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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSFACULDADE DE EDUCAÇÃOMESTRADO EM EDUCAÇÃO
TEORIA CRÍTICA E COMUNICAÇÃO - UMA ANÁLISE DO JORNALISMO COMO
(IM) POSSIBILIDADE FORMATIVA
Maria Flora Ribeiro CostaOrientadora: Dra. Silvia Rosa Silva Zanolla
Goiânia 2007
MARIA FLORA RIBEIRO COSTA
TEORIA CRÍTICA E COMUNICAÇÃO - UMA ANÁLISE DO JORNALISMO COMO
(IM) POSSIBILIDADE FORMATIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Dra. Silvia Rosa Silva Zanolla
Goiânia 2007
MARIA FLORA RIBEIRO COSTA
TEORIA CRÍTICA E COMUNICAÇÃO - UMA ANÁLISE DO JORNALISMO COMO
(IM) POSSIBILIDADE FORMATIVA
Dissertação defendida no Curso de Mestrado em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do grau de Mestre, aprovada em _______ de
________ de ________, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
____________________________________________________________ Profa. Dra. Silvia Rosa Silva Zanolla – UFG
Presidente da Banca
____________________________________________________________Profa. Dra. Maria do Rosário Resende – UFG
____________________________________________________________Prof. Dr. Esqueci o nome dele
Para meu filho Lucas, fonte inesgotável de minha alegria. Ao meu anjinho Filipe, que em meu ventre me ensinou o valor da vida e, hoje, me aproxima mais de Deus. Ao meu amado e companheiro Neto. À Dona Dulce, mãe e melhor amiga, que me mostra que a sabedoria humana está em ser cada vez mais humano na relação com o próximo, e é a principal responsável pelas minhas maiores conquistas.
RESUMO
Ao refletir sobre o jornalismo na modernidade é possível sintetizar algumas de suas tendências na afirmação e reiteração de uma pseudo-racionalidade, que se estabelece a partir da criação e recriação do real pela técnica. Este trabalho compreende essas tendências para além da instrumentalização capitalista e sugere a negação da concepção ideologizada da narrativa jornalística. Para isso, propõe uma relação entre jornalismo, educação e teoria crítica, no sentido de examinar o objeto de estudo na perspectiva frankfurtiana. Ressalta-se que o contexto das Revoluções Francesa e Industrial, que marcaram os séculos XVIII e XIX, direcionaram a sociedade para uma nova estrutura de sustentação econômica, pautada pelo desenvolvimento do setor industrial, no qual o capitalismo se despontara como possibilidade única de progresso. A ideologia do capital perseverou nos séculos seguintes e se consolidou como expressão da liberdade e da realização pessoal ao alcance de todos para um futuro melhor. A nova forma de produção material envolveu todas as manifestações da produção humana, e logo se estabeleceu nos setores da ciência, das artes, da religião e da educação. Assim, a cultura humana passou a ser diretamente marcada e influenciada pelo modo de produção capitalista. O processo que levou a apropriação da cultura pela ideologia capitalista culminou em uma reestruturação das forças produtivas em um conceito que Horkheimer e Adorno chamaram, no século XX, de indústria cultural. A ampliação deste conceito resvala nas possibilidades e impossibilidades de vislumbrar uma educação voltada para a autonomia do sujeito. Os desdobramentos dessa realidade mostram ser possível observar o quanto as relações de produção da sociedade atual são determinadas pela lógica mercadológica, tendo como base a alienação, explicitada por Karl Marx ao analisar o mundo do trabalho. Em meio a tendência à construção de uma racionalidade instrumentalizada a Teoria Crítica chama a atenção para o enfraquecimento do pensamento crítico e da consciência verdadeira. O trabalho busca enfatizar a importância do reconhecimento dessas contradições inerentes ao jornalismo moderno como instância de (de) formação social.
ABSTRACT When reflecting about the journalism in modernity it is possible to synthesize some
of its trends in the affirmation and reiteration of a pseudo-rationality, that if establishes from the creation and recreation of the real for the technique. This work comprehends these trends to beyond the capitalist instrumentalization, and suggests the negation of the ideology conception of the journalistic narrative. For this, this work makes a relation between journalism, education and critical theory, in the meaning to examine the study’s object in the Frankfurt’s perspective. It is standed out that the context of the French and Industrial Revolutions, that had marked centuries XVIII and XIX, had directed the society for a new structure of economic sustentation, based for the development of the industrial sector, in which the capitalism blunts as only possibility of progress. The ideology of the capital would reach the following centuries and it would consolidate as expression of the freedom and the personal accomplishment to the reach of all for a better future. The new form of material production involved all the manifestations of the human being production, and soon it is established in the sectors of science, the arts, the religion and the education. Thus, the human being culture directly passed to be marked and to be influenced by the way of capitalist production. The process that took the culture appropriation for the capitalist ideology culminated in a reorganization of the productive forces in a concept that Horkheimer and Adorno had called, in century XX, of cultural industry. The magnifying of this concept touchs in the possibilities and impossibilities to glimpse an education directed toward to the citizen’s autonomy. The unfoldings of this reality shows that is possible to observe how much the relations of production of the current society are determined by the marketing logic, having as base the alienation, explained for Karl Marx when analyzing the world’s work. In way the trend to the construction of an instrumentalized rationality the Critical Theory calls the attention for the weakness of the critical thought and the true conscience. The work searchs to emphasize the importance of the recognition of these inherent contradictions to the modern journalism as instance of social (de)formation.
SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................................................5
ABSTRACT ...................................................................................................................................6
INTRODUÇÃO.........…………………………………………………........................................ 9
Capítulo I – Reflexões acerca das contradições históricas do jornalismo .............................13
1.1 – Poder e censura ...................................................................................................................171.2 – Jornalismo industrial – tecnologia ......................................................................................211.3 – Ideologia e alienação ...........................................................................................................261.4 – Jornalismo e ideologia ........................................................................................................301.5 – Ideologia e (in) consciência ................................................................................................35
Capítulo II – Teoria Crítica e comunicação – o jornalismo frente às (im) possibilidades objetivas e subjetivas da cultura ................................................................................................472.1 – Cultura e razão ......................................................................................................................502.2 – Indústria cultural – um conceito atual ..................................................................................572.3 – O caráter mercadológico da notícia ......................................................................................662.4 – Sensacionalismo e barbárie ..................................................................................................692.5 – Indústria cultural e jornalismo .............................................................................................732.6 – O discurso afirmativo do jornalismo ....................................................................................882.7 – A notícia e a (re) construção do real .....................................................................................92
Capítulo III – Cultura, Jornalismo e Educação .......................................................................95
3.1 – Jornalismo e (de) formação cultural ....................................................................................973.2 – Educação e jornalismo .......................................................................................................1043.3 – O progresso e o retrocesso da crítica ..................................................................................1113.4 – Formação e (in) formação ...................................................................................................114
CONSIDERAÇOES FINAIS ....................................................................................................117
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................124
Nem tudo que se tentapode ser modificado,
mas nada será modificado até que se tente.
Luther King
Introdução
No contexto em curso a constituição de uma sociedade globalizada, que assume uma
dinâmica mundial e sistematizada, cada vez mais voltada para a sustentação do desenvolvimento
tecnológico para a expansão do capitalismo, as redes de experiências tanto sociais, como
culturais, tendem a serem tecidas em uma ordem pragmática, de atendimento ao imediatismo
inerente à realidade administrada.
Os avanços da ciência e da tecnologia produziram na modernidade novas relações de
dominação, conduziram a sociedade, o indivíduo e a cultura à submissão das determinações do
modo de produção. Nesse processo, Horkheimer e Adorno (1973) chamam a atenção para a
necessária análise da relação do homem com a sociedade e a urgente percepção deste sobre as
esquematizações da realidade vigente. Nesse raciocínio, o indivíduo se constitui na sua vivência
em sociedade, e o momento histórico-social que vivencia influenciará de modo determinante seus
valores e atitudes.
Diante do social administrado por ditames do sistema dominante, as possibilidades de
autonomia e emancipação aparecem minimizadas, dificultadas. A pressão do real conduz o ser
social à identificação e à adaptação conformista ao existente. Nesse caso, estão favorecidas as
condições para a banalização do real opressor. Ao banalizar a estrutura material, o sujeito como
ser de ação e transformação do próprio meio social encontra-se enfraquecido pelo estado de
coisas (HORKHEIMER e ADORNO, 1985).
A sociedade adaptada se distancia das possibilidades do desvelar o real administrado.
O homem e a realidade tendem a se unificarem em um processo de identificação. As formas de
contestação e questionamento aparecem sob o encanto da esquematização do capital. Nem
mesmo quando aparece o pensamento reacionário se desprende do real opressor, não se
desvencilha da lógica formal.
A crítica se limita muitas vezes à regra da utilidade, com aplicação lógica
determinista e fragmentada. Entende-se que o ajustamento do indivíduo compromete suas
possibilidades de emancipação e autonomia. Dessa maneira, surge a exigência de uma
consciência capaz de apreender de maneira crítica as contradições da sociedade. É importante
observar que as promessas do capitalismo de acúmulo de riquezas não são realizáveis para todos
e que o progresso tecnológico reforça as desigualdades sociais. Nesse sentido, quanto maior o
desenvolvimento da ciência e da técnica maior a tendência de aumento da pobreza, da miséria e
das injustiças sociais. O mito do progresso constitui a ideologia da dominação. Nessa realidade as
riquezas produzidas pelo progresso são para uma minoria que se sustenta na dominação da
maioria.
Em meio à ideologia, a consciência humana não consegue apreender a
esquematização da realidade a partir de seus elementos constitutivos e das suas contradições
inerentes. As representações sociais não evidenciam o quanto a sociedade, que deveria imprimir
condições para o desenvolvimento do homem, impede a realização do próprio homem. Há uma
administração racional do pensamento que dificulta o despertar e o desencantamento sobre o real.
A identificação e a acomodação oprimem o pensamento questionador e colocam em ameaça a
condição do indivíduo pleno como sujeito e sentido da própria sociedade.
O homem, como instrumento de reafirmação de um processo que tende a lhe negar
sua condição de ação e de interferência, impede a si mesmo de ser sujeito real. Ele próprio
contribui para sua alienação. Por outro lado, o sujeito criticado por Adorno (1995b) não é
constituído isolado do real, mas sobrevivente, em meio às mediações objetivas e subjetivas, de
maneira ilusoriamente autônoma.
Ao isolar o sujeito do real, como faz a razão formalizada, o determinismo de um
sobre o outro se converte em (i) razão. Ou seja, a possibilidade e, ao mesmo tempo,
impossibilidade da razão. A crítica é sobre a idealização como o falseamento de um e do outro,
pois “o objeto supostamente puro, livre de qualquer acréscimo de pensamento ou intuição, é
exatamente reflexo de subjetividade abstrata” (ADORNO, 1995b, p.188-189). Desse modo,
completa o autor: “Uma vez radicalmente separado do objeto, o sujeito já reduz este a si; o
sujeito devora o objeto ao esquecer o quanto ele mesmo é objeto” (ADORNO, 1995b, p.183).
O despertar do homem para a racionalidade do sistema capitalista é uma necessidade
para o bem dele mesmo. O esforço é insistir em uma reflexão capaz de desmistificar o real e
convertê-lo para servir ao homem e não à técnica ou ao capital, como tem sido a tendência. O real
se constrói ideologicamente objetivado e, assim constituído, minimiza as condições de reflexão
do indivíduo.
Adorno (1995b) critica a fusão do homem e o todo existente, e sugere a idéia de que o
falso sujeito é aquele que, em meio ao real opressor, não encontra condições para ter identidade
própria. Para o autor, o sujeito se desfaz na impossibilidade de apreender o real de outra maneira
que não a determinada, e, se anula diante do real administrado, abdicando da sua possibilidade de
ser autônomo. Assim, o indivíduo tende a se tornar algo moldado a serviço da lógica dominante.
Por outro lado, observa-se que a possibilidade da autonomia está na rejeição da ilusão da
autonomia. Essa idéia permite pensar o quanto o indivíduo, convencido pelo discurso ideológico
capitalista de que é senhor de suas vontades e decisões, não enxerga que é dominado por esta
ideologia.
Neste contexto, embora a Teoria Crítica não centre na análise temática específica da
comunicação, buscou-se neste trabalho a apropriação das reflexões de Adorno, Horkheimer e
Marcuse como ampliação da discussão do jornalismo como elemento de formação e suas
contradições. A discussão, sobretudo, entende o jornalismo como instância de formação de
opinião, de grande influência cultural na sociedade. Nesse aspecto, a análise parte do princípio de
que o jornalismo, como um instrumento do sistema sociocultural, reflete pensamentos, inculca
idéias, valores, representações e cria expectativas nos indivíduos, sendo capaz de interferir na
realidade, ao mesmo tempo em que sofre interferência da realidade que descreve. Entre os
conceitos frankfutianos de maior relevância dos quais apropriou-se para essa análise estão:
emancipação, autonomia, indiferenciação, pseudo-individuação, dominação, totalitarismo e
Indústria Cultural.
Dessa maneira, examina-se no discurso jornalístico tendências de conversão das
representações particulares do real a padrões universalizados, o que dificulta a percepção e
compreensão do cotidiano a partir dos elementos constitutivos e históricos. Neste contexto,
observa-se que no jornalismo estão reduzidas as condições de percepção das contradições
inerentes ao processo de dominação capitalista. Observa-se, ao mesmo tempo, que ao instaurar a
dificuldade da análise, o discurso jornalístico também reduz as possibilidades de contestação e
subversão da realidade apresentada. A crítica, nesse caso, recai sobre a superficialidade da
linguagem jornalística e a operacionalização desta linguagem, que conduz a uma apreensão
harmônica do real.
A Teoria Crítica como referência para a análise, nos permite pensar a instauração
nesta sociedade de uma espécie de (in) consciência da alienação prevalecente na falsa
consciência, em que o desvelar desta esquematização é responsabilidade de todos os setores da
sociedade, inclusive do jornalismo.
Desse modo, este trabalho tem o propósito de aprofundar, teoricamente, reflexões e
interpretações sobre o caráter (de) formador do jornalismo, com base em suas experiências. O
esforço é, portanto, elaborar um pensamento crítico sobre as contradições do jornalismo na
modernidade e suas possibilidades contraditórias de contribuição para a autonomia do indivíduo.
Ao optar por um trabalho teórico, não está descartada a análise do caráter pragmático do objeto.
De acordo com Adorno (1995a), “pensar é um agir, teoria é uma forma de práxis; somente a
ideologia da pureza do pensamento mistifica este ponto” (ADORNO, 1995a, p.204). Refletir
sobre as contradições da própria reflexão constitui militância.
Assim, no primeiro capítulo discute-se o contexto histórico do surgimento do
jornalismo no Brasil e suas ingerências nos campos econômico, social e cultural. Neste percurso,
sintetiza-se o desenvolvimento da imprensa no mesmo percurso histórico da ascensão burguesa
no país e suas correlações ideológicas e mercadológicas, que implicaram na linguagem e no
formato jornalísticos. No segundo capítulo, reforça-se o referencial teórico, com base no estudo
dos textos de Adorno, Horkheimer e Marcuse e a relação da Teoria Crítica com a estética e a
comunicação. As reflexões apontam o jornalismo como expressão da Indústria Cultural e traça
considerações sobre o caráter mercadológico da notícia e suas contradições constitutivas. No
terceiro capítulo, relaciona-se a educação e o jornalismo, na perspectiva da Indústria Cultural,
questionando os conceitos de emancipação e formação cultural na contemporaneidade.
A busca pela emancipação do indivíduo frente à objetivação absoluta da realidade
presume a formação de consciências verdadeiras (HORKHEMER e ADORNO, 1985). Nesse
aspecto, os elementos objetivos analisados, que apresentam o comprometimento do jornalismo
com o sistema capitalista, são perpassados pela força da tecnologia e apontados como fatores que
dificultam a crítica a partir da notícia. Assim, torna-se importante tecer considerações para uma
análise sobre a desmistificação do jornalismo como fonte idealizadora de formação cultural.
Dentro dessa concepção, apropria-se de conceitos da Teoria Crítica para proceder a análise, e
constituir a possibilidade de militar contra o mito e a favor de um jornalismo mais combativo e
humano.
Capítulo I
Reflexões acerca das contradições históricas do jornalismo
A produção cultural faz parte das relações de interdependência, alienação e antagonismo caracterizam as relações capitalistas de produção. Para concretizar-se, a reprodução internacional do capital implica na reprodução, em conjunto, das condições materiais e espirituais da apropriação do excedente econômico gerado pela força de trabalho nos países colonizados e dependentes. Daí a importância das idéias e concepções, doutrinas e teorias, com as quais se codificam, legitimam e reproduzem as relações, os processos e as estruturas de dominação política e apropriação econômica nesses países (IANNI, 1976, p.7).
O desenvolvimento da sociedade se apresenta a partir de uma cultura influenciada
pelo surgimento do capitalismo. Nessa perspectiva, compreender os fatos históricos,
especialmente, do século XVIII - o chamado “século das luzes” -, torna-se fundamental para o
entendimento da realidade, sobretudo, a partir do século XX, em seus variados aspectos sócio-
culturais, considerando as mudanças engendradas pelas revoluções Francesa e Industrial. Os
desenvolvimentos econômico e tecnológico que despontaram após as revoluções, a afirmação da
ideologia liberal e do progresso, a constituição e o fortalecimento dos Estados, foram
características significantes para a unificação do mundo ocidental em busca de ideais comuns.
Segundo Hobsbawm (2004), esse processo desenvolveu-se mais significativamente nos séculos
XIX e XX.
Ao observar a cultura como totalidade das manifestações e das formas de vida que
caracterizam um povo, entendemos que cada sociedade cria seu modo de relacionar-se com o
tempo e com os símbolos lingüísticos, na elaboração de suas crenças e mitos (JAEGER, 1986).
Dessa maneira, a história consiste em expor o processo real de produção e concebe a forma de
intercâmbio conectada a este modo de produção. O fundamento de toda a história se explica a
partir dela própria e do conjunto de diversas formas da consciência – religião, filosofia, moral,
etc. (MARX e ENGELS, 1999). Nesse caso, história e cultura são realidades indissociáveis, o que
exige, neste contexto, compreender as marcas fundantes da sociedade contemporânea capitalista e
sua constituição.
O mundo moderno desenha-se a partir das modificações nas relações econômicas,
que passam do modo de produção rural para o mercantil, o que influenciou de maneira
significativa o modo de produção industrial. A Revolução Francesa, que eclodiu em 1789,
constitui um fato importante de transformação da história humana, cujo alcance se desdobrou em
influências políticas na atualidade. Porém, as forças sociais econômicas e políticas das
transformações após a Revolução Francesa já estavam em preparação devido a outros fatores
históricos que antecederam esta revolução, e que muito contribuíram para com ela, como por
exemplo, a Revolução Inglesa na metade do século XVII. Segundo Hobsbawm (2004), “se a
economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução
industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução
Francesa”(HOBSBAWM, 2004, p.83).
De acordo com Hobsbawm (2004), trata-se do “triunfo não da indústria como tal, mas
da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da
sociedade burguesa liberal (...)” (HOBSBAWM, 2004, p.16). Com a crise monárquica, a
formação de novas estruturas sócioeconômicas do século XVIII redesenha uma sociedade
européia singularmente equilibrada entre dois grupos: progressista e antiprogressista, ou,
especificamente, entre a burguesia industrial e o proletariado de um lado, e as classes
aristocráticas mercantis e as massas feudais de outro.
A crise do Velho Regime (Monarquia) e de seus sistemas econômicos foi promovida,
principalmente, pelo crescimento do mercado e da indústria fomentados pela Revolução
Industrial. Nesse período, surgiram as primeiras máquinas a vapor na produção do algodão,
principal produto comercializado que, à época, superava a produção de ferro e impulsionava o
mercado fabril nas áreas urbanas (HOBSBAWM, 2004). Para o avanço mercantil, as forças
sociais representadas pelos segmentos da indústria e do comércio buscavam a abolição de todas
as restrições à liberdade comercial, e embasavam-se na luta das desigualdades sociais que
impediam na época o desenvolvimento socioeconômico.
A ascensão burguesa acompanha, necessariamente, o lento desenvolvimento das relações capitalistas no país e sofre tortuoso processo, que nada tem de contínuo ou harmonioso. Ao mesmo tempo, padece da normal antecipação do econômico sobre o político, isto é, sofre os reflexos de uma burguesia economicamente ascensional, embora sem continuidade, mas ainda politicamente débil. Essa disparidade, marcada por defasagem, define-se o problema político essencial, que é o problema do poder (SODRÉ, 1996, p.276).
O vocabulário da classe revolucionária se sustentava nas palavras de liberdade e
democracia.
(...) o termo liberdade, antes de 1800 era sobretudo uma expressão legal que denotava o oposto de ´escravidão´ tinha começado a adquirir um novo conteúdo político. Sua influência direta é universal, pois ela forneceu o padrão para todos os movimentos revolucionários subseqüentes, suas lições interpretadas segundo o gosto de cada um tendo sido incorporadas ao socialismo e ao comunismo modernos (HOBSBAWN, 2004, p.85-86).
No século XVII, o comércio se despontava como atividade de alta lucratividade, mas
esbarrava nas estruturas vigentes das monarquias organizadas sob o poder do rei. A força dos
homens de negócios (comerciantes e empresários) e a crescente produção das máquinas a vapor
forçaram a transformação econômica, em especial, no mais populoso país da Europa, a França,
com o advento da revolução. Neste período, ainda não havia a imprensa, mas o setor de
comunicações, de maneira geral, era bastante avançado, mesmo antes das ferrovias, por veículos
puxados a cavalos; existia também o serviço postal (HOBSBAWM, 2004). Os jornais em
circulação eram pouquíssimos, essencialmente, periódicos das classes média e alta. Nessa época,
as informações chegavam pelos mensageiros:
As notícias chegavam à maioria das pessoas através dos viajantes e do setor móvel da população: mercadores e mascates, artesãos itinerantes, trabalhadores de temporada, grande e confusa população de andarilhos que ia desde frades ou peregrinos até contrabandistas, ladrões e o populacho; e, é claro, através dos soldados que caíam sobre o povo durante as guerras e o aquartelavam nos períodos de paz. Naturalmente que as notícias também vinham através dos canais oficiais – através do Estado ou da Igreja (HOBSBAWM, 2004, p.27).
A circulação da informação ainda era limitada, de pouco alcance, na maioria das
vezes, de maneira bastante artesanal; uma realidade que mais tarde sofreu radical mudança
impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, que proporcionou a reprodução em série dos
jornais e, conseqüentemente, foi possível a circulação da notícia1 com maior rapidez e maior 1 De acordo com Hohembeg (1962), o conceito de notícia varia em função do veículo. “Para os matutinos é o que aconteceu ontem; para os vespertinos, o fato de hoje. Para as revistas, o acontecimento da semana passada. Para as agências noticiosas, emissoras de rádio e televisão, é o que acabou de ocorrer” (HOHEMBERG, 1962, p.11). Para
alcance. As tipografias passaram a investir em máquinas mais modernas, com maior capacidade
de produção.
Houve a expansão do comércio doméstico, a necessária captura de novos mercados, a
conseqüente aceleração da urbanização e o crescimento da classe trabalhadora. É neste contexto
mundial que nasce a imprensa no Brasil, estabelecendo estreita ligação com o desenvolvimento
da economia de mercado e de circulação de mercadorias no país, tendo como marco principal a
chegada da família real portuguesa, ainda no período colonial (SODRÉ, 1996).
O modelo operacional de desenvolvimento punha o mundo diante de uma enorme
renovação das estruturas de produção. O imperialismo capitalista alcançou boa parte do globo, o
que ampliava as possibilidades sociais das nações, especialmente nos campos econômico e
político. No âmbito cultural, as relações capitalistas traduziam a reprodução de um novo modo de
vida, em que as ações e o pensamento dos indivíduos eram perpassados pela mesma lógica do
sistema de produção, voltados, principalmente, para o consumo e o acúmulo de riqueza.
(...) era evidente que o progresso da produção estava de braços dados com o progresso das artes, das ciências e da civilização em geral. Que não se pense que os homens que tinham tais opiniões eram meros advogados dos consumados interesses dos homens de negócios. Eram homens que acreditavam em considerável justificativa histórica neste período, que o caminho para o avanço da humanidade passava pelo capitalismo (HOBSBAWM, 2004, p.330-331).
As relações sociais e todas as manifestações culturais do homem apresentavam a
reprodução e apropriação da ordem econômica capitalista. Com a generalização do capitalismo
em todas as esferas da existência social, ampliavam-se as possibilidades do seu desenvolvimento
e, ao mesmo tempo, ampliavam-se as condições materiais para o crescimento da imprensa. A
tecnologia possibilitou a montagem da tipografia, trazida ao país pela família real. O primeiro
jornal confeccionado no Brasil A Gazeta do Rio de Janeiro2 publicou o exemplar de número um
Nilson Lage (1979), a notícia assume um caráter mais específico do jornalismo, não podendo ser considerada como uma modalidade da informação em geral. A notícia, segundo ele, é uma transmissão sistemática por determinados meios técnicos e que se origina nas necessidades do capitalismo. Diante dos conceitos diferenciados, observa-se que a definição de Hohemberg (1962) se aproxima da análise proposta nesse trabalho ao sugerir o caráter imediatista da notícia. Porém, Lage (1979) também contribui com sua reflexão ao afirmar que a notícia tem origens nas necessidades do capitalismo. 2 O Gazeta do Rio de Janeiro “era um pobre papel impresso, preocupado quase que tão-somente com o que se passava na Europa, de quatro páginas, poucas vezes mais, semanal de início, trissemanal depois custando a assinatura semestral 3$800, e 80 réis o número avulso (...)” (SODRÉ, 1996, p.19).
em 10 de setembro de 1808,3 e foi editado nas oficinas da Impressão Régia,4 instaladas pela
Coroa Portuguesa. A tipografia do reinado era a única autorizada a editar material impresso no
país.
O monopólio das oficinas de impressão significava também o controle e a influência
do rei sobre todo o conteúdo publicado na época. Qualquer panfleto, documento oficial, e, até
mesmo, os livros literários dependiam de autorização da Coroa para edição e publicação, que
além do interesse político também somava altos valores com o serviço de impressão.
Ainda na primeira década do século XIX outras impressões de propriedade de
pessoas comuns da sociedade foram instaladas no país, a maioria de comerciantes. Mas, ainda
assim, os tipógrafos só podiam ser instalados com autorização da autoridade real. Assim, é
possível afirmar que a censura acompanha a criação da imprensa no desenvolvimento do sistema
capitalista no país.
1.1 - Poder e Censura
O cerceamento à liberdade da imprensa se torna ainda mais rígido a partir da
Proclamação da República do Brasil, em 1822. O controle se fazia necessário principalmente
sobre a imprensa de oposição conhecida por pasquins,5 que pregava a autonomia contra o
liberalismo político da época. Essas publicações influenciaram manifestações oposicionistas, o
que resultou em conflitos, motins e em movimentos revolucionários. O controle da Coroa sobre a
divulgação das notícias nascia ao mesmo tempo da definição sobre o que noticiar e, isso, se fazia
necessário à manutenção da dominação do sistema vigente.
Havia o temor do poder de idéias contrárias aos seus ideais políticos e econômicos,
pois, tratava-se de idéias, que chamavam a atenção do público em geral para a necessária
independência do Brasil e a negação ao sistema colonialista. Nesse sentido, só era divulgado o
conteúdo que não afetasse os interesses dos detentores do poder. A censura tinha por objetivo
3 De acordo com Sodré, alguns equipamentos, que serviram de base para a instalação da impressão régia, vieram de Portugal. Em maio de 1808, a casa de Antônio Araújo servira para a instalação da impressão régia, onde se imprimia todo material para impressão na época (SODRÉ, 1996).4 Antes da instalação da impressão régia, em 1706, havia sido instalada uma pequena tipografia no Recife para impressão de letras de câmbio e orações devotas. (SODRÉ, 1996).5 Os pasquins manifestavam as inquietações geradas durante três séculos de colonização do Brasil e reivindicavam um novo regime que assegurasse á sociedade condições de existência mais digna (SODRÉ, 1996). Estas publicações influenciaram manifestações oposicionistas, o que resultou em conflitos, motins e até em movimentos revolucionários.
claro intimidar e impedir a circulação de publicações que não condiziam com os projetos da
classe dominante.
Em casos de maior afronta, a Coroa Real determinava o fechamento da tipografia,
como ocorreu em 1817 com a tipografia do comerciante Ricardo Rodrigues Catanho. Naquele
ano, os revolucionários pregavam liberdade em um movimento que ensaiava a Independência do
país e imprimiram na oficina de Catanho o documento chamado Preciso, que trazia as idéias
revolucionárias. Mas,
(...) as autoridades, considerando o “infame abuso” que se fizera ali da tipografia, determinaram o seu fechamento e remessa do material para a Corte, ordem que o governador cumpriu apenas em parte, mas só em 1819, permitindo que, com o restante e um prelo de madeira, surgisse, em 1821, outra oficina, em que foram impressos documentos oficiais e os primeiros periódicos pernambucanos (SODRÉ, 1996, p.37).
O forte controle, a fiscalização e a vigilância policial sobre as tipografias limitavam o
conteúdo dos jornais impressos, que pouco tinham de interesse do grande público brasileiro. O
conteúdo privilegiava informações sobre a Europa, a metrópole e os reinados. A difusão dessas
informações era de grande interesse para a manutenção da colonização. A censura bastante severa
não deixava opções de exploração jornalística de outros interesses, que não o da autoridade Real.
O cuidado do poder era com a pregação do sistema federativo e a difusão das idéias republicanas
consideradas subversivas, combatidas e monitoradas pelas autoridades da época. Inclusive,
“serviram de base pela condenação e prisão de alguns jornalistas” (SODRÉ, 1996, p.170). Outros
jornalistas foram condenados a punições mais severas. Exemplo disso é o que ocorreu com dois
dos maiores jornalistas da época: Frei Caneca foi assassinado e Cipriano Barata condenado à
prisão perpétua. Na corte, a ordem era de anulação da imprensa de oposição.
Nesse período, até a primeira metade do século XIX poucos periódicos eram
vendidos; entre eles: o jornal Gazeta do Rio de Janeiro, o Correio da Tarde, O País, o Jornal do
Comércio e a Gazeta de Notícias. Restava à imprensa de oposição manifestar-se por pasquins.
Entre os pasquins da época, O Crioulo, O Crioulinho, O mulato, O cabrito, O Homem de Cor;
todos tinham em comum em seus conteúdos as inquietações geradas pelo trabalhador urbano, o
liberto, o artesão, o pequeno funcionário, e todos aqueles da baixa faixa social da época que eram
contra o domínio colonial e a rígida estrutura do latifúndio. As manifestações encontravam lugar
nos pasquins, que assumiam uma linguagem mais agressiva, sem formalismo, ou preocupação
com a escrita, até pelo fato de que era dessa maneira que esse informativo conseguia a
compreensão daquele público.
Num meio em que a educação, em seu estágio mais rudimentar, o ensino, estava pouquissimamente difundido, em que a massa de analfabetos era esmagadora, em que os que sabiam ler não tinham atingido o nível necessário ao entendimento das questões públicas, e em que os que haviam freqüentado escolas superiores se deliciavam em estéril formalismo e no abuso da eloqüência vazia, a única linguagem que todos compreendiam era mesmo a da injúria (SODRÉ, 1996, p.157).
O grande público nada via de atrativo nos grandes jornais em circulação. As notícias
oficiais caracterizavam um jornalismo de cunho oficial, caracterizado pela manifestação do
pensamento dominante, como Gazeta do Rio de Janeiro, um “jornal oficial, feito na imprensa
oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam,
como as dos que o haviam criado” (SODRÉ, 1996, p.20). Além de uma leitura pouco atrativa, o
alto índice de analfabetismo constituía outro fator que limitava o acesso da maior parcela da
população aos informativos. Praticamente, apenas a camada culta do país era letrada. Porém,
havia um conteúdo “(...) dividido em porções pequenas e independentes para um tipo de leitor de
menor nível cultural e menos disposto a se concentrar que as sólidas elites de classe média, que
liam The Times, o Journal dês débats e o Neue Freie Presse, mas nada mais” (HOBSBAWM,
1989, p.331). Nesse sentido, o jornal apresentava uma evolução muito mais visual que de
conteúdo escrito.
O número de impressões de jornais ainda era pequeno e o desenvolvimento das
técnicas de imprensa ainda precário. O jornalismo ainda não tinha uma linguagem específica,
pois “era feito por literatos e confundido com literatura, e no pior sentido”. (SODRÉ, 1996, p.
