – PUC Minas
Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno – PUC Minas
Marco Antônio Sousa Alves – Universidade Federal de Minas Gerais
Fernando José Armando Ribeiro (Suplente) – PUC Minas
Belo Horizonte, 20 de maio de 2015
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo investigar o desenvolvimento da Lógica,
desde Aristóteles, na Antiguidade, até a sua aplicação no raciocínio jurídico atual.
Os pontos norteadores são: explicitar como mito a noção de que o direito pode ser
aplicado como subsunção; analisar a lógica silogística aristotélica e a sua divisão em
silogismo analítico e dialético; analisar a mudança de paradigma da razão que se
operou após o tempo de Aristóteles e até o séc. XIX; e verificar como se operou o
resgate de uma concepção de Lógica mais adequada à prática jurídica,
principalmente a partir da segunda metade do séc. XX com o desenvolvimento da
Tópica de Viehweg e a Nova Retórica de Perelman, bem como os desenvolvimentos
posteriores, dentre eles Kelsen, Alexy e Müller.
Palavras-chave: Aristóteles. Silogismo analítico. Silogismo Dialético. Teoria da
Argumentação. Lógica.
ABSTRACT
The goal of this dissertation is to investigate the development of Logic, from
the studies of Aristotle in the Ancient Era to its use in modern day legal reasoning.
The main directives are: to characterize as a myth the notion that Law can be applied
as a mere subsumption; to analyze Aristotle’s syllogistical logic and its division in
analytical and dialectical logic; to analyze paradigm shift that occurred in Logic after
Aristotle’s time and up to the 19th Century; to verify how the second half of the 20th
century witnessed a revisited concept of Logic, more attuned to legal reasoning and
legal practices, especially with the development of Viehweg’s Topics and Perelman’s
New Rhetoric, as well as later developments of other authors, such as Kelsen, Alexy
and Müller.
Keywords: Aristotle. Analytic syllogism. Dialectical syllogism. Theory of
Argumentation. Logic.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6 2 O MITO DO DIREITO COMO SUBSUNÇÃO .......................................................... 8
3 A TEORIA DA RACIONALIDADE ARISTOTÉLICA.............................................. 11 3.1 Silogismo Analítico .................................................................................... 13 3.1.1 O silogismo analítico aristotélico e o silogismo analítico moderno ...... 20 3.2 Phrónesis e silogismo prático ................................................................... 21
3.3 Silogismo dialético ..................................................................................... 25
4 A MUDANÇA DE PARADIGMA NO DIREITO ...................................................... 33
5 A REABILITAÇÃO DA LÓGICA INDUTIVA ARISTOTÉLICA .............................. 39 5.1 Viehweg e a Tópica ..................................................................................... 39
5.1.1 Vico .............................................................................................................. 39 5.2 Perelman e a Nova Retórica ...................................................................... 40 5.3 O raciocínio judiciário ................................................................................ 43
6 DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES .............................................................. 47
6.1 Kelsen .......................................................................................................... 47 6.1.1 O conceito de norma .................................................................................. 48 6.1.2 Distinção entre norma e enunciado .......................................................... 49
6.1.3 Lógica jurídica ............................................................................................ 53 6.1.3.1 Conflito de normas ........................................................................................ 55
6.1.3.2 Verdade da afirmação X observância da norma ........................................... 58 6.1.3.3 Norma geral como fundamentação da norma individual ............................... 60
6.1.3.4 Relações lógicas entre normas .................................................................... 61
6.1.3.5 Sobre uma possível Lógica jurídica específica ............................................. 62
6.2 A Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy .......................................... 64 6.2.1 Alexy e a Nova Retórica de Perelman ....................................................... 66 6.2.1.1 O auditório universal ..................................................................................... 67 6.2.1.2 Persuasão e convencimento ........................................................................ 70
6.2.1.3 A estrutura da argumentação ....................................................................... 72
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 73
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75
6
1 INTRODUÇÃO
No capítulo 2 desta dissertação, expõe-se como, durante o século XVII até o
século XIX, teve grande notoriedade no mundo jurídico a noção de que a prática
jurídica poderia se desenvolver por meio de deduções. Da mesma forma que um
matemático é capaz de deduzir um axioma de outro, os operadores do direito seriam
capazes de deduzir consequências de fatos e leis. Tal noção já foi claramente
superada nos dias de hoje, mas julga-se ser importante perscrutar como se chegou
a esta noção e como ela foi afastada.
Para cumprir esta tarefa, analisa-se no capítulo 3 os primeiros escritos sobre
lógica de que se tem notícia, de autoria de Aristóteles. O filósofo estagirita foi
provavelmente o primeiro a criar uma completa teoria da racionalidade, e é de
especial interesse o tratamento que dispensou aos silogismos. A divisão feita por ele
de silogismo analítico (aquele em que há dedução e conclusão necessária) e
silogismo dialético (aquele em que há argumentação para orientar uma decisão) é
fundamental para o entendimento de como se desenvolveu o que se entende ser
uma má apropriação da lógica pela prática jurídica durante determinado período
histórico.
Esta má apropriação é analisada no capítulo 4. Passado o tempo de
Aristóteles, os estudos sobre diferentes tipos de raciocínio ficaram de certo modo
abandonados durante vários séculos. Até então, os raciocínios dialéticos ainda eram
estudados, mas apenas no domínio da Retórica - aqui entendida no sentido de
Oratória, ou seja, a arte de falar bem e com desenvoltura para defender determinado
ponto de vista. Por este motivo, tais silogismos deixaram de interessar aos lógicos e
aos cientistas, inclusive ao jurista moderno.
O capítulo 5 é dedicado à retomada dos estudos da lógica dialética
aristotélica no século XX, principalmente com os trabalhos de Chaïm Perelman.
Também serão expostos brevemente e a título introdutório o trabalho de Viehweg,
que foi um dos primeiros autores a retomar com expressividade os topoi, além de
uma breve análise do raciocínio judiciário, com o intuito de situar na pratica jurídica
atual os conceitos aristotélicos desenvolvidos anteriormente.
O capítulo 6 trata de vários desenvolvimentos posteriores à retomada da
Nova Retórica de Perelman e como a Lógica Jurídica e a Teoria da Argumentação
foram se aprimorando progressivamente.
7
Finalmente, a conclusão (item 7) expressa que, embora já não exista mais
dúvida de que a atividade jurídica é argumentativa, rememorar o trajeto aqui traçado
é de grande valia para por em perspectiva a lógica jurídica como exercício prático,
mas não por isso menos racional do que as ciências exatas, por exemplo.
8
2 O MITO DO DIREITO COMO SUBSUNÇÃO
Durante o século XIX, teve significativo destaque no mundo jurídico europeu
um movimento teórico chamado Escola da Exegese. Entre os partidários desta
escola vigorava, dentre outras, a noção de que a atividade jurídica deveria ser
pautada pela interpretação estrita do texto legal. Norberto Bobbio (1995, p. 87)
afirma que “segundo a escola da exegese, a lei não deve ser interpretada segundo a
razão e os critérios valorativos daquele que deve aplicá-la, mas, ao contrário, este
deve submeter-se completamente à razão expressa na própria lei.” Assim, caberia
ao operador do direito a tarefa de, uma vez conhecendo o ordenamento jurídico,
relacionar certo acontecimento ocorrido no mundo fático com determinada norma.
Desta relação, o operador deveria ser capaz de afirmar se deve haver ou não uma
consequência jurídica para aquele fato e qual será esta consequência. Se um
indivíduo matou outro, deve ser preso. Se matou, mas agindo em legítima defesa,
não deve ser preso porque há exclusão de ilicitude (BRASIL, 1940).
A preocupação da Escola da Exegese com a literalidade da lei gerou uma
noção de que o direito e o raciocínio jurídico poderiam ser entendidos como uma
subsunção da norma ao fato. Por “subsunção” refere-se ao ato de amoldar
determinadas situações fáticas aos termos previstos na lei, como exemplificado no
parágrafo acima. Entende-se que até hoje subjazem, de modo um tanto quanto
obscuro, resquícios desta noção no meio jurídico. A subsunção pode ser verificada
na prática jurídica atual na petição inicial, cuja estrutura é dividida, basicamente, em
fatos, direito e pedidos. Como os fatos e o direito podem ser considerados como
premissas e os pedidos podem ser considerados como a conclusão, não seria
absurdo, pela ótica exegética, estruturar uma petição de forma silogística, sendo o
direito a premissa maior; os fatos, a premissa menor; e os pedidos, a conclusão, que
seria deduzida das premissas.
Da forma como foi expressa, esta operação é um exemplo de lógica dedutiva.
Este é o tipo de lógica majoritariamente empregado nas chamadas ciências
necessárias, que são aquelas cujas atividades primárias levam a conclusões de
caráter apodítico ou evidente, como é o caso das ciências exatas. Os saberes desta
área do conhecimento se ocupam principalmente de desenvolver e comprovar
proposições com caráter de necessidade e formalmente corretas.
9
Entretanto, é evidente que o direito não é uma ciência necessária, mas sim
uma ciência social aplicada, e as atividades ordinariamente desenvolvidas nesta
área do conhecimento não são dotadas de caráter dedutivo. Que se pretende dizer,
então, ao afirmar que ainda há resquícios da noção exegética na prática jurídica
atual?
Não há dúvidas de que a subsunção do fato à norma é uma operação lógica,
mas não é esta a lógica que ordinariamente utilizam os juízes e os advogados no
seu dia a dia. Enquanto as atividades rotineiramente empreendidas pelos
operadores do direito envolvem uma grande carga argumentativa, um astrônomo,
em contrapartida, não lança mão destes mesmos exercícios lógicos ao tentar prever
a rota de um asteroide, por exemplo. Por isso, é precipitado falar-se na existência de
uma lógica que governa todas as expressões de racionalidade que o homem é
capaz de desenvolver. Para cogitar-se a existência de apenas uma lógica, é preciso
não identifica-la à Lógica Formal, como pretenderam os partidários da Escola da
Exegese, mas sim entendê-la como gênero que contém espécies, sendo a Lógica
Formal uma delas. O conhecimento pode ser produzido de diversas maneiras, e não
é a sua conformidade com uma determinada espécie de lógica que o torna válido ou
racional.
Resumidamente, defende-se aqui o posicionamento de que o raciocínio
jurídico não pode ser reduzido à mera subsunção do caso concreto à norma
abstrata. Apesar de ser exigido do operador do direito saber relacionar certas
condutas a determinadas normas e prever as consequências desta relação, esta é
apenas uma das etapas finais do extenso processo de raciocínio jurídico. Não é
senão após um longo encadeamento de argumentos que resultem em uma decisão
que se pode sistematizar de forma silogística o raciocínio que levou àquela
conclusão.
É verdade que mesmo antes da tomada da decisão (ou conclusão), o
raciocínio já poderia ser construído em forma de silogismo. Contudo, nesta etapa
são incontáveis os silogismos possíveis e não há como garantir que um ou outro
serão utilizados no caso concreto. Dentre os vários silogismos apresentados, o juiz
escolherá os que julgar serem mais adequados e/ou mais plausíveis para compor o
silogismo final, que é a sentença. É possível, ainda, que o juiz escolha apenas
alguns elementos de alguns silogismos na composição da sentença.
10
As noções da insuficiência do modelo silogístico para a prática jurídica já não
são mais novidade para a Teoria do Direito do século XXI, mas é necessário traçar,
em linhas gerais, os desenvolvimentos teóricos que partiram da teoria da
racionalidade aristotélica e que culminaram na noção atual de racionalidade jurídica.
11
3 A TEORIA DA RACIONALIDADE ARISTOTÉLICA
A análise da obra de Aristóteles, pelo menos daqueles escritos que
sobreviveram até os dias atuais, deixa clara a intenção do filósofo de desenvolver
uma teoria da racionalidade, principalmente no âmbito de uma das suas obras mais
completas: o Órganon. Pode-se dizer que este é o primeiro tratado conhecido a
abordar a lógica e os diferentes tipos de raciocínio empregados em diferentes
situações. Esta, aliás, é outra característica do autor – a aplicação de métodos
diferentes para solucionar problemas diferentes. O estagirita demonstra notável
percepção para diferentes manifestações da razão (logos), caracterizadas por
modos de pensar que variam de acordo com o objeto analisado e com o domínio de
investigação. Estas diferentes formas de manifestação da razão podem ser
consideradas razões diferentes, ou logoi, pelo que se diz que a teoria aristotélica
abarca a diversidade ou multiplicidade das formas de raciocínio.
O Órganon é composto de seis livros concebidos separadamente por
Aristóteles: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores (também chamado
de Primeiros Analíticos), Analíticos Posteriores (também chamado de Segundos
Analíticos), Tópicos e Refutações Sofísticas. Existem algumas variações com
relação à ordem dos livros no tratado e mesmo dos próprios livros que o compõem.
Ao longo da história, outras obras foram incluídas na compilação, como o Isagoge
de Porfírio, que é uma introdução ao Categorias e já foi posicionado antes deste em
algumas edições do Órganon. Retórica e Poética, ambas obras de Aristóteles,
também já foram incluídas no conjunto, principalmente por siríacos e árabes. Outras
obras chegaram a ser excluídas por alguns compiladores que julgaram serem as
mesmas inautênticas, como fez Andrônico de Rodes com Da Interpretação. Não há,
contudo, qualquer indicação de que Aristóteles tivesse a intenção de separar estes
seis livros dos demais e reuni-los em um tratado sobre a racionalidade. Não é claro
quem foi o responsável pela compilação, mas dois prováveis organizadores da obra
como é conhecida hoje são Boécio e o próprio Andrônico de Rodes, que teriam
também dado a ela o nome de Órganon. Giovanni Reale (1990) aponta Andrônico
como o responsável não só por apresentar uma versão inteligível dos escritos de
Aristóteles, mas também por ter agrupado sua obra por assunto e reordenado a
mesma de acordo com o conteúdo de modo a facilitar a leitura. Ele teria feito isso
não apenas com o Órganon, mas com o Corpus Aristotelicum em geral:
12
É bastante provável, por exemplo, que a organização de todas as obras lógicas em um único corpo remonte precisamente a ele [Andrônico]. E procedeu de modo análogo com os vários escritos de caráter físico, metafísico, ético, político, estético e retórico. A organização geral e particular que Andrônico imprimiu ao Corpus Aristotelicum tornou-se definitiva. Ela iria condicionar toda a tradição posterior, inclusive as edições modernas. Em suma: a edição realizada por Andrônico estava verdadeiramente destinada a “fazer época” em todos os sentidos [...] (REALE, 1990, p. 323-324).
Embora a lógica aristotélica seja hoje considerada lógica antiga, a obra do
estagirita foi, sem dúvida, o alicerce que permitiu a construção e o desenvolvimento
do intelecto humano, a permitir o florescimento da Lógica moderna. Os princípios do
pensamento aristotélico permeiam até hoje o modo como a civilização ocidental
pensa e raciocina. Ainda é interessante notar que, mesmo tendo sido Aristóteles o
primeiro teórico da racionalidade, este demonstrava uma aguda consciência das
limitações desta, como será explicado mais abaixo.
O aspecto da racionalidade que será abordado nesta dissertação está
eminentemente presente nos Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores, que
tratam principalmente dos silogismos analíticos, e no quinto livro do Órganon,
Tópicos, que trata dos silogismos dialéticos.
Nos Analíticos Anteriores, Aristóteles trata de definir o conceito de silogismo:
O silogismo é uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido à mera presença das suposições como tais. Por “devido à mera presença das suposições como tais” entendo que é por causa delas que resulta a conclusão, e por isso quero dizer que não há necessidade de qualquer termo adicional para tornar a conclusão necessária. (ARISTÓTELES, Analíticos Anteriores I 1, 24b19).
Silogismo é, então, uma operação pela qual são enunciadas algumas
suposições que levam a uma conclusão. Caracteriza-se pela natureza dos
elementos que o integram e pela relação que guardam entre si. Colocados os
elementos básicos que constituem as premissas, um outro elemento – a conclusão –
se segue necessariamente. O silogismo, portanto, contém simultaneamente uma
afirmação sobre a validade da inferência (a passagem das premissas à conclusão) e
uma afirmação sobre a veracidade das premissas (ALVES; LIMA, 2011b, p. 4).
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Aristóteles lista uma série de tipos de silogismos, mas os que se mostram
mais interessantes para o propósito desta dissertação são examinados pelo autor
em Tópicos:
O silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma vez formuladas certas coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta necessariamente através delas pura e simplesmente. O silogismo é demonstração quando procede de premissas verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos extraído o nosso conhecimento original delas através de premissas primárias e verdadeiras. O silogismo dialético é aquele no qual se raciocina a partir de opiniões de aceitação geral. São verdadeiras e primárias as coisas que geram convicção através de si mesmas e não através de qualquer outra coisa, pois, no que toca aos primeiros princípios da ciência, faz-se desnecessário propor qualquer questão adicional quanto ao por que [motivo], devendo cada princípio por si mesmo gerar convicção. Opiniões de aceitação geral, por outro lado, são aquelas que se baseiam no que pensam todos, a maioria ou os sábios, isto é, a totalidade dos sábios, ou a maioria deles, ou os mais renomados e ilustres entre eles. (ARISTÓTELES, Tópicos I 1, 100a25-100b23, grifou-se).
O autor, didaticamente, repete o conceito genérico de silogismo enunciado
nos Analíticos Anteriores e subdivide-o em dois tipos diferentes: o silogismo analítico
(que também pode ser chamado de silogismo demonstrativo, demonstração,
silogismo formal ou dedução); e o silogismo dialético (que também pode ser
chamado de silogismo argumentativo, argumentação, entimema ou indução).
É importante salientar, contudo, que aqui, quando se utiliza os vocábulos
“dedução” e “indução”, não se trata de uma passagem do geral para o particular e
nem do particular para o geral, respectivamente. Com efeito, esta dicotomia possui
dois significados distintos, sendo que o que é empregado aqui se refere, no caso da
dedução, à inferência apodítica que se opera nos silogismos analíticos, passando-se
necessariamente das premissas à conclusão. No caso da indução, refere-se à
exposição de premissas que levam à tomada de uma decisão de caráter dialético
(não necessária, não obrigatória). Serão analisados, agora, os dois tipos de
silogismo em maior profundidade.
3.1 Silogismo Analítico
O silogismo analítico, que será analisado neste item, é mais comumente
associado a uma forma de ciência denominada demonstrativa ou apodítica. Esta,
aliás, foi durante muito tempo a única forma de racionalidade levada em
14
consideração pelos estudiosos de Aristóteles, não obstante o fato de o Órganon, o
mesmo tratado que contém a teorização da ciência demonstrativa (nos Analíticos
Anteriores e Analíticos Posteriores) encerrar também uma análise minuciosa da
argumentação ou do raciocínio dialético (nos Tópicos).
A ciência apodítica ou demonstrativa é teorizada por Aristóteles nos Analíticos
Posteriores, onde, na segunda parte do Livro I, o filósofo afirma que temos
conhecimento científico (em oposição ao conhecimento contingencial) de um fato
quando: (a) conhecemos a causa deste fato e; (b) sabemos que o fato não poderia
ser diferente, dada a causa que o originou (Analíticos Posteriores I 2, 71b8). Em
outras palavras, fazer ciência de uma coisa é investigar sua causa e obter
conhecimento suficiente sobre ela ao ponto de se poder afirmar que aquela causa
não poderia ter originado outro resultado senão aquele sob análise. Enrico Berti
analisa as causas com mais profundidade, afirmando que a causa do fato deve ser
entendida num sentido amplo, como a razão ou explicação para a concretização
daquele resultado, enquanto a impossibilidade de o fato ter sido diferente (ou seu
caráter de necessidade) é equivalente a dizer que não é possível que “quando se
tem ciência de um certo estado de coisas, as coisas sejam diversamente de como
se sabe que são” (BERTI, 1998, p. 4). Em conclusão:
A demonstração entendia no sentido mais próprio é aquela que procede de premissas universais para conclusões particulares, isto é, a dedução; ela, portanto, é o que confere à ciência o caráter de conhecimento da causa e o caráter de conhecimento dotado de necessidade. (BERTI, 1998, p. 6).
