solidariedade e tutela dos interesses difusos e coletivos … neves... · resumo no presente...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sérgio Neves Coelho SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR MESTRADO EM DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS São Paulo 2012

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Page 1: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Neves Coelho

SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E

COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR

MESTRADO EM DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

São Paulo

2012

Page 2: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Neves Coelho

SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E

COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR

Dissertação de Mestrado apresentada à

Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, sob a

orientação da Professora Doutora Regina

Vera Villas Bôas.

São Paulo

2012

Page 3: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura_________________________________________________ Abril/2012 e-mail. [email protected]

C672 Coelho, Sérgio Neves. Solidariedade e tutela dos interesses difusos e coletivos: visão interdisciplinar / Sérgio Neves Coelho. - São Paulo: s.n., 2012. 167 f.

Orientadora: Prof. Dra. Regina Vera Villas Bôas.

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2012.

1. Direitos difusos. 2. Solidariedade. 3. Solidariedade no Direito. 4. Solidariedade nos direitos difusos e coletivos. I. Villas Bôas, Regina Vera. II. Título

CDD 347.053

Page 4: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________

Page 5: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

Dedico a Deus, à minha família,

especialmente à minha mãe,

amigos, colegas do trabalho e

orientadora pelo apoio, força,

incentivo, companheirismo e

amizade.

Page 6: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, presente nas

escolhas da minha vida.

À minha orientadora um

agradecimento por todos os

momentos de paciência,

compreensão e competência.

Page 7: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

"Você pode conseguir

qualquer coisa que queira na

vida se você ajudar o

suficiente outras pessoas a

conseguirem o que elas

querem."

Zig Ziglar

Page 8: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

COELHO, Sérgio Neves. A solidariedade como fundamento dos direitos difusos e coletivos: visão interdisciplinar. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Direito). - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

RESUMO

No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos

na Filosofia, Etologia, Sociobiologia, Sociologia, Religião e áreas do Direito, em

pesquisa qualitativa e bibliográfica, para demonstrar que para efeito dos

direitos difusos e coletivos o conceito a ser adotado como fundamento da tutela

é o da solidariedade tendo em vista o ponto de vista altruístico, a preocupação

com a vulnerabilidade desses interesses, quer pela hipossuficiência dos

titulares protegidos (idosos, infância e juventude), quer pela dificuldade de sua

defesa (meio ambiente patrimônio público). Essa solidariedade não diz respeito

à indivisibilidade, mas no tocante à colaboração, com o significado que veio a

adquirir depois, de sólido, unido, para cooperação, colaboração, preocupação

com terceiros.

Palavras-chave: Solidariedade; Interesses Difusos e Coletivos; Direitos Difusos

e Coletivos.

Page 9: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

COELHO, Sérgio Neves. A solidariedade como fundamento dos direitos difusos e coletivos: visão interdisciplinar. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Direito). - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

ABSTRACT

Solidarity is discussed in this paper under Philosophy, Ethology, Sociobiology,

Sociology, Religion and Law concepts, in a bibliographic qualitative research, in

order to bring to light that, for the purposes of diffuse and collective rights, the

concept to be adopted as the basis for protection is solidarity in an altruistic

point of view, in concern about the vulnerability of these interests, whether

protected by under sufficient holders (elderly, children and youth) or the

difficulty of being defended (environment and public equity). This solidarity do

not respect the indivisibility, but when it comes to collaboration, with its meaning

that later came to acquire solid, wedded, for cooperation, collaboration, concern

for others.

Key words: Solidarity; Diffuse Interests; Cooperation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO I 13

1 CONCEITO DE SOLIDARIEDADE 13

1.1 SOLIDARIEDADE NA FILOSOFIA 15

1.2 SOLIDARIEDADE NA ETOLOGIA E NA SOCIOBIOLOGIA 28

1.3 SOLIDARIEDADE NA SOCIOLOGIA 38

1.4 SOLIDARIEDADE NA RELIGIÃO 46

CAPÍTULO II 57

2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO 57

2.1 SOLIDARIEDADE NO DIREITO ROMANO 58

2.2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL 59

2.3 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CIVIL 61

2.4 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL 64

2.5 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PENAL 66

2.6 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL 68

2.7 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO TRABALHO 71

2.8 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COMERCIAL 72

2.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 74

2.10 SOLIDARIEDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO 78

2.11 SOLIDARIEDADE NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 81

2.12 SOLIDARIEDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO 84

CAPÍTULO III 86

3 CONCEITO DE INTERESSE 86

3.1 CONCEITO DE INTERESSE NO DIREITO E DISTINÇÃO DOS

INTERESSES 87

3.2 INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO 90

3.3 INTERESSE SOCIAL 93

3.4 INTERESSES METAINDIVIDUAIS OU TRANSINDIVIDUAIS 94

Page 11: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

CAPÍTULO IV 96

4 CONCEITO DE INTERESSES DIFUSOS 96

4.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES

DIFUSOS 102

CAPÍTULO V 106

5 CONCEITO DE INTERESSES COLETIVOS 106

5.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES COLETIVOS 114

CAPÍTULO VI 116

6 SOLIDARIEDADE NOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS 116

6.1 SOLIDARIEDADE NO DIREITO AMBIENTAL 118

6.2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO CONSUMIDOR 120

6.3 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE 123

6.4 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO IDOSO 126

6.5 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DA PESSOA PORTADORA DE

DEFICIÊNCIA 128

6.6 SOLIDARIEDADE NO DIREITO À SAÚDE 130

6.7 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DAS MINORIAS 132

6.8 SOLIDARIEDADE NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E

SOCIAL 134

6.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 136

CAPÍTULO VII 140

7 SOLIDARIEDADE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA 140

CONCLUSÕES 149

BIBLIOGRAFIA 150

Page 12: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

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INTRODUÇÃO

No mundo moderno, em que as relações jurídicas passam a ser

massificadas e padronizadas, surge uma nova classe de interesses a

ultrapassar o caráter individual dos conflitos de interesses.

Importa aferir quais os fundamentos dessa nova classe de interesses,

com a superação das questões meramente processuais que têm constituído o

cerne dos debates a seu respeito.

A tutela dos interesses difusos e coletivos, a par de seu aspecto de

indivisibilidade, que é característica de seu objeto, envolve um outro viés da

solidariedade: o de cooperação, colaboração e fraternidade.

O termo solidariedade em sua etimologia inicialmente foi empregado

com o significado de solidez, unidade, indivisibilidade, inclusive no Direito.

Somente depois também passou a ser utilizado com o aspecto aqui

especialmente tratado, de sentimento que leva a prestar auxílio a outrem, de

responsabilidade de membros de um grupo social.

Essa solidariedade encontra antecedentes biológicos, sociais, filosóficos

e religiosos.

A solidariedade, quer no seu aspecto de indivisibilidade, quer no de

cooperação e colaboração no auxílio de alguém, embora seja também

encontrada nos diversos ramos do Direito, se faz sempre presente na tutela

dos interesses difusos e coletivos.

A solidariedade no sentido de indivisibilidade é reconhecida como

característica essencial dos interesses difusos e coletivos.

Procura-se aqui demonstrar que ao lado da vulnerabilidade de seus

titulares, os interesses difusos e coletivos têm também como fundamento a

solidariedade, no seu sentido de fraternidade, cooperação. Essa solidariedade

é essencial para o acesso à Justiça na proteção desses direitos.

O objetivo deste trabalho é igualmente apresentar a atual concepção do

conceito de solidariedade na tutela dos direitos difusos e coletivos e sua

importância para a compreensão dessa proteção.

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As hipóteses levantadas neste trabalho basearam-se em pesquisa de

autores da literatura nacional e estrangeira que trataram da concepção do

conceito solidariedade e a relação com os direitos difusos e coletivos.

A dificuldade foi pesquisar a variação do conceito ao longo dos tempos

em diversas áreas do conhecimento sem perder de vista o enfoque nos Direitos

Difusos e Coletivos e apresentar a confrontação e intersecção das concepções.

A interdisciplinaridade aqui perseguida mostra-se essencial para o

efetivo entendimento do conceito de solidariedade e sua essencialidade na

tutela dos interesses difusos e coletivos.

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CAPÍTULO I

1 CONCEITO DE SOLIDARIEDADE

A palavra solidariedade, como anota A. Domingo Moratalla1 é

substantivo abstrato, derivado do adjetivo solidário, que deriva da expressão

latina in solidum, com o qual se denomina um tipo especial de relações

jurídicas.

Solidariedade significa qualidade de solidário; responsabilidade

recíproca entre elementos de um grupo social, profissional, etc.; sentimento de

partilha do sofrimento alheio; sentimento que leva a prestar auxílio a alguém;

adesão ou apoio a uma causa, a um movimento ou a um princípio2. Estado ou

condição de duas ou mais pessoas que repartem entre si igualmente as

responsabilidades de uma ação, empresa ou um negócio, respondendo todas

por uma e cada uma por todas; mutualidade de interesses e deveres; laço ou

ligação mútua entre duas ou muitas coisas dependentes umas das outras3.

Sentimento de identificação com os problemas de outrem, o que leva as

pessoas a se ajudarem mutuamente; sentimento de simpatia, de identificação

com os pobres, os desprotegidos; a expressão desse sentimento (ajuda;

amparo; apoio); manifestação de identidade de sentimentos ou ideias

(solidariedade política; solidariedade partidária); cooperação; coparticipação;

assistência moral, espiritual, que se concede a alguém, por simpatia; laço de

união fraternal que une as pessoas pelo simples fato de serem semelhantes

(solidariedade humana); amizade, companheirismo, irmandade4.

Em inglês solidarity, em espanhol solidaridad, em francês, solidarité, em

italiano solidarietà, em romeno, solidaritate, em galego, solidariedade, em

catalão, solidaritat, em alemão, solidarität, em polonês, solidarnosc, em

1MORATALLA, A. Domingo In: VILLA, Mariano Moreno. Dicionário do pensamento contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000. p. 706-707. 2 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2006. 3 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 1966. 4 DICIONÁRIO Aulete. Disponível em: < http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital>.

Page 15: SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS … Neves... · RESUMO No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia,

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holandês, solidariteit, todos com a origem do termo latino solidarietatis. Daí

denota-se a força do conteúdo de tal vocábulo, com a evolução adquirida, a

espraiar-se em outras línguas sem a raiz latina, com sentido jurídico originário

de indivisibilidade e ligação e o posterior, de cooperação, colaboração e

altruísmo.

Na acepção jurídica, conforme anota Maria Helena Diniz5, solidariedade

tem o sentido de qualidade de solidário; estado em que duas ou mais pessoas

assumem igualmente as responsabilidades de uma empresa de negócios,

obrigando-se todas por uma ou por todas; mutualidade de interesses; por

inteiro; dependência recíproca. Já em Sociologia geral, segundo ela, é a

condição grupal que resulta da comunhão de atitudes, fazendo com que o

grupo seja sólido e resistente às forças exteriores ou o dever moral de

assistência entre os membros de uma mesma sociedade, enquanto

considerados como um todo.

A. Domingo Moratalla6, com acuidade, menciona que a solidariedade se

transformou num princípio fundamental para entender o posicionamento do

homem contemporâneo, em razão da relação da espécie humana com a

natureza, da construção da identidade pessoal às margens da sociedade e que

a esperança não se embasa em projetos históricos de transformação social

mas, em pequenos relatos.

Referido autor observa ainda que o termo, além de raízes jurídicas, tem

antecedente filosófico, encontrado na cultura grega, na harmonia que deve

haver entre o todo e a parte e entre o eu e o nós. Também aponta uma terceira

procedência, no âmbito da Teologia, no estabelecimento da aliança entre Javé

e o povo judeu. No Novo Testamento essa solidariedade passa a adquirir

abrangência universal, com uma nova fraternidade (ágape), a transpor os

limites da lei israelita (lei do talião)7.

E esse viés do conceito de solidariedade, de fraternidade, amizade,

ligação social, construído pela Filosofia e pela Religião foi encontrado no

comportamento animal através de recentes estudos biológicos.

5 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 509. 6 MORATALLA, A. Domingo In: VILLA, Mariano Moreno. 2000. p. 706-707. 7 Ibidem

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1.1 SOLIDARIEDADE NA FILOSOFIA

Como afirma Robert C. Solomon8, a solidariedade, especificamente, não

é um sentimento simples e envolve, na verdade, componentes competitivos de

“interesse próprio”, além de puro altruísmo e preocupação com o outro.

Conforme Adam Smith9,

[...] por mais egoísta que se possa supor o homem, ‘há evidentemente alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela fortuna dos outros e lhe tornam necessária a felicidade desses outros, embora dela nada lhe venha a não ser o prazer de vê-la. Um deles é a piedade ou a compaixão, emoção que se sente pelo sofrimento do outro, assim, o maior dos rufiões, o mais enrijecido violador das leis da sociedade não é totalmente privado dela [...].

A respeito da solidariedade em Hegel e Heidegger, Rodrigo dos Santos

Manzano10 aponta que segundo Hegel, “negar a importância do outro é negar o

próprio conhecimento, é querer se retirar da coexistência, da convivência, é

viver inautenticamente”, como diria Heidegger.

E acrescenta que conforme esses filósofos, pensar sobre a humanidade,

a dialética, o indivíduo e a comunidade, e assim nos posicionarmos de um

modo diferente, que nos leve mais ao próximo, que busquemos mais sua

evolução, seu crescimento, e que faça crescer em nós os laços de

solidariedade, não é algo tão irracional. Pelo contrário, nosso tempo pede como

desafio um olhar mais meticuloso e cuidadoso às necessidades do próximo,

porque diferenças, e possíveis rivalidades, vão se tornando mais nítidas e

ameaçam até mesmo as sociedades mais avançadas em todo o mundo. De

acordo com esse autor, reconhecer o outro como uma parte de um todo

compartilhado é algo necessário, ou seja, primordial. O verdadeiro sentimento

de humanidade, de humanismo, urge a partir do reconhecimento do outro neste

processo em que cada um se torna interdependente. A partir da abertura para

8 SOLOMON, Roberto C. O prazer da filosofia: entre a razão e a paixão. Rio de Janeiro: Record. 2011, p.164. 9 SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.185. 10 MANZANO, Rodrigo dos Santos. Filosofia, ciência & vida. São Paulo: Escala, ago, 2010, p. 27.

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o outro, reconhecendo a dignidade deste, podemos repensar as relações e até

novas noções éticas para toda a humanidade.

Segundo Demétrio11 a doutrina aponta a Antiguidade Clássica como o

momento em que são encontrados os primeiros escritos acerca do valor

solidariedade. E eles se deram como forma de se contrapor à teoria

individualista do sofista Protágoras que afirmava que “o homem é medida de

todas as coisas, das que são o que são, e das que não são o que não são12”.

Acresce, ainda, que a famosa frase protagórica traduziu com precisão o

pensamento de seu autor, indicando que o homem, ser pensante, bastava por

si só, constituindo o viver em sociedade, não uma necessidade, mas uma

simplória opção humana.

Afirma que são nas lições de Sócrates, Platão e Aristóteles que se

localizam os argumentos filosóficos contrários ao individualismo. De acordo

com essa ideia, Pedro Buck Avelino sinaliza para o fato de que as péssimas

consequências do individualismo são claramente expostas “no diálogo Górgias,

de Platão, em que Callicles, político ateniense, em conversa travada com

Sócrates, expressa o seu peculiar" ponto de vista, de que poder/força é direito:

“Minha crença é que o direito natural consiste em que o homem mais capaz e

mais inteligente comande os seus inferiores e obtenha a maior parte dos

bens13.”

Entretanto, “informa que a superação desse conceito equivocado de

direito vem na utópica obra A República, quando Platão, afirmando sua

predisposição para a generalidade em detrimento da individualidade, reproduz

diálogo travado entre Sócrates e Glauco”.

Sócrates: Poderás dizer-me se nas outras repúblicas os magistrados tratam a seus companheiros como amigos e a outros como estranhos?

11SILVA, Cleber Demétrio Oliveira da. O princípio da solidariedade. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9315>, p.14. 12 Ibid. , p. 230. 13 Ibid. , p. 231.

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Glauco: Nada de mais frequente.

Sócrates: Assim, pensam e dizem que os interesses de uns lhes importam e de outros não?

Glauco: Certamente.

Sócrates: Entre nossos guardiões, porém, haverá um sequer capaz de dizer ou pensar que algum dos que velam, como ele, pelo bem-estar público lhe é indiferente ou estranho?

Glauco: De nenhum modo. Porque cada qual verá nos outros um irmão ou irmã, pai ou mãe, filho ou filha, algum propínquo, em suma, em linha ascendente ou descendente.

Sócrates: Muito bem; porém, há mais coisas a responder-me. Contentar-te-ás em ordenar que só da boca se tratem como parentes? Ou exigirás também que os atos correspondam às palavras e que os cidadãos tenham para com os pais todo o respeito e atenções e submissão pela lei prescrita aos filhos em relação aos progenitores? Não lhes dirá que, se faltarem a estes deveres, pecam contra a justiça e piedade e incorrem, por isso mesmo, na ira dos deuses e dos homens? Farão, acaso, todos os cidadãos ressoar aos ouvidos dos filhos outras máximas diferentes destas com referência à conduta que devem ter para com aqueles a quem se lhes faça considerar como pais ou parentes?

Glauco: Sem dúvida que não: seria irrisório que tivessem constantemente na boca, os nomes que exprimem parentesco sem cumprir os respectivos deveres.

Sócrates: Assim, em nossa república, mais do que em todas as outras, como a pouco dizíamos, quando ocorrer algo de bom ou de mau a um cidadão, todos dirão a um tempo: meus negócios vão bem ou meus negócios vão mal.

Glauco: É verdade.

Sócrates: Não acrescentamos que, em virtude desta persuasão e deste modo de falar, haverá entre eles comunhão de alegrias e dores?

Glauco: E com razão o dissemos.

Sócrates: Nossos cidadãos participarão, pois, em comum dos interesses de cada indivíduo particular, interesses que considerarão como seus próprios, e, em virtude desta união, todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores.14

Platão indicava o caminho da solidariedade como forma de assegurar

uma convivência social justa e harmoniosa. Seus pensamentos de

14 AVELINO, Pedro Buck. Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 53, out/dez, São Paulo: RT, 2005, p. 233-234..

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generalidade são influenciados pelas tendências de Esparta15 e Creta, cidades-

estado que defendiam a ideologia da generalidade, ao contrário de Atenas que

consagrava a individualidade.

Ainda de acordo com Pedro Buck Avelino, “na mesma senda generalista,

Aristóteles contrapôs-se ao individualismo, ponderando, no livro Política, que "o

homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que

vivem juntos."16. Segundo a teoria aristotélica, “o Estado seria o primeiro objeto

a que se propôs a natureza, uma vez que o todo existe necessariamente antes

da parte”.

O autor ainda acentua que Aristóteles se diferencia de Platão em seus

fundamentos contra o individualismo. O primeiro preza o todo, o conjunto sem

qualquer motivação diversa, a não ser considerá-lo como uma necessidade

básica e natural. Platão, entretanto, não se desampara do indivíduo, vendo na

vida em sociedade algo mais do que mera imposição natural. Aristóteles reúne

uma finalidade à vida em coletividade ao enxergar na convivência coletiva uma

maneira de cada integrante do grupo social poder viver melhor.

A solidariedade é abordada por Aristóteles na amizade. Nesse sentido,

explica Carvalho17, que quando tomamos como ponto de partida as relações

interpessoais, vemos aparecer uma plêiade de palavras que podem, em um

primeiro momento, ser tomadas como sinônimas: afinidade, simpatia, afeição,

amor, ternura, intimidade, comunidade, benevolência, etc. Esses sentimentos

designariam atitudes nas quais se conserva certa reciprocidade, proximidade,

semelhança, solidariedade e atração espontânea, o que implica sempre em

vivência gratificante para as partes envolvidas, de maneira que permitem aos

sujeitos acolher o outro enquanto diverso, ligando-os naquilo que é comum.

15 Pedro Buck Avelino explica que, em Esparta, não se admitia a figura da família, “sendo todos os atos praticados coletivamente, como, v.g. as refeições (em refeitórios públicos). A educação também era a mesma para mulher como para o homem” (Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na constituição de 1988, p. 234). 16 ARISTÓTELES, Política. Sao Paulo: Martin Claret, 2008. 17 CARVALHO, Alonso Bezerra. A filosofia da educação kantiana: educar para a liberdade. In: UNIVERSIDADE Estadual Paulista. Prograd. Caderno de formação: formação inicial de professores Filosofia da Educação. São Paulo: Cultura Acadêmica. 2010, p. 43-59.

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Conforme ainda esse autor, nesse sentido, “a amizade corresponde a

um laço de benevolência e de intimidade entre duas (ou várias) pessoas, não

se apoiando nem sobre o parentesco nem sobre a atração sexual, nem sobre o

interesse ou as conveniências sociais” (MAISONNEUVE, 2004, p. 13). Evocada

e experimentada pelos homens desde os relatos homéricos e bíblicos, é em

Aristóteles, especialmente nos livros 8 e 9 d’Ética a Nicômaco (1988), que

Aristóteles a apresenta de maneira organizada e definida. Em A Política (1993),

Aristóteles oferece uma primeira definição ou finalidade, ou seja, que a

amizade tem uma função política. Isto significa que quando o legislador

estabelece as leis ele deve ter os olhos fixos em duas coisas: o território e os

homens. Nesse aspecto, a cidade não tem uma vida solitária, isolada, mas se

localiza numa região e por isso deve estar aberta à convivência com outras

cidades. Segundo ele, mesmo que a guerra esteja no horizonte dessas

convivências, a amizade ainda é o maior dos bens que elas podem construir,

no sentido de evitar ao máximo a discórdia. Para Aristóteles, a amizade parece

ser o laço que une as cidades, e os legisladores parecem concordar que ela é

mais que a justiça. Eles buscam, com efeito, manter a concórdia e banir a

discórdia, vendo nesta a calamidade mais temível das comunidades políticas:

ora, a concórdia é um sentimento próximo à amizade. Aliás, se os cidadãos

estiverem unidos pela amizade, não será mais necessária a justiça, mas

mesmo havendo justiça, ainda assim, seria necessária a amizade. Enfim,

“somente a mais alta forma de justiça parece ter a mesma natureza da

amizade” (ARISTÓTELES, 1988, p. 31).

E, conforme Carvalho,

[...] unidade da cidade é obra da amizade, ou seja, uma cidade é a comunidade da vida feliz, perfeita e autárcica, e as relações que permitem essa vida em comum – a justiça – são obras da amizade, pois ela é a escolha refletida de viver e conviver juntos. Portanto, fonte de felicidade para cada indivíduo e elemento de concórdia para a cidade, a amizade deve ser entendida como uma questão ética e política. É por isso que Aristóteles não se interessa pelas múltiplas formas de relações humanas a partir das afeições, mas privilegia a análise das relações objetivas e públicas da amizade. Do ponto de vista político, descreve as diferentes amizades que constituem a cidade em seus diferentes níveis (camaradas, amante e amado, marido, esposa, filho e filha, pai e mãe, concidadãos, etc.) e do ponto de vista ético, a amizade é indispensável mesmo para um homem feliz e autárcico, possuidor de todos os outros bens. Enfim, é um bem útil ao homem visto que ele é um ser finito e limitado, dotado de necessidades

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múltiplas que não pode se satisfazer sozinho, mas somente em uma cidade [...]. (CARVALHO, 2010)

Maria Cecília Baetas Dyrlund aponta18 que o tema da solidariedade já

era abordado há muito tempo antes de integrar o campo jurídico, pois fazia

parte de estudos filosóficos e sociológicos e ainda das questões religiosas.

A autora corrobora a ideia de que no curso da história humana sempre

foi posto em dúvida, se de fato o “homem é um ser social em decorrência da

natureza ou por necessidade para sua sobrevivência”. É demonstrável que

predomina a tese da natureza social do homem, entretanto, não se pode

olvidar que a tese contratualista, que abarca a necessidade com fundamento

da solidariedade, desempenhou profunda influência na sociedade moderna.

Para os contratualistas a sociedade é constituida por um acordo de vontades e

a solidariedade só existe pela necessidade. Dessa maneira, apesar de seu

instinto maléfico, o homem, por causa da razão encontra uma nova maneira

para superar o estado da natureza e alicerçar o estado social, por de um

mecanismo que é o contrato social, citando Dallari.

De acordo com as ideias de Maria Cecília Baetas Dyrlund, existem

várias teorias naturalistas. Entre seus seguidores, temos entre outros,

Aristóteles, Cícero, São Tomás de Aquino, Kropotki, Léon Duguit, Matt Ridley.

Aristóteles dizia que “não há homem fora da sociedade, fora da

comunidade, e o Homem é um animal político” (ARISTÓTELES, 1965 p. 13, 16,

19.).

Cícero afirmava que “[…] a espécie humana não nasce para o

isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que mesmo na

abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum” (apud

DALLARI, 2000).

Ela aponta que a solidariedade, segundo Léon Duguit, é um fato social.

O autor afirma que a solidariedade social de acordo como a compreende, tal

como ele a crê, deve ter sentido científico, não é um sentimento, e menos

ainda uma doutrina; nem é sequer um princípio de ação. É, de acordo com ele,

18 DYRLUND, Maria Cecília Baetas. Dicionário de filosofia do direito, Vicente de Paulo Barroso (org.). São Leopoldo: Unisinos, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 774-775.

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um fato de ordem real suscetível de demonstração direta: é o fato da estrutura

social mesmo (DUGUIT, 1920). E acresce que também para Matt Ridley, cujos

estudos se fundam no aspecto biológico da solidariedade, que:

[...] é esse fato social, uma vez que não se pode pensar o indivíduo sem estar inserido na sociedade; só se concebe o ser humano como pertencente a um determinado grupo social. O ser humano isolado não desenvolve a sua humanidade e não se realiza como tal. Por outro lado, a sociedade depende da individualidade de cada ser humano para ser coletividade [...]. (RIDLEY, 2000, p. 12-13)

Com Hobbes (1588/1679), Locke (1632/1704) e Rousseau (1712/1778)

surge a teoria contratualista, na qual o Estado é considerado mera ficção

humana e enseja a vida em coletividade.19

Cleber Demétrio Oliveira da Silva aponta que Locke expõe uma visão

diferente da visão de Aristóteles em relação ao conceito de Estado. Enquanto

este o enxergava como uma criação natural, anterior ao próprio homem, aquele

filósofo moderno o entendia como mera ficção humana viabilizadora da vida em

coletividade.

Aduz indica que Maquiavel, Shakespeare e Bacon souberam identificar

aspectos diferentes e menos nobres da natureza humana em ação como, por

exemplo, a crueldade, a misantropia, a vilania e a dissimulação, desenvolvendo

alguns raciocínios pela valorização das ações positivas do ser humano. Nessa

direção, cabe citar o inglês Thomas More (1478-1535), que em sua obra,

escrita em latim e em 1513, A Utopia, aludiu que a natureza quer que o bem-

estar seja igualmente dividido entre todos os membros do gênero humano, e,

desse modo, sinaliza que não se devem perseguir os interesses individuais em

detrimento da infelicidade alheia.

Cleber Demétrio Oliveira da Silva assegura que “no Século XVIII, David

Hume (1711/1776), filósofo escocês, naquela que seria a sua principal obra,

intitulada Tratado da Natureza Humana (1739-1740), igualmente a Aristóteles,

afirmou que todas as criaturas humanas estão relacionadas entre si pela

semelhança”. Portanto, suas existências, interesses, paixões, dores e prazeres

devem nos tocar vivamente, produzindo uma emoção similar à original – pois

19 SILVA, 2006, p.7.

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uma ideia vivida converte-se facilmente em uma impressão. Se isso é verdade

em geral, quanto mais no que diz respeito à aflição e à tristeza, que exercem

uma influência mais forte e duradoura que qualquer prazer ou satisfação.

Diz que muito embora o filósofo escocês não tenha expressamente

referido o vocábulo solidariedade em seu escrito, é possível relacionar sua

manifestação acima com a ideia atual de solidariedade, que na lição de Luis

Renato Ferreira da Silva, ao citar entendimento de Christophe Jamin, pode ser

vinculada "à noção de cooperação" entre as pessoas.

Os principais filósofos, nos séculos XVIII e XIX, a discutirem a ética são

o francês Jean-Jacques Rousseau e os alemães Immanuel Kant e Friedrich

Hegel (1770-1831). De acordo com Rousseau, “o homem é bom por natureza e

seu espírito pode sofrer aprimoramento quase ilimitado”. Para Kant, ética é a

obrigação de agir segundo regras de cunho universal, comuns a todos os seres

humanos por serem oriundas da razão. O fundamento da moral é dado pela

própria razão humana: é a noção de dever que é estabelecida. O

reconhecimento dos outros homens, como fim em si e não como meio para

alcançar algo, é o principal motivador da conduta individual. Hegel divide a

ética em subjetiva ou pessoal e objetiva ou social. A primeira é uma

consciência de dever; a segunda, formada por costumes, leis e normas de uma

sociedade. O Estado reúne esses dois aspectos em uma "totalidade ética”.20:

O pensamento de Kant sobre a solidariedade se fundamenta na

insociável sociabilidade à sociedade cosmopolita. Explica Carvalho21 que:

[...] os homens estão dotados da capacidade de se antagonizarem para o desenvolvimento de todas as suas disposições naturais. O antagonismo torna-se, ao fim, a causa de uma ordem regulada por leis. Kant chama-o de a ‘insociável sociabilidade’, isto é, a inclinação dos homens “a entrar em sociedade”, mas com a tendência de “uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver essa sociedade [...]. (CARVALHO, 1986, p. 13)

20 MARQUES, Paulo et al. Algo sobre vestibular e concurso, ética. s.d. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/sociofilosofia/etica.html> Acesso em: 21 out. 2011. 21 CARVALHO, 2010, p. 43-59

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A natureza semeou essa disposição no homem e fez dela o meio para que se

cumpra a sua finalidade e de acordo com Carvalho:

[...] Kant explica que o homem tem tendência para associar-se, porque assim se sente mais como ser humano, entretanto, está disposto também a separar-se (isolar-se), querendo conduzir tudo em seu proveito, mesmo sabendo que terá oposição, o que o levará também a se opor. É essa resistência que desperta todas as suas forças e o induz a vencer a inclinação para a preguiça e, movido pela ânsia de honras, do poder ou da posse, para obter uma posição entre os seus congêneres, que ele não pode suportar, mas de que também não pode prescindir [...]. (KANT, 1995, p. 26).

De acordo com Paulo Marques22, Nietzsche critica a moral tradicional,

derivada da religião judaico-cristã, pelo fato de subjugar os instintos e as

paixões à razão. Essa é a "moral dos escravos", que nega os valores vitais e

promove a passividade e o conformismo, resultando no ressentimento. Em

oposição a ela, propõe a "transvaloração de todos os valores", que funda a

"moral dos senhores", preconizando a capacidade de criação, de invenção, de

potência. O ser humano que assim consegue superar-se é o super-homem, o

que transpõe os limites do humano.

Segundo o autor, a valorização da autonomia do sujeito moral leva à

busca de valores subjetivos e ao reconhecimento do valor das paixões, o que

acarreta o individualismo exacerbado e a anarquia dos valores. Resulta ainda

na descoberta de várias situações particulares com suas respectivas morais:

dos jovens, de grupos religiosos, de movimentos ecológicos, de homossexuais,

de feministas, e assim por diante.

Conforme ainda se extrai do artigo de Paulo Marques, essa divisão leva

ao relativismo moral, que, sem fundamentos mais profundos e universais,

baseia a ação sobre o interesse imediato. É dentro dessa perspectiva que o

filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970) afirma que a ética é subjetiva, não

contendo afirmações verdadeiras ou falsas. Defende, porém, que o ser humano

deve reprimir certos desejos e reforçar outros se pretende atingir a felicidade

ou o equilíbrio. Como reação a essas posições, o novo iluminismo,

representado por Jürgen Habermas (1929-), desenvolve a Teoria da Ação

22 MARQUES, Paulo et al., s.d

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Comunicativa, dentro da qual fundamenta a ética discursiva, baseada em

diálogo, por sujeitos capazes de se posicionar criticamente diante de normas. É

pelo uso de argumentos racionais que um grupo pode chegar ao consenso, à

solidariedade e à cooperação.

A solidariedade em Gadamer, conforme Raimundo José Barros Cruz23

está intimamente relacionada a sua concepção de linguagem. Um de seus

ensaios, que estruturam o segundo volume da obra Verdade e Método,

intitulado O Planejamento do Futuro, trata da real necessidade de uma práxis

solidária na perspectiva hermenêutica do filósofo.

Diz que Gadamer está convencido de que, bem mais do que o

significativo progresso pelo qual têm passado as ciências da natureza, “foi a

racionalização de seu emprego técnico-científico, que produziu essa nova fase

da revolução industrial em que nos encontramos” (GADAMER, 2004, p. 182-

183). Assim, o que passa a ser característica marcante de nossa época, bem

mais do que o exagerado domínio da natureza, é o “desenvolvimento de

métodos científicos de controle para a vida da sociedade” (GADAMER, 2004, p

183). Tal característica apresenta-se como o momento vitorioso da ciência

moderna, o qual resulta de um processo iniciado no século XIX, e agora se

apresenta como fator social predominante. Acontece em nossa época, um

apoderamento de todos os âmbitos da práxis social, por parte do pensamento

científico: “a investigação científica do mercado, a condução científica da

guerra, a ciência da política externa, o controle científico da natalidade, a

ciência para a condução da vida humana, conferem ao especialista em

economia e sociedade um lugar central”. (GADAMER, 2004, p. 183)

Também afirma que Gadamer chama atenção para a questão da ordem

mundial. Para o autor, nossa época não pode mais crer na ideia de uma ordem

instituída, mas na possibilidade de planejamento e criação de uma ordem não

instituída, ou seja, para além da estaticidade e representação racional de

ordem. O filósofo apresenta então, alguns questionamentos fundamentais.

23 CRUZ, Raimundo José Barros. Práxis social, direitos humanos e hermenêutica: a solidariedade como pressuposto básico. Disponível em: <http://www.faac.unesp.br/direitos-humanos/encontro/mesas.htm>. Acesso em: 06 out. 2011.

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Raimundo José Barros Cruz menciona esses questionamentos de

Gadamer.

[...] Será possível pensar a ideia de uma ordem política determinada que não suscite ideias contrárias? Será possível pensar ideias políticas de ordem que favoreçam a uma ou outra das potências políticas existentes, de tal modo que seu favorecimento implique o desfavorecimento das outras? Será que se deve dizer que a existência desses antagônicos interesses de poder, constitui uma desordem? Não serão eles a própria essência da ordem política? (GADAMER, 2004, p. 185).