283). No século XIX, tudo que se tornava público via impressão era considerado conteúdo
jornalístico, inclusive os textos literários.
Nesse contexto, a chamada “imprensa artesanal” apareceu como um segmento
desorganizado, do ponto de vista da qualificação profissional, e conformado com sua
instrumentalização pelo poder dominante (SODRÉ, 1996). Enquanto no Brasil, o esforço da
censura era no sentido de impedir a exaltação dos ânimos revolucionários contra o absolutismo
real, na Europa, os movimentos das massas insatisfeitos aumentavam na mesma escala do triunfo
do capitalismo burguês. A insatisfação maior era com a exploração dos patrões sobre os
assalariados.
O crescimento das fábricas e a produção cada vez mais acelerada eram motivos de
revolta da classe proletária, principal mão-de-obra empregada pelo segmento fabril. O
descontentamento motivado pelo sentimento de exploração contribuiu para os conflitos que
marcaram principalmente o período de 1830 a 1840 e levaram à revolução de 1848. A miséria era
maior no campo, especialmente, entre os trabalhadores assalariados, que não possuíam
propriedades, camponeses e trabalhadores rurais domésticos.
Na cidade, a pobreza atingia principalmente os proletários industriais, que se
encontravam sob condição de exploração e sob rígido controle do patrão e supervisores. Eles
tinham que trabalhar por horas em turnos estressantes, além de castigados e multados por
eventuais falhas de produção. Os operários também eram obrigados a fazer compras nas lojas do
patrão para o aumento da riqueza dos proprietários dos estabelecimentos comerciais. Os
trabalhadores, de uma maneira geral, estavam
(...) diante da catástrofe social que não conseguiam compreender, empobrecidos, explorados, jogados em cortiços onde se misturavam o frio e a imundície, ou nos extensos complexos de aldeias industriais de pequena escala, mergulhavam na total desmoralização. Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento, e em que o álcool era a maneira mais rápida para se sair de Manchester` (...). O alcoolismo em massa, companheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização bruscas e incontroláveis, disseminou uma “peste de embriaguez” em toda a Europa (HOBSBAWM, 2004, p.282).
Nesse período, a classe trabalhadora aparecia no cenário suficientemente forte para
ameaçar a burguesia, mas, do ponto de vista político, fraca para impor resistência à condição de
exploração em que estava submetida. Faltava-lhe organização política e união. Havia uma
imaturidade política e ideológica que a enfraquecia como classe que aspirava uma revolução
social (HOBSBAWM, 2004). A Revolução de 1848 foi, portanto, uma soma de encadeamentos de
processos que emergiam na classe trabalhadora e também entre as próprias elites dominantes,
insatisfeitas com os benefícios que a monarquia reservava à aristocracia.
Entre crises agrícolas, recuos e fechamentos rápidos de mercados seguidos da
promessa de abertura, motins populares, greves nas fábricas, lutas pela redução da jornada de
trabalho, crise da superprodução e da realização de lucro, guerras civis, sangue e mortes, fome,
miséria e desemprego, emergia a questão nacional; uma exigência contra as mazelas do
monárquico que já não mais se sustentava, ao mesmo tempo, em que o contexto apontava
também um novo regime: o capitalismo (HOBSBAWM, 2004).
1.2 - Jornalismo industrial – tecnologia
A passagem para o século XX fez com que, no Brasil, a imprensa acompanhasse o
desenvolvimento de uma estrutura organizacional empresarial, embora, a economia capitalista no
país tivesse estruturas menos desenvolvidas que na Europa e Inglaterra. Os equipamentos velhos
de impressão, antes utilizados, eram vendidos no interior do país e substituídos por máquinas
mais velozes de maior capacidade de produção. Na época, todo o material novo adquirido era
importado.
A Impressão Régia fora organizada à base de rudimentares impressoras de madeira, compradas na Inglaterra por 100 libras esterlinas; só em 1845 tivera prelo mecânico para atender as impressoras francesas e inglesas que possuía; o requerimento de 1877 ficara em menos de 111 contos de réis; só em 1889, com a República, recebera a Active, de Marinone, e duas Alauzet, uma das quais podia imprimir 64 páginas de uma só vez; em 1894, tinha quatro motores, que acionavam 10 Alauzet e 7 marinoni; só em 1902 recebeu a primeira rotativa e, logo em seguida, mais duas, que rodavam 15 000 exemplares em uma hora. Os jornais contavam com equipamento mais moderno, embora menos numeroso; em 1911, entrava no Brasil o prelo Koenig; dois anos depois, o Werk-Augsburb (SODRÉ, 1996, p.281).
Apesar do atraso no Brasil, a reestruturação tecnológica da imprensa acompanhava as
transformações econômicas e o avanço capitalista do período que, definitivamente, afetavam o
modo de produção em todas as esferas do mercado. A organização do jornalismo em empresa
está intimamente ligada àquilo que se despontava como tendência do mercado: a produção em
série e em maior escala. A velocidade de produção era uma tendência do modo como se
organizava o mundo. O aumento na distribuição dos exemplares de jornal possibilitou alcançar
um número maior de leitores e, automaticamente, esse foi um dos fatores que implicarão em uma
influência maior da burguesia nos conteúdos jornalísticos, pois esta percebia que o jornal se
configurava como um eficiente veículo de alcance das grandes massas e serviria de instrumento
de propagação dos interesses desta classe.
Para Adorno (1994), o aspecto tecnológico aprimorou os métodos dirigistas e o
controle sobre as massas, “como poderia se demonstrar nos meios de comunicação de massa, nos
quais a tecnologia permite que a escolha e a apresentação da notícia e do comentário a partir de
poucos pontos sejam suficientes para tornar homogênea a consciência de inúmeras pessoas”
(ADORNO, 1994, p.72). Nesse sentido, Sodré (1996) afirma que o jornalismo empresa nasce
impulsionado pelo desenvolvimento de relações capitalistas e da ascensão burguesa.
A passagem do século, assim, assinala, no Brasil, a transição da pequena à grande imprensa. Os pequenos jornais, de estrutura simples, as folhas tipográficas, cedem lugar às empresas jornalísticas, com estrutura específica, dotadas de equipamento gráfico necessário ao exercício de sua função. Se é assim afetado o plano da produção, o da circulação também o é, alterando-se as relações do jornal com o anunciante, com a política, com os leitores. Essa transição começara antes do fim do século, naturalmente, quando se esboçara, mas fica bem marcada quando se abre a nova centúria. Está naturalmente ligada às transformações do País, em seu conjunto e, nele, à ascensão da burguesia, ao avanço das relações capitalistas: a transformação na imprensa é um dos aspectos desse avanço: o jornal será, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte (SODRÉ, 1996, p.275).
Ao fnal do século XIX, o país é presidido por Campos Sales, um governo
caracterizado pelo esforço de estruturar as forças políticas pré-capitalistas, o que influenciará o
conteúdo essencialmente político dos jornais. A prática da “compra da imprensa” para noticiar
interesses particulares torna-se comum. Forças políticas ofereciam aos jornais dinheiro para que
publicassem pontos de vista de interesse particular destes segmentos. A isenção jornalística
aparece comprometida a partir do momento em que é possível a influência de interesses classistas
no conteúdo publicado. À época, Campos Sales “não tem nenhum escrúpulo em comprar a
opinião da imprensa e de confessar nuamente essa conduta. Ela lhe parece justa e honesta”
(SODRÉ, 1996, p.277). As publicações na imprensa da época eram de caráter pessoal e restrito, e
a decisão do que era notícia, de longe considerava o interesse social em geral. De acordo com
Sodré (1996), a linguagem dos jornais da época era essencialmente política e representava a
opinião da burguesia.
A linguagem da imprensa política era violentíssima. Dentro de sua orientação tipicamente pequeno burguês, os jornais refletiam a consciência dessa camada para a qual, no fim de contas, o regime era bom, os homens do poder é que eram maus, com outros homens, o regime funcionaria às mil maravilhas, todos os problemas seriam resolvidos. Assim, todas as questões assumiam aspectos pessoais e era preciso atingir as pessoas para chegar aos fins moralizantes (SODRÉ, 1996, p.331).
Nessa fase, as relações econômicas ainda sofriam influência da agricultura e da
pecuária, duas atividades representadas por uma pequena parcela do setor produtivo. Por outro
lado, o capital comercial e a circulação de mercadorias já despontavam como determinantes de
uma nova estrutura econômica, mesmo com a resistência da estrutura institucional. O novo setor
apresentava a promessa de acúmulo de riquezas. Tratava-se do comércio livre, que surgia com a
ascensão da burguesia. Nesse sentido, as estruturas políticas do capital apresentavam forças
dominantes representadas pelo Estado e o comércio. Assim,
As forças que dominavam a imprensa do tempo eram o Estado e o capital comercial; os jornais eram empresas capitalistas, isoladamente considerados, mas inseridos no conjunto em que predominavam o Estado e o capital comercial, correspondendo aquele principalmente às forças pré-capitalistas ainda majoritárias no país (SODRÉ, 1996, p.278-279).
Importa observar que o desenvolvimento do jornalismo, ainda que lento, como
empreendimento empresarial e de importância sócio-político - importância que já havia
conquistado - continuava subordinado ao poder dominante. Isso reforça a idéia da dificuldade de
autonomia, devido ao comprometimento do jornalismo com o triunfo do capitalismo. Nesse
sentido, ao longo do seu desenvolvimento, o jornalismo não se desvinculava dos interesses
dominantes.
Lento desenvolvimento, portanto, geralmente iniciado com jornais oficiais, oficiosos ou ligados aos governos provinciais. Jornais de vida efêmera, como regra, refletindo o interesse transitório de alguma autoridade, de algum intelectual, de algum grupo. A imprensa se desenvolve em estreita ligação com a atividade política; aparece antes e cresce mais depressa nos centros em que aquela atividade é mais intensa; demora e cresce lentamente nos outros, nas províncias que se mantêm politicamente atrasadas. Chega ao máximo em todas as áreas em que, daí por diante, as formas de luta política se apresentarem mais variadas e avançadas: assim quando dos movimentos armados de rebelião que vão sacudir o país na primeira metade do século XIX (SODRÉ, 1996, p.105).
A discussão sobre a autonomia da imprensa abria margem para o questionamento
sobre o real papel desse veículo. A questão era a quem servir: o poder ou o interesse social.
Deveria o jornalismo se pautar apenas pelos clamores, queixas e protestos sociais no esforço de
fazer valer a “voz do povo”, e interferir no poder dominante como porta-voz da sociedade?
Gustavo de Lacerda, um dos jornalistas idealistas da época defendia que o jornalismo, cujos
profissionais ele chamava de “proletário intelectual”, não era “escada para galgar posições”
(SODRÉ, 1996, p.307).
Socialista convicto, Lacerda criticava o jornalismo subserviente e defendia o
sindicalismo para a organização dos jornalistas e os interesses destes como classe trabalhadora. A
preocupação maior de Lacerda era sobre a exploração do poder constituído sobre o jornalista. De
acordo com Sodré (1996), esta era uma problemática que Lacerda considerava como um “erro de
concepção” do jornalismo. Nesse caso, o autor explica que a imprensa era ambivalente.
De um lado, embora a imprensa brasileira tivesse ingressado na etapa capitalista, sendo o jornal sempre empresa industrial e comercial, apenas dava nela os primeiros passos, peculiares, aliás, ao predomínio do capital comercial no conjunto das relações capitalistas em desenvolvimento no país – o que se traduzia, para o pessoal que trabalhava nos periódicos, numa ainda insipiente divisão de trabalho e, portanto, em profissionalização apenas relativa; de outro lado, por mais frouxa que fosse tal divisão e mal esboçada a profissionalização, havia interesses contraditórios entre proprietários de jornal e jornalistas, e estes de forma alguma tinham condição proletária, embora participassem dela sob alguns aspectos. Pretendendo, em seu idealismo, - e, aqui, filosófico, também -
conciliar tais contradições, admitindo a unidade onde havia sérios antagonismos, Gustavo de Lacerda, no fim de contas, pretendia desconhecer a divisão da sociedade em classes; no caso, proprietários de jornais, de um lado, e, de outro lado, o pessoal da redação (SODRÉ, 1996, p.308-309).
Nesse sentido, Lacerda propunha uma reflexão sobre a condição do jornalista, cuja
função se estabelecia de maneira predeterminada por forças políticas e econômicas. Lacerda
criticava o não questionamento da imprensa sobre o posicionamento dela mesma como mão-de-
obra manipulada pelo poder dominante. Percebe-se que hoje tal contradição entre o idealismo de
Lacerda e o jornalismo está ainda mais presente, tendo em vista que as forças capitalistas ainda
influenciam os conteúdos jornalísticos. No desenvolvimento do jornalismo estabelecido pelo
capitalismo, pode-se dizer que a narrativa jornalística é uma construção ideológica, sob a qual se
manifestam interesses capitalistas. Segundo Sodré (1996), a liberdade de expressão no jornalismo
está cada vez mais comprometida à medida que o capitalismo se desenvolve.
A imprensa, realmente, torna-se o contrário do que era, e particularmente do que deveria ser, na medida em que se desenvolve, na sociedade capitalista. O jornal é menos livre quanto maior como empresa. O escândalo da infiltração de capitais estrangeiros em nossa imprensa carece em si mesmo de significação se não for inserido no longo e tortuoso processo de desnacionalização a que estamos sendo submetidos – é simples aspecto da crise da imprensa aqui (SODRÉ, 1996, p.448-449).
Se na primeira metade do século XX a imprensa no Brasil ainda era limitada pela
falta de hábito de leitura e do elevado índice do analfabetismo, é a partir dos anos 50, que terá um
rápido desenvolvimento com o processo de industrialização, a urbanização das cidades, o
surgimento da TV e das novas tecnologias incorporadas às técnicas jornalísticas, o amplo
processo de alfabetização, surgimento das escolas de comunicação e o advento das tecnologias da
comunicação como o computador, fax, celular e Internet. A passagem do jornal do século XIX,
de formato artesanal para o jornalismo empresarial do século XX, assume com maior força o
caráter da notícia como produto de venda.
Após a II Guerra Mundial, as grandes agências de notícia se encarregaram da
implantação do modelo norte-americano de produção do jornalismo, em que a informação se
insere na lógica mercadológica de oferta e consumo (MEDINA, 1988). Nesse processo de
constituição do jornalismo como produto mercadológico estão inseridos dois aspectos
importantes a serem observados nesta dissertação: ideologia e alienação, características
intrínsecas da imprensa na manutenção do capital.
1.3 - Ideologia e alienação
A concepção de Adorno sobre ideologia, como elemento que alimenta a dominação
na sociedade capitalista, contribui para a análise da narrativa jornalística, principalmente sobre a
observação da operacionalização da linguagem. A linguagem pragmática do jornalismo tende a
narrar a realidade na sua forma já acabada, no limite da sua manifestação imediata, um fator
sugestivo da reafirmação do real, assim como no discurso ideológico. No curso da história, a
ideologia é apresentada como discurso da burguesia para a manutenção das articulações políticas,
sociais e econômicas, nos moldes que favoreciam seus interesses particulares de enriquecimento.
A burguesia se esforçou em naturalizar o discurso da dominação de modo a não deixar
transparecer os seus reais interesses diante do racionalismo, o que permite, neste momento,
discutir a concepção de ideologia de Marilena Chauí. De acordo com a autora,
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação ou o Estado (CHAUÍ, 1994, p.113).
Chauí (1994) analisa que o discurso ideológico da classe dominante se ocupa da
manutenção da homogeneidade, de esconder as contradições inerentes à realidade. A
naturalização é absurda, mas a eficiência da ideologia é exatamente em não deixar esse absurdo
transparecer, evitando questionamentos e reflexões críticas sobre o real. Durante um tempo, ainda
no século XIX, a própria burguesia ainda seguiu dividida pela ideologia dos “livres pensadores”
(anticristãos) e a minoria, formada por católicos, protestantes e judeus. Muitas igrejas e
monastérios foram fechados. Políticos começaram a assumir funções até então atribuídas somente
às ordens religiosas.
A negação do homem como criação divina, por exemplo, já encontrava campo para
ser aceita pela sociedade sem provocar choque social (HOBSBAWM, 2004), reforçada pelos
ataques dos regimes políticos contra os privilégios e propriedades da igreja, em um movimento
de derrubada ao mito. O conhecimento do homem ganha autonomia. A primazia da razão
fundamentou a produção intelectual da época e embalou o pensamento filosófico Sapere aude!
Ousai saber! Esta é a máxima que guiou o pensamento de Kant (1996), um dos principais autores
iluministas, que havia interpretado como necessária a coragem do homem em fazer uso do
próprio entendimento sem a tutela de outrem. Segundo o autor, isso se fazia necessário para o
homem sair do estado de menoridade em que se encontrava até então.6
O método kantiano fundamentou os trabalhos científicos e influenciou o
desenvolvimento da ciência positivista, que marcou a revolução da matemática e das ciências
biológicas, físicas e sociais. Uma das contribuições principais deste desenvolvimento “foi a
descoberta da história como um processo de evolução lógica, e não simplesmente como uma
sucessão cronológica de acontecimentos. (HOBSBAWM, 2004). A evolução das ciências é
elemento essencial para o racionalismo exigido na época pelos interesses burgueses, e
caracterizava o século XVIII como o século do movimento intelectual. O necessário pensamento
livre, embasado pela primazia da razão sustentada pela ciência à frente da explicação de tudo que
compõe o universo, era característica principal do período identificado pelo Iluminismo.7 Este
foi um dos principais movimentos impulsionadores do capitalismo e da sociedade moderna, com
6 Em Kant (1996), a possibilidade de conhecer o objeto que a priori já é dotado de possibilidades de conhecimento, conforma-se na experiência: a própria experiência, com efeito, é um modo de conhecimento que pressupõe entendimento; pois, antes mesmo que quaisquer objetos me sejam dados, ou seja, a priori, devo pressupor em mim mesmo as regras do entendimento, regras que se exprimem em conceitos a priori; é a estes conceitos, pois que todos os objetos da experiência devem necessariamente acomodar-se e com eles conformar-se (KANT, 1996, p.29).7 “O Iluminismo nasceu e se desenvolveu a partir da valorização da ‘luz natural’ ou ‘razão’. A razão iluminista prometeu conhecimento da natureza através da ciência, aperfeiçoamento moral e emancipação política. A consciência de uma época se reconhece na metáfora da luz (...). Nada deve permanecer velado ou coberto. O conhecimento da natureza se emancipa do mito, e o conhecimento da sociedade deve, também, fundar-se na razão. A razão esclarecida é uma razão emancipada, é a razão em estado de maioridade” (MATOS, 1993, p.33).
maior expansão nos países protestantes, porém, com gradual influência, nos países católicos. Na
base da razão, o que se buscava era a abertura moral para a acumulação de lucro (SODRÉ, 1996).
A liberdade de pensamento, a liberdade de classes e a liberdade econômica
compunham um movimento de liberalismo fundamental para a concretização dos interesses da
burguesia, tendo o individualismo como marca principal, pois, enculcava no indivíduo a idéia de
que as possibilidades de sua ascensão econômica só dependiam dele mesmo, do esforço próprio.
O Iluminismo ou o Esclarecimento,8 na linguagem de Adorno e Horkheimer (1985), retrata a
busca da burguesia de fazer uso da razão particular como razão universal, tendo que desamarrar
mentes e corações dos dogmas religiosos. Com o advento do pensamento iluminista, o homem
pressupõe ser o conhecedor e o senhor da própria razão. Assim, a sombra do sobrenatural parecia
ter dado lugar à luz, - ao esclarecimento. Para Hobsbawm (2004), o homem se impunha sobre o
mundo, dominando-o:
Um individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento “esclarecido”. Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo: o tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da superstição da igreja (distintas da religião “racional” ou “natural”), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e, em seguida a fraternidade de todos os homens eram seus slogans. No devido tempo se tornaram os slogans da Revolução Francesa (HOBSBAWM, 2004, p.41-42).
Os princípios iluministas apoiavam-se na derrubada dos dogmas do antigo regime,
sustentado pelo sistema feudal de produção, uma característica da monarquia absolutista. Nesse
sentido, é importante observar que se fazia necessário, para a expansão da ideologia burguesa, a
anulação da autoridade da igreja. Liberdade, Igualdade e Justiça para todos formava a base
sustentadora desta ideologia que se resumia na democracia pregada pela burguesia. É interessante
observar que, antes da ascensão da burguesia, quando ainda era uma classe revolucionária, os
ideais democráticos defendidos eram amplos e postos como de alcance de todos, independente da
situação social de cada pessoa.8 Adorno e Horkheimer (1985) criticam o absolutismo do esclarecimento como verdade. Para estes autores, na busca pelo conhecimento pragmático pautado pela experiência o próprio esclarecimento se mitifica. A crítica destes autores recai sobre a ciência como o método ideal para o desencantamento do mundo. Para eles, o método, baseado na técnica, dificulta nele mesmo a possibilidade de conhecer, da real experimentação, pois se encerra na prática pela prática, na análise da representação, e limita o saber à dimensão do fenômeno.
O discurso ideológico sustentava que todo homem nasce livre e com direitos iguais.
Porém, cabe observar que ao tomar o poder e se estabelecer como classe dominante, tendo saído
das revoluções “burguesas” como vitoriosa (HOBSBAWM, 1982, p.43), a burguesia tinha os
mesmos ideais de antes, na prática, se restringiam ao interesse próprio. De acordo com Marx e
Engels (1999), a suposta universalidade dos ideais é característica da dominação:
Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela é obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar seus interesses como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto é, para expressar isso mesmo em termos ideais: é obrigada a emprestar às suas idéias a forma de universalidade, a apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente válidas ( MARX e ENGELS, 1999, p. 74).
Nesse sentido, a democracia, a liberdade econômica, a igualdade jurídica, o sufrágio
universal e a declaração universal dos direitos humanos tornam-se restritivos da burguesia,
quando da sua tomada de poder. Os direitos conquistados são vinculados apenas aos que têm
propriedades.
A democracia torna-se “formal”. Com o sufrágio universal, o governo do povo se
torna governo para o povo. Na prática, estão em construção conceitos ideológicos de liberdade e
igualdade, que não condizem com a realidade concreta (MARX e ENGELS, 1999). O que o
discurso burguês não deixava revelar é que a liberdade se limitava à necessária mão-de-obra livre
no mercado, o que nada tem a ver com a liberdade individual. Na solidificação do real, os ideais
democráticos não estavam postos como garantia do exercício da cidadania, mas da realização do
poder econômico. Esses ideais estavam subordinados ao poder do capital. A dominação burguesa
se valeu do Direito, do Estado e dos meios de comunicação para disseminar seus ideais. O poder
burguês se estabelecera, portanto, de maneira sistêmica e organizada.
1.4 – Jornalismo e ideologia
A análise de Marx e Engels (1999) sobre a ideologia contribui para a análise da
tendência da notícia em ocultar a realidade social e suas contradições. Ao conduzir o pensamento
para uma leitura superficial sobre o real, o jornalismo abre a possibilidade da legitimação da
exploração e da dominação, inerentes ao sistema vigente. Por intermédio da ideologia dominante,
a notícia tende a tomar o falso pelo verdadeiro; o injusto por justo. Neste raciocínio, o jornalismo
se articula de modo a facilitar a formação de consciências não críticas. Para Adorno (1994), a
ideologia é o processo responsável pela própria formação de uma consciência social,9 na qual as
idéias se articulam em níveis variados e as representações são apenas as formas mais acabadas,
mais acessíveis à experiência cotidiana. Na linguagem de Adorno, a ideologia representa os
dados da experiência social como imediatos, quando na realidade são mediados pela realidade
que os produziu.
De acordo com Marilena Chauí (1978), a ideologia nasce no interior de uma
sociedade histórica em que os indivíduos, de posse de suas representações individuais, elaboram
seu discurso de acordo com essas representações. Representações que, por serem individuais,
produzem um discurso igualmente individual, segundo uma forma particular de apreensão do
mundo. O discurso produzido sobre o mundo social, por meio de visões isoladas e
individualizadas, é convertido em uma veracidade lógica e questionável e passa, assim, a ser
compreendido como o discurso do social, de maneira universal e, portanto, único e
homogeneizado.
(...) As representações que os sujeitos sociais e políticos farão acerca de sua própria ação vão constituir o pano de fundo no qual os agentes sociais e políticos pensarão a si mesmos, pensarão as instituições, pensarão as relações de poder, pensarão as relações de dominação, pensarão o social e o político no seu todo. É elaborado, assim, um discurso que é o discurso social – o discurso do social – e um discurso político – o discurso do político – como um corpo de representações e de normas graças às quais os sujeitos sociais e políticos se representam a si mesmos (CHAUI, 1978, p. 19).
Nesse sentido, ao tomar as idéias particulares como explicações do real
universalizado, o discurso ideológico faz daquilo que deveria ser compreendido na dinâmica da
sociedade um dado natural e inevitável. Há uma configuração para um falso entendimento da
realidade. As dinâmicas sociais e políticas não são percebidas na sua composição, mas, são
explicadas de acordo com representações exteriores e subjetivas. Explicações, estas, que se
9 É importante observar que, na obra Dialectica negativa (1984, p.347), Adorno afirma que “hechizo e ideologia son la misma cosa”, com base na reflexão de que tanto o fetiche quanto a ideologia apresentam a realidade a partir de representações universais e submetem o significado das coisas à lógica dos interesses do poder dominante.
limitam à apreensão do aparentemente dado. A realidade não é apreendida a partir de seus
elementos constitutivos, mas percebida conforme sua aparente imediaticidade. Assim, a
observação se limita ao fenômeno, ou seja,
(...) o aparecer social é tomado como o ser do social. Esse aparecer não é uma ‘aparência’ no sentido de que seria falso, mas é uma aparência no sentido de que é a maneira pela qual o processo oculto que produz e conserva o social se manifesta para os homens (CHAUÍ, 1978, p.20).
Para se constituir a ideologia inverte o particular em universal e vice-versa. Há uma
busca incessante para a aproximação da realidade ao discurso apresentado, fazendo com que ”... o
ponto de vista particular da classe que exerce o poder apareça para todos os sujeitos sociais e
políticos como sendo o ponto de vista universal e não de uma classe dominante” (CHAUÍ, 1978,
p.20). Nesse sentido, a apreensão imediata, a percepção na superficialidade do dado passa a ser o
próprio real. Nessa “mágica” realizada pelo discurso, aquilo que era contraditório passa a ser,
naturalmente, coeso e homogêneo. Nesse caso, a ideologia favorece a apreensão conformista do
sujeito.
As diferenças de idéias se desfazem. Dessa maneira, não há o que contestar. Segundo
Chauí (1978), a ideologia garante a eficácia da classe dominante quando não há mais a separação
entre a apreensão do real e a própria realidade. No jornalismo, é possível perceber esta síntese a
partir da análise da linguagem jornalística que ao descrever o real, por meio de uma narrativa
construída com conceitos universalizados, tende a uma observação generalizada da realidade.
Nesse caso, há um comprometimento da apresentação das contradições da realidade dada. Ou
seja, minimiza-se a possibilidade da real compreensão do fato. Entende-se, assim, que ao
apreender o real por meio do discurso ideológico o jornalismo se insere na produção do consenso
e confere à realidade uma aparência harmônica e natural.
Essa, aliás, é uma das características da ideologia: a naturalização de
comportamentos, idéias, valores, modos de viver, pensar e agir, inculcando o caráter de natural
em tudo aquilo que é de ordem social. A descrição do real é feita assim como ele aparece
representado em seu estado natural. Segundo Chauí (1995), a naturalização da realidade é
absurda, pois, esta, assim como os indivíduos, variam em conseqüência das condições sociais,
econômicas, políticas e históricas.
Somos seres cuja ação determina o modo de ser, agir e pensar e que a idéia de um gênero humano natural e de espécies humanas naturais não possui fundamento na realidade (...) a idéia de uma natureza humana como algo universal, intemporal e existente em si por si mesma não se sustenta cientificamente, filosoficamente e empiricamente. Por quê? Porque os seres humanos são culturais ou históricos (CHAUÍ, 1995, p.290).
Nesse sentido, as ações dos indivíduos são determinadas pela realidade que os cerca e
a ideologia é o processo fundante dessa realidade, na qual as contradições são dissimuladas e as
relações constitutivas dela são ocultadas. Porém, o discurso ideológico deixa lacunas e, na
realidade, a partir do exercício de seu esvaziamento lógico, revelam-se suas incoerências, já que
seu desvelar desnuda a sua constituição ideológica, em que se abrem os questionamentos e as
contradições aparecem (CHAUÍ, 1978).
A partir da universalização dos sentidos, a ideologia burguesa propaga que as
pessoas têm interesses comuns, porém, o que não está claro no discurso ideológico burguês é que
os interesses defendidos são apenas os da classe dominante. Assim, o indivíduo iludido por esse
discurso tende a conviver conformado com os conflitos sociais da sociedade. A verdade
disseminada, portanto, é parcial e alicerçada em interesses classistas. Neste contexto, é
interessante observar o quanto a informação jornalística é expressão desta relação de poder,
tornando-se, muitas vezes, instrumento de afirmação dos interesses particulares da classe
dominante apresentados como interesses universais.
Horkheimer e Adorno (1985) ressaltam que, “a unidade do macrocosmo e do
microcosmo demonstra para os homens o modelo de sua cultura: a falsa identidade do universal e
do particular” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.114). Para esses autores, o sujeito
absolutizado é moldado pelas determinações da organização social e, assim, destituído de sua
autonomia. Na identificação com a sociedade, o sujeito se dilui no universal. Na fraqueza do
espírito autônomo, enfraquece também a consciência. Na concepção de ideologia em Marx e
Engels (1999) está clara a inversão do particular ao coletivo, deturpados pelo discurso ideológico.
Segundo estes autores:
Justamente porque os indivíduos procuram apenas seu interesse particular, que para eles não coincide com seu interesse coletivo (em geral é de fato a forma ilusória da coletividade), este interesse comum faz-se valer como um interesse “estranho” aos indivíduos, “independente” deles, como um interesse “geral” especial e peculiar, (...) (MARX e ENGELS, 1999, p.49).
A universalização das idéias e dos valores é abstrata porque na realidade concreta
existem as classes com interesses divergentes e diferentes. Porém, a ideologia oculta essas
divisões ao retratar uma sociedade harmoniosa, sem contradições. Nesse sentido, a ideologia
oculta também os clamores sociais. No jornalismo, a informação revestida de um caráter social a
serviço da sociedade pode encobrir interesses específicos de um ou outro segmento da sociedade.
Na história da imprensa no Brasil, observa-se que desde o início da circulação de
notícias no país o poder econômico usa sua influência sobre os meios de comunicação. De acordo
com Sodré (1996), o monopólio da propriedade privada da terra e os latifúndios se prolongam no
monopólio do poder político como dominação e passam a abranger o monopólio dos meios de
comunicação social, a serviço da dominação ideológica. Em geral, a afirmação da consciência via
meios de comunicação é perpassada pelos interesses particulares de uma classe em particular, e
se legitima a partir das representações sociais.
De acordo com Marilena Chauí (1978), a ideologia apanha o discurso destas
representações sociais como verdade, o que, segundo ela, dificulta as possibilidades de crítica.
Diante de uma realidade subjetificada/abstrata, o discurso se prende ao real como se todas as
explicações estivessem no objeto e, assim, converte a explicação da realidade nela própria. Nesse
caso, a racionalidade do real está nele presente de maneira lógica e transparente de tal maneira
que parece inútil qualquer esforço em compreendê-lo, já que se apresenta tão óbvio.
No jornalismo é possível observar o quanto a narrativa tende a uma representação
imediata do real a partir da apreensão superficial dos fatos. Em um mundo gerido pela
comunicação e teleinformatizado, a informação pode construir realidades e se constituir na
própria realidade? É comum na linguagem do dia-a-dia ouvir pessoas dizerem que aquilo que foi
noticiado no jornal é verdade, só pelo fato de ter sido veiculado pelo jornalismo. Nesse caso, se
algo existe ou deixa de existir depende se foi noticiado. Isso nos permite pensar que o jornalismo
pode criar realidades, como também pode silenciar essa realidade.
