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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
NCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS E SADE
ISADORA NUNES BARBOSA RAMOS
SUICDIO: UM TEMA POUCO CONHECIDO NA
FORMAO MDICA
RIO DE JANEIRO
2011
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ISADORA NUNES BARBOSA RAMOS
SUICDIO: UM TEMA POUCO CONHECIDO NA FORMAO MDICA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao do Ncleo de Tecnologia
Educacional para a Sade, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para
obteno do grau de Mestre em Educao em
Cincias e Sade.
rea de Concentrao: Ensino de Cincias e
Matemtica.
Orientadora: Prof.a Dr.
a Eliane Brgida Morais Falco
RIO DE JANEIRO
2011
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Ramos, Isadora Nunes Barbosa. Suicdio: um tema pouco conhecido na formao mdica / Isadora
Nunes Barbosa Ramos. Rio de Janeiro: Nutes, 2011. 90 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Eliane Brgida Morais Falco. Dissertao (mestrado) -- UFRJ, Nutes, Programa de Ps-
graduao em Educao em Cincias e Sade, 2011. Referncias bibliogrficas: f. 84-86.
1. Suicdio Preveno e controle. 2. Formao mdica. 3. Residentes (Medicina). 4. Suicdio Estatstica e dados numricos. 5. Educao em Cincias e Sade - Tese. I. Falco, Eliane Brgida Morais. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nutes, Programa de Ps-graduao em Educao em Cincias e Sade. III. Ttulo.
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Isadora Nunes Barbosa Ramos
SUICDIO: um tema pouco conhecido na formao mdica
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-Graduao Educao em
Cincias e Sade, Ncleo de Tecnologia
Educacional para a Sade, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial obteno do Ttulo de Mestre em
Educao em Cincias e Sade.
Aprovado em __________________________________
______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Brgida Morais Falco UFRJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Nelson Spector UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins UFRJ
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Dedico este trabalho vida.
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AGRADECIMENTOS
Profa. Eliane Brgida Morais Falco, pela orientao que possibilitou a realizao deste
trabalho.
Ana Ferrara e Isabel Quental que me apresentaram ao Projeto Comviver, inspirao para
este trabalho.
Ao meu pai pelo incentivo e dedicao em me ajudar em todos os momentos da minha vida,
sempre dando um jeito de remover os obstculos do meu caminho.
s minhas colegas de laboratrio Cristiana Valena, Luana Ferreira de Almeida e Alessandra
Guida pela fora e apoio que me deram ao longo destes dois anos.
s minhas amigas, sempre comigo em todas as horas, em especial minha amiga Daniela
Azeredo que colaborou de forma imprescindvel, disponibilizando seu computador, para a
finalizao da dissertao.
s minhas primas Carolina Nunes, Joanna Nunes e Amanda Cardoso por me receberem em
sua casa inmeras vezes para que eu utilizasse a internet, sem a qual seria impraticvel a
concluso deste trabalho.
s professoras Maria Tavares e Ivone Cabral pela contribuio dada no exame de
qualificao.
equipe da Clnica da Gvea que sempre me apoiou, em especial Dra Anna Simes e
Rodrigo Torres, meus superiores que flexibilizaram meus horrios de trabalho para a
realizao do mestrado.
minha analista que me d grande suporte no enfrentamento de novos desafios.
minha av Maria Helena (in memorium) pelos sbios conselhos e orientaes que me deu
ao longo da vida e pelos quais serei eternamente grata.
Aos funcionrios da Ps Graduao do Nutes Lcia e Ricardo, sempre dispostos a esclarecer
dvidas e fornecer informaes necessrias para a concluso deste trabalho.
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RESUMO
RAMOS, Isadora Nunes Barbosa. Suicdio: um tema pouco conhecido na formao
mdica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertao (Mestrado em Educao em Cincias e Sade)
Ncleo de Tecnologia Educacional para a Sade. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
2011.
Esta pesquisa foi realizada em instituio federal pblica universitria com o objetivo
de melhor conhecer vises, valores e atitudes dos mdicos residentes em Clnica Mdica e em
Psiquiatria em relao ao suicdio. Trabalhou-se com o conceito de representao social
(Moscovici) e a metodologia qualiquantitativa do discurso do sujeito coletivo (DSC) (Lefvre
e Lefvre). Os discursos revelaram que os mdicos residentes, tanto em Clnica Mdica
quanto os de Psiquiatria, se apresentam sensibilizados com a questo do suicdio, entretanto
no familiarizados com a bibliografia especializada e nem com os procedimentos de
atendimento j normatizados pelo Ministrio da Sade e pela OMS. Os pesquisados de ambos
os grupos revelaram dificuldades para identificar e prestar atendimento a pacientes em risco
de suicdio, ainda que os residentes em psiquiatria tenham apresentado maior segurana ao se
expressarem em relao ao tema em questo. Conclui-se que parece faltar formao mdica
(graduao e residncia) maior ateno ao tema suicdio.
Palavras-chave: Suicdio; Mdicos Residentes; Formao Mdica; Preveno.
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ABSTRACT
RAMOS, Isadora Nunes Barbosa. Suicdio: um tema pouco conhecido na formao
mdica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertao (Mestrado em Educao em Cincias e Sade)
Ncleo de Tecnologia Educacional para a Sade. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
2011.
The present research was held in a federal university and its purpose is to get more
acquainted with opinions, values, and actions of intern resident physicians and psychiatry
resident physicians when it comes to suicide issues. The research comprises the concept of
social representation (Moscovici) and the discourse of the collective subject (DCS) quali-
quantitative analysis (Lefvre and Lefvre). Discourses revealed that both intern and
psychiatry resident physicians were sensitized with the suicide issue, although unacquainted
with specialized bibliography on the matter or health care procedures standardized by
Ministry of Health and WHO (World Health Organization). Consulted professionals of both
groups reported difficulties to identify and tend patients in suicide risk, although those in
psychiatry residency had shown more confidence when approaching the subject. Therefore,
the conclusion is that medical degree (undergraduate and residency programs) seems to lack
of proper attention to the suicide matter.
Keywords: Suicide; Resident Physicians; Medical degree; Prevention.
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................
1. AS DIFERENTES ABORDAGENS PARA O SUICDIO ........................................... 1.1 Abordagens histricas, sociais e religiosas ..................................................................
1.2 Abordagens psicolgicas e psicanalticas para o suicdio ............................................
1.3 A abordagem mdica para o suicdio ...........................................................................
2. DADOS EPIDEMIOLGICOS DO SUICDIO NO BRASIL E NO MUNDO ..........................................................................................
2.1 Dados sobre as taxas mundiais e nacionais de suicdio e a relao
com a idade e o gnero ......................................................................................................
2.2 Dados sobre os fatores de risco para o suicdio ...........................................................
3. POLTICAS DE SADE PARA A PREVENO DO SUICIDIO NO BRASIL .....................................................................................................................
3.1 Orientaes da OMS a mdicos clnicos gerais para o atendimento a
Pacientes em risco de suicdio ...........................................................................................
4. O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA RESIDNCIA EM CLNICA MDICA .................................................................................................
5. OBJETIVOS E METODOLOGIA ................................................................................. 5.1 Objetivo Geral .............................................................................................................. 5.2 Objetivos especficos .................................................................................................... 5.3 Metodologia ..................................................................................................................
6. RESULTADOS .............................................................................................................. 6.1 Resultados referentes aos residentes em Clnica Mdica ............................................. 6.1.2 Dados dos questionrios ............................................................................................
6.2 Resultados referentes aos residentes em Psiquiatria .....................................................
6.2.1 Dados dos questionrios ............................................................................................
7. DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................................................................
CONCLUSO ...................................................................................................................
REFERNCIAS ................................................................................................................
ANEXOS
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INTRODUO
Minha experincia profissional com o tema da morte e do suicdio comeou ao longo
do curso de especializao em Terapia de Famlia no IPUB-UFRJ1 durante o atendimento
psicolgico s mais diversas pessoas que procuravam o setor, entre as quais familiares que
haviam perdido entes prximos por suicdio. Naquele momento, j exercendo o papel de
psicloga, sentia a necessidade de confort-los, tentando mostrar que a morte faz parte da vida
sendo, ento, algo que no podemos negar.
J no final do curso, participei de um projeto chamado ComViver, uma das aes
implementadas com a Estratgia Nacional de Preveno do Suicdio, do Ministrio da Sade,
em 2006, responsvel pelo atendimento aos sobreviventes do suicdio, familiares e amigos
de algum que se suicida. Alm do acompanhamento a tal clientela especfica, o projeto, a
partir de telefonemas, tambm fazia o encaminhamento daqueles que apresentavam outras
demandas. Essas demandas vinham de pessoas em intenso sofrimento, buscando ajuda aps
tentativa de suicdio ou familiares/amigos preocupados com algum prximo que atentou
contra a prpria vida. Com base em levantamento de instituies pblicas e/ou servios de
sade pblica que ofereciam atendimento psiquitrico e psicolgico, realizado pela equipe,
fazamos, por intermdio de telefonemas, o encaminhamento e monitoramento dos casos a
fim de verificar a chegada ao servio e o atendimento recebido.
Foi neste momento de monitoramento que passamos a ouvir relatos de pessoas que
chegando ao servio de sade pblica devido a tentativa de suicdio ou ideao suicida, se
sentiram discriminadas pelos profissionais de sade como enfermeiros e mdicos. Tal
discriminao, segundo os relatos, se manifestava na pouca ateno, no tratamento hostil ou
ironia diante do quadro. Aps meses de atendimentos, constatamos que a maior parte dos
pedidos de ajuda partia de familiares e amigos de pessoas que estavam em sofrimento, com
ideaes suicidas, ou familiares de pessoas com transtorno mental, inclusive com histrias de
tentativa de suicdio e que buscavam orientao para encontrar tratamento especializado na
rede de sade, principalmente pblica, diante das dificuldades financeiras.
