tempo de guerra e tempo de paz na antiguidade breves ... · história antiga e arqueologia, até...
TRANSCRIPT
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 231 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Tempo de Guerra e Tempo de Paz na Antiguidade
Breves Consideraccedilotildees Historiograacuteficas
Prof Dr Dominique Santos1
Submetido em 042016
Aceito em062016
RESUMO
A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a compreensatildeo das sociedades da
Antiguidade mas ateacute que ponto podemos falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Levando este
problema em consideraccedilatildeo a discussatildeo aqui apresentada estaacute dividida em duas partes bem
evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns
historiadores a aceitar a tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na Antiguidade Logo
apoacutes analisamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo mas
que na Antiguidade havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e tambeacutem alerta o suficiente sobre os
perigos de suas devastaccedilotildees O objetivo deste artigo eacute perceber como estas duas teses aparecem
na historiografia especiacutefica da aacuterea de Histoacuteria Antiga
Palavras-chave Guerra Paz Histoacuteria Historiografia Antiguidade
ABSTRACT
The theme of war is of vital importance for the understanding of ancient societies but how far
can we think about the war as something lsquonaturalrsquo Taking this problem into account the
following discussion is divided into two very evident parts firstly we devote our attention to
the reasons that led some historians to accept the thesis of war as something lsquonaturalrsquo and
lsquocommonrsquo in Antiquity Then we analyze the opposite argument that the war was not
something lsquoordinaryrsquo and lsquonaturalrsquo but in Antiquity there was a concern to avoid it and also
enough warning about the dangers of its devastations This paper aims to understand how these
two arguments appear in the specific historiography dedicated to Antiquity
Keywords War Peace History Historiography Antiquity
Resumen El tema de la guerra es de importancia fundamental para la comprensioacuten de las
sociedades antiguas pero iquesthasta queacute punto podemos hablar de una naturalidad de la guerra
Teniendo en cuenta este problema la discusioacuten aquiacute se divide en dos partes muy evidentes
primero dedicamos nuestra atencioacuten a las razones que llevaron a algunos historiadores a aceptar
la tesis de la guerra como algo natural y comuacuten en la antiguumledad Poco despueacutes analizamos
el argumento contrario que la guerra no era comuacuten y natural sino que en la antiguumledad
habiacutea una preocupacioacuten para evitarla y tambieacuten alertar lo suficiente acerca de los peligros de sus
estragos El propoacutesito de este artiacuteculo es entender coacutemo estas dos tesis aparecen en la
historiografiacutea especiacutefica del aacuterea de Historia Antigua
Palabras-claves Guerra Paz Historia Historiografiacutea Antiguumledad
1 Professor de Histoacuteria Antiga na FURB - Fundaccedilatildeo Universidade Regional de Blumenau e Coordenador
do Laboratoacuterio Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais [wwwfurbbrlabeam] E-mail
dvcsantosfurbbr O artigo em questatildeo foi possiacutevel graccedilas ao projeto de pesquisa 6672012 intitulado
Culturas fronteiras e identidades repensando a Antiguidade entre o Mediterracircneo e o Mar da Irlanda
subsidiado pela PropexFURB
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 232 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
O historiador italiano Arnaldo Momigliano em ldquoSome observations on causes of
war in ancient historiographyrdquo escreveu que os gregos aceitavam a guerra como um
ldquofato naturalrdquo assim como o nascimento ou a morte (MOMIGLIANO 1966 P 112-
125) Outro que figura entre os principais defensores desta ideacuteia eacute o francecircs Jean Pierre
Vernant que em ldquoProblegravemes de la Guerre en Gregravece Anciennerdquo observa que a guerra
era para os gregos parte do agon sendo assim o que preside as relaccedilotildees humanas algo
comum e natural (VERNANT 1999 P 11-38) Esta linha de raciociacutenio tambeacutem eacute
compartilhada por um outro grande especialista no estudo da Antiguidade trata-se de
Moses Finley que afirma que natildeo havia no mundo antigo uma condenaccedilatildeo especiacutefica de
se atingir determinado objetivo por meio da guerra desta maneira a violecircncia era
inerente ao funcionamento daquelas sociedades (FINLEY 1985 p 67-87) Adrian
Goldsworthy em sua obra jaacute traduzida para o portuguecircs ldquoGenerais Romanos- os
homens que construiacuteram o Impeacuterio Romanordquo interpreta da mesma maneira ele afirma
mencionando o exemplo dos romanos que para estes a guerra parecia ser uma praacutetica
inevitaacutevel uma vez que estava diretamente associada ao expansionismo territorial O
autor nos lembra que o Impeacuterio Romano afinal foi criado e mantido por meio do
exeacutercito sendo seus generais figuras fundamentais neste processo (GOLDSWORTHY
2007)
Eacute possiacutevel encontrar recorrecircncias a estas ideacuteias tambeacutem na historiografia
brasileira Joseacute Geraldo Costa Grillo e Pedro Paulo Abreu Funari por exemplo
discutem em um artigo de forma bastante interessante alguns posicionamentos
relacionados com a historiografia na Antiguidade especialmente com o recorte
especiacutefico da Greacutecia Antiga (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20) Os autores
sintetizam algumas mudanccedilas pelas quais o estudo da guerra na Greacutecia Antiga passou
nas uacuteltimas deacutecadas O mapeamento feito por eles aborda desde a reuniatildeo dos principais
temas da historiografia militar da Greacutecia Antiga feita por Raoul Lonis (1985) e a
ampliaccedilatildeo destas possibilidades levada adiante por Pierre Ducrey (1997 1999) que
situou as pesquisas sobre a guerra no conjunto das disciplinas envolvidas sobretudo
Histoacuteria Antiga e Arqueologia ateacute reflexotildees mais recentes elaboradas por diversas
tradiccedilotildees historiograacuteficas (inglesa francesa neerlandesa) e produzida por vaacuterios autores
(John Keegan Victor Davis Hanson Yvon Garlan Simon Hornblower et al) Estas
interpretaccedilotildees atuais adotaram novas orientaccedilotildees e passaram a estudar novos temas tais
como as relaccedilotildees de gecircnero identidades e subjetividades indiviacuteduo a violecircncia etc
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI
2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo
relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)
que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos
beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura
obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra
a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute
vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda
de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)
Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos
Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida
cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de
Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre
o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma
maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de
Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a
compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos
falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da
Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas
viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com
as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz
Isto eacute o que abordamos a seguir
A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem
evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns
historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na
Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste
tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre
nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo
do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a
guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo
era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de
Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os
perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo
com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar
com certeza que ela era algo natural no mundo antigo
Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas
No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo
antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da
Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P
Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo
antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram
sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo
por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado
ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por
Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)
No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo
belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a
Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca
conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma
espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda
que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os
historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e
a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de
podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica
Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo
tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a
justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)
O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como
parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no
mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a
mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo
sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute
bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava
preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual
mencionado por Alvito
manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem
tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a
tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas
Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em
mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia
(Heroacutedoto I 155)2
Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra
uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua
obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo
transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais
seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro
momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender
sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as
divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma
maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)
Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas
um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura
antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor
se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas
no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de
Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo
Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre
mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum
relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma
seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve
ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio
cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees
2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha
1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας
ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-
δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως
σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 232 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
O historiador italiano Arnaldo Momigliano em ldquoSome observations on causes of
war in ancient historiographyrdquo escreveu que os gregos aceitavam a guerra como um
ldquofato naturalrdquo assim como o nascimento ou a morte (MOMIGLIANO 1966 P 112-
125) Outro que figura entre os principais defensores desta ideacuteia eacute o francecircs Jean Pierre
Vernant que em ldquoProblegravemes de la Guerre en Gregravece Anciennerdquo observa que a guerra
era para os gregos parte do agon sendo assim o que preside as relaccedilotildees humanas algo
comum e natural (VERNANT 1999 P 11-38) Esta linha de raciociacutenio tambeacutem eacute
compartilhada por um outro grande especialista no estudo da Antiguidade trata-se de
Moses Finley que afirma que natildeo havia no mundo antigo uma condenaccedilatildeo especiacutefica de
se atingir determinado objetivo por meio da guerra desta maneira a violecircncia era
inerente ao funcionamento daquelas sociedades (FINLEY 1985 p 67-87) Adrian
Goldsworthy em sua obra jaacute traduzida para o portuguecircs ldquoGenerais Romanos- os
homens que construiacuteram o Impeacuterio Romanordquo interpreta da mesma maneira ele afirma
mencionando o exemplo dos romanos que para estes a guerra parecia ser uma praacutetica
inevitaacutevel uma vez que estava diretamente associada ao expansionismo territorial O
autor nos lembra que o Impeacuterio Romano afinal foi criado e mantido por meio do
exeacutercito sendo seus generais figuras fundamentais neste processo (GOLDSWORTHY
2007)
Eacute possiacutevel encontrar recorrecircncias a estas ideacuteias tambeacutem na historiografia
brasileira Joseacute Geraldo Costa Grillo e Pedro Paulo Abreu Funari por exemplo
discutem em um artigo de forma bastante interessante alguns posicionamentos
relacionados com a historiografia na Antiguidade especialmente com o recorte
especiacutefico da Greacutecia Antiga (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20) Os autores
sintetizam algumas mudanccedilas pelas quais o estudo da guerra na Greacutecia Antiga passou
nas uacuteltimas deacutecadas O mapeamento feito por eles aborda desde a reuniatildeo dos principais
temas da historiografia militar da Greacutecia Antiga feita por Raoul Lonis (1985) e a
ampliaccedilatildeo destas possibilidades levada adiante por Pierre Ducrey (1997 1999) que
situou as pesquisas sobre a guerra no conjunto das disciplinas envolvidas sobretudo
Histoacuteria Antiga e Arqueologia ateacute reflexotildees mais recentes elaboradas por diversas
tradiccedilotildees historiograacuteficas (inglesa francesa neerlandesa) e produzida por vaacuterios autores
(John Keegan Victor Davis Hanson Yvon Garlan Simon Hornblower et al) Estas
interpretaccedilotildees atuais adotaram novas orientaccedilotildees e passaram a estudar novos temas tais
como as relaccedilotildees de gecircnero identidades e subjetividades indiviacuteduo a violecircncia etc
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI
2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo
relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)
que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos
beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura
obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra
a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute
vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda
de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)
Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos
Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida
cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de
Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre
o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma
maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de
Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a
compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos
falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da
Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas
viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com
as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz
Isto eacute o que abordamos a seguir
A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem
evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns
historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na
Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste
tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre
nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo
do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a
guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo
era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de
Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os
perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo
com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar
com certeza que ela era algo natural no mundo antigo
Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas
No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo
antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da
Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P
Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo
antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram
sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo
por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado
ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por
Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)
No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo
belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a
Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca
conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma
espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda
que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os
historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e
a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de
podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica
Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo
tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a
justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)
O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como
parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no
mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a
mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo
sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute
bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava
preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual
mencionado por Alvito
manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem
tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a
tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas
Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em
mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia
(Heroacutedoto I 155)2
Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra
uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua
obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo
transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais
seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro
momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender
sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as
divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma
maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)
Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas
um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura
antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor
se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas
no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de
Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo
Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre
mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum
relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma
seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve
ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio
cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees
2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha
1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας
ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-
δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως
σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI
2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo
relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)
que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos
beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura
obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra
a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute
vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda
de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)
Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos
Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida
cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de
Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre
o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma
maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de
Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a
compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos
falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da
Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas
viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com
as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz
Isto eacute o que abordamos a seguir
A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem
evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns
historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na
Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste
tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre
nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo
do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a
guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo
era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de
Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os
perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo
com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar
com certeza que ela era algo natural no mundo antigo
Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas
No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo
antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da
Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P
Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo
antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram
sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo
por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado
ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por
Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)
No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo
belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a
Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca
conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma
espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda
que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os
historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e
a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de
podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica
Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo
tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a
justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)
O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como
parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no
mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a
mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo
sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute
bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava
preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual
mencionado por Alvito
manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem
tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a
tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas
Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em
mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia
(Heroacutedoto I 155)2
Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra
uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua
obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo
transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais
seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro
momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender
sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as
divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma
maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)
Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas
um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura
antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor
se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas
no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de
Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo
Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre
mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum
relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma
seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve
ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio
cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees
2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha
1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας
ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-
δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως
σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo
com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar
com certeza que ela era algo natural no mundo antigo
Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas
No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo
antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da
Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P
Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo
antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram
sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo
por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado
ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por
Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)
No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo
belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a
Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca
conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma
espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda
que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os
historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e
a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de
podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica
Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo
tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a
justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)
O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como
parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no
mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a
mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo
sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute
bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava
preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual
mencionado por Alvito
manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem
tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a
tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas
Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em
mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia
(Heroacutedoto I 155)2
Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra
uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua
obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo
transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais
seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro
momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender
sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as
divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma
maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)
Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas
um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura
antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor
se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas
no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de
Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo
Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre
mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum
relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma
seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve
ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio
cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees
2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha
1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας
ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-
δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως
σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava
preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual
mencionado por Alvito
manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem
tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a
tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas
Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em
mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia
(Heroacutedoto I 155)2
Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra
uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua
obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo
transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais
seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro
momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender
sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as
divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma
maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)
Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas
um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura
antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor
se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas
no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de
Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo
Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre
mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum
relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma
seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve
ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio
cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees
2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha
1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας
ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-
δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως
σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais
foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que
alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros
exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis
guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo
que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de
batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto
ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a
pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas
No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e
romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro
celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e
certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios
sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e
romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom
exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado
pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a
guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees
esquecendo-se de outras referecircncias
Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um
papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do
impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos
de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os
compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e
lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave
medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o
tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a
Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos
povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY
3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica
Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma
discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados
com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson
(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν
καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o
autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a
habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P
28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma
indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se
envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os
baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma
naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos
periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY
2007 P 29-30)
Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os
gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os
gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a
guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer
outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio
masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego
poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era
a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou
no triunfo (LENDON 2007)
Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo
evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da
historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade
divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de
acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de
escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN
1994 p 47-74)
No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo
tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o
Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de
expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar
trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram
categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos
para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera
que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo
geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos
estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que
alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de
mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as
expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares
(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros
empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas
tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas
interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas
investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)
No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino
Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo
relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de
sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino
Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias
destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a
tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido
amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra
(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que
afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas
minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades
(CARDOSO 1984)
No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma
prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados
ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria
militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido
pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como
acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No
entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias
(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem
apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua
ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma
diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar
trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter
econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo
Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra
estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A
assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os
monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo
ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada
uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo
ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores
formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade
protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o
vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da
identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)
Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave
cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo
era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos
manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais
temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto
(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que
eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre
Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se
ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo
agrave segunda parte de nossa reflexatildeo
Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas
sociedades antigas
Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo
tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem
glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto
vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades
beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos
preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela
guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de
bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma
forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos
novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto
Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos
escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro
I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o
conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras
para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste
artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra
do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais
sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta
questatildeo
Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado
a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que
interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez
isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que
belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo
passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace
in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que
apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas
pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos
casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos
evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites
(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram
fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos
5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ
καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν
γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta
diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em
sua obra
O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como
Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por
exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que
segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da
Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades
tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como
descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior
reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em
que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo
(RAAFLAUB 2007 P 13)
Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para
compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz
para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para
evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico
de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza
em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a
guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades
(RAAFLAUB 2007 P 16-17)
Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja
por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos
entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo
ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios
costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com
ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se
revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui
paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de
intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos
quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes
lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que
ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias
Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo
repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles
virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)
Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o
julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira
posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira
cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma
disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo
grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz
respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos
tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em
sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam
nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB
2007 P 18)
Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a
manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no
julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino
caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a
Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os
atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque
ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi
rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB
2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em
Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio
sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a
historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o
esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada
(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada
exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007
P 21)
Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as
sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta
natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que
a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)
Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que
os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon
argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade
de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado
(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de
avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em
sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso
O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas
natildeo ldquomilitaristasrdquo
Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo
Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela
que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo
masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam
sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para
objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees
militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O
autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos
Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)
O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia
Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de
dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a
esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e
notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta
questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas
de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30
anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos
escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto
(HORNBLOWER 2007 P 23)
Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas
em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na
Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda
as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena
digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso
uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga
No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz
mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os
referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo
encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que
fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello
Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais
na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade
antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como
sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto
para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer
significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo
conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio
submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)
Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem
Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com
diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e
comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo
de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de
ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou
ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como
uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do
sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo
poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais
abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia
(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen
lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era
anocircmala (HANSEN 2006)
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos
(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera
investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha
exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz
Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade
Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um
conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower
invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da
guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade
grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas
ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o
tema
Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da
guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura
isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da
vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou
mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se
aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato
de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em
sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute
mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um
conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)
Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute
uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se
praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do
historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que
os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas
de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda
lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis
Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no
qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver
disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o
autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a
guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean
Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)
Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por
Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos
estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem
eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma
maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem
ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os
exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a
predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma
refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega
(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a
literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando
detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da
literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo
na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas
incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para
evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P
44)
Consideraccedilotildees finais
Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a
guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos
e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema
observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito
mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades
antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por
novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito
mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido
aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores
passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo
da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem
mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um
dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente
ortodoxa da historiografiardquo
O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da
eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se
estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir
se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico
de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram
afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de
Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado
respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute
mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab
Bahrani)
De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas
numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano
com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas
interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de
uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando
povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das
informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente
apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem
reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem
suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente
Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos
elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa
para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a
participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento
de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar
uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se
aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e
Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por
interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes
discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes
seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do
passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo
enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que
levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para
a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc
as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees
devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre
elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e
interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um
fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas
Referecircncias Bibliograacuteficas
A) Documentaccedilatildeo Mencionada
HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII
Londres G Bell 1903-1906
Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de
Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994
JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard
University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932
POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora
Universidade de Brasiacutelia 1996
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de
Brasiacutelia 1987
B) Obras Gerais
ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica
1988
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia
militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C
Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade
Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011
BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New
York Zone Books 2008 (p 159-182)
BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental
Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013
CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de
Janeiro Graal 1984
FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres
Chatoo amp Windus 1985 p 67-87
GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial
Presenccedila 1994 p 47-74
GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio
Romano Lisboa 2007
GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a
guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria
da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010
GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo
SaraivaAtual 2006 v 1 48 p
GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira
Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e
Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146
GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime
(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47
GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de
Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no
Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128
GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In
Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a
Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M
(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007 p 273-299
HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State
Oxford 2006
HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P
VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman
warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299
HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN
P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and
Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53
LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)
The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa
Ediccedilotildees 70 1990
LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology
Los Angeles v 1 November p 1-19 2012
MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient
historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125
PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma
Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em
Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes
Goiacircnia 2011
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007
SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das
periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p
203-228 2013
SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD
Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA
Wiley-Blackwell 2010
SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007
Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788
NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR
VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris
EHESS-SEUIL 1999 p 11-38
VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History
beyond Eurocentrism Cambridge 2007