sobrevivencia da cronica no jornal de mossoro rn
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Sobrevivencia Da Cronica No Jornal de Mossoro RnTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS - FAFIC
DEPARTAMENTO DE COMUNICAO - DECOM
CURSO DE COMUNICAO SOCIAL - JORNALISMO
JOS DE PAIVA REBOUAS
A SOBREVIVNCIA DA CRNICA NO JORNAL IMPRESSO DE MOSSOR/RN
Mossor-RN
2013
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JOS DE PAIVA REBOUAS
A SOBREVIVNCIA DA CRNICA NO JORNAL IMPRESSO DE MOSSOR/RN
Monografia apresentada ao Curso de Comunicao Social (habilitao em Jornalismo) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obteno do ttulo de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Prof. Ma. Mrcia de Oliveira
Pinto.
Mossor-RN
2013
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JOS DE PAIVA REBOUAS
A SOBREVIVNCIA DA CRNICA NO JORNAL IMPRESSO DE MOSSOR/RN
Monografia apresentada ao Curso de Comunicao Social (habilitao em Jornalismo) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obteno do ttulo de Bacharel em Jornalismo.
Aprovada em_____/_____/ 2013
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof Ma. Mrcia de Oliveira Pinto (Orientadora) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________
Prof Ma. Daiany Ferreira Dantas Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________
Prof Dr. Raimundo Leontino Leite Gondim Filho Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
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DEDICATRIA
Regiane e s minhas Marias.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo minha me, Maria Mercs, que primeiro se esforou para que eu
cumprisse os meus estudos, quem primeiro me vem na lembrana quando cumpro
qualquer projeto em minha vida;
minha av Oscarina de Paiva, que me ensinou a ler o mundo;
minha esposa, Regiane de Paiva, meu equilbrio, que nunca me deixa sozinho;
minha famlia que sempre acreditou em mim;
s minhas professoras tias Lcia e Aloma; ao professor Marcos Magalhes;
professora Ftima Feitosa e Magda Silveira; Netinha da biblioteca do Antnio
Dantas e s escolas Ferreira Pinto e Antnio Dantas, minhas boas referncias e
lembranas educacionais do meu Apodi;
Ieda Silva que primeiro me disse que eu podia escrever para um jornal e a Jos
Eudes que me ensinou a trabalhar em uma redao;
Ao Jornal de Fato que acreditou no meu potencial quando eu s estava comeando;
orientadora Prof. Ma. Mrcia Pinto, que aceitou e incentivou esta batalha;
Ao Prof. Dr. Leontino Filho, minha mais citada referncia;
Prof. Ma. Daiany Dantas, um exemplo de professora;
Ao Prof. Dr. Ricardo Silveira por sua postura tica profissional como professor;
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte;
E, finalmente, Mossor, que me acolheu com o seu mais afetuoso abrao.
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Porque o jornalismo uma paixo insacivel que s se pode digerir e humanizar mediante a
confrontao descarnada com a realidade [...]. Ningum que no tenha nascido para isso e esteja
disposto a viver s para isso poderia persistir numa profisso to incompreensvel e voraz.
Gabriel Garca Mrquez
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RESUMO
Nossa pesquisa tem como objetivo geral investigar o espao do gnero crnica
dentro do jornal impresso de Mossor/RN. Para atender a este propsito,
propusemos dois objetivos especficos: apontar se os jornais impressos de
Mossor/RN mantm o gnero crnica em suas pginas determinando a sua
regularidade e caracterizar como se configura o espao destinado para este gnero
dentro do jornal impresso. Esta investigao ser fundamentada numa pesquisa
bibliogrfica baseada em Beltro (1960), Costella (1984), Sousa (2001), Lustosa
(2004), entre outros, para tratar do Jornalismo Impresso e em Silva (2012) Melo
(2003), S (1992), Lopes (2010), Moiss (1978), Pereira (2004), Neiva (2005),
Cndido (1992) e Beltro (1980) para tratar do gnero crnica. De acordo com os
objetivos traados, nossa pesquisa ter como metodologia a anlise de contedo. O
corpus de nossa investigao compreendeu a coleta de 78 edies impressas
durante o ms de julho/2013 nas trs empresas de comunicao: O Mossoroense,
Gazeta do Oeste e Jornal de Fato. Como no h publicao do jornal impresso s
segundas-feiras, contabilizamos 26 edies por empresa. Adiantamos que o
resultado da nossa investigao desmistificou nossa hiptese inicial, pois
achvamos que com a urgncia das redaes dos jornais, que exigem mais
objetividade na feitura da notcia, o espao dado crnica seria comprometido. No
entanto, adiantamos que dos 78 jornais investigados, constatamos a incidncia de
82 crnicas.