Informaes mais amplas confirmam essa demanda de atendimento e descrevem o
aumento das mortes por suicdio no mundo, do nmero de tentativas e a necessidade de
ateno a esses casos. Dados da Organizao Mundial de Sade OMS (Manual dirigido a
profissionais das equipes de sade mental do Ministrio da Sade Brasil, 2006) estimam
1 Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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que o nmero de mortes por suicdio, em termos globais, para o ano de 2003 girou em torno
de 900 mil pessoas, constituindo uma das dez maiores causas de morte em todos os pases e
uma das trs na faixa etria de 15 a 35 anos. Em indivduos entre 15 e 44 anos, o suicdio a
sexta causa de incapacitao e 1,4% do nus global ocasionado por doenas no ano 2002 foi
devido a tentativas de suicdio que, segundo a estimativa, chegar a 2,4% em 2020. O
fenmeno do suicdio caracteriza-se, tambm, por comprometer um complexo de relaes
sociais. Para cada suicdio h, em mdia, cinco a seis pessoas entre amigos e parentes,
prximas vtima que sofrem intensas consequncias emocionais, sociais e econmicas. Ao
entrarem em contato com a morte por suicdio, tornam-se um grupo com risco aumentado de
repetir o mesmo ato, uma vez que este passa a fazer parte da realidade destas pessoas e a
configurar uma sada a ser considerada diante das dificuldades. Dessa forma, o atendimento
aos sobreviventes, entendendo estes conforme explicado acima, tambm se faz necessrio
para a preveno.
A investigao acerca do suicdio pode e deve ser feita a partir de diferentes
perspectivas como a da histria, da epidemiologia e da sociologia. Entretanto, ainda
considerando a base de contribuies das mencionadas reas, o interesse desta dissertao
concentra-se na perspectiva da formao mdica na especialidade de Clnica Mdica. O quo
familiarizados esto os mdicos residentes, em relao ao problema do suicdio, a ponto de
contriburem para a sua preveno?
O presente estudo faz parte de um amplo projeto de pesquisa intitulado
Representaes Sociais e Ensino da Morte na rea da Sade (professores e estudantes) e
no Ensino Mdio (professores e estudantes) coordenado pela Prof.a Eliane Brgida Morais
Falco (NUTES/UFRJ) e financiada pelo CNPq/CAPES. A escolha do grupo deveu-se ao
interesse pela investigao da formao mdica no que diz respeito ao lidar com o suicdio,
dando continuidade a outras pesquisas, sobre o tema da morte, j realizadas pelo LEC/
NUTES/ UFRJ2.
Os estudantes da graduao em medicina dessa mesma instituio foram investigados
a partir de uma pesquisa realizada por Freitas (2005) na qual se objetivou estudar a insero
da morte como tema de relevncia no ensino mdico. Atravs da anlise de questionrios
aplicados a estudantes do incio e do final do curso de medicina, o autor buscou compreender
a evoluo da percepo dos estudantes a respeito do papel do mdico diante dos pacientes
morte, assim como identificar as expectativas quanto a melhor forma de abordagem do
2 Laboratrio de Estudos da Cincia do Ncleo de Tecnologia Educacional para a Sade da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
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assunto durante o curso e a avaliao dos estudantes em final de curso sobre como o tema foi
abordado. A anlise dos resultados identificou que os dois grupos mencionaram um conjunto
de papis, sendo dez em comum, relacionados ao desempenho da funo do mdico no
acompanhamento ao paciente morte. Esses papis foram agrupados de forma a se resumir
em trs principais: a importncia de dar ao paciente uma morte digna, o cuidado a famlia do
paciente e os aspectos legais do bito. Concluiu-se que no houve mudanas qualitativas na
percepo dos estudantes no que se refere ao papel do mdico no acompanhamento desses
pacientes e que eles percebem a importncia da relao mdico-paciente nesse contexto. No
que se refere abordagem do tema da morte ao longo do curso, percebeu-se que no incio os
estudantes tm expectativa de que a faculdade os capacite a desempenhar os papis
mencionados, entretanto no final do curso admitiram que a abordagem do tema no tinha sido
satisfatria e que, portanto, no se consideravam capazes de acompanhar tais pacientes.
Esses resultados foram semelhantes aos encontrados em outra pesquisa realizada, por
Falco e Lino, em uma faculdade de medicina. Ainda que esta faculdade no seja
caracterizada como instituio de pesquisa, como o caso da instituio pesquisada por
Freitas (op.cit.), mostrou-se que as dificuldades em relao morte so as mesmas (FALCO
E LINO, 2004).
O corpo docente da instituio federal mencionada, tambm foi investigado a partir da
pesquisa desenvolvida por Falco e Mendona (2008). Esse estudo teve como objetivo
conhecer as concepes, vises e valores de mdicos docentes, envolvidos em ambiente de
formao e produo cientfica, em relao ao processo de morrer. Os resultados mostram
quatro pontos em comum nos discursos dos pesquisados sobre a pergunta: O que representa
para os mdicos docentes lidar com pacientes em processo de morrer ou morte? Em
primeiro lugar, os mdicos percebem sofrimentos em si prprios e nos estudantes, em
segundo identificam um despreparo dos alunos para lidar com tal situao. O terceiro ponto se
refere aos diversos sentidos da morte produzidos por professores e alunos. Por ltimo,
percebe-se o predomnio da perspectiva da biomedicina como reguladora e limitadora da
compreenso do contexto em que se insere o paciente morte. Os docentes foram formados a
partir dessa perspectiva, que continua a ser oferecida aos estudantes. Um outro ponto
importante levantado na discusso dos resultados da pesquisa, que os mdicos docentes no
se percebem responsveis pelo comportamento dos alunos diante da situao de morte,
deixando de notar que suas posturas se refletem nas atitudes dos alunos. A atuao dos
mdicos docentes, dos alunos e a formao aparecem como trs componentes desarticulados,
sem interao.
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A concluso feita por Falco e Mendona (2008) aparece como uma boa reflexo
acerca da abordagem do tema da morte humana no contexto do ensino mdico em questo
nestes dois trabalhos:
Por meio da formao oferecida nas escolas de Medicina e nas instituies
hospitalares, essa herana, vista como de qualidade duvidosa, alimenta o
reconhecimento da integridade de um paciente: vem passando de gerao a gerao
de mdicos. Com isso - as representaes falam com clareza - sofrem muito os
mdicos, os estudantes e os pacientes. O silncio sobre a morte no o melhor
tratamento nem o remdio mais eficaz para esse sofrimento, reconhecem os mdicos
docentes. Assim, deve ser mudada e pode ser mudada a forma de lidar com esse
sofrimento. E essa deciso passa pela iniciativa de provocar alteraes na vida
institucional de um hospital universitrio (FALCO E MENDONA, 2008, p.372).
Nota-se que o tema do suicdio no foi mencionado, por mdicos ou estudantes de
medicina, em nenhuma das pesquisas, acima descritas, como configurando um tipo de morte a
ser estudada ou acompanhada ao longo da formao mdica. Ambos os estudos se
debruaram na situao da morte de pacientes terminais ou em risco de vida. Os aspectos que
cercam tais situaes e que envolvem mdicos docentes, residentes e estudantes de medicina,
configuram relevantes temas a serem abordados na formao mdica. A aproximao destes
profissionais com o fenmeno do suicdio tambm se faz necessria ao longo de sua formao
possibilitando que contribuam para a preveno, que de sua responsabilidade, conforme
aponta a OMS.
A seguir ser feita uma reviso de literatura a respeito do suicdio e as questes que o
envolvem. No primeiro captulo sero expostas as diferentes abordagens sobre este fenmeno,
entre elas: a histrica, social, religiosa, psicolgica e psicanaltica e finalmente a mdica. O
segundo captulo consiste na apresentao de dados epidemiolgicos sobre o suicdio, no que
se refere aos ndices, ao gnero, idade e seus fatores de risco. No terceiro captulo ser
abordada a questo da preveno do suicdio, que abrange as polticas de sade para esta
preveno e as orientaes da OMS para mdicos clnicos gerais para o atendimento a
pacientes em risco de suicdio. Em seguida contextualizaremos a residncia em clnica
mdica. No captulo cinco sero encontrados os objetivos e a metodologia utilizada na
pesquisa. Nos captulos finais, sero apresentados os resultados, as discusses e concluses
sobre a pesquisa.
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1. AS DIFERENTES ABORDAGENS PARA O SUICDIO
1.1 Abordagens histricas, sociais e religiosas
A morte um tema amplamente estudado por diferentes pensadores especializados. A
bibliografia referente extensa, entretanto no esgotada diante da complexidade do tema.
Frente aos estudos, nota-se que as percepes, idias e sentimentos em relao morte, se
relacionam ao contexto sociocultural e histrico das diferentes sociedades. Os valores, crenas
e preconceitos variam de uma sociedade para outra. Para compreender tal situao
necessrio recorrer a alguns autores que estudaram a morte na sociedade ocidental.
Aris (1977) apresenta no contexto de um extenso perodo da histria ocidental, desde
o incio da Idade Mdia at o sculo XX, as mudanas no modo como a morte tem sido
percebida. A vivncia da morte, no incio da Idade Mdia ocorria em mbito familiar, pois se
acreditava no destino coletivo e aceitava-se a ordem natural das coisas, pois a socializao
no separava o homem da natureza, o que tornava a finitude da vida humana, um fenmeno
familiar com o qual se convivia com certa tranquilidade. A partir dos sculos XI e XII,
embora a morte ainda se apresentasse como relativamente familiar e cotidiana, ela comeava
a ser compreendida como um sinal de fracasso diante da vida, passando a suscitar comoo e
pena. Nesse momento, Aris menciona a importncia adquirida pela morte de si mesmo (Id,
p.37-38), ou seja, quando a morte vista como fenmeno individual e no mais coletivo, em
que o temor pelo julgamento pessoal se faz presente e a morte se converte em momento no
qual o homem toma conhecimento de sua prpria individualidade. J o sculo XVIII,
marcado pela morte do outro (Id, p.41), o que significa que a morte passa a ser
compreendida como um instante de profunda ruptura, sendo que o luto tranquilo da Idade
Mdia substitudo por intensas manifestaes de dor daqueles que perderam entes queridos.
No sculo XIX, a morte tornou-se objeto de interdio, sendo ocultada e vivida como algo
amedrontador e de cuja existncia no se quer lembrar. Essa transformao, segundo Aris, se
manifesta na preocupao dos mdicos com o diagnstico, fazendo com que o paciente deixe
de ser uma pessoa para se tornar uma doena cuja identificao necessria. Chegando ao
sculo XX, o autor menciona a inconvenincia do sofrimento e da doena (Id, p.165) e a
repugnncia em se admitir a morte, o que acarreta uma dificuldade em lidar com a
proximidade da mesma.
