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  • Teatro Poltico Cepecista: o Auto dos 99%como pea de agitao e propaganda

    Carla Michele Ramos*

    Resumo:

    Palavras-chave:

    A pea Auto dos 99% foi construda pelo Centro Popular de Culturaem 1962 e utilizada pela Unio Nacional de Estudantes durante o perodo pr-golpe na inteno de politizar o pblico estudantil sobre os problemas doensino superior brasileiro. O objetivo deste artigo analisar atravs deste textoo gnero teatral agitprop - agitao e propaganda, principal elemento dadramaturgia cepecista.

    Centro Popular deCultura, Teatro Poltico,Auto dos 99%.

    Nos anos iniciais da dcada de 1960, no perodo pr-golpe, a UnioNacional de Estudantes (UNE) atuou no espao poltico como entidaderepresentativa do movimento estudantil. Essa atuao foi marcada porreivindicaes em prol de mudanas na educao superior brasileira. Astransformaes desejadas pelos universitrios consistiam em melhorias einvestimentos nas instalaes, bibliotecas e equipamentos, alm da extino dosistema de ctedras e permanncia em perodo integral do docente no campusuniversitrio. Realizando em 1962, na cidade de Curitiba, o II Seminrio Nacionalde Reforma Universitria, a entidade, com o objetivo de politizar a massaestudantil acerca dos problemas que debilitavam o ensino superior brasileiro,resolveu encomendar ao Centro Popular de Cultura (CPC) um texto teatral queretratasse essa realidade. A pea criada denominou-se Auto dos 99%, de autoriaconjunta de Antnio Carlos Fontoura, Armando Costa, Carlos Estevam Martins,Cecil Thir,MarcoAurlioGarcia eOduvaldoViannaFilho.

    A forma teatral escolhida foi um auto, que permitia interagir humor edenncias para conscientizar o pblico sobre os problemas que atingiam auniversidade brasileira. Carlos EstevamMartins, presidente do CPC, relatou que otexto foi construdo em uma semana e sua montagem efetiva acontecia durante asprprias apresentaes. Para Sandra Pelegrini a pea procurou enfocar a questoda elitizaodo ensinouniversitrio brasileiro desde os temposda colnia .A reforma universitria estava inserida no projeto de reformas de base, bandeirasde luta que vinham alcanando enorme repercusso no governo de Joo Goulart.Esse perodo foi marcado por fortes agitaes, colocando-se de um ladoinstituies que lutavam por amplas transformaes na estrutura social do pas,como a UNE, as Ligas Camponesas e os partidos polticos de esquerda, e de outro,entidades e setores conservadores que desejavam criar estratgias para derrubarJango, o qual estaria favorecendo adifusode idias comunistas noBrasil.

    Foi nesse cenrio, de grandes mobilizaes e de extremismos de direita ede esquerda, que em 1961 nascia no Rio de Janeiro o CPC. A entidade logo setornou o rgo cultural da UNE e apesar dessa integrao ela possua autonomiaadministrativa, o que possibilitou o surgimento de divergncias entre as diretorias,no seu curto perodode atuao.

    Oduvaldo Vianna Filho, um dos fundadores do movimento cepecista,destacou no texto O artista diante da realidade a necessidade da ligao entregrupos teatrais e entidades polticas, que em sua opinio seria fecunda para umgrandeplanode reformas radicais na estrutura do teatro brasileiro .

    Durante os anos que antecederam o golpe militar, alguns artistasbrasileiros comoVianinha e Augusto Boal organizaram seminrios de dramaturgiacoma intenodediscutir tcnicas de teatro, analisar e debater sobre peas, avaliarcaractersticas e tendncias do teatro moderno nacional, verificar problemasestticos e estudar a realidade artstica e social brasileira. A elaborao dessesseminrios possibilitou uma reflexo sobre a funo social do teatro, fazendo

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    emergir uma concepo de dramaturgia capaz de provocar mudanas, ou seja,o teatro a servio de um projeto de esclarecimento e ao. Duas teorias secolocavamdiscussono encaminhamento depropostas teatrais.