Palavras - chave: Crnica. Jornalismo. Jornal Impresso.
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RESUMEN
Nuestra pesquisa tiene por objetivo general investigar el espacio destinado a la
crnica en el periodismo impreso de Mossor/RN. Para atender a este propsito,
propusimos dos objetivos especficos: Sealar si los peridicos de Mossor
mantiene la crnica en sus pginas determinando su regularidad y caracterizar como
se configura el espacio destinado para este gnero dentro del peridico. Esta
investigacin ser apoyada en una pesquisa bibliogrfica basada en Beltro (1960),
Costella (1984), Sousa (2001), Lustosa (2004), entre otros, para tratar del
Periodismo Impreso y en Silva (2012) Melo (2003), S (1992), Lopes (2010), Moiss
(1978), Pereira (2004), Neiva (2005), Cndido (1992) y Beltro (1980) para tratar del
gnero crnica. De acuerdo con los objetivos trazados, nuestra pesquisa tendr
como metodologa el anlisis de contenido. El corpus de nuestra pesquisa ha
comprendido la recoleccin de 78 ediciones impresas durante el mes de julio/2013
en las tres empresas de comunicacin: O Mossoroense, Gazeta do Oeste e Jornal
de Fato. Como no hay publicacin del peridico a los lunes, contabilizamos 26
ediciones por empresa. Adelantamos que el resultado de esta investigacin
desmitific nuestra hiptesis inicial, pues creamos que con la urgencia de los
ambiente de trabajo que exigen ms objetividad en la produccin de la noticia, el
espacio dado a la crnica sera comprometido. Sin embargo, adelantamos que de
los 78 peridicos investigados, constatamos la incidencia de 82 crnicas.
Palabras - clave: Crnica. Periodismo. Prensa escrita.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Identificao da crnica no jornal O Mossoroense
Quadro 2 - Incidncia por pgina durante a semana em O Mossoroense
Quadro 3 Classificao da crnica por tema em O Mossoroense
Quadro 4 - Identificao da crnica no jornal Gazeta do Oeste
Quadro 5 - Incidncia por pgina durante a semana em Gazeta do Oeste
Quadro 6 Classificao da crnica por tema em Gazeta do Oeste
Quadro 7- Identificao da crnica no Jornal de Fato
Quadro 8 - Incidncia por pgina durante a semana no Jornal de Fato
Quadro 9 Classificao da crnica por tema no Jornal de Fato
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SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................
CAPTULO I. COMUNICAO DOS HOMENS DAS EXPRESSES
AO PAPEL.............................................................................................
1.1 O jornalismo: da pr-histria rotativa.............................................
1.2 O jornal no Brasil................................................................................
1.2.1 O Rio Grande do Norte: 180 anos de notcias............................
1.3 O jornalismo moderno, suas fases e relao com a
literatura..............................................................................................
CAPTULO II. A CRNICA: HISTRIA, CONCEITOS E
BRASILIDADES..........................................................................................
2.1 Do registro histrico vida cotidiana.......................................
2.2 Antes disso .................................................................................
2.3 A crnica no Brasil.....................................................................
2.4 O fim do folhetim .........................................................................
2.5 Definies, classificaes e afins ..............................................
2.6 A relao com outros gneros ...................................................
2.7 A crnica, o jornal e o livro ........................................................
2.8 Os cronistas do RN ......................................................................
CAPTULO III O ESPAO DA CRNICA NO JORNAL IMPRESSO
DE MOSSOR/RN.....................................................................................
3.1 Procedimentos metodolgicos ..................................................
3.1.1 Descrio do processo ...............................................................
3.2 A incidncia da crnica nos jornais impressos de
Mossor/RN............................................................................................
3.2.1 O Mossoroense .....................................................................
3.2.2 Gazeta do Oeste ....................................................................
3.2.3 Jornal De Fato......................................................................
CONSIDERAES FINAIS .....................................................................
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................