A viso sociolgica de Norbert Elias (2001) tambm traz importantes consideraes
no que diz respeito postura em relao morte ao longo dos tempos. Elias analisa a morte e
o ato de morrer e, mais importante, a reao dos vivos diante dessa realidade. Assim como
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Aris, o socilogo fala do isolamento dos doentes e da dificuldade das pessoas que o cercam
em lidar com a questo, enfatizando que a morte um problema dos vivos (Id, p.10). Elias
descreve algumas caractersticas especficas das sociedades contemporneas que influenciam
na imagem da morte nessas sociedades. O autor destaca, entre essas caractersticas, a extenso
da vida individual: com o aumento da expectativa de vida, a ideia de morte fica mais distante
e menos presente no imaginrio das pessoas. Dessa forma, espera-se que morte seja cada vez
mais adiada, tornando-se um acontecimento que deve ser evitado. Outra caracterstica que
Elias considera que o alto grau de pacificao das sociedades atuais acaba alimentando a
expectativa comum de uma morte tranquila, ocasionada por doena. J as mortes violentas,
por acidentes ou assassinatos, passam a ser encaradas como algo excepcional, criminoso.
Outro ponto levantado pelo socilogo em relao atitude atual da sociedade frente morte
a relutncia dos adultos em falar com as crianas sobre o assunto, gerando ento uma srie de
fantasmas em torno da questo. A dificuldade est em como falar e no aquilo que dito para
as crianas, afirma o autor. Esta afirmao reflete o que Aris chamou de a morte interdita
(1977, p. 53), quando esta passa a ser ocultada, vivida como algo amedrontador e que no se
quer comentar.
Aris (1977) e Elias (2001) abordaram o tema da morte a partir de aspectos histricos
e sociolgicos, entretanto no destacam o suicdio, que configura um dos tipos de morte
presentes em nossa sociedade. Porm, outros autores que sero apresentados adiante, o
fizeram. As interpretaes acerca do suicdio tm sido vistas e modificadas ao longo dos
tempos, do mesmo modo como ocorre com o tema da morte. Extensa bibliografia aborda a
questo, entretanto, para fins deste estudo, sero apresentados alguns dos principais
pensadores que abordaram esse tema e que deram base ao desenvolvimento da pesquisa
realizada.
O comportamento suicida, segundo Corra e Barrero (2006), sempre existiu, mesmo
nas sociedades pr-histricas, sendo encarado de diferentes formas dependendo da poca. Os
autores enfatizam a variao das opinies sobre o suicdio desde a Antiguidade, momento em
que os suicdios hericos eram valorizados, ao mesmo tempo em que existia uma
recriminao. De acordo com Corra e Barrero, entre os gregos, as opinies no que se refere
ao suicdio no eram unnimes, sendo este passvel de punies em algumas cidades, mas em
outras no. Entre as punies estavam a perda de honras fnebres do suicida que poderia
tambm ter a mo cortada, queimada e enterrada separadamente. J entre os romanos, o
suicdio era visto de forma neutra e at positiva, gerando a expresso morte-romana para
designar uma forma honrosa de morte por suicdio.
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Werlang e Asnis (apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p.59) tambm descrevem a
ambiguidade com que o suicdio foi encarado ao longo dos tempos, sendo penalizado,
condenado, considerado um ato proibido e at em certas circunstncias, como para manter a
honra, autorizado e encorajado. Na Antiguidade, como descrevem, a responsabilidade da
morte para os gregos era atribuda s moiras, entidades mitolgicas, que teriam o poder de
tecer o destino e cortar o fio da vida quando necessrio. Dessa forma no se pensava em
suicdio neste momento, uma vez que independentemente da maneira como a morte ocorresse,
as moiras que estariam por trs e teriam cortado o fio da vida, pois haveria chegado o
momento. Ainda no havia a idia de um ou mais deuses como determinantes do momento da
morte, sendo assim, no havia o julgamento religioso, afirmam os autores. De acordo com a
trajetria, complementam, tanto na Grcia quanto em Roma, o suicdio era condenado e at
penalizado, entretanto tal condenao se relacionava a um sentido poltico-jurdico. Os gregos
tinham um slido sentimento de pertinncia comunitria, por isso o suicdio era considerado
um ato transgressor deste esprito, o que ocasionava a privao de honras fnebres.
A partir da emerso do judasmo e do cristianismo que o suicdio passa a ser
condenado de forma teolgica. O cristianismo criticou o suicdio com base no mandamento
bblico no matars que deveria, segundo essa religio abarcar a morte de si mesmo (DIAS,
1991, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 64). Na idade mdia o suicdio era condenado
uma vez que se compreendia a vida como um dom divino, ao qual o homem no teria o direito
de atentar contra. Sendo assim, o corpo do suicida era punido, podendo ser arrastado pelas
ruas, queimado e enterrado sem honras. Para o judasmo o suicdio tambm sempre foi
considerado uma grave transgresso inviolabilidade da vida humana, como preceito
religioso. Entretanto, alguns casos podem ser aceitos como os que sofreram torturas, para a
preservao da honra. Essa religio considera dois tipos de suicdio, aquele em que o sujeito
est consciente do ato no momento em que o comete, e aquele no qual o indivduo age por
impulso em decorrncia de uma alienao mental. Nesse caso a lei judaica no condena o
suicida, entendendo que ele no capaz de responder por seus atos, podendo receber as
honras concedidas a qualquer outro morto (KOLATCH, 1988, apud WERLANG E
BOTEGA, 2004, p. 65-66).
Os autores Werlang e Asnis (apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p.70)
complementam que em qualquer perodo histrico ou contexto cultural, as religies tem por
finalidade a salvao do homem. O suicdio ento iria contra este princpio presente em
diversas religies (Cristianismo, Judasmo e Islamismo). Faz-se referncia aos ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001 para mostrar que enquanto para as religies ocidentais,
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tais ataques configuram um ato suicida, para as religies fundamentalistas representam um ato
herico, passvel de admirao, no qual a morte d sentido vida. No que diz respeito ao
comportamento suicida, complementam, a religio pode ter a funo de dar apoio a vida,
contribuindo para a preservao da mesma, ao mesmo tempo em que pode contribuir para
justificar a escolha pela morte.
Corra e Barrero (2006) tambm se referem reprovao do suicdio pelo
Cristianismo, entretanto, apontam que nem sempre foi assim j que nos primrdios do
Cristianismo, o suicdio se confundia com o martrio, sendo ento considerado exemplo de
moralidade, como as mulheres crists que optavam pela morte, frente perda do marido ou
para escapar de seus estupradores. A grande mudana na percepo em relao ao suicdio
como algo a ser proibido e punido se dar, de acordo com os autores, aps o quarto sculo,
quando a Igreja Crist tornou-se dominante. Durante um longo perodo o suicdio foi
condenado com base em mandamentos bblicos. A partir do sculo XVII, a incondicional
condenao do suicdio, pregada at ento pela igreja Catlica, comea a sofrer algumas
contestaes. Com o surgimento do Iluminismo, as crenas tradicionais passaram a ser
questionadas, levando a uma nova mudana na percepo do suicdio at ento tratado por um
vis filosfico-moral-religioso. De forma gradativa, o suicdio deixa de ser condenado por
completo pela sociedade, que passa a tentar compreend-lo. Novas abordagens tericas para o
suicdio possibilitaram o surgimento de outras teorias sobre o tema. Vamos abord-las de
forma mais completa a seguir.
O primeiro estudo sociolgico sobre o suicdio foi desenvolvido pelo cientista social
francs mile Durkheim, em 1897. Durkheim concebe o suicdio como um fenmeno social,
ou seja, como algo que exterior aos indivduos, que possui lgica prpria e deve ser
conhecido externamente, na sociedade, na interao dos fatos sociais e no a partir de razes
individuais internas. Segundo a definio durkheimiana, suicdio "todo caso de morte
provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela prpria
vtima e que ela sabia que devia provocar esse resultado (2002, p.15) e seria um aspecto
patolgico caracterstico das sociedades modernas. Duas causas extrassociais so descritas
pelo socilogo no que se refere influncia sobre as taxas de suicdio: disposies orgnico-
psquicas que estariam ligadas a uma tendncia na constituio do indivduo e a natureza do
meio fsico como o clima e a temperatura, que poderiam influir no organismo de cada um.
Aps discorrer sobre tais causas extrassociais influentes no suicdio, Durkheim conclui que
em cada grupo haveria uma tendncia especfica para suicdio que no poderia ser explicada
apenas pela constituio orgnico-psquica e nem pela natureza do meio fsico. Esses fatores
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dependeriam de causas sociais, relacionadas ao contexto em que cada indivduo est inserido.
A partir da concepo do suicdio como um fenmeno social, so diferenciados trs tipos de
suicdio: (1) Egosta - predominante nas sociedades modernas, geralmente praticado por
aqueles indivduos que no esto devidamente integrados sociedade e se encontram isolados
dos grupos sociais; 2) Altrusta - motivado pela fora do coletivo, como os kamicases, os
suicidas terroristas; 3) Anmico - acontecem em perodos de crises sociais (desemprego,
modernizao). Durkheim ainda diz que cada sociedade, em algum momento de sua histria,
apresenta uma predisposio definida para o suicdio.