    A concepo brechtiana de arte pode ser identificada nas peas e nostextos redigidos por Vianna, figura importante do movimento cepecista.KathrinSartingendefine essa teoria:

    A teoria de Brecht tem sua fundamentao numa potica marxista,estando a imitao de modelos, caracterstica da sua prxis teatral,sempre vinculada transformao e influncia social. O objetivo da suadialtica aplicada ao teatro transmitir instinto poltico para usar aexpresso deLnin ao espectador. 6

    Todavia, a atuao teatral do CPC desenvolveu-se a partir de umamaior aproximao dramaturgia de Erwin Piscator, uma arte de gneroagitprop (agitao e propaganda). Essa forma teatral foi utilizada pelosrevolucionrios russos aps a vitria bolchevique em 1917, para difundir epropagar suas idias scio-polticas. No caso do movimento cepecista aproposta era alcanar as massas populares em seus diferentes espaos -associaes, ruas e sindicatos - provocando atravs de denncias e

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    E ento a gente viu pela pea at agora que aqui no Brasil fica sempre de fora, nessacoisa estudantil de entrar para a faculdade, uma parte pondervel de nossa mocidade.Salve! Salve! Quem analfabeto 57%, 57%, 57%, no vai pra faculdade. Quem no fezginasial 67%, 67%, 67%, no vai pra faculdade. Quem no fez cientfico 71%, 71%,71%, no vai pra faculdade. Quem no tem dinheiro ou vira beatnik, no vai prafaculdade. Deu: 99%, 99%, 99%. Logo, entra na faculdade um por cento do povobrasileiro! Viva o um por cento! Viva o um por cento! Do povo do Brasil! E o resto... e oresto... e o resto... Vai ficar sem estudar.

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    Autodos 99%as an agit-propdrama

    The drama Autodos 99% was produced in 1962 by CPC - PopularCenter of Culture. The National Union of Students played it with theintention of engaging politically the students and discussing someproblems concerned to Brazilian University before the 1964 coup d'tat.This article aims to analyze this piece - Auto dos 99% - and discuss theagitprop theatre gender agitation and propaganda as an important elementof CPCdrama.

    Popular Center of Culture (CPC), Political Theatre, Auto dos99%.

    Political CPCTheatre:

    Abstract:

    Keywords:

  • propagandas polticas de conscientizao e deposicionamento crtico dopblico.Piscator criou um teatro que realizou a ligao entre os intelectuais e a

    massa. Com o objetivo de despertar o pblico para a tomada de poder, eleinstrumentalizou a arte e a colocou a servio da revoluo. Essa concepo teatralem torno das questes polticas e culturais possibilitou a difuso de uma arteengajada e popular no sentido de realizar profundas transformaes estruturais. Aarte, para os cepecistas que adotaramaperspectiva desse autor, tinha o objetivo dedespertar o homem para uma reflexo crtico-social. O teatro passou a serutilizado como instrumento de luta no processo revolucionrio e a cena teatral foicolocada disposio da conscientizao e da ao.

    Anecessidade urgente e inadivel da reformauniversitria era a idia quese pretendia passar atravs do auto encenado pelo CPC. Os autores procuraramconstruir um contexto onde o pblico no s se deparasse com os problemas queatingiam a universidade brasileira, mas tambm que, entrando em contato comessas informaes, ele pudesse indignar-se a tal ponto que passasse a apoiar areivindicao estudantil.Na pea, o 'Coro' aparecia em alguns momentos com a finalidade de denunciar osproblemas da educao superior destacando que a Universidade como umacasinha fedorenta... cabide de emprego, lugar de sossego! A inteno da pea erafazer com que o espectador, ao se deparar com essas acusaes, adotasse umaatitude revolucionria, capaz de agir no sentido de provocar profundastransformaes no meio social. O gnero agitacional, utilizado pela entidadecepecista, pode ser tambm visualizado na pea a partir da fala do personagem'Estudante', ao se expressar da seguinte forma:

    possvel verificar nessa fala a atitude do personagem que vai alm dasimples constatao da necessidade de uma reforma universitria. O 'Estudante'resolve aderir luta contra a alienao, que nesse caso impede a construo deuma educao voltada para a consolidao dos interesses nacionais. A peaapresentava a reivindicao da UNE pela reforma universitria e tambmcolocava em questo a participao poltica do jovem, que estaria amadurecendonoprocesso demobilizaes das entidades estudantis.