Anteriormente à passagem acima Gadamer diz: “Sabemos que, mesmo sendo

desejo de todos, não existe uma ordem mundial entre os povos” (GADAMER,

2004, p. 183). O autor procura alertar para os desejos de ordem mundial

impulsionados pelos ideais da razão científica.

Raimundo José Barros Cruz nota que:

[...] Gadamer mostra que a natureza inacordável dos divergentes interesses em relação a uma ordem político-econômica, não pode ser tomado como algo negativo; mas como sugere o próprio autor, a consciência da desordem talvez seja o ponto de partida para os planejamentos futuros, dessa forma, deve-se entender que interesses antagônicos, e desordens político-econômicas, são próprios de nossas condições, e por isso ao invés de orientar à supremacia, deveria suscitar o diálogo e entendimento mútuo: faz-se necessário a superação da ideia de que “determinadas por tantos pontos de vista diversos, parece impossível que determinada ideia política de ordem, consiga alcançar unanimidade geral [...] (GADAMER, 2004, p. 186).”

O que parece impossível de realização, segundo Gadamer, é a

pretensão racionalizada de pensar a totalidade da ordem mundial como puro e

simples objeto de planificações racionais. Pensar uma ordem mundial que

confira direitos a todos, deve levar em consideração, a “profunda tensão

existente entre autoridade da ciência, de um lado, e as formas de vida dos

povos, cunhadas pela religião, usos e costumes da tradição, de outro”.

(GADAMER, 2004, p. 186)

Conforme Raimundo José Barros Cuz a linguagem, em Gadamer é o

universo de onde tudo tem origem de maneira dialógica e dinâmica, é o terreno

que tem alta capacidade produtiva para que esteja em aberto o homem em sua

finitude e pluralidade. Nesse sentido, nesse mundo globalizado, é necessário o

cultivo de uma consciência que ao contrário de superar as diferenças em busca

de unicidade, consiga ver nas próprias diferenças desse nosso mundo o

escape para uma ordem respeitosa e dialógica.

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Ainda segundo o autor, a verdade e o método provocam noções de

solidariedade em vários momentos. “Uma obra com um potencial significativo

para contribuir com as interpretações possíveis sobre a noção de solidariedade

em Gadamer”. Agregado a isso são unidas as diversas entrevistas dadas pelo

filósofo para diferentes periódicos em que é determinante o tema da

solidariedade e a preocupação constante com a possibilidade de uma

catástrofe planetária.

José Ingenieros24 apresenta as seguintes considerações a respeito da

solidariedade.

Somos de fato, solidários com a sociedade em que vivemos. Com a sociedade imediata, que é a família, constituída pelo círculo dos consanguíneos; depois, com outros círculos mais amplos, o dos amigos, o dos colegas, o da cidade; e também somos com os homens que falam a nossa língua, praticam nossas leis, partilham de nossas crenças e nossos ideais, sempre compelidos por sentimentos de solidariedade cada vez mais amplos. Quanto mais alto é o nível do homem, mais amplo é o horizonte de sua solidariedade; nos grandes gênios, chega a transpor um após o outro os círculos concêntricos, até ultrapassar o da família, o do partido, o da pátria, o da raça, para, então, abarcar a humanidade e a natureza, na qual nada acham de indigno de compenetração e simpatia.

Assim, para José Ingenieros o homem eleva-se a partir da evolução da

solidariedade grupal para os níveis cada vez maiores, até a uma solidariedade

em âmbito universal. Também ressalta que a moralidade individual se forma

em função da moralidade social e que a solidariedade é, pois, a associação na

luta pela vida, em substituição ao individualismo pessimista de Hobbes25.

A ideia de cooperação, portanto de solidariedade, é de fundamental

importância para John Rawsl, ao ter a sociedade como sistema equitativo

cooperativo de longo prazo. Neste sentido, anota Juan Manuel Pérez Bermejo26

ao observar que ele conceitua nossas sociedades como intercâmbios de

serviços dispostos a longo prazo e cujo sentido procede tanto da cooperação

mútua sustentada ao largo do tempo, como dos benefícios recíprocos que

recebemos graças a mesma. Assim, Rawsl não necessita de potenciar

filosoficamente o sentido da sociedade, mediante princípios metafísicos,

religiosos ou, em suma, derivados de alguma concepção compreensiva: basta

24 INGENIEROS, José. Para uma moral sem dogmas, trad. e notas de GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Curitiba: Juruá, 2009, p. 137. 25 Ibidem, p. 138. 26 BERMEJO, Juan Manuel Pérez. Contrato social y obediencia al derecho en el pensamiento de John Rawsl. Granada-Espanha, 1997, p. 114.

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com o acudir ao modo de vermos a nós mesmos e assumir que a sociedade

consiste em primeiro lugar em um mecanismo de cooperação, e esta ideia

mínima pode ser assumida por todos sem contrariar convicções particulares.

O conceito de solidariedade relacionado à ideia de cooperação

influenciou a Filosofia da Educação, que apresenta na atualidade, educadores

com propostas pedagógicas relacionadas à concepção de cooperação.

Brotto27 explica que ao falarmos em Pedagogia da Cooperação,

pensamos em um Caminho de Ensinagem Compartilhada, onde cada um e

cada uma são considerados mestres aprendizes convivendo com a descoberta

de si mesmos e do mundo, através do encontro com os outros diante de

situações-problema que os desafiam a encontrar soluções cooperativas para o

sucesso de todos e para o bem-estar comum.

Afirma que ao imaginarmos uma Pedagogia da Cooperação pensamos

sobre uma Filosofia da Cooperação.

Diz que nem sempre estamos abertos e sensíveis para perceber as

relações de interdependência entre nós. “Não somente porque essas relações

de interdependência não são objetos físicos visíveis aos olhos, mas

fundamentalmente porque nem os nossos olhos e nem as nossas mentes

foram preparados e educados para vê-las” (ASSMANN; SUNG, 2000). Para

isso, é necessário limpar a lente que temos usado para enxergar uns aos

outros e assim, nos liberar da “Ilusão de Separatividade” (WEIL, 1987) e

recuperar a Visão de Comum unidade para nos percebermos como partes uns

dos outros.

Também aponta que, “além dessa fragmentação na educação de nossos

olhares e mentes, podemos reconhecer outros obstáculos à Interdependência

real, pois ‘quanto maior é a extensão do sistema social, os efeitos, benéficos ou

perversos das ações e omissões levam mais tempo para retornar a sua origem

e tocar os agentes” (MARIOTTI, 2000).

Brotto remata ao dizer que “o desenvolvimento da Cooperação como um

exercício de corresponsabilidade para o aprimoramento das relações humanas

em todas as suas dimensões e nos mais diversificados contextos, deixou de 27 BROTTO, Fábio Otuzi. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar. Santos: Projeto Cooperação, 1997.

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ser apenas uma tendência, passou a ser uma necessidade e em muitos casos

já é um fato consumado (HENDERSON, 1996)”. Entretanto, observa que esse

fato, porém, ainda não é definitivo.

1.2 SOLIDARIEDADE NA ETOLOGIA E NA SOCIOBIOLOGIA

A Etologia configura-se no estudo do comportamento sob a perspectiva

biológica, examinado da mesma maneira que qualquer outro aspecto. Isto

porque os padrões de comportamento de maneira geral apresentam

regularidade e uma coerência que se refere às necessidades evidentes do

animal28.

Por sua vez a Sociobiologia consiste no estudo do comportamento

social, que é visto em diversas espécies do mundo animal, desde os

invertebrados – como abelhas, formigas e vespas – aos vertebrados – como os

mamíferos, neles inclusos certos primatas e os homens. Tal disciplina foi criada

pelo biólogo Edward O. Wilson nos Estados Unidos, tendo surgido entre o fim

dos anos 1960 e começo dos anos 1970. Tem como origem a Etologia e busca

efetuar uma síntese entre a Sociologia e a Antropologia e a Biologia,

denotando a existência de leis comuns entre o comportamento do homem e

dos animais.

Os estudos nos campos da Etologia e da Sociobiologia demonstram que

a solidariedade, antes de ser uma criação humana, tem origem eminentemente

biológica.

H. G. Wells29, renomado escritor de ficção científica, já apontava em

1922, antes mesmo de tais estudos, a existência de vínculos sociais entre os

mamíferos, com envolvimento de afetividade.

28 BATESON, Patrick. Dicionário do pensamento social do século XX. Editado por William Ourhwaite, Tom Bottomore. Ed. da versão brasileira de Renato Lessa, Wanderley Guilherme dos Santos. Tradução de Eduardo Francisco Alves, Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 286. 29 WELLS, Herbert George. Uma breve história do mundo. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 40.

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Segundo ele, os mamíferos mais primitivos possivelmente separavam-se

de suas crias logo após o período de amamentação. Contudo, uma vez surgida

a capacidade de entendimento mútuo, evidenciaram-se os benefícios na

continuação do relacionamento entre eles. Logo foi encontrada uma boa

variedade de espécies de mamíferos, que evidenciou indícios do surgimento de

uma real vida em sociedade, com seus componentes que se agregavam em

rebanhos, bandos, manadas, com observação mútua, imitando-se e sendo

chamados a atenção por movimentos e gritos dos outros. Tal comportamento

nunca fora visto nos vertebrados. É verdade que répteis e peixes podem ser

vistos em grupos e cardumes, pois saem de seus ovos em grande quantidade

e situações semelhantes os mantenham juntos. Entretanto, quanto aos

mamíferos, sociais e gregários, tal relacionamento não aparece apenas de

conjugação de forças externas, mas é embasado num impulso interno. Não são

simplesmente parecidos uns com os outros, sendo descobertos em vista disto

em idênticos locais e simultaneamente. Gostam uns dos outros, razão da

permanência juntos. Aponta que tanto os mamíferos como os pássaros têm

domínio sobre si e consideração pelos outros, com uma inclinação social, ou

autocontrole, em seu nível mais primevo, com semelhança ao homem.

Segundo Keith Harrison,30 a história do nosso corpo não remonta ao

tempo em que nossos antepassados, simiescos, desceram das árvores. Ela

começa em uma época anterior à evolução dos primeiros peixes, há

quinhentos milhões de anos atrás. Como qualquer animal vertebrado exista ou

tenha existido descendemos desses peixes. E mais adiante aponta que

homens e chimpanzés tiveram sua evolução a partir de ancestral comum há

poucos milhões de anos, o que tem atraído estudos científicos sobre nossas

origens, particularmente no campo da linguaguem.

Explica que as duas espécies de chimpanzés, em oposição ao gorila, e à

nossa semelhança, completam sua alimentação de folhas, frutos e sementes

com até 10% de carne. Os bonobos comem cobras e roedores; os chimpanzés

comuns reúnem-se para caçar macacos, porcos e antílopes.

30 HARRISON, Keith, Você o peixe que evoluiu: a incrível história sobre a teoria da evolução de Charles Darwin e o futuro do homem. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa, São Paulo: Cultrix, 2009, p. 9.

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É certo, como aponta referido autor, que as cordas vocais dos

chimpanzés não se assemelham tanto às nossas, para possibilitar-lhes a fala,

mas é possível, segundo alguns cientistas, aprenderem a comunicação por

sinais.

Mais adiante anota31 que a comunicação entre os chimpanzés na

floresta é feita por intermédio de guinchos e assobios, que demonstram até

condições emocionais. Contudo, eles também têm entendimento apurado do

gestual, expressões da face e linguagem do corpo. Alguns deles criam seus

próprios sinais. Quiçá por causa disso possam adotar a mímica humana,

quando em cativeiro.

Explica que as semelhanças entre nós e os chimpanzés em estrutura

social, caça comunitária e aptidão para comunicar insinuam que muitas de

nossas características sociais surgiram quando ainda vivíamos em florestas e

não apenas quando já Homo sapiens. Tais semelhanças também reforçam a

tese de que o homem não constitui espécie totalmente diferente das demais,

mas tão somente fração de uma sequência sucessiva de tipos.

Segundo Felipe Fernández-Armesto,32

é difícil falar cientificamente sobre a moral, porque, num sentido estrito, a moralidade cientificamente explicável é uma contradição em termos. A bondade não é realmente bondade, se meramente confere uma vantagem evolutiva ou algum outro benefício computável: pois ela então se torna uma forma de egoísmo. A compaixão se transforma em medo externalizado; a generosidade, na expectativa de receber algo em troca; a simpatia, em estratégia de colaboração; o amor se torna, como disse Diderot, ‘uma palpitação agradável num par de intestinos.

Referido autor propõe que temos que nos limitar ao tipo mais tosco de

ciência, que consiste em deixar a explicação de fora e acreditar na mera

observação. Esta só pode ser feita através do exame do comportamento de

outros animais, na procura de provas de prática de atos considerados morais

em nossa espécie. No chimpanzé, por exemplo, encontraremos simpatia e

empatia, amizade e atenção respeitosa sem interesse, reciprocidade com as

obrigações pertinentes, reconciliação e consolo e mesmo atos de abnegação,

31 Ibidem, p. 83-84. 32 FERNANDÉZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano? Uma breve história da humanidade. Tradução Rosaura Eichemberg, São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 40-42

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tudo em profusão. Aponta para estudos mostrando lutas entre dois

chimpanzés, após as quais alguns dos outros membros da comunidade se

aproximam e consolam a vítima, colocando o braço em volta de seu corpo.

Observa que a primatóloga russa Nadie Coates relata a impossibilidade do uso

de ameaças ou recompensas com êxito para com seu chimpanzé; porém, se

simulasse dor, ele sempre dela se aproximava para consolá-la, com expressão

facial indicativa de compaixão.

Ele adverte que se a moralidade animal é humana ou a moralidade

humana é apenas simplesmente animal, a diferença entre ambas constitui um

problema. Conclui que as diferenças entre a nossa espécie e as demais são

possivelmente do mesmo tamanho que as existentes entre as não humanas

entre si. “Os humanos são únicos, mas não com algum tipo único de

unicidade”.

Como esclarecem Richard Wrangham e Dale Peterson33, os chimpanzés

e os humanos são os parentes mais próximos uns dos outros. Os estudos

sobre os ancestrais dos humanos, cuja desenvoltura tem ocorrido ultimamente

em maior profundidade, aproximam cada vez mais chimpanzés e humanos,

mais do que seria imaginável. Três recentes e formidáveis descobertas seguem

numa mesma direção, no tocante ao relacionamento entre humanos e

chimpanzés. Há cerca de cinco milhões de anos seus ancestrais não podiam

ser distinguidos entre si.

Em segundo lugar, laboratórios demonstraram que os chimpanzés estão

mais próximos geneticamente de nós que dos gorilas, não obstante a enorme

semelhança física entre os chimpanzés e os gorilas.

Por derradeiro, estudos realizados tanto em campo como em

laboratórios a respeito do comportamento dos chimpanzés estão sinalizando

semelhanças cada vez mais evidentes com o comportamento dos humanos.

Isto não decorre somente de que eles dão tapinhas na cabeça uns dos outros,

trocam beijos ou abraços, como demonstração de afeto. Tampouco porque têm

menopausa e exprimem dor por seus bebês mortos, trazendo-os ao colo por

dias ou semanas. Também não o é de sua habilidade em fazer somas, em se

33 WRANGHAM, Richard; PETERSON, Dale. O macho demoníaco: as origens da agressividade humana. Tradução M. H. C. Cortes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

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comunicar por sinais com as mãos. Igualmente o fato de utilizar ferramentas,

seu senso de colaboração ou a barganha para permuta de benefícios sexuais.

Do mesmo, afirma ele, não impressiona o fato de que os chimpanzés guardam

ressentimento por longo período, que ocultam seus sentimentos ou aproximam

rivais para fazer as pazes. O que realmente neles impressiona é a natureza de

sua sociedade em que um conjunto de chimpanzés toma parte de uma área em

comum. Os machos permanecem toda a vida nos grupos em que nasceram; já

as fêmeas transferem-se para grupos vizinhos, quando atingem a

adolescência. A defesa do território e, às vezes, sua ampliação é feita com

grande violência, com grande risco de mortes, através de grupos de machos

parentes entre si pela linhagem paterna.

Prosseguem os autores ao afirmar que o que torna esse mundo tão

especial é a comparação com o nosso. Poucos animais vivem em sociedades

nas quais o relacionamento é efetuado por intermédio dos machos, pela

linhagem paterna e nos quais o risco de consaguinidade é minimizado com a

transferência das fêmeas para os grupos vizinhos para acasalamento. E

apontam que só são conhecidas duas espécies animais que utilizam um

sistema de agressão territorial imensa, decorrente dos machos, inclusive com

ataques mortais em comunidades vizinhas, à procura de inimigos fragilizados

para atacar e matar. De todas as espécies animais esse conjunto de

comportamentos só é encontrado nos chimpanzés e nos humanos.

Samuel Bowles, Ph.D. em economia pela Universidade de Harvard,

onde foi professor, e que ora dirige o Programa de Ciências Comportamentais

do Instituto Santa Fé, na capital do Novo México e também professor na

Universidade de Siena, na Itália, em entrevista à revista IstoÉ, à jornalista

Solange Azevedo34, afima que Charles Darwin estava errado. Segundo ele, os

seres humanos progrediram graças aos grupos mais altruístas. A teoria da

sobrevivência do mais gentil, que é uma crítica à teoria da sobrevivência do

mais apto, demonstra que a seleção natural pode, sim, produzir espécies

altruístas e mais cooperativas, em vez de seres humanos inteiramente

egoístas. Afirma que a espécie humana é essencialmente cooperativa e “a

34 AZEVEDO, Solange. Charles Darwin estava errado. IstoÉ, São Paulo, n. 2158, p. 6-12, 23 mar. 2011.

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genética e a evolução cultural produziram uma espécie em que um número

substancial de pessoas se sacrifica para manter as normas éticas e para

ajudar, inclusive, pessoas estranhas”. “Os primeiros seres humanos viveram

em condições adversas […] de variações climáticas e desafios diante de outros

grupos, nos quais indivíduos egoístas teriam sido bastante prejudiciais na

competição pela sobrevivência. Os grupos mais cooperativos foram mais

capazes de se reproduzir em larga escala” e “essa foi a razão de a espécie

humana ter se tornado cooperativa”.

Franz de Waal35 afirma que somos brindados com dois parentes

primatas que diferem entre si como o dia da noite. O chimpanzé é um tipo

violento, ambicioso e possui pavio curto, conhecido pela ciência desde o século

XVII. Por ter comportamento hierárquico e violento projetou a figura do ser

humano como primata assassino. E isso levou alguns cientistas a concluir ser

nosso destino biológico o de guerrear permanentemente, arrebatando o poder

pela força. O autor concorda com esse lado violento dos chimpazés,

ressaltando ter presenciado muito derramamento de sangue entre eles.

Entretanto, chama atenção para os bononos, descobertos somente no século

XIX. Este caráter pacífico, extremo apetite sexual, afastam o conceito de que a

nossa herança genética é puramente sanguinolenta.

E mais adiante prossegue36 que esses grandes primatas, tão parecidos

com nós receberam, por isso, a denominação de antropoides, vocábulo de

origem latina, com o significado de com o formato do homem.

Somos, segundo ele, aparentados com duas sociedades radicalmente

diversas. A do chimpanzé, brutamontes e com ânsia de poder e a do bonobo,

pacífico e sensual. Seriam como Dr. Jekyll e Mr. Hyde, personagens do

romance O Médico e o Monstro de Robert Louis Stevenson. Disto resulta nossa

natureza, de um incômodo cruzamento dos dois. É a empatia que permite aos

bonobos compreender as necessidades e desejos uns dos outros e ajudar a

satisfazê-los.

35 WAAL, Franz B. M. Eu, primata: por que somos como somos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 15. 36 Ibidem, p. 15-16.

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Anota Franz de Waal37 que a constatação desse aspecto sombrio do

chimpanzé parecia arredar o paraíso perdido de Rosseau, aproximando por

outro lado, Hobbes. A violência encontrada nos grandes primatas denota que

somos propensos à crueldade. Acresce-se a isto a assertiva de biológos

evolucionistas no sentido de que somos geneticamente egoístas. O monstro

que somos na verdade é visto através da imagem chimpanzé.

Franz de Waal38 aponta que a moralidade, solidariedade e altruísmo têm

origem biológica, evolutiva: que podemos ter certeza absoluta de que a

famigerada síntese da teoria do verniz dizia respeito tão somente às pessoas.

Ninguém sugeriria que animais estão tentando ludibriar uns aos outros. É por

isso que os grandes primatas não humanos são cruciais para o debate sobre a

condição humana. Se descobrirmos que eles são melhores do que meros

brutos – mesmo ocasionalmente -, a noção de bondade como invenção

humana começará a balançar. E se os pilares da moralidade, como a

solidariedade e o altruísmo intencional puderam ser encontrados em outros

animais, seremos forçados a rejeitar totalmente a teoria do verniz. Darwin tinha

consciência dessas implicações quando observou que “muitos animais

certamente se solidarizam uns com os outros em momentos de aflição ou

perigo.”

Afirma que grandes primatas não humanos cuidam de companheiros

feridos, diminuindo a marcha quando algum deles não consegue acompanhar o

grupo, limpando os ferimentos dos outros ou subindo em árvores para apanhar

frutos e alimentar um companheiro mais velho que já não consegue subir.

Aponta um relatório de que um chimpanzé macho adulto adotou um órfão e o

carregava doente em suas caminhadas, protegendo-o de perigos e salvando-

lhe a vida, apesar da inexistência de parentesco entre eles. Também na

década de 1920 o primatologista americano Robert Yerkes encantou-se ao

constatar a preocupação de um jovem chimpanzé com seu companheiro,

doente em estágio terminal, admitindo esse comportamento solidário e altruísta

como o idealizado para um ser humano.

37 Ibidem, p. 43-44 38 Ibidem

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Por fim, Franz de Waal39 refuta a tese de que a moralidade resulta de

um verniz cultural ou religioso, em face das pesquisas científicas realizadas

com o cérebro humano. Tal fato foi constatado quando especialistas

verificaram imagens tiradas de cérebros de pessoas, às quais foram solicitadas

solução de questões morais que propuseram. Apuraram que a escolha das

alternativas ativaram centros emocionais mais antigos, embutidos

profundamente no cérebro, em vez do neocórtex, mais superficial, de evolução

mais recente. A moralidade, portanto, vem-nos naturalmente.

Em outra de suas obras, Franz de Waal40 afirma que o altruísmo não é

só limitado à nossa espécie. Sua presença em outras espécies e o teórico

desafio que isto representa foi o que deu vazão à Sociobiologia – o estudo do

comportamento animal (incluindo os humanos) de uma perspectiva

evolucionária.

A atitude de ajudar o outro, com custo ou risco próprio, está amplamente

disseminada no reino animal. E apresenta alguns exemplos disso. O alerta

dado por pássaros a outros pássaros permite que estes escapem ao ataque de

predadores, mas atraem a atenção para os que deram o sinal. Nos insetos são

encontradas castas sociais de animais estéreis que pouco fazem além de

servirem de alimentos para as larvas das rainhas ou perecerem na defesa das

colônias. Membros da mesma família dão assistência para capacitar casal mais

desfavorecido a alimentar mais bocas, possibilitando melhor criação da própria

família. Golfinhos auxiliam companheiros lesionados a ficarem próximos da

superfície para não se afogarem.

Franz de Waal ainda acentua que grandes demonstrações de cuidados

não se limitam às espécies mais assemelhadas a nós. Exemplos de altruísmo

são encontrados em elefantes e golfinhos e mesmo em primatas mais

primitivos e menos sofisticados. Eventos deslumbrantes envolvendo lêmures

de cauda-anel foram observados num cativeiro florestal no Centro Universitário

de Primatas Duke, nos Estados Unidos. Um bebê de três meses ao subir numa

cerca elétrica recebeu um choque, caiu ao chão e passou a ter convulsões. Um

39 Ibidem, p. 48-49. 40 WAAL, Franz B. M. Good natured: the origins of right and wrong in humans and other animals. Cambridge: Harvard University Press, 1998, p. 12.

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aluno que assistiu ao incidente correu em busca de socorro, mas ao retornar,

viu a macaquinha nas costas da avó que não costumava carregá-la. A mãe do

bebê que não presente quando isto aconteceu, não viu o ocorrido e continuou a

comer numa árvore, a distância. A avó carregou o filhote por uns dez minutos e

depois o colocou num local sossegado, no qual o pequeno ficou sentado com

olhar confuso. E o bebê sobreviveu sem apresentar sequelas.

Jane Goodall41 informa que existem muitas semelhanças entre o

comportamento humano e o dos chimpanzés. Encontram-se presentes laços

afetivos e, além disso, são protetores e perenes entre os membros da família.

Há uma extensa dependência infantil, o aprendizado reveste-se de importância,

presentes padrões de comunicação não verbal, emprego e fabrico de

ferramentas, cooperação na caçada, manobras sociais complexas, senso de

territorialidade agressivo e uma gama de comportamentos de prestação de

ajuda. A similitude na estrutura cerebral e no sistema nervoso central

ensejaram ao aparecimento de capacidades intelectuais, sensibilidades e

emoções similares nas duas espécies.

Recentemente o jornal Folha de S. Paulo, de 10/08/2011, caderno C11,

publicou notícia de Rafael Garcia, de Washington, sob o título “Chimpanzé,

enfim, passa em prova de altruísmo”. Segundo o texto, finalmente o

chimpanzé, espécie que vinha sendo acusada de egoísmo, demonstrou em

experiência sua capacidade em querer bem ao próximo.

Pela primeira vez em laboratório, o animal mais próximo de nós

apresentou comportamento altruísta, ao compartilhar alimento.

Esse estudo foi realizado pelo já mencionado primatólogo Frans de

Waal. Macacos cujo parentesco é mais distante de nós já haviam demonstrado

em testes comportamentos altruístas, porém nosso parente mais próximo

parecia ser egoísta quando examinado mais perto.

Considerada que é inata a tendência pró-social e de algum modo

geneticamente presente no ser humano, e tendo em vista que com eles

41 GOODALL, Jane. Uma janela para a vida: 30 anos com os chimpanzés da Tanzânia. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p. 215-216.

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compartilhamos 98% de semelhança de nosso DNA, o comportamento altruísta

era de ser esperado nos chimpanzés.

O experimento envolveu a participação direta de um cientista. Ao

selecionar fichas de diferentes cores, os chimpanzés determinavam se o

humano deveria dar bananas ao animal que estava na gaiola próxima. Em até

dois terços das oportunidades, os macacos resolveram cooperar.

As falhas anteriores, segundo Victoria Horner, condutora do estudo,

foram debitadas ao uso de aparatos mais complexos. Embora os primatólogos

soubessem, por intermédio de observações na natureza, atos de cooperação

entre os chimpanzés, tal não era comprovado em laboratório.

Também foi observado que os animais tendiam a não cooperar com os

vizinhos de jaula que os incomodavam muito, como por exemplo, ao cutucar

seu parceiro ou cuspir na água para chamar atenção.

A possível mágoa decorrente dessa represália não se mostrou

duradoura. Na troca de papéis, os que decidiam se os vizinhos deveriam

receber alimento não foram prejudicados. Mesmo o chimpanzé inicialmente

prejudicado, ao passar a controlar o fornecimento da comida, não procurava

retaliar ao assumir a função do primeiro animal.

Os chimpanzés, portanto, surpreendentemente demonstraram-se mais

sociáveis que seus primos primatas. E se conseguem recordar de favores

recebidos no passado não têm a tendência humana de guardar rancor,

conforme conclusão do estudo.

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, caderno A27, de

14/04/2011, o biológo Fernando Reinach aponta que também animais menos

desenvolvidos que os mamíferos apresentam comportamento de empatia.

Jocosamente diz que um pé de alface não sofreria quando seu vizinho é

arrancado e devorado, vivo, em uma salada. E que, por oposição, uma mãe

compartilha do sofrimento do filho. Apesar de a palavra amor praticamente só

poder ser usada nas relações entre os seres humanos, a empatia, que é a

capacidade de um animal ser atingido pelo sofrimento de outro de sua espécie

e dele partilhar, já foi comprovada em muitos mamíferos.

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A empatia consiste no comportamento animal quando um indíviduo, ao

ver o sofrimento ou dificuldade de outro, tem reações similares às de quem as

sofre, sem que as mesmas causas estejam presentes. É o caso dos animais

que presenciam ameaças sofridas por seus filhotes e reagem da mesma forma

que estes.

Anota o articulista que nas aves, cujo desenvolvimento cerebral é mais

primitivo que o dos mamíferos, a empatia jamais havia sido encontrada. Porém,

experimentos recentes envolvendo mães e as respectivas ninhadas

evidenciaram que as galinhas apresentam empatia e preocupação com o

sofrimento dos semelhantes, ao observá-los em condições angustiantes.

Verifica-se, portanto, que muitos dos comportamentos humanos têm

origem na própria natureza, que estão em outros animais, especialmente

aqueles mais próximos. A solidariedade, assim, não tem seu ponto de partida

quer no Estado, na Sociedade ou na Religião. Esses, certamente, reforçaram a

solidariedade, mas sua gênese há de ser encontrada na própria evolução

natural.

1.3 SOLIDARIEDADE NA SOCIOLOGIA

No âmbito sociológico, Graham Crow42 afirma que “o conceito de

solidariedade se refere à identificação das pessoas com outros membros dos

grupos a que pertencem, assim como à sua tendência a apoiá-los”. Aponta que

esse conceito é associado precipuamente a Durkheim, cujo primeiro livro, A

divisão do trabalho social, visou demonstrar a transição do que denominou

solidariedade mecânica para uma solidariedade orgânica e que será

examinado mais adiante.

Conforme o autor, um tipo diferente de análise é ligado ao estudo de

Marx a respeito das relações de classe, no qual a solidariedade está fundada

no reconhecimento, pelos integrantes de uma classe, de seus interesses 42 CROW, Graham in SCOTT, John. Sociologia: conceitos-chave. Tradução Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 201-202.

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comuns contra oponentes também comuns. Salienta que Marx afirma que a

solidariedade da classe trabalhadora encontra vazão em organizações como os

sindicatos, nos quais os membros reunem forças para concretizar objetivos que

procuram beneficiar a todos, como, exemplificativamente, um aumento de

salários. Essa solidariedade pode conseguir que os integrantes do grupo se

privem de mirar seus interesses particulares num curto prazo em prol do bem

comum num prazo maior. É possível obter-se maiores salários através de

greves que antes obrigam a um período de privação por parte dos

trabalhadores.

Graham Crow ressalta que o apelo de Marx à união dos trabalhadores

de todo o mundo foi encarado por Max Weber como idealista, diante das

profundas diferenças entre os trabalhadores em face de sua localidade,

indústria, gênero, idade, religião, etnicidade e nacionalidade. Aponta que para

Weber essa restrição social em torno de interesses específicos prejudicava a

solidariedade de classe com base mais abrangente, contribuindo para a disputa

entre grupos rivais dos escassos recursos existentes. De acordo ainda com o

autor, Georg Simmel observou que a solidariedade é mais profunda nas

relações entre os integrantes de sociedades secretas exclusivas, como a máfia,

que têm um grau elevado de senso de interdependência e destino coletivo.

A importância contemporânea dessa herança da sociologia clássica,

afirma Graham Crow, continua sendo objeto de muitas discussões. Diversos

autores, como Ülrich Beck e Anthony Giddens, sustentam que os processos de

transformação econômica e social, especialmente diante das tendências de

maior mobilidade social e territorial, como também a de individualização e a

globalização, diminuem as solidariedades tradicionais, fundadas na classe, na

comunidade. A análise que eles fazem indica a ocorrência de relevantes

transformações nas perspectivas das pessoas acerca dos riscos a que estão

sujeitas e que, em virtude disso novos tipos de solidariedade surgem, como a

solidariedade dos integrantes dos novos movimentos sociais. Essa alteração

da ótica das pessoas tem sido induzida, parcialmente, pelo insucesso dos

Estados de bem-estar social em prestar aos seus cidadãos nível de segurança

social e econômica cuja promessa fizeram. Também é possível sustentar,

afirma o autor, como faz Zygmunt Bauman, que os Estados de bem-estar social

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mostraram a limitação do apoio popular à solidariedade ética entre grupos,

cujos integrantes se reputam responsáveis pelo bem-estar social coletivo em

nível nacional. Tal comportamento de estar preparado apenas para o apoio a

outrem quando houver um evidente proveito pessoal, é enxergado por Mary

Douglas como a antítese da solidariedade, já que esta envolve,

obrigatoriamente, o sacrifício pessoal em vez do próprio interesse. Aponta-se

ainda que ela admite que o altruísmo em favor do grupo, existente na

solidariedade, é mais difícil de ser demonstrado do que os atos promovidos em

interesse próprio.

Outro olhar lançado sobre a solidariedade indica Graham Crow, é a dos

trabalhos contemporâneos sobre comunitarismo, cujo maior defensor é Amitai

Etzioni. A base dessa perspectiva é de que a tendência no apoio aos outros é

mais satisfatoriamente exercida pelas organizações comunitárias do que pelo

mercado ou pelo Estado. Essa nova solidariedade, embasada em liames

comunitários, apresenta-se como uma força moral capaz de abalar o

individualismo e, ao mesmo tempo, possui mais voluntariedade e autenticidade

que os programas desenvolvidos pelo Estado. Todavia, os críticos da ótica

comunitarista sustentam que ela está radicada em ultrapassados conceitos de

solidariedade comunitária, com a incorporação de visão convencional sobre os

papéis de gênero e relação de classe. Segundo essas críticas, as mulheres e

os membros pobres das comunidades são restringidos à prática de obrigações

em relação às quais têm poucas alternativas ou controle. Em razão disso, os

críticos do comunitarismo reputam que as tradições comunitárias são

inadequadas para desenvolverem verdadeiro esforço coletivo na realidade

contemporânea.

Por último, Graham Crow remata seu panorama sobre a solidariedade,

ao afirmar que esta é capaz de se expressar de diferentes formas e contextos,

porém costuma ser instável. Exemplifica com o movimento que se verificou na

Polônia, chamado solidariedade, que exerceu um papel relevantíssimo na

transição fundamental para a queda do comunismo naquele país e as

transformações depois ocorridas. Verificou-se a impossibilidade de

manutenção da unidade de seus membros quando seu inimigo comum, o

Estado comunista, foi eliminado em 1989. O movimento declinou tão

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rapidamente quanto havia aparecido. O caráter instável da solidariedade social

resta evidente na velocidade com que muitos movimentos sociais surgem e

desaparecem. Similar constatação pode ser verificada na tendência das

solidariedades comunitárias mais comuns, de crescer e diminuir com o decurso

do tempo. Essa vertente temporal tem causado um renovado interesse pela

noção durkheimiana de que os membros de grupos necessitam partilhar

periodicamente momentos de agitação coletiva a fim de renovar sua mútua

identificação. Remata que no contexto de sociedades instáveis, em que se

revela maior dificuldade de os indivíduos sustentarem papéis e identidades

fixas, o fenômeno da solidariedade torna-se cada vez mais, e não menos,

importante.