Outra anlise sociolgica do suicdio pode ser encontrada em Sobre o suicdio (2006),
no qual Karl Marx, em coautoria com Jacques Peuchet, relata as circunstncias que
ocasionaram quatro suicdios no contexto da sociedade burguesa europia do sc. XIX. Longe
de apontar apenas para fatores de ordem pessoal, so indicadas causas socioeconmicas para
explicar o aumento de casos desse tipo de morte. O suicdio seria um sintoma de uma
sociedade burguesa moderna, na qual as pessoas agiriam com hostilidade e estariam sempre
em lutas e competies impiedosas. Para Marx os males do capitalismo, como o desemprego
e a misria, explicariam o desespero e muitos dos suicdios. Alm disso, e principalmente,
so ressaltadas como males do capitalismo, as manifestaes de injustias sociais que no
so diretamente econmicas, mas dizem respeito vida privada de indivduos no
proletrios (2006, p.17). Dessa forma, Marx estende sua crtica sociedade burguesa para
alm de questes econmicas enfatizando aspectos sociais e ticos que so comprometidos
diante do carter opressivo da sociedade. O autor afirma que as mulheres so as vtimas no
proletrias levadas ao desespero e ao suicdio pela sociedade burguesa (Id, p.18). Marx relata
trs casos de suicdio de mulheres, consequentes da opresso sofrida por uma forma de poder
arbitrrio, exercido pela famlia. No primeiro caso analisado, uma jovem de origem popular,
filha de um alfaiate, humilhada publicamente pelos pais aps passar a noite com seu noivo,
antes do casamento. Censurada pela moral da famlia e envergonhada a jovem joga-se na
correnteza do rio Sena para dar fim a sua vida. De acordo com Marx, o poder dos familiares
reproduz as relaes injustas da sociedade. Outra histria se refere a uma jovem casada com
um homem que, por cimes, a restringiu ao espao domstico, tornando-a escrava no seu lar.
Amparado pelo Cdigo Civil francs do sc. XIX e pelo direito de propriedade, o marido
pde andar com a esposa acorrentada j que neste contexto social, ela representava apenas
uma parte de seu inventrio. Chegando ao desespero, a mulher se suicida, tambm afogada. O
terceiro caso diz respeito a uma jovem tambm burguesa, que desesperada e temendo sua
desonra por estar grvida, suplica por ajuda a um mdico para que realizasse o aborto. Diante
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17
de conflitos ticos, o mdico se nega a realizar o procedimento que para a jovem seria a nica
soluo para seu conflito. Frente negativa, a jovem comete o suicdio. Marx demonstra que,
nesses trs casos, a opresso ao gnero feminino sofrida no contexto social em questo, foi
mais determinante para o suicdio que a classe social. Desta forma, o autor conclui que o
suicdio configura-se o ltimo recurso contra os males da vida privada (Id, p.48).
As teorias acima expostas descrevem o suicdio atravs de uma interpretao
sociolgica, como fruto de alguma questo imposta pela sociedade e que se sentindo
pressionado, o indivduo chega ao desespero, encontrando na morte a soluo imediata. Marx
e Durkheim valorizam as condies sociais que permeiam a vida humana e de certa forma
foram os precursores na compreenso de que tais condies so fatores determinantes do
suicdio. Apesar de contriburem para uma compreenso ampla do suicdio, essas teorias no
consideram outros fatores que tambm so fundamentais para o entendimento do fenmeno,
como os psicolgicos, psicanalticos e mdicos, que sero apresentados a seguir.
1.2 Abordagens psicolgicas e psicanalticas para o suicdio
Se a viso sociolgica ressalta as contingncias sociais do suicdio, j que compreende
a vida humana sob o ponto de vista do conjunto das relaes sociais, as abordagens
psicolgicas e psicanalticas ressaltam a subjetividade do comportamento humano.
A viso psicanaltica do suicdio abordada por Freud no texto Alm do princpio do
prazer (1920), no qual procura explicar o conflito humano e o suicdio a partir da experincia
pessoal. Para Freud o ser humano possuiria duas foras internas denominadas Eros e Thanatos
entre as quais viveria em conflito. Eros seria a pulso de vida, ou seja, a fora que nos
preservaria e nos impulsionaria a viver, j Thanatos a de morte, a fora que funcionaria como
uma tendncia natural autodestruio. O equilbrio entre as duas, a que nos faria seguir
adiante e a que nos impulsionaria a destruio, seria o fator essencial para que o suicdio no
ocorresse. A morte por suicdio entendida por essa teoria como o predomnio da pulso de
morte, da tendncia a autodestruio, presente em todo o suicida. Neste momento ento, a
vontade de viver, produto da pulso de vida, no seria suficiente para manter o equilbrio e
preservar a existncia, fazendo com que o individuo perca a fora de viver e busque a morte.
As idias de outros especialistas da rea psicolgica e psicanaltica do suicdio foram
sintetizadas por Kovcs (1992). Levy, embora mdico, foi o primeiro a ser analisado pela
autora e distingue a concepo do suicdio em seu sentido estrito e amplo. O primeiro
consistiria na autoeliminao consciente, voluntria e intencional. J em seu sentido mais
amplo o suicdio incluiria os processos autodestrutivos inconscientes, concepo prxima a
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abordagem psicanaltica, como em acidentes em que a pessoas se colocam em risco, os lentos
e crnicos como certas doenas psicossomticas e toxicomanias. Kovcs assinala frente s
afirmaes de Levy que no h um consenso entre os autores que desenvolvem o tema
suicdio quanto a ao consciente que levaria a este.
Completando sua apresentao do tema, Kovcs cita os psicanalistas Angel Garma e
Karl Menninger. O psicanalista Angel Garma descreve as hipteses psicanalticas para o
suicdio entre as quais aponta a possibilidade de se livrar de conflitos, a fantasia do encontro
com outras pessoas, a busca por uma vida que antes da morte no tinha, fuga de uma situao
intolervel e satisfao de tendncias masoquistas, como um autocastigo. Garma considera o
suicdio como uma deformao masoquista da personalidade.
Menninger props que em todos os seres humanos existem tendncias construtivas e
destrutivas que se aliadas a foras externas, podem levar ao ataque do indivduo sua prpria
existncia. Esse autor considera que trs componentes so necessrios para que ocorra o
suicdio: o desejo de matar, com base no instinto destrutivo que se volta para o prprio
indivduo; o desejo de ser morto, como uma forma masoquista de extrema submisso e o
desejo de morrer, pois a pessoa pode paradoxalmente querer se matar e no querer morrer,
fazendo tentativas frustradas de suicdio.
Vale ressaltar que as teorias psicolgicas e psicanalticas sobre o suicdio enfatizam as
questes pessoais de cada indivduo. Nesse sentido, o suicdio seria um ato individual e no
teria a predominncia do social conforme enfatizaram as teorias anteriormente vistas. A
estrutura psicolgica de cada um que seria fator determinante para algum optar pela morte.
1.3 A abordagem mdica para o suicdio
Corra e Barrero (2006) expem que desde o sculo XVII, foram os mdicos que
comearam a debater a etiologia do suicdio e a defender a idia de que esse fenmeno seria
resultado de uma doena mental. Segundo os autores, a teoria psiquitrica foi a primeira a
tentar explicar as causas do suicdio, no incio do sculo XIX, com Pinel e sistematizada, em
1927, por seu discpulo Esquirol. Este afirmava que o suicdio tinha as caractersticas das
alienaes mentais e que apenas na vivncia de um delrio o indivduo cometeria tal ato.
Partindo do pressuposto que o suicdio seria algo involuntrio, o suicida no deveria ser
passvel de punio e sim de compreenso para a preveno. Os autores complementam que a
partir dos trabalhos, principalmente de Esquirol, os mdicos passaram a discutir trs
concepes diferentes da etiologia do suicdio. A concepo de Esquirol, j descrita acima,
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defendia que o suicdio seria secundrio a alguma alienao mental no especifica. Outra
concepo, de Bourdin se referia a uma doena mental especfica, chamada de monomania de
suicdio, como causa para este. A ltima, que se tornou prevalente no final do sculo XIX,
apesar de caracterizar o suicdio em relao s causas, reconhecia na alienao mental a
principal delas, entretanto no se restringiria a este fator, como ocorre com a teoria de
Esquirol. O que os autores enfatizam, considerando essas trs concepes, que havia um
consenso sobre a importncia das doenas mentais como sendo causa do suicdio e que
atualmente essa idia segue vigente, pois segundo eles, a mortalidade por suicdio
significativamente maior entre indivduos acometidos por alguma doena psiquitrica e, por
isso, seu tratamento configura uma forma de prevenir o suicdio. Essa relao entre as
doenas psiquitricas e o suicdio leva a configurao deste como um objeto da Psiquiatria,
ainda que em outros contextos de sade, incluam-se elementos de compreenso que vo alm
dos distrbios mentais.
A viso do saber mdico sobre o suicdio tambm foi abordada por Lopes (2008) que
faz um estudo sobre a problematizao do suicdio pela medicina brasileira, ao longo do
sculo XIX (1830-1900), trazendo relevantes contribuies para a presente pesquisa, pois
inclui em sua discusso as influncias da tica da sociologia e da psicanlise. O autor justifica
seu foco no discurso mdico, por ter sido este que levou a visibilidade do suicdio no Brasil,
no campo do saber mdico.
O recorte temporal feito pelo autor tem como marco o ano de 1830, perodo em que as
primeiras instituies mdicas de ensino e pesquisa foram criadas, possibilitando o
surgimento das primeiras abordagens do suicdio. J o final do recorte (incio do sc. XX), se
apia no momento em que os mdicos brasileiros passam a repensar e estudar o suicdio,
principalmente a partir das ideias de Durkheim e Freud, j descritas acima, e pela doutrina
eugnica. Tal doutrina corresponde ao projeto de interveno social das primeiras dcadas do
sculo XX. Naquele momento, a Psiquiatria e outros saberes disciplinares como a
criminologia, a engenharia sanitria e a medicina higinica, passam a investir na identificao
de possveis suspeitos de causar a desordem social, como alcolatras, negros, suicidas,
doentes mentais, para ento isol-los, com o objetivo de impedir o crescimento dos riscos
sociais. Segundo Lopes, a preocupao com o social e a relao da medicina com aqueles
outros saberes disciplinares levaram a outras anlises, possibilitando que ao longo dos anos o
suicida no fosse mais percebido apenas como um desequilibrado, viso esta presente no
saber mdico do sc. XIX. Ele discutiu as influncias de Durkheim, Freud e da doutrina
eugnica que contriburam para que o suicdio fosse visto por outras perspectivas que no
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apenas a da medicina, como decorrente de uma patologia. Em contrapartida, o estudo de
Lopes enfatiza que foi a viso mdica do suicdio que influenciou de maneira determinante a
concepo ainda predominante no meio mdico do suicdio, como relacionado, a priori, a
algum desequilbrio mental.