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INTRODUO
A crnica foi um instrumento fundamental para a consolidao do jornalismo
informativo esttico no Brasil, surgido no final do sculo XIX, atravs do jornalista
Joo Paulo Alberto Coelho Barreto, o Joo do Rio, (MOTTA, 2002) e, conforme
observamos, teve participao nos folhetins e jornais mossoroenses dos ltimos
sculos e incio deste. Durante esse perodo, a crnica sobreviveu s mudanas,
tcnicas, estticas e diacrnicas do jornalismo brasileiro que atravessou ainda trs
perodos: do Jornalismo Informativo Utilitrio (1920 a 1960), do Jornalismo
Interpretativo (1960 a 1970) e do Jornalismo Plural (atualmente).
Diante disso e depois de percebermos os poucos trabalhos desenvolvidos
sobre este tema em nossa universidade (Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte), passamos a questionar: Qual o espao dado ao gnero crnica dentro do
jornal impresso de Mossor/RN? Trabalhamos numa hiptese de que a urgncia das
redaes, que exigem mais objetividade na feitura da notcia, tenha limitado o
espao da crnica, uma vez que, segundo Pereira (2004) no h mais lugar para o
literrio no jornalismo moderno. A necessidade pragmtica de informar com maior
rapidez que se concretiza, sobretudo, com a ascenso da internet e suas novas
mdias, parece tornar a crnica menos necessria dentro do jornal impresso, ainda
que ela pudesse ser uma alternativa para tornar este veculo mais opinativo e
analtico, tornando-o novamente competitivo frente ao surgimento irreversvel da era
digital.
Identificada a nossa questo de pesquisa e na tentativa de comprovar ou
desmistificar a nossa hiptese, atribumos como objetivo geral investigar o espao
do gnero crnica dentro do jornal impresso de Mossor/RN. Para atender a este
propsito, determinamos dois objetivos especficos: apontar se os jornais impressos
de Mossor (O Mossoroense, Gazeta do Oeste e Jornal de Fato) mantm o gnero
crnica em suas pginas determinando a sua regularidade e caracterizar como se
configura o espao destinado para este gnero dentro do jornal impresso.
A fim de corresponder a estas expectativas, nosso trabalho se materializa
em trs captulos. No primeiro, apresentamos um panorama histrico do jornal,
desde a sua pr-histria com as indicaes de algumas das primeiras tentativas de
comunicao at os jornais manuscritos, o nascimento da Imprensa e a
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modernizao do jornal. Este captulo se fez necessrio tendo em vista que o jornal
impresso o nosso lugar de pesquisa.
No segundo captulo, intitulado A crnica: histria, conceitos e brasilidades,
achamos pertinente delinear o percurso deste gnero, apontando, desde o seu
surgimento s concepes que antecedem a sua definio atual - o que nos leva ao
folhetim e a seus vrios precursores - passando pela sua entrada e recriao no
Brasil at o seu surgimento com o jornalismo impresso do Rio Grande do Norte.
Tambm apontamos sua arqueologia, sua relao com outros gneros.
No terceiro e ltimo captulo, apresentamos a anlise do nosso lugar de
pesquisa, os jornais impressos de Mossor/RN, com o objetivo de verificarmos a
ocorrncia do nosso objeto de pesquisa: a crnica. Assim, discorremos sobre os
procedimentos metodolgicos, a descrio do processo de anlise dos contedos e
dados dos trs jornais pesquisados, culminando com as consideraes finais.
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CAPTULO I. A COMUNICAO DOS HOMENS DAS EXPRESSES AO PAPEL
Neste captulo, apresentaremos um panorama histrico do jornal, desde a
sua pr-histria com as indicaes de algumas das primeiras tentativas de
comunicao at os jornais manuscritos, o nascimento da Imprensa e a
modernizao do jornal. Dividiremos esta parte nos seguintes momentos: O
jornalismo: da pr-histria rotativa; O jornal no Brasil; O jornal no Rio Grande do
Norte e As fases do jornalismo moderno e sua relao com a literatura. Este captulo
se faz necessrio tendo em vista que o jornal impresso o nosso lugar de pesquisa.