Acerca da solidariedade no âmbito da Sociologia, esclarece Ely Chinoy43

que o atendimento às regras sociais é estimulado pela preservação da

solidariedade, como forma de coesão social. Quanto maior o reconhecimento

mútuo entre os integrantes de uma sociedade ou de um grupo, e quanto mais

fortes os liames que os aproximam na comunidade, menores os riscos de

infração aos seus costumes, convenções ou normas legais.

Nota referido autor que a solidariedade por si só não é obrigatoriamente

boa ou má. Por isso, as consequências extraídas em cada conjuntura social

devem ser analisadas de forma isolada. Assim, uma sociedade autoritária, com

ausência de críticas e debates e forte consenso interno, pode revelar-se

extremamente solidária. De outro lado, uma sociedade democrática, pode ser

coesa e estável, embasada em forte concordância interna, mas com respeito à

liberdade e ao individualismo. Entretanto, observa que toda sociedade, seja

democrática ou autoritária, para sua própria sobrevivência necessita de um

consenso suficiente quanto a seus valores culturais e deve recorrer a uma

fidelidade recíproca.

Esse sociólogo americano, portanto, ao empregar o termo solidariedade

como sinônimo de coesão social, aproxima-o de seu sentido originário, de

indivisibilidade, unidade.

43 CHINOY, Ely. Sociedade: uma introdução à sociologia. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1973, p.635

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Durkheim, cujos estudos ganham renovado interesse como já apontado,

apresenta a classificação da solidariedade em solidariedade mecânica e

solidariedade orgânica44. A solidariedade mecânica, característica de

sociedades tidas como primitivas ou ainda inferiores, tem no seu seio as duas

consciências do ser humano: consciência individual e consciência coletiva, que

estão ligadas. Os indivíduos acham-se unidos graças à sua semelhança e,

nessas sociedades, os estados de consciência são comuns e, por isto, todo

desvio deve sofrer uma sanção penal. Já a segunda forma de solidariedade,

denominada solidariedade orgânica, ocorre nas sociedades industriais ou

superiores. Nelas, a solidariedade que liga as duas consciências do ser

humano deriva, não mais da semelhança, mas da diferença. Nessas

sociedades, a divisão do trabalho exerce o papel que era atribuído antigamente

à consciência coletiva, a de operar coesão. Isto é comprovado, segundo

Durkheim, pelo fato de que na história da humanidade o direito cooperativo

sobrepujou o direito repressivo45.

Conforme Graham Crow46, esse olhar essencialmente otimista de

Durkheim contrasta com a visão retrógrada de pensadores como Ferdinand

Tönnies, que associava o industrialismo à derrocada das solidariedades,

características das sociedades tradicionais, que estariam sendo substituídas

por relacionamentos sociais caracterizados por serem superficiais e efêmeros.

O economista John Kenneth Galbraith47 em sua obra “A sociedade

justa”, aborda a necessidade de um plano de ação para uma atitude mais

compassiva com os desafortunados e que seja viável economicamente para

todos os seus membros, do que resulta, enfim, a adoção da solidariedade

como fundamento dessa sociedade. E apropriadamente escreve:

Na sociedade justa, ninguém pode ser deixado à míngua ou sem teto. A primeira exigência é a ampla oportunidade de emprego e de renda, e não a inatividade forçada. A maior parte da solução reside, portanto, no desempenho geral da economia. O recurso à assistência social não deve ser tornado necessário pela falta de empregos. Mas mesmo garantindo-se o emprego adequado, deve existir uma rede de segurança para todos. Que alguns optarão por não trabalhar deve ser

44 DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. SP: Martins Fontes, 2004. p. 98-101 45 Cf. LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas. Tradução Ephrain F. Alves. 4. ed. Petropólis: Vozes, 2000, v. 1, p. 208-209. 46 CROW, 2010, p. 202. 47 GALBRAITH, John Kenneth. A sociedade justa: uma perspectiva humana. Tradução Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 30.

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aceito. O ócio socialmente remunerado certamente afronta atitudes sociais arraigadas; a pressão pública pode, aliás, deve ser exercida para forçar os indivíduos capazes a ingressarem na força de trabalho, o exercício de tal pressão, sem dúvida, do agrado de alguns. A inanição não é, porém, uma sanção aceitável. Algum abuso, como será considerado, é inevitável nessa parte do sistema social e deve ser tolerado.

De outro lado, Jeremy Rifkin48 ao abordar a questão do

desaparecimento dos postos de trabalhos diante da constante evolução

tecnológica, sugere como solução para tal problema a utilização de

trabalhadores deslocados para o Terceiro Setor, na prestação de atividades de

solidariedade e cooperação, com a construção de uma economia social.

Ele aponta a existência de uma terceira força, embasada na vida em

comunidade, que já existe nos Estados Unidos, com significado histórico na

construção da nação. Esse terceiro setor, que é conhecido também como setor

independente ou voluntário, constitui área em que as relações comunitárias, o

partilhar seu tempo em favor de outrem, substituem as relações artificiais

decorrentes do mercado. Anota que esse setor já traçou um largo caminho na

sociedade, cujas atividades comunitárias abrangem desde serviços sociais no

atendimento à saúde, educação, pesquisa, artes, religião e assistência

judiciária. Assim, organizações sociais colaboram com idosos, pessoas

deficientes físicas e mentais, jovens desamparados, desabrigados e indigentes

e outros desfavorecidos.49

Jeremy Rifkin entende que esse terceiro setor, voltado às atividades

comunitárias, ao agir, portanto, com solidariedade, constitui-se no mecanismo

capaz de absorver a mão de obra excedente, deslocada do mercado, diante da

aceleração tecnológica. Acentua a urgência na transferência dos ganhos de

produtividade advindos da Terceira Revolução Industrial do mercado para esse

terceiro setor, a fim de acompanhar o padrão que será imposto à economia

social. O terceiro setor, com o assustador quadro de ter de absorver os

trabalhadores rejeitados pelo mercado, bem como sustentar cada vez mais os

serviços sociais básicos e atividades culturais, necessitará de acréscimo

48 RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995. 49 Ibidem, p. 263.

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significativo de mão de obra voluntária, bem como do concurso de fundos para

sua operação. Advoga que o pagamento de salários indiretos por tempo

voluntário, a cobrança de tributos de valor agregado sobre produtos e serviços

da era tecnológica, para serem usados exclusivamente para remuneração

social dos pobres, em troca de prestação de serviços comunitários e aumentar

a dedução de tributos destinados à filantropia corporativa relacionada aos

ganhos de produtividade, são medidas passíveis de adoção nos Estados

Unidos para garantir a eficácia e perfil desse terceiro setor no futuro próximo.

Medidas de outro cunho poderão ser adotadas nos demais países, em face de

suas peculiriaridades, para o fortalecimento e ampliação da economia social.

Remata que o mundo está tão preocupado com a economia de mercado, que a

ideia de envidar maiores esforços com a economia social tem sido descurada,

tanto pelo público quanto pela política governamental. Isso deve mudar

proximamente, quando restar evidente que um terceiro setor transformado

constituir a única alternativa viável para absorver a mão de obra excedente,

descartada pelo mercado globalizado. Nessa nova era de mercados globais e

de automação da produção, uma economia sem trabalhadores mostra-se à

vista. Se esse caminho levar a um abrigo seguro ou a um terrível abismo, tal

dependerá de como a civilização vai preparar-se para essa era pós-mercado,

que virá certamente depois da Terceira Revolução Industrial. O fim do trabalho

pode trazer a sentença de morte para a civilização que conhecemos ou

também poderá significar uma grande transformação social, com o

renascimento humano, encontrando-se o futuro em nossas mãos50.

E ao abordar a importância do Terceiro Setor no desempenho de um

papel social, de cooperação com a sociedade, Eduardo Szazi51 faz as

seguintes considerações:

Já no campo social, as transformações no mercado e na sociedade brasileira verificadas nos últimos trinta anos conduziram a uma redistribuição dos papéis de cada ator social no alcance do bem comum, onde, progressivamente, a sociedade civil organizada assumiu novas responsabilidades pela proteção e defesa de direitos, antes inserida na órbita exclusiva do Estado (Primeiro Setor), posto que, até aquele momento, a empresa privada (Segundo Setor) entendia que sua função social era limitada ao pagamento de

50 Ibidem, p. 314-315. 51 SZAZI, Eduardo. Terceiro setor: regulação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Petrópolis, 2001, p. 22.

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impostos e geração de empregos. O crescimento do número de organizações sociais da sociedade civil verificado desde os anos 70 fez surgir um novo ator social, o denominado Terceiro Setor, o conjunto de agentes privados com fins públicos, cujos programas visavam atender direitos sociais básicos e combater a exclusão social e, mais recentemente, proteger o patrimônio ecológico brasileiro.

Verifica-se, pois, que o Terceiro Setor, apesar de alguns

desvirtuamentos em suas atividades, revela-se como importante instrumento

de atuação solidária e cada vez mais representativo de uma sociedade que

procura organizar-se para resolver seus problemas e reinvidicar seus direitos,

bem como atender às suas necessidades básicas e interesses socialmente

relevantes.

De outro lado, estudos realizados pelo sociólogo português Boaventura

de Sousa Santos52, após longo período de pesquisa dentro de uma favela

carioca denominada por ele de Pasárgada, revelaram mecanismos de

solidariedade social na resolução de conflitos internos, com a prática jurídica

informal das comunidades.

E perante a escassez de serviços públicos fundamentais de

fornecimento de água ou eletricidade, as associações brotaram

espontaneamente como forma de organização por parte dos próprios

moradores, objetivando a melhoria da qualidade de vida dos moradores. E

melhoria da vida comunitária. Sem olvidar que sempre houve questões

problemáticas e de eventual corrupção com políticos locais, o importante a

ressaltar é que da necessidade de sobrevivência surgiram relações internas

bastante criativas direcionadas à resolução dos problemas mais urgentes,

como apurado no estudo. Principalmente, porém, a partir do momento em que

as associações de moradores passaram a assumir funções sequer previstas

em seus estatutos e efetivamente intervir em conflitos entre vizinhos. Souza

Santos constatou que as soluções dos conflitos tendiam a ser solvidos por

mecanismos de mediação. De outra parte, a precariedade de instrumentos de

coerção, induziu os habitantes à cooperação, em contrapartida ao sistema

jurídico estatal, dotado de um enorme e complexo sistema de monopolização

52 GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Tráfico de drogas e o conceito de controle social: reflexos entre solidariedade e a violência. In: (Coord.). BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. Bechara. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 18, n. 83. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, mar-abr, p. 200-204.

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da violência legítima. Assim, a ausência estatal, levou os moradores da

comunidade a utilizarem-se da solidariedade na solução de seus problemas.

A solidariedade surge como fundamento da própria sociedade, pois sem

o elo dos integrantes do grupo social ela sequer poderia existir. Os sentimentos

comuns e a necessidade de proteção de seus membros e o atingimento de um

bem comum são a sua essência da vida em sociedade. Como assevera Celso

Antonio Pinheiro de Castro53, “a sociedade forma um todo onde a organização

não advém do simples contato das partes, mas da reciprocidade de funções”.

E no mundo moderno, em que o indivíduo perde força por ser apenas

mais um, numa sociedade massificada e em que a dispersão de interesses nos

faz cada vez mais distantes dos nossos semelhantes, somente uma postura

solidária, com a atuação através de associações e comunidades congregadas

para a busca do bem comum poderá resgatar o homem da crise de identidade

de que atualmente padece.

Razão, portanto, assiste a Márcio Pugliesi, o enfrentamento da crise da

civilização envolve “efetiva igualdade de oportunidades e solidariedade.54

1.4 SOLIDARIEDADE NA RELIGIÃO

Segundo Vera Herweg Westpha, (2008) “as igrejas cristãs, sobretudo a

Católica, desenvolveram uma concepção de solidariedade que influenciou

propostas e práticas sociais e políticas no mundo ocidental”.

No Cristianismo a regra de ouro – amar ao próximo como a si mesmo –

evidencia exemplo de solidariedade. A parábola do bom samaritano do Novo

Testamento também constitui forma de demonstração da preocupação com o

próximo, independente de sua origem.

53 CASTRO, Celso Antôno Pinheiro de. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 2000, p. 157. 54 PUGLIESI, Márcio. Teoria do direito, 2 ed.; São Paulo: Saraiva, 2009, p. 230.

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A Campanha da Fraternidade, que hoje também abrange o concurso de

outras Igrejas Cristãs, é exemplo vivo e dinâmico da solidariedade. A

Campanha da Fraternidade tem sua origem em Natal, Rio Grande do Norte, em

1942, com inspiração na Igreja da Alemanha, onde era desenvolvida uma

atividade com o nome de “Miserior”. Sua pretensão, além da arrecadação de

bens materiais, é a da conscientização para transformação social.

Merecem relevo as doutrinas sociais e econômicas da Igreja, em que se

notabilizou o Papa Leão XIII nas quais argumentava as falhas do capitalismo e

do comunismo, e que ficou conhecido como o "papa das encíclicas sociais". A

mais notável de todas nessas matérias, a Rerum Novarum, de 1891, aborda os

direitos e deveres do capital e trabalho.

Segundo Vera Herweg Westpha55 ao citar Weiller, a Doutrina Social

Católica corresponde à atribuição eclesial no âmbito da evangelização, do

diálogo com o mundo, da significação e interpretação da realidade cristã e da

promoção para a prática pastoral. Funda-se em dois pensamentos centrais: o

da revelação sobrenatural e o do conhecimento social. Constitui uma doutrina

social cristã ou ética social e apresenta três princípios: o ser humano, a

subsidiariedade e a solidariedade. A concepção social desenvolveu-se como

uma doutrina, sendo seus princípios critérios de julgamento em questões

sociais e de diretrizes para a ação.

Ela observa o desenvolvimento, a partir do início do século XX, de um

ideário sistemático sobre o pensamento social da Igreja. Essa doutrina social

da Igreja Católica na Alemanha é sustentada sobre três pilares: a) o ensino, b)

a ciência e c) o movimento social católico, sendo possível identificar dois

diferentes temas centrais – a pessoa e a solidariedade –.

Aponta que segundo Schütz, para a Doutrina Social Católica a pessoa é

imagem de Deus e a união universal entre todos os seres humanos decorre da

paternidade Deus e da irmandade em Cristo. Ela desenvolveu uma visão com

55 WESTPHA, Vera Herweg. Diferentes matizes da ideia de solidariedade. Revista Katálysis, vol.11, n.1, Florianópolis, Jan/June 2008, p. 43-52. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v11n1/04.pdf>. Acesso em : 03 dez. 2011.

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conteúdo ético, influenciando, sobretudo na adoção do princípio da

solidariedade ao nível da política social na Alemanha.

Informa Vera Herweg Westpha que as ideias da Doutrina Social Católica

exerceram forte influência no desenvolvimento da solidariedade como princípio

de Estado. O ponto central da Doutrina Social Católica, ao iniciar o século XX,

foi o solidarismo, o qual sugere um sistema social-filosófico, não teológico.

Porém, a ideia da figura humana solidária espelha-se na doutrina social

católica. Na Alemanha, esclarece, o solidarismo foi fundado por Heinrich Pesch

(1854-1926), posteriormente aprofundado por Gustav Grundlach (1892-1963) e

Oswald von Nell-Breuning (1890-1993), recebendo nova orientação por Arthur

Fridolin Utz (1908-...).

Como aborda Vera Herweg Westpha, para Pesch, as feridas decorrentes

da economia capitalista deveriam ser curadas com ações reformistas, sendo

todo membro social responsável pela realização da justiça social. Diferencia

“solidariedade como fato” e “solidariedade como obrigação”, porém não aceita

tentativas de fundamentação teórico-contratuais. Continua defendendo que a

solidariedade como princípio ético, se baseia na necessidade de

complementaridade da pessoa, diferenciando três subcategorias: “princípio do

direito”, “princípio de formação comunitária” e “princípio de caridade”,

ressaltando que os dois primeiros muito contribuem para a determinação da

relação entre liberdade individual e justiça social.

Em seu texto a autora acentua que Grundlach e von Nell-Breuning, mais

tarde, defenderam que a pessoa como ser constituinte é a condição para a

existência da sociedade, precisando da vida em comunidade e que esta tem

função subsidiária na concretização das potencialidades individuais. A

solidariedade é um princípio ontológico, visando a inclusão de todos e, por

consequência, a responsabilidade entre todos.

Posteriormente, acresce, Utz criou uma teoria social-personalista de

doutrina social, entendendo a solidariedade como universalista, como parte de

uma ética social. Defende a efetivação da solidariedade no interior do Estado

de direito, que tem por alvo a liberdade individual e integração social. Para ele,

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o Estado de direito é, ao mesmo tempo, Estado de bem-estar social. Como ser

social, o indivídiuo tem direito à liberdade e ao apoio e auxílio sociais. Porém,

estando a sociedade do trabalho pautada e dependente do esfoço livre e do

interesse individual, a solidariedade é complementada pela subsidiariedade. Na

Alemanha, as contribuições da Doutrina Social Cristã serviram como base para

o concedito da solidariedade como princípio de Estado.

Na América Latina, conforme Vera Herweg Westpha, não existiu

progresso científico da Doutrina Social Cristã, nem a solidariedade como

conceito foi alçada a um princípio de Estado. Ressalta, contudo, que no

começo dos anos 1960, houve o desenvolvimento da Teologia da Libertação,

resultante da situação histórica, econômica e social em que vivia o continente.

Com embasamento doutrinário na teoria da dependência e na análise

estrutural-social marxista, a Teologia da Libertação procura um modo para a

promoção dos oprimidos, dos sem-dignidade, dos sem-direitos, dos

despossuídos em pessoas de direito. As comunidades eclesiais de base

constituem a base social da Teologia da Libertação. Configura uma teologia

situacional, fundada no conjunto concretizado dos atingidos e tem por meta um

renovamento da realização teológica e social. Os atingidos, no curso do

processo dialógico, conscientizam-se criticamente de sua realidade e procuram

resoluções que propiciam completar sua premência de liberdade,

autodeterminação e meios de uma vida digna.

A Doutrina Social Cristã, conforme Vera Herweg Westpha, trouxe

escassos contributos para a situação latino-americana, por visar mudanças

sociais através de reformas institucionais, enquanto a Teologia da Libertação

pretende a mudança social protagonizada pelo povo. A Teologia da Libertação

defende o socialismo expressamente, pois a pobreza, a exclusão e a injustiça

alcançam a maior parte dos integrantes da sociedade. A Teologia da

Libertação é, pois, um “repensar” da fé em um contexto de dominação e

libertação. A fé é redesenhada pela situação dos oprimidos, partindo

discursivamente da opção pelos pobres, para edificar o reino de Deus aqui e

agora.

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Esclarece também a autora que além das causas sociopolítico-

estruturais, há razões eclesiais para o surgimento da Teologia da Libertação

que são: o Concílio Vaticano e a II Assembleia Geral do Episcopado Latino-

Americano realizado em 1986 na cidade de Medellín. Outras razões para a

busca de novos caminhos dentro da Igreja foram a pobreza, a ausência de

liberdade política, a revolução cubana, a falta de padres nos rincões profundos

do continente e o motivo da maioria dos padres serem oriundos das camadas

mais abastadas da sociedade.

A Teologia da Libertação não produziu uma concepção diversa da ideia

de solidariedade, entendida sob a perspectiva das encíclicas católicas da

Doutrina Social Cristã. Solidariedade é compreendida como modo para fundar

uma ordem social, em que cada pessoa pode tomar parte de forma plena das

contingências possíveis da vida natural e dos relacionamentos sociais. O

conceito de solidariedade da Teologia da Libertação conforma-se pelas noções

do sentido comum e do bem comum. Acredita-se ser a religiosidade

decorrência da comunidade solidária. Verifica-se uma crucial importância a

respeito de dois valores: a vida comunitária e a reciprocidade, e a

solidariedade. Por intermédio do primeiro, estabelecem-se as relações

interpessoais. Pelo segundo, firmam-se a ajuda e apoio mútuos. Portanto, é

correto, diz a autora, afirmar que o entendimento de solidariedade da Teologia

da Libertação funda-se em duplo aspecto: 1) como irmandade e fraternidade e

2) como reciprocidade realizada entre iguais, ou seja, entre os excluídos, os

dominados, os pobres, sendo ambas marcadas por uma concepção pré-

moderna de solidariedade.

Afirma Vera Herweg Westpha que com isso, é possível dizer que a

noção de solidariedade decorrente é marcada por uma ideia classista e de

grupo. Não é uma concepção universalista, mas sim, uma perspectiva quase

universal de solidariedade. É ser solidário entre os semelhantes, sendo

idênticos os que pertencem à mesma classe. Trata-se, antes de tudo, de

solidariedade, libertação e justiça pelos e para com os iguais, os explorados e

os excluídos.

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Por outro lado, finaliza a autora, a vivência da solidariedade pode ser

entendida como “escollhida” e voluntária dependendo do contexto e, portanto, a

sua prática no âmbito da Teologia da Libertação também possui um significado

atual, além da influência na economia solidária.

O Catecismo da Igreja Católica56 que constitui uma exposição da fé

católica e da doutrina da Igreja Católica, em sua Terceira Parte (A Vida em

Cristo) e Primeira Seção (A Vocação do Homem: A Vida no Espírito) trata nos

seus itens 1939 a 1942 da solidariedade humana. No número 1939 remete que

o princípio da solidariedade, também enunciado sob o nome de “amizade” ou

de “caridade social”, é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã

(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 38-40: AAS 80 -1988 - 564-569;

Id. Enc. Centesimus annus, 10: AAS 83 – 1991 - 805-806). E também nesse

mesmo item, aponta-se que é um erro, “hoje largamente espalhado”, é o que

esquece esta lei da solidariedade humana e da caridade, ditada e imposta

tanto pela comunidade de origem e pela igualdade da natureza racional entre

todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como pelo sacrifício

da redenção oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz ao Pai celeste, em

favor da humanidade pecadora (Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31, -

1939 – 426). O item 1940 aponta que a solidariedade se manifesta, em

primeiro lugar, na repartição dos bens e na remuneração do trabalho e implica

também o esforço por uma ordem social mais justa, em que as tensões

possam ser resolvidas melhor e os conflitos encontrem mais facilmente uma

saída negociada. O número 1941 dispõe que os problemas socioeconômicos

só podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade:

solidariedade dos pobres entre si, dos ricos com os pobres, dos trabalhadores

entre si, dos empresários e empregados na empresa; solidariedade entre as

nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de

ordem moral e dela depende, em parte, a paz do mundo. O item 1942 indica

que a virtude da solidariedade vai além dos bens materiais, pois ao difundir os

bens espirituais da fé, a Igreja favoreceu, por acréscimo, o desenvolvimento

56 CATECISMO da Igreja Católica: terceira parte (A vida em Cristo), primeira seção (A vocação do homem: a vida no espírito). Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p3s1cap2_1877-1948_po.html#top>. Acesso em: 15 mar. 2012.

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dos bens temporais, a que, muitas vezes, abriu novos caminhos. Assim,

verificou-se, ao longo dos séculos, a Palavra do Senhor: “Procurai primeiro o

Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo”

(Mateus 6,33). E também referido item transcreve:

Desde há dois mil anos que vive e persevera na alma da Igreja este sentimento, que levou e ainda leva as almas até ao heroísmo caridoso dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos que cuidam dos doentes, dos mensageiros da fé, da civilização, da ciência a todas as gerações e a todos os povos, em vista a criar condições sociais capazes de a todos tornar possível uma vida digna do homem e do cristão (Pio XII, Mensagem radiofónica - 1 de Junho de 1941: AAS 33 -1941- 204).

Com respeito ao Judaísmo, Carl S. Ehrlich57 escreve que a ajuda

prestada aos pobres, fracos e desvalidos apresenta um significado religioso e o

auxílio aos outros configura um papel de relevo na formação de uma ética

judaica. As comunidades judias têm por tradição uma organização de bem-

estar social, com um sistema no qual todos são instados a colaborar segundo

suas possibilidades. Outro contributo é a ideia de tikkun olam (melhoria do

mundo), ou seja, a vontade de fazer com o que mundo fique melhor do que

quando foi encontrado. Esses fatores contribuem para explicitar a razão pela

qual os judeus no mundo moderno frequentemente lideram movimentos por

justiça e transformação social.

Conforme Frank Usarski58 o Budismo em diversas oportunidades

apresenta rol de condutas que devem ser evitadas. Entre elas acha-se a de

não ferir qualquer ser vivo. Preceitos antigos ressaltam o valor do cultivo de

situações e hábitos corretos a fim de que o procedimento moral se converta em

expressão natural e voluntária de valores interiorizados. O papel das virtudes é

o de subjugar inclinações negativas. Entre as virtudes fundamentais acham-se

os atributos que evoluem enquanto as origens do sofrimento, como a avareza,

o ódio e a ignorância, são trocados por desapego, benevolência e sentimento.

O desapego é o estado de quem demonstra indiferença, desinteresse,

desprendimento pelas coisas, arredando intenção egoísta que conduz as

57 EHRLICH, Carl S. Conhecendo o judaísmo: origens, crenças, práticas, textos sagrados, lugares sagrados. Tradução Daniel Barbosa Henriques, Petrópolis: Vozes, 2010, p. 55. 58 USARSKI, Frank. O budismo e as outras: encontros e desencontros entre as grandes religiões. Aparecida: Ideias & Letras, 2009, p. 32.

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ações. Benevolência exprime procedimento de boa vontade ou compreensão

em face de todos os seres vivos. Entendimento relaciona-se com a percepção

da doutrina budista. A par dessas três virtudes cardeais, mais duas são de

primordial relevo para o objeto da ligação entre o Budismo e as demais

religiões. A primeira é o princípio da não violência (ahimsa), que se caracteriza

não pela inexistência de algo, porém igualmente exercido de modo positivo,

embasado em senso de estima por todos os seres vivos. O segundo é

compaixão, ação compassiva (karuna), destinada a amenizar o sofrimento de

outros seres, mencionada com frequência junto a três outras virtudes que são o

amor-bondade (metta), a alegria simpatizante (mudita) e equanimidade

(upekha)

Segundo Gyatso59 , o Dalai Lama nota que todas as grandes religiões do

mundo ressaltam o grande valor no cultivo do amor e da compaixão. Observa

que na tradição budista isto ocorre em níveis diversos. No ponto mais

elementar a compaixão (nying je) é entendida precipuamente como empatia, ou

seja, a capacidade de tomar parte e compartilhar o sofrimento de outrem.

Porém, os budistas e possivelmente outros, creem que isto pode ser ampliado

até a compaixão ocorrer, não só sem qualquer esforço, como passa a ser sem

condições, indistintamente e de extensão universalizada. Constitui-se um

sentimento de intimidade que abrange todos os seres vivos, dotados de

sensibilidade, incluindo mesmo aqueles que são capazes de nos ferir. O líder

religioso compara esse sentimento ao que a mãe nutre pelo filho único.

Esse sentido de equanimidade não é um fim em si mesmo, apenas um

meio para atingir um fim ainda maior. Aponta que nossa aptidão para a empatia

é inata e possui as mesmas características da própria consciência. A

capacidade para seu desenvolvimento é inesgotável e contínua. Essa

sensibilidade para o sofrimento alheio pode ser gradualmente ampliada. E a

compaixão pode atingir tal nível, que ao sermos atingidos pelo sofrimento do

outro, ainda de maneira quase imperceptível, nutrimos uma inevitável noção de

responsabilidade por todos os semelhantes. Esse patamar mais elevado desse

sentimento é denonimado em tibetano nying je chenmo, ou, em sentido literal

“a grande compaixão”.

59 GYATSO, Tenzin. Uma ética para o novo milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, p. 177-178

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E mais adiante prossegue, abordando a questão da responsabilidade

universal: “É verdade que faz parte da prática do budismo lembrarmos

constantemente nosso dever de servir a todos os seres sensíveis de todos os

universos.” 60

Ao comentar a respeito do dever de jejuar dos muçulmanos e da

caridade, Francielli Morêz explica que sua finalidade não é punitiva. O jejum

visa mostrar ao homem a possibilidade de autocontrole, paciência e disciplina

inerentes aos impulsos dos sentimentos e instintos naturais, e, também, que se

conheça o sofrimento das pessoas que passam por tais privações quase a vida

inteira. A finalidade do jejum, destarte, é de estimular os mais elevados

sentimentos humanos:

A bondade não está em voltardes as faces para o Levante e para o Poente; mas a bondade é a de quem crê em Allah, e no Derradeiro Dia, e nos anjos, e no Livro, e nos profetas; e a de quem concede a riqueza, embora a ela apegado, aos parentes, e aos órfãos, e aos mais necessitados, e ao filho do caminho, e aos mendigos, e aos escravos; e a de quem cumpre a oração e concede az-zakah; e a dos que são perseverantes na adversidade e no infortúnio e em tempo de guerra. Esses são os verídicos e esses são os piedosos.

O mencionado autor esclarece que na citada sura (capítulo do Alcorão)

estão resumidos desígnios do Islamismo e neste trecho, especialmente, ganha

relevo a caridade. O mês de Ramadan é um intervalo sacro o qual fortalece a

fé mediante oferendas devotadas a Deus, cuja graça se irradia a todos que

com resígnio aguentam as carências, restrições e dificuldades desse período.

Essa sensação de proximidade com o Criador, especialmente exacerbada

durante o mês de revelação do Alcorão, é manifestado mediante auxílio intenso

dos integrantes da comunidade de fiéis. Os compromissos de fraternidade que

os liga durante todo o ano devem se apresentar mais reforçados e evidentes,

através da consciência exasperada do padecimento dos desamparados. Jejuar,

portanto, significa experimentar a fome e a sede para a compreensão da

miséria alheia.

De outra parte, Matthew Gordon61 esclarece que o terceiro dos deveres

fundamentais do Islamismo é a zakat, ou seja, doação obrigatória de esmolas.

60 GYATSO, Tenzin. 14º Dalai Lama do Tibet. Uma ética para o novo milênio. Tradução Maria Luiza Newlands, Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 138-139177-178 61 GORDON, Mathew S. Conhecendo o islamismo: origens, crenças, práticas, textos sagrados, lugares sagrados. Tradução Gentil Avelino Titton. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 59.

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O Alcorão e a Hadith (palavra de Maomé ou relato do que ele fez) cuidam

dessa ação não somente como ato de culto, mas igualmente forma de auxílio

mútuo entre os muçulmanos. É diferente da esmola voluntária e é calculada

sobre porcentagem da renda (2,5%), porém levando em consideração a

capacidade financeira do doador, incidente sobre o seu lucro líquido. O

cumprimento desse dever de caridade pode ser cumprido em espécie,

alimentos ou por outras formas para realizar seu objetivo.

No que se refere à solidariedade no Xintoísmo, esclarece C. Scott

Littleton62 que uma das características mais importantes do comportamento da

sociedade japonesa é a prioridade da solidariedade grupal sobre a identidade

individual, a prevalência da coletividade em relação aos seus componentes.

Apesar desse código de conduta constituir em determinado ponto, fruto da

herança cultural chinesa, foi enfatizado pela prioridade constante que o

Xintoísmo dedica ao culto dos espíritos ancestrais, à solidariedade familiar e

aos clãs.

De igual relevância são os princípios basilares da religião como o culto à

natureza, ênfase na pureza espiritual e pessoal. Esses princípios inspiraram de

modo profundo o comportamento do povo japonês desde os tempos pré-

históricos. Ressalta o autor que o próprio moderno movimento ambiental no

Japão recebe o contributo do Xintoísmo, pois, exemplificativamente, os

indivíduos que cuidavam dos santuários xintoístas locais tomaram à frente dos

trabalhos para limpeza das áreas rurais.

Refuta a assertiva de que o povo japonês deve sua orientação ética à

tradição budista. Aponta que uma observação minuciosa desmente essa

conclusão:

Ao centro da teologia xintoísta está a ideia de que wa (‘harmonia benigna’) é inerente à natureza e aos relacionamentos humanos e que qualquer coisa que perturbe esse estado é ruim. Isso ajuda a explicar a crença japonesa generalizada e profundamente arraigada de que o indivíduo é menos importante que o grupo, seja este grupo a família, a escola ou o trabalho. As regras que governam o comportamento humano são consideradas necessárias para a manutenção do wa, sem o qual tanto a sociedade, quanto o mundo natural se desintegrariam no caos. Esse antigo conceito chinês vem

62 LITTLETON, C. Scott. Conhecendo o xintoísmo: origens, crenças, práticas, festivais, espíritos, lugares sagrados. Tradução Vera Joscelyne. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 52-53.

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orientando o comportamento xintoísta e budista japonês por mais de mil e quinhentos anos.

Quanto à solidariedade no Hinduísmo, esclarece Vasudha Narayanan63

que Dharma (lei natural ou realidade), noção fundamental para o Hinduísmo

possui diversos significados como “dever”, “retidão” e “ética”. Há um dharma

pertencente a todos os homens, inequívoca em virtudes como a não violência,

a compaixão e a generosidade.

E mais adiante prossegue, “que as virtudes consideradas comuns a

todos os seres humanos são chamadas dharma sadharana (comum) ou

sanatana (eterno). Entre estas estão a gratidão, a não violência, a compaixão e

a generosidade.64”

63 NARAYANAN, Vasudha. Conhecendo o hinduísmo: origens, crenças, práticas, textos sagrados, lugares sagrados. Tradução Gentil Avelino Titton. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 50. 64 Ibidem, p. 51.

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CAPÍTULO II

2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO

No Direito, a solidariedade assume dois significados principais, conforme

cada um de seus ramos. O primeiro diz respeito à origem do termo, nascido do

Direito Romano, com o sentido primitivo de sólido, indivisível. O segundo deriva

de acepção mais moderna, após o vocábulo percorrer os caminhos da

Sociologia e da Filosofia e transformar-se e retornar à seara jurídica, quando

passou a traduzir a ideia de cooperação, colaboração, altruísmo.

Como adiante será visto, em diversos ramos do Direito, tais acepções

são encontradas, porém esses ramos não se constituem como pontos

essenciais a cada um deles, visto que a solidariedade nem sempre está

presente.

Ao contrário, no âmbito dos interesses ou direitos difusos e coletivos, a

solidariedade, quer com sua característica de indivisibilidade, quer com aspecto

de colaboração, fraternidade e ajuda, é fundamental para sua configuração.