A relao entre o suicdio e os transtornos mentais segue predominante atualmente,
conforme apontado acima e tem sido foco de debate na rea mdica, ainda que em mbito
restrito. A identificao de sintomas, a prevalncia e os comportamentos associados tm sido
investigados com o objetivo de dar subsdios para a possibilidade de preveno. Neury Jos
Botega, mdico e psiquiatra, professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
atualmente um dos principais envolvidos com o tema no Brasil e desenvolve importantes
trabalhos na rea. Ele considera que apesar dos muitos trabalhos j desenvolvidos na rea, h
limites nesses resultados, uma vez que o conhecimento na rea de suicidologia derivado de
estudos realizados com pessoas que tentaram o suicdio ou que estavam em tratamento
psicolgico ou psiquitrico e se suicidaram, o que no representa plenamente a totalidade dos
casos. Alm disso, o autor ressalta que so poucas as pesquisas epidemiolgicas sobre o
suicdio no Brasil, o que dificulta que se tenha um panorama completo acerca deste
fenmeno. (BOTEGA ET AL, 2006, p. 213-214)
Apesar das mudanas ocorridas na maneira de se compreender o suicdio, ainda hoje,
um tema que segue dividindo opinies e levantando discusses. Podem prevalecer certos
preconceitos, crticas sociais ou religiosas, que no colaboram para uma abordagem objetiva
do tema. Entretanto, a compreenso cientfica, que inclui as Cincias Humanas, tem ampliado
a compreenso do fenmeno do suicdio humano. Independentemente da posio que se
assuma, no se pode negar que o nmero de mortes por suicdio tem aumentado
significativamente e que os estudos epidemiolgicos se fazem necessrios para colaborar com
o estabelecimento de polticas de preveno. A seguir sero apresentados documentos e
pesquisas acerca da epidemiologia do suicdio no Brasil e no Mundo.
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2. DADOS EPIDEMIOLGICOS DO SUICDIO NO BRASIL E NO MUNDO
2.1 Dados sobre as taxas mundiais e nacionais de suicdio e a relao com a idade e o
gnero
A partir de dados da OMS Organizao Mundial da Sade e de pesquisas
realizadas em mbito nacional possvel conhecer, com limitaes que sero descritas, o
panorama das mortes por suicdio no Brasil. Sero apresentados tambm alguns dados
internacionais que se mostram importantes para situar o Brasil na escala mundial.
A OMS tem como uma de suas funes processar informaes relativas
mortalidade dos pases que fazem parte da organizao. Atualmente, dos 192 pases membros
da OMS, 115 so aqueles que notificam a mortalidade total, entre os quais o Brasil. Esses
dados so enviados por cada pas seguindo um protocolo preestabelecido e com base na
Classificao Internacional de Doenas e de Causas de bito (CID). Os bitos associados ao
suicdio fazem parte deste banco de dados sobre mortalidade e so notificados em nmeros
absolutos. As taxas de suicdio so produzidas a partir desses nmeros absolutos, juntamente
com a populao estimada para o ponto mdio do ano e so expressas por base populacional
de 100.00 pessoas. O atestado de bito, que padronizado internacionalmente, constitui a
base de toda a informao sobre a mortalidade (BERTOLOTE E FLEISHMANN, apud
WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 35).
Uma estratgia de preveno eficaz de suicdio depende do conhecimento detalhado
dos fatores de risco, o que possvel atravs da anlise epidemiolgica, assim como da
estimativa da eficcia das medidas teraputicas preventivas que municiam o profissional de
sade para este trabalho. Segundo os autores, a maneira mais rpida de se obter dados
objetivos sobre as mortes por suicdio o estudo dos registros de bito. O contraponto desse
mtodo, segundo consideram, que a taxa de suicdio pode ser subestimada, devido
subnotificao (VOLPE, CORRA E BARRERO, apud CORRA E BARRERO, 2006, p.12-
13). Uma vez que o suicdio um tema estigmatizado, que j foi alvo de punies conforme
descrito anteriormente e condenado por religies, possvel que uma srie de artefatos sejam
utilizados para ocultar a real causa da morte. O preenchimento incorreto da certido de bito,
a existncia de cemitrios clandestinos e pedidos da famlia para mudana da causa de morte
na certido, so fatores que colaboram para tal subnotificao, fazendo com que os dados
sobre os ndices de suicdio possam no ser absolutos (LOVISI, SANTOS, LEGAY,
ABELHA E VALENCIA, 2009, s87).
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De acordo com os dados da OMS (OMS, 2003 apud CORRA E BARRERO, 2006,
p.22), as maiores taxas de morte por suicdio, tanto entre homens quanto entre as mulheres,
so encontradas na Europa, em especial na Europa Oriental (Tabela 1).
Tabela 1 - Taxas de Suicdio por 100.000 habitantes
Pas Ano Homens Mulheres
Estnia 2000 45,8 11,9
Litunia 2000 75,6 16,1
Hungria 2000 47,1 13
Ucrnia 2000 52,1 10
Rssia 2000 70,6 11,9
Japo 1999 36,5 14,1
Finlndia 2000 34,6 10,9
Sua 1999 26,5 10
Sucia 1999 19,7 8
Dinamarca 1998 20,9 8,1
Eslovnia 1999 47,3 13,4
Bielorssia 2000 63,6 9,5 Fonte: (OMS, 2003 apud CORRA E BARRERO, 2006, p.22)
Dados mais recentes, dos coeficientes de mortalidade devidos a causas externas na
Amrica do Sul entre 2000 e 2005, mostram que panorama do suicdio consideravelmente
mais baixo na Amrica do Sul, do que na Amrica do Norte e Europa. Tendo o Uruguai (13,9
mortes por 100.000 hab.) em primeiro lugar, seguido do Suriname (11,5 mortes por 100.000
hab.), Guiana (11,1 mortes por 100.000 hab.) e Chile (10,9 mortes por 100.000 hab.). O Brasil
est entre os pases com baixa taxa de suicdio (4,9 mortes por 100.000), entretanto, por
possuir grande populao, ocupa o nono lugar em nmeros absolutos de suicdio, sendo este
responsvel por 0,8% de todas as mortes no ano de 2004 (WHO, 2005, apud BOTEGA ET
AL, 2006, p. 215). Vale lembrar o problema da subnotificao em relao ao suicdio no
Brasil e em outros pases.
Com o objetivo de descrever as caractersticas epidemiolgicas de mortalidade por
suicdio em uma srie histrica de dez anos no Rio Grande do Sul, Meneghel, et al. (2004)
realizaram pesquisa a partir de dados do Sistema de Notificao de Mortalidade do Ministrio
da Sade, para o perodo 1980 a 1999. As taxas de suicdios durante todo o perodo estudado
(coeficientes e mortalidade proporcional) mostram que este estado representa uma das
maiores taxas do pas. Os coeficientes padronizados passaram de nveis em torno de
9/100.000 hab. nos anos 80 para 11/100.000 hab. em 1999. Esse alto nvel de mortalidade,
segundo os autores, deveu-se principalmente ao aumento da mortalidade masculina, cujos
coeficientes passaram de 14/100.000 para 20/100.000. Os maiores coeficientes correspondiam
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aos idosos, embora a taxa com maior aumento encontrada tenha sido na populao de adultos
jovens.
Mais recentemente, outra pesquisa, realizada por Lovisi et al. (2009), apresentou a
epidemiologia do suicdio no Brasil entre 1980 e 2006 e corroborou os dados da pesquisa
acima referida. Os autores consideram que h poucos estudos no pas sobre os ndices
nacionais de suicdio e que os que foram realizados evidenciam a necessidade de
investigaes sobre a taxa no pas, considerando as diferenas regionais. Por ser um pas
grande, complementam os pesquisadores, com regies que tm nveis de desenvolvimento
diferentes, preciso conhecer a especificidade de cada regio para adequar as polticas de
preveno. A referida pesquisa constitui um estudo descritivo sobre as taxas de mortalidade
por suicdio em cada regio brasileira e capitais de 1980 a 2006. Os resultados mostram que o
nmero de suicdios por 100.000 habitantes cresceu 29,5% neste perodo (4,4/100.000 em
1981 para 5,7/100.000 em 2006). Entre 1980 e 1994 no houve variao significativa,
ocorrendo em mdia 4,5 mortes por 100.000 hab. J entre 1995 e 1997 este nmero subiu para
5,4, permanecendo estvel at 2006.
Considerando as regies do Brasil, verificou-se na pesquisa que o Sul a regio com
maior mdia de taxa de suicdio (9,3/100.000), seguida do Centro- Oeste (6,1/100.000),
Sudeste (4,6/100.000) Norte (3,4/100.000) e Nordeste que apresenta a menor taxa
(2,7/100.000). Segundo esta pesquisa, o estado com maior taxa de suicdio no pas o Rio
Grande do Sul. Uma possvel explicao para tal ndice elevado, sugerem os autores, a
presena de muitos trabalhadores rurais em precrias condies de vida e/ou a alta exposio
a pesticidas que levam a transtornos depressivos. As altas taxas encontradas na regio Centro-
Oeste podem ser justificadas, segundo os autores, pelo alto ndice de mortalidade por suicdio
entre a populao indgena, assim como na capital estadual Boa Vista.
A caracterizao das taxas de suicdio por idade e gnero pode ser encontrada na
pesquisa realizada por Mello-Santos, Bertolote e Wang (2005) que constitui uma anlise
descritiva dos dados brasileiros sobre o suicdio, extrados a partir do banco de dados de
DATASUS, no perodo de 1980-2000. A partir de tais dados, foram examinadas as tendncias
de suicdio no Brasil quanto distribuio etria e gnero. Foi constatado que os homens se
suicidaram de 2,3 a 4 vezes mais do que as mulheres, em todas as idades. Enquanto entre os
homens houve um aumento de 40% (de 4,6/100.000hab. em 1980, para 6,4 em 2000), entre as
mulheres houve decrescimo de 20% ( de 2,0 em 1980 para 1,6 em 2000). Em relao idade,
a pesquisa mostra que os idosos acima de 65 anos apresentaram as maiores taxas de suicdio:
homens entre 6574 anos tiveram aumento de 23,4% (9,8/100.000 em 1980 para
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12,1/100.000 em 2000) e acima de 75 anos, aumento de 14%. J entre as mulheres, ocorreu
diminuio de 20% e 30% respectivamente. Em contrapartida, em nmeros totais, os jovens
entre 15 a 24 anos formam o grupo de maior crescimento (1.900%). Em termos gerais este
grupo cresceu de 0,4/100.000 para 4,0/100.000. Entre os homens desta faixa etria, o
crescimento foi de 0,3/100.000 para 6,0/100.000 e entre as mulheres, de 0,5/100.000 para
2,0/100.000, mostrando o significativo aumento em ambos os sexos.