O processo em que o sujeito parece distanciar-se da realidade objetiva é alvo da
análise de Marx e Engels (1999) sobre a ideologia alemã, quando criticaram o idealismo. Os
autores destacam a preponderância do sistema do espírito absoluto e a dominação das idéias
sobre o mundo objetivo. Sob esse ponto de vista, a realidade se apresenta como um produto das
idéias, da apreensão do real. No processo do predomínio das idéias, a ação dos indivíduos, como
construção histórica, e a produção de seus meios de vida são anulados como se tais idéias
estivessem coladas à realidade. Ao desconhecer o homem como agente constituinte e constituído
pelo processo histórico, há o afastamento do indivíduo das condições materiais e, assim, a
consciência se separa da práxis humana.10
Ao ignorar a relação entre o indivíduo e a realidade objetiva, o pensamento
desvincula a teoria da prática dos homens, e este fator torna-se fundamental na crítica ressaltada
por Marx e Engels (1999). Segundo os autores, a produção própria dos seus meios de vida é
condição para a existência humana de maneira distinta à vida animal. Assim,
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida (...). Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material (MARX e ENGELS, 1999, p. 27).
As expressões de vida dos indivíduos são objetivadas e, assim, ao produzirem sua
vida material o homem produz também a si próprio, pois ele é o reflexo da realidade em que está
inserido. Nesse processo, ele constrói sua consciência. Ao construírem seu modo de vida, o
indivíduo, inserido em determinada realidade, elabora suas relações com a natureza, com ele
mesmo e com os demais seres vivos. Nesse caso, é pertinente pensar se o jornalismo, ao
apreender a realidade a partir de uma observação imediatista, contribui para a dificuldade da
consciência crítica e, conseqüentemente, se isenta da contribuição para a transformação social.
10 É importante ressaltar que a discussão sobre a práxis na obra de Adorno (1995b) refere-se à discussão sobre teoria e prática. A proposta é da análise dialética sobre o universal e o particular na construção do conhecimento humano. Assim, “A práxis é a fonte de onde a teoria extrai suas forças, mas não é recomendada por esta. Na teoria, ela aparece meramente, e mesmo de maneira necessária, como ponto cego, como obsessão pelo criticado; nenhuma teoria crítica pode ser desenvolvida nos aspectos particulares sem subestimar o particular; mas, sem a particularidade, ela seria nula. Enquanto isso, o ingrediente de ilusão que isso implica previne contra as transgressões em que ele continuamente se amplia” (ADORNO, 1995b, p.229).
1.5 – Ideologia e (in) consciência
O conceito de consciência em Marx é traduzido em dois momentos. De início, como
consciência social inerente ao homem como ser que vive em sociedade, constituída na relação
com o outro e com a natureza. Em um segundo momento, a partir da percepção da divisão entre
trabalho material e trabalho intelectual, na qual a consciência de fato pode se desprender da
determinação da realidade e passar à formação teórica, à reflexão (MARX, 2001). Marx e Engels
(1999) explicam que o desenvolvimento histórico é o modo que o homem constrói sua existência.
A relação deste com a natureza e com os demais seres é vista como um intercâmbio produzido
dentro desse processo histórico, ou seja, as relações imanentes de uma sociedade estão
diretamente ligadas ao modo de produção de vida de seus indivíduos.
Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção ( MARX e ENGELS, 1999, p. 27-28).
Partindo do reconhecimento dessa relação dialética, esses autores fazem um trajeto
histórico, em que é possível perceber a relação existente entre a produção material dos indivíduos
e a constituição do intercâmbio entre eles e a produção. Conforme mudam a divisão do trabalho e
os tipos de propriedades, os indivíduos se constituem e, assim, a consciência, a política e a
estrutura social são formadas em conformidade com a base material do período histórico
determinado. Dessa forma, as representações dos homens sobre o real também se fazem mediante
o processo de produção material. Conforme os autores:
Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que desce do céu a terra, aqui se ascende da terra ao céu. Ou, em outras palavras: não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida (MARX e ENGELS, 1999, p. 37).
Se a consciência dos homens e suas representações emanam da forma de produção da
vida material, as idéias que movem os discursos na sociedade capitalista sofrem influência da
dominação existente na estrutura da sociedade. Assim, a racionalidade que confere veracidade ao
discurso ideológico, presente na narrativa jornalística a partir das apreensões ideológicas do real e
a universalização de uma visão particular de mundo, é inerente ao modo de produção capitalista.
O não reconhecimento da consciência como produto das relações materiais de
existência explica a separação do mundo das idéias do mundo objetivo, fazendo com que este se
sobressaia, aparentemente, na apreensão individual. É nesse sentido que as concepções sobre o
existente, narradas pelo jornalismo, são tomadas como advindas do próprio existente e, assim, a
ideologia se prende ao real, distante das representações do sujeito e nesse movimento do
pensamento a confiabilidade conferida ao discurso torna-se inquestionável e adaptada.
Ao prender o discurso ao real de forma falsamente crítica, os interesses do poder são
resguardados e propagados como universais. Os conceitos, dessa forma, não são questionados,
porém, aceitos como um dado lógico. Nesse momento, ideologia e realidade se confundem e se
apresentam presas uma a outra de modo tal que se distanciem formas de contestação.
No processo de constituição da ideologia, em que a realidade se confunde, é garantida
a dominação necessária à manutenção da ordem social capitalista. Importa nesse momento
observar o quanto o jornalismo tem responsabilidade nessa fusão, pois as idéias que prevalecem
nesse tipo de sociedade são as idéias dos detentores do poder. Dessa maneira, pode-se dizer que o
discurso jornalístico é apresentado como extrato do real. Os conceitos, as idéias, são apresentados
como absolutos e instaurados naturalmente, a partir de uma visão de mundo particular, sobre as
classes dominadas.
Dessa maneira, se compreende o porquê da apropriação dos discursos de manutenção
da sociedade capitalista, ocultando suas contradições ao transparecer uma realidade homogênea e
natural. A ideologização do real e da construção histórica dos indivíduos na sociedade contribui
eficazmente para a constituição da dominação, ou seja, ao tomar o aparentemente dado como o
absoluto e inquestionável, as idéias são distanciadas da construção material de vida e, assim,
impedem o questionamento das bases de sua construção (ARANHA e MARTINS, 1993). No
processo em que a abstração dificulta o pensamento crítico sobre as bases constitutivas do real e,
conseqüentemente, oculta a inverdade do discurso, é possível observar que as idéias que
dominam em cada momento histórico são aquelas que refletem o interesse do poder dominante.
Segundo Aranha e Martins (1993), a universalização e a abstração supõem uma
lacuna na compreensão de alguma coisa ou o ocultamento de algo e não podem ser explicadas
sob pena de desmascaramento da ideologia. Para as autoras, sob o aparecer da ideologia, existe
uma realidade concreta que precisa ser descoberta pela análise da gênese do processo, ou seja,
pela verificação de como a realidade foi produzida.
Na sociedade capitalista, a conversão das representações particulares do real, por
meio do discurso ideológico, em conceitos universalizados, se faz necessária no sentido de
obscurecer as contradições inerentes ao processo de dominação capitalista, ao mesmo tempo em
que são distanciadas as formas de contestação e subversão da realidade por uma aparência
harmônica. O discurso ideológico busca produzir consenso, fazendo com que o ponto de vista de
alguns venha a ser o de todos e, nesse exercício, o real se apresenta óbvio, esgotando as formas
de contestação de sua aparência, e a ideologia, assim, busca afirmar que “(...) as coisas são
racionais e que a racionalidade está inscrita no próprio real, e que o trabalho do pensamento é
apenas redescobrir esta racionalidade já inscrita no próprio real” (ARANHA e MARTINS, 1993,
p. 26).
Essa aparência óbvia faz o discurso ideológico vir a ser um conceito universalizado e
inquestionável, sendo esta uma necessidade para o desenvolvimento da sociedade capitalista. A
veracidade desse discurso é garantida pela racionalidade inerente ao sistema em que a razão se
faz instrumento para servir aos objetivos do sujeito. Sobre a racionalidade que impera na
compreensão do real e se apresenta de maneira inquestionável, Horkheimer (2000) apresenta uma
reflexão na qual é possível perceber como a explicação do real se legitima no universal.
Para o autor, a razão subjetiva se constitui na explicação do real segundo os
propósitos do sujeito. O indivíduo de posse de seus objetivos faz uso da razão subjetiva que, por
sua vez, servirá aos seus objetivos. Desse modo, “(...) a razão subjetiva se revela como a
capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim
determinado” (HORKHEIMER, 2000, p. 13), o que se torna fundamental para a constituição da
ideologia e manutenção da dominação capitalista. Essa discussão tem a ver com as implicações
da subjetividade na construção da narração jornalística e a polêmica sobre a objetividade
jornalística. Trata-se de uma tendência da narrativa em ocultar as interpretações do fato, para
extrair deste apenas o que ele evidencia na sua imediaticidade.
Na dificuldade da interpretação, abre-se espaço para a possível manipulação
ideológica. Para Genro Filho (1996), a objetividade jornalística reproduz a modalidade capitalista
de concepção de mundo, reafirmando os interesses da classe dominante. Assim ele assevera:
Não há dúvida que a chamada “objetividade jornalística” esconde uma ideologia, a ideologia burguesa, cuja função é reproduzir e confirmar as relações capitalistas. Essa objetividade implica uma compreensão do mundo como um agregado de “fatos” prontos e acabados, cuja existência, portanto, seria anterior a qualquer forma de percepção e autônoma em relação a qualquer ideologia ou concepção de mundo. Caberia ao jornalista, simplesmente, recolhê-los escrupulosamente como se fossem pedrinhas coloridas. Essa visão ingênua, conforme já foi sublinhado, possui um fundo positivista e funcionalista (GENRO FILHO, 1996, p.3).
Para o autor, ao narrar a realidade cotidiana a partir da aparência dos fatos, o
jornalismo confirma e reafirma a realidade como ela aparece. Nesse sentido, o jornalismo não
escapa à leitura positivista e funcionalista do real e tende a uma explicação do real comprometida
com a ideologia dominante. Assim, compreende-se também como a razão tornou-se instrumento
capaz de atender aos fins imediatos e pragmáticos do capital; faz-se ainda também perceptível
como o discurso ideológico na sociedade capitalista aparece dotado de uma pseudolegitimidade
questionável, que se estende e se adapta perfeitamente na análise da ideologia da notícia. Por
meio do jornalismo, a ideologia aparece convincente, pois, sua aparência óbvia e transparente, se
apresenta sob a lógica da instrumentalização, inerente ao desenvolvimento da sociedade
capitalista, legitimada por uma atividade profissional que se apresenta capaz de relatar a realidade
na sua imediaticidade.
Tal lógica é que permite perceber que uma atitude só pode ser racional se servir a um
fim imediato, “(...) nessa sociedade, uma atividade só é racional quando serve a outro propósito
(...)”(LAGE, 1979, p. 440). Nesse sentido, as ações na sociedade atual são direcionadas aos fins
do capital, e a razão, que viria desvelar tais relações, também é instrumentalizada a ponto de
racionalizar apenas o que estiver condizente com a lógica que a constituiu, ou seja, a lógica
capitalista em que os fins do capital imperam sobre as atitudes e o pensamento de uma sociedade.
Ao refletir sobre a racionalidade que impera na sociedade capitalista, se faz possível a
compreensão de que a constituição da ideologia tem a ver com a instrumentalização da razão, que
organiza e sistematiza os meios aos fins determinados e não busca questionar essa relação. Na
sociedade, o que se apresentar lógico, coerente com os objetivos propostos, é tomado como
racional, não passível de questionamentos. É exatamente dessa maneira que o jornalismo se
apresenta, ou seja, como uma prática discursiva que tende a ser expressão da realidade. Tanto que
não há quem se coloca em dúvida constante sobre a condição de verdade dos fatos noticiados
pela imprensa. Tal condição se apresenta condicionada por tamanha coerência objetiva na
narrativa jornalística, que se prende ao extremo imediatismo dos fatos.
O desenvolvimento pautado pelo avanço da industrialização e da ciência conduziu o
homem a uma nova espécie de razão não comprometida com o questionamento, mas voltada para
os objetivos nascentes da sociedade moderna, servindo como instrumento do capital. Diante
disso, Horkheimer (2000) questiona a formalização da razão:
Quais são as conseqüências da formalização da razão? Justiça, igualdade, felicidade, tolerância, todos os conceitos que como já disse, foram nos séculos procedentes julgados inerentes ou sancionados pela razão, perderam as suas raízes intelectuais. Ainda permanecem como objetivos e fins, mas não há mais uma força racional autorizada para avaliá-los e ligá-los a uma realidade objetiva. Endossados por veneráveis documentos históricos, podem ainda gozar de certo prestígio, e alguns estão presentes nas leis supremas dos maiores países. Contudo, falta-lhes a confirmação da razão em seu sentido moderno. Quem pode dizer que qualquer um desses ideais é mais estritamente relacionado com a verdade do que o seu oposto? Segundo a filosofia do intelectual médio moderno, só existe uma autoridade, a saber, a ciência, concebida como classificação de fatos e cálculo de probabilidades (HORKHEIMER, 2000, p.32).
Com base em Horkheimer e Adorno (1985), na sociedade atual, a razão não mais
comprometida com o desvelar da realidade, tornou-se um instrumento da dinâmica do capital.
Diante disso, a possibilidade do questionamento e as condições da experiência aparecem
minimizadas. O conhecimento tornou-se fonte de domínio e poder e, dessa forma, serve não mais
para o questionamento e a reflexão, mas para as conquistas individuais e imediatas.
Um exemplo disso é o referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munição
no território nacional, realizado pelo governo federal em outubro de 2005. A consulta de opinião
pública sobre a liberação do comércio de armas de fogo no Brasil pode ser observada a partir da
condução do jornalismo sobre este fato. A maneira como foi proposto o referendo deixou dúvidas
quanto ao real objetivo de sua realização. Ao mesmo tempo, o referendo se apresentou confuso
na sua elaboração. Na racionalização da execução da consulta, o que se esperava de fato com
isso não estava claro e a preocupação baseou-se apenas na realização do referendo e não,
exatamente, nas suas implicações e resultados. Basta analisar os discursos propostos pelas duas
frentes a do “sim” e a do “não” para perceber que os argumentos usados na defesa de seus
propósitos se esvaziam diante de qualquer esforço crítico de entendê-los.
Diante da vitória do “não” nas urnas, a pergunta é o que muda, se antes disso o
comércio de armas já estava liberado? Milhões de reais foram gastos pelo governo federal para a
realização deste pleito. A previsão de gasto, segundo o governo, seria em torno de R$ 700
milhões.11 Observa-se também que mesmo em uma consulta popular como esta, aparentemente
“democrática”, da maneira administrada como foi elaborada a questão entre o “sim” e o “não”, o
sujeito é conduzido a uma falsa liberdade de escolha, já que as opções estão determinadas. Diante
do comprometimento do objetivo do referendo e suas implicações sobre a realidade, o jornalismo,
na maioria das vezes, se limitou em repetir as instruções do governo sobre o pleito. Houve poucas
incursões reflexivas no jornalismo sobre a consulta popular realizada.
Com base na reflexão de Adorno e Horkheimer (1985), sobre a racionalidade
administrada observada na realização do referendo, houve ainda o comprometimento também da
liberdade de escolha.
(...) a liberdade na nossa sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o próprio conceito desse pensamento, tanto quanto as formas históricas concretas, as instituições da sociedade com as quais está entrelaçado, contém o germe para a regressão que hoje tem lugar em toda parte. Se o esclarecimento não acolhe dentro de si a reflexão sobre esse elemento regressivo, ele está selando seu próprio destino. Abandonando a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso, também sua relação com a verdade” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.21).
No processo de desenvolvimento da sociedade moderna, a razão capaz de conduzir o
homem à liberdade foi sendo aceita como utópica ou por demais idealista, à medida, que conferiu
11 Site do Tribunal Superior Eleitoral.
veracidade aos fatos passíveis de experimentação, por terem em si a possibilidade da verificação
empírica, o que foi nomeado de pragmático. A concepção de pragmatismo para o autor William
James (1989) teve a preocupação em teorizar sobre o critério de verdade. Nesse sentido, ele
estabeleceu que as idéias verdadeiras são aquelas que se pode assimilar, validar e verificar, o que
confere a ela um caráter de instrumentalidade e funcionalidade: “As idéias verdadeiras levam-nos
a áreas verbais e conceituais úteis, tanto quanto diretamente a termos sensíveis úteis. Levam-nos
á prioridade, à estabilidade e ao pensamento estéril e frustrado” (JAMES, 1989, p.77). Segundo
Comte (1973), no estado positivo, o espírito humano renuncia à origem das coisas e suas causas
íntimas para preocupar-se unicamente com a maneira como elas se apresentam na sua
imediaticidade. O pensamento de Comte é marcado pelas mudanças sociais provocadas pelas
revoluções Francesa e Industrial, e, por isso, reflete a preocupação com a moralização da ordem
social. Para Adorno (1995b), o pragmatismo conduz a consciência a uma observação prática da
realidade.
Desde o princípio, tem se reprovado, e com razão, o pragmatismo norte-americano que, ao proclamar como critério de conhecimento a utilidade prática deste, compromete-se com a situação existente; pois de nenhum outro modo pode demonstrar-se o seu efeito prático, útil, do conhecimento (ADORNO, 1995b, p.202-203).
No compromisso com o existente, a razão empírica foi, aos poucos, sendo aceita
como a única comprometida com a verdade. Conforme Horkheimer e Adorno (1985), “no trajeto
para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituiram o conceito pela
fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.21). A
síntese é a salvação, e se configura suficiente para explicar tudo. O conhecimento técnico invade
a esfera do conhecimento, se estabelecendo como o método ideal. Os meios de verificação do real
passaram a determinar a verdade, enquanto seus fins eram por eles justificados. Nesse caso, a
realidade apresenta um saber que só seria alcançado pela técnica.
A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o
capital (...) o que os homens querem aprender da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.20).
O contexto do jornalismo também requer refletir sobre a influência do pensamento
pragmático na cultura social e sua afirmação na cultura capitalista, na qual o homem é conduzido
a ser cada vez mais adaptado à realidade social e às novas exigências do mercado. Esta condução
é assegurada pela ideologia dominante, a qual, segundo Adorno (1995b), se originou no
Iluminismo e que semeou o capitalismo. De acordo com o autor, o que tem contribuído para
acentuar esta ideologia é o processo em que se encontra a cultura na modernidade, uma espécie
de integração desta, que ele designa como “decadência cultural”.
Adorno (1995a) afirma que a cultura moderna é algo decadente porque dificulta a
formação da consciência autônoma. A adaptação interage os indivíduos, padroniza suas mentes,
anulando a formação para a emancipação, pois lhes anula o “lado duplo da cultura, pelo qual ela
também é cultura do espírito em sua independência crítica, como momento de resistência”
(ADORNO, 1995b, p.26). Esta idéia sugere que resta ao indivíduo uma conformação ao que está
preestabelecido pelo sistema, a partir de uma cultura controlada. O processo de integração é uma
das armas fundamentais da razão instrumental, que não só tem acentuado a ideologia dominante
de maneira radical, mas também, cada vez mais, a expropriação das massas (ADORNO, 1996).
Nesse contexto, cabe pensar o jornalismo como fonte de acesso de um saber
mediatizado, perpassado por interesses do sistema dominante percebido como meio de
reprodução da realidade para a condução de uma uniformização e universalização de valores
sobre a particularidade da realidade. Segundo Sodré (1996), essa é uma tendência da imprensa
visto que as regras que determinam suas operações têm base no sistema capitalista.
(...) como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação - tudo conduz á uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento. As inovações técnicas, em busca da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à uniformidade. É interessante verificar o paralelismo entre o esforço técnico de produção, na imprensa, e o progresso dos meios de comunicação e de transporte, afetando o problema fundamental da grande imprensa que é o do volume e
espaço geográfico em que a notícia, ou a informação, ou a doutrinação têm oportunidade (SODRÉ, 1996, p. 1-2).
Sobre essa uniformização da qual trata Sodré, é importante observar a posição do
profissional jornalista, que tende a romper com princípios morais e valores éticos no
cumprimento do próprio dever. Por outro lado, está posta a exigência da profissionalização e o
preparo intelectual deste profissional cada vez maior diante dos desafios do jornalismo
empresarial. Nesse sentido, há uma necessária preparação intelectual do jornalismo para o
alcance de uma visão mais crítica sobre a realidade, sob o risco de alienar-se e reduzir-lhe a
possibilidade de contribuição para uma sociedade mais consciente. Pois, segundo Chauí (1995),
diante da realidade obscura, estão ameaçadas as possibilidades do sujeito histórico e reforçadas as
condições de um sujeito que não se reconhece como produtor da própria obra, que vê sua
produção como algo estranho, exterior e alheio às suas forças e, que ainda, são forças que o
dominam, configurando-se também ameaçadoras.
Chauí baseia sua interpretação na concepção marxista, na qual a alienação origina-se
da análise dos avanços do modo de produção capitalista, em que a reprodução em série ignora o
sujeito como o agente da produção e faz surgir em seu lugar o proletariado assalariado. Embora
não menos livre que até então, mas um proletariado (in) consciente do real papel do trabalho e
dele próprio em meio ao processo produtivo.
No texto O Conceito de Esclarecimento, Adorno e Horkheimer (1985) denunciam a
dialética da (in) consciência da alienação que prevalece em uma falsa consciência. Ou seja, trata-
se da análise sobre a promessa do esclarecimento de livrar o homem do mito e que, não se
cumprindo diante de tamanha racionalidade da realidade, no intuito de se tornar consciente a
partir do prometido esclarecimento, converteu-se novamente ao mito a serviço da realidade, na
total mistificação das massas. Nesse sentido, o esclarecimento é a própria dominação. “Essa
aparência, na qual se perde a humanidade inteiramente esclarecida, não pode ser dissipada pelo
pensamento que tem de escolher enquanto órgão da dominação, entre o comando e a obediência”
(HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.49). A crítica principal feita por esses autores é sobre a
dificuldade de criação autêntica na manifestação do trabalho.
Nesse caso, nem o trabalho nem a arte devem ser idealizados pelo seu produtor. Mas
o que ocorre, é que o trabalhador se projeta naquilo que produz, personificando a coisificação, tal
qual analisou Marx (2002). Na verdade, o que está em jogo é a possibilidade do trabalho
autônomo, capaz de conduzir o indivíduo à crítica e à emancipação. Segundo o autor, tanto mais
o produtor (trabalhador) se torna refém do produto (trabalho), quanto mais aquele se desvaloriza
diante do que produz.
O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (MARX, 2002, p.111).
Na análise de Marx a alienação se intensifica com a separação entre trabalho material
e trabalho intelectual, ou seja, operários e pensadores. Para esses autores, a divisão do trabalho
alcança um patamar superior com a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual. O
primeiro estabelecido em função do pensar, como uma tarefa exclusiva da classe dominante, já o
segundo, constitui-se da produção material. Nesse processo, a produção se torna algo estranho ao
trabalhador e também capaz de se virar contra ele.
Nesse sentido, para Marx (2002) a vida determina a consciência e não a consciência
que determina a vida, numa suposição de que no plano da experiência vivida, as condições reais
da existência social do indivíduo são produzidas por ele mesmo. No modo de produção
capitalista, a consciência tornou-se falsa, uma vez que o indivíduo se aliena da sua condição
humana em relação aos outros e a si mesmo, e torna-se algo manipulável e adaptável de acordo
com a razão instrumental. A reflexão de Marx permite pensar o conceito de pseudoconsciência
em Adorno (1994). Segundo este, a pseudoconsciência tem a ver com a interdição da consciência
crítica por processos presentes na cultura capitalista como manipulação e padronização, que
conduzem o indivíduo a uma passividade frente à realidade administrada, e que lhe dificulta o
real conhecimento sobre os elementos constitutivos da objetividade em que está inserido,
caracterizando o estado de alienação.
No texto Sobre Música Popular (1994c), Adorno sugere uma reflexão sobre esses
processos a partir da análise que faz sobre a composição musical voltada para as exigências do
consumismo, a qual ele chama de música estandardizada. A estrutura estandardizada torna-se
complemento para o alcance da aceitação e o reconhecimento pelas massas, a partir da repetição
das notas musicais como algo ritimizado para contagiar e agradar o gosto de uma maneira geral.
Na crítica sobre a música, Adorno chama a atenção para a estilização do que aparece como novo,
mas que na estrutura básica permanece igual, o que denuncia aspectos de controle e concentração
camuflados em nossa sociedade pela cultura industrial, em que o objetivo final é o consumismo.
As notas musicais pouco variam.
O autor explica que o processo de pseudo-individuação, correspondente à
estandardização musical, submete o indivíduo ao que é preestabelecido, o que lhe dificulta a
individualização em meio às massas, diante da padronização. Na (im) possibilidade de se
individualizar, o indivíduo se dilui no meio social. Assim, explica Adorno:
Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de massa com a auréola da livre-escolha ou do mercado aberto, na base da própria estandardização. A estandardização de hits musicais mantém os usuários enquadrados, por assim dizer escutando por eles. A pseudo-individuação, por sua vez, os mantém enquadrados, fazendo-os esquecer que o que eles escutam já é sempre escutado por eles, “pré-dirigido” (ADORNO, 1994c, p.123).
A partir do que diz Adorno, entendemos que o direcionamento e a administração da
consciência do indivíduo estão presentes na sociedade capitalista em todos os aspectos sociais
humanos. Nesse caso, a base do “enquadramento” do indivíduo à realidade está na alienação.
Marx (2002) atribuiu a alienação à cultura mercadológica do acúmulo material, da necessária
soma de valores e patrimônios, que anulam a essência humana. O autor revela a análise da
inversão do ser pelo o ter. “Portanto, todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos
pela simples alienação de todos os sentidos, pelo sentido do Ter. O ser humano viu-se forçado a
reduzir-se a esta total miséria a fim de produzir toda a riqueza interior” (Marx, 2002, p.142).
Dessa maneira, a alienação reduz a capacidade de autoconhecimento sobre a ordem vigente, posta
como modelo ideal para a sobrevivência humana, em que não está permitido o desvendar das
contradições sociais.
A pobreza, a miséria, a fome, entre outros aspectos da desigualdade social gerada
pelo desenvolvimento capitalista, são postos como algo natural do progresso e, dessa maneira,
são aceitas. No jornalismo, observa-se o quanto a narrativa tende à naturalização das
desigualdades quando reconta as problemáticas sociais de maneira descontextualizada, como
fatos isolados, desprovidos de história. Na repetição diária dos conflitos sociais, sem oportunizar
o pensamento crítico sobre tais fatos, o jornalismo abre possibilidade para a banalização da
realidade. Dessa maneira, há uma tendência para o esgotamento da crítica e da análise reflexiva
do que é noticiado.
A linguagem jornalística tem sido levada a tamanha simplificação, com notícias cada
vez mais breves, que contribui para o empobrecimento da interpretação dos fatos. Títulos, boxes,
fotografias, legendas, resumos e artes são recursos que vêm sendo utilizados para um impacto
maior da informação no sentido de prender a atenção do público/receptor de imediato. Para
agradar ao leitor sem tempo para a leitura, ou não habituado a ela, os jornais renunciam à sua
condição de aprofundar o conhecimento sobre análises dos eventos que noticiam e subordinam o
conteúdo à técnica e à elaboração visual.
Para Adorno e Horkheimer (1985), a técnica, ao conduzir a cultura à padronização
pela produção em série, sacrificou a lógica da obra em detrimento da lógica do sistema social.
Nesse sentido, entende-se que o jornalismo, apropriado pela ideologia dominante, tende à
formação de consciências menos críticas, influenciando modos de pensar, agir, ser e sentir, de
maneira a atender aos interesses da estrutura vigente, possibilitando o controle da consciência
individual. As formulações que contribuem para a manutenção da realidade administrada
perpetuam, na mesma ordem, para a afirmação da cultura vigente.
Capítulo II
Teoria Crítica e comunicação – o jornalismo frente às
(im) possibilidades objetivas e subjetivas da cultura
O contexto da modernização econômica, pautado pelo avanço do capitalismo, com
base no desenvolvimento tecnológico, na expansão do capital, e no acúmulo de riqueza,
dissemina a homogeneização dos diversos aspectos sociais, para além do econômico, e alcança a
dimensão cultural de maneira automática e inexorável. Ianni explica que a modernização do
mundo “(...) ao mesmo tempo que implica a generalização do capitalismo, implica a
ocidentalização, como processo civilizatório” (IANNI, 1995, p.85). Assim, o desenvolvimento e
o progresso alcançam o social, a cultura e a economia a partir de parâmetros que determinam o
sistema capitalista. Neste caso, compreende-se que todas as dimensões da ação humana estão de
alguma maneira orientadas para o alcance de vantagens econômicas.
Ao entender que todas as atividades humanas estão relacionadas aos requisitos do
capital, torna-se possível observar o quanto a sociedade está determinada por exigências do
sistema econômico vigente. Todos os processos e estruturas constitutivos da sociedade (re)
organizam-se segundo a lógica racional e instrumental do desenvolvimento da técnica a serviço
do capital mundializado. Desse ponto de vista, a técnica imprime papel determinante no modo de
pensar e agir dos povos. A ciência e a educação, assim como todas as atividades relacionadas à
cultura, passam a ser conduzidas por um pensamento instrumental e pragmático, em que a
produção ganha contornos predeterminados pelas necessidades e exigências do mercado e as
respostas se bastam pela análise superficial.
A tendência à superficialidade também é observada na narrativa do jornalismo, o que
lhe sugere uma condição de ajuste aos moldes da cultura moderna determinada pelo capital. Ao
considerar o jornalismo como elemento do processo social ligado a esquematização do sistema, é
possível observar o quanto a notícia está comprometida com a lógica do capital e, ao mesmo
tempo, o quanto contribui para o pensamento administrado criticado pela Teoria Crítica.12 A
Teoria Crítica desconfia do estado absoluto das coisas, da unidade e lógica dos sentidos, da
crença na objetividade e chama a atenção para a submissão da consciência à racionalidade técnica
(JAY, 1974).
Entre os vários autores frankfurtianos destacam-se Herbert Marcuse, Max
Horkheimer, Theodor W. Adorno, Walter Benjamin e Jürgen Habermas. Esses autores tinham
entre eles a preocupação pela integridade da teoria com a qual estavam comprometidos, e
12 Termo cunhado por Max Horkheimer para definir a concepção teórica da Escola de Frankfurt (JAY,1974).
defendiam uma visão inconformista sobre as transformações sociais engendradas pelo
desenvolvimento capitalista. A crítica que faziam direcionava-se, principalmente, sobre a razão
como verdade absoluta e como lei eterna. Nesse sentido, eles se debruçaram na construção de
uma teoria que não nega a realidade, porém aponta para a necessidade da consciência vigilante
diante da programação do real que oprime o indivíduo e o submete a uma existência opressora,
em uma espécie de escravidão voluntária.
Os autores frankfutianos interrogavam o presente e a submissão do homem ao capital.
Há, portanto, a exigência da dúvida diante do existente homogêneo e natural tão “perfeito”. Nesse
sentido, nem tudo é o que parece ser, e o verdadeiro não é de todo verdade. A crítica resvala na
sociedade totalitária,13 com base na dominação pela técnica e o desenvolvimento da ciência para
o progresso. A questão é observar que diante de tamanha racionalidade, o irracional se converte
automaticamente na prática e vice-versa. Dessa maneira,
Fez-se necessário à Teoria Crítica caminhar para a crítica da civilização técnica, uma vez que técnica no domínio da natureza e técnica na tomada do poder, no mundo atual, se conjugam. O pragmatismo e a ‘ação eficiente’ vêm tomando o lugar do pensamento e da reflexão. A empiria – a ação imediata não-reflexiva quer corrigir seus desacertos pelo uso da violência e do terror. Ela supõe seres obedientes. Para os frankfurtianos, porém, pensar é o contrário de obedecer (MATOS,1993,p.39).
A Teoria Crítica compreende a sociedade administrada como fonte do irracional ao
converter o progresso em inimigo da própria humanidade, baseada em um rigor científico
estabelecido pelo controle das coisas por meio do cálculo e da exatidão. Assim,
Em nome de uma racionalização crescente, os processos sociais são dominados pela ótica da racionalidade científica, característica da filosofia positivista. Nessa perspectiva, a realidade social, dinâmica, complexa, cambiane, é submetida a um método que se pretende universalizador e unitário, o método
13 O conceito de totalitarismo na Teoria crítica é construído, principalmente, a partir da análise sobre a dificuldade do sujeito frente às imposições da realidade. Adorno, por exemplo, critica a submissão do indivíduo, ainda que voluntária, às representações sociais autoritárias e a adesão “cega” à coletividade. Para Adorno, “pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados” (ADORNO, 1995a, p. 129). Diante do determinismo social do qual o indivíduo parece não escapar, o autor desenvolve sua idéia de sociedade totalitária, na qual “o indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.14).
científico. O positivismo, prisioneiro de seus próprios métodos, impõe um procedimento não-social às ciências sociais (MATOS, 1993, p.07).
