"sou uma mulher de tijolos à vista"

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SOU UMA MULHER DE TIJOLOS À VISTA

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Catálogo da exposição "Sou uma mulher de tijolos à vista" | Concepção Coletivo Ágata | Outubro 2015 | São Paulo - Brasil.

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Page 1: "Sou uma mulher de tijolos à vista"

SOU UMA MULHER DE TIJOLOS À VISTA

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Foto: Letícia Ranzani

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Foto: Luciana Dal Ri

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SOU UMA MULHER DE TIJOLOS À VISTA

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A mulher é uma construção. A artista também.

Ao nos depararmos com a frase “sou uma mulher de tijolos à vista”, durante a leitura do poema “A

mulher é uma construção”, de Angélica Freitas, não tivemos dúvida de que esse seria um ponto de

partida para a proposição que inaugura nosso espaço de trabalho. Assim, convidamos esse grupo de

mulheres para o exercício de refletir acerca de distintas subjetividades implicadas nas exigências de

conduta e comportamento ditos específicos do feminino.

Nesse sentido, a necessidade de entender o que é a construção de gênero é imperativa. As socie-

dades, ao atribuírem funções sociais distintas à partir da diferenciação dos sexos, criam uma gramáti-

ca, uma série de códigos que dividem de maneira dicotômica homens e mulheres e, com isso, a

valorização de um em detrimento do outro. Simone de Beauvoir já nos alertou há muito tempo: não

se nasce mulher, torna-se mulher.

Diferentes dispositivos agem na construção dessa mulher, atuando discretamente para que ela se

torne dócil, passiva, fértil, submissa, malhada, magra, produtiva, desejada e até sujeita a ser violada.

Ou seja, a norma aponta para uma perspectiva dominante que naturaliza uma série de desigual-

dades e violências.

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As narrativas aqui apresentadas, embora sejam frutos de experiências diferentes, encenam uma re-

alidade compartilhada, de fácil identificação para qualquer mulher. Tal constatação se mostrou clara

para nós na medida em que as obras foram se desenvolvendo e cada uma foi se reconhecendo no

processo criativo da outra, o que, mais uma vez, mostrou-se como campo de pesquisa para o Co-

letivo. Nesse caso específico, a metodologia que utilizamos foi impulsionada por trocas de

correspondências e encontros semanais, originando trabalhos para os quais podemos olhar a partir

de questões como a violência sexual, as imposições sobre o corpo e as opressões sociais.

Em diálogo, suas particularidades se espelham por meio de procedimentos e poéticas que partem

da ordem do feminino e, consequentemente, das regras e visões de mundo. Não é à toa que os tra-

balhos sublinham a decisão das artistas em responder com o mecanismo da sutileza à subjulgação,

e que aqui queremos destacar como uma estratégia de enfrentamento que cada um deles carrega.

Ao construir uma rede de conexões entre as artistas acerca dessa discussão e inserí-las em um pro-

cesso conjunto de produção, duas questões nos saltam aos olhos: o entendimento das potenciali-

dades do trabalho coletivo e o interesse, cada vez mais latente, por compartilhar as pesquisas. Este

lançar-se das artistas à proposta coletiva acena para o que parece ser essa figura (artista e mulher) na

contemporaneidade, alguém que se percebe na construção de si.

Coletivo Ágata

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A Convite do Coletivo Ágata, o trabalho é uma reflexão pinçada sobre a história da Santa protetora dos seios. Essa mulher, hoje santificada, recusou um pedido de casamento, foi perseguida e acusada de pertencer a seitas fora da lei. Condenada, Ágata foi esticada na roda, açoitada, marcada com ferros em brasa e, finalmente, teve seus seios cortados.

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Videoperformance

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Fotografia: pigmento mineral em papel algodão

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Esperamos do amor, e das relações amorosas, uma suposta sensação de eternidade. “ Felizes para sempre” apresenta uma série de fotografias que emolduram um silêncio amargo elaborado em es-tranhamento e ironia. Com um gesto violento é eliminada a identidade de casais presentes em re-produções de fotos antigas. As faces cortadas e depois costuradas, ocultam memórias desprezadas e funcionam como um refúgio para a dor.

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Um útero mal formado é como uma casa que não pôde ser preparada para receber uma visita impor-tante.

É reduto, também, de tantas mortes cotidianas: o desrespeito em relação a mulher, a desigualdade de gênero, a violência sexual, uma história social de um patriarcado opressor etc. Este conjunto de úteros está grávido de um grito de resposta. Foram feitos de forma a denunciar a má formação de todos nós, que educamos, que convivemos com estas injustiças e, essencialmente, nós, que as vivenciamos tão dolorosa e profundamente.

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[Instalação

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Roteiro

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O primeiro órgão a ser tocado quando escutamos algo é o nosso ouvido. Com força - às vezes a con-tragosto - a nossa orelha ecoa o som para dentro, que reverbera as vibrações nos tímpanos. A men-sagem pode ou não chegar ao cérebro, já que é possível ouvir, sem escutar.