    Artur Poerner construiu uma elaborada anlise sobre o papel poltico doestudante brasileiro, o que lhe permitiu afirmar que a motivao de protesto nocampo poltico desse jovem era oriunda da profunda decepo quanto maneiracomo o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta contra o modopelo qual ele dirigidonopresente e deuma entusistica disposio de govern-lode outra forma no futuro. interessante destacar que essa interpretao dePoerner pode ser relacionada com a periodizao utilizada na pea Auto dos 99%.O texto faz uma anlise da elitizao da educao universitria, procurando umponto de origem da situao vivida; nesse sentido, procura contextualizar aproblemtica desde a chegada dos portugueses ao Brasil at os dias atuais.Denunciando o sistema vigente, o personagem 'Estudante', atravs da revolta,apresentava o desejo de investir no projeto de mudanas. Assim, atravs desseauto, podemos refletir sobre o papel atribudo atividade poltica-cultural daunio estudantil, papel social quemuitos jovens acreditavamvivenciar.

    Na concepo de ao adotada a partir da teoria marxista-leninista, quevigorava no pensamento de esquerda da poca, a vanguarda s poderia serassumida por uma entidade capaz de utilizar a denncia como instrumento defora poltica e atravs dela promover entre asmassas populares lucidez e tomadade poder. Sendo assim o sentido de arte popular que o CPC apresentou em seuAnteprojeto doManifesto consolidava por meio de suas prticas esses elementos.Esse documento foi elaborado pela administrao da entidade, que na poca eracoordenada pelo socilogo Carlos Estevam Martins. Pela proposta, essa arte teriacomo inspirao os princpios polticos, proporcionando assim umdilogo diretoe revolucionrio com o povo . Portanto, o artista teria a misso de despertar aconscincia poltica da populao e sua atuao deveria identificar-se com a lutacoletiva.

    Martins destacou nesse manifesto o posicionamento do CPC em relaos mobilizaes sociais: podemos bem avaliar enquanto atuamos como artistas aimportncia que tm as armas culturais nas vitrias do povo e o valor queadquirem as idias quando penetramna conscincia dasmassas e se transformamempotnciamaterial

    O presidente cepecista via a atividade dos artistas como necessria efundamental emancipao popular, aproximando-a da dramaturgiapiscatoriana, atravs da qual o CPC procurava conduzir o teatro em direo aosprincpios polticos aos quais se filiava.

    A postura poltica da entidade cepecista pode ser compreendida atravsda pea Auto dos 99%. Esse auto foi construdo com a inteno de politizar amassa estudantil em relao reforma universitria. Para conquistar a adeso dopblico, as falas das personagens foram montadas com o objetivo de provocarindignao com o sistema universitrio vigente, tendo em vista uma possvelmobilizao por parte dos espectadores. Nesse sentido Carlos Estevam Martinsrevelou num depoimento o projeto de ao do movimento cepecista revelando

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    O que euvi os olhosme abriu.AUniversidadehmuito tempo existe.Masnunca se lembroudoBrasil.Vou contar, vou falar, voudenunciar:A alienaoprecisa acabar. 8

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    que era necessrio aumentar as fileiras, politizando as pessoas a toque decaixa, para engrossar e enraizar omovimento pela transformao estrutural dasociedade brasileira.

    Nas dcadas posteriores, as posturas adotadas pelo Centro Popular deCultura foram extremamente criticadas. Expresses como paternalista epopulista passaram a ser utilizadas para definir a atuao da entidade.Marilena Chau aponta que ao defender uma vanguarda para instruir o povo,utilizando para isso uma arte popular revolucionria, o movimento agiu demaneira inconsciente e autoritria, construindo uma noo instrumental dacultura e do povo. Para essa autora o CPC, ao afirmar que fora da artepoltica no h arte popular , anulou outras formas de comunicao com asmassas, caracterizando seu mtodo como nico e verdadeiro. Isso permitiuaos crticos diferentes interpretaes sobre a relao construda pela entidadeentre os artistas e o povo.Para Jos Arrabal, o movimento cepecista ao tomar para si o papel devanguarda, superestimou a atividade intelectual, subordinando o povo aosseus ideais e apresentando a massa popular como passiva e inculta. Issopossibilitou a esse autor afirmar que a pea Auto dos 99% era calcada nodesejo de consolidao do papel do estudante consciente como algumcomprometido com a massa ingnua e passiva, compromisso que deveimpulsionar esse estudante a sua condio de vanguarda esclarecedora dadireode luta dessamassa.

    Por outro lado, no que se refere dramaturgia, o CPC entendia que sse poderia realizar conscientizao emmassa atravs de uma arte voltada paraquestes polticas. O que possvel compreender na atuao cepecista aformaodeum teatro direcionadopara o seguinte fim: aumentar o nmerodemilitantes na luta por mudanas no cenrio poltico e econmico brasileiro.Eramuitomais do queumaarte de protesto, era uma arte de propaganda.