Segundo o mesmo autor, é fácil perceber que este é um conceito de ciência
muito diferente daquele que se tem atualmente, uma vez que a ciência moderna é
pautada principalmente pelos conceitos de hipótese e probabilidade. Conhecer as
causas de um determinado fato constatável na realidade equivale a conhecer as
premissas que levaram àquela conclusão. Realizar esta atividade relativamente a
um determinado fato é “ter ciência” deste fato, nas palavras de Berti (BERTI, 1998,
p. 4).
Prosseguindo na análise da definição de Aristóteles, o silogismo analítico,
também chamado de demonstração, é aquele que “procede de premissas
verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos extraído o nosso conhecimento
original delas através de premissas primárias e verdadeiras.” (ARISTÓTELES,
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Tópicos I 1, 100a26). Berti (1998, p. 5) aprofunda esta definição afirmando que o
silogismo científico deve conter premissas que expressem como os fatos são na
verdade, não sendo possível que se produza conhecimento científico sobre fatos
que não existem ou não são verdadeiros. Tão importante quanto isso é o fato de
que, ao afirmar que as premissas devem ser primárias, Aristóteles está a dizer que
elas devem ser imediatas ou indemonstráveis. O que quer dizer com isso é que as
premissas de um silogismo analítico não podem ser a conclusão de outro silogismo.
Caso contrário não seriam primárias, mas sim derivadas de outras premissas, que
poderiam, por sua vez, derivar de outras premissas até que se atingisse
determinadas premissas que seriam, estas sim, primárias e indemonstráveis, a
constituir o real início de toda a cadeia de deduções. Como conclui o autor italiano:
“[...] se as premissas devessem ser sempre demonstradas, isto é, se derivassem
sempre de outras, ao infinito, não se teria nunca ciência” (BERTI, 1998, p. 6).
Ainda é preciso diferenciar “ter ciência” de algo de “ter qualquer ciência”. A
diferença entre um e outro equivale à diferença entre conhecer uma ciência em
particular e conhecer as ciências em geral. Em qualquer um dos casos, é preciso
partir de premissas, como já se viu. Entretanto, para que se conheça uma ciência
demonstrativa em particular, é preciso partir de premissas com determinadas
características. Nas palavras do próprio Aristóteles (Analíticos Posteriores, I 2,
71b1):
[...] o conhecimento demonstrativo tem que proceder de premissas que sejam verdadeiras, primárias, imediatas, melhor conhecidas e anteriores à conclusão e que sejam causa desta. Somente sob estas condições os primeiros princípios podem ser corretamente aplicados ao fato a ser demonstrado. O silogismo enquanto tal será possível sem tais condições, mas não é a demonstração, pois o resultado não será conhecimento.
Uma delas, já explicada acima, é que as premissas sejam indemonstráveis ou
derivadas de premissas indemonstráveis, sob pena de se desaguar na via do
regresso ao infinito de derivações sucessivas de outras premissas e assim
inviabilizar a ciência. Em virtude desta mesma característica (indemonstrabilidade),
as premissas também podem ser chamadas de primeiras ou imediatas; as
premissas também devem ser verdadeiras, pois não podem exprimir situações
fictícias; devem expor uma relação de causalidade com a conclusão, pois sem nexo
causal não há que se falar em dedução; para que sejam causa da conclusão, devem
16
ser anteriores a esta, não do ponto de vista temporal, mas do ponto de vista lógico;
devem, por fim, ser mais conhecidas do que a própria conclusão, tanto no sentido de
serem mais conhecidas a nós, através dos nossos sentidos, quanto no sentido de
serem mais conhecidas por natureza, ou seja, de um ponto de vista lógico, longe
das sensações, pelo que se passa de premissas universais para conclusões
particulares (BERTI, 1998, p. 5-6).
As premissas dotadas de todas as características apontadas no parágrafo
anterior são chamadas por Aristóteles de princípios próprios. Isso significa que são
princípios próprios de uma determinada ciência e que podem dizer o que alguma
coisa é e se uma coisa é ou não, dentro do campo da ciência própria em questão.
No diapasão do silogismo analítico, Berti afirma que, dentro de uma ciência em
particular, “os princípios próprios são premissas que devem ser postas
explicitamente e são exatamente aquilo a partir do que se deduz, isto é, se extrai a
conclusão.” (1998, p. 7). É isso, portanto, que significa “ter (uma) ciência”.
Na esteira do que se disse anteriormente, existem princípios que são
necessários não apenas para se ter ciência de uma área específica, como a
geometria ou a física, mas para várias (ou todas) as ciências: são os princípios
comuns, que na linguagem matemática também são chamados de axiomas. Berti
ensina que axiomas são “literalmente ‘dignidade’, isto é, proposições dignas de ser
admitidas por causa de sua evidência intrínseca” (1998, p. 7). Alguns desses
princípios são próprios de um grupo de ciências, como as ciências matemáticas.
Outros são comuns a todas as ciências por se tratarem de regras lógicas que, caso
violadas, impossibilitam um conhecimento racional do objeto em análise, como é o
caso do princípio da não-contradição, segundo o qual algo não pode ter e não ter a
mesma característica ao mesmo tempo. Os princípios comuns, portanto, são tão
importantes para uma dedução formalmente correta que se afiguram mais como
regras ou leis que devem ser observadas para possibilitar uma demonstração exata
(BERTI, 1998, p. 7-8).
Pelas observações feitas acerca da necessidade de as ciências
demonstrativas possuírem princípios próprios, Berti conclui pela absoluta
independência de uma em relação às outras, no sentido de que “nenhuma
demonstração possa passar de certo gênero de objetos, próprios de uma certa
ciência, a outro gênero de objetos, próprios de uma ciência diversa” (1998, p. 8). A
consequência lógica disso é a impossibilidade de uma ciência universal, ou seja, um
17
único método para se apreender todas as realidades demonstrativas existentes no
universo, inclusive demonstrando os princípios próprios de todas as ciências
particulares e os princípios comuns de todas as ciências. “As ciências
demonstrativas são todas, portanto, sempre e somente ciências particulares.”
(BERTI, 1998, p. 9).
Exemplificando o que foi dito até agora sobre a demonstração, suponha-se
um silogismo analítico: Todos os belorizontinos são mineiros; José é belorizontino;
logo, José é mineiro. Tem-se, pois, que, elencadas algumas suposições (premissas),
chegou-se a uma suposição diferente delas (conclusão), pura e simplesmente. A
passagem das premissas à conclusão é necessária, ou, como afirma Aristóteles,
sendo as premissas verdadeiras e primárias (ou tendo o conhecimento delas
derivado de outras premissas com estas mesmas características), a conclusão será
inescapavelmente verdadeira. A necessidade reside no fato de que nenhuma outra
conclusão pode ser cogitada. Tampouco pode-se dizer que a conclusão seja nova,
considerando que está implicitamente contida nas premissas. Caso se afirme que
todos os belorizontinos são mineiros e que José é belorizontino, está-se
automaticamente afirmando que José é mineiro.
Atienza conclui:
[...] se quiséssemos representar também a informação da conclusão, perceberíamos que não precisaríamos acrescentar nada: a informação da conclusão já estava incluída nas premissas, o que explica termos podido dizer que a passagem de umas para a outra é necessária; ou seja, não é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão não seja. (ATIENZA, 2006, p. 25).
No exemplo de José pode-se perceber o caráter dedutivo do silogismo. Os
dois primeiros enunciados são as premissas. A primeira delas, a premissa maior, é a
mais genérica de todas. Nesta premissa, um elemento médio (belorizontinos) é
situado dentro de um elemento mais abrangente (mineiros): “todos os belorizontinos
são mineiros”; a segunda proposição é a premissa menor, que é logicamente
encampada pela premissa maior e na qual um elemento novo e mais particular
(José) é inserido dentro do elemento médio da premissa maior (belorizontinos):
“José é belorizontino”. Por fim, na conclusão é demonstrado que, como o elemento
mais universal (mineiros) engloba o elemento médio (belorizontinos), e este último
abrange um terceiro elemento, que é o mais particular e mais restrito de todos
18
(José), então daí decorre que o elemento particular (José) esteja contido no mais
universal de todos (mineiros): “José é mineiro”. Desnecessário dizer, ainda, que
nenhuma outra premissa se faz necessária para que se chegue à conclusão. As
premissas já contêm em si a ideia da conclusão.
Tampouco é possível que ali se incluam mais do que três elementos ou
termos (José, belorizontinos e mineiros), pois, como ensina Margutti Pinto (2015):
O silogismo completo deve ter exatamente três termos. O menor é ligado ao maior através do médio. Apenas dois termos, maior e menor, sem termo médio, não permitem a construção da conclusão. Quatro ou mais termos pecam por excesso e às vezes produzem confusão. Suponhamos o argumento:
‘O cão ladra (premissa maior).
Aquele grupo de estrelas é o cão (premissa menor).
Logo, aquele grupo de estrelas ladra (conclusão)’.
Este silogismo, embora aparente possuir apenas três termos, tem de fato quatro termos. Na premissa maior, o termo ‘cão’ foi tomado no sentido do animal que todos conhecemos. Na menor, o mesmo termo foi tomado no sentido do nome duma constelação. Assim, embora o termo ‘cão’ seja o mesmo, os sentidos em que foi tomado são diferentes, o que aumentou o número de termos do argumento de três para quatro. A conclusão é incorreta e o silogismo não é válido porque possui quatro têrmos.
Um silogismo analítico ainda pode apresentar defeitos mesmo contendo três
termos. Suponha-se o seguinte silogismo: todos os patos têm dois pés; Percival tem
dois pés; logo, Percival é um pato. Tem-se aqui três termos: a totalidade dos seres
com dois pés; os patos; e Percival. Como é facilmente perceptível, contudo, o
equivoco formal do silogismo acima reside no fato de incluir Percival dentro de um
grupo ao qual não pertence (o dos patos), exclusivamente porque tem com ele uma
característica em comum (o fato de ter dois pés). Poder-se-ia afirmar que, dentro do
grupo de todos os seres com dois pés, um deles é Percival e alguns são patos, mas
não afirmar que Percival está dentro do subgrupo dos patos.
O principal defeito do silogismo de Percival, portanto, é que o termo médio
(patos) não faz a ligação entre o termo particular (Percival) e o universal (seres com
dois pés). Ao contrário, tem-se o termo universal contendo dois termos particulares
que não possuem ligação alguma entre si, muito embora pareça verossímil que os
19
patos, por constituírem um grupo, possam representar o termo médio em que
Percival estaria contido.
Perceba-se, contudo, que a incorreção a que aqui se refere é meramente
formal. Muito embora seja claro que das premissas apresentadas não se possa
deduzir a conclusão a que se chegou, nada impede que as premissas sejam
verdadeiras e, mesmo assim, a conclusão (embora também verdadeira) não decorra
necessariamente destas. Isso equivale a dizer que, num silogismo analítico, não
basta que as premissas sejam verdadeiras para que a conclusão também o seja: é
preciso que haja uma inferência válida, ou seja, é preciso que haja uma relação de
englobamento entre os três termos, como explicado acima: termo universal engloba
termo médio; se termo particular está contido em termo médio, então termo
particular também está contido em termo universal.
O silogismo de Percival pode ser adaptado, portanto, para ilustrar melhor
como é possível que não haja uma inferência válida mesmo com premissas e
conclusão verdadeiras: Todos os patos têm dois pés; Donald tem dois pés; logo,
Donald é um pato. Mesmo que se saiba ser verdadeira a existência de um pato
chamado Donald e que ele e todos os patos têm dois pés, ainda assim não é
possível afirmar que o silogismo acima seja formalmente correto. Mesmo porque os
termos ali utilizados violam as condições estabelecidas por Aristóteles, para quem o
silogismo analítico deve ser composto “de premissas verdadeiras e primárias ou tais
que tenhamos extraído o nosso conhecimento original delas através de premissas
primárias e verdadeiras” (ARISTÓTELES, Tópicos I 1, 100a25). Ora, a existência de
um pato chamado Donald não é um dado primário e verdadeiro. Por isso há um
evidente vício formal neste silogismo. Quanto à correção material (ou seja, quanto à
veracidade do conteúdo presente nas premissas e na conclusão), a Lógica Formal
não é capaz de garanti-la. É preciso verificar a realidade fática para averiguar se as
premissas e a conclusão são verdadeiras ou não. Se o silogismo se apresentou
como materialmente correto em todos os três elementos, foi apenas por mera
coincidência, pois a lógica dedutiva não se atém às questões materiais. Estas
questões são, obviamente, de grande relevância em âmbitos argumentativos alheios
às ciências formais (ATIENZA, 2006, p 28).
20
3.1.1 O silogismo analítico aristotélico e o silogismo analítico moderno
No que tange aos silogismos analíticos e correção formal, faz-se necessário
evidenciar uma distinção muito importante entre duas espécies diferentes deste
silogismo. Há uma diferença entre aquilo que Aristóteles chama de raciocínio
analítico ou de demonstração e aquilo que é objeto de estudo da Lógica Formal
moderna, que reside justamente na natureza das premissas. Segundo Aristóteles, a
demonstração parte de premissas que são necessariamente verdadeiras e
universalmente aceitas como tal; já a Lógica Formal moderna é indiferente à
verdade das premissas e se preocupa apenas com a validade da inferência das
mesmas (se das premissas, sendo elas verdadeiras ou não, decorre a conclusão).
Em outras palavras, a Lógica Formal afirma que se determinadas proposições forem
verdadeiras, então infere-se logicamente que outras proposições também serão.
Para a Lógica Formal, escolha das premissas pode até mesmo ser arbitrária.
Segundo Aristóteles (Tópicos I 1, 100a28), “O silogismo é demonstração quando
procede de premissas verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos extraído o
nosso conhecimento original delas através de premissas primárias e verdadeiras”.
Conclui-se com isso que, para o filósofo estagirita, só se pode efetivamente falar em
demonstração quando não só o silogismo é formalmente correto, mas também
quando suas premissas são universal e logicamente verdadeiras.
Atienza analisa as consequências de se raciocinar com silogismos incorretos
do ponto de vista formal:
[...] a partir de premissas falsas pode-se argumentar corretamente do ponto de vista lógico; e, por outro lado, é possível que um argumento seja incorreto do ponto de vista lógico, embora a conclusão e as premissas sejam verdadeiras, ou pelo menos altamente plausíveis. Em alguns casos a lógica aparece como um instrumento necessário, mas insuficiente, para o controle dos argumentos (um bom argumento deve sê-lo tanto do ponto de vista formal quanto do material). Em outros casos é possível que a lógica (lógica dedutiva) não permita nem sequer estabelecer requisitos necessários com relação ao que deve ser um bom argumento; [...] um argumento não lógico – no sentido de não dedutivo – pode ser, contudo, um bom argumento. (ATIENZA, 2006, p. 28).
Sendo assim, mesmo considerando que os silogismos materialmente
incorretos são de pouca utilidade para a maioria das ciências, eles ainda são de
interesse para a Lógica Formal, desde que sejam formalmente válidos. A incorreção
21
formal de um silogismo analítico torna-o praticamente inútil para qualquer ciência, a
não ser pelo conteúdo de suas proposições considerados isoladamente, que pode
ser de interesse para as ciências argumentativas.
Concluindo essa explanação sobre o silogismo analítico, as observações de
Berti são ao mesmo tempo didáticas e reveladoras:
A situação concreta na qual pensa Aristóteles, ao teorizar a ciência apodíctica, é aquela constituída por um cientista, por exemplo um cultor de geometria que, já estando de posse da ciência em questão, se propõe a expô-la a outros, isto é, a ensiná-la. O discurso de tal cientista é, na essência, um monólogo, ainda que se volte aos ouvintes, porque estes últimos não têm nada a dizer e devem somente aprender, isto é, ser ajudados a ver com clareza o que lhes é ainda obscuro, por exemplo a verdade de determinado teorema. Demonstrar significa, com efeito, essencialmente mostrar a verdade de alguma coisa a quem a ignora, a partir da premissa segundo a qual a verdade é, ao contrário, já conhecida a quem a escuta; isto é, significa ensinar, no sentido mais rigoroso do termo. (BERTI, 1998, p.11. Grifou-se).
3.2 Phrónesis e silogismo prático
Antes da análise da contraparte do silogismo analítico, que é o silogismo
dialético, convém perscrutar a phrónesis aristotélica e como ela se desenvolve até
culminar no silogismo dialético.
A phrónesis, que pode ser traduzida como "sabedoria" ou "prudência"
(phrónimos é aquele que domina a phrónesis - um sábio ou prudente), já foi
considerada equivocadamente por alguns autores como a única forma de
racionalidade prática contida no corpus aristotelicum e, consequentemente,
a contraparte das ciências demonstrativas. Contudo, ao lado da phrónesis há
também a filosofia prática, segundo afirma Berti (1998, p. 115 e seguintes). O
mesmo autor (1998, p. 143-144) ainda assevera que, apesar de as duas formas de
racionalidade possuírem muitos pontos em comum (e que, até Platão, uma se
confundia com a outra), a distinção entre as duas só surgiu com Aristóteles. A
análise da phrónesis é um tópico que pode provocar certa confusão, dada a
classificação das virtudes da razão explanadas por Aristóteles em Ética a Nicômaco.
Berti ensina que a phrónesis é descrita por Aristóteles no Livro VI de Ética a
Nicômaco, onde o filósofo estagirita explica a classificação da alma e suas
subdivisões. Passa-se agora a analisar cada uma delas para em seguida situar a
phrónesis.
22
A parte racional da alma (diánoia) se subdivide em duas outras partes: a
primeira, chamada científica ou epistemonikón é a que trabalha com princípios
necessários e busca a verdade pura e simples. Além de abarcar, naturalmente, as
ciências teoréticas, é curioso notar que esta divisão da razão também lida com as
ciências práticas (BERTI,1998, p. 144). Apesar de aqui parecer haver uma
incongruência, já que a teoria aristotélica tende a expor theoria e práxis como
instâncias antagônicas (ou, no mínimo, diversas), o filósofo italiano explica esta
aparente inconsistência afirmando que, enquanto as ciências teoréticas tratam de
objetos necessários ou com princípios necessários, as ciências práticas tratam de
princípios "geralmente" necessários (1998, p. 144). Aqui se deve dar menos atenção
à dicotomia theoria X práxis e mais atenção ao ponto em comum de que são ambas
ciências. Isto autoriza o leitor a equiparar as ciências práticas às teoréticas no nível
epistemológico, pelo menos no que diz respeito à instância da razão que cuida de
ambas. Considerando que a razão científica abrange as ciências, pode-se afirmar
que o produto desta parte da alma racional é a verdade, pura e simples, quando
corretamente empregada. Evidentemente, seu mau uso produz falsidades.
A segunda divisão da alma racional (ou da razão, simplesmente), é chamada
calculadora ou logistikón. Neste âmbito da razão se encontram as atividades
deliberativas da ação humana. Como já se disse antes, se há espaço para a
deliberação, não há necessidade, mas sim contingência. Aqui há mais uma fonte de
possível confusão: o aspecto "calculador" desta divisão da razão a que se refere
Aristóteles não se trata de um cálculo matemático, com números e operações
aritméticas (o que estaria abarcado pela razão científica, a outra parte da alma
racional), mas sim da avaliação de que medidas tomar para atingir um objetivo
determinado. O caminho percorrido entre o desejo de se fazer algo e a ação
propriamente dita é fornecido por Aristóteles, aqui explicado por Berti:
[...] Aristóteles explica que a ação (práxis) tem como princípio a "escolha" (proháiresis), a qual é o resultado do encontro entre o desejo de chegar a certo fim e o cálculo dos meios necessários para alcançá-lo, ou "deliberação". Quando do desejo é reto, isto é, é voltado para um fim bom, e o cálculo verdadeiro, quer dizer, quando indica os meios realmente necessários, tem-se a "verdade prática." (BERTI, 1998, p. 144-145. Grifou-se).