1.1 O jornalismo: da pr-histria rotativa
A comunicao algo inerente ao homem. Desde sempre, ele procurou
formas de se comunicar, registrando seja oralmente ou atravs de smbolos, sinais
ou qualquer outro signo, os acontecimentos mais importantes daquele de sua
trajetria. De acordo com Beltro (1960), os registros mais antigos j decifrados que
remeteria a uma pr-histricos da comunicao, so a inscrio gravada por Yu, o
Grande, sobre o monte Heng-Chan, registrando o cataclismo do dilvio, de 2.200
a.C. e o Mrmore de Paros encontrado no sculo XVI, no qual consta o dia a dia da
fundao de Atenas (Grcia). Ainda segundo o autor, h muitas representaes
comunicativas que se julgam conter informaes jornalsticas, sobretudo entre os
fragmentos arqueolgicos, dentre eles, os encontrados nas runas Maias, na ilha de
Pscoa, nas inscries misteriosas de Altamira (Espanha), na Lagoa Santa, em
Minas Gerais ou no rio das Mortes, no estado de Mato Grosso.
De acordo com Costtela (1984) na histria nada improviso. Ele defende
que a trajetria dos meios de comunicao se inicia a partir do momento em que um
agrupamento humano primitivo comeou a se entender por gritos e gestos e, mais
tarde, com o surgimento da linguagem. Sousa (2001) acredita que o homem sempre
procurou se comunicar com os semelhantes, principalmente pela necessidade de
sobrevivncia e de transmitir uma herana cultural. Beltro (1960) avana ainda
mais nas possibilidades de um jornalismo rudimentar, compreendendo compor-se
ele de todas as formas de comunicao que tinham como objetivo registrar as
ocorrncias de cada tempo.
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A verdade, entretanto, que at onde chega a nossa penetrao na antiguidade, l encontramos em pedra, pau, metal, barro, concha, fibra, pele e papel o jornal, isto , a informao rudimentar de algum acontecimento contemporneo, conservado pelos smbolos. (BELTRO, 1960, p. 18)
Este autor faz ainda referncia a duas situaes que remeteria a possveis
registros pr-histricos do jornalismo. Uma que Voltaire cita a existncia de jornais
na China desde os tempos imemoriais e, a outra, mesmo sem documentos
comprobatrios, seria a comemorao do milenrio da Gazeta de Pequim (King
Pao) em 1908. Tambm no Egito, no ano de 1750 a.C., teria existido um dirio
oficial, no reinado de Toutms II, impresso em papiro, alm da constante circulao
de jornais satricos (BELTRO, 1960, p. 16).
Sousa (2001) lembra que a historiografia de acontecimentos vividos
floresceu na Grcia antiga. Um dos exemplos utilizado por ele a Histria da Guerra
do Peloponeso, de Tucdides. Na Roma antiga, a informao foi muito bem utilizada
em favor da fundao do imprio. Beltro (1960) explica que durante sculos, o
Grande Pontfice fazia um resumo dos principais fatos do ano e os escrevia em
tbuas brancas para exp-las no muro de sua casa. Estes resumos noticirios
arcaicos eram chamados de Album. Com o tempo, a necessidade de expanso da
informao transformou os anais dos pontfices nas chamadas Actae Publica. O
autor destaca que coube ao Csar a tarefa de dar um passo adiante. O imperador
determinou que as informaes do Senado e de interesse pblico, fossem
resumidas diariamente no que ele chamou de Acta Diurna, que ficavam expostas no
Frum.
Para Sousa (2001) as Actae talvez sejam as antepassadas dos jornais que
conhecemos hoje. Na Idade Mdia, segundo Beltro (1960) houve uma regresso
na forma de noticiar os fatos. As formas ento modernas de comunicao so
deixadas de lado passando a ser utilizado o boca a boca, a poesia, os cantos e os
jograis. nesta poca que florescem as crnicas. As relaes de factos importantes
saam da pena dos cronistas. As crnicas eram copiadas mo e remetidas aos
nobres, aos eclesisticos e a outras personalidades importantes (SOUSA, 2001, p.
19). No Renascimento, a necessidade de uma comunicao entre comerciantes e
navegadores consubstanciou as folhas escritas mo. Entre essas publicaes,
figuram os Avvisi venezianos, as News Ietters inglesas do sculo XIII e os Ordinari
Zeitungen dos mercadores alemes. (BELTRO, 1960, p. 18).
