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A LÍNGUA VIVA BRASILEIRA! BRASILEIRA! Uma viagem amorosa, sem caretice e sem vale-tudo, pelo sexto idioma mais falado do mundo — o seu SÉRGIO RODRIGUES

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  • A LÍNGUAVIVABRASILEIRA!BRASILEIRA!

    Uma viagem amorosa, sem caretice e sem vale-tudo, pelo sexto idioma mais falado do mundo — o seu

    SÉRGIO RODRIGUES

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  • Copyright © 2016 by Sérgio Rodrigues

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    CapaAlceu Chiesorin Nunes

    IlustraçõesFrancisco Horta Maranhão

    Projeto gráficoDebs Bianchi

    PreparaçãoLígia Azevedo

    Índice remissivoLuciano Marchiori

    RevisãoHuendel VianaAngela das Neves

    [2016]Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz s.a. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 — São Paulo — spTelefone: (11) 3707-3500Fax: (11) 3707-3501www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.brfacebook.com/companhiadasletrasinstagram.com/companhiadasletrastwitter.com/cialetras

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

    Rodrigues, SérgioViva a língua brasileira! : uma viagem amorosa, sem

    caretice e sem vale-tudo, pelo sexto idioma mais falado do mundo – o seu / Sérgio Rodrigues. — 1a ed. — São Paulo : Com panhia das Letras, 2016.

    isbn 978-85-359-2762-7

    1. Língua e linguagem 2. Língua portuguesa 3. Língua portuguesa – Estudo e ensino 4. Linguística 5. Português – Gramática i. Título.

    16-04361 cdd-469.07

    Índice para catálogo sistemático:1. Língua Portuguesa : Linguística : Estudo e ensino 469.07

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  • DÚVIDAS MAIS COMUNS

    ORIGEM D

    E EXPRE

    SSÕES ID

    IOMÁTICA

    S

    ERROS QUE ESTÃ

    O VIRANDO ACER

    TOS

    MODISMOS QUE CONVÉM EVITAR

    NOVAS PALAVRAS EM ALTA“ERROS” QUE AS PATRULHAS INVENTAML LENDAS ETIMOLÓGICAS

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  • — A língua-padrão é um dinossauro conservado em formol, preservado a ferro e fogo pela gramática normativa como instrumento de dominação de classe!

    — Ah, quer dizer que bão procêis é todo mundo bem inguinorante, né?

    OS POLITIZADOS

    — Quando alguém diz “Não fiz nada”, está dizendo que fez alguma coisa! Menos com menos dá mais! Percebe como todo mundo fala errado?

    — Ô língua ridícula e sem lógica! Por que não fomos colonizados pelos holandeses?

    OS SABICHÕES

    OS ENROLÕES

    — O escopo da assertividade de um escritor ao escrever um livro é o valor que o mesmo (escritor,

    não livro) agrega à estratégia disruptiva do mesmo (livro, não

    escritor), de forma proativa e sintonizada com os valores dos

    mesmos (os dois).

    L

    — Declino à conspícua escrivania o presente

    encartado, com fincas ao dealbar coruscante, no cerebrino zimbório do

    legente, da luculentíssima flor última do Lácio.

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  • — Falar sobre a língua é uma tremenda perda de tempo. Palavras foram feitas para a gente falar elas, não sobre elas!

    — Lacrou! Será que esse idiota não tem nada de útil para fazer?

    — Nossa pet shop tem um playground animal para o seu dog! Venha conferir nossa sale: 50% off!

    — Proponho que o cidadão pague uma multa por cada palavra inglesa que usar. E deletem-se as disposições em contrário! Não, espera…

    OS ANGLOCÊNTRICOS

    OS ANTI-INTELECTUAIS

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    SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃO — Ó abre alas

    1. Como é que se escreve?

    2. Como é que se fala?

    3. Cascas de banana

    4. Cuidado com as patrulhas!

    5. A língua se reinventa

    6. Cuidado com os modismos!

    7. A guerra dos sexos

    8. Dúvidas numéricas

    9. Palavras emergentes

    10. Por quê? Por quê?

    11. Onde cantou o galo

    12. A origem mentirosa das palavras

    13. O charme do parentesco

    ÍNDICE REMISSIVO

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  • Ó ABRE ALASAPRESENTAÇÃO

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  • Toda palavra é adâmica:nomeia o homem

    Que nomeia a palavra.Murilo Mendes

    B

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  • 13

    Este livro é uma declaração de amor à língua portuguesa brasileira. Sim, eu disse “língua portuguesa brasileira”. Portuguesa porque foi inventada lá,

    brasileira porque faz mais de cinco séculos que a falamos aqui.