Diante da impossibilidade de negar o desenvolvimento tecnológico produzido no
curso histórico-social, há um necessário controle da técnica pelo homem para o bem do homem e
sua sobrevivência. Os teóricos críticos da sociedade estão preocupados com a passividade do
indivíduo frente às condições excludentes e desumanas produzidas pelo progresso no mesmo
compasso em que supõe o desenvolvimento da humanidade.
No curso da maioridade na escala da evolução humana, o homem tem feito o caminho
contrário e de maneira voluntária. Ou seja, o avanço dos tempos impulsionado pela técnica e a
ciência, na base do absolutismo da razão, acentua cada vez mais o primitivismo no homem
moderno. “Assim, a crítica à razão torna-se a exigência revolucionária para o advento de uma
sociedade racional, porque o mundo do homem, até hoje, não é o ‘mundo humano’, mas ‘o
mundo do capital’ (MATOS, 1993, p.8). A ditadura da razão e o controle da natureza pelo
homem retomam ao mito. De tão “esclarecida” a consciência não percebe o quanto está
obscurecida diante da dificuldade de apreensão crítica da realidade. Nesse sentido, o que está
comprometido é a capacidade de reflexão crítica sobre o real. Assim, a Teoria Crítica propõe o
desvelar da realidade e o rompimento com o mito do progresso e do conhecimento.
Horkheimer e Adorno (1985) desenvolvem uma análise sobre sociedade, cultura,
sujeito e conhecimento em uma realidade em que a técnica e a lógica procedimental são
características determinantes da sociedade, conduzindo os homens a atitudes contrárias à própria
felicidade e a um ajustamento ao real administrado, na constituição de uma humanidade
estruturada com base no processo de dominação e exploração. Esses autores se referem às
imposições do sistema capitalista que avança firme e determinante, cujas condições objetivas e
subjetivas dificultam a autonomia e a emancipação do indivíduo. Neste contexto, Horkheimer e
Adorno (1985) refletiram sobre a cultura compreendida não só no âmbito da formação humana,
como expressão do pensamento e da reflexão para a necessária autonomia do indivíduo, mas
também chamavam a atenção para a submissão do indivíduo à lógica da produtividade
econômica, em que o que se produz é estabelecido de acordo com a sua utilidade imediata e o
objetivo final é o lucro.
Horkheimer e Adorno (1985) se recusavam a acreditar que as criações dos novos
meios de transmissão de informações pudessem fortalecer a democracia. Portanto, analisam a
produção industrial dos bens culturais como um movimento global de produção mercadológica.
Para eles, a reflexão sobre a sociedade capitalista e sua organização devem ser compreensões
para além das forças produtivas, com uma atenção especial sobre a cultura.
2.1 – Cultura e razão
Na modernidade, a apropriação da cultura pelo capital e sua instrumentalização
distanciam-na de propósitos ligados aos valores universais e da afirmação do indivíduo frente à
realidade determinada. Dessa maneira, a cultura moderna reafirma o pensamento apaziguador e
universalizador, que a tudo compreende e apreende na sua imediaticidade e aparência. Trata-se de
uma manipulação de significados que apanha o indivíduo distraído e o desobriga de um
pensamento atento sobre as contradições do real. Mesmo quando parece esclarecedor, esse
discurso não esclarece e, quanto mais se propõe ao esclarecimento, o idealiza. Assim,
Horkheimer e Adorno (1985) explicam essa idéia no âmbito da linguagem:
A desmitologização da linguagem, enquanto elemento do processo total de esclarecimento, é uma recaída na magia. Distintos e inseparáveis, a palavra e o conceito estavam associados um ao outro. Conceitos como melancolia, história e mesmo vida, eram reconhecidos na palavra que os destacava e conservava. Sua forma constituía-os e, ao mesmo tempo, refletia-os. A decisão de separar o texto literal como contingente e a correlação com o objeto como arbitrária acaba com a mistura supersticiosa da palavra e da coisa. O que, numa sucessão determinada de letras, vai além da correlação com o evento proscrito como obscuro e como verbalismo metafísico (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p. 154-155).
Diante da racionalidade, as designações são mascaradas e o encobrir do significado se
legitima em um contexto em que a reflexão está dificultada e passa a contribuir para a
dominação. O discurso dominante tem grande potencial de convencimento e se manifesta tão
coeso que, praticamente, não suscita dúvidas ou questionamentos, porém camufla as contradições
inerentes ao modo de produção capitalista. As atenções são eficazmente desviadas das discussões
essenciais para o desenvolvimento humano e conduzidas de maneira superficial, a ponto de
minimizar a reflexão. Dessa maneira, “(...) a palavra, que não deve significar mais nada, fica tão
fixada na coisa que ela se torna uma fórmula petrificada” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985,
p.154).
Os conceitos são tomados pela instrumentalização da razão para justificarem o real e,
simultaneamente, servem ao esvaziamento do conhecimento. A impressão que se tem é que tudo
o que deveria ser pensado o foi, e resta ao indivíduo apenas adaptar-se ao que foi anteriormente
decodificado e concluído como “perfeito”. Nesse caso, “A adaptação (...) possibilita uma
orientação mais rápida e liberta da excessiva fadiga que está ligada à penetração das complexas
relações da sociedade moderna” (HORKHEIMER e ADORNO, 1973, p.181).
Nesse contexto, não há que perder tempo com o pensar. Torna-se mais fácil
acomodar-se diante da objetividade administrada, que procurar compreendê-la em suas
contradições, tarefa que demandaria esforço. No jornalismo, a notícia cumpre esta mesma lógica,
ao se render à velocidade da narrativa e à exploração superficial dos fatos narrados. Ou seja, a
notícia tende a um discurso apaziguador. Assim, o pensamento se esgota no próprio real, se
reduzir ao dado, limita-se ao imediato e a compreensão destitui-se da relação com a verdade.
Para Marcuse (1967), a linguagem operacional esvazia a representação lingüística
autêntica do conceito e tende a promover a identificação imediata da verdade com a verdade
preestabelecida. Ao transpor esta análise para o jornalismo, observamos o quanto a redação
jornalística apresenta as características do reducionismo do conceito apontadas por Marcuse. Na
descrição superficial e imediatista do real, a narrativa jornalística manipulada se configura como
elemento potencial de instauração e restauração do modelo econômico vigente.
Ao observar que as relações na sociedade passam por esquematizações justificadas
pela razão instrumental, percebe-se o quanto o pensamento se articula de acordo com o modo de
produção capitalista. “É como se o próprio pensamento tivesse se reduzido ao processo industrial,
submetido a um programa estrito, em suma, tivesse tornado uma parte e uma parcela da
produção” (HORKHEIMER, 2000, p.30). Com base nessa análise, pode-se dizer que o
jornalismo como meio de transmissão dos fatos que ocorrem na realidade, - estando esta
realidade administrada na base da dominação, - não escapa à repetição das formulações que
constituem esse real. Ou seja, a narrativa jornalística está tão comprometida com o pensamento
instrumental quanto com a realidade administrada.
O jornalismo, portanto, está submetido à mesma determinação do real que ele reporta.
Dessa maneira, ao apropriarmos da idéia de Horkheimer e Adorno (1985) sobre as determinações
da sociedade capitalista, observamos que a notícia, assim como o indivíduo, não escapa às
articulações do capital e, conseqüentemente, promove uma leitura imediatista da realidade. Neste
contexto, o pensamento tem a sua autonomia dificultada. Ou seja, na tendência da administração
total, a cultura moderna, manipulada pelos princípios da lucratividade, se fez útil ao modo de
produção capitalista e se estabeleceu de acordo com a dinâmica da estrutura material da
sociedade e, assim, o jornalismo a acompanhou.
Adorno (1996) explica que a sociedade administrada ocorre para a extensão do
capitalismo, assim como a cultura, que corresponde à orientação das estruturas materiais a que
está submetida. É importante observar que a análise da Teoria Crítica é construída em um
momento histórico marcado pela ascensão do Nazismo no contexto da Segunda Guerra Mundial,
quando os intelectuais refletiam sobre o totalitarismo expressado pelo nazi-fascismo. A reflexão
sobre a sociedade totalitária da época nos permite na atualidade aproximar o fascismo ao
capitalismo, entendendo que a tirania do capital se constitui de maneira uniforme e autoritária.
Trata-se de uma realidade que se manifesta aparentemente coesa, harmônica, e “essa
aparência, na qual se perde a humanidade inteiramente esclarecida, não pode ser dissipada pelo
pensamento que tem de escolher, enquanto órgão da dominação, entre o comando e a obediência”
(HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.49). Se o homem ignorar as contradições da realidade,
apreende tudo a seu redor a partir de uma unanimidade natural, geralmente, sem se opor à
maneira conciliada e totalitária na qual elas se apresentam. Ao apreender a realidade na qual ela
se apresenta, a narrativa jornalística absorve o totalitarismo inerente ao real para si e se evidencia
sob um olhar enrijecido. Neste caso, também ignora as contradições e, ao descrever os fatos de
maneira superficial, o jornalismo absorve para a sua narrativa as características da realidade que
observa.
Horkheimer e Adorno (1985) entendem que o totalitarismo evidenciado no contexto
fascista de eliminação das diferenças se instala na sociedade e na cultura do capitalismo, e se
torna possível de ser apontado mesmo na estrutura social de hoje. Os autores esclarecem que
“Um elemento essencial dessa rigidez do caráter totalitário é a sua vinculação com a autoridade –
o reconhecimento cego, obstinado e intimamente rebelde tributado a tudo o que se reveste de
poder”. (HORKHEIMER e ADORNO, 1973, p.178). A adesão cega à realidade administrada,
que a tudo segue obstinadamente sem autonomia e auto-reflexão, dificulta a manifestação da
consciência verdadeira. Porém, a pseudo-individualidade e o ajustamento não ocorrem tão
somente pela pressão social, mas há que se considerar que os próprios indivíduos buscam essa
adaptação.
Na análise sobre a Indústria cultural, Horkheimer e Adorno (1985) refletem sobre a
pseudo-individualidade como a busca do indivíduo em assemelhar-se com aquilo que é padrão
em todos os aspectos da esfera social. Dessa maneira, há uma dificuldade do indivíduo em se
afirmar como sujeito, diante de modelos de beleza, sucesso, felicidade, entre outros,
predeterminados pela lógica mercadológica. O indivíduo se convida o tempo todo à semelhança
aos modelos, na busca das promessas de realizações neles embutidas. Nesse sentido, Horkheimer
e Adorno (1985) chamam a atenção sobre a predisposição do indivíduo a uma “identificação
ingênua, mas que se vê imediatamente desmentida” pela difícil semelhança perfeita. Segundo os
autores, neste caso há um comprometimento da identidade individual.
A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada, e é isso mesmo que ele vem a perceber quando perde com o tempo a semelhança (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.136).
Portanto, a adaptação pressupõe pseudo-individualidade.14 Neste contexto, o homem
tem a necessidade de se sentir integrado, valorizado; ser “alguém”. Dessa maneira,
(...) para que se sintam alguém, essas pessoas têm necessidade de se identificar com a ordem estabelecida e essa identificação faz-se com tanto mais agrado quanto mais inflexível e poderosa for essa ordem. Subjacente nessa atitude há uma profunda fraqueza do ego, que se sente incapaz de satisfazer as exigências de autodeterminação da pessoa, diante das forças e instituições onipotentes da sociedade (HORKHEIMER e ADORNO, 1973, p.178-179).
14 Adorno (1994) faz referência à indiferenciação e à pseudo-individualidade também no texto Sobre música popular, no qual a análise tem como base a estandardização da música como modelo de boa música, em que os standards “acabaram sendo investidos e revestidos com a imunidade da grandeza” (ADORNO, 1994, p.122). Zanolla (2001) explica que a indiferenciação humana é estimulada por princípios básicos subjetivos da racionalidade objetivada pela Indústria Cultural, que redunda em falsa identidade e idealização do sujeito. Nesse sentido, segundo a autora, “(...) nos termos da pseudo-individuação, portanto, a alienação transita entre o universal e o material, de modo que ocasiona uma confusão entre um e outro, ao encará-los do ponto de vista da conciliação” (ZANOLLA, 2001, p.167).
Ou seja, é possível identificar na sociedade moderna a barbárie instaurada naquele
contexto a partir do reconhecimento de que as condições sócio-culturais que possibilitaram o
fascismo e sua crueldade ainda persistem na atualidade. A reflexão de Adorno (1995a) sobre
barbárie sugere entender o significado desta palavra como sendo tudo o que se relacione à
dominação material e humana. Nesse caso, ao entender o jornalismo como instância social com
tendências à dominação, sugere-se pensar a prática jornalística e sua relação com a barbárie. O
conceito de barbárie em Adorno é definido da seguinte maneira: “Entendo por barbárie algo
muito simples, ou seja, que, estando a civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as
pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria
civilização” (ADORNO, 1995a, p.155). Desse modo, deduz-se a partir da análise do autor, que o
sistema capitalista se comparou ao sistema fascista. Os pressupostos objetivos geram o fascismo:
A sobrevivência do fascismo e o insucesso da tão falada elaboração do passado, hoje desvirtuada em sua caricatura como esquecimento vazio e frio, devem-se à persistência dos pressupostos sociais objetivos que geram o fascismo. Este não pode ser produzido meramente a partir de disposições subjetivas. A ordem econômica e, seguindo seu modelo, em grande parte também a organização econômica, continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação às quais são impotentes, bem como a se manter numa situação de não emancipação (ADORNO, 1995a, p.43).
Na análise do autor, as condições objetivas e subjetivas do capitalismo conduziram a
humanidade contra ela própria. E nesse mesmo molde de dominação, se configurou Auschwitz,
um campo de concentração criado durante a Segunda Guerra Mundial para o extermínio de
prisioneiros de guerra. “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela
é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985,
p.114). Nesse caso, o processo social da dominação serve a autoconservação da realidade
dominada. Porém, exige-se do pensamento o esforço em observar que a constituição sistêmica da
realidade há que ter brechas para seu questionamento. Enxergar as rachaduras dessa
sistematização é a tarefa da consciência crítica no desvendar sobre o real.
A opressão da sociedade está orientada para a conservação do poder dominante, que
sedimenta todas as formas do pensamento. E, diante da administração total do real, a consciência
não se desvencilha das determinações da razão instrumental. Na sociedade em desenvolvimento
não estão claras as condições que possibilitariam o homem à conscientização da sua condição de
alienação. Nem mesmo a cultura, a qual se pressupõe ser um meio de reflexão crítica e de
liberdade do pensamento, escapa à administração do sistema. Se nada escapa à lógica do sistema
vigente, o jornalismo também não? Adorno (1984) explica que mesmo as expressões relacionadas
à criação interior e espiritual, como a própria arte e a religião estão submetidas às determinações
da sociedade a que corresponde. Nesse sentido:
Quien habla de cultura habla también de administración, quiéralo o no. El reunir bajo la palabra única de cultura cosas con denominador tan distinto como filosofia y religión, arte y ciencia, formas del modo de vivir y moralidad y, finalmente, el espíritu objetivo de una época, traiciona de antemano la mirada administrativa, que, desde lo alto, acumula, reparte, pondera, organiza (ADORNO, 1984, p.53).
Se a cultura moderna está determinada pela sociedade administrada, diz-se que
cultura e civilização são processos indissociáveis, constituídos em interdependência, na qual um
se impõe sobre o outro e vice-versa. Nesse contexto, pensar a sociedade moderna a partir do
desenvolvimento da indústria, da técnica e da ciência, é refletir o quanto a cultura moderna
expressa os princípios desta civilização em todas as épocas. Assim, a discussão sobre a atualidade
do termo Indústria Cultural, cunhado por Horkheimer e Adorno (1985) torna-se pertinente para o
desenvolvimento deste trabalho. Os autores interpretam que há uma indústria da cultura que
determina o consumo e adapta o consumidor a seus produtos, de acordo com seus interesses.
Nesse sentido, estão minimizadas as possibilidades de autonomia do consumidor na escolha do
que consumir, o que expressa uma falsa livre escolha. Para Horkheimer e Adorno (1985), a
estrutura da sociedade capitalista e suas relações de produção, explicitados por Marx (2001), se
prolongam para além do setor econômico e do trabalho na fábrica e alcançam a cultura. Dessa
maneira, há um impedimento da formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de
julgar e de decidir conscientemente. Assim, a Indústria cultural abarca elementos característicos
do moderno e se torna portadora da ideologia dominante, ao mesmo tempo, que dá sentido a todo
o sistema capitalista em desenvolvimento. O termo sugere a apropriação da cultura pela
administração geral da sociedade, na qual é transformada em mercadoria de consumo a serviço da
dominação e da manipulação do indivíduo.
Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertadamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.128).
Desse modo, as expressões humanas estão vinculadas às orientações de ajustamento,
adaptação e administração, inerentes ao curso civilizatório. As manifestações do indivíduo
moderno se apresentam impregnadas das determinações mercadológicas. “As inúmeras agências
da produção em massa e da cultura por ela criada servem para inculcar no indivíduo os
comportamentos normalizados como os únicos naturais, decentes e racionais” (HORKHEIMER e
ADORNO, 1985, p.40). A cultura se apresenta, portanto, impotente frente às exigências da
autoconservação.
A cultura desvincula-se do seu sentido emancipador para ajustar-se e identificar-se
com a realidade; dificulta a crítica e a reflexão, ao mesmo tempo, dificulta a possibilidade da
criação. Está, portanto, inviabilizada a criação do novo e a produção se atém à repetição a partir
dos moldes já determinados. “A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O
cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o
são em conjunto” (HORKHEIMER E ADORNO, 1985, p. 113). Desse modo, a criação se
confunde com a repetição e, esta, por sua vez se legitima como inovação em um contexto em que
a própria realidade como um todo se desdobra em processos repetitivos e que na aparência se
distancia do que realmente é.
2.2 - Indústria cultural – um conceito atual
Dentro da concepção teórico-crítica, é indiscutível que o desenvolvimento
tecnológico e o avanço dos meios de comunicação têm contribuído potencialmente para o
recrudescimento da cultura, em que a massificação e o consumismo difundidos são alguns dos
pontos principais a serem observados na sociedade. A produção cultural, nos dias de hoje,
implica a debilitação da individualidade e a dificuldade do pensamento crítico, tendo por base a
ordem sistêmica social que ainda confere às manifestações sociais um caráter de superficialidade,
fragmentação e semelhança. Nesse caso, evidencia-se na atualidade o arcabouço teórico
desenvolvido pela Teoria Crítica da sociedade. Horkheimer e Adorno (1985) são claros na análise
que aponta o comprometimento cultural na sociedade capitalista, principalmente a partir da
padronização da produção em série.
As distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A e B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, têm menos a ver com seu conteúdo do que com sua utilidade para classificação, organização e computação estatística dos consumidores. Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. (...) O esquematismo do procedimento mostra-se no fato de que os produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre como a mesma coisa. A diferença entre a série Chysler e a série General Motors é no fundo uma distinção ilusória, como já se sabe toda criança interessada em modelos de automóveis. As vantagens e desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.116).
Embora se reconheça que na escala do progresso as relações sociais atuais
promoveram um grau de desenvolvimento superior ao dos anos anteriores, inerente ao processo
histórico-social, a sociedade se desenvolve a partir das determinações do modo de produção de
épocas anteriores. Portanto, considerando, principalmente, o avanço tecnológico na
contemporaneidade, pode-se dizer que a reflexão sobre a Indústria Cultural permanece coerente à
análise da estrutura social atual, porém entende-se que a análise hoje recai sobre uma estrutura
material diferenciada. Ou seja, Horkheimer e Adorno (1985) chamam a atenção para o potencial
da publicidade como veículo ideológico e, hoje, essa tendência se confirmou pela sua ampliação
e desmembramentos.
Neste contexto, as críticas sobre as articulações ideológicas, antes apontadas por estes
autores e atribuídas a um modo de produção alimentado e sustentado pela Indústria Cultural,
persistem no contexto atual e, conseqüentemente, resultam em uma lógica opressora ainda mais
elaborada. As características da Indústria Cultural, ressaltadas pelos autores como a
esquematização, a padronização, a indiferenciação, a tendência à naturalização das contradições e
a dificuldade do pensamento crítico, são perceptíveis na produção material e nas manifestações
do homem moderno. Nesse sentido, a análise do jornalismo moderno, sob o prisma da Indústria
Cultural, possibilitará perceber o quanto ele está submetido à lógica do capital, contribuindo,
conseqüentemente, para com um comprometimento da reflexão sobre o real.
A coerência e a pertinência do conceito de Indústria Cultural na sociedade
contemporânea está em considerar que todas ações, até o pensamento produzido em meio à
ordem social vigente, tendem a se manifestar como produtos. Com base na análise da Teoria
Crítica, há um esvaziamento da essência e uma supervalorização da aparência, que confere a tudo
um caráter de mercadoria. Tudo é vendável. No jornalismo, a notícia vira produto. Nesse
raciocínio, as determinações materiais se sobrepõem à reflexão e esta, por sua vez, dificultada
pela linguagem manipulada da publicidade, considerada como o principal veículo da ideologia
dominante na sociedade capitalista (HORKHEIMER e ADORNO, 1985). Nos veículos de
comunicação, a publicidade ganha dimensões para além da apresentação visual do produto e
invade a linguagem, chega à narrativa jornalística e confere à notícia o caráter mercadológico em
um processo em que o jornalismo torna-se vendável, tendo como objetivo final o lucro.
A linguagem publicitária seria o atrativo que reforça o necessário consumismo que
move a máquina do capitalismo. Assim, “A publicidade é hoje em dia um princípio negativo, um
dispositivo de bloqueio: tudo aquilo que não traga seu sinete é economicamente suspeito”
(HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.152). Essa suspeita tem origem no sistema capitalista ao
qual interessa impor a lógica mercadológica em tudo que se manifesta como ação humana, para
sobrevivência própria. Diante da imposição da racionalidade técnica, Adorno (1995a) afirma que
a educação é o único veículo possível para a formação da consciência verdadeira, sendo ela capaz
de conduzir o homem à emancipação e à autonomia frente ao real determinado. Porém, o autor
sugere pensar as contradições da educação e seu papel diante da realidade vigente.
Adorno (1995a) analisa a educação para além dos muros da escola e do ensino
institucionalizado. A crítica do autor é sobre a orientação da educação ajustada às determinações
do capitalismo na sociedade moderna, em detrimento do seu caráter emancipador. Em meio às
esquematizações do modo de produção está posta a exigência do fortalecimento do juízo
autônomo e a consciência verdadeira de que o projeto burguês de desenvolvimento e progresso
da humanidade depõe contra o próprio homem. Na organização social vigente, torna-se urgente
que a educação resista à dominação que ganha forças e tende à barbárie. Segundo Adorno
(1995a), a urgência é para que Auschwitz não se repita. Ou seja, o encantamento do homem sobre
a realidade precisa ser quebrado para o bem e a sobrevivência dele próprio. A educação, no
sentido kantiano, está acima do fazer mecânico e objetiva guiar o homem para a conquista dos
valores universais. Para Kant (1996), o homem precisa aprender a pensar e a observar os
princípios morais.
O homem pode ser, ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente, ou ser verdadeiramente ilustrado. Treinam-se os cães e os cavalos; e também os homens podem ser treinados(...) entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar. Devem-se observar os princípios dos quais todas as ações derivam (KANT, 1996, p.27-28).
Diante da exigência, a educação tem a tarefa de resgatar o pensamento questionador.
Ao refletir sobre o papel da educação, Horkheimer e Adorno interrogam sobre a formação do
indivíduo na sociedade moderna. Horkheimer assevera que o homem moderno só sobrevive à
custa de sua morte como sujeito: “a autopreservação do indivíduo pressupõe o seu ajustamento às
exigências da preservação do sistema” (HORKHEIMER, 2000, p.100). Ao se ajustar ao exterior,
o indivíduo busca proteger a si mesmo e reafirma a negação ao diferente. A identificação cega
não lhe permite aceitar aquilo que está além da realidade posta. Entende-se, assim, a
discriminação com as minorias: o mendigo, o índio e o homossexual.
O ajustamento torna-se uma defesa diante da ameaça opressora da sociedade. Nessa
lógica, o enquadramento pressupõe a inserção social na busca pela identidade em meio à
coletividade, o que se converte na perda da identidade. Portanto, o indivíduo que não é sujeito de
si é facilmente manobrado, domesticado. Porém, a indústria divulga o oposto: a ilusão da
liberdade do sujeito.
A idealização do sujeito favorece e sustenta o esquema traçado pela Indústria
Cultural, que incute no indivíduo modos de pensar, agir e ser de acordo com os interesses do
modo de produção. A Indústria Cultural se apresenta a serviço do indivíduo, mas o conduz à
adaptação e à padronização ao reafirmar o tempo todo que o que importa nessa sociedade é estar
integrado ao desenvolvimento. A base dessa integração é o consumismo e a submissão às regras
do sistema socioeconômico. Assim, a consciência dificilmente encontra resistência. Imporá
observar que a força exercida pelas determinações sociais sobre o indivíduo já se encontra fértil
na mente dele próprio. Assim,
O declínio do indivíduo deve ser atribuído não às realizações técnicas do homem e nem mesmo no próprio homem - as pessoas são geralmente melhores do que pensam, dizem ou fazem - mas sim à atual estrutura e conteúdo da ‘mente objetiva’; o espírito que penetra a vida social em todos os seus setores(...) a mente objetiva da nossa época cultura a indústria, a tecnologia e a nacionalidade sem nenhum princípio que dê um sentido a essas categorias,; espelha a pressão de um sistema econômico que não admite tréguas nem fugas (HORKHEIMER, 2000, p.154-155).
A integração social estabelecida pela lógica da razão formal impõe ao indivíduo o
sacrifício da adequação às exigências da sociedade industrial. E o desenvolvimento acelerado da
tecnologia necessita de um público consumista cada vez mais integrado. O problema é que esta
lógica esconde as contradições produzidas por ela mesma. O sacrifício maior do indivíduo está
em lutar o tempo todo para não ser excluído dessa imposição e, envolvido nessa luta, não percebe
o quanto paga caro por esse enquadramento. A aceitação se converte na perda da individuação.
Horkheimer e Adorno (1985) apontam a Indústria Cultural como indutora desse processo de
adaptação, que faz do sujeito um mero consumidor de seus produtos. Este, por sua vez, se
submete cegamente à cultura industrial por medo da exclusão.
Na medida em que a cultura se apresenta como um brinde, cujas vantagens privadas e sociais, no entanto, estão fora de questão, sua recepção converte-se no aproveitamento de chances. Os consumidores se esforçam por medo de perder alguma coisa. O que – não está claro, de qualquer modo só tem chance quem não se exclui (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.151).
Diante da busca incessante do ajustamento social, o indivíduo se encontra o tempo
todo em conflito com uma sociedade em que as chances de não exclusão não são as mesmas para
todos. Na realidade, a exclusão social se acentua cada vez mais e, isto, também não está às claras.
A pseudoliberdade faz surgir a pseudoconsciência, na qual o indivíduo pensa participar, pensa ser
livre, mas não o é.
Em Adorno (1994), a pseudoconsciência representa a interdição da consciência crítica
por meio de processos presentes na cultura capitalista, na manipulação e na padronização, que
conduzem o indivíduo a uma passividade frente à realidade administrada, e, que lhe interditam a
possibilidade do real conhecimento sobre os elementos constitutivos da objetividade a qual está
inserido, caracterizando o estado de alienação. No texto Sobre Música Popular, Adorno (1994)
sugere uma reflexão sobre esses processos a partir da análise que faz sobre a música,
alegoricamente, estruturada para o consumo, a qual ele chama de música popular. Esta, segundo
ele, tem a estrutura estandardizada como complemento para o alcance da aceitação e o
reconhecimento pelas massas, a partir principalmente da repetição das notas musicais, como algo
elaborado para contagiar e agradar opiniões de uma maneira geral.
Adorno (1994) critica a estilização daquilo que aparece como novo, mas que na
estrutura básica permanece igual, o que denuncia aspectos de controle e concentração camuflados
em nossa sociedade pela cultura industrial, em que o objetivo final é o consumismo. Nesse
raciocínio, a estandardização musical corresponde ao processo de pseudo-individuação, referido
por Adorno (1994) como o enquadramento a que se submete o indivíduo quanto ao que é pré-
estabelecido e padronizado, anulando-lhe, assim, suas próprias possibilidades de se individualizar
em meio às massas.
Na (im) possibilidade de se diferenciar, de se individualizar, o indivíduo se dilui no
meio social. A indiferenciação, portanto, refere-se ao sujeito alienado. Trata-se do indivíduo
submisso ao que é proposto pela Indústria Cultural: “Por pseudo-individuação entendemos o
envolvimento da produção cultural de massa com a auréola da livre-escolha ou do mercado
aberto, na base da própria estandardização. A estandardização de hits musicais mantém os
usuários enquadrados, por assim dizer escutando por eles” (ADORNO, 1994c, p.123).
Dessa maneira, a administração da consciência do indivíduo está na sociedade
capitalista em todos os aspectos, sociais e humanos. Na ilusão sobre o real, a consciência não
encontra condições de apreensão e compreensão da sociedade. Assim,
Em la experiencia humana el hechizo es el equivalente Del carácter fetichista de la mercancía. Lo que uno mismo ha hecho pasa a ser una enseidad de la que uno
ya no sale; lo que el sujeto venera con la fé dominante en los hechos como tales, con la aceptación positiva de ellos, en su propia imagen. La consciencia es la que promete la posibilidad de su superación (ADORNO, 1984, p.344).
O caráter fetichista do qual fala o autor é alimentado pela apreensão do real a partir
da aparência, o que pressupõe uma visão imediatista e pragmática do existente, e o conseqüente
comprometimento da análise crítica do mesmo. Na rapidez da apreensão está posta a exigência do
pensamento prático e rápido que a tudo observa na superficialidade da manifestação do
fenômeno. Os elementos constitutivos do real se mantêm encobertos pelas formulações
ideológicas. Isso ocorre em todos os setores, inclusive com a comunicação. Ao transpor a análise
para o jornalismo, indaga-se sobre a atividade jornalística, como um elemento significativo de
correspondência e transmissão em massa do que ocorre em um cotidiano contraditório, com
tendências a ser sujeitado à objetividade do modo de produção capitalista. Seria o jornalismo
elemento de reafirmação da pseudo-realidade?
Na análise de Adorno (1995b), o mundo moderno se restringe a uma razão subjetiva,
suscetível de aplicação prática, na qual nada escapa às determinações objetivas, nem mesmo o
pensamento. Assim, o autor assinala para a dificuldade da transformação social, ao considerar
que a consciência coisificada se prende ao limite do objeto, sem permitir a si mesma extrapolar a
própria realidade. Portanto, “o mundo, que a razão subjetiva tendencialmente só se limita ainda a
reconstruir, na verdade deve ser continuamente transformado conforme sua tendência à expansão
econômica e, contudo, sempre permanecendo o que é” (ADORNO, 1995b, p.204). A crítica é
sobre a dificuldade do indivíduo de criar e experienciar de fato, o que mantém o conhecimento, a
autonomia e a emancipação do indivíduo moderno como conceitos idealizados. Nesse sentido, o
método e o cálculo não se apresentam suficientes para a apreensão do objeto na sua
complexidade. Na atividade jornalística, a técnica também conduz a uma limitação da verificação
do real. Segundo Sodré (1996), o desenvolvimento da técnica e a ascensão do capitalismo são
fatores que interligam as evoluções da imprensa e do capitalismo. Assim, o autor observa que o
jornalismo como veículo importante de implementação da produção em massa.
A corrida para a revolução nas técnicas de imprensa, iniciada na Inglaterra, quando o Times, em 1814, utilizou a máquina a vapor na impressão, seria por
isso ganha pelos Estados Unidos em pouco tempo. Era o ponto de partida para a produção em massa que permitia reduzir o custo e acelerava extraordinariamente a circulação (SODRÉ, 1996, p.3).