A rotina, velha e má companheira de toda relação, dá seu empurrãozinho para que deixemos de reg-istrar a mensagem. E a surdez funcional faz com que aquilo que deveria surtir algum efeito, se torne algo que apenas ouvimos passivas.

Nossos roteiros são um convite para voltar a escutar. Baseados em fatos reais, os diálogos propõem a realização de uma musculação auricular a partir de pílulas diárias, verbalizadas tanto por homens, quanto por mulheres: eis os micromachismos, frases e atitudes consideradas corriqueiras, mas que carregam nas suas intenções uma violência de gênero decorrente da cultura machista que impera em nossa sociedade.

Agora, com os ouvidos afiados, o som se reverbera lá no fundo dos tímpanos e volta com força total, criando um eco nas fossas escafóides. Uma ode ao resgate do eco!

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“Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de

toda sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.”

Juramento de Hipócrates, século V a.C

A citação que empresta o título ao trabalho é um fragmento do juramento de Hipócrates, cuja versão original data do século V a.C, mas que ainda é proferido em todo o mundo pelos médicos, na ocasião de suas formaturas.

O corte, a cicatriz, as marcas nortearam a realização de um ensaio no espaço em que ocorre a ex-posição: uma antiga sala cirúrgica. Esse trabalho surge do exercício de verbalizar, ou tornar imagem, aquilo que provoca angústia: as marcas que um corpo carrega, seja pelos abusos cotidianos legitima-dos pela sociedade, seja pelas memórias vividas e acumuladas em cada corpo.

O trabalho nasceu do encontro entre um antigo ambiente hospitalar, agora transformado em espaço cultural, e as reflexões que pudemos compartilhar nesse processo a respeito da condição da mulher na contemporaneidade.Para mim, era importante pensar nas dicotomias implicadas. Confrontando a mulher (o feminino) x a medicina (o corpo), e vendo nesse cruzamento as violências, as marcas, os medos, as angústias, os desejos, os julgamentos, as imagens que se constroem ou as que idealizamos.

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Fotografia: pigmento mineral em papel algodão e texto

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Fotografia: pigmento mineral em papel algodão

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O feminino foi construído em casa, a exemplo das matriarcas, das sete Marias. Criada em uma casa habitada majoritariamente por mulheres, essa evocação se dá, essencialmente, pela memória que guardo delas. O cordão de Santa Filomena bem amarrado a altura do umbigo protege dos males das partes férteis e relembra que há um feminino a ser valorado, desde sempre.

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Isso é o som antes da voz quando o ar é pesado.Existem memórias que gostaríamos de perder: 6:45 a.m, desterro e a história escorre pelos poros. Me dói a ideia e o coração, mas certas coisas nos pertencem para além da memória e com compressas frias - e um pouco de tempo - se tornam carne. Não é uma dor solúvel em água, é o perigoso encadeamento das coisas.

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Cromo positivo em monóculo

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Objeto

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Fotografias que exibem mulheres com corpos estereotipados, estampadas nas revistas de moda, são o assunto de interesse no percurso de elaboração deste trabalho. Tais fotografias impregnam um con-ceito de beleza e geram padrões estéticos distantes do corpo das mulheres “comuns”, adaptando um ideal moralizado de contar a verdade da beleza corporal. Este projeto, intitulado como Corpo n’Outro, é formado por dois objetos criados a partir de minhas inseguranças íntimas e da vontade de colocar o corpo da mulher como atuante e crítico, podendo ter a chance de ser o que quiser, independente da imagem representada na revista. O intuito das peças construídas é transpor em fragmentos os múltiplos discursos sobre o corpo e refletir acerca do paradoxo de querer que ele seja visto, mas não que seja reconhecido.

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Multidão densa de indivíduos próximos, mas subjetivamente separados é uma investigação sobre identidade (a ideia do eu) em tempos virtuais. Coletei por quase um ano descrições em perfil de sites de relacionamento, buscando mapear todas as formas de criar um personagem, baseadas no retrato ou, neste caso, um autorretrato textual.A investigação acontece a partir da reflexão sobre o que é um retrato, e como podemos construir dif-erentes personas quando estamos nos colocando diante do outro. Formamos uma imagem ficcional de nós mesmos e utilizamos artifícios de criação de inúmeras máscaras que escondem a existência do sujeito original.

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instalação

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Fotografia: pigmento mineral em papel algodão

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Passei alguns meses imersa lendo Susan Sontag. Sou afeita à forma crítica como ela lê a fotografia, apontando uma tensão para a presença desse objeto em nossa cultura. Ela escreveu o livro Sobre fotografia no período em que foi diagnosticada com câncer.Dia desses, por uma grande coincidência, caiu na minha frente o livro A Photographer’s Life: 1990-2005, de Annie Leibovitz, companheira de Sontag por dez anos. A publicação apresenta uma vida com a fotografia – celebridades e grandes campanhas se misturam com o afeto familiar.Ali, Sontag surge na vida de Leibovitz, atravessa momentos reservados, mostra-se intimidada diante da câmera, adoece e morre em imagens. Parei nesse conjunto de fotografias, passei um tempo a ob-serva-lo.Sontag não foi considerada santa, como Ágata, mas igualmente teve seu seio mutilado por uma doença que a fez pensar e escrever. Combateu, por meio da palavra, o lugar da comiseração: “meu ponto de vista é que a doença não é uma metáfora e que a maneira mais honesta de encará-la – e a mais saudável de ficar doente – é aquela que esteja mais depurada de pensamentos metafóricos, que seja mais resistente a tais pensamentos.Por ora, é muito difícil fixar residência no país dos doentes e permanecer imune aos preconceitos decorrentes das sinistras metáforas com que é descrita a sua paisagem”.Sigo intrigada com a tensão entre a imagem que me fere e a palavra que tenta me tirar desse lugar.