    É em nossa variedade mestiça, vocálica, plástica e colorida do idioma nascido há cerca de oitocentos anos na Península Ibérica, filho caçula do latim, que estão mergulhados hoje mais de 80% dos lusoparlantes.

    Pena que, no meio dessa multidão, não fal-tem os que falam mal da sua língua. Repare na preposição: falam mal da sua língua. Mesmo quando nem a falam tão mal assim.

    Dizem que o português brasileiro é erra-do, que só os irmãos d’além-mar sabem tratar a gramática como ela merece. Ou então dizem que esse idioma enrolado e difícil nunca prestou mesmo, já era uma desgraça antes de Camões — ah, quem nos dera falar uma língua de Pri-meiro Mundo!

    bbbbbbbbbbbb

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  • 14

    Há aqueles que, empenhados na causa nobre de estudar os falares do povo, desenvolvem um preconceito contra a língua-padrão e, por tabe-la, contra os séculos de beleza que a literatura nos legou. Terminam por proclamar — sem que ninguém dê muita bola, é verdade — a indepen-dência linguística do “brasileiro”.

    E existem os que se aproveitam da confusão generalizada para exercer os vis prazeres de corri-gir o que nunca esteve errado — e tome bobagens como “risco de morte”, “um peso e duas medidas” etc.

    Ainda nem falamos das saúvas clássicas: o analfabetismo funcional que assola a maioria da população, o pedantismo cafona do juridiquês, a barbaridade do corporativês, a importação ser-vil de estrangeirismos gratuitos e a tendência — aliás universal — ao chiclete viciante do clichê, da embromação, da entropia do sentido…

    Nesse quadro, muita coisa anda em falta no Brasil, a começar por uma educação de qualida-de minimamente aceitável. Mas talvez não seja piegas dizer que falta amor à língua também.

    bbbbbbbbbbbb

    zzzzzz

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    Os debates públicos sobre a língua andam chatos, pare-cendo diálogos de surdos. De um lado gritam os que defendem por puro reflexo a gramática tradicional (muitas vezes sem sequer dominá-la), convencidos de que o mundo vai acabar da próxima vez que alguém escrever “Me chama” em vez de “Chama-me” — como se isso não fosse banal na literatura brasileira há quase cem anos.

    Do outro lado, esgoelam-se aqueles que se baseiam nos es-tudos linguísticos modernos para abrir fogo contra qualquer fumaça de certo e errado, beirando a esculhambação de tra-tar o português bem transado, que procura atualizar a tra-dição dos bons autores em vez de dinamitá-la, como entulho normativista.

    Sem caretice e sem vale-tudo, este livro entende os argu-mentos dos dois lados, mas reserva-se o direito de não morrer abraçado com nenhum deles. Aposta que é possível cultivar a variedade culta da língua e ao mesmo tempo compreender que regras são historicamente determinadas, que nenhuma delas caiu do céu, e que no fim das contas o idioma é sempre atuali-zado por quem o fala. A mesma aposta inclui o reconhecimen-to da grande beleza que existe nisso.

    Sem submissão ao jeito lusitano, mas ao mesmo tempo sem esperneios de independência que pudessem transformar (que horror!) a poesia de Fernando Pessoa em terra estrangeira, Viva a língua brasileira! dança na corda bamba de sombrinha.

    Sim, feito a esperança de Aldir Blanc na canção “O bêba-do e a equilibrista” — um dos poetas da língua brasileira que teremos como guia de viagem.

    Tudo é erro x nada é erro: jogo arrastado

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    h

    OLHA QUEM ESTÁ FALANDO

    Ganho a vida com palavras, mas minha abordagem não é a de um linguista, gramático ou professor de português. Sou escritor e jornalista.