Os sucessivos inventos, que ao longo da história aprimoraram a impressão do papel,
conduziram o jornalismo ao alcance cada vez maior de público, em uma velocidade cada vez
mais acelerada. Hoje, não há como negar que boa parte das informações sobre o que ocorre no
mundo é acessada pela população por meio da imprensa, seja via rádio, Internet, televisão ou
outros meios de veiculação. Importa observar que devido a essa variedade, há uma distinção entre
jornalismo e imprensa, sendo o primeiro uma modalidade do segundo. Ou seja, a imprensa é um
conceito da comunicação mais amplo, que engloba todo o aparato tecnológico dos meios de
comunicação. Já o jornalismo é uma modalidade da imprensa, o qual corresponde a um meio de
informação. Por isso, a importância da distinção é no sentido de especificar o objeto deste
trabalho. De acordo com Marcondes Filho (1989) os conceitos destes dois termos assim se
diferenciam:
(…) a imprensa é o corpo material do jornalismo, o processo técnico do jornal – que tem sua contrapartida na tecnologia do rádio, da TV, etc. – e que resulta num produto final, que podem ser manchas de tinta num papel ou as ondas de radiodifusão. O jornalismo é a modalidade de informação que surge sistematicamente destes meios para suprir certas necessidades histórico-sociais que, conforme já indicamos, expressam uma ambivalência entre a particularidade dos interesses burgueses e a universalidade do social em seu desenvolvimento histórico (MARCONDES FILHO, 1989, p.6).
A partir da apropriação das informações, elaboradas sistematicamente, o indivíduo
toma conhecimento, ainda que de maneira fragmentada, da realidade que o cerca e do que ocorre
no mundo; o que lhe possibilita estar informado sobre fatos do dia-a-dia da sociedade em âmbitos
local e mundial.
Percebe-se que, apropriado desse saber mediatizado, transmitido via meios de
comunicação, o indivíduo reelabora (absorve, pensa, analisa) as informações. (GOMIS, 1991). É
nesse sentido que o jornalismo é considerado como instância de acesso de um saber cotidiano,
pelo qual a sociedade acessa dados daquilo que ocorre na realidade. Importa ressaltar que a
atividade jornalística surgida em plena sociedade moderna é, portanto, uma atividade social que
abarca características do pensamento moderno e ao longo da história passou por diversas
transformações tecnológicas, assumindo um formato cada vez mais específico, estruturado em
padrão e formato.
A técnica americana de construção da notícia, herança do Imperialismo, se
estabeleceu como modo “correto’ de reportar o fato e, ao mesmo tempo, como parâmetro dos
princípios básicos do jornalismo: objetividade e imparcialidade. A técnica, portanto, deve
conduzir o jornalismo a um pensamento sobre a realidade, que é limitado e superficial, sobretudo,
pelo fato de que a notícia segue regras e normas narrativas que se prendem na exposição
meramente descritiva. Nesse caso, se observa a apreensão do fato na sua superficialidade, de
maneira fragmentada e pragmática. Dessa maneira, dificultam-se as perspectivas de análise e
crítica da situação relatada, o que minimiza a possibilidade de uma reflexão mais profunda da
realidade limitando-a à sua compreensão sobre o aparente a partir de um contexto falso.
A condução e veiculação da notícia são postas de maneira a desobrigar o receptor, o
público-alvo, de pensar sobre o que está sendo noticiado, dada a velocidade e a superficialidade
da narrativa jornalística. Ou seja, os elementos narrados não são suficientes para a compreensão
do fato noticiado para além da sua manifestação aparente; dificuldade esta que é somada pela
necessidade de rapidez na narração. Nesse contexto, vale apropriar-se da crítica de Adorno e
Horkheimer sobre a objetividade do pensamento na sociedade atual:
O pensamento perde o fôlego e limita-se à apreensão do factual isolado. Rejeitam-se as relações conceituais porque são um esforço incômodo e inútil. O aspecto evolutivo do pensamento, e tudo o que é genético e intensivo nele, é esquecido e nivelado ao imediatamente presente, ao extensivo (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.184).
Diante da abordagem instrumentalizada do fato isolado, o jornalista, muitas vezes,
compromete a reflexão. Horkheimer (2000) contribui para essa reflexão denunciando o
predomínio da razão instrumental na sociedade:
Tendo cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. No aspecto formalista da razão subjetiva, sublinhado pelo positivismo, enfatiza-se a sua não-referência a um conteúdo objetivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado pelo pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a conteúdos heterônomos. A razão tornou-se algo inteiramente aproveitado no processo racional. Seu valor operacional, seu papel no domínio dos homens e da natureza tornou-se ó único critério para avaliá-la (HORKHEIMER, 2000, p.29).
Assim, a razão instrumental articula-se na modernidade como algo inerente ao
processo civilizatório em desenvolvimento, tornando concreto aquilo para o qual se põe a serviço,
o capital. Segundo Ianni (1995), é esse o reino da razão instrumental:
Esse é o reino da razão instrumental, técnica ou subjetiva, permeando progressivamente todas as esferas da vida social, em âmbito local, nacional, regional e mundial. No mesmo curso da modernização do mundo, simultaneamente à globalização do capitalismo, prossegue a generalização do pensamento pragmático ou tecnocrático. Caminham juntos, mais ou menos conjugados ou desencontrados, espalhando-se pelo mundo. Esse é o modo de pensar e agir que se generaliza (IANNI, 1995, p.81).
Dessa maneira, é preciso perceber que não só a economia, mas também a ciência e as
diversas atividades relacionadas à cultura, se desenvolveram ao longo da história segundo os
parâmetros do capital, nos quais todos os setores das manifestações humanas parecem servir ao
desenvolvimento tecnológico para o acúmulo das riquezas. O jornalismo, como agente formador
de cultura, também agrega características da indústria cultural, principalmente pelo caráter
mercadológico da notícia.
2.3 – O caráter mercadológico da notícia
Como qualquer empresa, o jornalismo tem um público que pretende atingir, enfrenta
concorrência, tem necessidade de manter uma estrutura, deve pagar religiosamente seus credores
e, para isso, necessita de gerar fonte de arrecadação. Ao pensar o jornalismo como uma atividade
que se desenvolveu na mesma lógica do mercado, está posta a necessidade de estratégias de
atração de público. Diante disso, a informação deverá ser atrativa aos compradores. A notícia
torna-se o produto. Assim, “um acidente só vira notícia se nele estiver envolvido alguém, que o
jornal pretenda destacar, conforme suas intenções, positiva ou negativamente” (MARCONDES
FILHO, 1989, p.25).
A notícia, pensada como um produto mercadológico, ganha dimensões de
mercadoria, como investimentos e custos. O dono do jornal, em sua visão empresarial, está
interessado em obter o lucro, e diante da expectativa dele sobre o produto que comercializa,
explora o máximo a venda de espaço no jornal impresso. Assim, o espaço de redação de texto
divide a atenção do leitor com a publicidade. O jornal é, portanto, a um só tempo, portador de
informação e opiniões e portador de publicidade.
Interessa observar que, em um primeiro momento, a notícia/mercadoria é um produto
destinado ao público-leitor que necessita e busca informação em geral. Mas, ao considerar o
papel dos anúncios, dividindo espaços com as notícias, instaura-se um segundo momento em que
a publicidade se põe na busca primária do leitor para também ser consumida (MARCONDES
FILHO, 1989).
O dono do jornal amplia suas possibilidades de ganho tendo o leitor e o anunciante
como “clientes”. Nesse contexto ainda há que se considerar o “duplo caráter” da imprensa, uma
relação em que tanto a notícia quanto a publicidade se fortalecem, mutuamente, enquanto
produtos, em um mesmo espaço de veiculação. Ou seja, o produto de atração ao consumidor é a
notícia; mas esta aparece “embalada” pela publicidade, que por sua vez, na visão do dono do
jornal, é o principal produto ofertado. Nesta lógica, o anúncio é a prioridade.
De acordo com Marcondes Filho (1989), a determinação mercadológica, portanto,
condiciona a produção do que seja notícia, o fato social a ser divulgado, àquilo que seja mais
rentável. O autor reitera que cada vez mais se dá menos importância ao que é veiculado, quando o
que importa é vender.
Nesse sentido, tudo pode ser comercializável. Todas as notícias, mesmo que sejam anticapitalistas, funcionam para vender e garantir o lucro na lógica dos interesses a curto prazo. Isso porque o capitalista, além de saber que a notícia isolada (separada, portanto, de suas ligações mistificadoras apontadas antes: cenários,recursos técnicos, tem pouco efeito politizador, sabe que a longo prazo se está cuidando, na programação televisiva em particular e em toda a política cultural em geral, da preservação do mundo e das relações de produção e de propriedade presentes (MARCONDES FILHO, 1989, p.54).
O pensamento sobre o que é notícia se articula a partir daquilo que é capaz de chamar
e prender a atenção do público-alvo, independente do impacto social, trata-se de algo que tenha o
poder de mexer com o emocional do leitor e lhe provocar curiosidade sobre o fato. Ao prender a
atenção pelo caráter curioso que oferece, supõe-se que a notícia instiga o público a consumi-la. A
preocupação em vender permeia toda a produção editorial jornalística, principalmente na hora de
composição da capa do jornal. Esta precisa provocar curiosidade. A atenção maior gira em torno
da manchete de capa e da foto principal. Na ânsia do impacto para atrair o consumidor, o jornal,
muitas vezes, imprime um certo exagero na carga emocional e pende para o sensacionalismo
(MARCONDES FILHO, 1989).
Nesse sentido, o sensacionalismo se fortalece devido à condição dos desgastes físico
e mental do indivíduo pelo trabalho, como uma espécie de alívio à tensão emocional vivida.
Nesse sentido, está a exigência da diversão em meio à comunicação. Ao fazer a análise sobre a
estandardização da música, o autor explica que:
Os ouvintes são distraídos das exigências da realidade por “distrações” que tampouco exigem atenção. A noção de distração só pode ser entendida de modo apropriado de sua situação social e não em termos auto-suficientes de psicologia individual. A distração está ligada ao atual modo de produção, ao racionalizado e mecanizado processo de trabalho a que as massas estão direta ou indiretamente sujeitas. Esse modo de produção, que engendra temores e ansiedades quanto a desemprego, perda de salário e guerra, tem o seu correlato “não-produtivo” no entretenimento: isto é, num relaxamento que não envolva nenhum esforço de concentração. As pessoas querem divertir-se (ADORNO, 1994c, p.136).
Com base no que afirma Adorno, é possível relacionar o jornalismo sensacionalista
com a exigência da distração da qual fala o autor. Ou seja, há um interesse do trabalhador em um
jornal que não lhe exija esforço mental para entendimento da notícia. Entende-se que não há
espaço para um jornalismo que insira o trabalhador, após um dia exaustivo de trabalho, de novo
no mundo do trabalho e suas relações de produção, exigindo-lhe pensar sobre sua realidade. O
desgaste mental com a reflexão não teria espaço. Para Marcondes Filho, o jornalismo
sensacionalista é uma fonte de tranquilização do desgaste do trabalho:
É o outro lado da opressão social do trabalho e das exigências absurdas impostas ao trabalhador pelo processo de produção. (...) Esse desgaste, esse esforço supremo exige uma tranqüilização, uma pausa para recuperação. Aí entra a função do jornal como lazer. Ao trabalhador interessa muito mais o jornal que o descanse, que o entretenha, do que o jornal que o jogue de novo contra o mundo do trabalho, da produção, da política (MARCONDES FILHO, 1989, p.89).
Trata-se de um jornalismo de conteúdo superficial, que pouco informa, além de
sugerir duvidar da veracidade do que está sendo exposto, devido ao imediatismo da narrativa.
Assim, segundo Marcondes Filho (1989), o apelo sentimental tem uma função específica.
O apelo sentimental, fingindo tornar íntimo o jornal ao leitor, encobre-o com uma falsa realidade e com um falso subjetivismo. Absorve e envolve o leitor, sem proporcionar-lhe, de fato, nenhuma melhoria. Parte da necessidade insatisfeita das pessoas, sob o modo de produção capitalista, de ter um pouco de atenção à sua subjetividade. O subjetivo do fato não é trabalhado de forma emancipatória, autoconhecedora, e o leitor não é capacitado a se afirmar na sociedade; contrariamente, a imprensa sensacionalista incorpora-o e subjuga-o, dando-lhe a ilusão de solidariedade e de apoio (MARCONDES FILHO, 1989, p.92).
O apelo sensacionalista tende a desviar a atenção do leitor da crítica ao conteúdo para
uma reação emocional, a qual se distancia do pensamento reflexivo. Entende-se que a abordagem
da notícia como elemento de entretenimento reforça sua característica mercadológica. Nesse
sentido, diante do caráter mercadológico, observa-se que a manipulação ideológica e o
empobrecimento da informação configuram-se como elementos de dominação no jornalismo.
2.4 - Sensacionalismo e barbárie
A manipulação ideológica se apresenta na cultura como elemento de dominação e
destituição do sujeito como agente de transformação. Desse modo, o indivíduo submetido à
primazia da razão instrumental tende à alienação. A reflexão que Adorno (1995a) faz a respeito
de como evitar que Auschwitz se repita, permite neste trabalho, aproximar a idéia de barbárie ao
significado do sensacionalismo do jornalismo para, a partir do conteúdo jornalístico contemplar a
formação de uma consciência crítica. Entende-se a partir da análise do autor que a palavra
barbárie alcança maiores dimensões e extrapola o episódio da II Guerra Mundial, quando milhões
de inocentes foram sacrificados na Alemanha em nome de um nacionalismo agressivo, o que nos
permite pensar a questão de uma suposta razão que oculta um extremo irracionalismo.
A análise de Adorno sugere a necessidade de um olhar observador e crítico sobre os
fenômenos, no sentido de aguçar a percepção sobre a constituição da realidade e as contradições
inerentes a ela, na perspectiva de uma real intervenção sobre a ordem estabelecida, idealizada.
Neste caso, faz-se urgente a constituição de um pensamento emancipador, capaz de conduzir a
sociedade à transformação social e o necessário desvelar dos pressupostos que ocultam o quanto
a ordem social vigente é injusta e desumana.
Segundo Adorno (1995a), percebe-se que a contradição é constitutiva da sociedade
capitalista, que se apóia no acúmulo de riquezas para a sua sobrevivência. Nesse contexto, faz-se
“necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas
golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si próprias” (ADORNO, 1995a, p.121).
A exigência da consciência reflexiva diante da objetividade dada requer antes de tudo
a auto-reflexão-crítica, para que o indivíduo possa se autoperceber em meio à universalidade em
que está submetido para também “contrapor-se ao poder cego de todos os coletivos, fortalecendo
a resistência frente aos mesmos por meio do esclarecimento do problema da coletivização”
(ADORNO, 1995a, p. 127). Entende-se, portanto, que a consciência formativa só é possível
diante da reflexão crítica sobre a realidade e sobre si mesmo. Este seria o ponto de partida para
uma possível reação à regressão e à dominação, e o enfraquecimento do que Adorno (1995a)
denomina caráter manipulador, predominante no coletivismo cego.
Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa. Para os que se comportam dessa maneira utilizei o termo “caráter manipulador” (...) (ADORNO, 1995a, p.129).
A afirmação de Adorno (1995a) sobre a adesão cega do indivíduo ao coletivo e o
tratamento universalizado das pessoas como “massa amorfa”, nos permite pensar sobre a
mensagem sensacionalista do jornalismo como elemento de conformação e enquadramento.
Segundo Marcondes Filho (1989), o jornalismo sensacionalista tem a função de desviar a atenção
sobre a verdade da situação das massas e os seus verdadeiros culpados. Há, portanto, uma
tendência do discurso jornalístico à harmonização do real e à ocultação das contradições deste a
ponto de resultar em mensagens estereotipadas, que padronizam situações e indivíduos.
Já que os ricos são inatingíveis, já que eles nunca são presos, cabe ao povo justiçar os culpados que lhe aparecem diretamente à frente. Se o roube vem do desemprego, a prostituição da falta de alimentos para os filhos, isso não interessa. O importante é apresentar “criminosos” à opinião pública, aos quais se possam transferir ódios acumulados, preconceitos, sadismos de toda a espécie. Alguém tem que pagar por isso (MARCONDES FILHO, 1989, p.90).
Neste contexto, há um apelo ao emocional do indivíduo e uma espécie de
encantamento do mesmo. A análise de Horkheimer e Adorno (1985), sobre a relação entre o
público e os filmes de animação, permite uma melhor compreensão dos mecanismos de
encantamento inerentes ao sistema capitalista, que conduzem o indivíduo a uma ilusão não só
sobre a realidade que o cerca, mas também sobre si próprio e sua condição de vida. Nesse
sentido, Horkheimer e Adorno (1985) chamam a atenção para a manipulação nos filmes de
animação que implica na adequação comportamental e aceitação da condição de sacrifício
imposta por esta sociedade. Segundo os autores, os filmes de animação.
(...) inculcam em todas as cabeças a antiga verdade de que a condição de vida nesta sociedade é o desgaste contínuo, o esmagamento de toda a resistência individual. Assim como o Pato Donald nos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.130).
Nesse sentido, uma vez que o indivíduo se coloca na mera condição de observador, e
se sente aliviado da preocupação com os problemas da sociedade em que vive, ele tende a
comprometer a apreensão crítica dos fatos sociais. Os problemas sociais, como a violência, por
exemplo, atingem diretamente a vida de cada indivíduo desta sociedade. A idéia de que os
conflitos gerados pela sociedade prejudicam a ela mesma aparece encoberta também pelo
sensacionalismo. Ao transpor essa reflexão para o jornalismo, observa-se que no curso de tornar a
notícia “atraente”, capaz de apreensão da atenção do receptor pelo sensacionalismo, a realidade é
transformada em um grande espetáculo.
Assim, os meios de comunicação, principalmente os eletrônicos, ao relatarem uma ocorrência ou um movimento social reivindicatório, um fato, enfim, atribuem-lhe status de espetáculo, de show de espetáculo, de show propagandístico do grande circo de atrações que é vendido ao público como vida social. Malabaristas, palhaços, domadores e mágicos aparecem no vídeo das televisões travestidos de políticos, especialistas, homens do povo e artistas; pela sua exposição festiva, esses fatos, separados de qualquer vinculação com a realidade imediata do telespectador, são politicamente esvaziados. Por isso a TV pode apresentar até notícias e relatos sobre movimentos revolucionários, guerrilheiros, anti sistêmicos em geral: a sua descaracterização como fatos críticos e explosivos já foi feita anteriormente, não direta e formalmente no que se refere à linguagem, mas na sua apresentação (MARCONDES FILHO, 1989, p.53).
No jornalismo “show” a instantaneidade dos fatos elimina as referências de passado e
futuro, o que minimiza a possibilidade de conhecer as ações e entendê-las nas suas
complexidades, há, portanto, um comprometimento do conhecimento sobre o real vigente. Para
Gomis (1991), os meios de comunicação, em geral, não contam histórias, apenas dão notícias, e
estas aparecem como algo que deve alimentar a conversa cotidiana, totalmente descomprometida
da crítica, em que a preocupação parece estar na satisfação das necessidades emocionais do
receptor. Nesse sentido, para Marcondes Filho (1989), a imprensa se presta ao papel de
Satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio de formas sádicas, caluniadoras, ridicularizadoras das pessoas. Por isso, a imprensa sensacionalista, como a televisão, o papo no bar, o jogo de futebol, servem mais para desviar o público de sua realidade imediata do que para voltar-se a ela, mesmo que fosse para fazê-la adaptar-se a ela (MARCONDES FILHO, 1989, p.89).
Ao minimizar as referências históricas do fato social, as forças sociais são reduzidas;
o social, portanto, se desprende da realidade para ser deturpado e transformado em algo para ser
noticiado. Nesse sentido, a história esvazia-se e desenham-se os campos da dominação,
fortalecidos pelo desconhecer sobre o real. Ora, aquele que não conhece é facilmente dominado,
pois tende a aceitar o que lhe é posto como saber.
A barbárie no jornalismo se configura não só por uma linguagem totalitária como já
foi exposto anteriormente, mas também, pela pseudoformação, em que o conteúdo trabalhado
conduz a opinião pública muito mais para a condição de submissão e alienação que à
emancipação, fortalecendo os mecanismos culturais de dominação. Essa influência na
consciência social é tanta que a reação do indivíduo frente à realidade e as mudanças ao redor
deste tendem a tomar rumos preestabelecidos de acordo com os interesses da ordem dominante,
difundidos pelo conteúdo jornalístico, o que reafirma o caráter alienante. Em suas diversas
manifestações, o jornalismo revela-se a serviço da reprodução do modo de produção, em que ao
final, o que interessa é o lucro. Exemplo disso é o que afirma Marcondes Filho (1989), ao ligar o
sensacionalismo no jornalismo à lógica capitalista:
(...) a imprensa, à medida que vai se transformando em grande empresa capitalista, (...) tende cada vez mais a trabalhar seu produto segundo as imposições da estética da mercadoria. Jornais de massa devem tornar-se sensacionalistas para justificar, por meio de grande vendagem, o alto investimento do capital (MARCONDES FILHO, 1989, p.32).
Para Marcondes Filho (1989), a exigência da grande vendagem se dá pela necessária
sustentação da estrutura empresarial que demanda volumes de produção cada vez maiores e em
alta velocidade. O aparato tecnológico é que impõe essa exigência.
A transformação tecnológica irá exigir da empresa jornalística a capacidade financeira de auto-sustentação com pesados pagamentos periódicos, irá transformar uma atividade praticamente livre de pensar e de fazer política em uma operação que precisará vender e se autofinanciar. É o período de maturidade da imprensa como empresa que começa a surgir aqui (MARCONDES FILHO, 1989, p.63-64).
Na ânsia de atender a exigência da transformação tecnológica e da obtenção do lucro,
o jornalismo se afasta cada vez mais do compromisso social, que seria o de servir de meio ou elo
do poder constituído representativo e os interesses sociais, sustentado por um caráter mais social
e, possivelmente, com tendência a dar uma transparência às injustiças e contradições de uma
realidade turva, recriada e administrada sistematicamente pelos interesses dominantes. Haveria
uma condução do indivíduo à percepção de que a grande massa é induzida a se acreditarem
diferentes. Diante da massificação dos interesses capitalistas, o jornalismo tende a ser um veiculo
eficiente de reafirmação da ideologia dominante, reforçada pela cultura do consumo.
2.5 - Indústria cultural e jornalismo
Como já foi referido neste trabalho, o jornalismo surgiu dentro da dinâmica da
sociedade moderna, portanto, é uma atividade que abarca características do pensamento moderno.
Ao longo da história, passou por diversas transformações tecnológicas, assumindo o formato cada
vez mais específico e estruturado do padrão americano de imprensa. Com a ingerência do sistema
capitalista no Brasil baseado nas leis de mercado, a notícia é veiculada em escalas cada vez mais
velozes, alcançando grandes públicos e compondo o cotidiano das pessoas. Segundo Marcondes
Filho (1989), a elaboração da notícia se alia às relações de produção:
Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais,; para isso, a informação sofre um tratamento que a adapta ás normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação ao subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma de poder político” (MARCONDES FILHO, 1989, p.25).
Nesse sentido, a notícia é revestida de mercadoria; portanto, tratada como um produto
à venda e o leitor, tratado como consumidor desse produto. A notícia adquire valor de troca,
atendendo a lógica mercadológica do sistema. O caráter mercadológico da notícia sugere pensar o
quanto a informação como elemento de conhecimento se distancia do seu valor social.
Horkheimer e Adorno (1985) analisam a inversão de valores dos bens culturais na sociedade
capitalista da seguinte maneira:
O que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca; ao invés do prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor (...) tudo é percebido do ponto de vista da possibilidade de servir para outra coisa, por mais vaga que seja a percepção dessa coisa. Tudo só tem valor na medida em que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si mesmo (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.148).
A esquematização dos processos culturais é reforçada pela lógica mercadológica para
que estes atendam aos objetivos do sistema vigente, que a partir da Indústria Cultural se
universaliza, conformando consciências. O avanço da industrialização e da ciência moderna
sistematiza o desenvolvimento dos vários aspectos sociais, por meios que têm relação com os fins
do capital. Então, os filmes, os programas de TV, o rádio, as revistas, ilustram a mesma
racionalidade técnica, o mesmo sistema da fabricação de automóveis para o lucro. A arte não
passa de um negócio.
O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.114).
Com o efeito da mundialização e da globalização,15 a racionalidade técnica amplia a
influência na produção cultural em que a arte perde a sua aura16 e passa a ser vista como um
produto comum, organizado e reorganizável. A globalização é entendida aqui a partir da análise
de Ianni (2004) de uma sociedade civil mundial, atravessada por estruturas mundiais de poder,
que determinam novas formas de sociabilidade.
Aí, movem-se indivíduos e coletividades, classes sociais e grupos sociais, estes compreendendo etnias, gêneros, diversidades religiosas, lingüísticas e outras. Globalizam-se processos de integração e fragmentação, produzindo alianças e acomodações, bem como tensões e conflitos, guerras e revoluções, xenofobia, e etnicismos, racismos e fundamentalismos, terrorismos e salvacionismos (IANNI, 2004, p.18).
Para Horkheimer e Adorno (1985), toda produção vira negócio e, assim, a reprodução
em série faz-se necessária, para o alcance do objetivo maior: o lucro, o acúmulo de capital. Esta é
a idéia principal que permite a análise do jornalismo a partir do avanço global do capitalismo.
Um problema importante e comum na imprensa desde o século XIX é a sobreposição
da publicidade à notícia, em que o que é notícia assume um papel secundário ao anúncio
publicitário. Segundo Horkheimer e Adorno (1985), a publicidade, entretanto, que se estabelece
como um dos principais objetivos da indústria cultural, define o espaço inicial programando,
página por página os anúncios a serem inseridos. O que sobra de espaço é distribuído entre as 15 Segundo Ianni (1995), mundialização e globalização são dois processos distintos, mas íntima e contraditoriamente relacionados. Globalização refere-se ao modo de produção, assim como também se constitui processo civilizatório e, como tal, só se possibilita se se mundializar, isto é, difundir aspectos culturais (modos de ser, pensar e agir modernos) necessários à manutenção e reprodução desse modo de produção. Assim, o modo de produção capitalista tem que se reproduzir na esfera do consumo, criar a cultura do consumo – tal diz respeito à formação de mentes adaptadas e adaptáveis. Nesse sentido, a “mundialização é também e sempre modernização, mas modernização, nos moldes do capitalismo ocidental” (IANNI, 1995, p.71).16 Benjamin (1980) define aura como a característica de algo que se manifesta em uma única aparição; algo autêntico do ponto de vista de ainda não ter sido reproduzido. Nesse sentido, a crítica do autor recai sobre a tendência moderna da reprodutibilidade técnica, na qual está posta a dificuldade da criação e a facilitação do “criar” a partir da cópia. A reflexão do autor é sobre a depreciação da aura da arte. Nesse sentido, segundo Benjamin “Com o advento do século XX, as técnicas de reprodução atingiram tal nível que, em decorrência, ficaram em condições não apenas de se dedicar a todas as obras de arte do passado e de modificar de modo bem profundo os seus meios de influência, mas de elas próprias se imporem, como formas originais de arte. (BENJAMIN, 1980, p.6). E assim, “O que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como este próprio testemunho baseia-se naquela duração, na hipótese da reprodução, onde o primeiro elemento (duração) escapa aos homens, o segundo – o testemunho histórico da coisa – fica identicamente abalado. Nada demais certamente, mas o que fica assim abalado é a própria autoridade da coisa”(BENJAMIN,1980, p. 08).
várias editorias. Essa divisão é feita em proporções variáveis em função da importância de cada
matéria.
Acrescenta-se, ainda, uma outra forma de subordinação da mensagem jornalística à
lógica empresarial de procurar seduzir o maior número possível de leitores. Trata-se das
constantes reformulações gráficas das páginas e de estruturação dos textos das notícias com o
objetivo de facilitar a leitura (MARCONDES FILHO, 1989).
Dessa maneira, a linguagem jornalística tem sido levada ao extremo da simplificação.
Importa observar que essa simplificação também é motivada pelos limites técnicos e da
velocidade da notícia. Nesse raciocínio, para agradar ao leitor sem tempo para a leitura, ou não
habituado a ela, o jornalismo tende a não aprofundar o conhecimento e a análise dos eventos que
noticia. Para Adorno (1984), a não reflexão das idéias pressupõe o relativismo do pensamento.
“El escândalo de un pensamiento sin base es, según los partidarios de la ontología fundamental,
el relativismo” (ADORNO, 1984, p.43). O reducionismo da informação no jornalismo é
sustentado pela força da imagem, principalmente no jornalismo televisivo. Adorno (1991), ao
refletir sobre a força da imagem como elemento importante para o estímulo ao consumo, analisa
a ilustração alegórica dos livros e a transformação das capas destes para seduzir o leitor à compra.
No jornalismo, é possível observar o esforço da linguagem visual para a sedução do
público/receptor, principalmente, nas capas dos jornais impressos, com bastantes cores e fotos
sensacionalistas.
A primazia da aparência sobre o conteúdo impressiona Adorno, que compara o
aspecto gráfico dos livros modernos com os livros de antigamente; estes, segundo ele, atraiam
pelo conteúdo. Nesse sentido, na ânsia de vender cada vez mais as editoras chegam a tamanho
exagero que o livro parece muito mais um “desenho animado”; uma vitrine, que propriamente um
livro. Assim como nos livros, no jornalismo a estandardização tem a ver com conquistas de lucro.
A crítica de Adorno (1991) é sobre o comprometimento do conteúdo pela aparência, um aspecto
que obedece a necessária lógica do consumismo.
Para o autor, a força própria da forma externa do livro deveria ser indicada pela força
intelectual dos nomes dos autores que os assinam, somada pela riqueza de conteúdo. Ao transpor
a crítica do autor para o formato jornalístico, percebe-se que a força da imagem também é um
elemento trabalhado para a apreensão do leitor/consumidor em detrimento da qualidade e do
conteúdo jornalístico. Isso é possível de identificação tanto no formato televisivo e on-Line,
quanto no impresso. Neste último, a aparência é reforçada por fotos sensacionalistas e manchetes
de forte apelo emocional. Na base disso tudo, o objetivo é alcançar um maior número de
vendagem. Todos esses fatores parecem suficientes para comprovar a sujeição dos conteúdos
jornalísticos à lógica de produção da Indústria Cultural. Trata-se de perceber o jornalismo como
uma empresa que tem a atividade jornalística como meio para alcançar a finalidade lucro.
Para o alcance do objetivo de lucrar, é preciso trabalhar a informação a partir de uma
técnica preestabelecida como ideal, importada do modelo norte-americano, e adotada no Brasil
como um modelo padrão da qualidade do jornalismo. Desse modo, “a universalidade da técnica
torna-se exigência para a garantia da qualidade da imprensa” (ZANOLLA, 2001, p.170-171). Por
trás dessa lógica, a necessária padronização da confecção da notícia se legitima como norma e
reflete uma racionalidade técnica presente no contexto da Indústria Cultural, da qual falam
Horkheimer e Adorno:
(...) no terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. (...) A técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.114).
A padronização sugere um método para o noticiar, no qual a construção do texto parte
das respostas de cinco perguntas sobre o fato ocorrido. São elas: o que?, quem?, quando?, onde?,
por que? e como? A técnica é conhecida no meio jornalístico por Lead, uma palavra que no
jornalismo supõe informações principais de um texto. Assim, explica Sodré:
O desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado, como não podia deixar de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo que surge por força de condições originais: técnicas de imprensa, por exemplo, no que diz respeito à forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia. Nesse sentido, o jornal avançou muito, entre nós, particularmente desde o início da segunda metade do século XX. O jornalismo norte-americano criou, por exemplo, o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos cinco W e um H; qualquer foca americano sabe que toda notícia deve conter, obrigatoriamente, os seguintes
elementos:who, quem; what, que: when, quando: where, onde; why, por que; e how, como (SODRÉ, 1996, p.394).
A simplificação da notícia sugere a objetividade da narrativa. O que está por trás do
padrão do lead é a fórmula do informar com rapidez; e, supõe-se que as respostas dos “cinco W ”,
referidos por Sodré na citação acima, sejam suficientes para o “saber” e o “conhecimento” do
fato noticiado. A objetividade jornalística nos permite pensar naquilo que Horkheimer e Adorno
(1985) analisam como cultura do prazer imediato, e, que nos conduz, nesse caso, a uma reflexão
sobre o jornalismo como produto de entretenimento.
A rapidez e a simplificação da informação tendem a conduzir indivíduo a uma
assimilação superficial da realidade. Parece não haver necessidade de um esforço mental crítico
para entender a notícia. Para esses autores, há um movimento constante da cultura dominante, no
sentido de ocupar o espaço e o tempo como incentivo à satisfação do prazer imediato. Assim,
O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos gastos das associações habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na media em que exige o pensamento – mas através de sinais. Toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada. Os desenvolvimentos devem resultar tanto quanto possível da situação imediatamente anterior, e não da Idéia do todo (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.128-129).