Assim, a solidariedade, nas suas duas faces aqui apontadas, informa diversos

ramos do Direito, mas é na esfera dos interesses ou direitos difusos e coletivos

que funda sua configuração.

É certo como assevera Maria Cecilia Baêtas Dyrlund65 que a

solidariedade é um dos valores mais significativos na sociedade

contemporânea. E, em geral, quando positivado, o valor da solidariedade é

representado no formato de valor. Afirma também que a solidariedade, hoje,

constitui princípio jurídico que espraia em todas as áreas do Direito.

Entretanto, se a solidariedade como espírito de colaboração social, hoje,

informa todos os ramos do Direito, somente nos Difusos é que se faz sempre

presente, como seu fundamento intrínseco.

65 DYRLUND, Maria Cecilia Baetas In: BARRETO, Vicente Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 774.

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Antônio Junqueira de Azevedo,66 anota a existência da solidariedade

grupal nos animais superiores, neles incluindo o próprio homem. E ao apontar

as semelhanças do comportamento e as relações sociais entre os animais,

notadamente os primatas, com o ser humano, nele entrevê o surgimento de

várias regras jurídicas, como mais adiante será mencionado.

Essa herança indica que efetivamente contamos com regras morais

inerentes à nossa evolução, com a formação de um verdeiro Direito Natural.

Assim, o Direito não se limita à mera criação humana, pois há normas que

advêm da própria Natureza, presentes desde nossa jornada na Terra.

2.1 SOLIDARIEDADE NO DIREITO ROMANO

Lalande67 ao apresentar as acepções da palavra solidariedade, ressalta

que primitivamente era termo jurídico, constituindo deformação da palavra

solidum, a qual entre os jurisconsultos romanos denominava a obrigação que

recaía sobre os devedores, sendo cada um deles tomado pelo todo (in

solidum). Curiosamente anota que tal termo deveria ter evoluído para solidade

e assim chegou a ser empregado entre os antigos jurisconsultos franceses.

Todavia, o Código Civil francês emprega o vocábulo solidariedade, a partir de

seu art. 1197 e, ressalta que este sentido jurídico ainda permanece sendo o

sentido fundamental da palavra.

Já segundo J. Cretella Júnior68, os romanos não chegaram a definir a

solidariedade, mas a respeito da estipulação, cuidam da hipótese na qual dois

ou mais contratantes (“duo rei” ou “correi”) ajustam uma obrigação in solidum.

É o que se intitula de correalidade ou solidariedade contratual.

66 AZEVEDO, Antônio Junqueira de In: CARBONE, Paolo (Coord.). Crítica ao personalismo ético da Constituição da República e do código civil: em favor de uma ética biocêntrica. In: PRINCÍPIOS do novo código civil brasileiro e outros temas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 24. 67 LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.156. 68 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

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59

Esclarece o autor que a solidariedade pode ser ativa, quando realizada

entre vários credores e, passiva ao cuidar de diversos devedores.

Aponta ainda que nas obrigações solidárias ou correais, a coisa devida

deve ser paga integralmente, porém apenas uma vez.

E como anteriormente destacado, de sua origem no Direito Romano o

vocábulo evoluiu para outros ramos do conhecimento, adquiriu novos

significados e passou a ser empregado não só nas línguas latinas, mas

espraiou-se para outros idiomas sem ligação direta com o Lácio.

2.2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

No preâmbulo da Constituição Federal de 1988 há referência à

fraternidade como valor supremo da sociedade:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (grifou-se).

Por sua vez, o art. 3º, inciso I, da Carta Magna, estabelece como um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre,

justa e solidária.

Ao comentar a respeito da solidariedade nesse dispositivo, José

Francisco Cunha Ferraz Filho69 explica que a solidariedade, elemento essencial

para a conformação da pessoa humana como indivíduo social, é o princípio

que guia o entendimento político no espaço público, a proximidade e

colaboração social entre os povos e as pessoas.

69 FERRAZ FILHO, José Francisco Cunha, Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 8. FERRAZ, Ana Cândida da Cunha (coord). Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri: Manole, 2010, p. 8.

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60

Registra apropriadamente que a solidariedade não se pode dar mediante

coerção, pois a liberdade é seu requisito básico. A cooperação não pode ser

determinada pelo poder político, deve surgir dos integrantes da própria

sociedade.

Contudo, se não pode ser imposta, a solidariedade pode e deve ser

fomentada. E o texto constitucional consagra dispositivos neste sentido, como

o art. 174, § 2º, ao dispor que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e

outras formas de associativismo. O próprio art. 4º, parágrafo único, estabelece

a diretriz a ser seguida pela República Federativa do Brasil, no sentido de

buscar a integração econômica, política, social e cultural com os povos da

América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de

nações.

No campo das denominadas gerações de direitos, uma delas está

diretamente ligada à solidariedade. Como informa Nagib Slaibi Filho70 em 1979,

Karel Vasak anunciou uma classificação dos direitos fundamentais de relevante

simbolismo, demonstrando o progresso na conscientização sobre tal matéria.

Estas fases ou gerações recolocam os temas de liberdade, igualdade e

fraternidade que vieram a lume no âmbito político na Revolução Francesa de

1789 e que logo se espalharam como pontos fundamentais da vida em

sociedade organizada e no respeito à pessoa humana.

Prossegue dizendo que a terceira geração diz respeito aos direitos da

solidariedade. Seu objeto é o próprio gênero humano, por extrapolar a mera

proteção do indivíduo. São deste jaez o direito ao desenvolvimento, o direito à

paz, o direito ao meio ambiente, o direito sobre o patrimônio comum da

humanidade, o direito de comunicação. Assinala que o direito ao

desenvolvimento abrange não só os Estados, mas também os indivíduos e, no

tocante a esses, consistem no campo do trabalho, saúde e alimentação

apropriada.71

70 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 302. 71 Ibidem, p. 303.

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61

No mesmo sentido preleciona Uadi Lammêgo Bulos72: “a terceira

geração, denominada por alguns de novíssima dimensão, que abarca os

chamados ‘direitos de solidariedade ou fraternidade’ (Karel Vasak)”.

Segundo ele, tais direitos têm sido introduzidos nos textos

constitucionais do mundo e aponta como exemplo as Constituições do Chile

(art. 19, § 8º), da Coreia (art. 35, I) e do Brasil (art. 225), quando se reportam à

proteção do meio ambiente.

E no rol dos direitos de solidariedade ou fraternidade, incluem-se os

direitos difusos em geral, como o meio ambiente equilibrado, a vida saudável e

pacífica, o progresso, a autodeterminação dos povos, o avanço tecnológico,

como alguns dos pontos inseridos nos textos constitucionais modernos. Esses,

remata o autor, constituem a terceira geração dos direitos humanos

fundamentais.

Porém, nem só com relação a esse sentido a Constituição Federal trata

da solidariedade. Também cuida de seu significado primitivo ao estabelecer,

por exemplo, em seu art. 5º, inciso XLIII, que a lei considerará crimes

inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática de tortura, o tráfico

ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes

hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que de

alguma forma podendo evitá-los, se omitirem. Aqui temos o exemplo de

responsabilidade solidária criminal, previsto no próprio texto constitucional.

2.3 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CIVIL

Mais uma vez, também no Direito Civil apresentam-se as duas principais

acepções da palavra solidariedade.

72 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 518-519

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No Direito das Obrigações, com direta influência do Direito Romano,

encontra-se presente o sentido de indivisibilidade e também o de vínculo

jurídico entre duas ou mais pessoas.

Conforme Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery73 a

solidariedade ativa é a forma de obrigação com diversidade de credores, cada

qual com a possibilidade de exigir do devedor o implemento integral da

obrigação, ainda que divisível. Observam nela a existência de muitos

inconvenientes, sendo o principal o risco de o credor que receber a totalidade

da prestação dela, apoderar-se ou dilapidá-la, com prejuízo dos demais

credores solidários. Daí cada vez mais a solidariedade ativa deixa de ser

utilizada.

Segundo esses autores74, a solidariedade passiva, resultante da lei ou

do contrato, revela uma recíproca dependência entre os devedores, quer

quanto ao pagamento, quer no tocante aos demais atos referentes ao crédito.

Diversamente, “na obrigação com devedores plúrimos, ou codevedores in

solidum, cada dívida tem sua origem e sua dívida própria”. Nesta, os devedores

respondem pela reparação de um mesmo dano, mas por causas diferentes. É o

caso, assinalam, de um acidente de trânsito envolvendo transportador de carga

e condutor de outro veículo. Ambos são responsabilizados pelo dano

decorrente, mas o primeiro em virtude do contrato de transporte e o segundo

pela responsabilidade quase delitual.

Entretanto, o Código Civil de 2002 também utiliza o conceito de

solidariedade em sua vertente altruística, de cooperação. Como aponta Rosa

Maria Andrade Nery75, citando o ensinamento de Gropalli de que a

solidariedade é o lado social da moralidade, o Código Civil de 2002 não nega

os princípios celebrados pela Constituição Federal, dos quais o da

“sociabilidade” é dos mais marcantes. Anota que, apesar do tempo que levou

para sua elaboração, ele atende ao projeto de sociedade que é traçado pela

Constituição de 1988. Ressalta que em numerosos artigos do Código Civil de

73 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código civil comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 451. 74 Ibidem, p. 449. 75 NERY, Rosa Maria Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 239-240.

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2002 vê-se a preocupação do legislador de tornar operante, pelas regras do

direito civil, o princípio da solidariedade, que passa a integrar, portanto,

também a axiologia do direito privado. 76

Como exemplos de aplicação do princípio da solidariedade nesse viés, a

mencionada civilista aponta o art. 13, parágrafo único (disposição do próprio

corpo para transplante, na forma da lei especial); 20 (preservação da imagem

da pessoa); 69 (incorporação do patrimônio de fundação extinta em outra, que

se proponha a fim igual ou semelhante); 421 (limitação da liberdade de

contratar em razão e nos limites da função social do contrato); 422 (obrigação

dos contratantes aos princípios da probidade e boa-fé); 927, parágrafo único

(indenização do dano, independentemente de culpa); 964 (privilégio especial

creditório); 1.228, § 1º (exercício do direito de propriedade em consonância

com suas finalidades econômicas e sociais e preservação do meio ambiente);

1.285 e seus parágrafos (passagem forçada); 1.694 (direito a alimentos); 1.844

(devolução da herança ao Município ou Distrito Federal, diante da inexistência

de herdeiros ou quando houverem renunciado); 2.035, parágrafo único

(vedação de convenção que contrariar preceitos de ordem pública, como

função social da propriedade e dos contratos).

Mas é no Direito de Família que a solidariedade se mostra mais forte e

evidente.

Como esclarece Antônio Junqueira de Azevedo77 a manifestação mais

visível da solidariedade grupal é a família, com as regras desse direito. O

direito aos alimentos surge da necessidade de sobrevivência por parte do

alimentando; o dever de prestá-los resulta da solidariedade grupal.

Contudo, não só as questões pertinentes aos alimentos, quem deles

necessita e quem deve fornecê-los orientam a solidariedade na esfera familiar.

A proteção da pessoa, dos filhos menores, (arts. 1.583 e seguintes do Código

Civil de 2002), que se estende aos maiores incapazes (art. 1.590), compreende

além dos alimentos, sua guarda, bem como sua criação e educação (art. 1.634,

I).

76 Ibidem, p. 241. 77 AZEVEDO In: CARBONE, 2010, p. 24.

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2.4 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

No Direito Processual Civil, a ideia de solidariedade diz respeito

precipuamente ao conceito de indivisibilidade e reflete-se em especial no

litisconsórcio. Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery78, este

consiste na possibilidade de mais de um litigante participar de um ou dois dos

polos da relação processual. O litisconsórcio configura pluralidade subjetiva da

lide e quando ocorre, verifica-se cúmulo subjetivo de ações.

Quanto à sua classificação, esclarecem os referidos autores, que pode ser

inicial ou ulterior, respeitante ao momento de sua formação; quanto à sua

indispensabilidade pode ser necessário ou facultativo; no tocante ao polo da

relação processual pode ser ativo, passivo ou misto (isto é, ativo ou passivo ao

mesmo tempo); e, no que diz respeito ao destino dos litisconsortes, quanto ao

direito material, pode ser unitário ou simples.79

O litisconsórcio necessário constitui modalidade típica de solidariedade

na expressão de indivisibilidade, vez em face de disposição de lei ou da

natureza da relação jurídica, o juiz deve decidir a lide de forma uniforme para

todas as partes e a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os

litisconsortes no processo (art. 47, “caput”, do Código de Processo Civil).

Na assistência (art. 50 do Código de Processo Civil), reveste-se de

solidariedade com qualidade de apoio ou adesão a uma causa, cujo desfecho

interessa juridicamente a um terceiro.

Mas a solidariedade no seu aspecto de sentimento de partilha com as

questões que afligem outrem, também se faz presente no Direito Processual

Civil. É o caso, por exemplo, da intervenção obrigatória do Ministério Público

nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse da terra ou nas demais

causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou

qualidade da parte (art. 82, inciso III, do Código de Processo Civil).

78 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 509 79 Ibidem

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De modo muito pertinente, Luis Alberto Reichelt80 sinaliza a edificação

de um novo modelo de processo civil, de natureza solidária, que exige tanto

das partes quanto do juiz, a identificação de interesses que ultrapassam os

lindes do caso em julgamento. A repercussão geral no recurso extraordinário

mostra-se como um novo mecanismo a ser utilizado para a devida prestação

jurisdicional nestes novos tempos, diante da moderna realidade. A

solidariedade social obriga aos litigantes sujeitar-se que seu caso, numa

sociedade de relações jurídicas padronizadas deve ser apreciado como mais

um dentre outros similares. Portanto, as decisões prolatadas nos recursos

extraordinários com o atributo da repercussão geral devem ser aceitas da

mesma forma que as proferidas de forma individual no caso, trazido pelas

partes em juízo.

Observa ainda o autor que, a proteção inscrita no art. 5.º, inciso XXV, da

Constituição Federal, de que a lei não pode restringir da apreciação do Poder

Judiciário de lesão ou ameaça ao direito, vincula-se a conflitos individuais,

revestidos de singularidade. No processo civil solidário afasta-se a

interpretação de o acesso à Justiça constituir mera garantia de soluções

jurisdicionais individuais para conflitos individuais. O conceito dessa garantia

deve ser ampliado para compreender que os conflitos de massa tenham

também prestação jurisdicional adequada às suas especificações.

De fato, o art. 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, ao estabelecer

para a repercussão geral a existência, ou não, de questões relevantes do ponto

de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses

subjetivos da causa, traz uma nova dimensão ao processo civil, de natureza

solidária.

E a figura do “amicus curiae” (amigo da corte) originária da Corte

Suprema americana que ora adota nosso Supremo Tribunal, tem em vista

precisamente essa nova dimensão do processo, sob uma ótica orientada pela

solidariedade.

80 A repercussão geral do recurso extraordinário e a construção do processo civil na era da solidariedade social. in: Revista de Processo, v.35, n. 189, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 97-98.

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66

2.5 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PENAL

A solidariedade penal, como bem aponta Maria Helena Diniz81,

configura-se na coautoria, onde vários agentes participam para que haja a

realização de uma ação punível.

É também o que registra J. M. Othon Sidou82 sobre a solidariedade

penal ao mencionar que se diz solidariedade aquela derivada da coautoria

quando na prática do delito, vários agentes se dirigem na direção de um

resultado comum.

Dessa forma, em princípio, a solidariedade no Direito Penal, portanto,

tem conotação negativa, pois diz respeito aos sujeitos ativos do crime.

Como anota Miguel Reale Júnior83, “o crime pode ser realizado de forma

singular, por uma única pessoa, ou de forma coletiva, por duas ou mais”. O

Código Penal, em seu art. 29, diz que “quem de qualquer modo, concorre para

o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade,

identificando autor e cúmplice”.

Já na formação de bando ou quadrilha (art. 288 do Código Penal) ou nas

organizações criminosas (cf. Lei nº 9.034/95) há a presença mais significativa

da solidariedade para a prática criminosa. Como menciona Marcelo Batlouni

Mendroni84 enquanto na formação de bando ou quadrilha “constata-se apenas

a ‘associação’, na segunda verifica-se uma verdadeira ‘estrutura organizada’,

com articulação, ordem e objetivo e intenso respeito às regras e à autoridade

do líder”.

Há também as figuras típicas cujo sujeito ativo, embora não participe da

conduta do crime anterior como coautor ou partícipe, age de forma solidária em

favor destes. É o caso do crime de favorecimento pessoal, previsto no art. 348

do Código Penal, que consiste em auxiliar na subtração da ação de autoridade

81 DINIZ, 2005, p. 509. 82 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 821. 83 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 309 84 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3 ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 9.

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pública de autor de crime. Igualmente no crime de favorecimento real, previsto

no art. 349 do Código Penal, há a conduta solidária do sujeito ativo, ao prestar

ao criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a

tornar seguro o proveito do crime.

Existe a previsão de tipos penais que visam justamente coibir a prática

de atos contrários à solidariedade. É a hipótese dos delitos de omissão de

socorro (art. 135 do CP), abandono material (art. 244 do CP) e abandono

intelectual (art. 246 do CP).

Porém, alguns dispositivos da legislação penal visam, precipuamente,

incentivar a prática de atos solidários, por aquele que já iniciou a execução de

um crime. Aqui temos a desistência voluntária e arrependimento eficaz (art. 15

do CP), o arrependimento posterior (art. 16 do CP). Também, da mesma

natureza, a circunstância atenuante da pena, prevista no art. 65, inciso III,

alínea “b”, do Código Penal, quando o agente tenha procurado, por sua

espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-

lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano.

Outra forma que o legislador encontrou no âmbito do Direito Penal,

pertinente à solidariedade, é a imposição de pena de prestação de serviços à

comunidade ou a entidades públicas, prevista no art. 46 do Código Penal, que

como pena restritiva de direitos, como afirma Miguel Reale Júnior85, tem um fim

educativo “sendo possível que o condenado sinta que ele possa ser necessário

aos que precisam de ajuda”.

Juan Ramón Capella86 assevera que no âmbito da justiça penal merece

ser evidenciado o crescente abandono das vítimas de crimes e que a justiça

penal protege primariamente os bens públicos. Os cuidados com as vítimas,

em uma sociedade de delitos de massa, são insuficientes, mas isto não é de

estranhar por que as vítimas não costumam ser agentes econômicos de real

grandeza.

85 REALE JÚNIOR, 2009, p. 378-379 86 CAPELLA, Juan Ramón. Fruto proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do direito e do estado, trad. de Gresiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 278.

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Saliente-se, contudo, como aponta Guilherme Costa Câmara87, uma

tendência atual de identificação social com a vítima do delito. Ele afirma que só

recentemente a vítima passou a ser objeto de consideração e análise.

Igualmente não se pode negar que a situação crítica na sociedade de risco

mudou intensamente a ótica a respeito da vítima. Num mundo em que todos

podem ser vítimas, pois com a pós-modernidade tudo tende a diluir-se, verifica-

se uma profunda mudança no comportamento social. Todos passaram a

preocupar-se com as vítimas, pois com elas todos se identificam.

Ainda segundo esse autor, hodiernamente é admissível, com destaque

nas sociedades do Estado do bem-estar social, cogitar-se a identificação

majoritária com a vítima do crime. Esse processo é confirmado pela existência

de uma sociedade composta principalmente de categoria de pessoas passivas,

como os pensionistas, os consumidores, etc. Tal coletividade de pessoas

identifica-se com as vítimas de delitos porque seus componentes têm medo de

repentinamente passarem do papel de vítimas potenciais a vítimas reais de

crimes. Portanto, é o temor de sofrer na própria pele, as consequências de

práticas criminosas que faz com que as pessoas se solidarizem cada vez mais

com os sujeitos passivos dos delitos.

2.6 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

Os arts. 48, 49 e 51 do Código de Processo Penal cuidam do princípio

da indivisibilidade da ação penal privada.

O art. 48 estabelece que a queixa contra qualquer dos autores do crime

obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua

indivisibilidade. Por sua vez, o art. 49 dispõe que a renúncia ao direito de

queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá. E o art.

51 dispõe que o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos,

sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.

87 CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal orientada para a vítima de crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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Verifica-se, aí, situação similar ao litisconsórcio passivo necessário do

Código de Processo Civil e solidariedade, no sentido de indivisibilidade.

No tocante ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública,

preleciona Paulo Rangel88 que o princípio da indivisibilidade da ação penal

pública é corolário do princípio da obrigatoriedade. Assim, se a ação deve ser

proposta sempre que se verificar um fato típico, ilícito e culpável, deve

logicamente ser proposta contra todos os autores do tipo penal, com a

formação de um litisconsórcio passivo necessário simples. Se dois são os

autores de um crime, a ação penal deve ser proposta em face de ambos.

Assinala que a indivisibilidade, portanto, compreende a propositura da

ação penal em face de todos aqueles que realizaram o ilícito penal. Portanto, é

vedado ao Ministério Público elaboração de juízo de conveniência ou

oportunidade para acusar este ou aquele. Existentes os requisitos mínimos

para ajuizamento da ação penal (fato típico, antijurídico e culpável), presentes

as condições para seu regular exercício, constitui dever (princípio da

obrigatoriedade) a ser exercido em face de todos (indivisibilidade).

Paulo Rangel critica o Supremo Tribunal Federal quando este afirma que

somente a ação penal privada é indivisível, por disposição expressa do art. 48

do Código de Processo Penal, mas que tal não se aplica à ação penal pública.

Tal assertiva é errada porquanto a indivisibilidade da ação penal está expressa

no art. 77, inciso I, c.c. art. 79, ambos do Código de Processo Penal. Logo, a

ação penal pública é igualmente indivisível, como corolário do princípio da

obrigatoriedade da ação penal pública.

Pensamento contrário é adotado por Fernando da Costa Tourinho ao

afirmar que a lei não cuida expressamente da indivisibilidade da ação penal,

mas apenas da ação penal privada. E indica duas razões para tanto: a

primeira, pois a matéria já está disciplinada no art. 77, inciso I, c.c. art. 79

ambos do Código de Processo Penal; a segunda, porquanto em virtude do

princípio da obrigatoriedade, resulta claro que deve o Ministério Público incluir

na denúncia todos os que participaram do ilícito penal. Assim, para ele, os dois

citados dispositivos, não cuidam expressamente do princípio da indivisibilidade

88 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 212.

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da ação penal pública e sim da obrigatoriedade da ação penal da qual aquele

primeiro decorre.

E mais adiante prossegue, que dessa indivisibilidade da ação penal

pública decorre a impossibilitade de o Ministério Público escolher contra quem

deve oferecer a denúncia na hipótese de dois ou mais autores da infração

penal.

A ação penal pública é indivisível como o é a ação penal privada.

Entretanto, as consequências dessa indivisibilidade diferem para ambas. Na

ação penal privada o desatendimento desse princípio pode implicar na extinção

da punibilidade, nos termos do art. 49 do Código de Processo Penal. Neste

sentido, a manifestação jurisprudencial mencionada pelo autor. Quanto à ação

penal pública, invocando ensinamento de Hélio B. Tornaghi, desnecessária

regra explícita a respeito, pois, o Ministério Público não pode renunciar ao

exercício da ação. E se vier a fazer isto, sem manifestação explícita de pedido

de arquivamento, cabe ao Juiz devolver os autos ao membro do Ministério

Público para sua reapreciação. Caso insista o Promotor no seu

pronunciamento anterior, de exclusão da acusação de um dos indiciados,

poderá o Juiz remeter os autos ao Procurador-Geral. Isto constitui de fato,

indivisibilidade da ação Penal.

Tourinho conclui por afirmar que pela indivisibilidade da ação penal

pública vela o Ministério Público; da indivisibilidade da ação penal privada trata

o Juiz. E aponta as diferenças nas consequências dessa indivisibilidade. Se o

querelante insistir em não incluir os demais coindiciados na queixa, disto

resulta a extinção da punibilidade. Se o representante do Ministério Público,

quando houver dois indiciados, apresentar denúncia apenas em face de um

deles, o Juiz entender ter ocorrido omissão, poderá devolver os autos para

aditamento da denúncia. Com a insistência do representante do Ministério

Público no não aditamento poderá ser aplicado o art. 28 do Código de

Processo Penal, mas inexistirá extinção da punibilidade.89

Assim, no Direito Processual Penal a solidariedade, sob a ótica da

indivisibilidade, tem aplicação nas hipóteses de participação de dois ou mais

89 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1, p. 207-208.

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agentes na prática delituosa. Quando a autoria é de apenas um sujeito ativo

não tem qualquer aplicação.

Já sob a perspectiva da solidariedade, em sua acepção mais recente,

encontramos sua incidência no Direito Processual Penal nas legislações

hodiernamente editadas que visam à proteção das vítimas e testemunhas. E,

em âmbito global, na criação do Tribunal Penal Internacional, na cooperação

internacional para combate de crimes de exploração sexual, daqueles

praticados contra menores, na repressão de drogas e substâncias afins, nas

convenções e tratados para erradicação da violência contra a mulher.

2.7 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO TRABALHO

No Direito do Trabalho encontramos a solidariedade com o viés de

indivisibilidade, como por exemplo, o art. 2º § 2º, da Consolidação das Leis do

Trabalho, que assim dispõe:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Outra hipótese de responsabilidade solidária na Consolidação das Leis

do Trabalho é encontrada em seu art. 455, que cuida da subempreitada:

art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.

Mas é precisamente no sentido de responsabilidade recíproca de entre

elementos de um grupo e também no de auxílio, colaboração, proteção que a

solidariedade é encontrada nesse ramo do Direito.

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Como solidariedade de grupos, temos as associações profissionais, os

sindicatos patronais e de trabalhadores (arts. 511 e seguintes da Consolidação

das Leis do Trabalho). O § 1º do art. 511 estabelece, a propósito, que a

solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades

idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se

denomina categoria econômica.

Na solidariedade em seu aspecto protetivo, de auxílio, ajuda,

encontramos as disposições da legislação que cuidam da segurança e

medicina do trabalho (arts. 154 a 201 da CLT), das normas especiais da tutela

do trabalho de diversas categorias profissionais (arts. 224 e seguintes da CLT),

da proteção do trabalho da mulher (arts. 372 a 401-B da CLT) e da proteção do

trabalho do menor (arts. 402 a 441 da CLT). É o espírito da solidariedade, na

sua vertente de amparo que se faz aqui presente.

As próprias normas que regulam o contrato individual do trabalho (arts.

442 e seguintes da CLT), têm escopo preponderantemente protetivo, visando

resguardar a parte mais fraca na relação empregatícia que é o trabalhador.

2.8 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COMERCIAL

Como preleciona Rubens Requião90, o Direito Comercial surgiu na Idade

Média, em decorrência do desenvolvimento do tráfico mercantil. E o meio

jurídico e social contrário às normas das atividades de mercancia forçou os

comerciantes a um forte movimento de união, mediante organizações de

classe, que os romanos de forma rudimentar já tinham conhecimento com a

denominação de colégios. O surgimento dessas corporações na Idade Média

acompanha o desenvolvimento das cidades medievais. As corporações de

mercadores, como principal e organizada classe, abundante de recursos,

conquista êxito e aufere poderes políticos em tal medida que obtém autonomia

para alguns centros de comércio, como as cidades italianas de Veneza,

90 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, vol. 1, 30. ed. atualizada por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 32-33.

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Florença, Gênova e outras. Tal fenômeno repete-se em toda Europa Ocidental,

especialmente nos locais em que o poder dos reis era mais fraco em virtude da

fragmentação mais intensa dos territórios.

Vê-se, pois, que a solidariedade grupal deu origem ao Direito Comercial.

Todavia, a solidariedade em si não é elemento essencial dessa área do Direito.

É certo que as sociedades comerciais existem em decorrência do

comprometimento de duas ou mais pessoas a dispor, em comum,

determinados bens e recursos para a exploração de uma atividade econômica.

Neste sentido o art. 981 do Código Civil estabelece que celebram contrato de

sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens

ou serviços, para o exercício de atividade econômica e partilha, entre si, dos

resultados. Essencial, portanto, é o espírito de cooperação para tanto.

Contudo, o exercício organizado da atividade econômica pode dar-se através

da empresa individual (cf. art. 966, § 3º, do Código Civil).

O Direito Comercial cuida também da solidariedade no sentido de

indivisibilidade, na configuração da responsabilidade solidária.

O art. 81, “caput”, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei

nº 11101/2005) estabelece que a decisão que decreta a falência da sociedade

com sócios ilimitadamente responsáveis, também acarreta a falência destes,

que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à

sociedade falida. O § 1º, estabelece que se aplica o disposto no “caput” desse

artigo ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido

excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas

existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não

terem sido solvidas até a data da decretação da falência. Tratam-se, portanto,

de hipóteses de responsabilidade solidária. Por sua vez, o art. 82, “caput” e seu

§ 1º, do mesmo diploma, cuida da responsabilidade solidária dos sócios de

responsabilidade limitada, embora tenha substituído a expressão

“responsabilidade solidária” por “responsabilidade social”, da anterior Lei de

Falência, como anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery91.

91 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Leis civis comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 631.

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Outro exemplo desse tipo de solidariedade no Direito Comercial,

encontramos no art. 158, 2º, da Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76).

Segundo esse dispositivo os administradores são solidariamente responsáveis

por prejuízos decorrentes do não cumprimento dos deveres impostos pela lei

para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo

estatuto, tais deveres não caibam a todos eles. Conforme observa Rubens

Requião92 o funcionamento legal e regular da sociedade anônima constitui uma

obrigação de seu conselho de administração ou da diretoria, conforme for o

caso. Esses dois órgãos agem como um colegiado no qual todos são solidários

quanto à prática irregular ou omissão a respeito desses atos. Portanto, exsurge

naturalmente o princípio da responsabilidade solidária, ainda que, conforme

dispositivo legal mencionado, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos

seus integrantes.

Saliente-se, por último, que consoante o art. 170 e inciso III da

Constituição Federal, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa e, tem por fim assegurar a todos, existência digna

conforme os ditames da justiça social e observado dentre outros princípios o da

função social da propriedade. Assim, a empresa e, consequentemente, o

Direito Comercial deve ter em consideração esse vetor na interpretação de

suas regras, pois a busca do lucro não pode olvidar o caráter solidário de

nossa sociedade, refletindo o proveito da atividade econômica não só em favor

de seus proprietários, mas também valorizando e remunerando

adequadamente seus colaboradores e contribuindo para o progresso do país.

2.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Como afirma Wagner Balera93 “a proteção social deve assegurar, a

todos, uma existência digna. Essa garantia só existirá onde houver plena

articulação entre o Estado e a sociedade”.

92 REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Comercial, v.2, 30. ed. atualizada por Rubens Edmundo Requião, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 276. 93 BALERA, Wagner. A seguridade social na constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 33.

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Para o autor, o elemento sem o qual essa articulação não existe é a

solidariedade. Destarte a solidariedade constitui categoria primordial no âmbito

da proteção social. Assevera que na ausência da solidariedade não há

seguridade social. Essa solidariedade ocorre reciprocamente nas relações

entre os indivíduos e o Estado; entre os indivíduos e sociedade e, por último,

entre a sociedade e o Estado.

Conforme leciona Ivan Kertzman,94 o princípio da solidariedade é o

esteio de apoio do regime previdenciário. O sistema previdenciário só pode ser

entendido com a consolidação do conceito de solidariedade. Anota que tal

princípio não é exclusivo da seguridade social, não sendo citado nos objetivos

arrolados no parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal. Cuida-se de

objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, inscrito no art. 3º,

inciso I, de sua Carta Magna.

Ainda segundo esse autor, pode definir-se a solidariedade como o

espírito que norteia a seguridade social, de modo que não haja,

obrigatoriamente, igualdade entre as contribuições e as contrapartidas

securitárias. Por intermédio deste princípio, colima-se não a proteção de

indivíduos isolados, mas o resguardo de toda a sociedade.

A respeito da aplicação desse princípio, no âmbito do Direito

Previdenciário pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, conforme apontam

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery95 :

Princípio da solidariedade. Natureza tributária das contribuições previdenciárias. O sistema público de previdência social é fundamentado no princípio da solidariedade (CF 3.º, I), contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos. Se todos, inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem como aos aumentos de suas alíquotas, seria flagrante a afronta ao princípio da isonomia se o legislador distinguisse, entre os beneficiários, alguns mais e outros menos privilegiados, eis - alterações na legislação sobre custeio atingem a todos, indiscriminadamente, já que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, não há que se estabelecer discriminação entre os beneficiários, sob pena de violação do princípio constitucional da isonomia (STF, 1.T., AgRE450855-RS, rel. Min. Eros Grau, j. 23.8.2005, v.u., DJU 9.12.2005, p. 15).

94 KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 8 ed., rev. ampl. e atual. Salvador: Podivum, 2011. 95 Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 163.

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Segundo Daniel Machado da Rocha96, o princípio da solidariedade

também consiste numa participação empenhada e compartilhada de toda a

sociedade. Essa participação é revelada pela vontade que concretiza na lei e,

por isso, é compulsória e não apenas ética, com o fito de angariar recursos, em

importe expressivo, de molde que permita a esta sociedade reservar quantias

em dinheiro essenciais para a sobrevivência, em patamares mínimos de

dignidade, das pessoas que não podem trabalhar em face de um evento

indesejado (ex. acidente ou doença), ou quando a execução do trabalho não

socialmente adequada (ex.: a mãe logo após o parto, ou a aposentadoria

depois de determinada idade).

Segundo ele, o meio fundamental da solidariedade social é o seguro

social, com estrutura na Constituição Federal e embasado, conforme sua

opinião, especialmente “pelos princípios da universalidade, da proteção, da

obrigatoriedade, do equilíbrio financeiro e atuarial e da manutenção do valor

real dos benefícios”. Geralmente os países apresentam pelo menos um

sistema obrigatório de cunho estatal, o qual assegura uma proteção mínima,

através de pequena contribuição dos segurados, podendo esta ser aumentada

para os que detenham maior capacidade contributiva. Ainda há possibilidade

de outras fontes para o financiamento desse sistema, conforme for o regime de

custeio escolhido.

Conforme Wladimir Novaes Martinez, a solidariedade é essencial na

previdência social e, precisamente por essa posição central, esse princípio é

suporte distinto dos demais preceitos básicos e técnicos, acima destes como

uma diretriz elevada. Ausente a solidariedade, será inviável organizar a

proteção social. Seu significado importa em cooperação da maioria em favor da

minoria e, em alguns casos, da totalidade em relação à individualidade. Diante

do dinamismo da sociedade, verifica-se constante alteração dessas verbas e,

deste modo, num dado instante todos contribuem e, noutro, muitos se

favorecem da participação da sociedade. Nessa concepção singela, cada qual

toma para si seu aporte. Em termos financeiros o valor não utilizado por uns é

destinado a outros.