    Este livro é fruto de duas experiências pessoais: meio sé-culo como falante e quinze anos como pesquisador e colunista (na imprensa tradicional e na internet) especializado em lín-gua e linguagem, em nosso jeito de falar e escrever: o certo e o errado, o bonito e o feio, o como e o porquê, de onde viemos e para onde vamos.

    Se você acha nosso idioma dificílimo, ilógico, caidaço, ou acredita que conversar amorosamente sobre ele é perda de tempo — lamento, você está errado. Espero que este livro mude seu modo de pensar.

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  • Mas se você se orgulha de ser um falante nativo da língua de Carlos, Clarice, Chico e Clementina, se compreende o valor de respirar dia e noite o sexto idioma do mundo em número de falantes e o terceiro nas redes sociais — bem, parece que nós falamos a mesma língua.

    Digamos que, além disso, você se aborrece quando ouve algum bobo dizer que breakfasts são mais saborosos que cafés da manhã, pois sabe que o ultraconservadorismo é uma fura-da e que devemos dar boas-vindas a estrangeirismos e outras inovações, mas sem perder o senso de ridículo jamais.

    Nesse caso, não resta dúvida: você acaba de encontrar sua turma.

    Boa viagem!

    zzzzzz

    oooooo

    bbbbbbbbbbbbh

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    COITADA DA NORMA, TÃO CULTA!

    — E a Norma, hein?— O que é que tem?— Você não soube? Anda mal falada.— A Norma? Depois de velha? Mas ela é tão culta!— Pois é. E com aquela pose toda, a mania de ditar regri-

    nhas de bom comportamento, de corrigir todo mundo…— Mas o que foi que aconteceu?— Ora, o que aconteceu é que caiu a máscara da madame,

    né? Descobriram finalmente como ela é autoritária, elitista e preconceituosa. E pior, arbitrária, totalmente desconectada da realidade.

    — Puxa, eu sempre achei a Norma tão correta…— Correta demais, aí é que está. Era para desconfiar,

    acho que demorou. Parece que até aqueles amigos que ela se orgulhava de ter no ministério andam virando a cara para ela.

    — Ah, coitada. Eu sinto pena.— Pois eu acho ótimo. Nunca fiquei à vontade na presença

    da dona, sabia? Muitas vezes aconteceu de eu ter alguma coisa importante para falar e ficar com medo. Preferia nem abrir a boca.

    — Isso é verdade, a Norma sempre foi difícil.— Tá vendo? Nem você, que é meio puxa-saco, está dispos-

    to a defender a megera!— Estou, sim; defendo, sim. E você? Fica aí esculachando,

    mas até que está se expressando direitinho, do jeito que ela gosta.

    — Eu?— Você.— Ah, você não viu nada, meu amigo. A gente vamos bar-

    barizar!

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    A LÍNGUA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO?

    Quantas vezes você já ouviu que nossa língua é a mais complicada que existe? Bobagem. O português é uma das lín-guas mais fáceis do mundo, isso sim.

    Claro que depende do ponto de vista: aprender sueco, por exemplo, é moleza para quem fala dinamarquês. Mas um ranking elaborado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos (do ponto de vista dos falantes de inglês, portanto) si-tua nossa língua no grupo um, o dos idiomas acessíveis em que se pode ficar fluente com até seiscentas horas de estudo. Na mesma categoria estão francês, italiano e espanhol. No extre-mo oposto, o grupo quatro, o tempo de ralação sobe para 2200 horas. Ali estão árabe, mandarim, coreano e japonês.

    Quanto à mania brasileira de achar que o português é mais difícil que engenharia espacial, é como diria um velho professor rabugento:

    — Português não é difícil, você é que estudou pouco!

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    De onde tiraram isso?

    Baseada provavelmente na dor de cabeça real que acomete estrangeiros diante da arquitetura barroca de nossos verbos, a afirmação dispensa a necessidade de prova. O sujeito erra o gênero da palavra alface e pronto, lá vem a desculpa universal:

    — Também, como é difícil a porcaria dessa língua! Ah, se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses!