23
Assim, tem-se que o desejo é o que impulsiona o indivíduo a raciocinar com
um fim em vista, ou seja, sobre o que deve fazer para atingir seu objetivo. Esta
etapa do raciocínio envolve o intelecto e justamente a razão em sua parte
calculadora, no sentido de que o indivíduo deve calcular as medidas que deve tomar
para alcançar seu propósito final. A etapa seguinte consiste na deliberação, ou seja,
a escolha de uma providência a ser tomada conforme se mostre a mais adequada
para o escopo em questão. É exatamente aqui que se observa o caráter deliberativo
deste âmbito da razão, uma vez que atua num ambiente de princípios contingentes,
ou seja, que poderiam ser de outra forma. O indivíduo deve então fazer uma escolha
(proháiresis) acerca de uma das providências possíveis e somente então proceder
para a ação (práxis) propriamente dita. Quando a finalidade que o indivíduo busca é
boa em si mesma e quando a deliberação que faz para alcançá-la é correta, o
resultado final deste exercício é chamado de "verdade prática", um conceito que
Berti afirma ser "de todo estranho tanto à ciência como à ética modernas e
contemporâneas" (1998, p. 145).
Explorada a subdivisão da razão realizada por Aristóteles, cabe agora
analisar a relação da phrónesis propriamente dita com o que foi afirmado sobre as
partes da alma racional. Como é fácil perceber, a phrónesis identifica-se com a
razão deliberativa, pois consiste justamente na "[...] capacidade de deliberar bem, ou
seja, de calcular exatamente os meios necessários para alcançar um fim bom."
(BERTI, 1998, p. 146). É um phrónimos (sábio ou prudente) aquele que emprega
bem a razão deliberativa ou calculadora. A phrónesis revela-se, assim, como a
virtude mais elevada da logistikón, ou seja, a faculdade mais nobre da parte
deliberativa da alma racional. Como ela integra a razão e visa a uma finalidade boa
em si mesma, é ao mesmo tempo uma capacidade racional e uma virtude moral,
dado que é preciso ser bom (ou pelo menos tentar sê-lo) para buscar o bem. Como
consequência disso, Berti afirma que "a phrónesis não admite que haja uma virtude
dela, isto é, o seu aperfeiçoamento, na medida em que já é perfeição ela
mesma" (1998, p. 148). Esta forma da racionalidade, portanto, é perfeita em si
mesma na medida que nada mais é do que a busca da verdade prática, que é a
verdade de acordo com o desejo reto (BERTI, 1998, p. 144). Para que se busque
uma verdade prática utilizando-se da phrónesis, é preciso que o indivíduo já esteja
imbuído de uma motivação moralmente boa e justa para alcançar um fim bom. Berti
conclui afirmando que "na phrónesis o momento cognitivo e o prático estão íntima e
24
reciprocamente vinculados" (1998, p. 148). Isso se dá pelo fato de que ela agrega o
intelecto (no momento do cálculo, ou deliberação, das providências a serem
tomadas para que o fim seja atingido), e a prática (no momento da tomada de
decisão e execução das medidas que resultarão na concretização do objetivo final).
Não obstante o fato de pertencerem a diferentes âmbitos da razão, phrónesis
e filosofia prática possuem diversas características em comum. Esta pertence à
parte científica e não contingente da razão, enquanto aquela pertence ao âmbito
deliberativo e contingente da razão. Como pertence à parte calculadora da razão, a
phrónesis não é uma ciência (pois estas pertencem à parte científica), ao contrário
da filosofia prática. Não obstante, é possível afirmar que a phrónesis possui um
caráter político assim como filosofia prática (que não por acaso também pode ser
chamada de ciência política), já que ambas tratam daquilo que é o bem último para o
homem ou para a cidade. Também é possível afirmar que ambas necessitam de
comedimento ou temperança por parte daquele que a exerce, uma vez que as
paixões podem influenciar o raciocínio que leva à práxis, como explica Berti (1998,
p. 148): "[...] o prazer pode corromper os juízos que se referem às ações, justamente
por poder induzir a escolher as ações que levem a ele". Tanto a filosofia prática
quanto a phrónesis requerem daquele que as pretende empregar uma certa
experiência de vida, já que lidam com casos particulares (BERTI, 1998, p. 148). A
ação só pode se concretizar em instâncias individuais (em oposição a
conhecimentos universais, tratados pela razão científica). Ambas requerem a
vivência de muitas experiências individuais, e isso é algo que demanda tempo, razão
pela qual é pouco provável que exista um phrónimos jovem. Estas inter-relações são
bem explicadas por Berti:
O caráter prático, isto é, concernente á ação, próprio da phrónesis exige, portanto, que ela possua o conhecimento dos casos individuais, pois a ação se produz sempre em situações individuais: por isso a phrónesis requer certa experiência, que é justamente o conhecimento dos particulares. A phrónesis, contudo, inclui, em alguma medida, também o conhecimento do universal, no sentido de que deve saber aplicar ao caso individual uma característica geral [...]. (BERTI, 1998, p. 149)
Aqui começam a despontar as características do silogismo prático, no sentido
de que, para se realizar uma ação (práxis), não basta apenas que se saiba como as
coisas em geral funcionam (características universais). É preciso também conhecer
25
os casos particulares e saber aplicar o universal ao particular. Berti conclui
explicando como a phrónesis e a filosofia prática operam coordenadamente para
criar uma verdade prática: "[...] Aristóteles deixa bem clara a relação entre filosofia
prática e phrónesis: a primeira conhece o universal, por isso dá as diretrizes mais
gerais, enquanto a segunda conhece o particular, por isso aplica as diretrizes gerais
ao caso particular, ou igualmente individual." (BERTI, 1998, p. 149).
Percebe-se como existem diversas relações e interpolações entre a as duas
formas de racionalidade aqui abordadas. Estas relações são essenciais para
entender o raciocínio que decorre da phrónesis, chamado de silogismo prático, e seu
uso no direito. Como já se disse anteriormente, o silogismo prático é o resultado do
raciocínio realizado pela phrónesis, uma forma de racionalidade que goza de
autonomia em relação às ciências teóricas e práticas e à filosofia prática (embora
com esta guarde notáveis semelhanças). Fazendo um paralelo entre a phrónesis e o
silogismo dialético, Berti (1998, p. 152) afirma que o objetivo último (o bem supremo)
da phrónesis é expresso na premissa maior do silogismo, enquanto que o meio para
se realizá-lo aparece na premissa menor. A conclusão, obviamente, é a efetiva
realização da ação escolhida. Berti conclui esta análise relembrando a
pressuposição de uma virtude moral do phrónimos, uma vez que a phrónesis é
exatamente a virtude de se saber deliberar sobre os melhores meios para se atingir
o bem supremo (1998, p. 153); que não se pode deliberar sobre este bem supremo,
apenas sobre os meios para que ele seja alcançado (1998, p. 154); e, por fim, que
"[...] para que haja phrónesis, isto é, para ser sábio, não é necessário ser filósofo,
nem sequer filósofo prático, mas é necessário como vimos, ser temperante, isto é,
bom de caráter." (1998, p. 154).
3.3 Silogismo dialético
Rememorando o que foi dito no início do item 3.1 (Silogismo Analítico)
quando se analisou brevemente a ciência apodítica, viu-se que o ato de ter ciência
de alguma coisa (conhecer algo ou saber de algo) equivale a ser capaz de deduzir
conclusões a partir de premissas primárias e indemonstráveis. Essas premissas são
denominadas por Aristóteles como princípios (Analíticos Posteriores, I 2, 72a7) e são
particulares de cada ciência. Como estes princípios são essenciais para as ciências
demonstrativas, Berti (1998, p. 12) supõe que deva haver uma ciência ou forma de
26
conhecimento que tenha por objetivo investigá-los. Consoante o que foi exposto
acima, o estudo destes princípios, por não ter a possibilidade de se valer da
demonstração para conhecê-los, não pode ser considerado uma ciência
propriamente dita. Ao conhecimento destes princípios particulares Aristóteles dá o
nome de noûs, que é, mais precisamente, o conhecimento das definições, ou seja, o
conhecimento do que as coisas são. Importante lembrar, mais uma vez, que as
definições a que aqui se refere são, como já se viu, indemonstráveis. Berti (1998)
optou por traduzir noûs como inteligência, o que se considera bastante adequado,
uma vez que essa inteligência é um núcleo de conhecimento mínimo, o ponto de
partida que permite aos indivíduos estruturar silogismos e chegar a conclusões.
Prosseguindo na análise da definição de Aristóteles, tem-se que o segundo
tipo de silogismo por ele mencionado é o silogismo dialético ou entimema, que “é
aquele no qual se raciocina a partir de opiniões de aceitação geral.”
(ARISTÓTELES, Tópicos I 1, 100a30). O mesmo filósofo ainda acrescenta a esta
definição (Tópicos I 1, 100b20) a noção de que “opiniões de aceitação geral, por
outro lado, são aquelas que se baseiam no que pensam todos, a maioria ou os
sábios, isto é, a totalidade dos sábios, ou a maioria deles, ou os mais renomados e
ilustres entre eles.”
Percebe-se que no silogismo dialético, ao contrário do que foi exposto no
silogismo analítico, não há o caráter de necessidade que está presente e é essencial
ao raciocínio demonstrativo. As premissas que compõem o silogismo dialético, ao
contrário do que ocorre na dedução aristotélica, não são axiomas, ou seja, verdades
evidentes e independentes de qualquer comprovação, mas nada mais do que pontos
de partida (topoi) sobre os quais os indivíduos envolvidos na discussão possuem um
mínimo de consenso suficiente para que um debate deles se inicie. E, sobre os
assuntos que admitem discussão e debate, as respostas não aparecem revestidas
de evidência ou necessidade.
A explicação do que são os topoi é feita pelo próprio Aristóteles em Retórica,
aqui citado por Viehweg:
Falamos de Topoi em relação aos raciocínios dialéticos e retóricos. Os topoi referem-se indistintamente a diferentes objetos jurídicos, físicos, políticos e a muitos outros de espécie diferente, como por exemplo, o topos do mais e do menos: partindo-se dele, pode-se obter um silogismo ou um entimema sobre objetos do Direito, como sobre outros pertencentes tanto à Física como a qualquer outra Ciência, ainda que estas disciplinas sejam, entre si,
27
de natureza distinta. Os princípios próprios, ao contrário, pertencem ao número de proposições que se incluem dentro de um gênero e espécie particulares; há, por exemplo, em Física, proposições que não permitem nenhum silogismo nem nenhum entimema em questões éticas e, ao contrário, proposições de Ética que não as permitem em questões da Física. (ARISTÓTELES apud VIEWHEG, 1979, p. 26).
Como Viehweg sintetiza em seguida, os topoi são, “pontos de vista utilizáveis
e aceitáveis em toda parte, que se empregam a favor ou contra o que é conforme a
opinião aceita e que podem conduzir à verdade” (VIEHWEG, 1979, p. 27). Utilizando
os topoi como um ponto de partida, é possível de desenvolver raciocínios dialéticos.
Estas observações são complementadas pelo delineamento que Aristóteles faz da
dinâmica da dialética, logo no início do Livro VIII dos Tópicos:
Aquele que está prestes a fazer indagações necessita, antes de qualquer coisa, escolher o terreno [topos] do qual deve desferir seu ataque; em segundo lugar, precisa formular suas questões e organizá-las uma a uma em sua própria mente; em terceiro e último lugar, deve proceder a dirigi-las a uma outra pessoa. (ARISTÓTELES, Tópicos VIII 1, 153b4. Grifos no original).
Vê-se como a filosofia aristotélica considera a natureza do problema em
análise essencial para a determinação do método a ser empregado em sua
resolução. Não havendo possibilidade de uma conclusão necessária e evidente, é
preciso dar lugar ao debate. E se há lugar para o debate sobre uma determinada
questão, não há que se falar em uma única resposta correta. Como sintetiza
Perelman (2005, p 1) “[...] não se delibera quando a solução é necessária e não se
argumenta contra a evidência”. Fica clara, então, a diferença entre a apodítica e a
dialética: na apodítica tem-se apenas um monólogo, típico de situações de ensino
em que o professor demonstra algo que cabe ao aluno apenas entender; na
dialética, por outro lado, pressupõe-se um debate (BERTI, 1998, p. 19).
Perelman acrescenta ainda que, para Aristóteles, “no entimema não são
enunciadas todas as premissas – subentende-se que são conhecidas ou aceitas
pelo auditório – e aquelas em que nos fundamentamos seriam apenas verossímeis
ou plausíveis.” (PERELMAN, 2004, p. 2). No âmbito da argumentação, portanto, é
inviável enunciar todas as premissas e os termos relacionados à questão sendo
discutida. Esta impossibilidade se dá pelo fato de estas premissas e termos serem
inúmeros. A mera enumeração de todos eles seria uma tarefa interminável e sempre
28
aberta a reconsiderações. Não obstante, presume-se que o auditório (ou seja, as
pessoas que participam do debate e às quais os argumentos são dirigidos)
conheçam essas premissas ou que delas tenham uma noção básica.
Alves e Lima (2011a, p. 14) exemplificam o silogismo dialético ou entimema:
A indústria X possui máquinas que funcionam 24 horas por dia;
As máquinas da indústria X produzem barulho ensurdecedor enquanto ligadas;
A indústria X fica localizada em zona residencial de determinada cidade;
Os vizinhos da indústria X se sentem muito incomodados com o barulho;
Logo, a indústria X deve ser desativada.
O silogismo acima é estruturado de forma semelhante à do silogismo
analítico, no sentido de que é composto de várias premissas que levam a uma
conclusão. Entretanto, existem diferenças essenciais, como aquelas apontadas por
Margutti Pinto (2015) acima, a saber: o silogismo dialético em análise tem muito
mais termos do que os três que essencialmente compõem o silogismo
demonstrativo; existem mais premissas envolvidas além de apenas duas; é possível
adicionar ou remover premissas de acordo com a necessidade argumentativa; nem
todas as premissas guardam relação de subordinação entre si (no sentido de uma
estar contida dentro da outra); nenhuma das premissas pode ser considerada
evidentemente verdadeira, por não gerar convicção por si própria; por fim, talvez a
mais importante distinção presente neste silogismo seja a conclusão, que aqui não
possui a mesma obrigatoriedade existente no silogismo que concluiu ser José
mineiro. Tem-se, portanto, que a conclusão do silogismo dialético não é
consequência direta e necessária da inferência que se faz das premissas, mas sim
uma decisão informada (e não determinada) pelas premissas. Perelman (2004, p. 3)
sintetiza:
Enquanto no silogismo [analítico] a passagem das premissas à conclusão é obrigatória, o mesmo não acontece quando se trata de passar dos argumentos à decisão: tal passagem não é de modo algum obrigatória, pois se o fosse não estaríamos diante de uma decisão, que supõe sempre a possibilidade quer de decidir de outro modo, quer de não decidir de modo algum.
29
Atienza (2006, p. 32) complementa a ideia e ainda faz um alerta sobre a
dicotomia dedução/indução:
A esse tipo de argumentos, nos quais a passagem das premissas à conclusão não é necessariamente feita, chama-se às vezes de argumentos indutivos ou não dedutivos. Deve-se ter em conta, no entanto, que por “indução” não se entende aqui a passagem do particular para o geral [...] Além do mais, os argumentos desse tipo são (ou podem ser) bons argumentos, pois há muitas ocasiões em que nos deparamos com a necessidade de argumentar, sem que, no entanto, seja possível utilizar argumentos dedutivos.
O mesmo autor apresenta outro exemplo de aplicação de um silogismo não
dedutivo:
Vejamos este exemplo, extraído de uma sentença recente da Audiência Provincial de Alicante (n. 477/89). A e B são acusados do delito de tráfico de drogas tipificado no art. 433 do Código Penal, com a concorrência da circunstância agravante do art. 344 rep. a) 3.º, pois a quantidade de heroína apreendida com eles (mais de 122 gramas de heroína pura) é considerada – de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal – de “notória importância”. A droga tinha sido encontrada pela polícia numa bolsa, escondida no travesseiro de uma cama de casal, situada no quarto de um apartamento onde – quando a polícia entrou para efetuar a verificação – estavam A e B (um homem e uma mulher respectivamente). Na audiência o advogado de defesa e os acusados, A e B, sustentaram que, embora os dois últimos vivessem juntos no mesmo apartamento, eles não mantinham mais que uma relação de amizade, dormiam em quartos diferentes e, concretamente, B não tinha conhecimento da existência da droga. Em decorrência disso, o advogado de defesa, em suas conclusões definitivas, solicitou a absolvição de B. Entretanto a sentença, num de seus “antecedentes do fato”, considerou “fato provado” que A e B compartilhavam o quarto referido e que, conseqüentemente, B tinha conhecimento e havia participado da atividade de tráfico de drogas, da qual ambos eram acusados. (ATIENZA, 2006, p. 32-33).
O caso em análise pode ser esquematizado de forma silogística da seguinte
maneira (ATIENZA, 2006, p. 33):
Havia apenas uma cama desfeita na casa.
Eram 6 horas da manhã quando ocorreu a verificação.
Toda a roupa e os objetos pessoais de A e B estavam na mesma habitação em que se encontrava a cama.
Meses depois, A se refere a B como “minha mulher”.
Logo, na época em que se realizou a verificação, A e B mantinham relações íntimas (e, conseqüentemente, B sabia da existência da droga).
30
Entretanto, como alerta o mesmo autor (2006, p. 33), é necessário fazer a
ressalva para o fato de que os argumentos acima apresentados possam estar
equivocados. Isso certamente poderia levar a uma conclusão igualmente equivocada
do ponto de vista material (condenando um indivíduo inocente ou inocentando um
indivíduo culpado):
[...] teoricamente é possível que B tivesse acabado de chegar em casa às 6 da manhã, que seus objetos pessoais estivessem na casa de A porque ele pensava em fazer uma limpeza em regra nos armários, e que, depois da detenção de ambos, a amizade existente entre eles tivesse se convertido numa relação mais íntima.
É necessário ressaltar, porém, que mesmo havendo algumas premissas
falsas, não se segue necessariamente que a conclusão seja também falsa. Haveria
apenas uma redução da plausibilidade ou aceitabilidade da conclusão. Num âmbito
argumentativo, isso representaria o baixo poder de persuasão ou convencimento da
conclusão perante o auditório a que ela é apresentada. Não obstante, se o auditório
já se mostrasse inclinado àquela conclusão, é provável que a aceitasse mesmo
levando em consideração sua fraca capacidade de persuadir ou convencer.
Sumariza Atienza (2006, p 25):
[...] o argumento não tem caráter dedutivo, pois a passagem das premissas à conclusão não é necessária, embora altamente provável. Se se aceita a verdade das premissas, então existe uma razão forte para aceitar também a conclusão, embora, é claro, não possa haver certeza absoluta [...]
Alves e Lima (2011a, p. 15) concluem, tendo em vista o primeiro exemplo de
silogismo dialético (indústria X):
Vê-se, com isso, que o entimema ou silogismo prático não é dotado da obrigatoriedade que permeia os raciocínios dedutivos. A decisão (e não a conclusão) de desativar a indústria X pode ser sensata, plausível ou desejável, mas nunca será logicamente obrigatória. Ainda que a indústria X, localizada em zona residencial, tenha maquinários funcionando 24 horas por dia, produzindo barulho ensurdecedor e que isso incomode muito todos os vizinhos, não se pode concluir com absoluta certeza que este quadro levará, inexoravelmente, à desativação da indústria, como foi concluído no exemplo. Muitas outras decisões podem ser tomadas: a indústria pode mudar de endereço, o período de funcionamento dos maquinários pode ser reduzido ao horário comercial, máquinas menos ruidosas podem substituir as que atualmente são empregadas, etc. Seria até mesmo factível que nenhuma providência fosse tomada diante da situação, permanecendo o incômodo dos vizinhos.