    A principal influncia, verificada nas peas cepecistas, como vimos,foi do dramaturgo alemo Erwin Piscator, que apontava a arte compossibilidade de agir do ponto de vista poltico, propagandstico e educativo.Essas trs caractersticas, colocadas pela dramaturgia piscatoriana sopossveis de serem identificadas noAutodos 99%.Apea, ao contextualizar aquesto da elitizao do ensino superior no Brasil procurou propagar aopblico a idia da reforma universitria. Num dos momentos encenados noauto o personagem 'Estudante' deseja participar de uma reunio de diretrioonde s era possvel a presena de docentes. Ao desobedecer, o jovem entra nareunio e resolve dizer o quepensa sobre a universidade:

    A inteno era que o pblico estudantil que participava doscongressos e assemblias organizados pelaUNE se reconhecesse atravs dessepersonagem e acabasse concordando e desejando aquilo que foi exposto. O'Estudante', nessa fala, parece ter o papel de instruir o pblico acerca dosproblemas que atingiam o ensino superior. Esse personagem ainda acrescentaem sua fala que quantos mais estiverem lcidos de sua vida e de seu destinomais homens seremos. A lucidez a que ele se refere pode ser a conscinciaque deve ser adquirida pelo povo sobre a necessidade de mudanas naestrutura social do pas, uma lucidez capaz de organizar os homens em tornodeumdeterminadoprojeto poltico.

    Como j vimos, uma das crticas dirigidas ao CPC estava referida aoconceito de arte popular defendida pelo movimento. Essa concepo decultura popular aparece no Anteprojeto do Manifesto ligada s aspiraes dopovo. Popularizar, para os cepecistas, era politizar a massa, visando suscitarno indivduo sua condio de pertencimento a um grupo, e apesar do artistano pertencer necessariamente aos quadros da classe explorada, era ele quempossua a tarefa de educar, iluminar e mobilizar parte da sociedade que seencontrava alienada ao sistemavigente.

    Ferreira Gullar, um dos tericos dessa entidade, afirmou que um dosseus pontos mais importantes era atingir massas totalmente marginalizadasda vida cultural, analfabetas, transmitindo um nmero de conhecimentobsico para se situarem na realidade social do pas. Investir na culturapopular, portanto, para o movimento cepecista, fazia parte de um projetopoltico que tinha como fundamentao uma arte direcionada luta coletiva,uma ao que estava associada realidade material do povo. Um exemplo decomo a cultura popular caracterizou as atividades cepecistas pode sercompreendido atravs da influncia do Movimento de Cultura Popular nestaentidade. Essa organizao criada em Recife no ano de 1961, e que teve comomaior expoente Paulo Freire, promoveu atravs da educao e da culturavrias campanhas de alfabetizao comampla participao estudantil.O conceito de arte popular revolucionria, nos moldes apresentados noAnteprojeto - ou seja, uma arte de pedagogia poltica com a inteno deconscientizar emobilizar o povo - avaliadopor JoodasNeves:

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    Professor. Me entenda, professor. Sou eu que sei. A Universidade minha,no sua. Sou eu que sei. ruim.No est certa. Falta tudo. chata, burra, melanclica, desinteressada, covarde...Preciso que gastem mais comigo,professor. Quero aulas melhores, professores menos cansados, quero lugarpara praticar, lugar para discutir...Quero que mais gente estude, quero quemais gente pense. Esta faculdade est fechada, professor! S entra aquidentro quem j temsua vida garantida custa dos outros. 17

  • Normalmente, as pessoas avaliam o CPC a partir de um documento escrito porCarlos EstevamMartins, em que ele coloca a sua posio e a da corrente que eleliderava, no que diz respeito arte popular revolucionria etc. Ora, essedocumento era para discusso interna e nunca pretendeu ser um manifesto doCPC.Mas, como amaioria dos documentos foramqueimados, os 'pesquisadores'passaram a tirar ilaes apenas dali. Quer dizer, era a viso de um homemprofundamente inteligente,mas um intelectual de gabinete, que via as coisas defora para dentro, sem mergulhar nos acontecimentos, sem tirar dedues maisricas emais profundas.

    Brecht pra mim... artista antes de ser homem. consciente de suasresponsabilidades... Brecht faz um teatro tico. Exclusivamente tico. A artepara ele o que trata da tica instintiva do homem que ele apanhaempiricamente da realidade e que s a arte pode organizar e dirigirconscientemente.