Interessa à manutenção do sistema que a mente do telespectador se despreocupe do
pensar, se desobrigue da reflexão e da crítica, pois, assim, estarão reduzidas as condições do
questionamento, da contestação. Nesse sentido, a narrativa jornalística condiciona o pensamento
do receptor à apreensão imediata do fato narrado.
O pensar é fechado numa linguagem de técnica preestabelecida, que tem como
princípios a objetividade para uma maior velocidade na narração. O que virá depois do lead é
incremento. A técnica do lead também é conhecida por “pirâmide invertida”, que estrutura a
narrativa jornalística a partir dos dados tidos como mais importantes da notícia e, estes, são
dispostos logo no início da exposição do fato noticiado. As informações, tidas como menos
importantes, aparecem como anexos, definidos como sub-lead, não permitem uma checagem
mais apurada dos fatos, e minimizam a possibilidade de aproximação da verdade. Há, nesse caso,
uma representação simbólica da realidade de acordo com o interesse do produtor com o fato
devidamente cortado, editado e enquadrado.
A primeira notícia escrita segundo a técnica da “pirâmide invertida” teria aparecido
em 1861 em uma edição do jornal americano The New York Times. De acordo com Genro Filho
(1996), o modelo americano de estruturar a notícia começou a ser adotado pelos periódicos no
Brasil a partir da segunda metade do século XX. Para o autor, esse novo modelo compromete o
pensamento crítico: “Essa nova estrutura da notícia não foi planejada para chamar o leitor à
reflexão, mas apenas para informá-lo superficialmente, para adormecê-lo, fazê-lo indiferente e
evitar que pense” (GENRO FILHO, 1996, p.4). Nesse sentido, a ênfase na técnica da narrativa
jornalística resulta em uma abstração do real, pois a tecnificação engessa e subordina o pensar à
coisa; ao que é imediato. A lógica que se estabelece, nesse caso, é a da técnica e da troca
mediadas de modo utilitário. Para Adorno, a imposição de uma ordem legitimada pela sociedade
em nome de ideais humanitários, interdita-a de qualquer fala.
Por trás do desmantelamento pseudodemocrático das formasse trato, da cortesia fora de moda, da conversação sem utilidade e não sem razão suspeita de trivialidade, por trás da aparente clarificação e transparência das relações humanas, que não admite mais nada indefinido, anuncia-se a brutalidade nua e crua. A palavra direta, que sem delongas, hesitação e reflexão diz as coisas na cara do interlocutor, já possui a forma do timbre do comando, que, sob o fascismo, vai dos mudos aos calados. A objetividade nas relações humanas, que acaba com toda ornamentação ideológica entre os homens, tornou-se ela própria uma ideologia para tratar os homens como coisa (ADORNO, 1994, p.35).
A interdição da reflexão está intimamente ligada às determinações técnicas, que
minimizam as possibilidades do questionamento. Nesse sentido, a técnica jornalística dificulta ao
próprio jornalista questionar a realidade que ele descreve. Na lógica de que é preciso produzir
quantidade e que pouco importa a qualidade, a pressa de competir leva ao jornalismo superficial e
declaratório. Esse jornalismo é aqui entendido como aquele em que a construção da narrativa se
limita à descrição do fato na sua imediaticidade, tal como ele se manifesta.
Na abordagem objetiva do jornalismo, em que os profissionais da área se vêem
ocupados em narrar o óbvio, daquilo que já, na sua superficialidade, informa o que é, do que se
trata, ocultando que a aparência do objeto não revela sua essência, portanto, há um
comprometimento da verdade, que só seria apreendida para além da representatividade do fato.
Isso caracteriza a construção ideológica do que é noticiado, de modo articulado e pragmático.
Essa é uma tendência que parece permear todas as manifestações humanas na sociedade
globalizada. Segundo Ianni (1999), essa é uma característica da sociedade global.
A sociedade global está cada vez mais articulada pelo utilitarismo, pragmatismo, behaviorismo, positivismo. As malhas científicas e tecnológicas, materiais e espirituais, que tecem as instituições, organizações, agências, empresas, mercados, regiões e nações, organizam-se segundo os requisitos da razão instrumental (IANNI, 1999, p.117).
A realidade carece de esclarecimento e exige da consciência um rompimento com o
pensar abstrato e fechado em uma razão instrumentalizada. Para Horkheimer e Adorno (1985),
diante dessa certeza, está claro a exigência do esclarecimento, que é, portanto, imediatamente o
livramento da consciência de sua própria limitação e insuficiência no exercício do pensar sobre o
real, sobre o concreto, determinada pela própria realidade. Abre-se com esse livramento, a
possibilidade da reflexão e aprofundamento do pensamento sobre o objeto, para além da sua
superficialidade. A realidade dada como verdade na sua manifestação imediata torna-se
questionável. Assim, o pensamento deve ser formado na desobediência e insubordinação ao que é
imediatamente dado.
Compreender o dado enquanto tal, descobrir nos dados não apenas suas relações espaço-temporais abstratas, com as quais se possa então agarrá-las, mas ao contrário pensá-las como a superfície, como aspectos mediatizados do conceito, que só se realizam no desdobramento de seu sentido social, histórico, humano _ toda a pretensão do conhecimento é abandonada. Ela não consiste no mero perceber, classificar e calcular, mas precisamente na negação determinante de cada dado imediato(...). O factual tem a última palavra, o conhecimento restringe-se à sua repetição, o pensamento transforma-se na mera taulogia. Quanto mais a maquinaria do pensamento subjuga o que existe, tanto mais cegamente ela se contenta com essa reprodução. Desse modo, o esclarecimento
regride à mitologia da qual jamais soube escapar. Pois, em suas figuras, a mitologia refletiria a essência da ordem existente - o processo cíclico, o destino, a dominação do mundo - como a verdade se abdicara da esperança” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.39).
Essa reflexão contribui para entender o jornalismo na contemporaneidade. Percebe-se
o quanto a linguagem jornalística é desprovida de elementos que conduzem o indivíduo à
reflexão crítica. Na construção dessa linguagem, o importante é o fim, é o resultado imediato, e
os meios para alcançá-lo não têm a mesma importância. Isso vai ao encontro do que prevalece na
razão subjetiva, segundo Horkheimer.
(...) a força que basicamente torna possíveis as ações racionais é a faculdade de classificação, inferência e dedução, não importando qual o conteúdo específico dessas ações: ou seja, o funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento. Este tipo de razão pode ser chamado de razão subjetiva. Relaciona-se essencialmente com meios e fins, com a adequação de procedimentos a propósitos mais ou menos tidos como certos e que se presumem auto-explicativos (HORKHEIMER, 2000, p.13).
Nesse sentido, não são facilitadas as condições para o esclarecimento da realidade.
Entende-se que o princípio do esclarecimento para Horkheimer e Adorno (1985) é uma
importante crítica ao desvendamento do mundo moderno para a necessária apreensão da sua
constituição. Isso se daria a partir da reflexão crítica sobre suas configurações e representações,
sobre a maneira como o mundo se organiza, se forma e se transforma, sendo ainda necessário ao
homem se perceber em meio a essas transformações constituídas no processo histórico.
O jornalismo, como meio de propagação do que ocorre na realidade, seria importante
para desvendar esta realidade e conduzir o seu público/receptor a um pensamento esclarecedor e
questionador. Porém, na primazia da imediaticidade, comum na modernidade, o conteúdo
jornalístico prejudica a si próprio.
A superficialidade da narrativa jornalística supõe uma apuração insuficiente dos fatos
e, especialmente, minimizadora das condições de investimento no aspecto humano da notícia.
Nesse caso, percebe-se que o jornalista, muitas vezes, não se propõe ao trabalho de checar com
maior profundidade as informações que toma por notícia, ou, de buscar a contextualização por
meio da pesquisa teórica, da repercussão com outras fontes, da reflexão sobre a própria pauta,
dada a velocidade exigida pela produção jornalística (MARCONDES FILHO, 2000).
As informações chegam em grande volume e em grande velocidade às redações de
jornalismo, o que exige uma rápida avaliação sobre o que será aproveitado como notícia e, nessa
rotina acelerada, o tempo não favorece à pesquisa do fato antes de noticiá-lo. A notícia tende a
desconsiderar a história e a descontextualizar o fato. Nesse caso, não se observa a singularização
da circunstância noticiada, mas a construção da notícia de uma maneira funcional e generalizada,
em que o sentido dos conceitos aparece comprometido. Diante desse comprometimento, dificulta-
se a apreensão reflexiva da informação. Diante disso, questiona-se a possibilidade do saber no
jornalismo.
O controle do conteúdo da notícia pelos detentores da cultura dominante caracteriza o
jornalismo moderno como um instrumento eficaz de disseminação do pseudosaber, servindo para
a formação de consciências padronizadas e não críticas, uma vez que ele contribui para a
formação de indivíduos passivos, adaptáveis, conformados com a realidade vigente, tal como ela
se impõe. Assim, não há estímulos a críticas e contestações ao que é imposto pela linguagem
jornalística e posto como “verdadeiro”.
Nesse caso, potencia-se a dificuldade do sujeito reflexivo diante da narrativa
jornalística. Observa-se, que há no jornalismo um incentivo a formação de indivíduos
predispostos à adaptação, à identificação integral ao que lhe é apresentado pelo sistema como o
ideal para sua sobrevivência. Trata-se de um sujeito que parece aderir facilmente ao meio por não
estar disposto, nem tão pouco incentivado ao questionamento da realidade em que está inserido.
Ele se dissolve na realidade e renuncia à sua própria capacidade de superação daquilo que lhe é
imposto pelo sistema.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o pseudosaber, proporcionado pelo jornalismo,
tem implicações diretas com o conceito de pseudo-indivíduo, conceito elaborado na análise de
Horkheimer e Adorno (1985) sobre o sujeito consumidor. Para estes autores, no contexto da
Indústria Cultural, o indivíduo torna-se abstração e ilusão devido a dificuldade de reconhecer sua
identidade em meio ao universal, por estar fundido e confundido com a sociedade de maneira
generalizada. “Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do
modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o
universal está fora de questão” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.144). Portanto, a
individuação não se realiza de fato; ela é dificultada por uma identificação do indivíduo aos
modelos ideais da Indústria Cultural. É, portanto, impedida pela cultura de massas, na qual a
individualidade é interditada e o “eu” é produzido em série na mesma lógica da mercadoria.
As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave da mulher de vida livre, ao Lubitsch touch : são como impressões digitais em células de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do cinema ao encarcerado - se transformam em face do poderio do universal (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.145).
A universalização das particularidades do “eu” influi na dificuldade de realização do
indivíduo em meio à realidade. O indivíduo se dilui diante da representação social, constituindo-
se um pseudo-indivíduo:
A pseudoindividualidade é um pressuposto para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim eras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível integrá-los totalmente na universalidade (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.145).
A reflexão sobre a pseudo-individualidade sugere pensar em um indivíduo que
dificilmente se reconhece em meio à sociedade. Diante disso, suas possibilidades de
conhecimento estão condicionadas à estrutura social, ou seja, a uma limitação objetiva da
realidade. Em uma sociedade em que as determinações sociais são perpassadas pela lógica do
mercado, mais do que nunca, o conhecimento torna-se mercadoria que confere valor a uma outra
mercadoria: nesse caso, o jornalismo. Neste contexto, está posto o paradoxo sobre o jornalismo
como meio de acesso ou não do saber, como possibilidade ou não de conhecimento.
O saber parece ser possível na sua própria negação como saber, na desmistificação
própria, na dissolução da idealização de si. É a partir do reconhecimento de que não se sabe é que
se abrem as possibilidades do saber. Caso contrário, o saber renuncia à sua própria condição de
saber. Na linguagem de Horkheimer e Adorno (1985), trata-se de violentar o próprio pensamento.
Segundo os autores: “só o próprio pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente
duro para destruir os mitos” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.20). A mensagem desses
autores é a da necessidade da auto-reflexão crítica. Nesse sentido, entende-se que se faz
necessário o jornalismo propiciar o descobrimento a si próprio como possibilidade de
esclarecimento. Porém, na condição real, o jornalismo, cravado na experiência da representação
simbólica da realidade, contribui, a partir da apreensão dos fatos na sua superficialidade, para a
construção de um saber limitado ao “senso comum”.17
O conhecimento, na análise de Kosik (1995), é a expressão de um saber imediato do
sujeito em relação ao objeto, no caso, a realidade, e, por assim ser, configura-se em um
“conhecimento frágil”. Porém, ao mesmo tempo, se apresenta como coerente e real.
Esse conhecimento, por ser imediato, é facilmente identificável na realidade objetiva
por coincidir com a aparência das coisas, e, dessa maneira, passa por conhecimento verdadeiro.
Na tradição do pragmatismo, o jornalismo tem dificuldade de uma razão mais refinada capaz de
esclarecer a complexidade do mundo, o que aponta para uma tendência do irracionalismo, no
qual o mito se impõe sobre o saber real. Esta idéia nos remete ao mito do esclarecimento do qual
falaram Horkheimer e Adorno no texto “O Conceito do Esclarecimento”.
Observa-se, portanto, que o jornalismo não privilegia a notícia para além da certeza
sensível Nota-se uma fragilidade no conhecimento, o que pressupõe um pseudoconhecimento;
algo que não capta além da aparência, pois o senso comum não capta as contradições. Nesse
sentido, o jornalismo carece de uma leitura capaz de romper com as representações abstratas da
realidade. Pois,
O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com sua simples e também abstratas representações, tem de destruir a aparente independência dos contatos imediatos de cada dia. O pensamento destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno a essência (KOSIK, 1995, p. 20).
17 Para Kosik (1995), o senso comum está “no trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo ‘em situação’ cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade (...). Por isso, a práxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade” (KOSIK, 1995, p.14).
Com base na análise de Kosik, o conhecimento produzido pelo jornalismo estaria
comprometido pela apreensão superficial da realidade. Nesse sentido, esse saber enquadra-se no
que o autor chama de “conhecimento comum”. Este seria o conhecimento que está ao alcance do
entendimento de qualquer cidadão independente de suas qualidades intelectuais; porém, é
possível um outro tipo de conhecimento que, segundo Kosik (1995), exige uma leitura reflexiva,
mais profunda da objetividade.
No entanto, com base na Teoria Crítica, ao se fixar na narrativa imediata sobre o real,
o jornalismo não se livra da lógica do senso comum, e esta característica é essencial para a
discussão deste como instância do conhecimento. Ora, se o conhecer exige uma incisão mais
profunda da reflexão, então, a análise superficial se distancia do conhecimento.
Para Adorno (1995b), o conhecimento e a consciência “são possíveis” na relação
universal e particular, em que não deve haver sobreposição de um ou de outro, e nem a separação
entre ambos, porém, não se trata também de mera conciliação. Isso tem a ver com a relação
sujeito e objeto, que está intimamente ligada à discussão sobre teoria e prática; uma reflexão que
ganha contornos na sociedade moderna. Para Adorno,
A diferença entre sujeito e objeto perpassa tanto o sujeito quanto o objeto. Ela não deve ser absolutizada nem apagada do pensamento. No sujeito propriamente tudo é imputável ao objeto; o que nele não é objeto, faz estalar semanticamente o “É”. A fora subjetiva pura da teoria do conhecimento tradicional, de acordo com seu próprio conceito, pode ser pensada em cada caso unicamente como forma do objetivo e não sem ele, e sem ele não pode sequer ser pensada (ADORNO, 1995b, p. 197).
A crítica de Adorno (1995b) sugere a necessária tensão entre sujeito e objeto, na qual
é condenável o determinismo de um e de outro, como algo que encerra a possibilidade da real
experiência, como conhecimento de fato. Para o autor,
La separación absoluta entre cuerpo y espíritu, la cual en el fondo va a parar al predominio de éste, es tan imposible de salvar como la jerarquía idealista de los datos. Ambos han venido a parar históricamente en oposición en el transcurso del desarrollo de la racionalidad y el principio yo. Sin embargo, ambos se
necesitan mutuamente. La lógica del principio de contradicción puede criticarlo; pero en este caso el contenido le para los pies (ADORNO, 1984, p.197).
No determinismo da objetividade, como na realidade em vigência, observa-se a
primazia do empirismo, do pragmatismo, como suficientes para o conhecimento. Porém, o autor
chama a atenção para a perda da reflexão frente ao imediatamente dado pela experiência, o que
supõe também a perda da teoria na perspectiva da prática.
Ao pensar a relação entre sujeito e objeto na prática jornalística, torna-se possível
observar a praticidade de uma atividade que se prende no imediato do real, dificultando a
possibilidade da consciência verdadeira sobre os elementos constitutivos desse real. O fato
noticiado se encerra por si só, sendo suficiente nele mesmo, o que refuta, assim, a perspectiva do
conceito.
Importa observar que a definição do fenômeno na sua imediaticidade, não implica
saber sobre o conceito, este, consiste em algo mais elaborado, para além do engessamento da
aparência. Nesse caso, a narrativa dificulta o momento da práxis ao conciliar sujeito e objeto e
não estabelecer a discussão filosófica dos conceitos. “Por isso, convém tomar, em princípio, as
palavras sujeito e objeto como as fornece a linguagem polida pela filosofia, como sedimento da
história; claro que não para persistir em semelhante convencionalismo, senão para avançar a
análise crítica” (ADORNO, 1995b, p.182).
Contudo, essa mesma reflexão nos permite observar que o real conhecer não tem
limite, portanto, não se fecha no experimento da prática ou na teoria. Nesse sentido, a própria
mediação se mitifica nas possibilidades do rompimento com a alienação. Assim,
Mediatizado é também o objeto, só que, segundo seu próprio conceito, não está tão absolutamente referido ao sujeito como sujeito à objetividade. O idealismo ignorou esta diferença e, com isso, embruteceu uma espiritualização sob a qual se disfarça a abstração (ADORNO, 1995b, p.188).
A reflexão de Adorno contribui para pensar o jornalismo como possibilidade de
mediação objetificada, devido à sua repetição da realidade administrada. Em Adorno (1995b), a
não adaptação ao mundo objetivado é discussão recorrente. Pois, do objeto não se espera mais do
que a objetivação, mas do sujeito é preciso esperar mais do que a objetivação, considerando que,
este, é ser pensante, e não objeto. Há uma necessária negação da realidade para uma possível
reconstrução desta.
Assim, a possibilidade da transformação social está na consciência de que, da
maneira como a realidade se apresenta na modernidade não estão postas as condições de
transformação. É nesse sentido que os frankfurtianos apresentam que o pensamento deve fazer
violência a si mesmo para a destruição dos mitos, “os mitos que a própria consciência cria diante
de tamanha imposição da objetividade sobre ela” (ADORNO, 1995b, p.21). Trata-se de constatar
a condição do próprio conhecimento mitificado, o pseudoconhecimento; e da crítica à técnica e à
ciência como meras manipulações dadas, como instrumentos de verificação da verdade.
Dessa maneira, entende-se o quanto a narrativa jornalística está determinada pela
técnica, a partir da padronização, e desprovida de elementos que conduzam à consciência crítica,
contribuindo para a alienação. Dessa maneira, somente a tomada de consciência do real dará
condições ao pensamento de retomar a autonomia perdida na obediência da ordem existente, das
forças sociais que o governam. Nesse caso, “a crítica da sociedade é a crítica do conhecimento, e
vice-versa” (ADORNO, 1995a, p.189). O desafio do jornalismo é questionar a lógica objetiva
que determina o pensamento e condiciona o homem à passiva aderência ao que lhe é posto pela
realidade repetida pelo próprio jornalismo. Trata-se de romper com a adaptação do indivíduo,
que, segundo Adorno, é imposta pelo próprio indivíduo. Assim,
Pelo fato de o processo de adaptação ser tão desmesuradamente forçado por todo o contexto em que os homens vivem, eles precisam impor a adaptação a si mesmos de um modo dolorido, exagerando o realismo em relação a si mesmo, e, nos termos de Freud, identificando-se ao agressor (ADORNO, 1995a, p.145).
A adaptação também sugere a alienação e a conseqüente (i) razão. Na sociedade
atual, a razão, não mais comprometida com o desvelar da realidade, tornou-se um instrumento da
dinâmica do capital. Dessa maneira, torna-se uma razão que se afirma nos moldes da
objetividade. Trata-se de uma expressão do totalitarismo que cerca o indivíduo de tal maneira que
lhe dificulta a resistência, sobretudo.
2.6 - O discurso afirmativo do jornalismo
A narrativa jornalística apresenta um certo operacionalismo lingüístico que dificulta o
entendimento da realidade a partir da sua constituição e história. Para Marcuse (1967), a
apreensão do real desprovida do aspecto histórico, inibe a compreensão dialética do dado. Nesse
sentido, “(...) o passado é rigidamente conservado, mas não mediado com o presente. A criatura
pode opor-se aos conceitos que compreenderam uma situação histórica sem desenvolvê-lo para a
situação atual – bloqueia sua dialética” (MARCUSE, 1967, p.107). Com base nessa análise, o
jornalismo, ao isolar o dado reportado da história da qual ele resulta, deturpa a compreensão da
realidade. Sobre a leitura funcional da realidade, Marcuse acrescenta que,
Os nomes das coisas não são apenas “indicativos de sua maneira de funcionar” mas sua maneira (real) de funcionar também define e “fecha” o significado da coisa, excluindo outras maneiras de funcionar. O substantivo governa a sentença de um modo autoritário e totalitário, e a sentença se torna uma declaração a ser aceita – repele a demonstração, a qualificação, a negação de seu significado e declarado (MARCUSE, 1967, p.95).
A administração da linguagem a partir da técnica produz a limitação da reflexão. A
palavra assume a expressão do fetiche. No mesmo raciocínio, ao transpor esta reflexão para a
linguagem no jornalismo, está posta mais uma vez a dialética da (im) possibilidade deste como
meio para o conhecimento da realidade. Ora, se o jornalismo capta a realidade de maneira ilusória
e artística, então, ele minimiza as condições da consciência sobre o real. Isso abre margem para o
questionamento sobre o caráter de verdade da notícia. A cópia da vida da maneira como ela é,
esconde a realidade? A narrativa sobre o cotidiano real presume um compromisso com os
conceitos e significados das coisas, para a condução do pensamento sobre o real. Isso pressupõe
reflexão. Para Marcuse, o conceito orienta a crítica. Assim,
O termo “conceito” é usado como designação da representação mental de algo que é entendido, compreendido e conhecido como o resultado de um processo de reflexão. Esse algo pode ser um objeto da prática diária, ou uma situação, uma sociedade, um conto. Em qualquer dos casos, se tais coisas são compreendidas
(begriffen; auf ihren Bgriff gebracht), tornam-se objetos de pensamento e, como tal, seu conteúdo e significado são idênticos aos objetos reais da experiência imediata e, não obstante, diferentes deles. “Idênticos” no quanto o conceito denota a mesma coisa; “diferentes” no quanto o conceito seja o resultado de uma reflexão que tenha entendido a coisa no contexto (e à luz) de outras coisas que não apareçam na experiência imediata e que “explicam” a coisa (mediação) (MARCUSE, 1967, p.109).
Marcuse esclarece que a linguagem operacional tende a tomar o conceito como
“sinônimo do conjunto de operações correspondentes”, quando os nomes das coisas aparecem
simultaneamente ao seu modo de funcionar. Para Horkheimer e Adorno (1985), “o conceito é a
ferramenta ideal que se encaixa nas coisas pelo lado por onde se pode pegá-las. Pois o
pensamento se torna ilusório sempre que tenta renegar sua função separadora, de distanciamento
e objetivação” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.50). Dessa maneira, há uma tendência do
sujeito moderno em identificar as coisas pelas suas funções, o que tende a conduzir a consciência
a um falso conhecimento sobre o objeto, favorecendo o caráter da subordinação e coordenação do
indivíduo por meio da linguagem. Portanto, a funcionalização da linguagem, comum no
jornalismo, dificulta o significado conceitual das coisas, e propõe a sentença de que o real é algo
só compreendido na sua efemeridade.
Com base, na análise de Marcuse (1967), a compreensão das coisas não é possível na
representação imediata destas e a nomeação do objeto, seja ele qual for, exige uma análise sobre
o contexto o qual se encontra, podendo, nesse sentido, assumir conotações diferentes. Assim, o
conceito não pode ser determinado por uma designação que o generaliza, independente da
situação em que se encontra o objeto na realidade. O contexto em que está inserido e a construção
deste contexto ao longo da história tornam mínimas as condições do resgate das contradições e
mediações inerentes ao objeto.
Nesse caso, a linguagem opera de maneira imediata e insuficiente à compreensão
sobre algo. Há, portanto, uma tendência da linguagem funcional na definição das coisas. No
jornalismo, esse condicionamento conduz o receptor a uma compreensão cada vez mais limitada
sobre a realidade. Observa-se, assim, um direcionamento da consciência para revelar o real; um
movimento do pensamento para a reafirmação da homogeneização. As diferenças não são postas
e não há lugar para expor as contradições. Os opostos são conciliados. A comunicação é
habilmente administrada de modo que não suscite questionamentos. “Para além da esfera
relativamente inofensiva da comercialização, as conseqüências são muito sérias, pois tal
linguagem é a um só tempo ‘intimidação e glorificação’”. (MARCUSE, 1967, p.98). Assim, se
fortalece o caráter manipulador do jornalismo.
O reducionismo da linguagem dificulta o pensamento, a reflexão e condiciona o
receptor à postura cômoda daquele que só pode receber e aceitar o que lhe é oferecido, sem
restrição, que parece desobrigado a questionar. Assim, Marcuse explica a linguagem
administrada:
Essa linguagem controla reduzindo as formas lingüísticas e dos símbolos de reflexão, abstração, desenvolvimento, contradição; substituindo conceitos por imagens. Nega ou absorve o vocabulário transcendente; não investiga, estabelece e impõe a verdade e a falsidade (MARCUSE, 1967, p.107).
A análise de Marcuse ajuda a compreender o jornalismo ao passo que, ao reportar o
fato do cotidiano valendo-se de uma verificação imediata e não investigativa, a narrativa se
distancia da verdade por não compreender o fato na sua dimensão histórica. A análise de Marcuse
sobre a imposição de uma falsa verdade, por meio da linguagem ritualizada, contribui para a
reflexão sobre quanto o indivíduo é condicionado pela “verdade” apresentada pelo jornalismo.
Porém, o que não está claro é a prévia orientação sobre o que é a verdade. Ou seja, a “verdade”
dada pela notícia é, muitas vezes, condicionada a interesses de terceiros ou de setores, que ao
final não trata de fatos completamente verdadeiros. A questão que se põe, diante disso, é até que
ponto o jornalismo é capaz de destruir ou construir conceitos, vidas e realidades. A consciência
crítica ao sucumbir a ritualização do jornalismo, se auto-esvazia e se enfraquece frente a força do
real. Força, esta, que poderia ser rebatida na ordem do pensamento crítico, em escala cada vez
maior.18
Portanto, a linguagem jornalística, operacionalizada e ritualizada, não apenas reflete
um certo poder de controle do jornalismo, como também torna ela própria instrumento de
controle. O fato noticiado converte-se na própria realidade. O que é dito e escrito pelo jornalismo
18 Em outros casos, vemos o poder do jornalismo em destituir chefes de poder como no caso do impeachment do Presidente da República do Brasil Collor de Mello, ocorrido no início da década de 90, em que a juventude, insuflada pela imprensa, foi para as ruas pedir o seu afastamento. Isso gerou uma comoção nacional e um movimento de grande proporção pela derrubada de Collor do poder.
reflete o real e tomado como o retrato da própria realidade. Ao final, o jornalismo se confunde
com essa realidade administrada da qual ele supõe controlar, mas, por ela é controlado. Nesse
caso, quando há identificação e conformismo sobre o real, todas as possibilidades de autonomia e
emancipação estão dificultadas.
A linguagem jornalística faz uso de conceitos tão ritualizados pelo senso comum que
não há espaço para o vocabulário capaz de transcender a essa determinação. Ao apropriarmos das
idéias de Marcuse (1967), vale observar que a análise feita pelo autor nos permite observar no
jornalismo uma locução fechada na operacionalização dos conceitos, assim como o autor observa
na linguagem de uma maneira geral. Na ânsia de se fazer entendido, o jornalista reafirma sentidos
deturpados, sem preocupar-se em esclarecê-los, pois já estão absorvidos pelo consciente popular.
Na ânsia de obter um entendimento mais rápido daquilo que é transmitido, o conceito dispensa
esclarecimento. O modo para o alcance dos objetivos é o mais prático possível. Não há esforço
em investigar e refletir sobre o real recortado, mas um descrever mecânico, previamente
orientado, em que o pensamento aparece condicionado; mecanizado.
Desse modo, há um condicionamento do pensamento para uma interpretação já
programada (ADORNO, 1984). Nesse sentido, quando o caráter utilitário da palavra alcança a
compreensão sobre a realidade, há um comprometimento da consciência. No jornalismo, na
maioria das vezes, o uso incorreto ou deturpado dos sentidos das palavras conduz a um
entendimento errôneo ou insuficiente dos fatos, o que favorece a discussão sobre a banalização da
realidade e a veracidade da informação. A reflexão de Marcuse sobre a operacionalização da
linguagem contribui para observar o quanto a linguagem no jornalismo também tende ao
reducionismo do conceito. Sobre a operacionalização dos conceitos, Marcuse observa:
O “excesso” de significado acima do conceito operacional esclarece a forma limitada e até decepcionante sob a qual os fatos podem ser experimentados. Daí a tensão, a discrepância, o conflito entre o conceito e o fato imediato - a coisa concreta; entre a palavra que se refere ao conceito e aquela que se refere às coisas. Daí a noção da “realidade do universal”. Daí também o caráter tolerante e acomodativo das formas de pensamento que tratam os conceitos como artifícios mentais e traduzem conceitos universais para termos com objetos indiretos especiais e objetivos ( MARCUSE, 1967, p.110).
Pode-se dizer que há na notícia uma narrativa condicionada de um pragmatismo tal
que determina ao pensamento coletivo uma falsa constituição da realidade. Isso permite observar
o quanto esta narrativa confere ao jornalismo elementos de dominação, controle e alienação. Na
base, a questão maior se apresenta na fragmentação desta realidade e no reducionismo dos
conceitos, em que poderiam conter as possibilidades de denúncia das contradições e embustes
constitutivos da realidade. A partir desta idéia, pode-se dizer que no jornalismo a linguagem é
operacionalizada para a afirmação das relações de dominação. A partir daí, reforça-se a idéia de
que o jornalismo recria realidades. Na análise de Adorno (1995a), a recriação do real é o realismo
supervalorizado.
Se posso crer em minhas observações, suporia mesmo que entre os jovens e, sobretudo, entre as crianças encontra-se algo como um realismo supervalorizado – talvez o correto fosse pseudo-realismo – que remete a uma cicatriz. Pelo fato de o processo de adaptação ser tão desmensuradamente forçado por todo o contexto em que os homens vivem, eles precisam impor a adaptação a si mesmos de um modo dolorido (...) (ADORNO, 1995a, p.145).
Na análise de Adorno (1995a), ao se apegar à objetividade como determinante da
consciência sobre a realidade, o indivíduo se distancia da possibilidade de construção dele
mesmo como sujeito e do fortalecimento de sua resistência frente às determinações do real
administrado.
2.7 - A notícia e a (re) construção do real
A busca diária do jornalismo pela informação impõe à prática jornalística a decisão
primeira sobre a escolha do que noticiar. A decisão tem a ver, muitas vezes, com os interesses da
empresa jornalística. No jornalismo/empresa, assim como em qualquer organização institucional
comercial, as pesquisas de opinião pública são instrumentos comuns de verificação e validação
destes interesses. A escolha orientada, muitas vezes, se prende ao que ocorreu por último, àquilo
que está ainda na memória do público e, por isso, possível de ser acessado com maior rapidez
pelo pensamento. Nessa lógica, o fato recente é tido como algo “mais” noticioso, que desperta
um maior interesse no público.
Na busca diária pela notícia, o jornalismo tende a escolhas práticas do que noticiar.
Na praticidade da escolha, está embutida a análise superficial do fato e, a sua posterior,
repercussão nos mesmos moldes. Para Marcondes Filho (1989), ao transformar um fato em
notícia, na tarefa de descrever o real, o jornalismo reconstrói realidades e constrói um outro
mundo.
O editor aumenta, reduz, suprime fatos, ele é o tradutor e “transformador” da realidade social em termos que interessam à empresa e às convicções políticas e ideológicas que defende. Nas suas mãos está depositada a tarefa de trabalhar a opinião pública e procurar moldá-la segundo essas intenções. Há fatos que, por essa via, são totalmente suprimidos do noticiário ou reduzidos em sua importância (MARCONDES FILHO, 1989, p.50).