31
Segundo Berti (1998, p. 20-21), é possível afirmar que a atividade dialética
em geral (e não o silogismo dialético propriamente dito) se origina da formulação de
um problema que pode ser expresso em uma pergunta genérica (no sentido de que
não se atém às particularidades de uma ciência apodítica, por exemplo). A típica
pergunta genérica é aquela que perscruta sobre a essência de algo, ou seja, uma
pergunta sobre o que é determinada coisa (por exemplo, “o que é Deus?”), estando
a resposta aberta a diversas possibilidades. Como a dialética se desenvolve num
âmbito de diálogo entre pelo menos duas pessoas ou dois “lados” defendendo
pontos de vista diferentes, esta pergunta sobre a essência é seguida por uma série
de respostas possíveis e contestações destas mesmas respostas, de modo a fazer
um dos interlocutores entrar em contradição e sua tese ser abandonada. Se o
debatedor não se contradiz, não há motivo para que sua tese seja abandonada, mas
tampouco implica obrigatoriedade de se adotá-la, uma vez que no âmbito dialético
não há resposta necessariamente correta, pois “[...] a discussão será possível só a
propósito de possibilidades, ou seja, de hipóteses determinadas.” (BERTI, 1998, p.
21).
Toda esta dinâmica da prática dialética pode ser entendida como uma
atividade de formação de silogismos dialéticos, no sentido de que a pergunta
inicialmente formulada pode ser respondida por uma hipótese, uma afirmativa
hipotética. A partir deste ponto, o interlocutor que não formulou a resposta hipotética
e que provavelmente tem uma opinião diferente, procura submeter esta hipótese à
prova, formulando diversas perguntas sobre esta resposta. Estas perguntas têm a
finalidade de se obter premissas que vão fornecer conteúdo para auxiliar a
discussão. Em seguida, dá-se lugar ao argumentar, que é a dedução de conclusões
das premissas – ou seja, a produção de silogismos, conforme as regras explicitadas
nos Analíticos Anteriores. Estes silogismos buscam apontar contradições nas teses
do outro interlocutor (ou interlocutores, caso haja mais de um), sendo por isso
chamadas de refutações. A refutação, por sua vez, é a melhor forma de por à prova
uma tese. Se a tese falha perante a refutação, deve ser abandonada, uma vez que é
contraditória. Se é bem sucedida, há fortes motivos para que seja mantida sem que
com isso tenha qualquer status de verdade inquestionável, mas apenas de verdade
possível (BERTI, 1998, p. 21-22).
32
Neste ponto é importante que se tenha em mente que a dialética não se
resume a um exercício fútil em que dois indivíduos se esforçam para refutar um ao
outro até a morte. Se a isso se reduzisse, correr-se-ia o risco de que a discussão
jamais começasse, uma vez que os interlocutores jamais entrariam em acordo sobre
nada, nem mesmo os pressupostos para o início de uma discussão. É por isso que
os indivíduos que se propõem a empreender uma discussão racional se submetam a
algumas regras básicas. A maioria dessas regras, como exemplifica Berti (1998, p.
22) são regras básicas de lógica formal, como a que afirma que a refutação de uma
tese (ou seja, a demonstração de que ela é contraditória consigo mesma ou com
outra afirmação feita por quem a utiliza) implica em sua falsidade ou, ao menos,
indica que ela não poderá ser usada na discussão e deve ser abandonada. As
demais regras a que os interlocutores devem se submeter são na verdade
premissas que devem ser conhecidas por todos, chamadas éndoxa (BERTI, 1998, p.
22). Por “conhecidas por todos” quer-se dizer que tanto os interlocutores quanto os
seus ouvintes (ou leitores) devem as ter aceitado previamente, implícita ou
explicitamente. Essas premissas éndoxa servem então como parâmetro de
razoabilidade para uma discussão ou debate, no sentido de que aquele debatedor
que recusar ou violar algum éndoxon contradiz-se com o próprio público (ou
auditório) a que se dirige e que é de certa forma o juiz do debate. O debatedor que
incorre em tal descuido abre-se para uma refutação do seu oponente ou, na pior das
hipóteses, acaba fazendo papel de ridículo perante o público por não aceitar aquilo
que para este é cediço. Como resume Berti (1998, p. 23): “Para o público, com
efeito, o que é éndoxon deve ser aceito, enquanto o que é contraditório deve ser
refutado”.
Espera-se ter conseguido explicitar a ideia, originalmente exprimida por
Aristóteles, de que os dois tipos de silogismo aqui analisados podem ser
empregados em diferentes situações para se obter diferentes resultados, e que
estes resultados variam de acordo com a natureza do problema colocado em
análise. Rememorando o posicionamento de Atienza (2006, p. 32): “há muitas
ocasiões em que nos deparamos com a necessidade de argumentar, sem que, no
entanto, seja possível utilizar argumentos dedutivos”, pode-se concluir que somente
analisando a natureza do problema em questão é que se pode concluir pela
necessidade de aplicação de raciocínios demonstrativos ou entimemáticos.
33
4 A MUDANÇA DE PARADIGMA NO DIREITO
Uma mudança de paradigmas ocorreu após o tempo de Aristóteles, verificável
já no final da Antiguidade. A tradição ocidental, sobretudo na Idade Moderna,
interpretou a obra aristotélica no sentido de que o silogismo analítico deveria ser
aplicado a todas as ciências (que hoje são entendidas como ciências formais),
enquanto o silogismo dialético deveria ser aplicado nas deliberações e debates. A
complexa teoria da lógica estruturada pelo filósofo, que dispensava igual importância
aos silogismos analíticos e dialéticos, passou a ser enxergada quase que
exclusivamente pelo ponto de vista demonstrativo científico. As formas
argumentativas de racionalidade, como a retórica e a dialética, adquiriram caráter
acessório e foram relegadas a um segundo plano, pois não eram mais consideradas
como meios seguros para a produção de saber humano.
Até o período dos romanos, esta distinção teoria versus prática ainda era
entendida em termos relativamente semelhantes aos propostos por Aristóteles:
Os romanos, sob influência da filosofia prática de Aristóteles, concebiam a prudentia como essencial ao direito, no moldes da phrónesis (discernimento do certo e do errado, sabedoria prática) e da epieikeia (equidade, justo concreto) aristotélicas, ou seja, como uma virtude moral de equilíbrio e de ponderação nos atos de julgar. O direito antigo é assim uma arte (ars boni et aequi) e não uma ciência, é um saber prático e não teórico. Por isso o saber jurídico romano é transmitido basicamente por meio dos responsa, ou seja, das opiniões dos jurisconsultos a casos específicos, o que ressalta o aspecto prudencial e prático, do saber julgar e discernir o bem e o justo em um caso concreto. (ALVES; LIMA, 2011b, p. 9-10).
A partir da Escola de Bolonha ou dos Glosadores, grande precursora do
direito erudito, tendeu-se a repensar a atividade jurídica nos moldes da ciência,
segundo o que Aristóteles chamou de theoria, alijando-a do seu aspecto de práxis.
Muito embora tenham tido grande influência dos romanos, particularmente do
Corpus Iuris Civilis, os glosadores se distanciaram das noções romanas que
primavam a ética e a prudência como aspectos essenciais do direito. A ideia do
direito como uma ciência formal e sistemática ganhou então grande força.
Este novo modelo, que considera somente a demonstração apodítica meio
idôneo para a obtenção de conhecimento verdadeiro em todas as áreas do saber
humano, teve influência direta no direito. A tendência de “cientificização” do direito já
é percebida desde o final da Idade Média, aproximando-o da theoria aristotélica.
34
Como explica Enrico Berti, “A única forma de racionalidade atribuída a
Aristóteles pela cultura moderna, a partir de Francis Bacon, é a de tipo silogístico-
dedutivo, especificada em um Organon praticamente reduzido só aos Analíticos”
(1998, p. X). O mesmo autor afirma que a restrição da lógica aristotélica aos
raciocínios dedutivos já era prática comum antes do tempo de Bacon, e mesmo
aqueles que tinham em conta a importância da indução no pensamento do filósofo
consideravam-na uma ferramenta sem regras a ditar o modo de proceder e incapaz
de levar o investigador a uma conclusão. Sendo este o modo que pensava
Aristóteles na época, não é de se surpreender que à sua teoria tenham sido
contrapostas as “experiências sensatas”, derivadas de experimentos, por Galileu, e
o método cartesiano da análise matemática (BERTI, 1998, p. XI).
Com o passar do tempo, portanto, verificou-se uma tendência no pensamento
filosófico ocidental de alinhamento com a racionalidade demonstrativa. Ainda que,
como se argumentou anteriormente, o arcabouço lógico aristotélico afirme que a
natureza do problema é que dita o método a ser empregado em sua solução, a
Modernidade compreendeu que todo o conhecimento poderia ser desvendado de
forma demonstrativa. A influência do movimento de formalização e sistematização
do Direito foi tamanha, que até mesmo outras áreas do conhecimento de caráter
eminentemente argumentativo passaram a adotar estes moldes.
Assim, nos séculos XVII e XVIII a dialética foi relegada a um segundo plano,
uma vez que não se consideravam as deliberações e debates como ambientes de
produção de conhecimento verdadeiro. Ao contrário, eram tidos como uma forma
primitiva de obtenção de um conhecimento obscuro, se comparado ao o saber
seguro, sólido e claro que a Lógica Formal é capaz de proporcionar. Este período de
crise para a dialética está intimamente associado à emergência do novo modelo de
saber promovido por Descartes e fundado no método matemático e na evidência
como únicos meios aceitáveis para a produção de conhecimento válido. Não sem
razão, portanto, a palavra retórica tem conotações negativas até os dias de hoje.
A contribuir para a formação deste novo paradigma, alguns pensadores
podem ser mencionados:
35
Immanuel Kant, por exemplo, na arquitetônica da Crítica da razão pura1,
retoma elementos da tradição aristotélica, separando a lógica em analítica e dialética. Entretanto, ele atribui à dialética um sentido negativo, sendo ela uma pretensão ilusória, que não passa de uma arte sofística, procurando fornecer um colorido de verdade à própria ignorância pessoal e embelezando qualquer procedimento vazio.
Também em Arthur Schopenhauer encontramos essa mesma deturpação do antigo sentido da dialética: sua única preocupação é com a derrota das teses alheias e com a defesa das próprias afirmações, estando a verdade colocada de lado.
2 Como ao mestre da esgrima, a quem só interessa
acertar e defender, também ao dialético pouco importa a razão do litígio, sendo sua atividade uma mera “esgrima intelectual” que não deve aventurar-se na verdade, pois cabe à lógica o estudo da pura verdade objetiva.
3 (ALVES; LIMA, 2011b, p. 9).
Não obstante, Descartes é provavelmente o autor que mais contribuiu para a
consolidação de uma ideia de razão embasada exclusivamente nos raciocínios
apodíticos. Sua posição em Discurso do Método sumariza o pensamento Moderno
de forma emblemática: “[...] considerando quantas opiniões diversas pode haver
sobre uma mesma matéria, todas sustentadas por pessoas doutas, sem que seja
verdadeira, eu reputava quase como falso tudo o que era apenas verossímil.”
(DESCARTES, 1996, p. 12, grifou-se). Impossível não notar a dissonância de tal
pensamento se comparado à definição de silogismo dialético de Aristóteles. O
filósofo antigo admite o raciocínio (dialético) “a partir de opiniões de aceitação geral”,
sendo estas “aquelas que se baseiam no que pensam todos, a maioria ou os sábios,
isto é, a totalidade dos sábios, ou a maioria deles, ou os mais renomados e ilustres
entre eles.” (Tópicos I 1, 100b20).
Descartes representa, então, a consolidação de um novo modo de
pensamento que pretendeu restringir o uso da dialética e da retórica aristotélica ao
âmbito das deliberações e dos debates, tornando-as obsoletas enquanto métodos
de investigação e de produção de conhecimento científico relevante para as ciências
formais. Por ciências formais, refere-se às ciências cujas atividades primordiais
1 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5ª ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 96; KANT, Immanuel. Lógica. Editado por Gottlob Benjamin Jäsche. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992, p. 16-17.
2 SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. Organização e
ensaio de Franco Volpi. Tradução de Alexandre Krug e Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 17.
3 SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. Organização e
ensaio de Franco Volpi. Tradução de Alexandre Krug e Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 17.
36
envolvem principalmente deduções ou silogismos analíticos (que não garantem a
veracidade do conteúdo de suas proposições, mas apenas a validade da inferência,
ou seja da passagem das premissas para a conclusão). Aqui, é importante salientar
como os discursos de tais atividades são diferentes. Como já se disse
anteriormente, o discurso das ciências formais é, primordialmente, um monólogo,
pois não presume a participação de um interlocutor que vá influenciar o conteúdo do
que é afirmado. Ainda que este discurso esteja sendo dirigido a um ouvinte (um
estudante, por exemplo), este não tem outro papel senão apreender o que lhe está
sendo dito. O falante apenas tenta ajudar o ouvinte a desvendar algo que lhe é
oculto, sem que as opiniões deste último tenham qualquer influência sobre o que
será desvendado (BERTI, 1998, p. 11).
Ocorre, contudo, que o próprio Aristóteles jamais chegou a traçar tal divisão
rígida entre ciências formais e argumentações (ou deliberações e debates). A
dicotomia estabelecida pelo filósofo é entre teoria e prática (theoria X praxis), muito
embora reconheça que ambos são passíveis de tratamento racional. Como a
modernidade ocidental enfatizou o modelo de theoria como o único válido para uma
ciência (quando na verdade, o próprio Aristóteles reconhecia como ciência tanto as
atividades teóricas quanto as práticas), resultou tal tratamento numa espécie de
“cegueira” para a especificidade das matérias argumentativas. Estas também são
ciências, segundo Aristóteles, mas devem ser trabalhadas por um método próprio,
dada a peculiaridade de não poderem ser desvinculadas da atividade prática.
Enrico Berti dá notícia de outros intelectuais que, até o final do séc. XIX e
início do séc. XX, conferiram à dialética aristotélica um caráter subalterno ou inferior
às ciências apodíticas. Apesar de reconhecer que estes autores admitiam o caráter
dialético da filosofia prática de Aristóteles, Berti (1998, p. 141) afirma que os liberais
ingleses Alexander Grant e John Burnet consideravam-no como um sinal de falta de
cientificidade. Já Wilhelm Hennis e Günther Bien, neo-aristotélicos conservadores
considerados reabilitadores da filosofia prática, “interpretaram o caráter dialético da
filosofia prática como expressão de um grau de cientificidade inferior ao das ciências
teoréticas, o que, igualmente, não é verdadeiro” (1998, p. 141). Helmut Kuhn, de
orientação católico-tradicional, confere à dialética uma função propedêutica, ou seja,
introdutória, tanto na filosofia prática quanto em outras ciências que também fazem
uso dela. Este autor ainda afirma, nas palavras de Berti (1998, p. 141), que “a
filosofia prática, pela contingência de seu objeto, é uma verdadeira ciência do
37
‘provável’ no sentido objetivo do termo (ou seja, aquilo que se aproxima do
verdadeiro, que tem alta probabilidade de sê-lo)”. Otto Pöggeler, por sua vez, apesar
de conferir à dialética um papel que vai além da mera verossimilhança subjetiva,
mantém-na como capítulo introdutório às ciências propriamente ditas.
Já Otfried Höffe, segundo Berti, representa algum avanço nesse sentido, pois
reputa o procedimento dialético como parte integrante das ciências de verdade, mas
integrando o momento heurístico (inventivo) da filosofia prática e da física e
metafísica. O procedimento apodítico, por sua vez, representa o momento expositivo
e didático das mesmas, segundo o autor. Berti (1998, p. 142) afirma ser o
posicionamento de Höffe o mais alinhado com os textos aristotélicos, sendo que a
consequência disso, como já se afirmou sobre a dialética, é que a filosofia prática de
Aristóteles pode ser reconhecida como uma ciência propriamente dita, ainda que
difira de outras em relação ao método utilizado, uma vez que é dotada de caráter
prático (orientado pra a ação).
Percebe-se, portanto, que a consolidação do modelo científico na
Modernidade pode ser traduzida por uma sobreposição da theoria em relação à
praxis aristotélicas. Esta última foi desacreditada como método idôneo à produção
de conhecimento seguro, dada a volatilidade dos juízos produzidos em âmbitos
argumentativos. A theoria passou a ser entendida como o único método válido para
a obtenção de conhecimento científico, e o conhecimento científico jurídico não é
exceção.
Esse processo caracterizou tanto o jusnaturalismo quanto o juspositivismo modernos, com a diferença de que no jusnaturalismo as premissas últimas eram consideradas evidentes, princípios universais racionais ou naturais, e no positivismo ou formalismo do séc. XIX as premissas do direito natural foram substituídas pela lei, pela norma posta pela autoridade competente. Mas o modelo lógico-dedutivo permanece basicamente o mesmo. (ALVES; LIMA, 2011b, p. 11)
Como consequência de todo este processo, o modo jurídico de pensar, bem
como as decisões judiciais, foram sendo estudados e entendidos de acordo com o
método científico dedutivo. O caráter prático da atividade jurídica foi, de certa forma,
ofuscado pelas certezas do silogismo dedutivo. É importante ressaltar, é claro, que o
aspecto prático da atividade jurídica jamais deixou de existir. As lides forenses
sempre se desenvolveram da mesma forma, mas a diferença é que estas atividades
38
deixaram de ser consideradas tão nobres quanto o exercício de dedução, sendo
então rebaixadas a uma posição inferior.
Pode-se interpretar todo este percurso como um desvirtuamento ou má-
apropriação do legado de Aristóteles. Como foi exposto, não se pode inferir da obra
do filósofo que o método demonstrativo deva ser aplicado a todas as ciências,
Todo este percurso pode ser entendido, senão como um desvirtuamento do
legado de Aristóteles, ao menos como uma má apropriação de caráter reducionista
da herança do filósofo. Aristóteles jamais teve a pretensão de aplicar ao direito ou
qualquer outra atividade deliberativa ou argumentativa o modelo demonstrativo
analítico. Tampouco concebeu as atividades de deliberar ou argumentar como um
raciocínio que conclui de forma necessária e apodítica.
39
5 A REABILITAÇÃO DA LÓGICA INDUTIVA ARISTOTÉLICA
O Aristóteles reabilitado que se conhece hoje começou a emergir apenas no
século XX. Embora as obras que trouxeram novas luzes ao pensamento do filósofo
antigo tenham surgido na segunda metade do século XX, Enrico Berti dá noticia de
que já em 1939 Jean Marie Le Blond apontava uma distinção entre lógica e método
em Aristóteles, mas sua teoria não foi muito bem recebida na época em virtude do
grande prestígio de que gozava dom Augustin Mansion, um dos maiores aristotélicos
da época e que tinha opinião contrária. Le Blond foi então constrangido a se calar.
Não obstante, a tese de Le Blond foi reabilitada em 1960 no segundo encontro dos
Symposia Aristotelica, em Louvain, que teve por tema “Aristóteles e os problemas de
método”. No Symposium seguinte, realizado em 1963 em Oxford, o tema central foi
justamente “a dialética de Aristóteles”, marcando assim a reabilitação do autor após
longo período de compreensão restrita à sua lógica dedutiva (BERTI, 1998, p. XII-
XIII).
5.1 Viehweg e a Tópica
Theodor Viehweg deu o passo mais significativo rumo à real reabilitação da
lógica aristotélica em sua integralidade. Em Tópica e Jurisprudência, publicado pela
primeira vez em 1953, o autor faz uma análise histórico-filosófica de uma técnica de
pensar chamada tópica e como ela foi utilizada em diversos momentos e em
diversas tradições jurídicas para orientar a atividade jurisprudencial. Viehweg
explicita diversas vezes como esta técnica não se confunde de técnicas de tipo
sistemático dedutivo, mas, ao contrário, é uma técnica desenvolvida pela retórica e
que trabalha por meio de problemas (VIEHWEG, 1979, p. 17).