No estudo de Lovisi, et. al. (2009) tambm foi constatado que entre as mulheres o
crescimento foi menor. A mdia encontrada entre elas foi de 1,7/100.000 ao longo dos 26
anos a que se refere pesquisa (de 1980 a 2006). J entre homens a mdia entre 1992 e 1994
foi de 5,1/100.000, passando a mais de 7,0/100.000 no trinio a partir de 2001. No que se
refere a idade, esta pesquisa corrobora os dados apresentados pela pesquisa anteriormente
citada, de que a maior mdia fica entre os idosos, entretanto o maior aumento percebido
entre os jovens.
Em suma, a partir dos dados acima apresentados, pode-se perceber que o sexo
masculino predomina entre os suicidas. A faixa etria jovem tem apresentado os maiores
aumentos no que se refere ao nmero de mortes por suicdio, independentemente do sexo. Da
mesma maneira, os idosos continuam ocupando o primeiro lugar nas taxas de suicdio. A
regio sul aparece como a de maior ndice de suicdio no Brasil, que apesar de no estar entre
os pases com maiores taxas, em nmeros absolutos, ocupa o nono lugar.
2.2 Dados sobre os fatores de risco para o suicdio
Segundo os dados epidemiolgicos, a prevalncia de algum transtorno mental constitui
um dos principais fatores de risco para o suicdio. Dentre tais transtornos, a depresso aparece
como o principal diagnstico psicopatolgico relacionado. Tal associao tem sido
amplamente estudada e as concluses apontam para a mesma direo: pessoas acometidas por
depresso tm risco 20 vezes maior de cometer suicdio (CHACHAMOVICH ET AL, 2009,
s18 s25).
A depresso, segundo a Classificao Estatstica Internacional de Doenas e
Problemas Relacionados Sade - CID-10 reviso, definida a partir de episdios tpicos de
cada um dos trs graus de depresso: leve, moderado ou grave. Nos trs graus, o paciente
pode apresentar um rebaixamento do humor, reduo da energia e diminuio da atividade.
Existe alterao da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuio da
capacidade de concentrao, associadas em geral fadiga importante, mesmo aps um
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esforo mnimo. Observam-se em geral problemas do sono e diminuio do apetite. Existe
quase sempre uma diminuio da autoestima e da autoconfiana e frequentemente idias de
culpabilidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de dia para dia ou de
acordo com as circunstncias e pode ser acompanhado de sintomas ditos "somticos", como
por exemplo perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, vrias horas antes da
hora habitual, agravamento matinal da depresso, lentido psicomotora importante, agitao,
perda de apetite, perda de peso e perda da libido.
Os principais transtornos e fatores associados com o suicdio so descritos no manual
de preveno do suicdio destinado a mdicos clnicos gerais (OMS, 2000), que objetiva
prover informaes referentes identificao e ao manejo de pacientes suicidas. O manual se
refere ao suicdio de um paciente como uma das piores situaes que um mdico pode passar
em sua carreira, levando a sentimentos de inadequao profissional, insegurana, raiva,
descrena. Este manual aponta que h cerca de 80% a 100% de prevalncia de transtornos
mentais ligados ao suicdio alm de transtornos comrbidos, como alcoolismo associado a
transtornos do humor. A depresso no reconhecida e no tratada representa um grande risco
de suicdio, uma vez que pode ser mascarada por queixas somticas. Sendo assim, torna-se
um desafio para o mdico correlacionar doena fsica, mental e aspectos emocionais. No
manual so descritos sintomas depressivos tpicos que podem auxiliar o mdico generalista a
identificar uma depresso: humor deprimido, perda de interesse e prazer, reduo de energia,
cansao, tristeza, irritabilidade, ansiedade, distrbios do sono, dores em diferentes partes do
corpo, entre outros. As caractersticas clnicas associadas e listadas no manual so: insnia,
negligncia com cuidados pessoais, dficit de memria, agitao, entre outros. Vale ressaltar
que os fatores apontados como agravantes do suicdio na depresso so: a idade inferior a 25
anos em homens, as fases precoces desta doena, o abuso de lcool, a fase depressiva do
transtorno bipolar ou a fase manaca com sintomas psicticos, como alucinaes auditivas.
A esquizofrenia outra doena mental apontada como relacionada ao suicdio, que
representa a maior causa de mortes prematuras em esquizofrnicos. Os fatores agravantes
descritos do suicdio na esquizofrenia so: sexo masculino, jovem, desempregado, medo da
deteriorizao pessoal, delrios, sintomas depressivos. Os transtornos de personalidade, de
ansiedade e alimentares tambm so transtornos psiquitricos que podem levar ao suicdio,
enfatiza o manual.
O diagnstico de doenas fsicas que sejam crnicas, com prognstico ruim ou que
acarretam em limitaes (ex: neurolgicas, cncer, HIV) tambm considerado fator de risco
para o suicdio, conforme apontado no manual.
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Pesquisas nacionais e internacionais confirmam e complementam os dados
apresentados pela a OMS acerca dos fatores de risco para o suicdio. Pesquisa realizada a
partir de uma reviso sistemtica de 31 artigos cientficos publicados entre 1959 e 2001
concluiu que em 97% dos casos caberia um diagnstico de transtorno mental na ocasio do
ato fatal. Foram analisados cerca de 16 mil bitos por suicdio na populao geral. Os
diagnsticos foram feitos antes ou depois da morte, neste caso a partir de autpsia psicolgica
(BERTOLOTE E FLEISHMANN, 2002, apud WERLANG E BOTEGA, 2004, p. 39, 40).
Por esta, entende-se segundo GarciaPerez (1998), a caracterizao retrospectiva da vida de
uma pessoa j falecida, atravs de relatos de familiares, colegas, companheiros de trabalho e
de reviso de documentos pessoais. Botega, Rapeli e Freitas (apud WERLANG E BOTEGA,
2004, p. 107) tambm enfatizam que a existncia de uma doena mental o principal fator
associado ao risco de suicdio. Para tal afirmao, os autores se baseiam em estudo realizado
por Barraclough e colaboradores (1974) que demonstrou que mais de 90 das 100 pessoas que
se suicidaram tinham alguma doena mental. A depresso apareceu em primeiro lugar dentre
os distrbios psiquitricos, seguido pelos transtornos de personalidade, a dependncia de
lcool e a esquizofrenia. Entretanto a anlise dos autores do estudo acima citado argumenta
que a doena mental no determinante para que ocorra o suicdio, pois no so todos os
pacientes psiquitricos que se suicidam. Neste contexto, vale lembrar os limites dos dados
epidemiolgicos acerca do suicdio, j que o conhecimento das causas daqueles que se
suicidaram tem como base a autpsia psicolgica, j apresentada anteriormente, que abrange
principalmente pacientes que estavam em tratamento psiquitrico. H ainda aqueles que se
suicidam no necessariamente em decorrncia de um transtorno metal, mas seus registros
podem no ser conhecidos.
A existncia de tentativas de suicdio anteriores tambm considerada um fator de
risco para o suicdio, ainda mais comum. Estima-se que as tentativas so dez vezes mais
frequentes na populao geral e que de 15 a 25% daqueles que tentaram, faro nova tentativa
no ano seguinte e 10% tero xito em dez anos (BOTEGA ET AL, 2006, p.214). Os
comportamentos de impulsividade e agressividade, combinados a algum transtorno mental ou
histrico de tentativas anteriores, podem aumentar ainda mais a possibilidade de suicdio,
funcionando como mediadores entre doena mental e o suicdio, ou seja, configurando o elo
entre a depresso maior e o suicdio (CHACHAMOVICH ET. AL, 2009, s18-s25).
Outros fatores associados ao risco de suicdio podem ser encontrados na pesquisa
realizada por Botega, em Campinas, no ano de 2003. Identificaram-se casos de ideao
suicida, ou seja, pensamentos recorrentes de acabar com a prpria vida, e buscou-se levantar
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as variveis associadas. Foram avaliadas questes relativas ao uso de lcool e outras drogas
(cocana, maconha, anfetaminas, benzodiazepnicos), tratamentos psiquitricos anteriores,
religio, solidariedade dos vizinhos e as variveis sociodemogrficas. O resultado de tal
avaliao mostrou que no houve associao significativa quanto s variveis
sociodemogrficas, religio e ao uso de substncias. J quanto aos sintomas psiquitricos,
mais uma vez, a presena de humor depressivo foi frequente entre os que apresentaram
ideao suicida. Estes avaliaram a vizinhana como distante ou no solidria, o que poderia
fomentar a sensao de solido dos mesmos (SILVA ET AL., 2006, p.1835-1843).
O sentimento de no estar integrado comunidade parece configurar mais um fator de
risco para o suicdio de acordo com um estudo realizado no Hospital de Clnicas da
Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp). Foi avaliada a rede de apoio social dos
pacientes atendidos no pronto-socorro e que haviam tentado o suicdio, comparando-a de
acompanhantes de outros pacientes atendidos no mesmo servio. O nmero de
acompanhantes daqueles em caso de tentativa de suicdio, foi em mdia de uma pessoa, j os
do outro grupo de aproximadamente trs. Percebe-se nessa pesquisa grande diferena no que
diz respeito a satisfao com a rede de apoio social entre os dois grupos. Ficou clara a
insatisfao dos indivduos do grupo atendido por tentativa, que reconheceram sua rede de
apoio social como sendo precria. Dessa forma, os resultados confirmam a hiptese de que
uma rede de apoio social frgil pode contribuir para os ndices de tentativas e
consequentemente de suicdios (GASPARI E BOTEGA, 2002, p.233-240).