96 ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 137.

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Wladimir Novaes Martinez assevera ainda que a solidariedade significa a

cotização de certas pessoas, em prol dos necessitados. É ajuda especialmente

anônima, socialmente considerada, constituindo auxílio mútuo, mesmo

compulsório, dos indivíduos.

Para Sérgio Pinto Martins,97 nessa matéria podem ser empregados os

termos solidariedade, solidarismo e mutualismo.

A solidariedade pode ser reconhecida como um postulado fundamental

do Direito da Seguridade Social, com sua previsão implícita na Constituição

Federal. É originária da assistência social, surgindo a partir do momento em

que as pessoas faziam uma assistência recíproca com algum fim e igualmente

embasada no mutualismo, de se realizar empréstimo ao que dele necessita. É

característica do ser humano que se sucede no decorrer dos tempos, com a

existência de auxílio genérico ao semelhante, ao despossuído.

Sérgio Pinto Martins destaca que determinados grupos vinham a se

cotizar para enfrentar determinados infortúnios sociais, como fome,

enfermidades, velhice, morte, etc., para a prevenção de contratempos futuros,

mediante cotas para cobertura dessas eventualidades. Com o decurso do

tempo a cotização foi crescendo, constituindo-se grupos por profissionais, por

empresas, etc., os quais, por meio de mobilização comum, ou da formação de

determinado fundo, se preparavam para quando estivessem impossibilitados

de trabalhar. Daí o aparecimento de pequenas contribuições extraídas dos

salários para cobertura de futuras aposentadorias, especialmente quando a

pessoa não reunisse mais condições de trabalhar para seu sustento. A

solidariedade traduzia-se assim, na contribuição da maioria em prol da minoria.

Aos ativos cabe o sustento dos inativos.

Aponta o autor que se verifica a solidariedade na Seguridade Social

quando vários indivíduos economizam conjuntamente para assegurar

vantagens quando os integrantes do grupo necessitarem. As contingências são

repartidas por igual a todos do grupo. Quando alguém é atingido pelo

infortúnio, todas as demais continuam a contribuir para o custeio do benefício

do carente. Por fim, faz distinção entre solidariedade direta, quando existe

97 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 53-54.

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determinação concreta e direta das partes envolvidas e indireta, quando há

desconhecimento recíproco e indeterminação de seus componentes.

Contudo, conforme esclarecem Wagner Balera98 e outros, a

solidariedade como matéria de Seguridade Social, seria produto de outros

argumentos.

Nesse quadro, a solidariedade obrigacional não se confunde, por ser

distinta, da solidariedade social, postulado esse que conforma todo o sistema

da seguridade social. Aponta-se a existência de duas formas de relações

jurídicas: a) uma externa, entre o grupo devedor e o grupo credor e b) uma

interna, entre os diversos integrantes do mesmo grupo.

Inocêncio Mártires Coelho99, ao escrever sobre os princípios da Ordem

Social na Constituição Federal, inicia pela seguridade social. E aponta que ela

tem dentre seus fundamentos o princípio da solidariedade, na medida em que

compreende uma somatória de ações provindas dos Poderes Públicos e da

sociedade, com a finalidade de assegurar os direitos relacionados à saúde, à

previdência e à assistência social, com custeio a cargo de toda a sociedade,

através de verbas orçamentárias e contribuições sociais para cobrir o custo de

prestações, destinadas não apenas aos segurados, mas igualmente, no viés da

assistência social, a todos os necessitados, independentemente de

contribuição, conforme se depreende dos arts. 194, 195 e 203 da Constituição

Federal. Isto significa realizar, nesse setor específico, um dos princípios

fundamentais da República Federativa do Brasil, insculpido no art. 3º, inciso I,

da Carta Magna, que é o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

2.10 SOLIDARIEDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Nas disposições atinentes ao sistema tributário nacional é possível

verificar diversos reflexos do princípio da solidariedade, considerado por

98 BALERA, Wagner (Coord.). Comentários à lei da previdência privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.34. 99 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1418.

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Ricardo Lobo Torres, utilizando a terminologia de José Joaquim Gomes

Canotilho e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verdadeiro princípio

estrutural por fornecer arcabouço de sustentação do Estado.100

Uma nova visão forma-se no tocante ao Direito Tributário, pois se a

República Federativa do Brasil constitui um Estado fiscal típico, cujas

necessidades financeiras são fundamentalmente custeadas por impostos, e

cedendo à soberania lugar à solidariedade, poder-se-ia afirmar que o poder de

tributar do Estado estaria não mais fundado na soberania e sim no princípio da

solidariedade. Diante disso, haveria um dever fundamental de pagar impostos,

assim como há o de participação política, no conceito do jurista português José

Casalta Nabais101, ratificado no Brasil por Ricardo Lobo Torres.

Diante de tal conceito, embora não autorizada a instituição de tributos

sem obediência estrita às limitações ao poder de tributar da Constituição, como

aponta Marciano Seabra de Godoi102, afigura-se totalmente descabida perquirir

qualquer laivo de legitimidade na situação do indivíduo que ardilosamente

procura escapar ao pagamento do tributo e deve ser arredado o pensamento

embasado na doutrina liberal, de que todo tributo revela-se abusivo e a norma

que institui de rejeição social, ainda que hoje se mostre excessiva a crescente

carga tributária vigente no Brasil.

A solidariedade com o sentido de indivisibilidade é prevista no Código

Tributário Nacional nos arts. 124 e 125. O primeiro dispõe que:

art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

100 TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Orgs.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 203. 101 NABAIS, José Casalta. “A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos”. Revista da Advocacia Geral da União, p. 16. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/Publicacoes/Artigos/a5042002JoseCasaltaAfaceocultadireitos_01.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2011. 102 op. cit. p. 234.

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II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Comentando referido dispositivo, Luiz Alberto Gurgel de Faria103 diz que

a solidariedade está regulada no atual Código Civil, ao dispor que há

solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou

mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

Entretanto, observa esse tributarista, que para o Código Tributário

Nacional, interessa apenas a solidariedade passiva, revelando-se que dois ou

mais devedores do tributo ou penalidade pecuniária estão obrigados,

individualmente, pelo valor total da dívida.

Portanto, o Fisco pode exigir o débito, de forma integral, de qualquer dos

obrigados, não sendo a estes, sequer permitida a invocação do benefício da

ordem. Não podem, assim, requerer que inicialmente seja efetuada a execução

dos bens do devedor principal, se existente, pois o parágrafo único do art. 124

do Código Tributário Nacional proíbe expressamente a aplicação desse

instituto previsto no art. 827 do Código Civil.

Luiz Alberto Gurgel de Faria remata indicando que são dois os tipos de

solidariedade na obrigação tributária: a primeira delas, das pessoas que

possuam interesse comum na situação que constitui o fato gerador e, a

segunda, nos casos previstos em lei.

Cleber Demétrio Oliveira da Silva104 faz importante observação ao

constatar no âmbito do Direito Tributário, o princípio da solidariedade

identificado no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, que trata da

capacidade contributiva.

103 FARIA, Luiz Alberto Gurgel de Faria In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord). Código Tributário Nacional comentado: doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS: 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 104 SILVA, 2006.

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Também Hugo de Brito Machado105 aponta aplicação do princípio da

solidariedade na tributação:

O princípio da solidariedade constitui fundamento para a atuação do Estado, que há de promover a solidariedade social. E, para tanto, pode mesmo utilizar a tributação como mecanismo para a redistribuição de renda. Tudo isto, porém, há de ser feito sem desconsideração alguma pelo princípio da legalidade, até porque um não se contrapõe ao outro princípio. É exatamente porque devemos construir uma sociedade justa que admitimos a atuação do Estado promovendo a redistribuição de renda.

2.11 SOLIDARIEDADE NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Marco Aurélio Antas Torronteguy106, utilizando critério de Fábio Konder

Comparato, faz a distinção do princípio da solidariedade que se realiza tanto

nacionalmente como internacionalmente, além de atuar intergeracionalmente.

Afirma ele, que no âmbito nacional, a solidariedade se expressa nos

direitos sociais e no formato do Estado Social. Neste sentido, as constituições

do México de 1917 e de Weimar de 1919 deram início a denominada segunda

dimensão dos direitos humanos.107

Sob a ótica intergeracional, a solidariedade constitui fundamento para a

proteção do meio ambiente, e notadamente, da diversidade biológica e do

genoma humano. Esta proteção faz-se tanto no âmbito interno como no âmbito

internacional. A preocupação com o bem-estar das futuras gerações é

eticamente informada pelo princípio da solidariedade.108

No plano internacional, a solidariedade tem seu desenvolvimento a partir

da criação das Nações Unidas, após a 2ª Guerra Mundial. Essa dimensão do

princípio da solidariedade reflete-se especialmente na cooperação internacional

para o desenvolvimento e para a efetivação de direitos sociais em que os

105 MACHADO, Hugo de Brito. Cuso de direito tributário, 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 45. 106 ANJOS FILHO, Robério Nunes. Direitos humanos: estudos em homenagem ao professor Fábio Konder Comparato. Salvador: Podivm, 2010. 107 Ibidem, p. 293. 108 Ibidem.

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Estados, isoladamente, são impotentes para assegurar aos nacionais e

estrangeiros em seus territórios.109

Paulo Henrique Gonçalves Portela110 ao abordar a questão da

cooperação entre os Estados salienta que um dos mais notáveis aspectos do

Direito Internacional hodiernamente é o da regulação da cooperação

internacional.

Diz que tradicionalmente a doutrina entendia que a sociedade

internacional seria integrada por Estados soberanos, com plena autonomia

para regular todas as questões passadas em seu território, de forma

independente de outros entes estatais.

Contudo, esse olhar não mais subsiste, pois o atual panorama global

está com a presença de inúmeros desafios, cujo embate exige expressiva

dedicação, e cujas consequencias podem atingir outras partes do globo, longe

das áreas onde os problemas foram gerados, causando instabilidade e

colocando em risco valores relevantes, como a paz, a dignidade humana e a

própria vida.

Exemplificativamente a poluição emitida em um país pode causar efeitos

nocivos em nível geral, como demonstra o atual panorama de aquecimento

global. Um terremoto ocorrido na região costeira de um país pode provocar

maremotos em outros continentes. Diga-se o mesmo em relação a erupções

vulcânicas ocorridas recentemente na Europa e América do Sul. Um conflito

bélico interno num país pode causar fluxo de refugiados em outros. Por fim,

aponta o autor, a exploração do trabalho em condições aviltantes pode ensejar

vantagens competitivas às mercadorias produzidas em um país, com perdas

financeiras para a economia de outras nações.

De outro lado, aponta o referido autor, a cooperação internacional não é

somente um meio para reprimir problemas, mas também configura ferramenta

pela qual os Estados podem fomentar seu desenvolvimento econômico e

social. Exemplos disso são os mecanismos de integração regional.

109 Ibidem, p. 296. 110 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 54-55.

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Por último, a cooperação internacional possibilita regular a administração

de áreas não pertecentes a qualquer Estado, mas que interessam a toda

humanidade, como o alto-mar e o espaço extra-atmosférico.

A pesquisa científica da Antártica é modelo de cooperação internacional

em território não pertencente a nenhum país.

Paulo Henrique Gonçalves Portela anota ainda que com tudo isso, os

Estados coordenam ações em conjunto quanto a temas de interesse

internacional, organizando estruturas de cooperação constituídas por marcos

legais estabelecidos em tratados e, às vezes, por instituições conhecidas como

“organizações internacionais”.

Como exemplo de cooperação internacional, aponta a questão

pertinente à energia atômica, cujo uso para finalidades não pacíficas pode

causar sérios riscos em nível global. Para afastar tal perigo foi celebrado o

Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que regula a

disseminação e controle do uso da tecnologia nuclear, e foi criada a Agência

Internacional de Energia Atômica (AIEA), incumbida de garantir o cumprimento

das metas do TNP.

Remata o autor, quanto à cooperação internacional, que notadamente a

partir do século XX, esta consolidou-se como marca notável do Direito

Internacional, o qual deixou, assim, de apenas regular o convívio entre os

Estados, para manutenção do status quo internacional, para constituir também

instrumento para que estes atingissem objetivos comuns. Com o alargamento

da linha cooperativa do Direito Internacional, vieram à luz, organizações

internacionais, que se estabeleceram como novos sujeitos do Direito

Internacional. Por derradeiro, ampliou-se a diversidade das matérias objeto do

Direito Internacional, pois são vários os temas objeto da cooperação

internacional, como direitos humanos, meio ambiente, combate ao crime e aos

ilícitos transacionais, cultura, ciência, saúde e alimentação, tecnologia e o

desporto.

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2.12 SOLIDARIEDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO

Ao comentar a respeito da supremacia do interesse público sobre o

interesse privado, Maria Sylvia Zanella Di Pietro111 esclarece que o Direito

deixou de ser mero meio de assegurar o exercício dos direitos individuais e

passou a ser instrumento para a realização da justiça social, do bem comum e

do bem-estar da coletividade.

Assim, sob a égide do interesse público, diversas mudanças se

verificaram. O Estado ampliou o exercício de suas atividades para o

atendimento das necessidades da sociedade, alargando-se o rol de atividades

do serviço público. Também alargou-se o conceito de poder de polícia, antes

restrito à imposição de obrigações negativas, de não fazer, para salvaguardar a

ordem pública. Houve necessidade de imposições positivas, com obrigações

de fazer, com ampliação da sua esfera de atuação, a abarcar não só a ordem

pública, mas igualmente a ordem econômica e social. No domínio

constitucional, novos comandos demonstram a progressiva atuação do Estado

na atividade econômica e no direito de propriedade. Nesse sentido, os

preceitos que autorizam a intervenção do Poder Público no desempenho e na

propriedade das empresas, as que sujeitam o uso da propriedade a uma

função social, as que destinam exclusivamente ao Estado a propriedade e

exploração de determinados bens, como minas e demais recursos naturais do

subsolo, as que admitem a desapropriação para distribuição justa da

propriedade. Também é crescente a atenção aos interesses difusos, como o

meio ambiente e o patrimônio histórico e artístico nacional.

Odete Medauar112 denomina esse princípio como preponderância do

interesse público sobre o interesse particular, ao escrever a seu respeito

mostra que, este é igualmente mencionado em outros ramos do direito público.

111 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo : Atlas, 2010, p. 65. 112 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 134

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Ela esclarece que a locução interesse público pode ser ligada à

concepção de bem de toda a coletividade, ao sentido geral de atendimento das

exigências da vida em sociedade. É princípio invocado precipuamente como

fundamento de vários institutos e normas do Direito Administrativo, embora por

vezes ampare a prática de atos e privilégios arbitrários da Administração

Pública.

Entretanto, a solidariedade tende a guardar nova conotação, com a

introdução da participação da sociedade da gestão pública, conforme aponta

Odete Medauar113. Para tanto, invoca a proposta de Rosanvallon, o qual

sugere uma nova configuração dos limites e relacionamentos entre o Estado e

a sociedade. Entre esses novos conceitos surgidos após a social-democracia,

inclui-se a autonomização, ou seja, a passagem para coletividades não

públicas, como associações, fundações e grupos variados, competências do

serviço público. Essa autonomização só guardaria razão se insculpida em três

impulsos: diminuição da demanda estatal, reintegração da solidariedade na

sociedade e fomento de maior visibilidade social; respeitante a este último

ponto, ao Estado incumbiria o papel fundamental de colocar em ação as

inúmeras solidariedades, deixando crescer o movimento da sociedade.

A transferência de atividades estatais para o chamado Terceiro Setor,

embora nem sempre eficaz, insere-se nesse novo processo.

Porém, é no âmbito da responsabilidade patrimonial do Estado que a

solidariedade se mostra de forma mais evidente. A respeito disso, anota Diogo

de Figueiredo Moreira Neto114 que, a Administração, através de seus agentes,

na busca do bem comum, pode, casualmente, mesmo sem o desejar, causar

dano a alguém. É, pois, imperativo da justiça e da solidariedade social que os

beneficiários dessa atuação compartilhem na reparação da privação sofrida

pela vítima em virtude da atividade estatal. Não importa a existência ou não de

culpa por parte do agente autor do dano, pois a teoria objetiva de inspiração

publicista, em suas três correntes ou modalidades, obriga um compromisso

cada vez maior do Estado na composição do dano.

113 MEDAUAR, 2010, p. 114-115. 114 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 657.

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CAPÍTULO III

3 CONCEITO DE INTERESSE

Na linguaguem comum interesse é substantivo com significado do que é

importante, útil ou vantajoso, moral, social ou materialmente; estado de espírito

que se tem para com aquilo que se acha digno de atenção, que desperta a

curiosidade, que se julga importante; importância dada a alguma coisa; atitude

de benevolência para com uma pessoa e para com tudo que lhe diz respeito;

apego àquilo que só é vantajoso ou beneficia a si mesmo; vantagem pessoal;

participação nos lucros dada ao empregado por um estabelecimento; lucro

decorrente dos juros produzidos pelo capital. E ainda sentimento egoísta ou de

cobiça, desejo de um proveito pessoal que tudo sacrifica aos ganhos

pecuniários; atrativo, simpatia115.

Ao ressaltar o caráter plurívoco do termo, Gianpaolo Poggio Smanio116,

aponta que se trata de uma forma de expectativa de um indivíduo em relação a

alguma coisa, ou seja, é o que liga uma pessoa a um bem da vida, em razão

do valor que esse bem representa para aquela pessoa. Em virtude de estar

dentro do campo psicológico do indivíduo, dentro da sua esfera do

pensamento, há indiferença por parte dos demais indivíduos, bem como por

parte do Estado sobre esse interesse, o que faz com que não possa ser

exigido.

No âmbito da Sociologia, consoante menciona Ralph Linton117, “o mais

complexo e menos explorado dos campos dos fenômenos culturais é o dos

interesses”. Segundo o autor, “um interesse cultural pode ser definido como

115 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998 116 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos: conceito de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ação civil pública, inquérito civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, consumidor, meio ambiente, improbidade administrativa. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1 117 LINTON, Ralph. O homem: uma introdução à antropologia. Tradução Lavinia Vilela. 12. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 399.

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tudo o que tiver significado para dois ou mais membros de uma mesma

sociedade. Em certos aspectos difere de valor, segundo o emprego usual deste

termo”. Portanto, embora ficando dentro da definição mais ampla de valor, isto

é, a de qualquer coisa que tenha qualquer interesse, sua definição

imediatamente restringe seu campo às coisas cujo interesse é partilhado.

Apesar de numerosas e intensas as associações de qualquer indivíduo a

determinada coisa, estas associações não fazem dessa coisa um interesse,

para fins sociológicos, enquanto forem exclusivamente individuais.

3.1 CONCEITO DE INTERESSE NO DIREITO E DISTINÇÃO DOS

INTERESSES

No plano jurídico, o vocábulo interesse tem diversos significados ligados

à linguagem comum118, como diligência; empenho em favor de alguém;

importância; desejo de proveito pessoal que sacrifica tudo aos ganhos

pecuniários; ganho, vantagem, proveito, juro; conveniência; lucro; utilidade

econômica: vantagem de ordem moral; posição favorável para satisfação de

uma necessidade.

Como recorda Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz119, ao ressaltar

a importância do conceito de interesse como basilar para o Direito, tal termo

tem raiz latina, sendo formado pela junção dos vocábulos inter e esse (estar

entre), a evidenciar uma relação entre o sujeito e um bem ou valor.

Mas essencialmente o interesse constitui o liame e os bens da vida.

Como preleciona Moacyr Amaral Santos120.

Os bens da vida se destinam à utilização pelo homem. Sem uns, este não sobreviveria; sem outros, não se desenvolveria, não se aperfeiçoaria. A razão entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é o que se chama interesse. Assim, aquilata-se o interesse da posição do homem, em relação a um bem, variável conforme suas necessidades. Donde consistir o interesse na posição favorável à

118 Cf. DINIZ, 2005, p. 1026. 119 FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Interesse público, interesse difuso e defesa do consumidor. Justitia, São Paulo, n. 137, p. 49, jan./mar.1987. 120 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1989-1990. v. 1. p. 3-4.

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satisfação de uma necessidade. Sujeito do interesse é o homem; o bem é o seu objeto.

Para Plácido e Silva o interesse, tomado em sua acepção jurídica, revela

a existência de uma "intimidade de relações entre as pessoas e as coisas, de

modo que aquela tem sobre estes poderes, direitos, vantagens, faculdades ou

prerrogativas”. Nesta razão, o interesse decorre dessa situação jurídica, de

modo que “cada movimento ou mutação trazida às coisas provoca uma

percussão ou repercussão naqueles mesmos poderes, direitos, vantagens,

faculdades ou prerrogativas geradas da intimidade existente entre ambas, para

melhorá-los, modificá-los, garanti-los, ampará-los ou prejudicá-los."121

Rodolfo de Camargo Mancuso122 aponta para a definição clássica de

Henri Capitant, de que o interesse é uma vantagem de ordem pecuniária ou

moral. Explica que esse conceito nuclear parece válido tanto para os interesses

no mundo fático como para os interesses no mundo jurídico. O interesse liga

uma pessoa a um bem da vida, em face de um específico valor que esse bem

possa expressar para aquela pessoa. O ponto comum entre o mundo jurídico e

o mundo fático é a busca de uma posição de vantagem, que faz dirigir um

interesse na posse ou utilização daquela posição. Mesmo o campo do

interesse processual não se afasta desse ponto comum, pois é reconhecido

quando o processo se revela útil e necessário para aquisição de uma

vantagem, de um proveito.

Os interesses para o Direito consistem no meio para que este possa

apreciar, conhecer os aspectos da vida, aquilo que ele precisa para cumprir

sua missão.

A classificação dos interesses é de crucial importância para o Direito,

com implicações para sua aplicação, levando em conta sua valoração,

abrangência e titularidade.

A questão da valoração do interesse, ou de sua proeminência

econômico-social, faz-se presente no Direito, como por exemplo, o instituto da

repercussão geral previsto no art. 543-A do Código de Processo Civil para

121SLAIBI FILHO, Nagib; ALVES, Gerardo Magela. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 442. 122 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1-85.

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admissão do recurso extraordinário. Em seu § 1º dispõe que para efeito da

repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que

ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Igualmente podemos encontrar

essa valoração de interesses na atuação do Ministério Público como fiscal da

lei, no art. 82 do Código de Processo Civil, cuja intervenção é obrigatória nas

causas em que há interesses de incapazes (inciso I), nas causas concernentes

ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento,

declaração de ausência e disposições de última vontade (inciso II) e nas ações

que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas

em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da

parte (inciso III).

Quanto ao critério de abrangência, temos como exemplo a competência

deferida ao Supremo Tribunal Federal para processamento e julgamento

originário da ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou

indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do

tribunal de origem estejam impedidos, ou seja, direta ou indiretamente

interessados (art. 102, I, n, da Constituição Federal).

Com respeito à titularidade o art. 109, inciso I, da Constituição Federal

determina que competem aos juízes federais processar e julgar as causas em

que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem

interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as

de falência, as de acidentes de trabalho e a Justiça do Trabalho.

Nem sempre a existência de um interesse no plano econômico ou social

autoriza o ingresso em juízo. No instituto da assistência exige-se que o terceiro

tenha interesse jurídico na causa pendente entre duas ou mais pessoas (art.

50, “caput”, do Código de Processo Civil). Há interesse jurídico, por exemplo,

do sublocatário na ação de despejo e da seguradora em ação de indenização

promovida em face do segurado.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery ressaltam que não

são jurídicos os interesses: "a) do credor, em ação condenatória promovida por

terceiro contra o devedor; b) do credor, em ação de usucapião movida contra o

devedor; c) do jurista, em ação onde se discuta tese que quer ver preponderar;

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d) do benfeitor, em ação movida pelo poderoso contra o fraco; e) de entidade

religiosa ou filosófica para ver triunfar princípio moral ou ético que defende; f)

da administração pública na ação movida diretamente contra o servidor público

ou agente público, fundada em dolo ou culpa, diante da impossibilidade de

direito de regresso por parte destes."123

O vocábulo interesse tem sido utilizado como sinônimo de direito,

indiferentemente, o que é admitido pela maioria dos doutrinadores. E de fato,

no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, os termos interesses e direitos

são usados como sinônimos. Mas, José dos Santos Carvalho Filho124 observa

que “a figura do interesse sempre foi distinta de direito, tendo aquela sentido

mais amplo que o desta”. E de fato, em alguns casos, o interesse é mais

abrangente que o direito. O ofendido, nos termos dos arts. 268 e seguintes do

Código de Processo Penal, tem direito a ingressar como assistente do

Ministério Público na ação penal pública, por deter interesse na condenação do

réu, especialmente para reparação civil do dano. Entretanto, não possui direito

a que o acusado venha a ser responsabilizado penalmente, pois tal direito cabe

exclusivamente ao Estado.

Entre as várias categorias de interesses merecem relevância abordagem

mais abrangente aquelas a seguir analisadas.

3.2 INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO

A primeira distinção entre as categorias de interesse e que serve para

classificar e agrupar os diversos ramos do Direito, oriunda da tradição romana,

consiste na divisão entre interesse público e interesse privado. Assim, leva-se

em consideração o interesse a ser protegido: o direito público contém normas

de interesse público; o direito privado apresenta normas de interesse individual.

123 NERY JÚNIOR; Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 283. 124 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública, comentários por artigo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 27

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Interesse público é aquele que se impõe por uma necessidade coletiva,

devendo ser perseguido pelo Estado, em benefício dos administrados, relativo

a toda sociedade nele personificada. É o interesse geral da sociedade, ou seja,

do Estado enquanto comunidade política e juridicamente organizada e

finalidade da Administração Pública125.

Embora tradicional, “a expressão interesse público tornou-se equívoca,

quando passou a ser utilizada para alcançar também os chamados interesses

sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, e até os

interesses coletivos ou os interesses difusos”126. Assim, no art. 82, incisos I e II,

do Código de Processo Civil, já mencionados, temos hipóteses de interesses

individuais (pertinentes a incapazes, casamento, etc.), que são rotulados de

interesse público, quando na verdade constituiriam interesse social, segundo a

crítica de Hugo Nigro Mazzilli.

A respeito do interesse público Kiyoshi Harada127 escreve as seguintes

considerações:

Cabe ao Estado satisfazer as aspirações coletivas, encampando-as como necessidades de ordem pública e, consequentemente, inserindo-as no ordenamento jurídico, disciplinando-as em níveis constitucional e legal. Assim, tudo aquilo que incumbe ao Poder Público protestar em decorrência de norma jurídica, de natureza constitucional ou legal, configura interesse público a ser satisfeito exclusivamente pelo regime de direito público, vale dizer, pela observância das regras concernentes à legalidade, à moralidade, à impessoalidade, à publicidade e à razoabilidade. Em última análise, a finalidade do Estado consiste na defesa permanente do interesse público, ou seja, na realização do bem comum, em função do qual desenvolve as atividades financeiras.

Roberto Senise Lisboa128 “afirma que o interesse público é a

necessidade geral impessoal de toda a população, que não se confunde com o

interesse do Estado, necessariamente, já que o interesse em tela pode ser, por

vezes, contrário ao da Administração Pública.”

O interesse público nem sempre diz respeito à sociedade como um todo,

visto que por vezes envolve verdadeiros interesses particulares da

Administração Pública. O interesse do Estado ou dos governantes não coincide

125 Cf. DINIZ, 2005, p. 1027. 126 Cf. MAZZILLI, 2012, p. 48. 127 HARADA, Kiyoshi. Dicionário de direito público. 2. ed. São Paulo: MP, 2005, p. 231 128 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 56-57.

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obrigatoriamente como bem geral da coletividade, como seria de rigor. Renato

Alessi129 faz a distinção entre o interesse público primário e o interesse público

secundário. O primeiro, verdadeiro interesse público, pode ser identificado com

o interesse social, pois visa o interesse geral da sociedade ou da comunidade e

até mesmo coincide com interesse difuso, como o da probidade e moralidade

administrativa e o meio ambiente saudável. O segundo, secundário, pode não

levar em conta os reais interesses da sociedade ou o bem coletivo. Caracteriza

o patrimônio financeiro da Administração Pública, ou seja, o Estado é

defendido por suas Procuradorias. O ideal é no sentido da coincidência dos

interesses públicos, primário e secundário, porém, na maioria das vezes, isto

não ocorre. Configura-se, esse descompasso, por exemplo, no aumento

abusivo de impostos destinados a rechear os cofres públicos, mas sem refletir

em benefícios diretos para a coletividade ou na resistência em reconhecer um

direito legítimo do administrado, na busca de reparação de dano causado pela

Administração Pública ou seus agentes.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto130 bem sintetiza as diferenças entre o

interesse público primário e interesse público secundário:

Assim, deve-se partir da ideia de que o interesse público primário é um conceito substantivo, definido a partir das necessidades, das aspirações, dos valores, dos anseios, das tendências e das opções gerados e manifestados numa sociedade, enquanto o interesse público derivado ou secundário é um conceito adjetivo, definido ou inferido a partir das necessidades organizativas e funcionais do Estado.

A própria Constituição Federal implicitamente apresenta uma distinção

entre o interesse público primário e o interesse público secundário. Ao vedar no

art. 129, inciso IX, última parte, a representação judicial e a consultoria de

entidades públicas por parte do Ministério Público, reconhecem nessas

atividades a inexistência de interesse público primário e sim, um interesse

público secundário, de caráter fazendário.

Note-se que o interesse individual pode coincidir perfeitamente com o

interesse público. O interesse do cidadão em receber uma boa educação, que

o prepare para a vida, matriculando-se numa instituição de ensino público de

129 ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministralivo italiano. 3. ed., Milão: Giuffrê, 1960, p. 197-198. 130 MOREIRA NETO, 2009, p. 621.

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qualidade, condiz com o interesse público estatal de prestar tal serviço em

condições adequadas e satisfatórias, como, aliás, prevê o art. 205 de nossa

Carta Magna.

3.3 INTERESSE SOCIAL

A expressão interesse social também não é unívoca visto que possui

duplo significado.

Em sentido estrito corresponde aos interesses de uma pessoa jurídica

ou aos dos acionistas como um todo, na mantença da sociedade, vencidos os

interesses particulares de cada um dos sócios.

Não guarda obrigatoriamente relação com o bem comum, embora com

ele possa corresponder. Os lucros obtidos por uma empresa com atividades

poluidoras do meio ambiente contrariam o interesse social em sentido amplo,

abrangente da coletividade. Por outro lado, a prestação de serviço à

comunidade, com o desenvolvimento por parte de uma empresa de atividades

de promoção social, como a concessão de bolsas de estudo a estudantes

carentes ou a instituição de uma fundação educacional é de nítido interesse

social em seu sentido lato.

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXIV, prevê que a lei

poderá estabelecer a desapropriação por interesse ou utilidade pública, ou

interesse social. Igualmente em seu art. 127, “caput”, atribui ao Ministério

Público defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.

O interesse social, tomado sem seu sentido amplo, representa aqueles

valores e bens mais elevados, escolhidos pela sociedade em face de sua

relevância. O interesse social, na verdade, pode ser considerado como o

exercício coletivo de interesse coletivo, isto é, da sociedade em geral.

O interesse social pode dizer respeito tanto a direitos individuais

propriamente ditos, como à defesa de interesse de um incapaz, como a

respeito de interesses que ultrapassam tal limite, por pertencerem a uma

coletividade ou à totalidade da sociedade, no caso do meio ambiente sadio.

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O interesse social tem sido utilizado como critério para legitimar a

atuação do Ministério Público na tutela dos direitos individuais homogêneos,

através da ação civil pública. Neste sentido escólio de Kazuo Watanabe131:

Como já ressaltado, somente a relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria tutela coletiva poderá justificar a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação coletiva em defesa de interesses privados disponíveis.

3.4 INTERESSES METAINDIVIDUAIS OU TRANSINDIVIDUAIS

Interesses transindividuais, conforme Kiyoshi Harada132 “são interesses

supraindividuais ou metaindividuais, isto é, pairam acima dos interesses

individuais.”

Roberto Senise Lisboa133 expõe que não podem ser confundidos os

interesses individuais e os metaindividuais. Em suas palavras:

Diferentemente dos interesses individuais, os interesses transindividuais constituem autêntica categoria distinta daqueles e mesmo do interesse público, atingindo grupo de pessoas relacionadas entre si por uma situação de fato em comum, que necessita do tratamento jurídico compatível.

Constituem uma nova categoria de interesses, que quebra a dicotomia

entre interesse público e interesse privado, tradicionalmente utilizada no

Direito, como critério de classificação. Não são a rigor interesses públicos ou

privados, é uma nova espécie, de interesses coletivos, como aponta Roberto

Senise Lisboa134. E apropriadamente ainda observa:

Os interesses transindividuais ou metaindividuais são interesses concernentes a um número expressivo de pessoas, importando salientar que uma quantificação mínima não deve ser efetuada, para sua constatação, mas sim a aferição de uma conflituosidade que envolva a comunidade, grupos, categorias ou indivíduos com comunhão de interesses e titularidade diversa de direitos subjetivos.135

131 WATANABE, Kazuo In: GRINOVER, Ada PelIegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 818 132 HARADA, 2005, p. 232. 133 LISBOA, 2000, p. 59 134 Ibidem 135 Ibidem

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De fato, o número de interessados não é critério absoluto para a

configuração dessa nova categoria. O Código de Processo Civil reconhece a

existência do litisconsórcio multitudinário, em seu art. 46. A este respeito

anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery136:

Litisconsórcio multitudinário. Caracteriza-se quando houver um número muito grande de litisconsortes facultativos no processo. Pode inviabilizar o exercício da jurisdição, conspirando contra o princípio da economia processual, que fundamenta a existência do litisconsórcio. Ao despachar a petição inicial, deve o juiz verificar se há litisconsórcio multitudinário, avaliando se é o caso de propor o desdobramento das ações. Cabe ao réu na contestação, sob pena de preclusão (CPC 245), impugnar fundamentadamente a formação do litisconsórcio multitudinário, demonstrando a existência de prejuízo para o exercício de seu direito constitucional de ampla defesa.

E o conceito de interesses transindividuais ou metaindividuais está

contido no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor ao

dispor que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I- interesses ou

direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II- interesses ou direitos

coletivos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível,

de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou

com a parte contrária por uma relação jurídica base; III- interesses ou direitos

individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Acerca dos direitos individuais homogêneos anota Hugo Nigro

Mazzilli137:

Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos.Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo).