5.1.1 Vico
No primeiro capítulo de sua obra, Viehweg analisa a influência que Gian
Battista Vico teve no entendimento da tópica. Em análise detalhada da obra do
napolitano intitulada “O caráter dos estudos de nosso tempo” 4, Viehweg aponta
4 Título original: De nostre temporis studiorum ratione.
40
como Vico identifica dois métodos de estudo científico: o antigo, caracterizado como
retórico ou tópico, e o moderno, caracterizado como crítico. Que se tenha em mente,
contudo, que esta dissertação foi publicada por Vico em 1708, razão pela qual o que
ele chama de método científico moderno é muito diferente do método científico
hodierno. Os autores a que Vico associa cada um dos métodos são Cícero
(representando o método antigo) e Arnauld (representando o método novo ou
moderno), embora Viehweg acredite que Descartes seja o pensador que mais bem
representa o método moderno. (VIEHWEG, 1979, p. 20).
Segundo Viehweg, Vico descreve o método de estudo científico moderno
(crítico) como partindo de uma verdade primária que é aceita de forma absoluta e
inquestionável. Desta verdade (ou princípio) inicial, dá-se início a uma cadeia de
deduções feitas silogística e demonstrativamente, dando origem a todo o
conhecimento da ciência ou área do conhecimento em questão, todos derivados das
premissas iniciais. Já o método científico novo ou moderno, também chamado de
método tópico, tem por ponto de partida o senso comum, “que manipula o verossímil
(verisimilia), contrapõe pontos de vista conforme os cânones da tópica retórica e
sobretudo trabalha com uma rede de silogismos.” (VIEHWEG, 1979, p. 20).
Como é claro, as características que Viehweg menciona como sendo
apontadas na obra de Vico são bastante semelhantes às já analisadas no capítulo
em que se tratou da teoria da racionalidade aristotélica, a saber, as diferenças entre
o silogismo analítico (aqui relacionado ao método novo) e o silogismo dialético (aqui
relacionado ao método antigo). Segundo afirma Viehweg, Vico ainda afirma que,
apesar de o método novo dedutivo ser mais preciso e seguro, ele padece de mais
aspectos negativos do que positivos, uma vez que tende a limitar o potencial
humano. Não obstante, o autor napolitano demonstra a sensibilidade de recomendar
que ambos os métodos sejam usados em conjunto e de forma coordenada, uma vez
que o método crítico novo não é efetivo sem o auxílio do método tópico antigo
(VIEHWEG, 1979, p. 21).
5.2 Perelman e a Nova Retórica
Chaïm Perelman (1912-1984) nasceu em uma família judaica em Varsóvia, na
Polônia, e mudou-se para Bruxelas, Bélgica, em 1925, adquirindo a nacionalidade
belga. Doutorou-se em Direito em 1934. Em 1938, defendeu outra tese de
41
Doutorado sobre o lógico alemão Gottlob Frege, sob a influência do neopositivismo.
Ainda na década de 30, retornou à Polônia para estudar Lógica, tendo sido aluno de
Kotarbinski e Lukasiewicz. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a sólida
formação em Lógica Formal de Perelman foi posta em contradição. A consequência
da adoção de um posicionamento neopositivista seria deixar à discricionariedade e
ao arbítrio a discussão sobre de valores, algo que ele se recusou a fazer. Passou
então a se dedicar ao estudo de uma possível lógica dos juízos de valor, na tentativa
de conferir a estes algum grau de racionalidade. Concluindo pela impossibilidade de
uma tal lógica, Perelman e sua pesquisadora-assistente, Lucie Olbrechts-Tyteca, se
dedicaram, de 1948 a 1958, ao estudo das técnicas argumentativas elaboradas
pelos filósofos antigos, principalmente por Aristóteles. Durante este período,
publicaram Retórica e Filosofia (1952) e, ao final dos estudos, veio à luz a principal
obra dos pesquisadores, o Tratado da Argumentação, cuja primeira edição foi
publicada em 1958. Nesta obra, Perelman e Olbrechts-Tyteca consolidam a Nova
Retórica, fazendo uma ligação da racionalidade contemporânea com os filósofos
clássicos. Perelman lecionou em Bruxelas até 1978, foi diretor de vários centros de
pesquisa e professor visitante em diversas universidades pelo mundo. Foi agraciado
com o título de Barão pelo rei da Bélgica em 1983, como reconhecimento pela
importância de sua obra como um todo (ALVES, 2005, p.1).
Logo na introdução de seu Tratado da Argumentação, publicado pela primeira
vez em 1958, Perelman afirma que a publicação desta obra, tão vinculada à tradição
da retórica e dialética da Antiguidade Clássica, representa uma ruptura com
Descartes e seu modelo de razão que tanto influenciou a filosofia ocidental nos
últimos séculos (PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 1). Enquanto
Descartes se propôs a considerar quase falso aquilo que não passasse de
verossímil (1996, p. 12), Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 1) encontram no
verossímil o âmbito da argumentação: “O campo da argumentação é o do
verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa às
certezas do cálculo.”
Margarida Camargo confirma o posicionamento expressamente oposto de
Perelman à filosofia de Descartes, que não trabalha senão com o que é evidente.
(CAMARGO, 2003, p. 187). Com efeito, o polonês pretendeu encontrar uma outra
dimensão da razão que se sintonizasse com a vida prática, uma vez que acreditava
ser a razão capaz de lidar com valores. Assim, nossas decisões não precisariam ser
42
necessariamente racionais com todo o rigor cartesiano, mas apenas razoáveis. A
autora explica que “Não é o caso de se estabelecer um linha divisória entre o
necessário (racional) e o não-necessário (irracional), mas de se incluir no conceito
de razão aquilo que é razoável e escapa ao rigor da lógica formal e da
demonstração.” (CAMARGO, 2003, p. 189).
Perelman dispõe que:
[...] por influência do crescente prestígio das ciências matemáticas e naturais, faz mais de três séculos o modelo dedutivo e experimental se impusera até ao pensamento dos juristas, que haviam perdido de vista a especificidade de sua disciplina. A idéia de um direito natural que forneceria a solução objetiva de todos os problemas de justiça, tão clara e tão segura como a dos problemas de matemática, se difundira já no século XVII. A idéia de que Deus conhece a resposta exata para todos os problemas, inclusive os de direito, incitou os melhores homens a investigar o que é justo aos olhos de Deus e que devia impor-se como justo a todos os seres de razão, do mesmo modo que o fato de que dois mais dois são quatro.
(PERELMAN, 1996, p. 515).
É de se notar que não há problema em incluir as “deliberações e debates”
(mencionadas por Aristóteles na definição de silogismo dialético) no conceito de
ciência, desde que se atente para o fato de que não são ciências idênticas a outras,
como a Matemática, a Física, etc. Afinal, a lógica aplicável às ciências deliberativas
e argumentativas não é a mesma lógica aplicável às ciências matemáticas e formais.
Sobre este assunto, Perelman revela:
Comecemos por salientar quão insólita seria a utilização [...] da expressão “lógica jurídica”. Será que alguém teve a idéia de falar de lógica química ou biológica quando se utiliza a lógica em química ou biologia? Por que falar de lógica jurídica a propósito do uso da lógica formal em direito? Será que a estrutura do silogismo ou do princípio de transposição varia porque os termos ou as proposições que substituem as variáveis são extraídos do direito, da química ou da biologia?
Na realidade, efetuou-se um passe de mágica. Conhecem-se, faz séculos, modos de raciocínio, específicos ao direito, que foram desenvolvidos em obras intituladas “Tópicos jurídicos” ou “Lógica jurídica”. Como a redução atual da lógica à teoria da demonstração formal não reconhece outra lógica além da formal, foi mesmo preciso, para utilizar a expressão “lógica jurídica”, dar-lhe um sentido compatível com essa concepção da lógica, mas que, é preciso dizê-lo, nada tem em comum com o sentido usual. Contudo, para fazer que se admita essa novidade, foi preciso esforçar-se para mostrar que os modos de raciocínio, que se referem não à estrutura das premissas e das conclusões, mas à sua matéria, [...] podem ser utilmente analisados graças à lógica formal. (PERELMAN, 1996, p. 499-500)
43
Sobre o modelo de ciência influenciado pelo método cartesiano, Margarida
Camargo afirma (2003, p. 190): “Muito embora o ideal de ciência, característico do
mundo moderno, tenha excluído do campo da lógica o pensamento opinativo, não
significa que esse tipo de pensamento seja intuitivo ou irracional”.
O que Camargo chama de pensamento opinativo é aquilo que Perelman trata
como argumentação. Esta entra em cena sempre que as pessoas precisam
deliberar, decidir, refletir, discutir, justificar, etc. E é justamente por isso que o autor
afirma que a lógica jurídica deve ser entendida no âmbito da teoria da
argumentação, e não limitada à Lógica Formal (PERELMAN, 1996, p. 515).
Assim, não se deve tratar a lógica (geral) como se fosse sinônimo de Lógica
Formal. A lógica (num sentido amplo e genérico) abarca tanto a Lógica Formal
quanto a Lógica Dialética, esta com algumas especificidades próprias da área em
que é empregada, como o Direito (daí se falar em Lógica Jurídica).
5.3 O raciocínio judiciário
De um ponto de vista lógico, a atividade jurídica consiste num exercício
argumentativo em que cada uma das partes envolvidas apresenta silogismos que
lhe sejam favoráveis. No âmbito deste exercício argumentativo, os indivíduos
envolvidos (as partes) selecionam, da infinidade de raciocínios que a situação
admite, aqueles que mais bem fundamentam as suas pretensões. Estes raciocínios
são então expostos perante o juiz em forma de silogismos. É papel do juiz, então,
recusar os silogismos ou premissas que estejam incorretos ou que não lhe pareçam
plausíveis e aceitar aqueles que se adequem melhor ao ordenamento jurídico ou
que lhe pareçam mais razoáveis ou aceitáveis.
No desenrolar desta atividade argumentativa, o julgador pode optar por
acolher ou recusar apenas partes dos silogismos que lhe são apresentados. O
magistrado pode entender que alguns silogismos contêm apenas algumas
premissas que sejam aproveitáveis, ou somente a conclusão pode lhe parecer
válida. É possível, ainda, que ele entenda ser a conclusão válida, mas decorrente de
premissas diferentes daquelas enumeradas pela parte que apresentou o silogismo
em questão. Assim, o magistrado constrói sua decisão por meio da elaboração de
um novo silogismo – a sentença. Via de regra, as conclusões a que cada uma das
partes chegou em suas exposições serão transformadas pelo juiz nas premissas do
44
seu próprio silogismo. Esta nova construção engloba as premissas consideradas
relevantes para o caso e exclui aquelas que não sejam pertinentes. A inclusão ou
exclusão de premissas, obviamente, deve ser fundamentada, por força do disposto
no Art. 93, IX da Constituição da República (BRASIL, 1988). Ao concluir seu
silogismo, o magistrado estará efetivamente decidindo a questão que lhe foi
colocada. Tem-se, portanto, que a premissa maior deste silogismo judicial consiste
na existência de determinados dispositivos legais, súmulas, doutrina, jurisprudência,
etc.; a premissa menor são os fatos ocorridos e pertinentes ao caso; e a conclusão é
a parte dispositiva da sentença, ou seja, a consequência jurídica para a prática dos
atos, segundo o entendimento e convencimento do juiz.
Como já foi abordado anteriormente, contudo, a mera organização destas
premissas em uma estrutura dedutiva formalmente válida não tem o condão de
transformá-las em um silogismo analítico. A conclusão a que o juiz chega é mais
corretamente chamada de decisão, no sentido de que outras decisões poderiam ter
sido tomadas ao final da argumentação, com graus variáveis de plausibilidade e
aceitabilidade.
Da mesma opinião é Perelman, que afirma que “há sempre um meio de
transformar uma argumentação qualquer em um silogismo, acrescentando-se uma
ou várias premissas suplementares” (2004, p. 3). Em consonância, Atienza (2006, p.
36), afirma que “todo argumento indutivo pode se converter em dedutivo se se
acrescentam as premissas adequadas”. Quanto mais premissas forem
acrescentadas ao silogismo dialético, maior poder de convencimento ele possuirá e
mais eficientemente o intérprete será conduzido no sentido da conclusão apontada –
presumindo, é claro, que essas premissas adicionais sejam adequadamente
razoáveis ou plausíveis.
No entanto, é preciso salientar que, mesmo adicionando tantas premissas
quanto se deseje ao silogismo judicial, este jamais terá o caráter de inferência
necessária próprio dos silogismos analíticos. O próprio Atienza faz a ressalva de
que, mesmo com premissas suplementares, não há inferência apodítica pelo singelo
motivo de que a conclusão pode mudar de acordo com as premissas adicionadas
(ATIENZA, 2006, p. 44). No silogismo analítico, ao contrário, ou as premissas
auxiliares são válidas e integram a dedução, ou são cabalmente incorretas e não
devem constar da mesma, pois inviabilizam a conclusão. E aqui é fundamental
relembrar a distinção entre o caráter dedutivo de um silogismo nas concepções de
45
Aristóteles e da Lógica Formal moderna: para a Lógica Formal, basta ser o silogismo
formalmente adequado para que seja considerado dedutivo. Em outras palavras, a
evidência (dedução) se encontra na inferência feita das premissas, levando
inevitavelmente à conclusão. E, para que isso ocorra, pouco importa que as
premissas sejam corretas do ponto de vista material. Elas não precisam expressar
verdades, individualmente, para que possam integrar um raciocínio válido.
Já Aristóteles, por outro lado, exige que, para ser considerado demonstrativo,
o silogismo precisa não só ter uma inferência válida, mas também adequação
material: o próprio conteúdo do enunciado das premissas deve ser evidente e gerar
convicção por si mesmo, sem a necessidade de fundamentações adicionais além
daquelas expostas no próprio raciocínio. Somente se observadas essas condições
poderia se afirmar estar diante de um silogismo analítico. Para o filósofo, portanto, a
adição de premissas suplementares, por si só, não é meio idôneo para conferir
caráter dedutivo a um silogismo, pois este só seria atingido se as premissas fossem
(ARISTÓTELES, Tópicos I 1, 100a27) “[...] verdadeiras e primárias ou tais que
tenhamos extraído o nosso conhecimento original delas através de premissas
primárias e verdadeiras”, sendo que primárias e verdadeiras são aquelas premissas
que não precisam de qualquer outra informação para convencer quem quer que
seja.
Para ambas as concepções (aristotélica e lógico-formal), contudo, é essencial
analisar se há inferência válida para que se afirme tratar de uma demonstração com
caráter dedutivo ou de um silogismo dialético, onde o máximo que se consegue
alcançar é a plausibilidade de uma decisão.
Feitas essas ressalvas acerca das diferentes exigências para a
demonstrabilidade do silogismo para Aristóteles e para a Lógica Formal moderna, é
de se concluir, portanto, que o raciocínio jurídico nunca poderá ser considerado
dedutivo, uma vez que nas argumentações engendradas nos âmbitos judiciais parte-
se da decisão para construir as premissas (o sentido inverso daquele utilizado nos
silogismos dedutivos). E aqui reside a principal diferença entre o raciocínio jurídico e
o analítico: no direito se raciocina a partir das consequências, ponderando-se o que
é plausível e razoável para o caso concreto como uma forma de orientação para a
escolha das premissas que justificarão a decisão adotada. É o caminho contrário ao
do silogismo dedutivo, que parte das premissas e leva à conclusão.
46
Resta clara, portanto, a observação feita anteriormente de que a sentença é
uma solução possível, que pode ser justificada pelas premissas (fundamentos
jurídicos) que o julgador entender mais convenientes. Não é, de modo algum, a
única solução possível. Qualquer outra solução adotada pelo juiz para o caso
concreto poderia ser também justificada por outras premissas. E se qualquer
decisão que o juiz puder adotar no caso concreto pode ser justificada (de modo mais
ou menos convincente para os afetados), não há que se falar em obrigatoriedade de
se adotar esta ou aquela conclusão, nem que de determinado conjunto de premissas
decorre obrigatoriamente uma certa conclusão.
47
6 DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES
Em seguida ao ressurgimento do debate acerca do legado aristotélico,
principalmente com Viehweg e Perelman, outros autores desenvolveram de forma
mais aprofundada as consequências de um discurso jurídico fundado na prática
dialética. Passa-se a analisar agora alguns deles.
6.1 Kelsen
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, ao comentar a Teoria Pura do Direito, de Hans
Kelsen, afirma que para o autor austríaco5 a norma é “a noção e o objeto central, se
não exclusivo, de toda a ciência do direito” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 98).
Prosseguindo no exame de Kelsen, Ferraz Júnior aponta algumas das objeções
feitas à obra do autor europeu, sendo uma delas a impossibilidade de se separar a
norma das intenções que a acompanham e exemplifica com o caso do crime de
homicídio, aqui já mencionado:
Assim, por exemplo, o ato de matar alguém: o significado do ato vem dado por uma norma penal que o pune. Trata-se, porém, de conduta circunstanciada, o agente sofre influência do meio, de sua educação, de sua condição mental. A norma, em sua frieza formal, apenas descreve: deve ser punida com uma sanção a conduta de matar. Em que medida os fatores subjetivos devem ser também levados em conta? Kelsen nos diz que eles devem ser abstraídos pelo jurista e tão-somente levados em conta se e quando a própria norma o faz. A função da ciência jurídica é, pois, descobrir, descrever o significado objetivo que a norma confere ao comportamento. No entanto, qual o critério para operar essa descrição? Kelsen afirma que ele se localiza sempre em alguma outra norma, da qual a primeira depende. O jurista deve, assim, caminhar de norma em norma, até chegar a uma última, que é a primeira de todas, a norma fundamental, fechando-se assim o circuito. O direito é assim, para ele, um imenso conjunto de normas, cujo significado sistemático cabe à ciência jurídica determinar (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 98-99).
Muito embora Kelsen tenha sido criticado por oferecer uma teoria que de
certa forma restringiria e empobreceria o direito, já que dá acentuado enfoque à
5 O fato de Hans Kelsen ter nascido em Praga na vigência do Império Austro-Húngaro causa certa confusão quanto a sua nacionalidade, sendo que há quem o considere tcheco. Kelsen chegou a adquirir dupla nacionalidade quando passou a ser também cidadão alemão, mas abriu mão de ambas ao se tornar tcheco para lecionar na Universidade Alemã de Praga. Ao se mudar para os Estados Unidos, passou a ser cidadão americano (MINISTROS... 2015). Optou-se aqui por considerá-lo austríaco em virtude de sua cidade natal pertencer, à época de seu nascimento, ao Império Austro-Húngaro.
48
norma e exclui uma série de outros fatores, Ferraz Júnior aponta a teoria deste autor
como sendo essencial para a correta apreensão do fenômeno jurídico. O cientista
jurídico só pode conhecer o comportamento humano na medida em que normas o
regulam. Via de regra, as manifestações humanas que não sejam objeto de normas
não interessam ao estudioso da Ciência do Direito. O mesmo não pode ser dito,
contudo, do operador do direito, para quem a conduta humana pode ser de especial
interesse, principalmente no âmbito de produção de prova judicial.
Considerando o contexto histórico de positivação do direito em que a teoria
kelseniana foi desenvolvida, a possibilidade de se entender o direito como um
conjunto de normas que se destinam a regular o comportamento humano foi
essencial para a identificação do direito como ele é conhecido hoje (FERRAZ
JÚNIOR, 2003, p. 99).
6.1.1 O conceito de norma
Feitas estas considerações sobre a importância da norma para o Direito,
passa-se agora à analise do conceito de norma. De acordo com Ferraz Júnior, as
normas podem ser entendidas, basicamente, de três modos diferentes. O primeiro
deles é a norma-proposição, ou seja, uma proposição que afirma como as coisas
devem ser. Muito embora esta proposição tenha se originado de um ato de vontade
humana, como afirmado anteriormente, uma vez promulgada e inserida no contexto
do ordenamento jurídico em questão, esta norma deixa de se vincular à vontade que
a originou e passa a ter existência independente desta. Assim,
[...] podemos entender a norma como imperativo condicional, formulável conforme proposição hipotética, que disciplina o comportamento apenas porque prevê, para sua ocorrência, sanção. Tudo conforme a fórmula: se A, então deve ser S, em que A é conduta hipotética, S a sanção que se segue à ocorrência da hipótese [...] (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 100).