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    Todavia, os estudos relacionados ao Centro Popular de Culturanormalmente se utilizam do Anteprojeto do Manifesto quase como umdocumento nico, sem mencionar outras fontes, como por exemplo, textosescritos pelos outrosmembros ativos dessemovimento.

    Oduvaldo Vianna Filho foi um dos responsveis pela criao do CPC, aose retirar do Teatro de Arena de So Paulo resolveu organizar um grupo em tornode uma nova forma teatral. Pretendia constituir um teatro ajustado capacidadeintelectual do povo brasileiro, uma dramaturgia otimista, violenta, stira erevoltada. A influncia de Brecht pode ser verificada tanto em suas peas comoem documentos redigidos durante sua atuao em diferentes grupos teatrais. Emseu texto Alienao e Irresponsabilidade sua admirao por Brecht pode sercompreendida quandoodramaturgo brasileiro declara:

    Vianna tambm foi um dos autores da pea Auto dos 99%, uma stirapoltica marcada pelo riso de zombaria. As figuras e os fatos histricos soridicularizados, como no momento em que D. Joo retrata sua chegada ao Brasil:Ai! Que tenho as ndegas em fogo de tanto correr! Pois, pois, j que temos de ficarnesta colnia, que se abram os portos, que se criem escolas e alfaiatarias e casas depasto e, basta de aporrinhao! Que venham mulatas, os frangos, e o meu ricodinheirinho.

    Em relao presena das teorias de Bertolt Brecht no teatro cepecista,Carlos Estevam Martins revelou em seu depoimento que quando Chico de Assisfalava em aplicar tcnicas brechtianas, ele dizia: nada de Brecht por aqui, pois eleno entendia nada daquilo que eles estavam fazendo. possvel analisar, pormeio dessa atitude de Martins, que o espao interno da entidade foi palco deconflitos entre aqueles que desejavam fazer da arte um instrumento de pedagogiapoltica e os artistas que possuampretenses profissionais desejosos de um teatromais dialtico.

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    Notas

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    Levados pela experincia da Revoluo Cubana e pelas agitaes deesquerda durante o governo de Goulart, grande parte dosmembros cepecistasacreditavamviver umprocesso revolucionrio, da a urgncia damobilizao,e talvez por isso a aplicaomuitomaior dos princpios de Piscator do que dasteorias brechtianas na arte teatral.

    A prtica teatral para Brecht se revelava nonvel de conscincia,masno no nvel da ao , ou seja, o pblico deve ser inserido em situaes,sendo convocado a tomar uma atitude diante da realidade apresentada. Oteatro de Brecht um espao de anlises, onde a platia convidada acompreender as relaes sociais com certa noo crtica, se posicionandomediante a problemtica que est sendo retratada.

    possvel interpretar que a urgncia da revoluo, idia queprevalecia entre os cepecistas, fez com que essa etapa de reflexo e de umestudo mais aprofundado das questes sociais fosse deixada muitas vezes emsegundo plano, pois no havia tempo para tal coisa, e a que o teatro polticode Piscator encontrou sua grande dimenso. A agitao provocada pelasdenncias acabava por emitir no pblico o sentimento de indignao e atravsdessa inquietao amassa era conduzida a tomar uma postura revolucionria.A vasta produo emcurto perodode existncia pode apoiar essa anlise.

    O teatro cepecista utilizou recursos que pudessem conduzir aoprincipal objetivo de sua atuao: engrossar a camada revolucionria. Nodecorrer da pea Auto dos 99% existem vrias denncias, como a exploraoda mo-de-obra indgena e negra, discriminao racial, privilgios daquelesque possuem maior poder aquisitivo e por fim insuficincia por parte doseducadores e m administrao pblica. O auto no parece realizardiscusses ideolgicas e nem apresentar situaes onde o pblico deveriaescolher umposicionamento. Os fatos retratados vo estimulando indignaoe conduzindo o pblico a umadeterminada ao, nesse caso o engajamento naluta pela reformauniversitria.

    Atravs do Anteprojeto do Manifesto torna-se possvel entender aidia de arte popular revolucionria, que prevalecia na entidade cepecista.Como fonte de grande importncia esse documento deve ser utilizado comoreferncia atuao do CPC no campo cultural, mas sua compreenso nopode ser efetuada isoladamente, pois poderamos acabar julgando omovimento comopaternalista e opressor.