Entretanto, os interesses individuais homogêneos carecem da

solidariedade sob o aspecto de indivisibilidade que informa os direitos difusos e

coletivos, como adiante se verá.

136 NERY JÚNIOR; NERY, 2010, p. 270. 137MAZZILLI, 2012, p. 57.

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CAPÍTULO IV

4 CONCEITO DE INTERESSES DIFUSOS

A introdução dos interesses difusos no mundo contemporâneo, efetuada

de forma autônoma e sistemática, fez-se em virtude do advento da Revolução

Industrial. Os sistemas jurídicos anteriores visavam à tutela do indivíduo,

mesmo que relacionados com pessoas jurídicas. Constatados que os valores

tradicionais, de feitio individualista, do século XIX, não substituiriam por longo

tempo, em face da sociedade de massa, verificou-se a revelação desses

interesses, como explicitado por Tércio Sampaio Ferraz Júnior138.

Nessa esteira, Caio Tácito139, reportando-se aos estudos de Denti e

Cappelletti, explica o que se poderia chamar de o ritual de passagem dos

interesses coletivos em sentido estrito até se chegar aos interesses

propriamente difusos. Segundo o autor, os direitos humanos foram ampliados

nas últimas décadas, pois passaram a não referirem tão somente aos direitos

pertinentes a uma ou mais pessoas determinadas, ou até mesmo direitos

coletivos de categorias específicas, ligadas por uma relação jurídica-básica

(como, por exemplo, os acionistas de uma sociedade anônima, ou os membros

de um condomínio), mas também aos interesses de grupos integrados por uma

pluralidade de pessoas indeterminadas, embora vinculadas por um mesmo

interesse comum. Aqueles direitos agora não têm um títular certo, mas

provocam repercussão decisiva sobre o bem-estar, ou até mesmo a

sobrevivência dos indivíduos nos vários segmentos sociais a que pertencem.

Nesse aspecto, exemplifica que aos habitantes de uma determinada

região são essenciais as condições do meio ambiente em que se integram; aos

consumidores sobreleva a qualidade dos produtos ou a defesa contra

manipulações de mercado. O livre acesso à informação isenta ou à proteção a

valores históricos e artísticos são meios elementares de difusão e preservação

da cultura.

138 Cf. FERRAZ JÚNIOR apud GRINOVER, 1984, p. 153. 139 TÁCITO, Caio. Do direito individual ao direito difuso. Revista de Direito Administrativo, v. 157, p. 1001, jul./set. 1984.

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Os interesses relativos à qualidade de vida das pessoas, tais como meio

ambiente, a proteção do consumidor, a proteção dos valores espirituais das

pessoas, a proteção contra a discriminação racial ou exemplos de interesses

metaindividuais, que precisaram e ainda precisam de tratamento jurídico

diferenciado e próprio a suas especificidades, passaram a ter proteção da lei

sob o qualificativo de direitos difusos.

Andrea A. Meroi140 aponta as dificuldades para a precisão terminológica

dos chamados interesses difusos. São visíveis que a ambiguidade e os

equívocos no âmbito desse tema têm sido os fatores que mais têm dificultado

sua compreensão. Parece, então, que somente concordando primeiro com o

significado dessas expressões, ou ao menos, a descrição do fenômeno, além

das preferências terminológicas, se estará habilitado para o debate sobre o

próprio problema e suas possíveis soluções.

Mais adiante referido autor explicita a distinção entre interesses coletivos

e difusos, o que faz boa parte da doutrina argentina e estrangeira, ao destacar

que os fatores determinantes para poder estabelecer a diferenciação deve

referir-se à extensão e determinação dos sujeitos envolvidos. Aponta que a

doutrina brasileira tem insistido na nota de vinculação entre os membros do

grupo ou coletividade interessada. Assim, quando o grupo de pessoas que se

encontra de forma comum e simultânea em uma mesma situação jurídica com

respeito a um bem que todos desfrutam conjunta e solidariamente e, a respeito

do qual usufruem uma necessidade comum, seja determinado ou determinável

em sua composição, poderá falar-se em interesse coletivo. Quando, pelo

contrário, se trate de uma comunidade de sujeitos ampla e indeterminada ou

muito dificilmente determinável, poderá falar-se de interesse difuso.

Normalmente, no caso dos interesses coletivos existirá uma vinculação jurídica

dos membros do grupo com um terceiro entre si; nos difusos, não existirá dito

vínculo jurídico e o único nexo entre os sujeitos interessados será formado por

circunstâncias fáticas circunstanciais. Isto faz com que a comunidade de

referência do interesse coletivo seja caracterizada por uma maior permanência,

140 MEROI, ANDREA A. “Procesos colectivos: recepción y problemas”, 1ª ed. Santa Fé, Argentina: Rubinzal-Culzoni Editores, 2008, p. 44.

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diferentemente do interesse difuso, com aspectos de mutabilidade e

ocasionalidade141.

Conforme Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery142 os direitos

difusos são direitos cujos titulares não se pode determinar. A ligação entre os

titulares direitos difusos se dá por circunstâncias de fato. O objeto desses

direitos é indivisível, não pode ser cindido. É difuso, por exemplo: o direito de

respirar ar puro; o direito do consumidor de ser alvo de publicidade não

enganosa e não abusiva.

Carlos Aníbal Rodríguez143 diz que os interesses difusos ou coletivos

recebem diversos nomes: “difusos”, “coletivos”, “transindividuais” ou

“supraindividuais”. Alude-se a eles quando se cuida da defesa do meio

ambiente como âmbito vital das pessoas, ou de outros aspectos que

interessam à qualidade de vida do indivíduo no mundo atual, como a proteção

enquanto consumidor ou usuário de bens ou serviços e o resguardo de valores

espirituais e culturais intrinsecamente à dignidade de sua existência. Aponta

que a concepção do interesse difuso nasce das mãos dos denominados

direitos da terceira geração e se estende, está claro, aos chamados direitos de

quarta geração (direitos das gerações futuras). Segue a linha do Código de

Defesa do Consumidor do Brasil, para definir os “direitos coletivos” como

aqueles que reconhecem uma relação jurídica prévia dos membros do grupo

entre si ou em relação à outra parte, a qual desencadeia uma associação mais

definida com o grupo, sendo seus integrantes principalmente determináveis do

que em relação aos direitos difusos, como, por exemplo, alunos universitários

aos quais não se reconhece a validade de determinado curso e o direito a votar

de todos os processados sem condenação. Os direitos difusos, em vez disto,

são aqueles que envolvem uma quantidade ampla de pessoas não unidas

previamente por um vínculo jurídico, como, por exemplo, contaminação

ambiental por derramamento de petróleo, a proteção do patrimônio paisagístico

e histórico.

141 Ibidem, p. 51-52. 142 NERY JÚNIOR; NERY, 2010, p. 341. 143 RODRIGUEZ, Carlos Aníbal. Ley general del ambiente de la República Argentina: Ley nº 25.675 -: comentada. 1. ed. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2007, p. 186.

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Para Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz144 a “investigação das

hipóteses reveladas pela experiência prática e pelos estudos doutrinários

demonstra que os interesses difusos tendem a recair sobre bens imateriais,

incorpóreos, dos quais o meio ambiente é exemplo característico”.

Esses bens, em geral, são públicos, de uso comum do povo, como o ar,

os rios, o mar, a fauna e a flora, as paisagens, os bens de valor estético,

histórico, artístico, arqueológico, mas podem ser também particulares, como

um bem tombado.

O interesse difuso, em suma, segundo ele, seria aquela espécie de

direito social que tem por objeto, bens incorpóreos, em contraposição aos

demais interesses sociais (stricto sensu), que podem ter por objeto, além

desses, bens imateriais, incorpóreos, que parece lícito identificar com os

princípios, normas e valores essenciais para a vida social.

De acordo com o art. 81, parágrafo único, da Lei n. 8078/90, “interesses

ou direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que

sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Embora a rigor não seja tarefa do legislador definir conceitos jurídicos,

certamente a tutela dos interesses difusos e coletivos não teria sido obtida de

forma efetiva se inexistisse tal definição. Os debates doutrinários e

jurisprudenciais a respeito, certamente, para conclusão sobre tais conceitos,

retardariam ou diminuiriam a efetividade da proteção dos mencionados direitos.

Essa parece que foi de fato a preocupação dos redatores do anteprojeto

do Código de Defesa do Consumidor, pois como narra Kazuo Watanabe145,

diante da “inexistência de consenso doutrinário sobre os conceitos de

‘interesses difusos’ e de ‘interesses coletivos’, o legislador preferiu adotar os

conceitos que lhe pareceram mais adequados no plano da defesa do

consumidor.”

144 FERRAZ, António Augusto Mello de Camargo. Interesse social e interesse difuso: considerações. In: MILARÉ, Edis ( coord). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 69. 145 WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 723.

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Da mesma opinião partilha Raimundo Simão de Melo146 ao ressaltar

que, “embora não seja próprio de uma lei processual emitir definições,

constituiu grande avanço do Código de Defesa do Consumidor, como forma,

inclusive, de efetivação dos direitos do consumidor, a definição de tais

interesses porque se tal tivesse ficado para a doutrina, até hoje, e por muito

tempo, iríamos nos deparar com as mais variadas divergências a inviabilizarem

o objetivo do aludido instrumento de defesa do consumidor”.

Apesar de o Código de Defesa do Consumidor referir-se a uma situação

fática como elo entre os lesados que partilham do mesmo interesse difuso, é

claro que essa relação de fato também se sujeita a uma relação jurídica, como

se verifica, aliás, com quaisquer relações fáticas e jurídicas. Contudo, na

hipótese dos interesses difusos, o dano ao grupo não procederá diretamente

da relação jurídica em si, mas sim da situação fática decorrente.

Exemplificativamente, um dano ambiental verificado num determinado local

compreende tanto uma situação de fato, quanto uma relação jurídica sobre o

caso. Entretanto, o grupo prejudicado é constituído apenas por moradores do

local contaminado, e na hipótese este será o liame fático a configurar o

interesse difuso dessa comunidade.

Ada Pellegrini Grinover147 conceitua desta forma os interesses difusos:

O outro grupo de interesses metaindividuais, o dos interesses difusos propriamente ditos, compreende interesses que não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente acidentais e mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos etc. Trata-se de interesses espalhados e informais à tutela de necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses de massa, sofrem constantes investidas, frequentemente também de massas, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos os polos.

Firmando em mesma linha de conceituação, Barbosa Moreira148

afirma:

146 MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 28. 147 GRINOVER, 1984, p. 30-31. 148 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses coletivos e difusos no direito brasileiro, RF, 11.276, p. 112-113.

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Aqui, os interesses para os quais se deseja a tutela jurisdicional, comuns a uma coletividade de pessoas, não repousam necessariamente sobre uma relação-base, sobre um vínculo jurídico bem definido que as congregue. Tal vínculo pode até inexistir, ou ser extremamente genérico – reduzindo-se, eventualmente, à pura e simples pertinência à mesma comunidade política –, e o interesse que se quer tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá, v.g., para todos os habitantes de determinada região, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob tais ou quais condições socioeconômicas, ou se sujeitem às consequências deste ou daquele empreendimento público ou privado, e assim por diante. [...]. Por outro lado, o conjunto dos interessados apresenta contornos fluidos, móveis, esbatidos, a tornar impossível, ou quando mesmo superlativamente difícil, a individualização exata de todos os componentes.

Hugo Nigro Mazzilli149 ao abordar o conceito de interesses difusos e

mencionar sua definição legal, aponta que “compreendem grupos menos

determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas são antes

pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático

preciso”. Aponta que constituem “um feixe ou conjunto de interesses

individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis,

que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas.” Adverte que

apesar de o Código de Defesa do Consumidor reportar-se a uma situação

fática com o mesmo elo entre os lesados que partilham interesse difuso em

comum, essa relação também está sujeita a uma relação jurídica. Contudo, a

lesão ao grupo não deriva diretamente da relação jurídica em si, porém da

situação fática que dela decorre.

Mais adiante apresenta interessante quadro comparativo da abrangência

dos direitos difusos ao mencionar que:

Há interesses difusos: a) tão abrangentes que chegam a coincidir com o interesse público (como o do meio ambiente como um todo); b) menos abrangentes que o interesse público, por dizerem respeito a um grupo disperso, mas que não chegam a confundir-se com o interesse geral da coletividade (como os dos consumidores de um produto); c) em conflito com o interesse da coletividade como um todo (como os interesses dos trabalhadores na indústria do tabaco); d) em conflito com o interesse do Estado, enquanto pessoa jurídica (como o interesse dos contribuintes); e) atinentes a grupo que mantêm conflitos entre si (interesses transindividuais reciprocamente conflitantes, como os dos que desfrutam do conforto dos aeroportos urbanos, ou da animação dos chamados trios elétricos

149 MAZZILLI, 2012, p. 53.

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carnavalescos, em oposição aos interesses dos que se sentem prejudicados pela correspondente poluição sonora)150.

João Batista Puoli151, entretanto, entende que “o interesse difuso, a

exemplo do que ocorre com o interesse público, está de tal modo pulverizado

pela sociedade, que seu alcance se dá, ao mesmo tempo, em relação a todos

os componentes da sociedade”.

Neste caso a razão parece estar com Hugo Nigro Mazzilli. Se a

abrangência ou pulverização, como quer que se denomine, dos interesses

difusos é a mesma do interesse público, inexistiria razão para uma nova

categoria de interesses, pois, fundamentalmente, seriam os mesmos. Tanto

nos interesses públicos, como nos difusos, encontramos uma relevância e uma

disseminação que ultrapassam os limites dos interesses meramente individuais

e mesmo os coletivos em sentido estrito.

4.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES DIFUSOS

Os interesses difusos apresentam como características básicas a

indeterminação dos sujeitos, indivisibilidade do objeto; intensa conflituosidade;

duração efêmera, contingencial, mas outras são acrescentadas conforme a

doutrina, como a supra ou metaindividualidade, indisponibilidade de seu objeto,

presença de vínculos fáticos entre seus titulares, presença de lesões

disseminadas massivamente.

Teori Albino Zavascki152 apresenta como características básicas dos

direitos difusos: 1) sob o aspecto subjetivo, são transindividuais, com a

indeterminação absoluta dos titulares, isto é, não têm titular individual e a

ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstância de fato,

como morar numa mesma região; 2) o aspecto objetivo, indivisíveis, pois não

podem ser satisfeitos nem lesados senão de forma que afete a todos os

possíveis titulares, como o direito ao meio ambiente sadio: 3) em decorrência

de sua natureza: a) são insuscetíveis de apropriação individual; b) são 150 Ibidem. 151 PUOLI, João Batista In: COSTA, Susana Henriques (Coord.). Comentários à lei de ação civil pública e lei de ação popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 323. 152 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 44-45.

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insuscetíveis de transmissão, por ato inter vivos ou mortis causa; c) são

insuscetíveis de renúncia ou transação; d) sua defesa em juízo se dá sempre

em forma de substituição processual, pois o sujeito ativo da relação processual

não é o de direito material, razão pela qual o objeto é indisponível para o autor

da demanda, que não pode fazer acordos, nem renunciar, nem confessar; e) a

mutação dos titulares ativos difusos da relação de direito material se dá com

absoluta informalidade jurídica, pois basta alteração nas circunstâncias de fato.

Para Raimundo Simão de Melo153, as características fundamentais dos

interesses difusos e coletivos consistem na transindividualidade, na

indivisibilidade do objeto, na indeterminabilidade dos sujeitos e na existência ou

não de liame entre os interessados com eles mesmos ou com a parte contrária.

São transindividuais ou metaindividuais por ultrapassarem a esfera particular e

pessoal do indivíduo, visto não serem relativos a apenas uma pessoa, sendo

direitos de todos dos cidadãos dispersos na coletividade. A satisfação de um

interessado envolve a de todos, do que decorre a indivisibilidade na sua tutela.

Por dizerem respeito a pessoas indeterminadas, seu objeto é indivisível e

impossibita seu fracionamento, como a ofensa ao meio ambiente. A

indeterminabilidade dos titulares nos interesses e direitos difusos é outra

particularidade relevante, pois os sujeitos nunca serão identificados, uma vez

que estão espalhados no interior da coletividade. A conexão entre os titulares

dos interesses difusos verifica-se unicamente por circunstância fática, como

exemplificativamente, os usuários de transporte coletivo afetados por uma

greve.

Pedro Lenza154 apresenta quadro de caracterização doutrinária dos

interesses metaindividuais, apontando em relação aos difusos as seguintes

particularidades: 1) transindividualidade real ou essencial ampla; 2)

indeterminação de seus sujeitos; 3) indivisibilidade ampla; 4) indisponibilidade;

5) vínculo meramente de fato a unir os sujeitos; 6) ausência de unanimidade

social; 7) organização possível e, 8) reparabilidade indireta.

Referido autor aborda ainda como característica relevante dos

interesses difusos a sua elevada conflituosidade ou litigiosidade. Quando

153 MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. Ed. São Paulo: Ltr, 2004, p. 29-30. 154 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 69-70.

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analisados, a marca de transcendência e indeterminação de seus titulares, por

ter por objeto um bem indivisível e indisponível, bem como os conflitos de

massa deles consequentes não se harmoniza com a descrição clássica da

fórmula “Tício x Caio”. Ocorrendo conflitos de interesses difusos, a preferência

de um acarretará, obrigatoriamente, a dispensa de outro, não se podendo

afirmar que uma escolha é correta ou errada. Os posicionamentos por mais

antagônicos que sejam, devem coexistir e, no embate de valores, serão opções

políticas que encaminharão a prevalência de um interesse difuso sobre o outro.

Cita como exemplo a construção de uma hidrelétrica, com benefício para o

desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, com a retirada de milhares de

pessoas, a inundação de áreas florestais e com a infalível reclamação dos

ambientalistas155.

A contingencialidade ou duração efêmera consistiria nas transformações

temporais e no espaço dos interesses difusos ou coletivos, que poderão fazer

com que se extingam ou se transformem, podendo reaparecer modificados

depois, noutra conjuntura. O surgimento de uma epidemia de gripe, de um

novo tipo, enseja a necessidade de vacinação da população, para que a saúde

seja preservada. Porém, uma vez desaparecido tal surto, o interesse na

imunização das pessoas deixa de existir, podendo ressurgir se nova ameaça

ocorrer. No exemplo da construção de uma hidrelétrica, uma vez concluídas as

obras, as questões ambientais suscitadas com o empreendimento ficam

afastadas, mas outras surgem em decorrência de sua operação, como a

preservação das espécies de peixes existentes no reservatório e recomposição

de área florestal circundante.

A respeito dos interesses difusos, Miguel Teixeira de Sousa156 faz

interessantes observações:

Os interesses difusos cabem a todos e a cada um dos membros de uma classe ou grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos. Esses interesses pertencem ‘a todos e a ninguém’, porque os bens jurídicos a que se referem – como, por exemplo, o meio ambiente, o consumo ou a qualidade de vida – são de todos e não podem ser atribuídos em exclusividade a nenhum sujeito. Aqueles interesses concretizam-se em situações subjectivas individuais, mas cada indivíduo é titular, não de uma parcela do interesse, mas do mesmo interesse de que é titular

155 Ibidem, p. 91. 156 SOUSA, Miguel Teixeira de. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos. Lisboa: Lex, 2003, p. 23.

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qualquer membro do grupo ou classe. Por isso, apesar de os interesses difusos serem atribuídos aos vários membros de um grupo ou de uma classe, entre eles não se verifica qualquer relação de contitularidade, pois que esses interesses não são divididos ou repartidos por aqueles sujeitos.

Referido autor apresenta importante observação sobre a inexistência de

interesses difusos no Direito português sem que se possam ser concretizados

numa perspectiva individual. Dá como exemplo que a conservação da

paisagem natural das Ilhas Selvagens assume relevância ambiental. Porém,

como ninguém nelas habita, a preservação de seu ambiente não se pode

configurar em nenhum interesse individual e, por isso, o interesse nessa

proteção não pode constituir um interesse difuso, pois a lei portuguesa não

concebe interesses difusos sem titulares individuais. Isto se depreende em face

de dispositivos da Lei sobre a participação procedimental e ação popular (Lei

83/95, de 31/8), que prevê, por exemplo, a citação dos titulares do interesse

difuso para a ação popular destinada a defendê-lo (cf. art. 15º, nº 1).

Tendo em vista que o objeto dos interesses difusos, como visto, é

indivisível, verifica-se aí a presença da solidariedade, na sua vertente de

indivisibilidade, unidade. E como sua defesa, proteção, envolve resguardo de

valores sociais, que não dizem respeito particularmente à determinada pessoa,

há um nítido caráter de solidariedade, como aspecto de auxílio, colaboração,

na sua tutela.

.

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CAPÍTULO V

5 CONCEITO DE INTERESSES COLETIVOS

Carlo Maria Verardi157 ao refletir sobre a tutela dos interesses

metaindividuais diz que constitui tema de grande fascínio, mas escassa

concretude. As discussões sobre esse assunto caracterizam-se por fortes

tensões e às vezes por uma certa confusão de fundo. Na categoria dos

interesses difusos e coletivos inserem-se questões como a educação, a

habitação, a tutela dos menores e das pessoas deficientes, a proteção de

mulheres da discriminação e da violência sexual, dos trabalhadores e dos

consumidores. Situações talvez homólogas sob a perspectiva sociopolítica,

mas bem diferentes sob o plano jurídico.

José Afonso da Silva158 atenta que a rubrica do Capítulo I do Título II da

Constituição Federal anuncia uma categoria especial dos direitos

fundamentais: são os coletivos, mas nada mais dispõe a seu respeito. Indaga

onde estão, nos incisos do art. 5º, esses direitos coletivos. Observa que houve

propostas na Constituinte de abertura de um capítulo específico para os

direitos coletivos. Aponta que na verdade muitos desses direitos coletivos

surgem no decorrer do texto constitucional, configurados, em sua maior parte,

como direitos sociais, como a liberdade de associação profissional e sindical

(arts. 8º e 37, VI), o direito de greve (arts. 9º e 37, VII), o direito de participação

dos trabalhadores e empregadores nos colegiados de órgãos públicos (art. 10),

a representação de empregados junto aos empregadores (art. 11), o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225); ou configurados como

instituto de democracia direta nos arts. 14, I, II e III (plebiscito, referendo e

iniciativa popular), 27, § 4º (iniciativa popular no processo legislativo estadual),

29, XIII (iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do

157 VERARDI, Carlo Maria In: CAPPONI, Bruno; GASPARINETTI, Marco; VERARDI, Carlo Maria. La tutela coletiva dei consumatori. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1995, p. 25 158 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 195.

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Munícipio, da cidade ou de bairros), e 61, § 2º (iniciativa popular com

apresentação de projetos de lei junto à Câmara dos Deputados). Apenas as

liberdades de reunião e de associação (art. 5º, XVI a XX), o direito de

entidades associativas de representar seus filiados (art. 5º, XXI) e os direitos

de receber informações de interesse coletivo (art. 5º, XXIII) e de petição (art.

5º, XXXIV, a) permaneceram submetidos à rubrica dos direitos coletivos. E,

segundo o autor, alguns desses direitos não seriam exatamente direitos

coletivos, mas direitos individuais de expressão coletiva, como as liberdades de

reunião e de associação.

Gustavo Maurino, Ezequiel Nino e Martin Sigal159 observam que o

intento de caracterizar ou definir os direitos de incidência coletiva é uma tarefa

nada fácil, não somente na Argentina senão em geral no direito comparado ao

ponto de que essas figuras jurídicas chegaram a ser qualificadas como

“personagens absolutamente misteriosos”. Este ponto é essencial para

responder grande parte das questões que se suscitam a respeito das ações

coletivas. As especiais características, que parecem conter esses direitos, ou

esta dimensão de direitos, determina que não lhes sejam aplicáveis todas as

estruturas dogmáticas que são comuns nos esclarecimentos sobre outros

direitos ou interesses, e que sua compreensão interpretativa requer inovadoras

construções.

Mais adiante ao examinarem as categorias concretas de direitos de

incidência coletiva, propõem que esta dimensão se encontra presente em dois

aspectos. No primeiro, os bens jurídicos que são legais ou faticamente

coletivos geram direitos de aplicação de tutela coletiva. A categoria bens

coletivos tem sido desenvolvida na teoria jurídica comparada e se esconde em

grande medida em bens públicos da ciência econômica. Estes tipos de bens

caracterizam-se conceitualmente – com a combinação das noções jurídicas e

econômicas, que apontam para características distintas, mas contribuem para

a mesma ideia – pelas seguintes notas: a) são insuscetíveis de apropriação

individual exclusiva; b) sua divisão resulta impossível ou não consentida pelo

direito; c) seu desfrute por parte de mais de uma pessoa não o altera, e d)

159 MAURINO, Gustavo; NINO Ezequiel; SIGAL, Martin, Las acciones coletivas. 1. ed., Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2005, p. 165.

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resulta impossível ou muito difícil excluir pessoas de seu gozo. As

circunstâncias apontadas conduzem, em resumo, ao que se denomina caráter

não distributivo dos bens coletivos; quer dizer, a impossibilidade conceitual,

real ou legal de dividir o bem em partes e atribuir porções aos indivíduos. Este

caráter não distributivo é o elemento que resume a definição. Apontam como

pertencentes a essa categoria as hipóteses de proteção do meio ambiente,

patrimônio natural e cultural, e os que protegem a sadia concorrência. Em

segundo aspecto, afirmam que configuram direitos de incidência coletiva

aqueles que sem recair sobre bens coletivos têm condições de exercício

homogêneo em relação a uma pluralidade de titulares, cujas possibilidades de

acesso à justiça, consideradas estruturalmente, resultam obstadas pelas

circunstâncias do caso160.

Vê-se que os referidos autores argentinos aí abordam o conceito de

interesses coletivos em sentido amplo, abrangendo os difusos e coletivos em

sentido estrito e os individuais homogêneos.

Por sua vez, Cristina González de La Vega de Opl161 adverte que o

núcleo conceitual comum aos direitos difusos e coletivos consiste em que

ambos compartilham do caráter de transindividualidade e indivisibilidade. Trata-

se de uma conotação que faz a própria essência dos mesmos, daí que sua

ausência não permite enquadrá-los na categoria apontada. A

transindividualidade significa que trata de direitos que desbordam a esfera

individual; possuem diferentes objetivos para cada um dos interessados e são

marcadamente impessoais. O conceito quebra o esquema tradicional do direito

subjetivo, o que autoriza o reconhecimento de uma categoria própria e

autônoma. São indivisíveis, já que seus titulares se juntam em uma

comunidade ou coletividade: não é possível sua fragmentação em partes ideais

entre os interessados. Daí, portanto, que a satisfação de um ou, ao contrário, a

violação em seus direitos também importa o de todos.

160 Ibidem, p. 191-192. 161 OPL, Cristina González de La Vega de. Categoria juridicas y legitimación en los procesos coletivos. In: OTEIZA, Eduardo (Coord.). Procesos colectivos. 1. ed. Santa Fé-Argentina: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 275.

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De outra parte, Osvaldo Alfredo Gozaíni162 atenta para o fato de que a

definição de direito sempre tem como referência um destinatário. Isto é, que os

direitos são cogitados em abstrato, para todos, porém se resolvem em casos

concretos, ou seja, a individualização do conflito. A novidade do século XX foi a

consagração do direito de massas, despersonalizado, que não tinha um dono

particular nem um único afetado. Os direitos de aplicação coletiva foram

aqueles que reconheciam uma parte da titularidade processual (a subjetividade

do direito de ação) em vários legitimados: grupos ou associações, Ministério

Público, defensor do povo e outros. Anota que as necessidades podem ser

individuais, todavia também é certo que no caso do Direito do consumidor ou

usuário, fundamentalmente são coletivas ou genéricas, e se integram ao

conceito de permanência das situações aflitivas. Isto é, embora sendo

invocadas por um só dos afetados, existe um grupo também interessado pela

magnitude da crise e sua possível continuidade se a questão não se resolver

para todos.

Mais adiante, referido autor consigna que os interesses coletivos

correspondem a um conjunto definido de pessoas que se congregam em redor

de uma unidade jurídica que os vincula. E que o interesse pertença a muitos,

não significa que se estenda a todos sem conseguir identificar nem

particularizar um só interessado, apenas significa que o interesse reside em

vários, de modo tal que o problema a resolver não é a existência do mesmo,

senão evidenciar a titularidade daqueles que pretendem ver se têm a

possibilidade jurídica do direito de ação. A tipologia apresentada exemplifica-se

através dos sindicatos, corporações ou associações profissionais, a família, as

sociedades, etc. O interesse corresponde a uma categoria, classe ou grupo.163

Para Kiyoshi Harada164 interesse coletivo é “aquele que diz respeito a

várias pessoas ligadas por uma relação jurídica básica, mas sempre de

natureza particular. É satisfeito pelo regime de direito privado, presidido pelo

princípio da autonomia da vontade. Este interesse pode vir a ser encampado

pelo poder político como sendo de interesse público”.

162 GOZAINI, Osvaldo Alfredo. Protección procesal del usuario y consumidor. 1. ed. Santa Fé-Argentina: Rubinzal-Culzoni, 2005, p. 34. 163 Ibidem, p. 103-104 164 HARADA, Kiyoshi. Dicionário de direito público. 2. ed. São Paulo: MP, 2005, p. 232.

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José Marcelo Menezes Vigliar165 anota que os interesses coletivos

“compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de

pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos

ligados por uma mesma relação jurídica-base e não apenas por mera situação

fática. Essa relação jurídica une os interessados, ou estes com aqueles que

detêm situação jurídica contrária”. Alerta para a semelhança com alguns dos

elementos do conceito de interesses difusos, porquanto também aqui os

interesses são indivisíveis. Assim, uma vez atendido o interesse de um dos

integrantes do grupo, classe ou categoria, o interesse de todos será atendido,

prejudicado o interesse de um, o de todos estará prejudicado.

Contudo, aponta também, os interesses coletivos, “daqueles se afastam

diante da existência de uma relação jurídica-base a unir todos os interessados,

bem como pela possibilidade de determinação deles (são determináveis até

mesmo pela própria existência de uma relação jurídica a uni-los, o que facilita,

em muitos casos, a individuação dos interessados, como se dá, v.g., num

sindicato de classe): todos estão unidos porque pertencem a uma mesma

categoria, grupo ou classe, com ela mantendo cada qual uma relação jurídica.

Essa relação pode ser mantida, não entre os interessados, mas com aquele

que os interessados mantenham relação. O que importa é que a relação estará

presente para identificar o grupo, a categoria, ou a classe”.166

Kazuo Watanabe167 aborda o conceito de interesses coletivos nos

seguintes termos:

Os interesses ou direitos ‘coletivos’ foram conceituados como ‘os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base’ (art. 81, parágrafo único, nº II). Essa relação jurídica-base é preexistente à lesão ou ameaça de lesão. Os interesses ou direitos dos contribuintes, por exemplo, do imposto de renda constituem um bom exemplo. Entre o fisco e os contribuintes já existe uma relação jurídica-base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva, será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas pela medida. Não se pode confundir essa relação jurídica-base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão.

165 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. São Paulo: Atlas, 1998, p. 74-75. 166 Ibidem, p. 75. 167 WATANABE, 1999, p. 803-804

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Marcelo Abelha168 observa apropriadamente:

A preocupação do legislador em estender a proteção ao grupo de pessoas que não possuam vínculo entre si, mas sim com a parte contrária, decorre do fato de que, não sendo obrigatório o associativismo (liberdade pública), é possível que mesmo a pessoa não associada a uma categoria ainda assim seja titular de um direito coletivo, pelo simples fato que possui, como o associado, uma relação jurídica-base com a parte contrária.

Assim, por exemplo, será titular de direito coletivo, e portanto atingido pela coisa julgada, tanto aquele que seja quanto o que não seja sindicalizado, numa demanda proposta pelo sindicato para obrigar o patrão a colocar filtro sonoro no interior da fábrica. Portanto, não é o vínculo associativista (necessidades comuns traduzidas num ente representativo) que faz com que o direito seja coletivo, mas sim o seu objeto, como foi dito alhures. Se o objeto é indivisível, a sua tutela implicará sujeitar todos os seus titulares aos efeitos da coisa julgada, independentemente de estes mesmos titulares serem ou não pertencentes a uma associação etc. As expressões grupo, categoria ou classe de pessoas devem ser compreendidas como classe de pessoas que sejam titulares (enquanto coletividade) de um objeto indivisível.

Rodolfo de Camargo Mancuso argumenta a favor da organização para

caracterizar o interesse coletivo. Segundo o autor “sem um mínimo de

organização os interesses não podem se coletivizar, não podem se aglutinar de

forma coesa e eficaz no seio de um grupo determinado”.169

Roberto Senise Lisboa170 traz importantes considerações a respeito dos

interesses coletivos:

As necessidades individuais podem ser vinculadas umas às outras, quando sua origem e resultados almejados são os mesmos, como o que se verifica com os sujeitos unidos em grupos ou categorias, através de associações ou sindicatos. Trata-se de autêntica condensação dos interesses individuais de associados ou de trabalhadores, em torno de um interesse comum, ao qual a doutrina denomina coletivo. Pressupõe-se, assim, uma relação jurídica.

Anota ainda que os ordenamentos jurídicos em geral passaram a

reconhecer a importância da defesa dos interesses coletivos, por intermédio de

associações e sindicatos. Considera que a legitimação oferecida a essas

entidades, inclusive no âmbito processual, configura evolução da democracia

representativa para a participativa. A participação do cidadão, portanto,

assenta-se como poder e torna mais intenso o exercício de sua vontade no

168 ABELHA, Marcelo. Ação civil pública e meio ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 41 169 MANCUSO, 2004, p. 60 170 LISBOA, 2000, p. 61

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processo político171.

Tem-se que os indivíduos buscaram os grupos como meio de assegurar

melhor sua realização pessoal, visando também a própria proteção. Abrem

mão de determinados benefícios pessoais em nome dos interesses coletivos

suportados pelos grupos aos quais aderiram.

Entretanto existem autores, como Jean Rivero172 que censuram a

florescente coletivização dos interesses, sob o fundamento de que nos regimes

autoritários os grupos portadores de tais interesses foram devidamente

refreados em sua expansão e puderam colaborar com o Estado, como no

corporativismo italiano e a organização profissional alemã. Nos países liberais,

a ação de tais grupos foi desvirtuada, pela falta de efetivo controle estatal, e

eles então passaram a agir segundo intentos egoísticos, de molde a instaurar

uma concorrência frente ao Estado. De fato, no regime fascista, a instituição de

organizações como os camisas negras e no regime nazista, a das SS, denotam

o aspecto negativo da solidariedade grupal. E no regime democrático, nem

sempre as organizações coletivas atuam em prol da coletividade, mas, muitas

vezes, sua participação é somente nos interesses egoísticos da própria

entidade ou de seus componentes.