O segundo modo pelo qual as normas podem ser entendidas é como norma-
prescrição. Apesar de aqui também se falar em relações de dever-ser, esta
concepção das normas não desconsidera o ato humano que a instituiu, ou seja, a
vontade que pôs a norma permanece vinculada à mesma. Deste ponto de vista, é
indispensável que se verifique a legitimidade e autoridade daquele que impôs a
norma, pois, sem essas “qualidades prescritoras”, não há norma. “Normas são,
49
assim, imperativos ou comandos de uma vontade institucionalizada, isto é, apta a
comandar”. (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 101).
A terceira e última forma é a da norma-comunicação. Aqui, vê-se a norma
como troca de informações entre indivíduos que revela relações de coordenação ou
subordinação entre eles. Esta é a concepção mais completa de norma, pois exige
que se leve em conta a mensagem (proposição) que ela contém, a vontade
qualificada que a originou (prescrição) e os próprios destinatários da norma, aqueles
que a ela vão se sujeitar.
Feitos estes esclarecimentos acerca do conceito de norma, analisa-se agora
a diferença entre norma e enunciado.
6.1.2 Distinção entre norma e enunciado
A atividade jurídica frequentemente se depara com o problema de saber se
determinada premissa é ou não verdadeira, como explicado anteriormente.
Entretanto, no Direito, quase sempre se depara com situações em que pelo menos
uma das proposições é uma norma. À primeira vista, portanto, pode não fazer muito
sentido falar da veracidade ou falsidade de uma norma, já que esta deve, pelo
menos em princípio, ser obedecida sempre. Atente-se, contudo, para o fato de que
isso não quer dizer que a norma deve ser sempre considerada verdadeira: este tipo
de juízo (verdade/falsidade) não se aplica às normas. Isso leva inevitavelmente à
questão de se a Lógica Formal se aplica ou não às normas. Atienza (2006, p. 29)
afirma que Kelsen soube identificar no raciocínio jurídico a existência de
características que impediam a aplicação da Lógica formal e do silogismo
demonstrativo em seu âmbito, em virtude de se tratar de uma atividade prática:
[...] Kelsen, sobretudo em sua obra póstuma, La teoria general de las normas (1979), sustentou enfaticamente que a inferência silogística não funciona com relação às normas. As regras da lógica se aplicam ao silogismo teórico que se baseia num ato de pensamento, mas não ao silogismo prático ou normativo (o silogismo em que pelo menos uma das premissas e a conclusão são normas), que se baseia num ato de vontade (numa norma).
Mais precisamente, a constatação de Kelsen é no sentido de mostrar que
“existe diferença entre a norma como significação de uma proposição, e um
50
enunciado” (KELSEN, 1986, p. 207. Grifos no original). Via de regra, a norma
expressa basicamente uma prescrição, uma ordem. Neste contexto, não faz sentido
dizer que uma norma é verdadeira ou falsa, uma vez que este tipo de juízo não se
aplica às normas. Os enunciados, por outro lado, visam descrever algo, sendo,
portanto passíveis do julgamento de falsidade/veracidade na medida em que
correspondam ou não ao objeto que descrevem.
A diferença entre norma e enunciado que aqui se pretende apontar, portanto,
é que a norma tem por finalidade determinar a conduta de seus destinatários
conforme os seus ditames. Já os enunciados somente visam dar conhecimento de
determinado fato àqueles a quem são dirigidos. Aqui se vê, então, uma evidente
semelhança com a dicotomia estabelecida por Aristóteles entre teoria e prática
analisada no capítulo 3. Aos enunciados, asserções lógicas que se submetem ao
juízo de falsidade ou veracidade, a Lógica Formal é perfeitamente aplicável, uma
vez que, como já se afirmou, esta nada mais faz do que afirmar que, sendo estas
proposições verdadeiras, aquelas outras também serão. O mesmo não pode ser dito
das normas, que estão quase sempre inseridas em um contexto prático onde o que
está em jogo não é a falsidade ou a veracidade de algumas afirmações, mas sim a
necessidade ou não de um ou mais indivíduos terem a sua conduta determinada
pelas normas vigentes. Neste âmbito, portanto, prevalecem as deliberações e
debates característicos da lógica dialética ou argumentativa.
É preciso esclarecer, contudo, que não há uma divisão estanque entre
enunciados (proposições de ser) e normas (proposições de dever-ser). Como afirma
Kelsen, “um enunciado pode também declarar que algo deve ser; se ele é o
enunciado sobre uma norma” (KELSEN, 1986, p. 208. Grifos no original). Assim,
mesmo no seio da atividade jurídica, eminentemente prática, é possível que se
depare com diversas situações em que o objeto de análise seja justamente um
enunciado. Aqui, torna-se clara a diferença entre Direito enquanto prática e a
Ciência do Direito, enquanto estudo doutrinário acerca das prescrições postas pelo
Direito. A afirmação “Tício deve ser condenado a uma pena de reclusão de seis
anos por ter matado Mévio”, feita num âmbito de argumentação jurídica, contém
obviamente uma proposição de dever-ser, razão pela qual não pode ser considerada
categoricamente falsa ou verdadeira. Sua caracterização é feita apenas no âmbito
da plausibilidade ou razoabilidade.
51
No entanto, ao afirmar-se que “o Direito Brasileiro prevê pena de seis a vinte
anos de reclusão para quem mata outrem”, frase tipicamente encontrada nos
manuais de Direito, está-se fazendo um enunciado (proposição de ser) sobre uma
norma (proposição de dever-ser). Como todo enunciado, esta afirmação está sujeita
ao juízo de veracidade ou não das afirmações nela contidas, conforme sua
adequação à realidade examinada (no caso, o Código Penal Brasileiro). Mesmo no
âmbito da prática jurídica é possível se deparar com situações em que o que está
em jogo é a veracidade ou não de determinado enunciado, como ocorre nas
questões que envolvem a interpretação de certo dispositivo legal ou decisão judicial
de caráter duvidoso. Os Embargos de Declaração são o exemplo mais claro deste
contexto de análise no direito brasileiro. Se num processo trabalhista em que as
duas partes discutem as verbas rescisórias devidas ao empregado o juiz dispõe na
sentença que “o empregador deve pagar ao trabalhador as verbas rescisórias
devidas”, é de se esperar que se discuta, posteriormente, quais são estas verbas
rescisórias. O trabalhador fará um enunciado sobre a norma individual posta pelo
juiz (sentença), afirmando que as “verbas rescisórias” mencionadas na sentença se
referem àquelas mencionadas no seu pedido. O empregador, por sua vez, afirmará
que tais verbas se referem apenas àquelas que admitiu serem devidas na defesa.
Ambas as afirmações são enunciados de ser sobre um dever-ser.
Vê-se, assim, que Kelsen nega a possibilidade de a Lógica Formal poder ser
aplicada ao direito enquanto atividade prática, considerando a norma mais um ato de
vontade do que um ato de cognição (de pensamento). Contudo, é de se notar que,
mais do que um raciocínio, o que leva à criação de uma norma ou à prolação de
uma sentença não é uma questão lógica, mas sim um exercício de poder. Surgiu
então a proposta de criação de uma lógica deôntica para abarcar a natureza
normativa das proposições presentes no raciocínio jurídico. Esta lógica deôntica é
uma lógica que, apesar de seu caráter formal, analisa as proposições pela ótica do
dever-ser, incluindo em seu objeto de análise conceitos mais estratificados do que o
simples falso/verdadeiro da Lógica Formal, como o de obrigação, proibição e
permissão, tudo isso com o intuito de dar conta da natureza normativa das
proposições mais utilizadas no raciocínio jurídico.
Ora, é preciso reconhecer que eventuais confusões entre norma e enunciado
da norma (hoje já muito raras) podem ter parcela de contribuição para que se possa
considerar, com base na Lógica Formal, que um silogismo jurídico tenha caráter de
52
inferência necessária. Tal se dá, como foi afirmado reiteradamente acima, pelo fato
de que a Lógica Formal não afere se o conteúdo das premissas e da conclusão é
correto ou não. Ao contrário, não faz mais do que estabelecer que, sendo estas
proposições verdadeiras, aquelas também são. É natural pressupor que, caso uma
dessas proposições seja uma norma jurídica, que ela seja correta do ponto de vista
material e que conduz, com maior ou menor grau de plausibilidade, a determinadas
conclusões. Entretanto, tal juízo não se apenas aos enunciados, não às normas.
Mesmo considerando a norma como proposição de dever-ser e admitindo-se
as várias dificuldades do ponto de vista formal que daí decorrem, a isto ainda se
somam as situações em que uma norma pode parecer estar em conflito com outras
normas do mesmo ordenamento. A norma aplicada em um caso pode ser rejeitada
em outro quase idêntico por força da discricionariedade de que gozam os diferentes
julgadores de ambas as causas. A proposição de dever-ser pode até mesmo ser um
princípio que, como se sabe, pode ser preterido em uma situação sem que deixe de
valer em outras semelhantes.
Mesmo considerando que a norma deve ter o poder de gerar convicção por si
mesma, não é possível equipará-la às premissas primárias e verdadeiras aludidas
por Aristóteles na definição de silogismo demonstrativo. Como Kelsen deixa claro,
elas não podem ser classificadas como falsas ou verdadeiras, por não serem
descritivas da realidade, mas sim prescritivas de conduta. Consequentemente, a
inclusão de determinada norma no silogismo jurídico é passível de contestação a
qualquer momento pelos operadores do direito.
Estes mesmos operadores, ao exercerem sua atividade profissional, analisam
silogismos elaborados pela parte contrária (no caso dos advogados) ou por ambas
as partes (no caso do juiz elaborando sua decisão); os advogados podem, ainda,
analisar o silogismo criado pelo juiz para questioná-lo, em caso de instância
recursal. Em raras oportunidades, contudo, o que esses operadores do direito
procuram é verificar se os silogismos são formalmente válidos, já que é incomum
que no âmbito das peças processuais seja impossível passar das premissas
exibidas à conclusão apresentada. O que usualmente está em jogo é a
plausibilidade da escolha daquela norma para aquele caso em particular e,
naturalmente, a eventual rejeição daquela norma por parte do juiz não implica dizer
que a norma esteja incorreta, mas sim que a prescrição nela contida não se aplica
ao caso em análise. No desenvolvimento de suas atividades, portanto, o advogado
53
busca as normas que mais adequadamente prescrevem a conduta que ele acredita
que seu cliente deve desempenhar, ou, ao menos, afasta as premissas
apresentadas pela parte adversária que crê não conterem uma prescrição
endereçada ao seu constituinte, ou que contenham uma prescrição que não seja de
seu interesse. Tem-se, portanto, que o advogado não realiza um trabalho de
correção material do raciocínio apresentado pela outra parte ou pelo próprio juiz,
mas sim uma reorganização deontológica do raciocínio apresentado de forma a
favorecer seu cliente. Em outras palavras, o advogado não afirma que “as coisas
são assim”, mas que “as coisas devem ser assim”.
Muito embora alguns casos possam parecer tão claros que não se possa
sequer cogitar outras alternativas senão aquelas escolhidas pelo magistrado, há que
se levar em conta que o próprio momento em que o legislador decidiu criar aquela
determinada lei com aquelas determinadas normas foi um momento de decisão. As
normas poderiam ter sido diferentes, e é por isso que se pode dizer que a lei editada
retrata a decisão tomada pelo legislador num determinado momento. Tivesse a lei
sido criada em momento posterior ou anterior, o teor da norma poderia ter sido
diferente, ou poderia até mesmo não ter sido criada norma alguma.
Passa-se agora a analisar em mais pormenores o posicionamento de Kelsen
com relação a um tratamento lógico da ordem normativa.
6.1.3 Lógica jurídica
Entre os anos de 1959 e 1965, Hans Kelsen e o jurista alemão Ulrich Klug
trocaram cartas versando sobre a Lógica jurídica em geral. Posteriormente, esta
correspondência deu origem à obra Normas Jurídicas e Análise Lógica, que se
passa a examinar agora.
Na correspondência datada de 09/06/1965, Kelsen envia a Klug um artigo que
redigira, mas ainda não publicara, que ficou conhecido como o manuscrito Direito e
Lógica. Parte da matéria abordada neste artigo, com menções à posterior resposta
de Klug, foi publicada no capítulo 61 da obra póstuma de Kelsen Teoria Geral das
Normas (1979), sob o título: “Há, especificamente, uma lógica ‘jurídica’?”.
No manuscrito Direito e Lógica, Kelsen aborda a questão da possibilidade ou
impossibilidade de uma abordagem lógica do ordenamento jurídico. Com isso,
refere-se à relação direta entre o Direito e a Lógica demonstrativa do silogismo
54
analítico, que, como já se afirmou aqui, trabalha apenas com o binômio
falso/verdadeiro (KELSEN, 1984, p. 60). Segundo o autor austríaco (1984, p. 61), os
princípios da Lógica Formal só podem ser empregados diretamente a afirmações
que sejam o significado de pensamentos. As afirmações, como já se viu, se
submetem à regra da veracidade ou falsidade, mas não as normas, uma vez que
estas são expressões de vontade de um legislador (norma geral e abstrata) ou de
um juiz (decisão judicial). Neste sentido, as normas não são falsas ou verdadeiras,
mas sim válidas ou inválidas. A validade de uma norma é a obrigatoriedade de sua
observância.
Ainda que a vontade do criador da norma tenha sido precedida por um
pensamento dotado de significado (sobre o qual é possível fazer uma avaliação
acerca da sua conformidade ou inconformidade com a realidade), a exatidão deste
significado não tem qualquer influência sobre a expressão da vontade do legislador
ou juiz – ou seja, a validade da norma ou não. Em outras palavras, mesmo
considerando que um pensamento de significado falso (ou seja, uma descrição
inexata da realidade) deu origem àquela norma, isso não a torna menos obrigatória
do que qualquer outra. A verdade de uma afirmação e a validade de uma norma são
duas instâncias distintas sem relação uma com a outra (KELSEN, 1984, p. 62). Aqui
é importante ressalvar que o que interessa para o exame pretendido não é o plano
mental daquele que faz as afirmações (o que seria campo de estudo da Psicologia),
mas sim o significado das afirmações feitas por este indivíduo. Tanto é que “A lógica
não se relaciona com operações mentais, mas com o seu significado; a Psicologia,
sim, é que se refere aos atos da mente” (KELSEN, 1984, p. 75).
Kelsen defende a diferença entre validade (aplicável à norma) e veracidade
(aplicável a afirmações) argumentando que uma das propriedades de uma afirmação
é justamente ser verdadeira ou falsa. O fato de estas serem propriedades significa
que, sendo a afirmação verdadeira ou falsa, ela continua existindo como tal. A
validade de uma norma, por outro lado, não é apenas uma propriedade desta, mas
integra sua própria existência, já que uma norma inválida é uma norma inexistente.
Para que a norma seja válida, é preciso que ela emane de um ato volitivo daquele
que tem competência para criá-la, e é desta vontade humana válida que a cria que
decorre a sua positividade. Se não há validade, não há positividade (KELSEN, 1984,
p. 63).
55
6.1.3.1 Conflito de normas
Um dos desdobramentos da não aplicação dos princípios da Lógica Formal
ao direito é o tratamento dado ao conflito de normas. No caso das afirmações,
quando há uma oposição de significado entre elas, uma deve estar errada em
virtude do princípio lógico da não-contradição, que determina que não se pode
afirmar e negar um mesmo predicado sobre um mesmo sujeito ao mesmo tempo.
Por outro lado, como os princípios lógicos não se aplicam às normas, o princípio da
não-contradição não pode ser usado para solucionar o problema das antinomias
(KELSEN, 1984, p. 65-66), como será exposto a seguir.
Kelsen (1984, p. 66) alerta para o fato de que, qualquer que seja o tipo de
antinomia, é imprescindível que as duas normas em conflito sejam válidas
(lembrando que, como já se afirmou, a validade de uma norma equivale à sua
existência). O que se quer dizer com isso é que, mesmo havendo um conflito real
entre as normas e que a aplicação de uma resulte na violação de outra, é
indiscutível o fato de que ambas são válidas até a solução da antinomia (KELSEN,
1984, p. 66) – do contrário não haveria conflito. Assim é que ambas as normas
podem estar sendo aplicadas em diversas ocasiões por diferentes juízos sem
nenhum obstáculo, presumindo que em nenhuma dessas situações a norma
conflitante tenha sido invocada como motivo para não se aplicar a outra. Nenhum
destes julgamentos é considerado nulo caso uma das normas venha posteriormente
a ser considerada inválida por conflitar com outra norma, já que no momento da
aplicação ambas existiam e eram por isso consideradas plenamente válidas.
Situação diversa é observada com as afirmações, que se submetem aos
princípios da Lógica Formal (em oposição às normas). É certo que a veracidade ou
falsidade das afirmações são apenas propriedades das mesmas e que mesmo
depois de comprovada a falsidade de uma afirmação ela não deixa de existir, já que
pode seguir existindo mesmo sendo falsa, ainda que só depois de muito tempo isto
venha a ser percebido. A diferença entre as afirmações contraditórias e as normas
conflitantes se encontra no fato de que, enquanto as primeiras são eternas em sua
existência falsa ou verdadeira, as segundas não. Uma vez constatado um conflito de
normas real (e não o aparente, que na verdade não é um conflito), uma das normas
56
deve perder sua validade para que a outra prevaleça. Sobre isso, Kelsen afirma
existirem duas soluções, uma delas sendo a derrogação6:
Um conflito de normas somente pode ser resolvido, se uma das duas normas perder sua validade ou se ambas a perderem. Essa perda de validade acontece unicamente por duas vias. Ou mediante a perda de validade de uma das normas em conflito, em razão de haver ela perdido sua eficácia; um mínimo de eficácia é condição para sua validade; ou por meio de derrogação. Derrogar é – a par de ordenar, permitir e autorizar – função específica de uma norma. Um norma derrogativa é uma norma cuja função consiste em fazer cessar a validade de outra norma e se distingue das demais normas que ordenam, permitem ou autorizam uma certa conduta, por não se referir, como estas, a um determinado procedimento, mas à validade de uma outra norma, a norma, cuja validade faz cessar. (KELSEN, 1984, p. 66-67. Grifos no original).
Deste modo, tem-se que as duas soluções para a antinomia são a simples
perda de eficácia de uma das normas em oposição, fazendo prevalecer a outra, ou a
entrada em vigor de uma nova norma que revoga uma das normas incompatíveis
entre si, ou seja, retira sua validade.
O exame das formas de solução de antinomias é útil para ilustrar como se
tratam de procedimentos únicos e que guardam pouca ou nenhuma semelhança
com a Lógica dos significados de afirmações. Kelsen diz não haver na Lógica
Formal nada comparável aos conceitos de eficácia ou derrogação/revogação que
existem no direito (KELSEN, 1984, p. 68). Como já se argumentou, as afirmações
não deixam de existir mesmo quando falsas. As normas, por outro lado, só existem
enquanto válidas, apesar de ser possível que existam duas normas em conflito
igualmente válidas, sendo que a solução do conflito se dá quando uma dessas
normas perde a validade. Kelsen elucida, trazendo à tona a responsabilidade da
Ciência do Direito em relação à autoridade judicial:
[...] duas afirmações em contradição porém continuam ambas a existir como afirmações, apenas uma é verdadeira e a outra é falsa. É impossível que de duas afirmativas conflitantes entre si ambas sejam verdadeiras; mas é possível que de duas normas em contradição recíproca ambas sejam válidas. E este conflito não pode – como contradição lógica – ser resolvido pela via do conhecimento, por exemplo, através da Ciência do Direito. A Ciência do Direito pode tão-somente constatar a existência de tal conflito,
6 No Direito brasileiro, a derrogação é a revogação parcial de uma lei. Aqui, Kelsen está obviamente se referindo à revogação, que é termo mais completo e pode significar tanto a total perda de validade de uma lei anterior por outra posterior (simplesmente “revogação”) ou a perda de validade de parte da lei anterior (“revogação parcial”). Optou-se por manter o vocábulo original da tradução para o Português.