A manipulação dos fatos por meio da técnica lingüística e, com a sonegação de
informações, reforça-se o caráter ideológico do jornalismo e aponta para a tendência permanente
de estímulo à passividade, acomodação e apatia do receptor. Portanto:
É a apresentação dos fatos como algo unívoco, fechado, somente positividade, sem contradições; não há a ambivalência, mas a disciplina e a adaptação ao modelo; são – enquanto desmontagem do real – confirmações do esperado, formas que encobrem a dialética e qualquer penetração inesperada, além do visível. É uma organização do mundo na contraditória. O real, o contraditório, é esvaziado, e, como conseqüência, o sistema reforça-se e é inocentado. O conflito, o polêmico, o questionador que existe em cada fato desaparece (MARCONDES FILHO, 1989, p.15).
O encobrir das contradições na construção da notícia conduz o indivíduo a uma
realidade criada artisticamente, que camufla suas contradições. Para Gomis (1991), é possível
criar pseudofatos, que segundo ele, não é um fato espontâneo, mas previsto, suscitado ou
provocado, com o objetivo de que o fato se conte ou se registre. Porém, o próprio autor ressalta
que o êxito da difusão será medido pelo comentário, a penetração e a duração da notícia em meio
ao público.
Nesse sentido, ele explica que é importante ressaltar que o público não é um receptor
passivo dos fatos apresentados, e os dirige segundo suas próprias necessidades, e, assim, também
os interpreta. A idéia sugere que o receptor modifica a significação do que lhe é transmitido.
Nesse caso, convém pensar que o limite da (re) elaboração da notícia pelo receptor, à medida que
o fato noticiado já está comprometido pela descrição imediatista do jornalismo. Para além do que
sugere a Teoria Crítica sobre a necessária consciência crítica, no jornalismo essa discussão ganha
dimensões mais complexas, ao considerá-lo como um elemento dificultador dessa consciência.
Na base da recriação do real, a notícia se arrisca à formação de falsas consciências.
A partir do pseudo-ambiente é possível fabricar notícias, uma vez que se pode
fabricar pseudo-eventos que são pseudofatos, feitos para enganar, mas que, nem por isso, deixam
de ser eventos, fatos, transmitidos como notícia e construídos em cenários verdadeiros. O pseudo-
real, portanto, sugere um ocultamento proposital. Para Adorno (1995a), em sua crítica sobre a
televisão, o ocultamento sobre a realidade conduz à formação de uma falsa consciência sobre o
real. Ou seja:
(...) a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos, enquanto a formação a que nos referimos consistiria justamente em pensar problematicamente conceitos como estes que são assumidos meramente em sua positividade, possibilitando adquirir um juízo independente e autônomo a seu respeito (ADORNO, 1995a, p.80).
O não refletir criticamente sobre os conceitos sugere a formação da consciência
adaptada, extremamente determinada pela cultura imposta como ideal, conformada e em
condições que dificultam a reflexão. O bloqueio do pensamento reflexivo tem a ver, portanto,
com a submissão da consciência ao estado de coisas.
Capítulo III
Cultura, Jornalismo e Educação
A consciência reificada não termina lá onde o conceito de reificação ocupa um lugar de honra. Ficar fazendo carga com conceitos como o imperialismo ou o monopolismo, sem levar em conta o que corresponde a essas palavras nas relações de fato e sem examinar até onde se estende o seu âmbito de vigência, é tão falso e irracional quanto uma conduta que, por amor à sua cega concepção nominalista do objeto, se bloqueia contra o fato de que conceitos como o de sociedade mercantil têm a sua objetividade: exprimem uma coersão do geral subjacente aos dados, que de modo algum é cabalmente traduzível mediante termos operacionais (ADORNO, 1994, p.64).
A partir da operacionalização do conceito, supõe-se que haja a limitação da reflexão,
ao mesmo tempo, da tendência do indivíduo à adaptação e à perda da oposição crítica. Com base
nisso, observa-se que o jornalismo, da maneira operacional com a qual estrutura a sua linguagem,
contribui para a debilidade do pensamento reflexivo e para o sombreamento das contradições da
realidade. No contexto da sociedade do capital, a consciência determinada pela realidade perde
sua condição de crítica e tende à submissão. A adesão cega do homem ao estado de coisas reforça
a dominação de uma cultura excludente, na qual o acúmulo de capital é prioridade em detrimento
da valorização humana.
A cultura capitalista é denominada por Marcuse (1970) de “Cultura Afirmativa”. Na
análise do autor, os ideais de vida rumo à completude humana são postos o tempo todo como
promessas alcançáveis pelo mercado. O “viver bem” e o “viver melhor” passam a ser perseguidos
o tempo todo pela sociedade do capital, porém só são possíveis de realização na base do
consumismo. Ao observar que o consumo de bens não está posto em igualdade para todos,
havendo, portanto, uma diferenciação de acesso à acumulação de riquezas, prevalece a divisão
das classes sociais. Ou seja, esta sociedade cria necessidades que ela mesma não é capaz de
satisfazer, embora ela própria renove e reafirme essas necessidades cada vez mais no curso do
seu desenvolvimento, o que alimenta o desejo social incontrolável do “ter”. Nessa busca
desenfreada parece não haver interesse em questionar sobre o que impede a sonhada realização
humana.
Segundo Marcuse (1970), uma vez no poder, a burguesia fala em igualdade abstrata,
para gozar da liberdade real. “Às questões acusatórias (da maioria explorada) deu à burguesia
uma resposta decisiva: a cultura afirmativa” (MARCUSE, 1970, p.57). Sobre o que é cultura
afirmativa, Marcuse define:
Por uma cultura afirmativa entende-se aquela cultura que pertence à época burguesa e que, ao longo do seu próprio desenvolvimento, conduziu à separação do mundo anímico-espiritual, como independente reino dos valores, da civilização, colocando aquele numa posição superior à desta. A sua característica fundamental é a afirmação de um mundo valioso, obrigatório para todos, que deve ser incondicionalmente diferente do mundo real da cotidiana luta pela existência, mas que todo e qualquer indivíduo “a partir de sua interioridade”, sem modificar aquela situação fática, pode por si mesmo realizar (MARCUSE, 1970, p.57).
A coisificação do homem, portanto, revela uma cultura que conduz o ser humano à
condição de instrumento de produção e reprodução, sem deixar transparecer o quanto ela é
prejudicial ao próprio homem. Assim, percebe-se o quanto a cultura afirmativa é complexa. A
opressão e a dominação como alguns de seus principais elementos constitutivos foram
incorporados, de tal maneira, às mentes do indivíduo, que não se percebe nele a consciência do
quanto esta cultura é contraditória, o que revela o grau excessivo da sua capacidade de
manipulação.
Nessa dimensão, o estreito relacionamento entre a cultura afirmativa e o jornalismo
aponta para a análise da prática jornalística como colaboradora da legitimação da sociedade
injusta e desumana, ao insistir no conteúdo alienador, incapaz de conduzir à percepção crítica da
realidade vigente. Certamente, o papel mais importante da cultura burguesa ou cultura afirmativa,
como definiu Marcuse, é fazer a população esquecer a sua realidade alienada.
A partir desta análise, torna-se possível perceber o quanto o jornalismo,
principalmente o televisivo, ao (re)elaborar o cotidiano social reconstrói e reafirma os
mecanismos de manipulação inerentes à realidade. Na reprodução da ordem opressiva, não só
pela determinação ideológica dos interesses dominantes, o jornalismo parece não escapar da mera
repetição do existente. A notícia tende a se submeter aos mecanismos de administração da cultura
dominante. Nesse caso, se faz recorrente a discussão sobre o seu potencial de formação para a
humanização.
3.1 - Jornalismo e (de) formação cultural
A análise de Adorno (1995a) sobre formação e pseudoformação19 tem base-se na
necessidade da urgente contraposição a uma falsa consciência em que o sujeito não reconhece a si
e nem a realidade na qual está inserido. Ao tratar da realidade administrada sistematicamente
mediante um modo de produção econômico, que embute uma cultura criada, recriada e sustentada
por uma lógica consumista, em que o indivíduo ignora o quanto é sacrificado e sacrifica-se para
atender às exigências desta cultura, está clara a questão de Adorno (1995a) sobre a necessária
emancipação do sujeito frente à realidade estabelecida.
O contrário disso, ou seja, a consciência adaptada e conformada denuncia a
pseudoformação que se alimenta da secundarização dos elementos que dariam suporte à
estimulação de pensar a complexidade da sociedade e sua cultura, o que caracteriza uma
simplificação do pensamento em realidade imediata, nas condições ideais para a sua manutenção
e reprodução.
Nesse contexto, a formação do indivíduo tem a ver com a construção de uma
consciência capaz de perceber o encantamento que paira sutilmente sobre a objetividade vigente,
capaz de questionar o próprio pensamento já determinado pela objetividade. A possibilidade de
descobrir e apontar as contradições dela constitutivas deve expor a realidade como ela realmente
19 Adorno (1995a) na obra Educação e Emancipação expõe sua análise sobre a educação moderna, que se distancia da sua obrigação primeira de formação de indivíduos autônomos, capazes de auto-reflexão e de elaborar o pensamento para além das determinações da realidade, e se submete às exigências do mercado, passando a contribuir para a adaptação do sujeito ao real administrado. A crítica recai sobre a escola como instância de formação para as competências e habilidades exigidas pelo sistema capitalista. Nesse sentido, o autor trabalha a idéia da pseudoformação como contraponto daquilo que considera o real papel da educação: a condução do indivíduo para a formação de consciências verdadeiras.
é constituída. Para Marcondes Filho (1989), no jornalismo não está posta essa possibilidade.
Segundo ele, há uma deturpação da realidade, principalmente no jornalismo televisivo.
No jornal da televisão só há fragmentos e peças soltas. São puros leads que pouco ou nada dizem sobre fatos que se propõem anunciar. Na televisão manipula-se com mais facilidade na escola dos temas, no espaço que lhes é destinado, no destaque, no enfoque e até mesmo na expressão do apresentador. E isso não é tudo. A televisão transmite, além disso, a ilusão da verdade: ao ver as cenas do acontecimento o receptor rejeita a tese da manipulação pelo fato de “ter testemunhado com seus próprios olhos” o ocorrido. A mística das imagens garante o estatuto de verdade absoluta e inocenta a deturpação (MARCONDES FILHO, 1989, p.52).
A narrativa jornalística, ao contrário do que propõe a consciência formativa, conduz
mais ao obscurecimento que ao esclarecimento. O caráter instrumental da formação pode ser
identificado mediante a tentativa de operacionalização dos mais variados conceitos, entre os quais
os de autonomia e emancipação. Estes conceitos, na cultura mercantilizada, são significados de
maneira deturpada de modo a atender a lógica do sistema, que têm a ver muito mais com
submissão e adaptação de que com liberdade e opinião própria.
Para Adorno (1995a), a consciência formativa ou esclarecida se constrói
principalmente a partir da possibilidade de condução do indivíduo à autonomia e à emancipação,
com base na percepção da manipulação sistêmica da realidade administrada. Para o autor, há uma
alteração na superestrutura que transforma a cultura e a economia pela racionalidade técnica, que
modifica o sentido dos bens culturais e os apresentam como mercadorias (ADORNO, 1995b).
Assim, exige-se uma interferência da consciência na própria apreensão automática do
mecanismo conformista, estimulada pela adaptação e a assimilação submissa à realidade
idealizada. Percebe-se que o indivíduo é conduzido pelo viés de uma racionalidade imperativa
erigida pela via de uma cultura estabelecida pelo modo de produção econômico, o qual ele
produz e reproduz o tempo todo. Dessa maneira, a razão instituída pelo pensamento calculador
reforça e reproduz os mecanismos que levam à pseudoformação, limitando a formação cultural e
o acesso às formas instrumentais de explicar o mundo.
As determinações pessoais do indivíduo têm base na objetividade dessa cultura
mercantil, da qual aparentemente supõe-se não haver escapatória. Para Adorno, estão ameaçadas
as condições de emancipação da consciência:
A eliminação de tensões entre cultura e suas condições objetivas, que pode entrever-se atualmente, ameaça, sem embargo, àquela com uma morte por congelamento espiritual. (...) a consciência tende a nivelar-se: quanto com menos atrito se adapte à realidade integral, tanto mais se desanimará de transcender o que existe (ADORNO, 1996, p.64-65).
Em meio a determinação do existente, Adorno (1995a) refletiu sobre a emancipação
da consciência para a saída do homem de sua condição de menoridade frente à realidade, no
sentido de evitar a conduta que ele chama de irracional, ou seja, uma conduta sem raciocínio
crítico, sem reflexão. Portanto, a consciência crítica se refere ao exercício do pensamento. Assim,
esclarece Adorno:
(...) Aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais (ADORNO, 1995a, p.151).
Diante da pressão do mundo administrado, a exigência da reflexão põe-se como algo
fundamental para a dissolução dos mecanismos imperativos da administração orientada pelos
interesses da classe dominante. Trata-se de submeter o pensamento à experiência do pensar para
interpretar de maneira crítica a lógica do sistema vigente, a partir da opinião própria.
O exercício intelectual pressupõe a capacidade do indivíduo em elaborar suas
próprias convicções sobre o mundo, em um esforço de desamarrar-se dos conceitos já pensados,
forjados na lógica da cultura industrial. Apresenta-se, assim, uma possibilidade do pensamento
livrar-se da lógica formal desta objetividade opressiva e repressiva. Seria a superação do
pensamento e da autonomia para a emancipação do indivíduo.
No jornalismo, a possibilidade da formação de consciências críticas esvazia-se na
dificuldade primeira dele mesmo pensar a realidade. Nesse sentido, Marcondes Filho (1989)
afirma que a notícia é a ruptura da experiência real:
A lógica da imprensa no capitalismo é exatamente a de misturar coisas, de desorganizar qualquer estruturação racional da realidade, e jogar ao leitor o mundo como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma lógica interna. Ao lado das manchetes, que advertem sobre o pânico (da classe dominante) diante dos saques a estabelecimentos comerciais, do aumento insistente dos roubos e assaltos, das greves, da indisciplina civil, do terrorismo, convivem pacificamente manchetes sobre como ganhar na loto, ou sobre a vitória arrebatadora do time de futebol. Sem essa miscelânea, a imprensa, organizada como empresa lucrativa, não teria sobrevivência comercial. A mesma lógica acompanha o jornalismo radiofônico e televisionado (MARCONDES FILHO, 1989, p.18).
A desorganização dos assuntos noticiados é uma cilada que impede o cidadão ao
raciocínio sobre o que absorve como notícia. Na absorção do que é noticiado pelo jornalismo
dificulta-se a condição de elaboração do pensamento. Na análise de Adorno, a formação cultural
reporta a construção de condições objetivas nos meios sociais, principalmente na educação.
O jornalismo seria também um meio importante, que favoreceria a consciência crítica
e conduziria o indivíduo ao pensamento autônomo. Porém, o que se percebe na sociedade
capitalista é a formação para a adaptação e o conformismo frente à realidade, manipulada por
interesses particulares. Observa-se ainda que a pseudoformação se esconde no próprio discurso
da emancipação, em que “o apelo à emancipação pode ser uma espécie de disfarce da
manutenção geral de um estado de menoridade, e porque é muito importante traduzir a
possibilidade de emancipação em situações formativas concretas” (ADORNO, 1995a, p.180).
Ao final, o que está prejudicado pela lógica formal do pensamento é a democracia,
pois esta “[...] repousa na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela se sintetiza
na instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado irracional é preciso pressupor
a aptidão e a coragem de cada um em se servir de seu próprio entendimento” (ADORNO, 1995a,
p.169).
Neste contexto, em que a emancipação do indivíduo torna-se algo fundamental para a
sua sobrevivência, e em meio a tamanha irracionalidade social, ao esclarecimento urge a tarefa da
desmistificação do mito, a partir do próprio esclarecimento. É preciso primeiro evidenciar as
dificuldades que se opõem à emancipação para consegui-la. Para Adorno, a questão é como fazer
isso e quais a possibilidades; pois,
(...) a organização social em que vivemos continua sendo heterônoma, isto é, nenhuma pessoa pode existir na sociedade atual realmente conforme suas próprias determinações; enquanto isto ocorre, a sociedade forma as pessoas mediante inúmeros canais e instâncias mediadoras, de um modo tal que tudo absorvem e aceitam nos termos desta configuração heterônoma que se desviou de si mesma em sua consciência. É claro que isto chega até às instituições, até à discussão acerca da educação política e outras questões semelhantes. O problema propriamente dito da emancipação hoje é se e como a gente – e quem é “a gente”, eis uma grande questão a mais – pode enfrentá-lo (ADORNO, 1995a, p.181-182).
A emancipação e a autonomia, nesse sentido, são conquistas atribuídas à consciência
crítica. Desse modo, o Adorno (1995a) sinaliza para uma reflexão acerca das possibilidades e
limites da consciência:
(...) tenta-se simplesmente começar despertando a consciência quanto a que os homens são enganados de modo permanente, pois hoje em dia o mecanismo da ausência de emancipação é o mundus vult decipi em âmbito planetário, de que o mundo quer ser enganado. A consciência de todos em relação a essas questões poderia resultar dos termos de uma crítica imanente, já que nenhuma democracia normal poderia se dar ao luxo de se opor de maneira explícita a um tal esclarecimento (ADORNO, 1995a, p.183).
No jornalismo, estas conquistas estão comprometidas pela lógica do sistema
dominante. Não se observa no conteúdo jornalístico a intenção de conduzir o indivíduo ao
discernimento sobre os mecanismos de controle. Parece não haver a preocupação do indivíduo
sobre as regras do jogo de poder. Então:
Apertar parafusos na fábrica, bater carimbos na repartição e assistir ao telejornal estão na mesma ordem lógica: a história passa e seus construtores só tomam conhecimento dela a posteriori. A quebra da unidade, da totalidade na apresentação jornalística torna os homens inconscientes das estruturas de dominação que criam diariamente (MARCONDES FILHO, 1989, p.42).
A consciência crítica é a possibilidade do indivíduo se livrar do comportamento
orientado e determinado pela cultura industrial, na qual tudo se torna mercadoria, inclusive, o
próprio indivíduo. Nesse sentido, o homem se constitui com base nos princípios do capital.
Adorno completa,
Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma da troca, então a racionalidade desta constitui os homens; o que estes são para si mesmos, o que pretendem ser, é secundário. Eles são deformados de antemão por aquele mecanismo que é transfigurado filosoficamente em transcendental. Aquilo que se pretende mais evidente, o sujeito empírico, deveria propriamente considerar-se como algo ainda não existente; nesse aspecto, o sujeito transcendental é constitutivo (ADORNO, 1995b, p.186).
Em um tipo específico de jornalismo, o descompromisso com a formação da
consciência crítica sugere, inclusive, a denominação do público de “ignorante adestrado”. É o que
se percebe a partir do material divulgado na sessão de crônica da Revista Carta Capital, no dia
07/12/05, sobre o título “De Bonner para Homer”. De acordo com a crônica, William Bonner,
editor-chefe do Jornal Nacional (JN), - veiculado diariamente pela Rede Globo de Televisão, -
teria deixado transparecer em sua fala a um grupo de professores da USP, durante visita destes
àquela empresa de comunicação, que o telespectador do JN tem dificuldade de entendimento da
informação que exige maior conhecimento e reflexão. Nesse sentido, a linha editorial descarta
notícias complexas. A crônica é assinada pelo Sociólogo e jornalista, professor da Escola de
Comunicações e Artes da USP, Laurindo Lalo Leal Filho, na qual ele descreve algumas
declarações do editor-chefe do Jornal Nacional.
As declarações de Bonner descritas por Laurindo demonstram que o programa é
pensando para um telespectador totalmente incapaz da crítica, comparado pelo Bonner com o
obtuso Simpsons, um personagem de desenho animado, chefe de família, cujo perfil é, segundo
Bonner, de um sujeito “preguiçoso e burro”. A realidade experienciada pelo grupo de professores
não difere em outras redações de jornalismo em todo país. No caso do Jornal Nacional, percebe-
se que o momento da discussão sobre o que é notícia, sobre o que deverá ir ao ar no horário nobre
da TV Globo, é caracterizado pela necessidade de sensibilizar o telespectador por meio do
emocional, em detrimento da importância sóciopolítica do fato.
O Jornal Nacional é assistido por mais de 40 milhões de brasileiros,20 o que suscita a
preocupação sobre o volume de telespectadores que estariam sob a manipulação de um
jornalismo formatado para, com base no que disse Bonner, atingir consciências ignorantes. Neste
contexto, o apelo de Adorno (1985) pela consciência crítica e a auto-reflexão nos permite pensar
o profissional jornalista diante das contradições do jornalismo, como esta, por exemplo. A
questão é: será que o jornalista que manipula a realidade para recontá-la, muitas vezes a partir de
uma visão deturpada, percebe a si mesmo nesta reconstrução manipulada? A pergunta vai de
encontro com a exigência defendida por Adorno (1985) da autocrítica da realidade, da qual o
indivíduo (re) constrói de dentro.
Se considerarmos que o mundo cultural e social determina, de certa maneira, o
comportamento do homem, há que perceber que ainda, assim, cada indivíduo é portador de uma
subjetividade ímpar que lhe condiciona à interpretação própria da realidade, a partir de sua íntima
e pessoal experiência de vida. Nessa lógica, a discussão que se coloca nesse momento é sobre a
(in) capacidade do jornalista se autoperceber no processo de reprodução de uma realidade
extremamente administrada a qual, na maioria das vezes, ele reafirma sem questionamentos.
No pensamento de Horkheimer e Adorno (1973), o indivíduo autônomo deve ser
resgatado como forma de crítica e resistência à ordem social injusta, pois “(...) o homem só atinge
sua existência própria, como indivíduo, numa sociedade justa e humana” (HORKHEIMER e
ADORNO, 1973, p.54). A comparação que Bonner faz entre o telespectador e o personagem
Homer faz transparecer o quanto, nesse modelo de jornalismo, as possibilidades da resistência à
ordem vigente estão dificultadas. Importa observar que o quanto a postura de Bonner fortalece as
idéias dos autores críticos sobre a Indústria Cultural. É o que se percebe quando eles referem-se à
aparente liberdade do indivíduo.
(...) o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão (...) o que domina é a falsa individualidade.(...) a individuação jamais chegou a se realizar de fato. (...) o indivíduo, sobre o qual a sociedade se apoiava, trazia em si mesmo sua mácula; em sua aparente liberdade, ele era o produto de sua aparelhagem econômica e social (HORKHEIMER E ADORNO, 1985, p.144-145).
20 As referências sobre a audiência do Jornal Nacional estão no site da Rede Globo de Televisão: www.globo.com.br.
Portanto, observa-se que o jornalista hoje é muito mais um indivíduo componente da
aparelhagem do sistema econômico, que um sujeito capaz de criticar o sistema. Estando tão
alienado quanto o jornalismo que pratica, o jornalista é dominado pela estrutura que pensa
dominar, já coisificado pelo sistema. Uma alienação que reflete a “coisificação das almas”.
Alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. (...) O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.40).
Para Horkheimer e Adorno (1985), a concepção de indivíduo ou a realização do
homem enquanto indivíduo pressupõe a construção de uma realidade justa. Na base dessa nova
realidade, está a superação da indiferença e a diferenciação entre coisas e homens. Trata-se de
insistir na construção de identidades verdadeiras. A tarefa é lutar contra o falso realismo que
impera nesta sociedade, com tendências a absorver o indivíduo na sua mais plena existência, ou
seja, como sujeito de ação. Adorno afirma que “o indivíduo só existe enquanto núcleo
impulsionador de resistência” (ADORNO, 1995a, p.154). A capacidade de resistência do
indivíduo tem a ver com a sua formação educacional. Nesse sentido, Adorno defende a educação
como instância capaz de conduzir para consciências críticas.
3.2 - Educação e jornalismo
A Indústria Cultural, dominada pela técnica e pelo consumo, põe-se de maneira
repressora à individualidade, ao consumir a particularidade de cada indivíduo, com base na
imposição de ideários universais e modelos predefinidos, dados como necessários e suficientes à
vivência do homem em sociedade, independente do que individualmente cada pessoa pensa ser o
melhor ou deseja para si próprio. As necessidades para a manutenção do sistema econômico-
social em vigência são antecipadamente pensadas e, sutilmente, impostas ao indivíduo como
sendo necessidades reais. Não está claro que o interesse ideológico dado como universal para o
bem de todos é de interesse particular da ordem dominante do capitalismo.
A vivência social é apreendida pelo senso comum no seu todo, na sua
superficialidade, da maneira como se apresenta na sua imediaticidade. Porém, Adorno (1995a)
ressalta a importância de se considerar o sujeito individual. Nesse contexto, ele chama a atenção
para a necessária valorização do “eu” frente a uma universalidade administrada. O fortalecimento
do “eu” é a valorização do indivíduo, e seus princípios, necessários ao enfrentamento de uma
formação social que, por natureza, se faz excludente, injusta ao próprio homem. Assim, esse
fortalecimento da consciência individual constitui um elemento importante para a negação ao
social contraditório, considerando que o indivíduo pode se perceber como “alguém” com
vontades próprias em meio a uma massa homogeneizada. O indivíduo “forte” seria capaz de
perceber as próprias contradições. Assim, Adorno entende que o “eu forte” é necessário à
emancipação do homem:
(...) a emancipação precisa ser acompanhada de uma certa firmeza do eu, da unidade combinada do eu, tal como formada no modelo do indivíduo burguês. A situação atualmente muito requisitada e, reconheço, inevitável, de se adaptar a condições em permanente mudança, em vez de formar um eu firme, relaciona-se, de uma maneira a meu ver muito problemática, com os fenômenos da fraqueza do eu conhecidos pela psicologia (ADORNO, 1995a, p.180).
Trata-se de uma reflexão sobre a necessária formação de indivíduos capazes de
auto-reflexão crítica. É o indivíduo que se toma por um raciocínio sobre ele mesmo diante da
universalidade, em um processo de individuação, no qual a consciência possa identificar-se
diante das manipulações regidas por um controle planificado, e entender que esse despertar diante
da configuração social avassaladora lhe possibilitaria a superação do mundo administrado;
retomaria a emancipação. Para Adorno, aquilo que caracteriza a consciência é “o pensar em
relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e as estruturas de pensamento do
sujeito e aquilo que este não é” (ADORNO, 1995a, p.151).Nesse raciocínio, é possível aproximar
conscientização ou consciência formativa do conceito de emancipação. Para Adorno (1985), esse
também é um princípio importante da democracia. Segundo o autor, “Uma democracia efetiva só
pode ser imaginada enquanto uma sociedade que pertence a quem é emancipado” (Adorno,
1995a, p.142). Nesse caso, a emancipação exige algumas “qualidades” que podem ser designadas
como capacidade de reflexão e comportamento crítico. A formação dessas “qualidades” no
indivíduo é produzida em diversas esferas da sociedade como família, igreja, escola, e outras.
Para Adorno (1985), há uma exigência, em especial, direcionada à educação como
campo específico da formação intelectual do homem. Segundo Coêlho (2002), esta exigência se
fortalece diante da freqüente redução da educação à escola e, desta, a um “espaço” de
socialização de saberes, de transmissão de conhecimentos, informações e habilidades úteis, faz-se
necessário pensar a finalidade da educação em sua essência. Trata-se de questionar a formação
humana postulada como transmissão e socialização do conhecimento acumulado, informação e
desenvolvimento de habilidades e capacidades que são exigidos pelo movimento globalizante da
modernidade. Segundo Evangelista (2003), “trata-se de racionalizar as estruturas dos sistemas de
educação, a fim de articulá-los ao desenvolvimento integral, adequando-os ao atual estágio da
civilização técnica e às possibilidades eminentes da prometida tecnologia espacial para a
produção do consenso” (EVANGELISTA, 2003, p.90).
Dessa maneira, a crítica da pseudoformação em muito se aproxima da crítica
sublinhada neste trabalho ao jornalismo moderno; de um jornalismo que reforça o
individualismo, a competição e a barbárie. Adorno (1995a) ao tratar da educação para a
emancipação afirma que a escola, ao se conformar com as determinações da sociedade
administrada, torna-se cúmplice da barbárie gerada no interior de sua estrutura social. Assim, a
educação emancipadora para Adorno refere-se:
(...) não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior, mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política (ADORNO, 1995a, p.141).
O autor visualiza a possibilidade de uma educação emancipadora a partir do
rompimento com as estruturas de adaptação da escola, no entanto, reconhece que a sociedade
administrada tenta subsumir qualquer forma de resistência. Entendemos que a proposta de
Adorno tem a ver com a necessária tentativa e a insistência em romper com essas determinações,
com aquilo que se esboça em modelos fixos, ajustados à lógica capitalista. Na análise de Zanolla
(2001), esse rompimento deve ser perpassado pelo reconhecimento das contradições inerentes à
própria educação. Segundo a autora, os mecanismos de dominação e controle que se mantêm
socialmente no contexto cultural também perpassam a educação contemporânea ao considerá-la
como prática social que legitima esses mecanismos. A crítica de Zanolla (2001) recai sobre a
idealização e a mistificação do conhecimento. Nesse sentido, a autora expõe a exigência da
educação pensar sobre as próprias contradições:
A educação é um processo que se constitui em termos culturais, sociais e humanos. Encontra-se, aqui, uma contradição entre formação e educação, ou seja, sua efetivação está limitada não apenas pelos conceitos determinados, mas pela própria ação desprovida da reflexão e autocrítica. Isso implica reconhecer que, por mais que a representação acerca da educação seja motivada por uma idéia positiva de suas conquistas, a realidade a desmente no sentido de denunciar a atual circunstância de sua inviabilidade tal qual aparece de maneira positiva. A prática educacional, nesse aspecto, torna-se dificultada pela ilusão que carrega sobre sua própria eficácia diante da alienação (ZANOLLA, 2001, p.108).
Porém, a própria autora explica que o pressuposto de que todo conhecimento carrega
em si a contradição de ser um mito, e não, necessariamente, implica em emancipação material e
cultural. Nesse aspecto, a educação necessita desmistificar a si própria como base do
conhecimento idealizado, libertador, emancipador. Nessa ordem, falar em um jornalismo
emancipador, bem como em uma educação emancipadora, parece um tanto quanto idealismo,
pois, o ajuste destes às estruturas vigentes é tão expressivo, que negar suas complexidades e suas
contradições parece conveniente à manutenção de suas condições atuais. Isso, devido às suas
dependências ao sistema. No caso do jornalismo, há que reconhecer as limitações deste como
prática que não está separada das determinações sociais.
Na base da reflexão de Adorno sobre a educação, o jornalismo é perpassado na
mesma ordem pela exigência da condução de consciências para a formação, para a resistência.
Inclusive, exige-se questionar sobre os conceitos de emancipação e autonomia referidos com
tanta freqüência, principalmente no meio político-educacional.
A constituição da aptidão à experiência consistiria essencialmente na conscientização e, desta forma, na dissolução desses mecanismos de repressão e dessas formações reativas que deformam nas próprias pessoas sua aptidão à
experiência. Não se trata, portanto, apenas da ausência de formação, mas da hostilidade frente à mesma, do rancor frente àquilo que no íntimo todas desejam. (...) Mesmo correndo o risco de ser taxado de filósofo, o que, afinal, sou, diria que a figura em que a emancipação se concretiza hoje em dia, e que não pode ser pressuposta sem mais nem menos, uma vez que ainda precisa ser elaborada em todos, mas realmente em todos os planos de nossa vida, e que, portanto a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência (ADORNO, 1995a, p.150, 182-183).
Para Adorno (1995a), resistência implica na não adaptação ao que denomina “espírito
do mundo”, isto é a negação da administração da racionalidade. Na base dessa administração que
se faz contraditória, está em construção a regressão do próprio homem e do pensamento. Nesse
sentido, o autor defende a educação como instância de reflexão sobre todas as manifestações da
realidade vigente. Trata-se de lhe conferir a tarefa da negação da aparência apaziguadora e do
comportamento ajustado inerentes à objetividade. Porém, compreende-se que, ao abrir mão do
pensamento racional diante da razão instrumental, a educação se distancia da realização humana.
Ou seja, a adaptação do indivíduo à realidade dificulta-lhe a autocrítica e a consciência
verdadeira sobre a organização administrada dessa realidade, minimizando a possibilidade da
resistência do homem à objetividade vigente. Contrário a isso, Adorno (1995a) propõe
reconhecer as contradições do esclarecimento para evitar que a barbárie se repita como ocorreu
na sua mais expressiva concretização – Auschwitz.