Celso Bastos173 ressalta nos direitos coletivos o aspecto do vínculo a

grupos sociais determinados, estabelecendo uma ligação entre os seus

componentes. Para ele “os interesses coletivos dizem respeito ao homem

socialmente vinculado, e não ao homem isoladamente considerado". Dizem

respeito ao homem enquanto "membro de grupos autônomos e juridicamente

definidos, tais como o associado de um sindicato, o membro de uma família, o

profissional vinculado a uma corporação, o acionista de uma grande sociedade

anônima, o condômino de um edifício de apartamentos". Portanto, tais

interesses são "afetos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas

sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos

intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado”.

171 Ibidem, p. 61 172 RIVERO, Jean. Groupes d'intérets et corps intermédiaires. Lyon: Chronique sociale, 1954, p. 318 173 BASTOS Celso Ribeiro. A Tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. São Paulo, Revista dos Tribunais, n.23, p.40, jul-set. 1981.

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Na ótica de Wanda Viana Direito174, os interesses coletivos "são

claramente titularizados, pois decorrem de uma base social concreta,

identificada de imediato, e que serve para a formação de um vínculo jurídico

estável, que reúne os titulares do interesse”. E acrescenta a autora que “ainda

que o vínculo jurídico inexista antes do fato determinante do interesse, ele será

facilmente criado após o fato".

Pedro Lenza175 fornece um rol de situações configuradoras de interesse

coletivo em sentido estrito, dentre as quais vale exemplificar: "O aumento ilegal

das prestações de um consórcio; o aumento não será mais ou menos ilegal

para um ou outro consorciado. A declaração de ilegalidade produzirá efeito

para o todo, sendo, portanto, indivisível, internamente, o direito da coletividade.

Uma vez quantificada a ilegalidade (comum a todos), cada qual poderá

individualizar o seu prejuízo, passando a ter, então, disponibilidade do seu

direito. Eventual restituição de valores caracterizaria proteção a interesses

individuais homogêneos”; “o direito dos alunos de certa escola de terem a

mesma qualidade de ensino em determinado curso"; "o interesse que aglutina

os proprietários de veículos automotores ou os contribuintes de certo imposto”;

“a ilegalidade do aumento abusivo das mensalidades escolares, relativamente

aos alunos já matriculados"; "o aumento abusivo das mensalidades de planos

de saúde, relativamente aos contratantes que já firmaram contratos”.

No âmbito do Direito do Trabalho, Raimundo Simão de Melo176 oferece

os seguintes exemplos de interesses ou direitos coletivos: a) realização de

exames médicos admissionais, demissionais e periódicos, b) eliminação dos

riscos no meio ambiente de trabalho, no interesse exclusivo dos trabalhadores

da empresa; c) demissão coletiva de trabalhadores durante uma greve; d) ato

patronal obrigando os trabalhadores a receber parte dos salários por meio do

fornecimento de mercadorias pela empresa; e) o descumprimento generalizado

de uma determinada cláusula convencional, a propiciar o ajuizamento de

medida judicial tendente à imposição de obrigação de fazer ou não fazer com

relação aos trabalhadores da empresa; f) o não recolhimento dos depósitos

174 DIREITO, Wanda Viana. A defesa dos interesses difusos, Revista de Direito Administrativo, vol. 185, p. 31, jul.-set, 191. 175 LENZA, 2005, p. 106. 176 MELO, 2004, p. 32.

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fundiários, que permite o ajuizamento de ação civil pública para obrigar a

empresa a efetuar os respectivos depósitos.

Para Márcio Flávio Mafra Leal177, as “associações de interesse público

ou social (conhecidas popularmente por organizações não governamentais ou

ONGs) urgem no espaço público criado pelas carências do Estado-providência,

dividindo com este as tarefas de também realizar os novos direitos. Por outro

lado, elas são uma forma de organizar e equilibrar forças nos litígios de

indenização coletiva por danos individualmente sofridos”.

5.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES COLETIVOS

Como apresentado acima, reafirmamos o que Teori Albino Zavascki178

postula como características básicas dos direitos em sentido estrito, por

julgarmos de suma importância: 1) sob o aspecto subjetivo, são

transindividuais, com a determinação relativa dos titulares, isto é, não têm

titular individual e a ligação entre os vários titulares coletivos decorre de uma

relação jurídica-base como, por exemplo, o Estatuto da OAB; 2) o aspecto

objetivo, indivisíveis, pois não podem ser satisfeitos nem lesados senão de

forma que afete a todos os possíveis titulares, como o direito de classe dos

advogados de ter representante na composição dos Tribunais: 3) em

decorrência de sua natureza: a) são insuscetíveis de apropriação individual; b)

são insuscetíveis de transmissão, por ato inter vivos ou mortis causa; c) são

insuscetíveis de renúncia ou transação; d) sua defesa em juízo se dá sempre

em forma de substituição processual, pois o sujeito ativo da relação processual

não é o de direito material, razão pela qual o objeto é indisponível para o autor

da demanda, que não pode fazer acordos, nem renunciar, nem confessar; e) a

mutação dos titulares ativos coletivos se dá com a relativa informalidade

jurídica, pois basta a adesão ou a exclusão do sujeito da relação jurídica-base.

177 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas, história, teoria e prática. Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 130-132. 178 ZAVASCKI, 2006, p. 44-45

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Pedro Lenza179 apresenta no quadro de caracterização doutrinária dos

interesses metaindividuais, as seguintes particularidades em relação aos

interesses coletivos em sentido estrito: 1) transindividualidade real ou essencial

restrita ao grupo, categoria, ou classe de pessoas; 2) determinabilidade dos

sujeitos; 3) divisibilidade externa e indivisibilidade interna; 4) disponibilidade

coletiva e indisponibilidade individual; 5) relação jurídica-base a unir os sujeitos;

6) irrelevância da unanimidade social; 7) organização ótima possível e, 8)

reparabilidade indireta.

Verifica-se também em relação aos direitos coletivos em sentido estrito

sua natureza indivisível, a caracterizar essa vertente da solidariedade. De outro

lado, a cooperação na defesa desses direitos enseja também a perspectiva da

solidariedade no seu aspecto de auxílio, união, colaboração.

A propósito, são expressivas as considerações de Jorge Alejandro

Amaya180 sobre capital social e solidariedade. Afirma que a capacidade de os

indivíduos trabalharem juntos em um halo de confiança tem sido denominada

por diferentes sociólogos e filósofos como “capital social”. O elemento humano

não só se conforma por suas habilidades e conhecimentos, mas também por

sua capacidade para associar-se. Isto depende do grau em que os integrantes

de uma comunidade compartilhem normas e valores recíprocos, assim como a

facilidade para subordinar os interesses individuais aos do grupo,

especialmente compartilhar o valor da solidariedade.

179 LENZA, 2005, p. 69-70 180 AMAYA, Jorge Alejandro. Mecanismos procesales de protección al consumidor. 1. ed. Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 421.

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CAPÍTULO VI

6 SOLIDARIEDADE NOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

Nos interesses ou direitos difusos e coletivos a solidariedade faz-se

sempre presente em duas de suas vertentes básicas: a da indivisibilidade,

como anteriormente apontado e a da cooperação, como se buscará

demonstrar.

E esse segundo conceito de solidariedade nos Direitos Difusos e

Coletivos vai além do conceito de justiça distributiva, de que trata Samuel

Fleisschacker181 ao assinalar que esta, “em seu sentido moderno, invoca o

Estado para garantir que a propriedade seja distribuída por toda a sociedade

de modo que todas as pessoas possam se suprir com um certo nível de

recursos materiais.”

Isto porque a solidariedade aqui não é restrita a uma mera ajuda estatal

aos pobres, para que os cidadãos atinjam um certo nível de bem-estar material.

Na proteção ao meio ambiente, por exemplo, ou na acessibilidade das pessoas

portadoras de necessidades especiais, pouco importa a condição econômica

dos beneficiários de um meio ambiente sadio ou daqueles que têm restrições

de deambular. A proteção de tais interesses decorre de sua própria natureza,

diante da fragilidade na sua defesa, que possibilita a terceiros agirem em seu

favor.

181 FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Tradução Álvaro de Vita, São Paulo: Martins Fontes, p. 8.

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Pois como muito bem preleciona Regina Vera Villas Bôas182:

A construção de uma sociedade baseada no bem coletivo é a grande aspiração das sociedades contemporâneas, com a finalidade de provocar mudanças nas pessoas em proveito da produção do bem coletivo que resgata e preserva as pessoas porque são elas as providas. […] Caminharmos para uma sociedade humana mais consciente das suas necessidades, interesses e potencialidades que pretende formar pessoas solidárias e inteligentes deve ser a meta principal da sociedade contemporânea, que se preocupa somente com as coisas artificiais. O bem experimentado é preservado pelos interesses difusos e coletivos que conseguiram o respeito e a compreensão de todos.

E Diogo de Figueiredo Moreira Neto183 bem observa a presença da

solidariedade, nesses dois aspectos, na categoria dos interesses ou direitos

difusos e coletivos:

Interesses ou direitos coletivos são variedades ditas transindividuais (ou metaindividuais), porque sua titularidade se estende a um grupo determinado de pessoas, ligado por uma relação que, solidarizando-as, os tornam indivisíveis em seu exercício. Interesses e direitos difusos também são transindividuais, porque sua titularidade se entende a um número indeterminado de pessoas, envolvendo toda a sociedade ou segmentos dela, tendo em comum, como liame, que os solidariza, uma circunstância de fato juridicamente relevante, sendo também indivisíveis em seus exercícios.

A solidariedade, na sua faceta de indivisibilidade, é traço marcante e

indelével da natureza dos interesses ou direitos difusos e coletivos. Quanto a

isto não há qualquer dúvida, como evidenciado nos conceitos pertinentes a

essas modalidades.

Resta verificar se a solidariedade como cooperação, colaboração,

fraternidade, compaixão, auxílio ou ajuda, está sempre presente também nos

interesses ou direitos difusos ou coletivos.

Parece não haver dúvida de que a criação das ações coletivas (ou ações

civis públicas) deveu-se à necessidade de garantir o acesso à Justiça para a

defesa daqueles direitos sem autor, que por não pertencerem a um titular

específico, ficam à margem da proteção judicial184.

182 VILLAS BOAS, Regina Vera. Visão difusa do direito: vieses da sua complexidade através de um olhar sistêmico. 2009. 273 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 179 183 MOREIRA NETO, 2009, p. 7. 184 Cf. neste sentido, CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Nothfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

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Ora, a busca da proteção judicial de direitos de titularidade indefinida

(difusos) ou de grupos fragilizados por sua própria natureza ou pelas

dificuldades do processo tradicional (coletivos), envolve sempre por quem age

no polo ativo um sentido de solidariedade (cooperação) a outrem. O autor da

ação popular (art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal), o Ministério Público

(art. 129, inciso III, da CF) e outros legitimados (art. 129, § 1º, da CF) e os

partidos políticos e organizações, entidades de classe ou associação

legalmente constituída (art. 5º, inciso LXX), aí atuam colaborando para a

defesa judicial de interesses ou direitos difusos e coletivos.

A própria defesa dos interesses difusos e coletivos não necessita

obrigatoriamente ser feita por via judicial. Pode ser efetivada por meio

administrativo (inquérito civil por parte do Ministério Público ou atuação dos

diversos órgãos estatais) ou mediante campanhas de conscientização,

esclarecimentos e alertas (realizados pelas associações de defesa do

consumidor ou meio ambiente, por exemplo).

O aparecimento da categoria dos direitos difusos e coletivos faz surgir

uma nova consciência dentro de nós. Não basta velarmos tão somente pelos

nossos próprios interesses individuais ou daquelas pessoas que nos são

próximas, agindo de forma egoísta.

A seguir será objeto de abordagem a solidariedade em diversos ramos

dos Direitos Difusos e Coletivos, que não esgotam todas as suas categorias

diante da constante evolução das disciplinas que a cada momento surgem na

constante renovação do Direito.

6.1 SOLIDARIEDADE NO DIREITO AMBIENTAL

O Direito Ambiental caracteriza-se especialmente por sua natureza

difusa, pois o meio ambiente é integrado pelo patrimônio ambiental natural,

patrimônio ambiental cultural e patrimônio ambiental artificial cuja proteção

interessa a todos indistintamente. Neste sentido, o art. 225, “caput”, da

Constituição Federal dispõe que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

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qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo para a presente e as futuras gerações. Se é certo que determinados

bens desse patrimônio podem ser titularizados, como exemplificativamente, as

cavidades naturais subterrâneas, pertencentes à União (art. 20, X, da CF), os

interessados na sua preservação não podem ser devidamente identificados.

Aqui é ressaltado, portanto, o aspecto indivisível da solidariedade.

O art. 225, “caput”, da Carta Magna traz a solidariedade entre as

gerações visando à preservação do legado ambiental para os que aqui se

encontram e os que futuramente vierem a aparecer. A propósito apontam

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:185

Princípio da solidariedade entre gerações. O significado básico desse princípio é obrigar gerações presentes a incluir, como medida de ação e ponderação, os interesses das gerações futuras. Esses interesses são evidenciáveis em três campos: a) o campo das alterações irreversíveis dos ecossistemas terrestres em consequência dos efeitos cumulativos das atividades humanas; b) o campo do esgotamento dos recursos, derivado de um aproveitamento não racional e da indiferença relativamente à capacidade de renovação e da estabilidade ecológica; c) o campo dos riscos duradouros (José Joaquim Gomes Canotilho).

Essa solidariedade é de outro jaez, visto residir na cooperação,

colaboração e preocupação com as presentes e futuras gerações.

A respeito dessa solidariedade intergeracional assim já se pronunciou o

Supremo Tribunal Federal:

Os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível. Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (RTJ, 158:205-206, Rel. Min. Celso de Mello), de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano,

185 NERY JUNIOR; NERY, 2009, p. 691.

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circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social” (STF, ADin 3.540-1-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 1º-9-2005).

Decorrência desse mesmo dispositivo é o da participação comunitária,

através do chamado Terceiro Setor, na proteção jurídica ao meio ambiente.

Este, como menciona Édis Milaré faz-se representar por grupos associativos,

organizados com propósitos peculiares, entre pessoas munidas de espírito

solidário e cooperativo, induzidas pela urgente necessidade de incentivo a

melhores condições ambientais, sociais e econômicas para a vida de todos

neste planeta. O propósito é, portanto, a junção e organização de pessoas, fora

do setor estatal, reunindo seus esforços, conhecimentos e capacidades e

criando modos de captação de recursos, colimando não a busca de lucro, mas

a realização de um escopo comum, de interesse público, a ser gizado no

estatuto social da entidade.

Também se pode identificar a presença da solidariedade no princípio da

função socioambiental da propriedade. A respeito deste Édis Milaré186 observa

que “o uso da propriedade pode e deve ser judicialmente controlado, impondo-

se-lhe as restrições que forem necessárias para a salvaguarda dos bens

maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e

eficientes do Poder Judiciário, qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida.”

Igualmente no tocante ao meio ambiente deve viger o princípio da

cooperação entre os povos, pois sua proteção não encontra fronteiras, diante

da interdependência entre os fatores que podem afetá-lo e que agem

independentemente dos limites territoriais nacionais.

6.2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO CONSUMIDOR

No Direito do Consumidor encontramos hipóteses de responsabilidade

solidária, no sentido original do termo. 186 MILARÉ, 2005, p. 169

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O art. 87, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor

estabelece que no caso de litigância de má-fé, a associação autora e os

diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente

condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo

da responsabilidade por perdas e danos.

Comentando a respeito desse dispositivo, assim se pronunciam

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery187:

Par.ún.: 5. Responsabilidade solidária. Trata-se de hipótese legal de responsabilidade solidária (CC 265; CC/1916896), operando como caso de desconsideração da pessoa jurídica (CDC Coment., Watanabe, p.781). Também os agentes públicos responsáveis pelo ajuizamento da ACP responderão solidariamente com o órgão público, caso sua atividade se subsuma à norma sob comentário. Nesta última hipótese haverá interesse do prejudicado em buscar a indenização dirigindo sua pretensão diretamente contra o poder público, em face da responsabilidade objetiva (CF 37, § 6º, CDC 22, pár.ún.). A solidariedade atua mais eficazmente no caso de associação civil ou sindicato.

Como aponta Marco Antonio Zanellato,188 a vulnerabilidade do

consumidor está estreitamente ligada à carência de informações sobre os

produtos e serviços. O consumidor médio normalmente não conhece os

produtos ou serviços que deseja obter. Por isso, pode ser induzido a erro pelo

fornecedor, que, sobre eles, possui todas as informações. Apenas com o

devido conhecimento o consumidor pode realizar boas escolhas, efetuar

negócios jurídicos sem ser logrado a respeito das características, qualidade,

garantia, prazos de validade, origem, desempenho e outras informações. “A

vulnerabilidade é, assim, mais uma questão de carência de informação do que

de renda, embora, via de regra, o consumidor seja economicamente mais fraco

do que o fornecedor”.

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, especialmente

numa sociedade de consumo de massas, exige sua proteção. A Constituição

Federal em seu art. 5º, inciso XXXII, consagra como direito fundamental a

promoção da defesa do consumidor pelo Estado, na forma da lei. Essa defesa

pode ser efetuada de forma individual, pelo próprio consumidor, com a

utilização do processo civil comum.

187 NERY JUNIOR; NERY, 2010, p. 351. 188 ZANELLATO, Marco Antonio. Condições gerais do contrato, cláusulas abusivas e a proteção do consumidor, 2006 p. 145 (Tese Doutrado – USP)

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Mas é inegável que a proteção do consumidor, ainda que

individualmente considerado, só pode ser eficaz numa atuação solidária da

sociedade e de entidades nela formadas, com o escopo de sua defesa, bem

como pela intervenção dos órgãos estatais, notadamente o Ministério Público e

os Procons.

Carlos Maria Verardi189 apropriadamente observa que a introdução de

padrões de produção e distribuição de massa provoca alterações profundas no

jogo da relação de consumo. O crescimento quantitativo dos produtos no

mercado provoca, antes de tudo, um aumento no risco de circulação de

mercadorias perigosas, um problema agravado pelas deficiências dos

mecanimos de controle administrativo. Registra-se, segundo ele, portanto, um

crescimento notável dos fenômenos de danos relacionados com a circulação

de produtos defeituosos. O desenvolvimento dos canais publicitários, o único

meio de diversificação dos bens padronizados, aumenta o fosso entre quem

elabora (e difunde) e quem recebe a informação orientada para o consumo. A

estrutura de contratação em massa, especialmente em relação a bens e

serviços de uso corrente, faz-se através da predisposição de modelos

contratuais uniformes por parte dos operadores econômicos, que são na

verdade impostos aos consumidores e usuários. Realiza-se, assim, uma

desregulamentação do conteúdo negocial e há a erosão das garantias

previstas no Código Civil como efeito natural dos princípios de contratos de

consumo.

A pletora de produtos e serviços, nem sempre essenciais, úteis ou de

qualidade; a busca desmesurada do lucro através da indução do consumo a

qualquer preço; a publicidade que valoriza o ter em detrimento do ser; o risco

embutido nas novas tecnologias ainda não devidamente testadas, tudo isto

leva a crer que somente através de uma ação cooperativa, colaborativa e

solidária dentro da sociedade possamos nos sentir amparados como

consumidores, pois, queiramos ou não, consumimos desde que viemos ao

mundo e teremos de fazê-lo até que venhamos a deixá-lo.

189 CAPPONI, Bruno; GASPARINETTI, Marco; VERARDI, Carlo Maria. La tutela colletiva dei consumatori. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1995, p.6-7.

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Finalmente, cabe ressaltar que Bruno Miragem190 menciona

expressamente a incidência do princípio da solidariedade no Direito do

Consumidor, uma vez que seu fundamento reside na Constituição da

República, ao estabelecer dentre os fundamentos os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV) e que a ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170). Alerta,

contudo, que a solidariedade no Direito do Consumidor não se limita apenas à

proteção do mais fraco nos contratos de consumo, mas tem em consideração

outros aspectos da relação de consumo e suas consequências sociais. Dentre

estes, a regra da responsabilidade civil objetiva aplicada a toda cadeia de

fornecimento, atingindo todos os fornecedores que participam da circulação do

produto ou serviço no mercado, é consequência dos preceitos de solidariedade

social. Igualmente é reflexo desse princípio a ampliação da eficácia do

contrato, além dos efeitos entre os contratantes, mas também a terceiros que

de alguma forma tomam contato com o objeto pactuado.

6.3 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

O art. 227, “caput”, da Constituição Federal, seguindo o modelo de

outros dispositivos do texto constitucional de solidarizar responsabilidade na

efetivação de direitos, dispõe que é dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Estabeleceu-se, aí, portanto, a doutrina da Proteção Integral, tornando as

crianças e adolescentes sujeitos de direitos e não meros objetos de

intervenção de terceiros. A doutrina da proteção integral encontra-se 190 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 73.

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124

consubstanciada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente da Organização das Nações Unidas e ora incorporada ao nosso

texto constitucional.

A respeito dessa proteção anota José Ricardo Cunha:191

Dessa forma, a Proteção Integral consiste em direitos fundamentais e em mecanismos de garantia desses direitos. Sem estes mecanismos, os direitos não passariam de retórica, no mau sentido. É nessa perspectiva que surge o chamado Sistema de Garantia de Direitos, como uma integração filosófica e operacional desses diversos órgãos e agentes voltados para a realização sem detença dos direitos infanto-juvenis.

Verifica-se que cabe às entidades coletivas (família, sociedade, Estado)

assegurar a fruição dos direitos básicos da população que se encontra nos

primeiros períodos de vida. E essa responsabilidade deve ser efetivamente

coletiva, pois constitui interesse geral a garantia do bom desenvolvimento das

novas gerações, esteio do futuro da sociedade e esperança que o legado

humano permaneça e possa ser aperfeiçoado.

A absoluta prioridade na tutela desses direitos tem sua razão na

vulnerabilidade da criança e do adolescente, decorrente da própria imaturidade

física e intelectual. Também evidencia necessidade da urgência nessa

proteção, sob pena de ineficácia com o decurso do tempo. Mostra preocupação

presente com quem nos sucederá no futuro.

Evidencia-se, pois, espírito de solidariedade, na forma de cooperação,

colaboração, auxílio, proteção, ajuda, cuidado, compaixão, no tratamento de

tudo aquilo concernente aos menores.

O dispositivo constitucional examinado tem direto reflexo no Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990), cujo art. 4º,

“caput”, estabelece como dever da família, da comunidade, da sociedade em

geral e do Poder Público assegurar, com prioridade, a efetivação dos direitos

referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária.

191 CUNHA, José Ricardo. A Nova Política de Atendimento no Estatuto da Criança e do Adolescente. In: DINIZ, Andréa; CUNHA, José Ricardo (Org.). Visualizando a política de atendimento à criança e ao adolescente. Rio de Janeiro: Litteris, 1998, p. 48.

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125

E o parágrafo único desse art. 4º define que a garantia de prioridade

compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer

circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de

relevância pública; c) preferência na formulação das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção à infância e juventude. O tempo, portanto, não pode ser dispersado

quando se cuide dos direitos das crianças e adolescentes.

Ao comentar sobre a responsabilidade da sociedade em geral, segundo

a expressão do art. 4º do Estatuto, preleciona Dalmo de Abreu Dallari192:

A solidariedade humana é uma necessidade natural e um dever moral de todos os seres humanos. No quarto século antes de Cristo o filósofo grego Aristóteles escreveu que o homem é um ‘animal político’, querendo dizer, com isso, que o ser humano, por sua natureza, não vive sozinho, tendo sempre a necessidade da companhia de seus semelhantes. Através dos séculos isso foi reafirmado por muitos pensadores, tendo sido ressaltado que, além das necessidades materiais, existem outras que são comuns a todos os seres humanos e que impedem as pessoas de se realizarem sozinhas vivendo em completo isolamento.

E mais adiante prossegue:193

Aí está o fundamento da solidariedade e da responsabilidade. Como as crianças e os adolescentes são mais dependentes e mais vulneráveis a todas as formas de violência, é justo que toda a sociedade seja legalmente responsável por eles. Além de ser um dever moral, é da conveniência da sociedade assumir essa responsabilidade, para que a falta de apoio não seja fator de discriminações e desajustes, que, por sua vez, levarão à prática de atos antissociais.

Assim, o referido autor robora que o mote da proteção da criança e do

adolescente é a solidariedade, decorrente da própria natureza gregária do

homem.

E os direitos da criança e do adolescente são de natureza difusa,

indivisível e por isto também solidários nesse aspecto, pois dizem respeito ao

Estado, à coletividade, à família e à sociedade como um todo, extrapolando os

próprios limites dos estados soberanos para se tornarem universais.

192 DALLARI, Dalmo de Abreu. Comentários ao Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: CURY, Munir. (Org.). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 43. 193 DALLARI, 2010, p. 44

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126

6.4 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO IDOSO

A Constituição Federal foi mais singela no tratamento dispensado aos

idosos em relação à população infanto-juvenil. Em seu art. 230, “caput”, dispõe

que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas

idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. E os programas de

amparo, conforme § 1º desse artigo devem ser executados preferencialmente

em seus lares.

Já o art. 3º, “caput”, do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 1º de

outubro de 2003), foi mais explícito ao estabelecer como obrigação da família,

da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com

absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à

dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Comentando referido dispositivo preleciona José de Farias Tavares

(2006) que ele apresenta conteúdo idêntico ao do Artigo 4º do Estatuto da

Criança e do Adolescente. Por isso, nas hipóteses de conflitos de interesses

regulados por um ou por outro desses diplomas em referência, o intérprete terá

que desenvolver a mesma ponderação da axiologia dos valores, dada a

semelhança entre ambas as situações.

Assevera o autor que este artigo em análise, institui o princípio da

solidariedade no dever de cumprimento de todas as disposições do Estatuto do

Idoso. Em primeiro lugar, entre a família integrada pelo idoso, a começar do

seu cônjuge ou companheiro, seguindo-se os parentes vinculados pelas linhas

reta e colateral, em graus sucessivos, conforme regulam os dispositivos do

Código Civil. Em seguida, segue-se a sua comunidade de vizinhança,

sociedade civil em sentido amplo, e a Administração Pública. Por fim, ao

Estado incumbe a obrigação alimentar mediante o Sistema Geral da

Previdência Social ou através de verbas dos serviços nacionais de assistência

social. Efetua aí uma distinção entre a solidariedade familiar e a solidariedade

social.

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127

Ao escrever sobre o Estatuto da Pessoa Idosa no Direito Português, J.

P. Remédio Marques194 anota que o suprimento das necessidades das

pessoas idosas na atualidade é feito mediante a criação de um sistema misto

de proteção e solidariedade, embasado na presença de instrumentos e

mecanismos de colaboração públicos e privados. Faz-se o confronto da

solidariedade familiar com a solidariedade estatal no apoio às pessoas idosas.

Aponta que enquanto a obrigação de alimentos se fundamenta no princípio da

solidariedade familiar, as prestações do regime de seguridade social apoiam-se

no princípio da solidariedade estatal, revestindo-se no direito a prestações de

dar enquanto incumbência pública que pode ser verificada imediatamente.

Salienta que há agora uma hegemonia da solidariedade estatal. Antes,

preponderava a solidariedade familiar fundada na afetividade e na

voluntariedade, com atuação hegemônica na assistência e manutenção dos

membros necessitados da família. Em caso de necessidade, esse dever

manifestava-se com a natureza de obrigação jurídica, na forma de obrigação

de prestar alimentos.

Aponta, ainda, que o dever de prestação de alimentos fez da família o

primeiro lugar em que soluciona a questão da pobreza. Só em caráter

subsidiário era invocada a intervenção estatal, na forma de caridade pública.

Esta caridade pública em hipótese alguma era reconhecida como obrigação

estatal.

Hoje, segundo o autor, a solidariedade familiar é complementar à

solidariedade pública, se as pensões de aposentadoria dos regimes

contributivos e não contributivos não permitem alcançar estes objetivos, por

força das restrições orçamentárias, a solidariedade familiar torna-se

imprescindível na função de complementar a solidariedade social.

Entretanto, o melhor entendimento é de que inexiste prioridade e essa

solidariedade distribui-se entre todos que têm obrigação na proteção do idoso.

Neste sentido Oswaldo Peregrina Rodrigues (2009) invoca Roberto

Mendes de Freitas que ao confirmar a divergência de opiniões sobre o assunto,

194 MARQUES, J. P. Remédio. Em torno do estatuto da pessoa idosa no direito português – Obrigação de alimentos e segurança social. RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 41, n. 47, p. 9-40, jan./jun. 2007.

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128

desconsidera a existência de ordem preferencial para suprimento das

necessidades dos idosos e afirma configurar-se obrigação solidária entre os

cidadãos e o Poder Público. Na realidade, há textual solidariedade entre todos

os entes (família, comunidade, sociedade e Poder Público), decorrente do

Estatuto do Idoso e da Constituição Federal (art. 230, “caput”). Assim, impõe-se

verificar em cada caso concreto qual dos obrigados está em melhores

condições de prover as necessidades da pessoa idosa, pois a todos cabe a

obrigação jurídica de amparar os idosos.

Portanto, à semelhança dos direitos da criança e do adolescente, os

pertinentes aos idosos também são de natureza difusa, indivisível e por isto

também solidários nesse aspecto, pois igualmente dizem respeito ao Estado, à

coletividade, à família e à sociedade como um todo. A mesma preocupação

coletiva com o bem-estar da população infanto-juvenil estende-se aos idosos,

especialmente num mundo em que breve estes superarão em número todas as

demais faixas etárias.

6.5 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DA PESSOA PORTADORA DE

DEFICIÊNCIA

Maria de Lourdes Canziani195 informa que por longo tempo, a questão da

deficiência foi versada e cuidada como sendo um problema do indivíduo e não

como consequência da relação deste com o seu ambiente. Gradativamente

essa abordagem mudou, indo de um movimento pela autonomia da pessoa

com deficiência, para que esta passasse a ser sujeito e não mais objeto de

decisões sobre ela, até o momento atual. Anota a autora que a nova

concepção a respeito da deficiência, tomada pelas próprias pessoas portadoras

de deficiência, seus famliares bem como seus representantes, importa em

reivindicação de direitos de cidadãos em igualdade de condições com os

demais, obrigando a sociedade e o Estado a mudar seu procedimento e

195 CANZIANI, Maria de Lourdes, Direitos Humanos e os Novos Paradigmas das Pessoas com Deficiência, in: Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, Luiz Alberto David Araújo (Coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 250-251.

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129

postura no tocante às suas necessidades peculiares. Essa nova visão levou à

criação de normas e regulamentos embasados no reconhecimento da pessoa

portadora de deficiência como cidadão, valorização do indivíduo e sua família e

sua total incorporação à sociedade.

E esse novo olhar a respeito da pessoa portadora de deficiência tem

levado à adoção de nova terminologia a seu respeito, mais adequada a arredar

sua discriminação, que é a de pessoa portadora de necessidades especiais.

Os princípios basilares da proteção das pessoas portadoras de

deficiência acham-se consagrados na Constituição Federal, seguidos por

normas previstas especialmente na Lei nº 7.853/1989, que dispõe sobre a

Política Nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência e pela

Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A autora segue afirmando que as normas constitucionais visam

precipuamente à proteção e integração da pessoa portadora de deficiência.

Assim, há previsão de estabelecimento em lei de percentual dos cargos e

empregos públicos destinados a pessoas portadoras de deficiência e edição de

critérios para sua admissão (art. 37, inciso VIII). Também no âmbito da

assistência social da habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de

deficiência e promoção de sua integração à vida comunitária (art. 203, inciso

IV). Igualmente a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa

portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de

prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua própria família,

conforme dispuser a lei (art. 203, inciso V). Ainda a criação de programas de

prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de

deficiência física, sensorial ou mental, bem como integração social do

adolescente e jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o

trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços

coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e todas as formas de

discriminação (art. 227, § 1º, inciso II). Por fim, a previsão de lei sobre normas

de construção dos logradouros e edifícios de uso público e de fabricação de

veículos de transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às

pessoas portadoras de deficiência (art. 227, § 2º).

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130

Por conseguinte, o objetivo das normas constitucionais citadas não é

apenas o da manutenção e provimento das necessidades básicas desse grupo

de pessoas. Vai além, pois visa à integração das pessoas portadoras de

deficiência na sociedade, com reconhecimento de sua condição de cidadão e

afastamento de sua discriminação.

Luciana Toledo Távora Niess e Pedro Henrique Távora Niess196 fazem

importante observação a respeito da conduta das pessoas em geral em relação

aos portadores de deficiência. Alertam que elas, em face dos portadores de

deficiência, apresentam três tipos de comportamento: há os que se importam

com eles; há os que não se importam e há os que não os suportam. Os que se

importam com os portadores de deficência colaboram para sua inclusão na

sociedade. Agem, portanto, de forma cooperativa. Os que não se importam são

indiferentes ao problema, que parece não lhes dizer respeito e por isto

nenhuma contribuição fazem pela integração, assunto que não apreciam ou

deixam de apreciar. Finalmente, os que não suportam os portadores de

deficiência física, deles procuram se distanciar, negando sua integração e,

muitas vezes, os humilham, bem como a seus parentes, por meio de zombaria

e outros tipos de maus tratos.

Vê-se a essencialidade da solidariedade, no seu vetor empatia,

compaixão, colaboração, cooperação, no trato das questões pertinentes às

pessoas portadoras de deficiência.

6.6 SOLIDARIEDADE NO DIREITO À SAÚDE

Conforme apontam Reynaldo Mappelli Júnior, Mário Coimbra e Yolanda

Alves Pinto Serrano de Matos197 o Direito à Saude está incluído na categoria

dos direitos fundamentais de segunda geração, também chamados de direitos

sociais, que surgiram com a nova configuração do Estado, que deixou de agir

como mero garantidor de direitos individuais (Estado liberal) e avançou para

196 NIESS, Luciana Toledo Távora; NIESS, Pedro Henrique Távora. Pessoas portadoras de deficiência no direito brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 14. 197 MAPPELLI JÚNIOR, Reynaldo; COIMBRA, Mário; MATOS, Yolanda Alves Pinto Serrano de. Direito sanitário. São Paulo: Ministério Público, Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 15.

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131

suprir os cidadãos de prestação positiva destinadas ao atendimento de suas

necessidades básicas.