57
devendo entregar sua solução a um ato de vontade da autoridade jurídica ou à sua não observância, segundo o costume (KELSEN, 1984, p. 68).
Assim, Kelsen deixa mais uma vez clara a diferença entre as instâncias lógica
e judicial e como não pode ser feita uma analogia entre a contradição de afirmações
e o conflito de normas – o que afasta, portanto, a aplicabilidade de princípios da
Lógica Formal ao direito (KELSEN, 1984, p. 70).
Outro aspecto que acentua ainda mais esta diferença é a abrangência
limitada das antinomias (aqui analisadas mais pelo aspecto da observância, do
cumprimento da norma) se comparadas às contradições lógicas. Estas últimas são
absolutas em relação aos homens, no sentido de que se para um indivíduo um
enunciado é verdadeiro e o outro falso, o mesmo é verdade para qualquer outro
indivíduo. A veracidade e a falsidade das afirmações são independentes da opinião
ou anuência de quem quer que seja, já que a Lógica Formal não sofre influência de
subjetividades. A contradição também é absoluta no tempo, ou seja, sempre existiu
e sempre vai existir (KELSEN, 1984, p. 70-71). É importante salientar que mesmo
que a contradição de afirmações se baseie em proposições sobre a realidade, e a
própria realidade seja alterada, não há que se falar no fim da contradição. A
contradição entre as afirmações “o Brasil é pentacampeão mundial de futebol” e “o
Brasil não é pentacampeão mundial de futebol” tem, atualmente, a primeira
afirmação como correta e a segunda como falsa. Antes de 2002, ano em que o
Brasil se tornou pentacampeão, a relação era inversa. Caso o Brasil venha a
conquistar o hexacampeonato no futuro, a relação voltará ao estado anterior. A
mudança da realidade fática, portanto, tem apenas o condão de inverter a relação de
veracidade/falsidade: a afirmação que era falsa passa a ser verdadeira e vice-versa,
mas a contradição lógica permanece.
A situação é diferente quando se trata da obediência de normas incompatíveis
entre si, pois, como afirma Kelsen, “A incompatibilidade de cumprimento de uma
norma com o cumprimento da outra norma é limitada à conduta de um mesmo
homem e à duração da observância de uma de ambas as normas que se acham em
conflito.” (KELSEN, 1984, p. 70). A observância de uma norma contra a qual há
outra igualmente vigorando é algo que não é intrínseco às próprias normas, mas que
depende da contingencialidade do caso concreto. Isso equivale a dizer que não há
nada na própria norma que garanta sua obediência pelos seus destinatários. Nem
58
mesmo a previsão de sanção para o seu descumprimento oferece qualquer garantia
de que determinado indivíduo se comportará de acordo com a prescrição normativa,
uma vez que “[...] a observância e a inobservância não são porém qualidades de
uma norma, senão condições de um determinado procedimento.” (KELSEN, 1984, p.
71). Em oposição a este estado de coisas, tem-se que as características de serem
falsas ou verdadeiras, próprias das afirmações, são qualidades inerentes às
mesmas e não dependem de qualquer conduta externa a elas próprias (a não ser,
como já se disse, no caso de mudança da realidade, que pode transformar uma
afirmação verdadeira em falsa e vice-versa, mas preserva a contradição em si).
6.1.3.2 Verdade da afirmação X observância da norma
O que se viu até agora, resumindo de modo geral os parágrafos do item
anterior, foram argumentos para afastar o uso da Lógica Formal na ordem
normativa. A principal questão levantada por Kelsen para defender esta tese é o fato
de que não há uma analogia entre a verdade de uma afirmação e a validade de uma
norma.
Ocorre que, como argumenta o autor (KELSEN, 1984, p. 73) também já se
tentou justificar o emprego de princípios lógicos ao ordenamento jurídico fazendo
uma analogia entre a verdade de uma afirmação e a observância de uma norma (em
oposição à mera validade desta). O autor austríaco remete a um artigo de Walter
Dubislav7, que se debruçou sobre esta questão, mais precisamente sobre a
possibilidade de se deduzir a validade de uma norma individual (decisão judicial) da
validade de uma norma geral (lei) (DUBISLAV apud KELSEN, 1984, p. 73).
Basicamente, Kelsen dá notícia de que Dubislav aborda questão pela ótica da
imperatividade, afirmando que não pode haver norma imperativa sem que haja
alguém que a torne a imperativa, ou seja, uma autoridade que a imponha. Daí extrai-
se que as proposições imperativas continuam carregadas pela vontade humana de
um agente, de um sujeito, que é a autoridade legislativa, no caso da norma geral, ou
a autoridade judicial, no caso da norma individual. A isso se soma que a derivação
de uma proposição imperativa de outra proposição imperativa só é possível se uma
7 DUBISLAV, Walter. Zur Unbegründbarkeit der Forderungssätze, Theoria, vol. III, 1937 (na obra
consultada, o título deste artigo foi traduzido como “Sobre a impossibilidade de fundamentar as proposições imperativas”).
59
delas for convertida em uma proposição afirmativa e, consequentemente, se
submeter à dicotomia falso/verdadeiro (DUBISLAV apud KELSEN, 1984, p. 73).
Exemplificando:
A proposição imperativa “Os homens não devem matar seus semelhantes” se transforma numa proposição afirmativa, que Dubislav formula da seguinte maneira: “A instância de exigência requer dos homens realizar um estado, que se descreve da seguinte maneira: Se X é um homem, então não há homem que ele mate”. “Esta ‘proposição se-então’ significa a proposição afirmativa que pertence à proposição imperativa.” Pode ser também formulada de maneira muito mais fácil: “Os homens não matam os homens.” A proposição afirmativa, que pertence à proposição imperativa: “Caim não deve matar Abel”, Dubislav não a formula. Ela porém deve rezar assim, de acordo com o que Dubislav diz da transformação [de proposição imperativa para proposição afirmativa]: “Caim não mata Abel”. A proposição afirmativa que “pertence” à proposição imperativa é, por consequência, uma afirmação na qual se afirma a observância da exigência. Daí, ou seja, de que da afirmação sobre a observância de uma norma geral se deduza logicamente a afirmação sobre a observância de uma norma individual que corresponde à norma geral, não se deduz todavia que da validade da norma geral se infira logicamente a validade da norma individual. (KELSEN, 1984, p. 73-74. Grifou-se).
O que se conclui, por conseguinte, é que, apesar de ser possível enunciar
uma proposição imperativa em termos afirmativos e destes deduzir apoditicamente
conclusões também afirmativas, estas conclusões não dizem respeito senão à
observância do imperativo contido na norma, e não à validade da mesma, que é o
que seria necessário para se poder falar em uma suposta aplicação de princípios
lógicos ao ordenamento jurídico. É nisto que consiste o problema ora analisado: se
da validade da norma geral (lei) se deduz logicamente a validade da norma
individual (sentença). Se a resposta fosse afirmativa, então poder-se-ia falar em
tratamento lógico da ordem normativa. No entanto, Kelsen afirma categoricamente
que a resposta a esta pergunta é negativa, uma vez que as proposições imperativas
(normas) precisam necessariamente ser positivadas para valerem, e a positivação
equivale à vontade humana impondo estas normas. E enquanto o direito for
constituído por normas emanadas da vontade humana, a Ciência do Direito deve se
ocupar exclusivamente destas (KELSEN, 1984, p. 74), em oposição às supostas
normas imanentes à natureza apregoadas pelo Direito Natural.
É importante salientar, ainda, que a eficácia da norma (seja a geral, seja a
individual), é fator relevantíssimo para esta análise. Porquanto que, no caso da
norma individual, a necessidade de eficácia da mesma é mais um obstáculo no
60
caminho de uma hipotética passagem necessária das premissas à conclusão. Tanto
que Kelsen (1984, p. 74) afirma que, mesmo sendo a norma geral (lei) válida e a
afirmação sobre o caso concreto (verificação da hipótese prevista na lei) verdadeira,
a norma individual (decisão judicial que determina, por exemplo, que “Fulano deve
ser preso”) pode não ter eficácia. Isso pode acontecer por uma série de motivos,
como a existência de outros diplomas normativos que determinam que Fulano tenha
um destino diverso da prisão, ou mesmo porque o juízo a quem competia proferir a
decisão fez uma má análise do caso. Inúmeras outras causas para a não realização
da norma individual podem ser ventiladas, mas não vem ao caso fazê-lo aqui.
O que é certo é que, segundo Kelsen (1984, p. 76) as normas jurídicas são
representações dos significados de atos de vontade, e estes não podem ser
abstraídos. Em outras palavras, a norma individual só poderia ser considerada
implícita (ou seja, dedutível apoditicamente) na norma geral se o ato de vontade
naquela contido também estivesse implícito no ato de vontade desta. “Mas o
legislador que quer que todos os ladrões sejam presos, não pode desde logo querer
que Schulze, que furtou de Meier um cavalo, deva ser preso, pois ele não pode
saber que exista alguém chamado Schulze nem que um cavalo será furtado a Meier”
(KELSEN, 1984, p. 76). A anterioridade da lei em relação aos fatos que ela pretende
regular, portanto, impede que nela esteja contido de forma implícita o mesmo ato de
vontade que estará contido nas posteriores decisões judiciais que a terão como
fundamento. Impossível, então, a dedução de um ato de vontade específico de um
ato de vontade geral. Ainda que o legislador e o juiz sejam a mesma pessoa
(KELSEN, 1984, p. 76), os atos de vontade no momento da elaboração da norma e
no momento da decisão judicial são distintos. A única forma de se cogitar que uma
vontade esteja contida na outra é considerar que o ato de vontade da decisão
judicial já estava expresso na lei, mas isso afasta completamente os requisitos
essenciais da norma jurídica, que são a generalidade e a abstração. A lei que já
determina que Fulano seja preso, por definição não é uma lei, pois se destina já ao
caso concreto e não à generalidade abstrata de todos os casos que possam vir a
ocorrer posteriormente à sua entrada em vigor.
6.1.3.3 Norma geral como fundamentação da norma individual
61
Até agora, o que se viu foram diversos indícios de que a norma individual não
guarda com a norma geral uma relação de necessidade, no sentido de que aquela
não está implicitamente contida nesta. A consequência disso, obviamente, é a
impossibilidade de uma abordagem lógico-formal das normas jurídicas no contexto
da atividade judicial.
Em que consiste, então, a relação entre a norma individual e a norma geral?
Kelsen afirma que a relação da norma geral com a norma individual não é de
necessidade, mas de fundamentação (1984, p. 77). A decisão judicial que esteja de
acordo com o conteúdo que a norma geral prescreve para determinada conduta não
está implicitamente contida na norma geral, consoante tem-se defendido até agora,
mas o que e ocorre é que a validade desta norma individual está fundamentada pela
norma geral. A consequência de se observar esta questão pela ótica da
fundamentação em vez de pela ótica da dedução é uma mudança do enunciado da
norma geral, explicada por Kelsen (1984, p. 77): “Se um tribunal competente houver
constatado que um homem roubou, deve esse tribunal expedir um ato, cujo
significado subjetivo é o de que esse homem deve ser preso”. É possível adaptar
esta proposição para conferir-lhe um grau maior de generalidade da seguinte forma:
“Se uma autoridade judicial competente houver constatado que uma conduta
prevista em lei e ao qual é cominada uma sanção se concretizou na realidade fática,
deve esse tribunal expedir um ato, cujo significado subjetivo é o de que aquele que
praticou a conduta deve sofrer a sanção a ela prevista”. Depreende-se, pois, que
não há relação imediata e necessária entre norma geral e norma individual, mas sim
entre a validade da norma geral e o ato decisório da autoridade competente, este
último fundamentado pela primeira.
6.1.3.4 Relações lógicas entre normas
Tudo o que se expôs do pensamento de Kelsen até agora fundamenta a ideia
de que a Lógica Formal, mais precisamente o princípio da não contradição e o da
dedução necessária das premissas, não pode ser utilizado no direito. Contudo, isso
não afasta de todo a ocorrência de instâncias jurídicas em que a Lógica Formal é
utilizada. Kelsen dá alguns exemplo (1984, p. 79-80). O primeiro deles é o de duas
normas que, embora gerais, têm graus de generalidade tais que uma se encontra
contida na outra. O segundo é a relação entre a norma geral e a “premissa menor”,
62
ou seja, a conduta praticada na realidade fática tal qual prevista em lei. Aqui pode
haver uma perfeita subsunção, no sentido de que a conduta praticada por um agente
pode ser a mesma prevista em lei (excluindo-se, obviamente, as particularidades do
caso concreto que não poderiam ter sido previstas pela norma geral e abstrata).
Kelsen chega a afirmar (1984, p. 80) que até mesmo na aplicação da pena
cominada, ou seja, na passagem da norma geral para a norma individual, há uma
relação lógica de subsunção. Embora isso pareça contradizer quase tudo o que se
afirmou até aqui sobre a dinâmica da atividade judicial, é importante lembrar que
este segundo exemplo é uma análise a posteriori de um julgamento, de modo que
somente após proferida uma decisão pode ser a mesma estruturada de forma
silogística. A subsunção a que o autor se refere não pode ser em outro sentido
senão no de que “[...] a norma geral se aplica a um delito concreto” (1984, p. 80.
Grifou-se), o que “[...] não significa que a validade da norma individual se deduza
logicamente da validade da norma geral” (1984, p. 80. Grifou-se). Pois neste ponto
reside grande parte do problema aqui analisado: mesmo que uma decisão judicial
possa ser considerada uma dedução logicamente necessária da aplicação da norma
geral ao caso concreto, de nada adiantaria ter-se uma decisão apoditicamente
obtida se ela não fosse válida. E a validade desta decisão não pode ser deduzida
necessariamente da validade da norma geral, o que impede em absoluto o uso da
Lógica Formal para fundamentar decisões judiciais.
6.1.3.5 Sobre uma possível Lógica jurídica específica
Ao final do manuscrito Direito e Lógica, Kelsen se volta para a questão tantas
vezes levantada sobre se há de fato um ramo específico da Lógica chamado Lógica
Jurídica. O autor cuida desta questão afirmando que há, basicamente, dois
argumentos utilizados para a defesa de um tal ramo da Lógica: a conclusão por
analogia e o uso de argumentos a maiore ad minus, ambos, segundo Kelsen, (1984,
p. 81) amplamente utilizados pelos juristas e que se constituiriam formas autônomas
de lógica.
A decisão por analogia consiste na aplicação de uma norma geral a um caso
concreto que não é o mesmo previsto na norma geral, mas que com ele guarda
alguma semelhança e que, por isso, pode ser julgado de modo semelhante quando
a lei assim o permitir ou determinar. A norma individual criada pelo magistrado, neste
63
caso, será semelhante à decisão que seria proferida caso a conduta sub judice fosse
aquela prevista na lei, mas, evidentemente, com as necessárias adaptações. Este
tipo de operação lógica foi utilizado por parte da literatura jurídica (KELSEN, 1984, p.
81) para justificar a especificidade da Lógica jurídica.
Kelsen, todavia, rechaça esta alegação, afirmando que o que de fato
acontece nos casos em que se decide por analogia não é uma dedução lógica da
norma geral à norma individual, mas sim a criação de direito novo (uma nova norma
geral) em virtude de autorização ou determinação do ordenamento jurídico. Conclui
o autor austríaco: “A conclusão por analogia é conclusão de probabilidade, a saber,
não se atribui à proposição uma verdade rigorosa, mas somente um grau maior ou
menor de probabilidade” (KELSEN, 1984, p. 82-83).
Por sua vez, o argumento a maiore ad minus pode ser explicado de maneira
genérica como sendo a constatação de que, porque algo se aplica a um
determinado grupo, se aplica também a elementos que pertencem a este grupo. O
que aconteceria, caso esta definição fosse suficiente para o direito, seria um
autêntico caso de subsunção, ao modo dos silogismos analíticos demonstrados no
capítulo Silogismo Analítico.
No entanto, o argumento é explicado por Klug de forma mais adaptada ao
Direito, de maneira que o argumento a maiore ad minus é uma forma de
argumentação tal que “da validade de uma regra jurídica para uma classe geral de
casos se deduza a validade desta regra jurídica para casos especiais” (KLUG apud
KELSEN, 1984, p. 83). Atente-se, na definição de Klug, para o uso da palavra
validade. Esta é, com efeito, o grande diferencial deste argumento quando aplicado
ao direito e que desconfigura a subsunção, pois não é possível deduzir logicamente
a validade de uma norma geral da validade de outra norma geral (KELSEN, 1984, p.
84).
Por todas as razões esposadas por Kelsen que aqui se analisou, é de se
concluir, a respeito da pretensão de tratamento lógico do ordenamento jurídico, que
não é possível aplicar a Lógica Formal para justificar a validade de decisões judiciais
e tampouco é defensável a ideia de uma lógica própria do Direito. Como o próprio
autor afirma:
De uma Lógica “jurídica” específica não há que se falar. É a Lógica geral a que tem aplicação tanto às proposições descritivas da Ciência Jurídica
64
como também – na medida em que a Lógica seja aqui aplicável – às normas imperativas do Direito. (KELSEN, 1984, p. 84).
6.2 A Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy
Logo na introdução de sua Teoria da Argumentação Jurídica, Alexy (2001, p.
17), afirma, citando Larenz, que é unanimidade entre os teóricos da metodologia
jurídica contemporânea que “a afirmação normativa singular que expressa um
julgamento envolvendo uma questão legal não é uma conclusão lógica derivada de
formulações de normas pressupostamente válidas [...]”. Alexy afirma então que não
se discute mais que as decisões judiciais não se resumem a deduções necessárias
de premissas cuja validade é pressuposta. Assim, o autor alemão rechaça logo de
início a noção de que a atividade jurídica possa se desenvolver de modo puramente
silogístico, ou seja, derivando conclusões de premissas abstratas. Os motivos
listados pelo autor para esta impossibilidade são, a saber: a imprecisão da
linguagem jurídica; a possibilidade de antinomia; a existência de lacunas no
ordenamento jurídico; e uma eventual decisão contra legem (ALEXY, 2001, p. 17).
Apesar de fazer esta constatação, o mesmo autor também admite a
possibilidade de existirem casos em que a decisão correta a ser tomada é tão
patente, que não se poderia razoavelmente cogitar em se decidir de forma diversa:
[...] não significa que não existam casos, em que não haja nenhuma dúvida sobre como se deve decidir, seja com base nas normas válidas pressupostas, seja com referência a proposições da dogmática ou os precedentes. Pode-se inclusive aceitar que esses casos são muito mais numerosos do que os duvidosos (ALEXY, 2001, p. 21).
É importante salientar, no entanto, que apesar de Alexy admitir a
possibilidade de existirem decisões judiciais que se baseiam logicamente em
normas jurídicas cuja validade é pressuposta juntamente com axiomas empíricos,
estas decisões não decorrem apoditicamente de tais normas e axiomas. Ao
contrário, elas são decisões justificáveis (e não necessárias, caso pudessem ser
deduzidas matematicamente das normas) (ALEXY, 2011, p. 17), no sentido que se
argumentou quando da abordagem da obra de Kelsen, para quem tais decisões são
fundamentadas pela norma geral.
65
Todas essas constatações são feitas para preparar o terreno para o exame do
principal problema que Alexy se propõe a resolver e que ele afirma ser “[...] um
problema fundamental da Doutrina da Metodologia Jurídica” (2001, p. 17): a questão
da justificação das decisões judiciais e o problema da discricionariedade do julgador.
Como nem todo julgamento pode se seguir logicamente de normas cuja validade é
pressuposta em conjunto com axiomas empíricos, resta àquele que decide escolher
entre várias decisões possíveis.