Para Adorno (1995a), a concepção inicial de educação critica a pedagogia moderna
pelas práticas de ensino e aprendizagem como mera transmissão de modelos já preestabelecidos e
o direcionamento do homem para a adaptação a esses modelos, como necessidade da
sobrevivência no meio social. Ele pensa a educação como um campo de produção da consciência
crítica, no qual seria possível uma formação de mentes esclarecidas sobre a realidade social e sua
complexidade.
A emancipação do indivíduo numa sociedade legitimada por uma consciência
coisificada, que impede a própria consciência, deveria resultar de “(...) uma educação para a
contradição e a resistência” (ADORNO, 1995a, p183). Nesse sentido, “quanto mais a maquinaria
do pensamento subjuga o que existe, tanto mais cegamente ela se contenta com essa reprodução.
Desse modo, o esclarecimento regride à mitologia da qual jamais soube escapar”
(HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.39).
Para Horkheimer e Adorno (1985), o esclarecimento na evolução histórica do
pensamento tem perseguido o objetivo de sobrepor o homem ao mito para investi-lo na posição
de senhor. Nesse sentido, há uma busca permanente do homem por dominar a natureza para sua
sobrevivência. Porém, os autores criticam esse suposto domínio, que na sociedade está
estabelecido pela técnica:
Hoje apenas presumimos dominar a natureza, com o advento da ciência e a manipulação dos elementos naturais, mas, de fato, estamos submetidos à sua necessidade, se contudo nos deixássemos guiar por ela na invenção, nós a comandaríamos na prática (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.19-20, grifos meus).
A afirmação do triunfo da racionalidade se elabora de maneira a dispor a natureza a
serviço do homem e não o contrário. Nesse sentido, há que interrogar o próprio pensamento como
esclarecimento, que no esforço de livrar o homem do mito equacionou as idéias com a técnica,
convertendo-se novamente no mito da verdade sob o método (HORKHEIMER e ADORNO,
1985).
Ao fazer uma análise crítica ao tecnicismo do jornalismo, observa-se que o método de
construção da notícia, o Lead relaciona-se com a limitação da possibilidade do questionamento a
partir da notícia. Nesse sentido, a notícia não se faz suficiente como elemento do conhecimento.
A construção da notícia não tem sido pensada como processo de (des) construção do
mito em que ela própria se tornou. Observa-se o quanto a noticia está fechada em um modelo
preestabelecido que não permite questionar ela. É informação e não formação. Muitas vezes, a
notícia jornalística se resume naquilo que tende ao puro sensacionalismo, pois o critério de
escolha do que noticiar passa pela necessidade da audiência. Nesse caso, importa observar a
necessidade de uma discussão teórica e acadêmica sobre a formação do jornalista e o jornalismo
na sociedade. A exigência se põe diante da triunfal mentalidade do factual, e pela rejeição do
próprio pensamento sobre a reflexão para além da representatividade superficial da objetividade,
tão comum na narrativa jornalística.
Para Adorno (1995a), a reflexão é a possibilidade da transformação social. Ao pensar
a transformação social a partir da reflexão, o autor pensa a educação como caminho para a
autonomia do indivíduo. Nesse caso, a escola também assume papel fundamental.
Não se deve esquecer que a chave da transformação decisiva reside na sociedade e em sua relação com a escola. Mas, neste caso, a escola não é apenas um objeto. A minha geração vivenciou o retrocesso da humanidade á barbárie, em seu sentido literal, indescritível e verdadeiro. Esta é uma situação em que se revela o fracasso de todas aquelas configurações para as quais vale a escola. Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola tem apenas condições mínimas de resistir a isto (ADORNO, 1995a, p.116).
O autor enfatiza o necessário resgate da escola como ambiente capaz de conduzir o
indivíduo à formação fundada nos sentimentos de solidariedade, nos valores da moral, da ética, e
de humanidade. A análise defende a oposição à realidade administrada. Zanolla (2001) analisa
que a sociedade administrada é submetida à lógica do capital e a formação assume o caráter da
produtividade e lucratividade, o que lhe distancia da possibilidade de formar indivíduos para a
emancipação.
Ao analisar a escola como uma realidade dada e ao tentar superá-la no conceito, procura-se sobrepô-la à conotação abstrata e ilusória relacionada à sua realidade. Dessa forma, a escola não significa uma ‘projeção’ do que se espera dela, mas é fruto de um contexto que envolve uma variável de situações, relações de poder e conseqüências históricas. Assim, espera-se dela o comprometimento com a desbarbarização social, é necessário o reconhecimento de sua vinculação com os mecanismos culturais de dominação (ZANOLLA, 2001, p.112).
Nesse sentido, a educação tem como papel fundamental a desbarbarização da
sociedade diante da imposição do progresso. Segundo Adorno,
A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e
suas possibilidades. E para isso ela precisa libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie. O pathos da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida em que se conscientiza disto (...) na situação mundial vigente, em que ao menos por hora não se vislumbram outras possibilidades mais abrangentes, é preciso contrapor-se à barbárie principalmente na escola. Por isto, apesar de todos os argumentos em contrário no plano das teorias sociais, é tão importante do ponto de vista da sociedade que a escola cumpra sua função, ajudando, que se conscientize do pesado legado de representações que carrega consigo (ADORNO, 1995a, p.117).
O sentido educativo tem a ver com a atuação do indivíduo, a percepção das
contradições sociais e identificação das complexidades de uma sociedade agressiva e destrutiva
que, em nome da civilização, estimula a concorrência e leva a uma individualização cada vez
mais reforçada. Não há como negar que a confrontação com os valores legitimados pela
sociedade capitalista, na qual o sucesso do capital está acima de tudo, torna o jornalismo imerso
em um conflito constante, que tem a ver com o seu papel social.
Ao aproximarmos a análise do jornalismo à reflexão de Adorno sobre a educação,
observamos duas instâncias potenciais para o exercício da formação humana. Nesse sentido, a
reflexão crítica que o autor estabelece como necessária para a autonomia do indivíduo frente à
realidade vigente é uma exigência para o jornalismo tanto quanto para a educação. Embora, com
diferenças notáveis, estas duas instâncias se aproximam devido a capacidade de influenciar na
formação do indivíduo. Nesse sentido, a crítica que se faz às limitações de um encontra ponto
comum nas limitações do outro. Nesse caso, a análise da educação e do jornalismo na
modernidade parte de um mesmo prisma: a dificuldade da crítica diante das determinações do
progresso.
3.3 - O progresso e o retrocesso da crítica
Na produção jornalística, a limitação do pensamento se põe diante do acelerado
desenvolvimento das técnicas de imprensa. Com a velocidade que impulsiona a produção, o
computador e as oportunidades de respostas já prontas, a reflexão ser perde. O pensamento se
submete à imposição da técnica, ao mesmo tempo, em que está comprometida a reflexão. Assim,
“a maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” (HORKHEIMER e ADORNO,
1985, p.46).
Na análise de Adorno (1994b), é na aparente liberdade de escolha que está camuflada
a constituição da submissão cega. Para o autor, o indivíduo esforça-se por aderir ao real
falsificado, em uma espécie de busca por enganar a si mesmo, na necessária busca pela suposta
“inclusão social”.
A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dúvida, jamais pretendeu ser. Não somente os homens caem no logro, como se diz, desde que isso lhes dê uma satisfação por mais fugaz que seja, como também desejam essa impostura que eles próprios entrevêem; esforçam-se por fecharem os olhos e aprovam, numa espécie de autodesprezo, aquilo que lhe ocorre e do qual sabem que é fabricado (ADORNO, 1994b, p.96).
Nesse sentido, a adesão do indivíduo à sociedade não se limita a uma dominação
forçada, mas antes, buscada pelo próprio indivíduo, mesmo quando ele parece não estar forçado a
isso. Porém, vale ressaltar que a adaptação a que o indivíduo se submete, sob a certeza de uma
falsa autonomia, não trata de uma ilusão aparente; ao contrário, é uma adaptação conduzida por
esquematizações, segundo parâmetros da razão formalizada, portanto, mais complexa e de maior
dificuldade de ser revertida. Importa observar que a adesão cega do homem desvia a consciência
dos reais objetivos a que serve toda a engrenagem do progresso econômico, sustentado pela
técnica e pela ciência. Assim,
Um mundo como o atual, em que a tecnologia ocupa posição chave, produz pessoas tecnológicas, afinadas com a tecnologia. Isso é bem racional: será mais fácil iludi-los, na sua própria área, e isso pode ser transferido para o âmbito mais geral. Por outro lado, a atual atitude para com a tecnologia contém algo de irracional, patológico, exagerado. Isso está relacionado com o ‘véu tecnológico’. As pessoas tendem a considerar a tecnologia como algo em si, como fim em si mesmo, como uma força com vida própria, esquecendo-se, porém, que se trata do braço prolongado do homem. Os meios – e a tecnologia é a essência dos meios para a autopreservação da espécie humana - são fetichizados, porque as finalidades – uma existência digna do ser humano – são encobertas e arrancadas do consciente humano (ADORNO, 1994a, p.42).
A concorrência individual e a liberdade de consumo, paradoxalmente às promessas
do progresso, impuseram ao homem o sacrifício e a abdicação de sua própria condição de
indivíduo da ação, de auto-escolha, emergindo-o em um estado de alienação constante, movido e
alimentado pela ambição e pela necessária acumulação de riquezas.
Diante da opressão do progresso, Adorno (1985) buscou na psicanálise de Freud
(1969) apoio teórico para refletir sobre a barbárie de Auschwitz e, conseqüentemente, sobre o
indivíduo e a sociedade. O estudo de Adorno a partir da psicanálise torna-se uma investigação
que tem a ver com a possibilidade e a impossibilidade da consciência na contemporaneidade. Da
possibilidade e impossibilidade da razão, que como fenômeno humano, não está desvinculada do
caráter instintual. Nesse sentido, Horkheimer e Adorno (1985) identificam uma regressão do
homem ao primitivismo, no instante em que a razão na modernidade se converte em (i) razão.
A humanidade, cujas habilidades e conhecimentos se diferenciam com a divisão do trabalho, é ao mesmo tempo forçada a regredir a estágios antropologicamente mais primitivos, pois a persistência da dominação determina, com facilitação técnica da existência, a fixação do instinto através de uma repressão mais forte (ADORNO/HORKHEIMER, 1985, p.46).
É no denunciar da regressão da consciência humana na “escala da civilidade”, mesmo
diante do progresso em desenvolvimento, que os autores críticos de Frankfurt recolocam a
necessária emancipação do pensamento para a reflexão e a autocrítica, no sentido de livrar o
homem do condicionamento instintual. Freud (1996), em estudo sobre o totemismo na história
da civilização, relaciona as neuroses do mundo moderno com a vivência do homem no
primitivismo. A observação recai sobre revelações do comportamento social do indivíduo de
tempos primitivos e o quanto dele ainda se mantém nas relações do homem moderno mesmo este
tendo avançado na escala de civilidade. Assim,
Há homens vivendo em nossa época que, acreditamos, estão muito próximos do homem primitivo, muito mais do que nós, e a quem, portanto, consideramos como seus herdeiros e representantes diretos. Esse é o nosso ponto de vista a
respeito daqueles que descrevemos como selvagens ou semi-selvagens; e sua vida mental deve apresentar um interesse peculiar para nós, se estamos certos quando vemos nela um retrato bem conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento (FREUD, 1996, p. 21).
É também diante do necessário conduzir do homem ao desenvolvimento de si mesmo,
que se potencializa a busca do jornalismo pelo conhecimento, o saber, o esclarecimento, por meio
da reflexão crítica sobre si e sobre a sua relação com a objetividade. Pois, “O saber que é poder
não conhece nenhuma barreira, nem na escravização da criatura, nem na complacência em face
dos senhores do mundo”. (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p.20).
A reflexão desses autores aponta para a necessidade de uma consciência capaz de
pensar seus próprios ideais a partir da negação do que é posto na realidade como sendo o modelo
ideal ou único possível de vivência. Não trata de negar o que se manifesta na configuração da
barbárie, mas desejá-la constitui o racional, o conhecimento, que, por sua vez, se constitui, assim,
poder sobre a realidade dada.
Dessa maneira, cabe ao jornalismo, como instância possível de formação, a
construção de um espírito crítico que conduza o indivíduo à percepção do quanto a realidade
criada pelo homem nega a ele próprio. No jornalismo, os assuntos são postos rapidamente e da
mesma maneira substituídos. A Indústria Cultural cuida da naturalização deste processo com
precisão e o pensamento obscurecido se submete às regras do jogo.
3.4 - Formação e (in) formação
Segundo Gomis (1991), tudo que é feito para influenciar o público influencia
efetivamente. O fenômeno social criado pelo jornalismo é imediatamente absorvido como algo de
cunho social importante apenas pelo fato de virar notícia. Por isso, segundo o autor, o que não é
veiculado pela imprensa de massa não influi no contexto social, tende a ser marginalizado das
discussões públicas. De acordo com Miranda (1978) não se pode afirmar que o jornalismo
determina o comportamento do público, mas este pode ser fortemente influenciado pelas
mensagens jornalísticas ao reproduzir o que estas almejam. Para o autor “Os media poderiam
dirigir o comportamento da audiência em relação a determinado alvo, com o que o centro das
decisões estaria deslocado da consciência individual de cada membro do público para a
capacidade persuasiva dos media” (MIRANDA, 1978, p.16 -17).
A força persuasiva dos meios de comunicação de massa a qual retrata Miranda tem a
ver com a capacidade de audiência de cada veículo de comunicação. Ou seja, quanto maior o seu
alcance ao público, maior seu poder de difusão e persuasão. Assim, os fenômenos sociais, os
fatos noticiados pela imprensa, viram referência para análises e compreensões da realidade social,
podendo ser instrumento de convicção e convencimento, ou, apenas sugerindo e convidando as
pessoas a tirarem suas próprias opiniões sobre o assunto noticiado. Essa idéia vem ao encontro da
análise de Gomis (1991) quando diz que:
As audiências não só se inteiram dos assuntos públicos e outras questões através dos meios, mas aprendem a importâncias que têm que dar a um tema, segundo a ênfase que põem nele. Não se trata tanto de ser persuadido pelo que dizem os meios quanto de crer que aquele assunto tem a importância que se lhe atribui (...) Os meios não dizem o que se tem que pensar, mas sobre o que se tem que pensar (GOMIS, 1991, p.157).
Com base no que afirma Gomis (1991), os meios de comunicação agendam o assunto
e orientam sobre a ênfase a ser dada a este. Isto faz com que determinado fato tenha maior ou
menor repercussão social. A ênfase dada também influencia na avaliação popular sobre a maior
ou menor importância da notícia. Ou seja, no jornalismo, por exemplo, é fácil observar que
quando um fato ganha uma exploração mais ampla, inclusive repetidamente, a impressão que se
tem é que tamanha importância dada incute na população em geral a idéia de que este assunto é
de relevante impacto social.
Nesse sentido, há uma orientação dos sentidos do indivíduo sobre o que é noticiado.
Portanto, algo que foi veiculado na imprensa, em geral é tido pelo senso comum como algo
importante. Ao considerar esta análise, percebe-se que o jornalismo torna-se um importante
instrumento de interferência nos meios social e político, influenciando o curso daquilo que ocorre
nesses campos sociais.
Para Gomis (1991), não há nada tão persuasivo quanto o que se considera fatos. A
notícia está na mesma ordem de sentido. Segundo Marcondes Filho (1989), a notícia é capaz de
encobrir causas e efeitos dos verdadeiros males que assolam a sociedade:
Na medida em que a imprensa desvia a verdadeira causalidade das desgraças e da péssima situação social das classes mais pobres, ela orienta também a reação dessas classes contra o mal mais próximo.(...). Nesse sentido a imprensa exerce uma função nitidamente classista, em defesa dos privilégios da classe dominante, orientando a agressividade popular para objetivos que não são os causadores estruturais de seus problemas (MARCONDES FILHO, 1989, p.89-90).
Ao compreender que há na notícia um certo grau de persuasão capaz de induzir as
pessoas à reação diante de um fato ao mesmo tempo em que a imprensa o noticia, orientando a
opinião pública, surge a certeza de que nesse processo de ação e reação o jornalismo se
potencializa como um possível indutor ou condutor de formação de consciências. Porém, na
tendência da adaptação, o jornalismo se dispersa da possibilidade de contribuir à tão exigida
reflexão sobre a realidade. Ele se exime de um conteúdo teorizado, e esvazia a apreensão
amadurecida dos fatos sociais. Uma vez que, teorizar, significa pensar, raciocinar e questionar
sobre o aparente mundo harmonioso e pacífico, em que o entretenimento dispersa o indivíduo dos
dissabores da política, da economia e da sociedade (MARCONDES FILHO, 1989, p.92).
Dessa maneira, é urgente que as forças que sustentam os discursos e se ocultam sob
sua aparência apaziguadora sejam desmascaradas. Ao referir-se ao que foi Auschwitz, Adorno
(1995a) ressalta que uma educação orientada para evitar a repetição do que foi aquele episódio do
holocausto só será possível mediante a conscientização dos seus objetivos originários, como a
emancipação e a autonomia. Trata-se de postular uma razão que consiga apreender a
irracionalidade do real racionalizado por princípios orientadores, que possa compreender também
a própria irracionalidade.
Considerações finais
O princípio da maioria, na forma de vereditos populares sobre todo e qualquer assunto, implementado por toda espécie de escrutínios e modernas formas de comunicação, tornou-se a força soberana à qual o pensamento tem de prover. É um novo deus, não no sentido em que os arautos das grandes revoluções o conceberam, isto é, como um poder de resistência à injustiça existente, mas como um poder de resistência a qualquer coisa que não se acomode. Quanto mais o julgamento do povo é manipulado por toda espécie de interesses, mais a maioria é apresentada como árbitro na vida cultural (HORKHEIMER, 2000, p.38).
As relações sociais na modernidade estão impregnadas pela ideologia capitalista de
tal forma, que esta parece ser a única opção de existência e sobrevivência possíveis. O
comportamento social e todas as manifestações humanas parecem providas pelas determinações
do capital. A soberania da ideologia capitalista implica na incapacidade de criar novos modelos
para o desenvolvimento humano, e impõe a ordem da repetição, dificultando a realização de algo
que realmente seja novo. A difícil criação de algo novo pressupõe a dificuldade da
transformação. Nesse sentido, o livramento do homem da lógica irracionalista se faz urgente para
a necessária autonomia dele frente à realidade dada. É nesse sentido que o determinismo do
capital se impõe sobre a consciência dos homens. É algo que parece já tão natural, que não instiga
mudanças nem tão pouco a resistência.
No esforço de diferenciar-se o que poderia alcançar autenticidade se manifesta
reproduzido. A insossa sabedoria, ao mesmo tempo, que nada traz de novidade revela a
necessidade do rompimento da consciência com a repetição. A busca pelo autêntico é, antes da
criação, uma mudança de pensamento. Está na ordem da própria consciência e, portanto, exige a
crítica da consciência. Na realidade administrada, a qual se apresenta tão perfeitamente ajustada,
sem transparecer rachaduras, cabe à consciência crítica observar onde as brechas estão ocultas e
como se ocultam. Trata-se do desvelar da constituição do real; uma tarefa a ser perseguida por
todos os âmbitos da produção humana. Na produção jornalística, referência da humanidade sobre
o que se passa no real, o esforço seria na tentativa de implementar a compreensão do mundo sob
outro ângulo, que não o de legitimar a “insossa sabedoria”. Nesse caso, cabe ao profissional do
jornalismo reconhecer que há um processo dialético que exige a apreensão da realidade como
resultante histórico, e que na construção do sujeito e do objeto estes mesmos também se revelam.
Ao tentar desvelar as contradições do real, o jornalismo abriria a possibilidade da transformação
social a partir da notícia para além da sua superficialidade, do aparente dado. Entende-se que a
consciência de que a estrutura social vigente é contraditória, já se configura um sinal para
mudanças futuras. Porém, não, necessariamente, propõe-se negar a realidade, mas a partir do
momento que o indivíduo entender seu modo constitutivo e suas contradições, abre-se a
possibilidade do seu domínio para o bem do homem.
Na perspectiva da Teoria Crítica, o conhecimento para o domínio se mitifica no
momento em que o conhecimento é idealizado. Portanto, as contradições são inerentes ao
processo do conhecimento e, nesse sentido, o conhecer pressupõe aceitá-las para a possível
superação das mesmas. O jornalismo, como qualquer prática social, deve ser pensado a partir da
desmistificação do mesmo como identidade do saber. Isso propiciaria experiências importantes
para a expansão do conhecimento do indivíduo, influenciando o seu desenvolvimento, destacando
a importância das condições objetivas para a efetivação de experiências significativas,
enriquecedoras, que conduzam a elaborações críticas sobre a diversidade das condições culturais,
religiosas, étnicas, político-social e econômicas de uma sociedade. Na imposição da idealização
do jornalismo, dificulta-se sua possibilidade de instância formadora.
A discussão sobre as possibilidades de formação do jornalismo no processo social
sugere pensar essa atividade como elemento extremamente influenciado pela tecnologia, e como
tal, assume um poder expressivo de controle, entendendo que, na modernidade, a tecnologia é
usada como instrumento de “controle” social. A comunicação, a informação e a interpretação
ocorrem praticamente em nível de imagem e, no cultivo da imagem, esvazia-se o poder da
palavra. Os sentidos e os conceitos se perdem. A realidade social, neste contexto, torna-se virtual,
ao mesmo tempo, em que se descola, desenraiza, desterritorializa (IANNI, 2004). Perpetua-se,
dessa maneira, um processo de socialização, que se origina desde o início dos tempos modernos,
em que prevalece a primazia de uma sociabilidade direcionada à massificação e ao consumo.
Ianni (2004) acentua que, na mesma proporção de desenvolvimento dos meios de
comunicação e cultura de massa, o individuo se alheia “à idéia e prática do espaço público, visto
como instituição primordialmente política” (p.107). Para além, o indivíduo se alheia de si como
ser político. O autor chama a atenção para o poder dos meios de comunicação sobre as mentes
das massas. Segundo ele, no movimento de reterritorialização, a mídia constitui uma face
importante que atua como elemento formador e conformador das consciências dos indivíduos.
Mesmo o indivíduo não sendo um espectador inerte e passivo, não se pode descartar a
importância da mídia no processo de elaboração da consciência social. “Mas também é claro que
os meios de comunicação, informação e análise organizados na mídia e na indústria cultural agem
com muita força e preponderância, no modo pelo qual se formam e conformam as mentes e os
corações da grande maioria, pelo mundo afora” (IANNI, 1995, p.21).
Ao considerarmos o alcance da informação, sua abrangência social, e a influência que
exerce sobre a opinião pública, seria uma importante contribuição para a construção da
autonomia do indivíduo se o jornalismo aproveitasse suas próprias características para influenciar
consciências, no sentido de esclarecê-las sobre suas contradições.
Na perspectiva da consciência verdadeira, no entanto, na sua aplicabilidade prática, o
jornalismo é distanciado da possibilidade de se constituir instância de emancipação humana, e se
apresenta muito mais como instrumento de repetição de conceitos pré-estabelecidos pela lógica
capitalista, finalizados na aparência do fato reportado. Os conceitos como violência, pobreza,
exploração, indivíduo, vida, preconceito, liberdade, igualdade, paz, sociedade, felicidade,
emancipação, autonomia, entre tantos outros que, na essência, merecem uma interpretação para
além do limite do fato para que a consciência atinja graus de descoberta e produção de
conhecimento mais amplo, passam por uma mera descrição. São conceitos fadados à banalização,
assim como a própria realidade, a partir do momento que os diferentes fatos da violência, por
exemplo, são narrados como algo comum, assim tidos devido à repetição diária destas notícias
sem a proposta da análise do porquê. Dessa maneira, a notícia de um crime a mais ou uma nova
modalidade de crime é explorada no jornalismo muitas vezes como algo chamativo para o
alcance de índices mais elevados de audiência, pelo caráter curioso que abarca, que, propriamente
como resultante das desigualdades sociais. Além disso, a narrativa da notícia curiosa tende a ser
carregada de elementos sensacionalistas, como a reconstituição do fato, e, ás vezes, usa-se até
animações para detalhamentos do mesmo a partir da simulação. Na ilustração da notícia,
minimiza-se a possibilidade da discussão sobre a violência, suas causas e consequências. A
animação apresentada como notícia torna-se o limite da consciência.
Mas, os registros jornalísticos se fazem, muitas vezes, de maneira tão superficial que
compactuam para que os escândalos e os grandes acontecimentos percam força amanhã. Assim, a
notícia articula-se em uma realidade em que os discursos aparecem como slogans de propaganda
(DUPAS, 2001). Ao compactuar com uma realidade na qual as manifestações humanas se
apresentam permeadas pelo caráter pragmático e mercadológico, a informação jornalística
também se torna produto vendável. A tentativa do caminho inverso, seria a notícia conduzir à
crítica do real que reporta. Como isso se daria? É perceptível em uma sociedade em que a
imprensa já foi incorporada pela lógica social de consumo o quanto o jornalismo praticado tende
à manipulação. Sodré (1996), ao escrever sobre a imprensa no Brasil observou o quanto esta tem
sido governada pelas determinações da ordem capitalista e apontou as técnicas de produção e de
circulação da notícia como aspectos principais da uniformização do consciente coletivo.
Ao considerar o jornalismo como ferramenta da dominação e doutrinação verifica-se
o quanto ele se distancia da crítica à realidade. As questões, se não a maioria delas, sobre a (im)
possibilidade (de)formativas do jornalismo no contexto da Indústria Cultural recaem sobre o
necessário rompimento da superficialidade da narrativa jornalística. È necessário observar que a
busca deste rompimento exige do jornalista um esforço maior na pesquisa sobre as implicações,
causas e consequências do fato. Ao apanhar o objeto da notícia com um conhecimento mais
amplo sobre ele, o jornalista terá maiores condições de uma abordagem mais profunda, de cunho
mais questionador, o que lhe abre a possibilidade de uma exposição mais crítica e de
apontamentos das contradições inerentes ao fato. É importante esclarecer que a exploração mais
crítica da notícia não implica necessariamente na extensão do tempo da exploração. Ou seja, é
possível uma entrevista em um telejornalismo ou radiojornalismo com duração de até cinco
minutos, a qual consiga pautar no consciente coletivo questionamentos que levem o indivíduo a
pensar sobre a notícia para além da sua manifestação imediata. Porém, esse resultado está
possível desde que a entrevista seja preparada de tal maneira que exponha idéias importantes para
a análise.
Nesse sentido, o preparo da notícia para alcançar este objetivo deve ser pensado com
o objetivo da análise e, não somente, do ponto de vista da informação ou de tornar o fato
conhecido. Informar o que ocorre no cotidiano na velocidade com que ocorrem os fatos
pressupõe uma submissão à ordem do real. Mas, por outro lado, o jornalismo não pode se furtar à
informação pela reflexão. Portanto, diante da dificuldade da análise no jornalismo, é preciso
manter a tensão entre o aprofundamento crítico e não aprofundamento crítico da notícia. Isso quer
dizer que ora isso se faz necessário, ora não. Mas, ao tratar de temas de maior relevância social
como segurança pública, retratados por fatos como crimes, há que chamar a atenção do cidadão
para a crítica e a análise do ocorrido no contexto vivido.
O jornalismo mais crítico não implica necessariamente em um jornalismo opinativo.
O que quero dizer é que o jornalismo tem condições de explorar na abordagem do fato elementos
constitutivos do mesmo capazes de instigar a consciência à análise. Não se trata exatamente de
uma notícia que explicite a crítica, mas de uma notícia que conduza à crítica. A idéia parte do
princípio de que o pensamento deve estar vigilante diante da realidade administrada e que o
exercício intelectual está possível em qualquer esfera social, independente da divisão das classes.
Assim, o pensar é um exercício de esforço intelectual, que permite ao indivíduo uma leitura
menos superficial da realidade. Ao abordar a notícia de maneira menos imediatista, abre-se a
possibilidade de instigar e encucar o pensamento e incutir a dúvida.
A reflexão não se resume aqui de maneira tão simples, porém, esta seria uma
condição para uma possível negação ao registro da realidade da maneira como ela aparece na sua
efemeridade e se manifesta na sua aparência de maneira tão rápida, administrada e
organizadamente elaborada para a conciliação das contradições. O caráter pragmático do
jornalismo minimiza as perspectivas da transformação social e normatiza um pensamento
insuficiente para a apreensão crítica da realidade. Nesse sentido, a reflexão se faz necessária para
desvendar o real apresentado pelo jornalismo de maneira tão artisticamente construída. É nesse
sentido que está posta a contradição da própria imprensa (ZANOLLA, 2001). A idéia da
contradição da imprensa relacionada à Indústria Cultural tem base na sucessiva e veloz
substituição dos fatos durante os noticiários, em uma repetição da velocidade da manifestação do
real. A racionalidade percebida na construção da notícia a partir da padronização da narrativa e a
estandardização da mesma conduz à uma leitura da realidade de maneira fragmentada e contribui
para um distanciamento da reflexão. Nessa ordem, ao entender que o jornalismo se atém à
presentificação do real como instrumento de manipulação e controle da audiência, a
superficialidade da notícia poderia ser confrontada pela negação da sua própria superficialidade.
Ou seja, caberia ao menos a tentativa da contextualização histórica do fato, apontar os elementos
constitutivos mais importantes, proporcionando condições para uma leitura mais crítica e
esclarecedora. Do ponto de vista do conceito de formação em Adorno, essa tentativa seria uma
perspectiva importante do jornalismo para a aproximação deste com a idéia de educação para o
autor. Se a tarefa principal da educação é contribuir para a desbarbarização do homem, a partir da
maior compreensão do mesmo sobre a realidade em que está submetido, compreende-se, dessa
maneira, que o jornalismo também tem responsabilidade nessa tarefa.
Na perspectiva de Adorno (1996), a mudança de práticas descontextualizadas das
mediações históricas que constituem o fazer social, além de ser um paliativo adotado para
minimizar dificuldades pontuais, poderia reforçar ainda mais a realidade. Porém, percebe-se o
quanto o enfrentamento da narrativa superficial é dificultado. É certo que a análise posta parte e
abre um leque infinito de problemáticas e contradições para reavaliações teóricas. Mas, contra
todas as teses pessimistas, é necessário insistir na questão, já que a passividade obscurece a
possibilidade da consciência crítica. A possibilidade de rompimento com a realidade da alienação
está na capacidade da reflexão. Cabe ao jornalismo examinar tanto as contradições inerentes à
suas realizações e práticas quanto às contradições da realidade que ele descreve. De uma maneira
geral, a formação e a deformação estão possíveis no contexto cultural em igual potencial. Porém,
a formação pressupõe a desmistificação desse contexto que se constitui idealizado. Na base da
desconstrução da mitificação da realidade está a exigência da exposição de suas diferenças e
contradições a partir da reflexão crítica.
Este trabalho procurou apresentar a instrumentalização do jornalismo como
ferramenta da dominação, o que não significou negar sua extrema importância social como
instância de saber. Porém, existe a necessidade de atentar às suas próprias contradições para
também pensar as contradições do real, na tentativa de ampliar a sua condição de formação. Ou
seja, cabe ao próprio jornalista reconhecer o quanto está submetido às determinações do capital
para que na reflexão sobre si possa abrir possibilidades de emancipação a partir do que produz
profissionalmente. Trata-se, a partir das idéias de Adorno (1985), de fazer violência a si próprio
para se permitir à libertação, ou seja, reconhecer a idealização para abrir a condição de livrar-se
dela. Nesse sentido, a mesma análise vale para o sujeito alienado. Portanto, tanto o jornalista
quanto o jornalismo devem ser passíveis de críticas para o necessário rompimento com a ilusão
acerca da práxis no que diz respeito a representação determinada pela racionalidade social.
Segundo Adorno (1995b), o rompimento do indivíduo com a representação ajustada à realidade
administrada se refere à negação de sua autoridade “sobrestimada” e tão potencializada de
importância, a ponto de impedir sua percepção sobre o real preestabelecido e sobre si mesmo.
É importante, portanto, que o jornalista esteja consciente da potencial interferência do
jornalismo na realidade e na formação de opiniões e, ao mesmo tempo, buscar conduzir este
potencial para a transformação social, sem negar as determinações objetivas deste real. Não se
trata de driblar a ordem sistêmica do mundo, mas o esforço é encontrar em meio a essa estrutura
tão complexa possibilidades de consciência reflexiva. Portanto, em meio à realidade
administrada, as possibilidades de experiência jornalística estão dadas, em um primeiro
momento, na consciência das suas próprias contradições.
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