Em suma, se considerarmos os dados encontrados nas pesquisas acima citadas e a
descrio do manual da OMS, possvel afirmar que, de acordo com o saber mdico, a
identificao dos pacientes em risco de comportamento suicida, conta com os seguintes
aspectos: diagnstico de transtornos psiquitricos ou de doena fsica; tentativas de suicdio
anteriores; histria familiar de suicdio; situao conjugal (solteiro, vivo ou separado);
isolamento social; luto na infncia. Diante de tantos fatores de risco, a serem considerados, a
entrevista clnica constitui a melhor forma de identificao de tais aspectos, orienta o manual,
uma vez que em uma conversa possvel reunir informaes importantes a respeito da
histria do paciente que levem a percepo do risco de suicdio.
As referncias at aqui apresentadas, demonstram que o suicdio compreendido
como um fenmeno complexo, sem uma causa nica e sim resultante da interao de fatores
biolgicos, psquicos, sociais, culturais. Entretanto, os manuais de preveno da OMS e do
MS, assim como a abordagem de alguns especialistas mdicos, enfatizam os transtornos
psiquitricos como os de maior risco de suicdio. Se considerarmos as abordagens
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sociolgicas, psicolgicas ou psicanalticas pode-se pensar que os transtornos psiquitricos
so a fonte mais visvel de um complexo de fatores determinantes para o suicdio. a partir
desta fonte que o trabalho de preveno, no momento, est planejado. Diante dos fatores de
risco de suicdio conforme descritos nos manuais, a identificao dos mesmos estratgia
para a abordagem deste fenmeno. Desta forma, a orientao buscar a deteco precoce e o
tratamento de transtornos psiquitricos, assim como a identificao de comportamentos
impulsivos/ agressivos, rede social frgil e outras comorbidades. Seguindo a linha desta
poltica de sade de preveno, esta identificao pode comear a partir do atendimento em
servios bsicos de sade, como em postos de sade e ambulatrios de hospitais gerais. Antes
de abordarmos as polticas de sade referentes preveno do suicdio, algumas pertinentes
observaes e reflexes de especialistas neste tema finalizaro este captulo.
De acordo com Barrero, Nicolato e Corra (apud CORRA E BARRERO, 2006, p.
103), deveria se considerar que os fatores de risco de suicdio so individuais, pois o que para
um poderia representar um elemento de risco, para outro poderia no o ser. Tais fatores
seriam tambm geracionais j que aquilo que se configura risco na infncia, poderia no ser
na adolescncia. Alm disso, segundo os autores, os fatores de risco dependeriam do gnero,
da cultura e da biologia de cada indivduo uma vez que os fatores de risco para as mulheres
poderiam ser diferentes para os homens, assim como variar de acordo com os valores de cada
cultura e caractersticas genticas de cada um.
Um projeto de preveno de suicdio, segundo Serrano (2004), envolve trs esferas: a
preveno primria, que abrangeria medidas gerais de promoo da sade e outras especficas
de proteo como controle de porte de armas de fogo e comercializao de venenos. Como
exemplos, o autor cita o desenvolvimento de campanhas educativas para adolescentes sobre a
preveno da gravidez, considerando a gravidez na adolescncia um fator de risco de suicdio;
implementao de medidas de integrao aos idosos solitrios, que podem constituir outro
grupo de risco e o aumento dos servios de sade mental e sua disponibilizao para o
pblico. A preveno secundria contaria com o diagnstico precoce e tratamento imediato
dos casos de risco, alm de agir planejando a diminuio dos impactos das sequelas ou
limitaes decorrentes de tentativas no letais. Nesta esfera de preveno, a escuta e o
acolhimento ao paciente so fatores positivos que, entretanto, no dependem apenas das
equipes de sade, mas tambm das condies de trabalho oferecidas pela organizao do
servio, como a infraestrutura e a rede de apoio. O autor enfatiza que o avano da rede de
assistncia tcnica e administrativa possibilita a efetivao de estratgias de preveno e
abordagem que feita em servios de sade. J a preveno terciria consistiria em intervir
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nos sobreviventes, considerados por Serrano no somente as pessoas prximas a algum que
cometeu o suicdio, conforme descrevemos no incio deste estudo, mas tambm aqueles que
tiveram tentativas frustradas de suicdio. Essa interveno contaria com aspectos de
reabilitao como projetos de integrao social e de incapacidades do sobrevivente.
Complementando sua exposio acerca de um projeto de preveno de suicdio,
Serrano aponta limitaes para quem no trabalha com sade mental, para abordar as atitudes
suicidas. As dificuldades desses profissionais para abordar as atitudes suicidas, afirma o autor,
devem-se baixa prevalncia de atendimentos desses casos no contexto da ateno primria.
Para esta afirmao, Serrano se baseia no estudo de Schulberg (2001) que demonstra que nos
EUA, apenas 4,2% dos casos so vistos em ambientes da ateno primria e que os mdicos
desses servios no fazem um bom trabalho de avaliao dos riscos e no sabem como
proceder. O diagnstico de um transtorno mental, como a depresso, uma dificuldade para o
mdico no psiquiatra, enfatiza o autor, sendo ento necessrio ter vocao emptica, ou seja,
ser receptivo, acolher, estabelecer dilogo com paciente, alm de conhecimento terico.
Serrano alerta que onde o servio de sade mental no est bem organizado, a proporo de
pessoas em crise, que buscam o atendimento clnico geral, maior tornando, portanto,
necessria a capacitao desses profissionais.
A postura dos mdicos no-psiquiatras frente aos atos suicidas foi abordado por
Cassorla (1991), mdico e psicanalista estudioso do tema. O autor analisou o impacto dos atos
suicidas no mdico e na equipe de sade, enfocando principalmente o mdico generalista e
especialista no-psiquiatra, que poderiam se defrontar com a situao do suicdio, e retratou as
dificuldades enfrentadas pelos mdicos ao lidar com atos suicidas. A discusso feita a partir
de sua experincia diria em estudos clnicos e epidemiolgicos com pacientes com risco ou
tentativa de suicdio, atendimento de familiares de pessoas que cometeram o suicdio e
assessoria a mdicos clnicos, generalistas e especialistas no-psiquiatras em reunies de
discusso de casos clnicos. Observando as reaes que as equipes de sade tm frente a
determinadas tentativas de suicdio atendidas em emergncia, foi percebido que no raro a
equipe lidava com o paciente suicida com desprezo e agressividade, muitas vezes
ridicularizando-o. Nos servios denominados pelo autor como mais afortunados (Id, p.151)
tais pacientes seriam encaminhados ao psiquiatra, entretanto, logo que estabilizado o quadro
orgnico, decorrente de uma intoxicao medicamentosa, por exemplo, receberiam alta com o
objetivo de serem passados a diante (Id, p.151).
Esse relato reflete o despreparo que muitas vezes as equipes de sade, que no so da
sade mental, tm diante dos casos de tentativa de suicdio. Cassorla interpreta tal postura
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como uma resposta assustada e agressiva da equipe mdica a um ato de algum tambm
assustado e agressivo (1991, p.152). Outro fator de influncia nas atitudes do mdico nesses
casos, de acordo com o autor, decorrente da formao profissional que muitas vezes
pautada pela relao causa-efeito, de linearidade, dificultando a considerao de aspectos
inconscientes. Para Cassorla, o maior obstculo do mdico no manejo dos casos de tentativa
ou de suicdio a invaso de sentimentos de impotncia, frustrao, fragilidade que o
paralisam. A percepo dessa invaso de sentimentos daria a possibilidade do mdico atuar
clinicamente da melhor forma.
Os estudos de Cassorla e Serrano demonstram que o sucesso da preveno envolve a
capacitao das equipes de sade e no apenas a de sade mental. O treinamento surge como
um passo importante para que o profissional esteja preparado para lidar com casos
relacionados ao suicdio, sendo orientados para conseguir identificar pacientes em risco,
acolh-los em momento de urgncia e encaminh-los quando necessrio. A capacitao dos
profissionais de sade, desde a ateno bsica, aparece ento como outra estratgia de
preveno. Estudo realizado na Sucia exemplifica uma interveno de sucesso que envolveu
a capacitao de profissionais para a deteco precoce e tratamento da depresso, reduzindo
em 60% o coeficiente de mortalidade por suicdio, daqueles com diagnstico de depresso,
em dois anos (CHACHAMOVICH ET. AL, 2009, p. s18-s25).
Frente ao reconhecimento de que os mdicos clnicos gerais, assim como os
profissionais da prea de sade mental, so peas necessrias para a preveno do suicdio,
torna-se de fundamental importncia que as informaes sobre os fatores de risco, j
adquiridas atravs de pesquisas na rea e contidas nos manuais de preveno da OMS,
cheguem ao conhecimento desses profissionais. O acesso a essas informaes colabora com a
preparao dos profissionais para o manejo de pacientes em risco de suicdio e para que
tenham conhecimento acerca da possibilidade de preveno. Esta tem sido foco de polticas
pblicas de sade, que sero apresentadas a seguir.
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3. POLTICAS DE SADE PARA A PREVENO DO SUICIDIO NO BRASIL
Diante do crescimento mundial do nmero de mortes por suicdio, este passou a ser
considerado uma questo de sade pblica. Em 1999, a OMS lanou a SUPRE (Suicide
Prevention Program), a iniciativa mundial de preveno do suicdio com o objetivo de reduzir
a morbidade e mortalidade associadas ao comportamento suicida. Especificamente, so seus
objetivos: Contribuir para aumentar a conscientizao sobre os problemas advindos do
comportamento suicida; Identificar variveis vlidas e confiveis na determinao de fatores
de risco para o comportamento suicida fatal e no-fatal, com especial nfase em fatores
sociais; Descrever padres de comportamento suicida; Identificar variveis que determinam o
comparecimento, a servios de sade, de pessoas que tentaram o suicdio; Identificar quais
tratamentos so capazes de diminuir o nmero de tentativas de suicdio; Melhorar a eficincia
de servios de sade, por meio de intervenes especficas que consigam reduzir o nmero de
tentativas de suicdio.