    Isso não quer dizer que o queixoso saiba holandês. É na imensa parcela monoglota da população que a crença na di-ficuldade insuperável do português encontra solo mais fértil. Não é uma conclusão a que se chegue depois de estudar latim, alemão, húngaro, russo e japonês. Ninguém precisa ter en-carado uma declinação — vespeiro do qual a gramática por-tuguesa nos poupou — para deplorar o desafio invencível da crase.

    O mito das agruras superlativas do português diz muito sobre a falência educacional brasileira.

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    PERDA DE TEMPO? NÃO: PILAR DA CIDADANIA h

    Existe uma parcela da sociedade brasileira — talvez pe-quena, mas certamente aguerrida, a julgar pelas mensagens furiosas que de lá me chegaram ao longo dos anos — que con-sidera a linguagem um não assunto. Escrever sobre ela seria o modo mais garantido de perder tempo, uma revoltante inu-tilidade.

    Trata-se de um equívoco de grandes proporções. As pala-vras nos falam dos pés à cabeça, do nascimento à morte, esteja-mos dormindo ou acordados. Ainda assim, para essas pessoas, não se pode falar delas. Como se a linguagem fosse um ponto cego, uma paisagem que, de tão vista, já não conseguimos ver. Apontá-la é inútil porque parece não haver nada lá.

    Certa vez o escritor americano David Foster Wallace abriu um discurso de paraninfo contando uma fábula singela. Dois peixes jovens cruzam com um peixe mais velho, que lhes per-gunta:

    — Como está a água hoje, rapazes?

    Os dois não respondem e, quando o veterano se afasta, se entreolham:

    — Água? O que é água?

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  • 22

    A TEORIA CÍVICO-LINGUÍSTICA DA CATEDRAL

    Foi em 2011, entrevistando o escritor israelense Amós Oz, que finalmente compreendi o tamanho do erro de ver na lín-gua um ponto cego do pensamento — mais do que um equí-voco típico da tradição anti-intelectual brasileira, o sintoma de uma deficiência mais grave. De uma falha cultural, quem sabe até cívica. Não creio que esteja exagerando.

    Estávamos num salão vazio no segundo andar do belo ho-tel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e Oz discorria com paixão sobre o idioma hebraico:

    — É um instrumento tremendo, ao mesmo tempo antigo e moderno. É cheio de ecos da antiguidade, os salmos e profe-tas estão todos lá, e no entanto é uma língua contemporânea. Deve-se ter muito cuidado com esse instrumento maravilhoso, como quem toca órgão numa catedral.

    A princípio não entendi. Cuidado por quê? Qual era o perigo?

    — Conjurar ecos monstruosos — explicou Oz. — Se você tocar sem querer certas cordas bíblicas, soará grotesco, ridí-culo. Isso é ótimo para a paródia e a ironia, mas você precisa saber o que está fazendo. É um campo minado.

    O pé-direito alto do salão em que nos encontrávamos pare-cia ilustrar o elegante argumento. Me ocorreu então um pen-samento que, embora talvez óbvio, recebi como uma epifania: toda língua é uma caixa de ressonância e um campo minado. Se um escritor de língua portuguesa dificilmente evocará pro-fetas, pode, de propósito ou não, conjurar num único texto os fantasmas de Camões, Vieira, Machado, Bandeira, Vinicius. Ou Didi Mocó.

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  • 23

    É a tradição literária acumulada e o peso que ela tem na cultura geral, dependente do grau de letramento da socieda-de, que vai determinar no fim das contas a intensidade dessa reverberação — a altura do pé-direito, por assim dizer, que tanto pode ser o de uma catedral magnífica como o de uma capelinha de província.

    Sentado ao órgão, o escritor produz a música que seu ta-lento lhe sopra, mas também a que sua caixa de ressonância lhe permite produzir. Ao mesmo tempo, ao contrário do que ocorre no mundo físico — o que demarca o limite da metáfora oziana —, os acordes que saem dos tubos têm o potencial de sustentar o teto, impedindo que ele desabe e até, nos casos mais felizes, ajudando a elevá-lo.

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