Salientam que como direito social, a saúde não pode ser vista apenas

sob seu aspecto meramente individual. O direito à saúde merece a devida

proteção na esfera metaindividual, pois seu caráter de interesse difuso, coletivo

ou individual homogêneo não pode ser olvidado. Constitui interesse de toda a

sociedade que, seus integrantes, de modo indistinto, tenham pleno acesso aos

serviços de saúde, de forma que, exemplificativamente, a higidez dos

aparelhamentos públicos reservados para a prestação desses serviços,

configura um interesse difuso a ser tutelado e vigiado pelos órgãos de

fiscalização198.

Conforme Carlos Valder do Nascimento a atenção à saúde requer uma

resposta solidária em face das adversidades e emergências da vida, de forma

que sua inserção no contexto histórico seja sem restrições de qualquer monta.

J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira199 esclarecem que o “direito de

acesso à prevenção em matéria de saúde é agora considerado na União

Europeia como um direito de solidariedade (cfr. CDFUE, art. II-95) que exige,

no âmbito das políticas públicas (dos Estados e da União), a promoção de um

elevado nível de proteção da saúde humana”.

De outro lado, Carlos Valder do Nascimento200 observa ser evidente

tratar-se o direito à saúde como direito fundamental e, consequentemente, um

direito humano e de caráter universal. É da sua essência a universalidade e por

isso não admite a proibição de retrocesso, igualmente sua supressão ou

diminuição e cuja eficácia impeditiva, na seara das políticas públicas, pode

propiciar a atuação da processualística.

E sobre a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios no

Sistema Único de Saúde, aponta não restar dúvida sobre o nível de

complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS), à proporção em que sua

atuação é parte integrante de uma engrenagem política destinada a atender a

198 Ibidem, p. 18. 199 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. Coimbra, Coimbra Ed., 4 ed. 2007, v. 1, p. 831. 200 NASCIMENTO, 2010, p. 383.

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população. Nessa ótica, obriga os entes autônomos da Federação a

empreender seu esforço de cooperação recíproca com vista aos fins a que

cabe ao Estado perseverar na promoção do bem-estar social201.

E mais adiante anota que os entes federativos podem ocupar o polo

passivo da relação processual tendo em vista a condição de responsáveis por

laço de solidariedade na qualidade de litisconsortes. Não se eleva, entretanto,

qualquer deles à condição de litisconsorte passivo necessário porque disto aqui

não se trata. A obrigação está perfeitamente delimitada, competindo a cada um

dos entes responderem de modo isolado pela omissão no cumprimento do

dever da prestação devida202.

Saliente-se que a quebra de patentes de determinados medicamentos,

cujo acordo foi fechado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), após cinco

anos de negociações, em 2008, para o que concorreu forte pressão do Brasil,

está inserido nesse quadro de busca da universalização da saúde. A instituição

e o incentivo ao uso dos medicamentos genéricos também aponta nessa

direção.

Portanto, o direito à saúde está inserido no rol dos direitos sociais e, por

ser fundamental, tem caráter universal, e é conformado pela solidariedade. E

sua regulação faz surgir um novo ramo do direito, denominado Direito

Sanitário.

6.7 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DAS MINORIAS

Robério Nunes dos Anjos Filho203 faz interessante observação no

sentido de que todos os grupos vulneráveis, minorias ou não, são integrados

por pessoas e, portanto, titulares de todos os direitos humanos. Assim, indaga

se haveria interesse em reconhecer outros direitos e instituir um outro sistema

de especial proteção a esses grupos. E a resposta que oferece a essa questão

é no sentido de tal necessidade, fundamentando-se em que:204

201 Ibidem, p. 383. 202 Ibidem, p. 385 203 ANJOS FILHO, Robério Nunes. Minorias e grupos vulneráveis: uma proposta de distinção. In: ANJOS FILHO, Robério Nunes. Direitos humanos: estudos em homenagem ao professor Fábio Konder Comparato. Salvador: Podivm, 2010, p. 422. 204 Ibidem, p. 425.

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O respeito à dignidade da pessoa humana, nesse quadrante, exige a proteção aos traços diferenciadores de uma determinada coletividade, pois sem a manutenção destes cada um dos seres humanos que a compõem não se sentirá realizado. A felicidade e a integridade individual dependem da preservação das diferenças, havendo uma solidariedade entre os membros do grupo. Essa solidariedade não é apenas a comum, que evoca um sentimento humanitário. É uma solidariedade decorrente de uma identidade cultural coletiva de base étnica, religiosa ou linguistica, no sentido de que alguém só se realiza como pessoa humana se encontrar em outras pessoas as mesmas referências que caracterizam a sua própria individualidade. Sem isso, sentir-se-á sozinho, sem referências, incompleto, sem dignidade. Por isso, a preservação dessas peculiaridades deve ser dar em âmbito coletivo, e não puramente individual e, além disso, depende de ações de discriminação positiva especiais, permanentes.

Décio João Gallego Gimenes205 aborda a questão da solidariedade e as

ações afirmativas no sistema de cotas do ensino superior defendendo-as nos

seguintes termos:

A meritocracia, tão alardeada por aqueles que a invocam para depreciar o sistema de cotas para estudantes negros, exerce função determinante na realização pessoal. Mas entendemos, entretanto, que o merecimento individual não deve ser o único caminho para o progresso pessoal e a consequente ascensão na vida. Construir uma sociedade livre, justa e solidária também se constitui em um dos objetivos fundamentais da nossa República. A solidariedade aqui mencionada é um dos instrumentos sem o qual é impossível a consecução da equidade. A correção das injustiças sociais passa, obrigatoriamente, pela solidariedade das pessoas. E esta deve ser levada em conta na avaliação das ações afirmativas para promoção dos afrodescendentes.

Quanto às uniões homoafetivas também se aplica o princípio da

solidariedade, conforme José Luiz Ragazzi e Thiago Munaro Garcia206:

A fraternidade e a solidariedade são inerentes à própria concepção de dignidade da pessoa humana, consubstanciadas no dever de respeito no âmbito da comunidade dos seres humanos. É exatamente nesse sentido, de respeito ao ser humano e às suas escolhas, que o princípio da solidariedade se insere no reconhecimento de direitos às uniões homoafetivas.

Na Constituição Federal, o princípio constitucional da solidariedade pode ser identificado em seu art. 3.º, IV, ao estabelecer como um dos seus objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

205 GIMENES, Décio João Gallego. Princípio da igualdade e o sistema de cotas para negros no ensino superior. Jus Navigandi, Teresina, v. 9, n. 311, 14 maio 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5158>. Acesso em: 22 jan. 2012 206 RAGAZZI, José Luiz; GARCIA, Thiago Munaro. Princípios constitucionais In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 191-192.

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A solidariedade no âmbito do Direito das Minorias reveste-se de duplo

significado. O primeiro, inerente à própria conformação dessas minorias, diz

respeito à solidariedade grupal, dos componentes de determinada comunidade

com laços comuns que os identificam e os distinguem dos demais. O outro,

sempre presente nos Direitos Difusos e Coletivos, é o da solidariedade na sua

ótica cooperativa, colaborativa, fraterna, que pode existir tanto no âmbito

interno da própria minoria, quanto no externo, no restante da sociedade e na

esfera estatal.

6.8 SOLIDARIEDADE NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E

SOCIAL

A proteção do patrimônio público e social não constitui um ramo

especializado dos direitos difusos, mas diz respeito a interesses que são

protegidos no campo do Direito Administrativo, do Direito Penal e do Direito

Civil.

A expressão patrimônio público e social inclui o conjunto de bens,

direitos e valores que pertencem a todos os cidadãos brasileiros. Os princípios

éticos, embora não constituam bens, integram o patrimônio moral da sociedade

e devem ser velados pelo Estado e cumpridos por todos os agentes públicos.

O conjunto de bens, direitos e valores pertencentes a todos os cidadãos

forma o patrimônio público e social do Brasil. Os princípios éticos, por exemplo,

embora não sejam bens, fazem parte do patrimônio moral de nossa sociedade,

e devem ser protegidos pelo Estado e observados por todos os agentes

públicos.

Como preleciona Wallace Paiva Martins Júnior207, no Brasil, a proteção

dos interesses metaindividuais abrange a tutela da moralidade e da probidade

administrativa. A moralidade administrativa é concebida como interesse difuso

por excelência, cuja titularidade pertence à coletividade. A probidade, como

dever que decorre da moralidade, acompanha a mesma natureza, de

207 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 94.

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135

indivisibilidade e indisponibilidade e tem o mesmo titular, ou seja, a

coletividade.

Pedro Roberto Decomain208 destaca que os interessados na

preservação do patrimônio público, para que dele se retire o maior potencial de

meios para atendimento de necessidades coletivas, são todos os integrantes

da sociedade. Sob essa visão, não resta qualquer dúvida de que são

indeterminados os titulares do interesse da preservação da integralidade do

patrimônio público. Assim, há de se reconhecer um evidente caráter difuso

nesse interesse que possui nítida característica difusa. A preservação da

integridade e boa gestão do patrimônio público é ao mesmo tempo interesse de

todos e de cada um. Aponta que no patrimônio público, mesmo em perspectiva

patrimonial, tem-se interesse difuso.

Da mesma forma, Fernando Capez209 aponta que o direito à

administração proba, correta, impessoal e dirigida ao bem comum é um

interesse afeto a toda a coletividade e, por isso, irradiado em um número

indeterminado de pessoas, ligadas por circunstâncias de fato, tratando-se de

um bem jurídico de natureza difusa.

Mas além da indivisibilidade decorrente de sua natureza difusa, a

proteção do patrimônio público e social importa na aplicação da solidariedade,

em seu ânimo cooperativo. A preservação da integridade do patrimônio público

e social, para que os bens públicos não sejam dilapidados ou sua utilização e

proveito desviem-se da finalidade de satisfação dos interesses coletivos, bem

como a observância da moralidade pública, exigem conduta altruísta dos

agentes públicos e dos membros do corpo social. Velar pelo que é nosso é

procedimento natural; cuidar do que é de todos envolve voluntária

conscientização da cidadania e adoção de espírito público.

208 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 29-30. 209 CAPEZ, Fernando. Limites constitucionais à Lei de Improbidade. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 278 e 281.

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6.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Sinteticamente o Direito Coletivo do Trabalho representa o segmento do

Direito do Trabalho que regra a negociação coletiva, a greve, a organização

sindical, os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho, os

dissídios coletivos e as formas de representação dos trabalhadores na

empresa, como exemplificativamente as comissões de fábrica. Está

reconhecido expressamente no art. 7º, inciso XXVI, da Carta Magna que

estabelece como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

que visem à melhoria de sua condição social, o reconhecimento das

convenções e acordos coletivos do trabalho. O Direito Coletivo do Trabalho

está regulado em âmbito infraconstitucional na Consolidação das Leis do

Trabalho, em seus Arts. 611 a 625. Também as Convenções 98 e 154 da

Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo Brasil, que cuidam,

respectivamente, do direito à sindicalização e negociação coletiva e da

promoção da negociação coletiva do trabalho, e igualmente a Convenção 151

desse organismo internacional, que trata da negociação coletiva do trabalho no

setor público.

Os sindicatos de trabalhadores (categoria profissional) e de

empregadores (categoria econômica) constituem-se em figuras imprescindíveis

no Direito Coletivo do Trabalho. Com efeito, o art. 8º, inciso III, da Constituição

Federal dispõe que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses

coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e

administrativas. Por sua vez, o inciso VI desse artigo estabelece a

obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas de

trabalho.

Além desses instrumentos, pode-se considerar como pertinente ao

Direito Coletivo do Trabalho a utilização das ações metaindividuais, com

aplicação das regras da ação civil pública, na sua lei respectiva, e da ação

coletiva do Código de Defesa do Consumidor.

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Raimundo Simão de Melo210 constata que as formas tradicionais de

resolução dos conflitos trabalhistas no Brasil, dirigidas especialmente para as

questões individuais, não mais respondem às necessidades de implementação

das normas protetivas dos direitos fundamentais dos trabalhadores,

principalmente a partir da Carta Magna de 1988. Esta não apenas criou e

manteve relevantes direitos sociais, em seu art. 7º e incisos, dentre outros

dispositivos, como também dotou um moderno sistema processual para o

emprego e efetivação desses direitos, tendo como embasamento a dignidade

da pessoa humana e a valorização do trabalho humano (Arts. 1º e 170), a

preceder a livre iniciativa. Enfatiza que a solução para o efetivo acesso à

Justiça, vai além do ingresso individual do trabalhador em juízo, para

prevenção de lesão aos direitos metaindividuais e na busca coletiva das

consequentes reparações. Tendo em vista que o Direito do Trabalho talvez

seja a área mais propícia para o desrespeito ao princípio da isonomia, essa

desigualdade diminui na jurisdição coletiva, de mais fácil operação e de maior

eficácia211.

Ainda no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho anote-se que a greve

pode ter o caráter não só de defesa de melhora das condições de trabalho e

vida dos próprios trabalhadores, mas também pode envolver a solidariedade

com outros. A esse respeito esclarece Candy Florêncio Thome212:

A greve de solidariedade é aquela que se insere em outra greve empreendida por outros trabalhadores, em apoio aos requerimentos de outros trabalhadores, lembrando Arouca (2003, p. 859) que, com o avanço das empresas transacionais, muitas greves de solidariedade têm por objetivo pressionar a empresa matriz, envolvendo as empresas filiais.

Em 1983, a Comissão de peritos da OIT considerou que a proibição geral das greves de solidariedade pode ser abusiva porque os trabalhadores devem ter o direito a recorrer a tais tipos de greve, desde que a greve inicial que apoiem seja legal.

Marcos Neves Fava213 aponta com propriedade a existência de direitos

na esfera trabalhista, com necessidade de proteção especial, muitas vezes

210 MELO, Raimundo Simão de. Processo coletivo do trabalho: dissídio coletivo, ação de cumprimento, ação anulatória. 2. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 24 211 MELO, 2001, p. 26-27 212 THOME, 2010, p. 263. 213 FAVA, Marcos Neves. Ação civil pública trabalhista: teoria geral. São Paulo: LTr, 2005, p. 71-72.

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impossível de ser reivindicada por seus próprios detentores. Deste teor são os

fenômenos de exploração de mão de obra infantil, a discriminação da mulher

no mercado de trabalho, a proteção do meio ambiente de trabalho e o trabalho

escravo, que configuram lesões da ordem jurídica na órbita trabalhista e

ofendem a dignidade humana. A proteção contra tais violações é fraca se

encetada apenas pelos próprios titulares. Não se vislumbra como alguém

impedido de retirar-se do ambiente de trabalho, retido no interior de uma

fazenda ou nos porões de uma confecção, possa postular em juízo o

pagamento de horas extraordinárias, registro na carteira de trabalho e

previdência social ou pretender o descanso semanal remunerado. Igualmente

inadmissível que o menor explorado no trabalho doméstico possa fugir da

residência para reivindicar o direito ao salário. Tampouco é concebível que

numa situação de desemprego, uma trabalhadora mulher ou obreiro portador

de deficiência volte-se contra seu empregador, diante da discriminação no valor

de sua remuneração. Torna-se claro que urge tratamento não individual para

sanear essas violações ao direito.

A existência da solidariedade no seu aspecto cooperativo no âmbito da

sociedade é apontada implicitamente por Ibraim Rocha ao abordar a ação civil

no processo do trabalho:214

Esse traço de presença coletiva é que distingue o direito do trabalho no que lhe é característico no mundo, e esta é a qualidade que devemos ressaltar na ação civil pública, porque cada organização social coletiva reflete maior consciência de setores da sociedade, que deixam de esperar o super-herói-cidadão, mas une as pequenas forças de cada indivíduo para a defesa dos interesses comuns.

Como instrumento conquistado pelas organizações sociais é que devemos encarar a ação civil pública e, no que pese a realidade de que a atuação judicante não pode mudar a sociedade, que é apenas um elemento dela, serve como meio aglutinador dos membros da sociedade.

Conforme Maurício Godinho Delgado215, o Direito Coletivo do Trabalho

exerce função social e política de grande relevância e se constitui num dos

mais importantes instrumentos de democratização do poder, na esfera social,

presentes nas modernas sociedades democráticas.

214 ROCHA, Ibraim José das Mercês. Ação civil pública e o processo do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 17. 215 DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2008, p.31.

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Assim, a solidariedade faz-se presente nesse ramo do Direito quer no

seu aspecto de solidariedade ligada a grupos (de trabalhadores ou

empregadores), quer como solidariedade social visando à proteção,

valorização e dignidade do trabalho.

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CAPÍTULO VII

7 SOLIDARIEDADE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Na compreensão da solidariedade, e sua relação com os interesses

difusos e coletivos, cabe salientar sua interação com o princípio da dignidade

da pessoa humana. Se os princípios constituem as colunas mestras do edifício

da ciência, como observa Miguel Reale216, no Direito, a dignidade da pessoa

humana é o mais importante, pois sem ele constituiria mero tecnicismo,

formalidade sem conteúdo.

Com precisão Luiz Antônio de Souza217 aponta essa relevância, dentre

todos os outros princípios:

Os princípios são fundamentais para compreensão e aplicação de qualquer sistema jurídico. Isso porque têm valor absoluto. Os princípios constitucionais, por sua vez, têm valor fundamental porque ocupam o ápice do sistema, constituem verdadeiros parâmetros de aferição de constitucionalidade do sistema jurídico, normas prenhes de direito, vetores dos sentidos hermenêuticos da ordem jurídica. E dentre os princípios constitucionais, um detém proeminência – a intangibilidade da pessoa humana. A dignidade é atributo natural da pessoa humana, decorre simplesmente do fato da pessoa existir, é da sua essência, nasce com a pessoa por ter sido feito à imagem e semelhança divina. É o reflexo mais próximo no mundo material da dignidade divina, por sermos filhos do Criador.

Mariano Moreno Villa218 informa que a expressão dignidade humana

teria surgido pela primeira vez com santo Agostinho. E diz que santo Tomás de

Aquino foi quem vinculou a palavra pessoa à dignidade, quando escreveu

“porque nas comédias e tragédias se representavam personagens famosas, se

impôs o nome de pessoa para indicar alguém com dignidade”, ou seja, para

representar essas pessoas ilustres e famosas. Para ele e a maioria dos

teólogos medievais, a dignidade da pessoa humana encontra seu fundamento

na racionalidade, com o que o ser humano se eleva a um patamar superior a

todas as demais criaturas.

216 REALE, 2002, p.61. 217 SOUZA, Luiz Antônio de. A boa-fé objetiva como princípio geral, paradigma da conduta da sociedade contemporânea e fundamento do dever de indenizar. 2004. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. 218 VILLA, 2000, p. 206-207

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Fernando Ferreira dos Santos219 anota que para Kant o homem é um fim

em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, portanto, ser

utilizado como instrumento para algo, e, precisamente isto, tem dignidade, é

pessoa.

Contudo, Laércio Dias de Moura220 bem observa que a dignidade da

pessoa humana só foi considerada como imprescindível recentemente:

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é certamente uma das grandes conquistas da cultura moderna. Chocada com as monstruosidades que ocorreram sob os regimes ditatoriais de esquerda e de direita, nos tempos que antecederam e durante a ´Segunda Grande Guerra Mundial, a consciência da humanidade, reagindo contra os vilipêndios e desrespeitos pela honra e pela vida de massas enormes, expressou na Declaração Universal dos Direitos do Homem sua convicção sobre a dignidade da pessoa humana e a necessidade de afirmá-la, defendê-la e protegê-la´. Considerando que da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo (Preâmbulo), a Declaração estatui, no seu primeiro artigo, que: ´todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para os outros num espírito de fraternidade.

Por esses motivos o princípio da dignidade da pessoa humana foi

explicitado na maioria das Constituições do pós-guerra merecendo relevo, para

nós, a Constituição de Portugal de 1976 e a Constituição da Espanha de 1978,

que tiveram grande influência na nossa Lei Fundamental de 1988.

A Carta portuguesa dispõe em seu art. 1º que Portugal é uma República

soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e

empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. E ao

elucidar referido dispositivo, Jorge Miranda ao comentar a carta constitucional

assim se pronuncia221:

A Constituição de 1976, a despeito do seu caráter compromissório, confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1º, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos económicos sociais e culturais comuns têm a sua fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas.

219 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 27. 220 MOURA, Laércio Dias de. A dignidade da pessoa e os direitos humanos: o ser humano num mundo em transformação. Bauru: EDUSC, 2002, p. 74-75. 221 A CONSTITUIÇÃO e a dignidade da pessoa humana. In: ESCRITOS vários sobre direitos fundamentais. 1. ed. Estoril: Principia, 2006, p. 470-471..

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E mais adiante prossegue ao observar que “a dignidade da pessoa é da

pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e

abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem pública

considera irredutível, insubstituível e irrepetível e cujos direitos fundamentais a

Constituição enuncia e protege”222.

Ao comentarem o mesmo dispositivo da Constituição Portuguesa, J. J.

Gomes Canotilho e Vital Moreira223 observam a importância fundamental do

princípio da dignidade da pessoa humana:

Ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição explicita de forma inequívoca que o «poder» ou «domínio» da República terá de assentar em dois pressupostos ou precondições: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política; (2) a pessoa é sujeito e não objecto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais. Nestes pressupostos radica a elevação da dignidade da pessoa humana a trave mestra de sustenção e legitimação da República e da respectiva compreensão da organização do poder político. Com este sentido, a dignidade da pessoa humana ergue-se como linha decisiva de fronteira («valor-limite») contra totalitarismos (políticos, sociais, religiosos) e contra experiências históricas de aniquilação existencial do ser humano e negadoras da dignidade da pessoa humana (escravatura, inquisição, nazismo, estalinismo, polpotismo, genocídios étnicos).

E mais adiante também ponderam a respeito224:

A dignidade da pessoa humana não é jurídico-constitucionalmente apenas um princípio-limite. Ele tem um valor próprio e uma dimensão normativa específicos. Desde logo, está na base de concretização do princípio antrópico ou personicêntrico inerente a muitos direitos fundamentais (direito à vida, direito ao desenvolvimento da personalidade, direito à integridade física e psíquica, direito à identidade pessoal, direito à identidade genética). Por outro lado, alimenta materialmente o princípio da igualdade proibindo qualquer diferenciação ou desvantagem de dignidades: os «deficientes», os «criminosos», os «desviantes» têm a mesma dignidade da chamada «pessoa» normal.

A Constituição da Espanha de 1978 promulgada após o fim do regime

franquista, abre seu texto (art. 1º, nº 1) com a solene proclamação de que “A

Espanha se constitui em um Estado social e democrático de Direito, que

propugna como valores superiores de seu ordenamento jurídico a liberdade, a

igualdade e o pluralismo político”. De outra parte, ao explicitar tais valores, nela

222 Ibidem, p. 472 223 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, 4. ed., Coimbra: Coimbra Editora, p. 198 224 Ibidem

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inseriu o princípio da dignidade da pessoa humana em seu Artigo 10, nº 1, com

a seguinte redação: “A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são

inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e ao direito

dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social”.

Ao comentar as funções do valor dignidade da pessoa no ordenamento

jurídico espanhol, Fernando BATISTA J.225 explica que contém três funções: a)

função fundamental da ordem política; b) função promocional; c) critério de

interpretação do ordenamento jurídico, com função hermenêutica. Quanto à

primeira função, conforme a redação do art. 10, nº 1, resulta claro que

efetivamente o regime político espanhol só será legítimo na medida em que

respeite e tutele a dignidade de todas e cada uma das pessoas localizadas

dentro de sua órbita de competência, seus direitos invioláveis e o livre

desenvolvimento de sua personalidade, garanta o império da lei e coordene o

correto uso de todos esses direitos, como fundamento e pressuposto da paz

social. Quanto à função promocional aponta que a dignidade da pessoa

humana e os direitos invioláveis, não são estáticos, senão dinâmicos e, por

isto, suscetíveis de constante desenvolvimento. Assim, a função promocional

da dignidade no ordenamento jurídico espanhol se reflete na obrigação que

têm os poderes públicos do Estado de fomentar a ordem política e a paz social,

para o qual têm o dever constitucional de estimular (facilitar) o livre

desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos respectivos direitos

subjetivos dos governados. Finalmente, como função hermenêutica, esta deriva

da primazia da dignidade como legitimadora da ordem jurídica. Assim, segundo

diz, o princípio da dignidade contido no Art 10, nº 1, constitui a base sobre a

qual há de ser determinado o “conteúdo essencial” dos distintos direitos

fundamentais proclamados na norma fundamental e, portanto, um dos valores

que há de emprestar um sentido próprio ao ordenamento supremo, devendo

presidir toda sua interpretação e aplicação. No caso concreto do ordenamento

espanhol, o valor da dignidade da pessoa reconhecido no Artigo 10, nº 1, da

Lei Fundamental, como parâmetro interpretativo dos distintos direitos

225 BATISTA J., Fernando. La dignidad de la persona en la Constitución española: naturaleza jurídica y funciones, Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/cconst/cont/14/ard/ard1.htm>. Acesso em: 22 jan. 2012

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fundamentais consagrados no texto supremo, tem desempenhado, até agora,

três funções essenciais: 1) determinar o conteúdo de tais direitos; 2) determinar

o alcance de sua titularidade; e 3) servir como fonte de novos direitos...

Fábio Konder Comparato226 chama atenção para a dignidade do homem

como fundamento, hoje, dos direitos humanos:

Uma das tendências marcantes do pensamento moderno é a convicção generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade – do direito em geral e dos direitos humanos em particular – já não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, nem tampouco numa abstração metafísica – a natureza como essência imutável de todos os entes no mundo. Se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias.

Ingo Wolfang Sarlet227 atenta que

Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa humana reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno desenvolvimento e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades essenciais básicas, ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (esse seria, portanto, o elemento mutável da dignidade).

Reafirma-se que basta ser pessoa para ter direito à dignidade, a

condição de ser humano é inerente a tal prerrogativa. Pouco importa as

diferenças individuais, as peculiaridades de cada um, suas qualidades e seus

defeitos, atributos físicos, morais ou intelectuais; poder e riqueza ou fragilidade

e pobreza; seja dotado ou não de autonomia e plena consciência; a pessoa, o

ser humano individualizado goza sempre de dignidade. Nesse aspecto a

igualdade entre todos deve ser absoluta.

Mário Bigote Chorão228 adverte que:

[...] nas explicações de tipo imanentista e nas fundamentações fracas dos Direitos Humanos não se dá o devido reconhecimento e

226 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, n. 737, p. 17, mar. 1997. 227 SARLET, Ingo Wolfang. Dicionário de filosofia do direito. Coord. de Vicente de Paulo Barroso, São Leopoldo: Editora Unisinos; Rio de Janeiro: Livraria Editora Renovar, 2006, p. 219-220 228 CHORÃO, Mário Bigotte. Pessoa Humana, Direito e Política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006, p. 144.

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importância ao factor personalista, não passando, as mais das vezes, a alusão à pessoa e à dignidade humana, neste contexto, de um estribilho retórico e inconsistente.

E efetivamente o princípio da dignidade da pessoa humana não pode

constituir-se em mero discurso, vazio de aplicações práticas, simples exortação

ou ideal longe de ser concretizado. Por isso, ao discorrer sobre a eficácia do

princípio constitucional da pessoa humana, Ricardo Maurício Freire Soares 229

assevera:

Por sua vez, no plano hermenêutico, o princípio da dignidade da pessoa humana orienta a correta interpretação e aplicação dos demais princípios e regras constitucionais ou infraconstitucionais, de um dado sistema jurídico, a fim de que o intérprete escolha, entre as diversas opções hermenêuticas, a que melhor tutele a ideia de existência digna no caso concreto. A dignidade da pessoa humana figura como o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos fundamentais, porquanto a busca pela realização de uma vida digna direciona o intérprete do direito à necessária concretização daqueles valores essenciais a uma existência digna.

Luiz Antonio Rizzato Nunes230 também discorre sobre a necessidade de

dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, para que não

passe de mero discurso:

Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas.

Contudo, nossa Corte Suprema tem agido no sentido de aplicar

efetividade a tal princípio, afastando o risco do entendimento de que seria

meramente retórico.

Assim, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário

nº 477544-MG, em 16/08/2011, em acórdão relatado pelo Ministro Celso de

Mello, o Supremo Tribunal Federal através de sua Segunda Turma, deixou

assente a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no

reconhecimento das uniões homoafetivas, extraindo-se o seguinte excerto

sobre o tema:

229 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direito justo, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 146. 230 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 51

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A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado.

A respeito da interação entre o princípio da dignidade da pessoa

humana e a solidariedade escreve Wesley de Oliveira Louzada Bernardo231:

Finalmente, como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, aparece a solidariedade social. Como ser social que é, o homem se reconhece no outro. Sua existência depende de outras existências.

Neste sentido, foi positivado no texto constitucional o princípio da solidariedade social. Os incisos I e III do art. 3° elencam como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização.

231 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil: breves reflexões. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8, jun. de 2006, p. 240.

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A ordem jurídica não pode admitir, no estágio atual da civilização a existência de um grande grupo de pessoas sem as mínimas condições materiais de subsistência, despidas de alimentação, educação, saúde, habitação, dentre outros requisitos.”

Para Maria Celina Bodin de Moraes232, o texto constitucional, ao imputar

ao Estado e a todos cidadãos o encargo de construir uma “sociedade solidária”,

através da distribuição de justiça social, agregou um novo valor aos já

existentes:

O projeto de uma sociedade livre, justa e solidária contraria a lógica da competição desmedida e do lucro desenfreado, presentes em situações jurídicas subjetivas de cunho patrimonial (o ambiente do ter) situações próprias, aliás, de um sistema capitalista sem qualquer moderação, sem valores sociais a proteger, onde vigora a máxima, proveniente de uma conhecida expressão popular, ´de cada um por si e Deus por todos´. Esta lógica foi, por determinação constitucional, substituída pela perspectiva solidarista, em que a cooperação, a igualdade substancial e a justiça social se tornam valores precípuos do ordenamento, que está contido na cláusula de tutela da dignidade da pessoa humana.

Não se trata, como já se advertiu em outra oportunidade, somente de impor limites à liberdade individual, atribuindo inteira relevância à solidariedade social ou vice-versa: o princípio cardeal do ordenamento é o da dignidade humana, que se busca atingir através de uma medida de ponderação que oscila entre os dois valores, ora propendendo para a liberdade, ora para a solidariedade.

Se a solidariedade consiste no reconhecimento e compreensão do outro,

entendimento de suas necessidades, compartilhamento de suas privações e

restrições, ajuda e auxílio, fraternidade e afeto, tal implica em estreito

relacionamento com o princípio da dignidade da pessoa humana.

E tendo em vista que a tutela dos interesses difusos e coletivos visa

precipuamente a solidariedade com outrem, respeitando e reconhecendo a sua

vulnerabilidade, o princípio da dignidade da pessoa humana é essencial para

esse fim.

Como assevera Paulo Afonso Garrido de Paula233ӎ importante

consignar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, disciplinando os

232 MORAES, Maria Celina Bodin. O Princípio da solidariedade, Disponível em: <http://www.idcivil.com>. Acesso em: 20 fev. 2012 233 DE PAULA, Paulo Afonso Garrido. Criança e dignidade da pessoa humana. In: Tratado luso-brasileiro da dignidade humana, MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques (coord), São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 1058.

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interesses insertos na Constituição da República, reconheceu crianças e

adolescentes como sujeitos de direitos, subordinando interesses da Família,

Sociedade e Estado”. Acresce que “a norma jurídica garante possibilidades da

concretude da dignidade alcançar também a criança que, além dos direitos que

são próprios à sua condição peculiar de pessoa em processo de

desenvolvimento, como o direito de brincar, é titular de todos os direitos

fundamentais conquistados pela pessoa humana”.

Por sua vez, Fátima Nancy Andrighi234diz que apesar de o art. 1º, inciso

III, da Constituição Federal, por si só já envolver cuidado da proteção geral da

dignidade da pessoa humana, o que abrangeria o consumidor, o art. 170, ao

regular os princípios gerais da atividade econômica, dispõe que “a ordem

econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social”, com observância dos princípios enunciados nos incisos I a IX. E, dentre

eles, está o da defesa do consumidor (inciso V).

A autora aponta como exemplos da aplicação do princípio da dignidade

da pessoa humana no Código de Defesa do Consumidor, a adoção das regras

de responsabilidade objetiva; o direito à informação, previsto no art. 6º; a

limitação aos abusos na cobrança de dívidas encontrada no art. 42; as

disposições pertinentes a respeito de bancos de dados, no art. 43 e a defesa

do consumidor como direito básico, com “o acesso aos órgãos judiciários e

administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e

morais, individuais, coletivos ou difusos”(art. 6º) e a inversão do ônus da prova

(art. 6º, inciso VIII).

Vê-se, pois, a interação entre o princípio de dignidade da pessoa

humana e a tutela dos interesses difusos e coletivos.

234 ANDRIGHI, Fátima Nancy, A tutela jurídica do consumidor e o respeito à dignidade da pessoa humana. In: Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques (coord), São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 1186-1201.

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CONCLUSÕES

1. A solidariedade, como sentimento de partilha de sofrimento ou

situação alheia, compaixão, cooperação, empatia, fraternidade, encontra

antecedentes biológicos, sociais e filosóficos.

2. Os estudos realizados no âmbito da Etologia e Sociobiologia indicam

que a solidariedade, antes de constituir criação humana, resulta de fatores

biológicos relacionados com a própria evolução. Os animais antropoides,

especialmente os chimpanzés e bonobos, apresentam um comportamento

social muito semelhante ao humano, com importantes demonstrações de

solidariedade.

3. Na Filosofia o grande debate a respeito da solidariedade é saber se o

homem é um ser social por natureza ou por necessidade.

4. Na Sociologia a solidariedade ocupa um ponto central para entender a

situação do homem, especialmente no mundo moderno.

5. As grandes religiões fazem da solidariedade uma conduta a ser

observada por seus seguidores, demonstrando preocupação com o próximo.

6. O termo solidariedade no âmbito jurídico possui dois significados

principais: o de indivisibilidade e o de cooperação, colaboração, fraternidade,

auxílio a outrem.

7. As duas principais acepções da solidariedade são encontradas em

todos os ramos do Direito. Entretanto, somente nos Direitos Difusos e Coletivos

as duas características estão sempre presentes.

8. A solidariedade constitui fundamento dos Direitos Difusos e Coletivos,

essencial para sua configuração e para sua efetividade.

9. A solidariedade está intimamente relacionada com o princípio da

dignidade da pessoa humana, pois implica no reconhecimento e compreensão

do outro e no entendimento de suas necessidades.

10. A aplicação da atual concepção de solidariedade nas relações

humanas e o Estado é alicerce para uma sociedade mais justa e consciente

das suas necessidades.

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