Seguindo este modelo, outras estratgias nacionais de preveno do suicdio tem sido
implementadas em diversos pases como Finlndia, Noruega, Sucia, Austrlia, Nova
Zelndia, Frana, Esccia, inclusive o Brasil que o primeiro da Amrica Latina, deixando
claros os objetivos de acordo com a necessidade de cada um. Dentre os itens comuns nos
planos nacionais de diferentes pases encontra-se: estratgias educacionais para a populao
no sentido de fornecer informaes que ajudem a populao em geral e no s os mdicos a
identificar fatores de risco; incentivo de pesquisa na rea; treinamento de equipes de sade
para a deteco precoce e tratamento de doenas mentais. Tais itens reforam a importncia
da informao sobre os riscos para interveno precoce.
No Brasil, dados do Ministrio da Sade (Manual do Ministrio da Sade, Brasil,
2006) mostram que nos ltimos anos as taxas de suicdio no pas tambm tm aumentado,
especialmente em determinadas populaes, como idosos, jovens, trabalhadores rurais e
populaes indgenas. Estes dados se aproximam daqueles encontrados em outros pases,
conforme j exposto anteriormente, e que levam a caracterizar o suicdio como uma questo
de sade pblica pela OMS, justificam a necessidade de ateno especial nos servios de
sade.
Neste contexto nacional e seguindo as aes internacionais de preveno, o Ministrio
da Sade lanou oficialmente em 18 de agosto de 2006 a Estratgia Nacional de Preveno do
Suicdio. A referida estratgia foi apresentada pela coordenao de sade mental, construda
por um grupo de trabalho composto por representantes do prprio Ministrio, de
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Universidades e do Centro de Valorizao da Vida (CVV) e preconiza aes de pesquisa e de
ateno ao comportamento suicida a serem implementadas em todo pas. As aes institudas
pelo Ministrio da Sade para a preveno do suicdio incluem as seguintes portarias:
Portaria GM n. 2.542 de 22/12/2005: institui grupo de trabalho com o objetivo de
elaborar e implantar a Estratgia Nacional de Preveno ao Suicdio, considerando este como
um problema de sade pblica. Seu Art. 1 institui, no mbito do Ministrio da Sade o
Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratgia Nacional de Preveno
ao Suicdio. O Art. 2 define que o Grupo de Trabalho atuar sob a coordenao da Secretaria
de Ateno Sade / Departamento de Aes Programticas Estratgicas - rea Tcnica de
Sade Mental e ser representado pelas instituies/rgos a seguir : Secretaria de Ateno
Sade - SAS/MS; Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade - SEGETS/MS;
de Vigilncia na Sade - SVS/MS; Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - ANVISA;
Programa SUPRE-OMS; Universidade de Braslia - UnB; Ncleo de Estudos de Sade
Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - NESC/UFRJ; Pontifcia Universidade
Catlica, do Rio Grande do Sul - PUC-RS; do Ncleo de Epidemiologia do Instituto Phillipe
Pinel, do Rio de Janeiro; Centro de Valorizao da Vida - CVV.
Portaria GM n. 1.876 de 14/08/2006 com os principais objetivos:
- desenvolver estratgias de promoo de qualidade de vida, de educao, de proteo
e de recuperao da sade e de preveno de danos;
- desenvolver estratgias de informao, de comunicao e de sensibilizao da
sociedade de que o suicdio um problema de sade pblica que pode ser prevenido;
- organizar linha de cuidados integrais (promoo, preveno, tratamento e
recuperao) em todos os nveis de ateno, garantindo o acesso s diferentes modalidades
teraputicas;
- identificar a prevalncia dos determinantes e condicionantes do suicdio e tentativas,
assim como os fatores protetores e o desenvolvimento de aes intersetoriais de
responsabilidade pblica, sem excluir a responsabilidade de toda a sociedade;
- promover a educao permanente dos profissionais de sade das unidades de ateno
bsica, inclusive do Programa Sade da Famlia, dos servios de sade mental, das unidades
de urgncia e emergncia, de acordo com os princpios da integralidade e da humanizao.
- Elaborao e publicao de material tcnico: manual para profissionais de Centros de
ateno psicossociais (CAPS), Guia de referncias e servios para profissionais na rea de
suporte a sobreviventes.
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Pode-se perceber ento a importncia que vem sendo dada ao tema suicdio no mundo
atual e no Brasil, foco de nosso interesse. Configura-se um quadro que demanda polticas de
sade especficas, que tem sido reconhecida e traduzida em estratgia nacional conforme j
mencionado.
Entre os anos 2000 e 2007, o Departamento de Medicina e Psiquiatria (DPMP) da
UNICAMP participou do Estudo Multicntrico de Interveno no Comportamento Suicida, o
SUPRE-MISS3 (Suicide Prevention - Multi Site Intervention Study on Suicide) da OMS. Dez
pases participaram do estudo, sendo eles: Brasil, China, Ir, ndia, Sri-Lanka, Estnia, frica
do Sul, Vietnam, Sucia e Austrlia. O estudo reuniu um inqurito epidemiolgico e uma
estratgia de preveno do comportamento suicida aplicada a pessoas que tentaram o suicdio,
com entrevista motivacional e telefonemas peridicos para acompanhamento. Ao final de 18
meses, essa modalidade de interveno reduziu em dez vezes o nmero de suicdios.
Manuais de preveno de suicdio produzidos pela Organizao Mundial da Sade
foram traduzidos pelo DPMP, como parte da estratgia do SUPRE-MISS. Tais recursos so
dirigidos a diferentes pblicos-alvos, entre eles, manuais para mdicos clnicos gerais, j
citado neste estudo, para profissionais de sade da ateno primria, professores, amigos e
familiares enlutados e profissionais da imprensa. Cada um deles possui informaes gerais
sobre o suicdio e especficas, dependendo do pblico a ser atingido.
Atravs do manual para clnicos gerais, a OMS enfatiza que estes ocupam papel
fundamental na preveno do suicdio, uma vez que pesquisa na rea sugere que entre 40% e
60% das pessoas que cometeram suicdio consultaram um mdico, na maioria generalista e
no psiquiatra, no ms anterior. Muitas pessoas acabam morrendo sem terem realizado sequer
um atendimento por um profissional da rea de sade mental, desta forma, a deteco de
sintomas e comportamentos suicidas na ateno primria fundamental na preveno.
Entende-se, neste contexto, que no s os profissionais da rea de sade mental, mas tambm
os da sade bsica devem estar preparados para a escuta e acolhimento possibilitando um
encaminhamento de qualidade, assim como colaborar com o psiquiatra, garantindo o
tratamento adequado. A sensibilizao dos tcnicos de cuidados de sade primrios deve
incluir a expanso dos seus conhecimentos acerca dos fatores de risco de suicdio como a
depresso, o abuso de substncias txicas, comportamento anti-social, e comportamentos
suicidas anteriores, diz o manual.
3 No Brasil, o projeto recebeu apoio financeiro da OMS e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So
Paulo FAPESP e tem como representante Neury Jos Botega, estudioso do tema, j apresentado acima. O
documento que embasou este estudo (SUPRE-MISS) pode ser acessado pela internet:
http://www.who.int/mental_health/PDFdocuments/SUPRE-MISS.pdf
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Diante da identificao de sinais que caracterizem a possibilidade de suicdio, os
mdicos podem ter dvidas em como proceder, caso no sejam especializados na rea de
sade mental ou no tenham tido preparao para o manejo destes casos. Nestas situaes,
importante que os mdicos estejam conscientes desta dificuldade e procurem ajuda de outros
profissionais, reconhecendo os riscos, para o melhor encaminhamento do caso.
O Manual de Preveno do Suicdio para Profissionais da Sade Primria (OMS
2000), que inclui mdicos, refora o enfoque na preparao para o atendimento de pacientes
em risco de suicdio de profissionais de sade, alm daqueles envolvidos com sade mental:
A equipe de ateno primria tem um longo e prximo contato com a comunidade e
so bem aceitos pela populao local. A equipe prov um elo vital entre a
comunidade e o sistema de sade. Em muitos pases em desenvolvimento, onde os
servios de sade mental no esto bem estruturados, o profissional de ateno
primria freqentemente o primeiro recurso de ateno sade. O seu
conhecimento da comunidade permite-lhe reunir o apoio dos familiares, amigos e
organizaes. Esse profissional est em posio de oferecer cuidado continuado.
tambm a porta de entrada aos servios de sade para os que deles necessitarem. Os
profissionais de sade da ateno primria so disponveis, acessveis, detentores de
conhecimento e comprometidos com a promoo de sade (OMS, 2000).
Considerando o foco de interesse da presente pesquisa, que a percepo dos mdicos,
em especial dos residentes em Clnica Mdica sobre o suicdio, apresento a seguir o resumo
dos contedos e orientaes presentes no manual de preveno do suicdio direcionado
especificamente a mdicos clnicos. O desenvolvimento deste manual configura o
reconhecimento da importncia destes profissionais na preveno do suicdio pela OMS. Isto
refora o interesse pelo tema j que um assunto de interesse da sade pblica. Neste
contexto, questiono se estes mdicos, em sua formao, esto sendo conscientizados da
importncia de seu papel e da possibilidade que tem de ajudar na reduo dos ndices de
suicdio.
3.1 Orientaes da OMS a mdicos clnicos gerais para o atendimento a pacientes em
risco de suicdio
A reviso bibliogrfica deste estudo apresentou e discutiu as principais abordagens
para a compreenso cientfica do suicdio. Atravs destas fica explcita a intervenincia de
diferentes condicionantes do suicdio: sociolgica, psicolgica, psicanaltica e psiquitrica (ou
mdica). Frente a estas diferentes condicionantes pode-se pensar que no h uma
compreenso finalizada para a ocorrncia do suicdio, mas sim, conforme foi visto h
indicadores seguros para apoiar aes sociais e mdicas de preveno. A OMS j assumiu os
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objetivos de preveno e busca difundi-los atravs de diferentes documentos, alguns deles,
aqui apresentados. O direcionamento de aes de preveno no Brasil tambm tem crescido,
conforme visto no captulo anterior. Entretanto, parece haver espao para diferentes aes. No
presente captulo, apresentaremos de maneira sistematizada o panorama dos indicadores do
risco de suicdio. Nestes indicadores est absorvido muito do que as abordagens tericas da
sociologia, da psicologia, psicanlise e da psiquitrica produziram a respeito do suicdio. A
importncia do conhecimento mais amplo de tais indicadores favorecer a conscientizao
dos mesmos por profissionais de sade que possam us-los como referncia constante nos
trabalhos de atendimento e investigao e d