Ocorre que nem todas as decisões jurídicas seguem este procedimento, pois
em algumas situações simplesmente não é possível fazê-lo. Como justificar, então,
uma decisão judicial que não decorra lógica e necessariamente da lei? A solução
para este problema consistiria em criar um conjunto de regras e procedimentos
capazes de revelar de forma razoável que uma determinada decisão judicial pode
surgir de normas e axiomas sem que deles seja uma decorrência logicamente
necessária. Os principais candidatos para este papel seriam os cânones (ou
métodos) de interpretação, que ditam como a lei deve ser interpretada. Entretanto,
não existe unanimidade quanto a quantos e quais são estes cânones, uma vez que
autores diferentes apontam métodos diferentes de interpretação legal. Além disso,
mesmo estes autores não apresentam uma classificação hierárquica sólida entre os
vários métodos de interpretação, permanecendo a dúvida quanto a quais devem ser
utilizados em detrimento de quais outros. Mesmo que houvesse consenso quanto a
qual cânone devesse ser aplicado a qual situação, a imprecisão dos mesmos
dificultaria a sua utilização exclusiva como forma de justificação de decisões
judiciais, já que dois intérpretes diferentes podem chegar a duas ou mais conclusões
diferentes (ou mesmo antagônicas) ao interpretar a mesma norma segundo o
mesmo cânone.
Segundo o autor
A escolha da pessoa que decide é que determina qual proposição normativa singular [decisão] deve ser afirmada (por exemplo, numa pesquisa científica de Direito) ou promulgada como um julgamento num caso. O conteúdo dessa proposição singular normativa é uma afirmação ou comprovação do que se exige, proíbe ou permite a determinados indivíduos. Donde a decisão tomada, independentemente do nível de justificação que se alcançou, é assim uma decisão sobre o que deve ou pode ser feito ou não. Nesta decisão é dada preferência a uma ação ou forma de comportamento da parte de uma ou de mais pessoas, sobre outras ações ou formas de comportamento da parte dessas pessoas. Uma tal ação de preferência, no
66
entanto, exige um julgamento de que a alternativa escolhida em algum sentido é melhor do que outra e, neste ponto, propicia a base de uma (sic) julgamento de valor. (ALEXY, 2001, p. 19-20. Grifo no original).
Segundo Alexy (2001, p. 20), estes julgamentos de valor são reconhecidos
por grande parte dos teóricos modernos como indispensáveis para a atividade
judicial, mas a pergunta fundamental que o autor coloca é sobre as ocasiões em que
estes julgamentos de valor são necessários e qual é a extensão desta necessidade,
bem como em que medida eles devem se relacionar com os métodos ou cânones de
interpretação jurídica e com os conceitos da dogmática jurídica, além, ainda, do
problema da justificação e fundamentação destes mesmos julgamentos de valor.
A resposta a estes problemas é de singular importância para a legitimidade da
atividade judicial enquanto forma de solução de conflitos. Se tais decisões não
puderem ser racionalmente justificadas, não podem ser consideradas legítimas – ao
contrário, não passariam de arbitrariedades de um determinado grupo de
profissionais.
6.2.1 Alexy e a Nova Retórica de Perelman
Com a intenção de estabelecer sua própria teoria da argumentação, Alexy
cuidou de examinar várias teorias do discurso prático em sua Teoria da
Argumentação Jurídica. Uma delas, que agora se passa a analisar, é a própria Nova
Retórica de Chaïm Perelman.
Alexy pretende constatar se Perelman foi capaz de construir uma teoria
autossuficiente da argumentação prática (2001, p. 129). Para tanto, inicia seu estudo
da obra de Perelman fazendo um breve resumo das principais empreitadas
filosóficas do autor polonês, como o estudo sobre justiça de 1945 em que Perelman
“chegou à conclusão de que ao menos os princípios básicos de cada sistema
normativo são arbitrários” (ALEXY, 2001, p. 129). A partir da segunda metade do
séc. XX, o autor deu início à formulação de sua Teoria da Argumentação com a
intenção de provar a viabilidade de outras formas de argumentação racional que não
fossem a demonstração científica e as provas empíricas (ALEXY, 2001, p. 129).
Em seguida, Alexy passa a examinar o aspecto lógico da teoria da
argumentação perelmaniana, apresentando as principais razões que seu autor
enumera a fim de configurá-la como uma teoria lógica e não psicológica. São eles, a
67
saber: a) o exame lógico deve preceder a verificação da eficácia psicológica que os
argumentos possam vir a ter; b) a qualidade dos argumentos é independente de
considerações psicológicas sobre os mesmos (ALEXY, 2001, p. 130).
6.2.1.1 O auditório universal
Uma das principais críticas que Alexy endereça à teoria de Perelman diz
respeito ao conceito de auditório e de sua variante, o auditório universal (que, na
tradução consultada, é referido como “audiência universal”). O auditório em si (em
sentido amplo) é o conjunto das pessoas a quem o orador dirige suas palavras,
presumivelmente com o intuito de fazê-los aceitar suas ideias. Este grupo pode ser
constituído por todo tipo de indivíduos que se puder imaginar, a depender das
intenções do orador. Um candidato a um cargo político, por exemplo, tem como
auditório os eleitores de uma cidade ou Estado, e mesmo dentro deste auditório
geral pode ter outros auditórios mais específicos, como o grupo das mulheres, dos
jovens, dos trabalhadores, dos aposentados, dos servidores públicos, etc. Um
especialista em botânica, ao escrever um artigo científico sobre sua área de
especialidade, escreve para o conjunto das pessoas que detêm conhecimentos de
botânica, ou ao menos de biologia, sendo este o seu auditório. Cada um destes
grupos tem os seus próprios anseios e necessidades, e o mesmo argumento pode
surtir efeitos diversos em um e outro auditório. Sobre isso, Alexy afirma que “O
orador tem de adaptar sua fala à audiência, seja ela qual for. Assim, a argumentação
é uma função da audiência [auditório]” (ALEXY, 2001, p. 131). Com isso, Alexy quer
dizer que a argumentação deve ser moldada de forma a ser bem recebida pelo
público ao qual é endereçada, caso o falante deseje ser levado a sério ou ter seus
desejos atendidos. Todos estes exemplos, contudo, são de auditórios particulares,
que podem ser definidos como grupos de ouvintes unidos por alguma característica
em comum e que são necessariamente mais restritos do que a totalidade dos seres
humanos.
Após fazer algumas breves considerações sobre a concepção perelmaniana
de argumentação, em que explicita seu caráter não dedutivo e a necessidade de
manter a adesão do auditório durante todas as passagens de premissas às
conclusões (ALEXY, 2001, p. 131), Alexy passa a comentar sobre o auditório
universal propriamente dito. Este pode ser definido como sendo o auditório
68
composto por todas as pessoas que podem participar de um debate (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 35). Esta é uma definição sabidamente incompleta,
mas será por ora utilizada por motivos didáticos, para que em seguida seja
incrementada.
A crítica mais incisiva que Alexy dirige à obra de Perelman ataca justamente a
composição do auditório universal, que depende mais do orador do que do próprio
auditório. Perelman afirma existir certa relação de reciprocidade entre o orador e
seus ouvintes, sendo que conhecer o falante dá pistas sobre a que tipo de auditório
ele dirige suas palavras. De modo análogo, mas no sentido inverso, oradores
diferentes podem ter concepções distintas acerca da composição desta plateia
universal. É possível entender o orador de acordo com a ideia que este tem do seu
auditório, de modo que “cada cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção do
auditório universal, e o estudo dessas variações seria muito instrutivo, pois nos faria
conhecer o que os homens consideraram, no decorrer da história, real, verdadeiro e
objetivamente válido” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 37. Grifos no
original).
Alexy vê um problema nessa composição de um auditório que pretende ser
universal (ou seja, objetivo), mas que fica ao sabor das ideias de cada orador e de
suas diferentes percepções, influenciadas por todo tipo de cultura, dogma,
preconceito, etc., de modo que, segundo esta definição,
uma audiência só é uma audiência universal para aqueles que a reconhecerem como tal. Para aqueles que não reconhecem ela é particular. Isso limita bastante o papel normativo da audiência universal. É norma somente para aqueles que a aceitam como uma norma” (ALEXY, 2001, p. 133).
Esta passagem aponta de forma inequívoca a preocupação de Alexy com a
inconsistência prática do conceito de auditório universal enquanto submetido a
particularidades pessoais e contingências sociais (ALEXY, 2001, p. 133) e como sua
definição depende tanto das características dos indivíduos que o compõem quanto
das características do próprio orador, que é quem faz os primeiros delineamentos
deste auditório. A suposta universalidade desta audiência, que deveria ser objetiva e
valer para todos, fica à mercê das subjetividades e idiossincrasias de cada um dos
inúmeros oradores.
69
Contudo, Alexy vê uma saída para este problema ao reconhecer na obra do
próprio Perelman uma definição variante do auditório universal que não considera a
subjetividade do orador, mas sim o critério de racionalidade para determinar quem
integra a audiência. Segundo esta definição alternativa, o auditório universal é
composto pela totalidade das pessoas racionais ou razoáveis (ALEXY, 2001, p.
133). É esta, portanto, a definição mais completa do auditório universal. Este,
segundo Perelman, é o conjunto de todos os indivíduos habilitados a participar do
debate ou da argumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 35),
sendo que podem ser considerados aptos a tomar parte na discussão todos aqueles
dotados de “mentes razoáveis” (PERELMAN, 1996, p. 94). Alexy se mostra mais
receptivo a esta segunda definição do auditório universal e assevera (2001, p. 133)
que esta é a essência da teoria da argumentação do filósofo polonês, traduzida na
ideia de um público que só pode ser convencido por argumentos racionais. Como
escreve Alexy (2001, p. 133), “A concordância da parte da audiência universal é o
critério de racionalidade e objetividade na argumentação”. Elucidando esta ideia,
pode-se dizer que, para Perelman, exprimir argumentos racionais é enunciar
proposições com as quais o auditório universal concorda e fazer transições dessas
proposições para conclusões que também contem com a adesão da audiência.
Consequentemente, tem-se que “um julgamento de valor ou de obrigação só deve
ser reconhecido como racionalmente justificado se todos puderem contar com isso”
(ALEXY, 2001, p. 134).
Ainda é importante lembrar a ressalva que Alexy faz acerca das limitações
desta definição:
Perelmaan (sic), como Habermas deve reconhecer que o acordo de todos nunca pode ser obtido. Quem apela para a audiência universal habitualmente não começa da presunção de que todos os seres que pertencem a ela reconhecerão seu argumento, mesmo que possa ter a esperança de que cada um possa concordar consigo. No entanto, começa assumindo que se eles fossem tomar conhecimento dos argumentos e os entendessem, eles viriam a concordar com a tese proposta. (ALEXY, 2001, p. 133)
Trata-se, portanto de uma presunção de que, ainda que a maioria dos
integrantes do auditório universal jamais venha a de fato ter conhecimento do
discurso que o orador lhes dirige, cada indivíduo que procurasse se informar sobre o
teor das teses que lhes foram endereçadas concordariam com elas.
70
As duas definições de auditório universal que Alexy extrai da obra de
Perelman, a saber: a preconcepção que uma sociedade tem de um auditório
universal e o conjunto dos indivíduos racionais de uma sociedade, são reputadas
pelo jusfilósofo germânico como complementares, apesar de uma possível
estranheza à primeira vista. Afinal, o orador que se dirige para o auditório universal
nada mais faz do que se voltar para a totalidade das pessoas que ele julga serem
capazes de compreender aquilo que ele tem a dizer, pois ninguém dialoga com
quem não tem capacidade de entender sua mensagem. Ao elaborar o discurso que
será apresentado a estas pessoas, “sua opinião sobre essas pessoas é formada
pelas suas ideias preconcebidas sobre esses seres” (ALEXY, 2001, p. 134-135).
6.2.1.2 Persuasão e convencimento
No rol dos conceitos importantes que Alexy identifica em Perelman se
encontram a diferença entre persuadir e convencer. O autor polonês distingue os
dois conceitos afirmando que persuadir é endereçar um discurso a uma audiência
particular (ou seja, mais restrita do que o auditório universal). Convencer, por outro
lado, é falar para o auditório universal, que, como já se viu, só aceita argumentos
racionais (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 31). Alexy completa esta
distinção com as consequentes definições de argumentos eficazes - aqueles que
contam apenas com a adesão de um auditório particular - e argumentos válidos, que
são aqueles que convencem a todo o auditório universal (ALEXY, 2001, p. 135).
Esta dicotomia existe em virtude do grau de racionalidade do discurso dirigido
ao auditório. Os argumentos aceitos pelo auditório universal hão de ser
eminentemente racionais, uma vez que esta audiência não adere a outro tipo de
argumento. Como estes argumentos devem ser aceitos pela integralidade das
“mentes iluminadas”, são considerados argumentos válidos – e por isso, universais.
Já a fala direcionada ao auditório particular não tem a mesma pretensão de
convencer universalmente, mas apenas de contar com o consentimento de um
determinado auditório limitado, geralmente com o intuito de fazer com que seus
integrantes partam para a ação. Perelman e Olbrechts-Tyteca esclarecem (2005, p.
30):
Para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer, pois a convicção não passa da primeira fase que leva à ação.
71
[...] Em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é mais do que persuadir.
A persuasão, portanto, é uma tentativa de motivar a ação dos ouvintes,
fazendo-os, por exemplo, votar em determinado candidato a cargo público eletivo.
Para persuadir, basta que o orador diga o que seu auditório quer ouvir para se sentir
motivado a adotar a conduta desejada, mesmo que os argumentos utilizados não
contem com a adesão das mentes razoáveis. Estes argumentos podem ser eficazes
para determinado propósito, mesmo que não sejam convincentes. Por sua vez, o
convencimento atua apenas no nível racional e dele não passa necessariamente
para a ação. Independentemente de gerar a atividade dos ouvintes, os argumentos
convincentes são válidos perante todos aqueles que tenham aptidão suficiente para
compreendê-los, mesmo que não sejam eficazes para atingir determinado objetivo.
Neste ponto é importante salientar o que Perelman acrescenta sobre a
natureza do auditório universal:
Os filósofos sempre pretendem dirigir-se a um auditório assim [universal], não por esperarem obter o consentimento efetivo de todos os homens – sabem muito bem que somente uma pequena minoria terá um dia a oportunidade de seus escritos -, mas por crerem que todos os que compreenderem suas razões terão de aderir às suas conclusões. O acordo de um auditório universal não é, portanto, uma questão de fato, mas de direito. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 35).
O que se constata, caso já não tenha ficado claro pelas exposições
anteriores, é que o auditório, seja o universal ou o particular, não é uma assembleia
física de pessoas reunidas ouvindo o discurso de um falante. No caso do auditório
universal isso é mais evidente, já que sua própria definição envolve conceitos
abstratos, como as “pessoas razoáveis”. Quem são estas pessoas? Em qual número
existem? Onde estão? Estas questões mostram-se irrelevantes, pois presumem uma
existência real ou física do referido auditório, quando na verdade se trata de uma
construção pertencente ao plano mental. O mesmo se aplica ao auditório particular,
pois, apesar de ser mais fácil delimitá-lo, isso só é verdade em termos abstratos.
Qualquer tentativa de enumerar concretamente os membros desta audiência
particular acabaria por deixar de fora indivíduos que poderiam pertencer a ela e
incluir outros que dela não fazem parte.
72
6.2.1.3 A estrutura da argumentação
Alexy analisa brevemente mais alguns aspectos relevantes da obra de
Perelman, que, com efeito, constituem a maior parte do Tratado da Argumentação e
se encontram na Segunda e Terceira Partes. São estes tópicos as premissas de
argumentação e as técnicas de argumentação. O autor germânico analisa
rapidamente as subdivisões de cada uma (ALEXY, 2001, p. 136-137) e passa a
emitir sua opinião sobre como Perelman constituiu a estrutura da argumentação em
sua teoria.
O principal defeito que Alexy aponta no tópico da estrutura da argumentação
é que o autor polonês não a analisa, seja nas premissas de argumentação, seja nas
técnicas de argumentação, utilizando-se da filosofia analítica e suas ferramentas de
análise lógica. Segundo Alexy, a teoria perelmaniana teria muito a ganhar se tivesse
empregado estes recursos (ALEXY, 2001, p. 137). O que Alexy salienta é que, de
acordo com o seu entendimento, qualquer teoria da argumentação precisa se valer
dos instrumentos da lógica moderna, por entender que “toda análise de um
argumento tem de começar pela observação de sua estrutura lógica.” (ALEXY, 2001,
p. 138).
73
7 CONCLUSÃO
Por tudo o que foi exposto nesta dissertação, espera-se ter deixado claras as
nuances da atividade e do raciocínio jurídicos tanto no que diz respeito aos seus
aspectos lógicos quanto no que diz respeito à sua aplicação prática. Considerando
que a atividade jurídica tem como um de seus objetivos fundamentais a promoção
da justiça, entende-se serem os desenvolvimentos filosóficos e históricos aqui
examinados de grande importância para a compreensão do fenômeno jurídico como
ele é conhecido hoje.
Pode-se concluir que a atividade jurídica possui particularidades que a
impedem de ser regida exclusivamente pela Lógica Formal. Embora isto já tenha
sido afirmado por Aristóteles, tal especificidade foi progressivamente cedendo
terreno ao silogismo científico dedutivo durante os séculos XVII a XIX.
Com a retomada dos estudos aristotélicos e o surgimento da Nova Retórica
de Perelman, a Teoria da Argumentação apontou na direção do aspecto dialético e
argumentativo da atividade jurídica. Este nunca deixou de existir, mas permaneceu
de certo modo camuflado pelo prestígio das ciências dedutivas.
Necessário ressalvar, contudo, que o objetivo da Teoria da Argumentação e
da Nova Retórica não é e nunca foi substituir a Lógica Formal, mas sim resgatar os
horizontes mais amplos da racionalidade que prevaleciam na Antiguidade, servir
como um complemento para a análise de determinadas áreas do conhecimento
humano, dada a insuficiência daquele ramo da lógica para as atividades de caráter
eminentemente prático. Estas atividades não prescindem de uma análise do
conteúdo das proposições que são enunciadas em seus âmbitos, e isso a Lógica
Formal não é capaz de fazer.
Muito embora no estado em que a Ciência do Direito se encontra atualmente
já não existam dúvidas quanto ao aspecto dialético dos raciocínios utilizados no
Direito, ainda hoje se depara com alguns resquícios de uma concepção científico-
demonstrativa de proposições jurídicas. Como se argumentou aqui, estes eventuais
equívocos podem acontecer a partir do momento em que uma proposição de dever-
ser é normatizada. A partir deste momento, enunciados podem ser feitos sobre esta
norma, enunciados estes que se submetem ao juízo de falsidade ou veracidade
regido pela Lógica Formal.
74
O que se pretendeu deixar claro aqui é que o fato de a norma ser de
observação obrigatória não a torna necessária ou evidente do ponto de vista lógico.
Portanto, as premissas e proposições envolvidas na prática jurídica estão
inteiramente sujeitas à discussão e ao debate, inclusive com relação ao seu
conteúdo. É função dos operadores do direito, pois, resgatarem essa característica
nos debates judiciais, questionando e contra-argumentando as premissas que lhe
são apresentadas. A Lógica Formal ainda tem grande utilidade nas ciências
humanas e sociais, uma vez que as duas lógicas aqui abordadas não são
estanques, mas não é instrumento adequado o suficiente para explicar o raciocínio
jurídico, dado o caráter dialético deste.
O Estado Democrático de Direito tem como pressuposto insubstituível que o
Poder Judiciário mantenha uma relação dialógica com os jurisdicionados e que
todos eles tenham a oportunidade de discutir e debater as normas que prescrevem
como devem se comportar. O reconhecimento de que a lógica dialética deve
prevalecer nos âmbitos judiciais é uma questão não só de justiça, mas de
transparência e democracia por parte do Poder Judiciário, pois, ocultando o modo de
raciocinar empregado na prolação de sentenças por detrás de uma justificação
formal deficiente, abre-se uma brecha para que o arbítrio e o autoritarismo dominem
o direito.
75
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