    A pea Auto dos 99% representou, no que diz respeito arte cnica, aelevao do teatro aos princpios polticos e atravs desse texto foi possvelperceber como a arte pode ser instrumentalizada num determinado contextosocial, a servio deumprojeto poltico.

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    * Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Estadual doOeste doParan Unioeste. Endereo eletrnico: [email protected] PEIXOTO, Fernando. O melhor do teatro do CPC da UNE. So Paulo: Global. 1989,p.117/1182 O Centro Popular de Cultura foi um movimento cultural que iniciou suas atividades noRio de Janeiro em1961. Formado por artistas, estudantes emilitantes do Partido ComunistaBrasileiro, essa entidade desenvolveu projetos de conscientizao e propagao de idiasrevolucionrias atravs de teatro, msica, cinema e projetos de alfabetizao. Nesse estudoa referncia oCPCdaUNE.3PELEGRINI, Sandra de Cssia Arajo. A Reforma Educacional da UNE nos anos 60. In:SILVA, Zlia Lopes da. (org.) Cultura histrica em debate. So Paulo: Editora daUniversidadeEstadual Paulista. 1995, p.1404 VIANNA FILHO, Oduvaldo. O artista diante da realidade. 1960. In: PEIXOTO, Fernando.(org.). Vianinha: Teatro Televiso Poltica. SoPaulo: Brasiliense. 1983, p.785 GARCIA, Miliandre. A questo da cultura popular: as polticas culturais do CentroPopular de Cultura (CPC) da Unio Nacional dos Estudantes (UNE). Revista Brasileira deHistria. SoPaulo, v.24, n47, p.127-162, 2004, p.130/1316SARTINGEN,Kathrin. Brecht no teatro brasileiro. SoPaulo:Hucitec. 1998, p. 1577PEIXOTO, Fernando.Omelhor do teatro doCPCdaUNE. SoPaulo:Global. 1989, p.1288 Ibidem, p.129/1309 POERNER, Arthur Jos. O poder jovem: histria da participao poltica dos estudantesbrasileiros. 2 ed. RJ: CivilizaoBrasileira. 1979, p. 3210 MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura,1962. In: HOLANDA, Helose B. de. Impresses de Viagem CPC, Vanguarda e Desbunde:1960 -1970. RJ: Rocco. 198111 Ibidem, p.13212MARTINS, Carlos Estevam.Histria doCPC. In: Arte emRevista, n 3, So Paulo: Kairs.1980, p.79

    13 CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. SoPaulo: Cortez. 2000, p.6114 MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular deCultura, 1962. In: HOLANDA, Helose B. de. Impresses de Viagem CPC, Vanguarda eDesbunde: 1960 -1970. Rio de Janeiro: Rocco. 1981, p.13115 ARRABAL, Jos. O CPC da UNE (notas sem nostalgia). In: ARRABAL, Jos; LIMA,Maringela Alves de. O nacional e o popular na cultura brasileira. So Paulo:Brasiliense. 1983, p.12716PISCATOR, Erwin. Teatro Poltico. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira. 1968, p.3917 PEIXOTO, Fernando. O melhor do teatro do CPC da UNE. So Paulo: Global, 1989.p.132/13318 Ibidem. p.13319 GULLAR, Ferreira. Cultura Popular e Cultura e Nacionalismo. In: Arte em Revista,n 3, SoPaulo: Kairs. 1980, p.8420 BARCELOS, Jalusa. CPC da UNE: uma histria de paixo e conscincia. RJ: NovaFronteira. 1994, p.262/26321VIANNAFILHO,Oduvaldo. DoArena ao CPC. 1962. In: PEIXOTO, Fernando. (org.).Vianinha: Teatro Televiso Poltica. SoPaulo: Brasiliense. 198322 Idem.Alienao e Irresponsabilidade. 1960. In: PEIXOTO, Fernando. (org.).Vianinha: Teatro Televiso Poltica. SoPaulo: Brasiliense. 1983, p.6023 PEIXOTO, Fernando. O melhor do teatro do CPC da UNE. So Paulo: Global, 1989,p.11424 MARTINS, Carlos Estevam. Histria do CPC. In: Arte em Revista, n 3, So Paulo:Kairs. 1980, p.8125 PEIXOTO, Fernando. O que teatro. So Paulo: Nova Cultural/Brasiliense. 1986,p.21