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Esta fotografia faz um paralelo com a história e representação artística de Ágatha da Sicília, uma mul-her que foi perseguida até a morte por se negar a casar com um senador romano. De acordo com a história, Ágatha teve seus seios extirpados e expostos em uma bandeja. Nesse contexto, a imagem fotográfica nos dá a chance de olharmos por meio de um recorte simbólico do momento presente, a violência que as mulheres podem estar sujeitas.

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Fotografia: pigmento mineral em papel algodão

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Poesia e radiografia

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Como ouvir uma voz que não se diz? Ou escutar o que vem sendo silenciado? Tentei com este trabalho dar voz a tecidos femininos que não podem ser ouvidos. A úteros e ovários que desde que férteis, vão sendo tomados de maneira cíclica por substâncias e hormônios que mas-caram suas formas, texturas, vontades, inflamações e verdades. A poesia Diane35 simula uma cartela de anticoncepcional e foi exposta em conjunto com uma ra-diografia de quadril de uma mulher grávida datada de 1960 – ano em que a primeira pílula foi dis-ponibilizada para consumo nos Estados Unidos.

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Com a instalação, quis homenagear três mulheres que lutaram contra a ditadura e que, por isso mes- mo, foram desaparecidas: Ana Rosa Kucinski, Ísis Dias de Oliveira e Maria Lúcia Petit. Não encontrei informações sobre a vida de nenhuma, apenas sobre a morte. Parecem que nasceram militantes e viraram desaparecidas. Sabemos como foram torturadas, estupradas e como tiveram seus corpos de- saparecidos, mas nada sobre suas vidas. Para subverter a ordem mais uma vez e fazer a homenagem, fui atrás de um antigo namorado de uma, um irmão de outra e a irmã da terceira, para que me contassem como elas eram. Fui atrás de outras fotos, não as mesmas 3x4 em preto e branco que constam nos dossiês e livros publicados sobre o período, nem fotos em que elas aparecem com cara de assustadas segurando uma placa com data, de quando eram fichadas nas delegacias de ordem política e social. Fui atrás de fotos coloridas, em que exibem seus sorrisos com vida que quase nunca são mostrados. Fotos com buquês de flores, com taças de champagne do casamento ou da leitura do jornal no sofá, numa manhã de domingo. No áudio que acompanha as fotos, a vida das três foi celebrada: eram mulheres, sentiam saudade, queriam ser professoras ou artistas plásticas, mas não tiveram tempo para isso.

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Instalação

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fotografia: pigmento mineral em papel algodão

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- Já, já é uma mocinha!

A mocinha ri sem graça e não sabe de mais nada além de que já é mocinha por causa do sangue. E assim segue até a vida adulta, ignorante de seu próprio corpo.

O sangue menstrual é um assunto “tabu”. Se entre mulheres já é difícil de ser comentado natural-mente, com homens torna-se algo proibido, sem contar aqueles que ainda tem receio de chegar per-to de sua parceira se ela está “naqueles dias”. Diz-se “naqueles dias”, “dias de visita”, “sinal vermelho”, tudo para não se dizer: menstruação.

Rituais antigos travavam o ciclo menstrual como sagrado, a conexão da mulher com a natureza e a chegada da liberdade. Ele é tão poderoso que é capaz de mudar o humor, o comportamento, o corpo, a rotina. É preciso olhar para dentro de si e descobrir o feminino, entender esse ciclo como recomeço e renovação.

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Samantha era multipla, tantas dentro de si. Acontece que sempre a diziam como ela deveria ser, já que não passava de uma mulher. Pra se enquadrar em aquilo que esperavam mudou. Mudou tanto que passou a não se reconhecer. Ainda que grite seu nome pra si.

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Instalação

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Desenho em nanquim e aquarela

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A série “sê-la”, composta por desenhos em nanquim e aquarela, tem como intuito representar a busca do diálogo entre o corpo, o si e o mundo através do feminino.

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O projeto “Sou uma mulher de tijolos à vista” foi uma proposta de exercício criativo e crítico

do Coletivo Ágata. Durante 35 dias e três encontros semanais, as interlocutoras, por meio de

uma dinâmica de troca de correspondências e um grupo de discussão, foram provocadas

a desenvolverem um trabalho (obra e texto, ambos presentes neste catálogo) tendo como

ponto de partida a visão de cada uma sobre a condição da mulher na contemporaneidade.

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Foto: Luciana Dal Ri

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Foto: Luciana Dal Ri

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REALIZAÇÃO:

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APOIO:

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