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A criao da tipografia foi fundamental para a construo do jornal que
conhecemos hoje. Mas este fenmeno constitui-se apenas como um entre tantos
acontecimentos que se somaram na histria do homem e na concepo de jornal
que conhecemos. Observamos em nossas leituras que embora usemos o termo
imprensa como designao coletiva dos veculos de comunicao que exercem o
jornalismo e outras funes de comunicao informativa, a criao da prensa pelo
alemo Johannes Gutenberg, em 1439, no determinou o surgimento do jornalismo.
De acordo com Costella (1984) o jornal impresso o resultado da soma de duas
experincias: a da impresso tipogrfica e a do jornalismo realizado anteriormente
de forma manual. Ele enfatiza que se passaram pelo menos 150 anos da criao da
prensa tipogrfica at a impresso dos primeiros jornais. De acordo com este autor,
os tipgrafos geralmente imprimiam livros, mas em algum momento comearam a
publicar folhas volantes conhecidas como relaes. Estes folhetins de notcias
eram produzidos de forma manual e tinham como finalidade destacar fatos
extraordinrios como os desastres naturais, a morte de um rei ou o incio ou trmino
de uma guerra. A ausncia de regularidade no fazia das relaes impressas um
jornal, segundo Costella (1984), mas isso se resolveu quando os seus produtores
passaram a se apoiar nos correios que segundo Beltro (1960), por essa poca, j
obedeciam a uma periodicidade.
A partir do sculo XVII, a imprensa se espalha por toda a Europa, mas h
uma grande controvrsia a respeito de qual teria sido o primeiro jornal impresso do
mundo. Percebemos porm, que a maior dificuldade de uma definio deste assunto
est na interpretao j que, de acordo com Costella (1984), alguns historiadores
indicam o mesrio Noviny Poradn Celho Mesice Zari Lta 1597 (Jornal Completo
do Ms Inteiro de Setembro de 1597), editado em Praga por Daniel Sedltchansky,
como sendo o estreante impresso, enquanto outros, sugerem que o primeiro jornal
impresso teria sido o semanrio Nieuwe Tijdinghen, criado por Abrao Verhoeven na
Anturpia, em 1605. Em 1622, surge na Inglaterra o Weekly News. Em 1611,
aparece o Mercure Franais. Na Itlia, os primeiros impressos aparecem em 1636,
na regio da Florena. No ano de 1638, em Cambridge, Mass., Stephen Daye
instala uma impressora. tambm nesse sculo, exatamente em 1644, que Milton
publica a sua Aeropagtica, que a primeira defesa sistemtica da liberdade de
imprimir. (BELTRO, 1960, p. 19).
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Na Amrica, os primeiros jornais surgiram nas colnias britnicas. O
Pubblick Occurrences Both Forreign and Domestick fundado em 25 de setembro
de 1690 em Boston (EUA). Na Amrica espanhola, o primeiro jornal nasceu no
Mxico. O Gaceta de Mxico foi inaugurado em 1 de janeiro de 1722, por Juan
Ingncio Castorene Y Ursa. Na Amrica portuguesa, isso s vai acontecer quase
um sculo depois, em 1808, com o advento da coroa portuguesa para o Brasil.
(COSTELLA, 1984).
Sousa (2001) relata que, at o incio do sculo XIX, a evoluo tcnica da
indstria grfica caminhou a passos lentos, mas isso mudou com a inveno da
rotativa de Koenig em 1812. Aps este avano tcnico, outros fatores importantes
foram o triunfo do liberalismo e a influncia das vrias revolues ocorridas na
Inglaterra, Frana e Amrica. Estas mudanas inauguraram um perodo de liberdade
de expresso e possibilitaram a difuso dos jornais pelo Ocidente.
1.2 O jornal no Brasil
Quando o Brasil conheceu o seu primeiro jornal impresso, a imprensa,
segundo Lustosa (2004), j existia no mundo h pelo menos 200 anos. De acordo
com ela, embora a colnia fosse a menina dos olhos de Portugal, era um dos
nicos lugares do mundo que no tinha palavra impressa, universidades, fbricas ou
outros meios de desenvolvimento. Essa limitao no estava na falta de
empreendedorismo dos que viviam por aqui, pelo contrrio, era uma imposio dos
prprios colonizadores. Costella (1984) conta que, por duas vezes, tentaram
implantar a tipografia no Brasil durante sculo XVIII. A primeira foi no Recife, no se
sabe por quem, pois at isso o governo portugus tratou de apagar. A segunda foi
creditada a Antonio Isidoro da Fonseca e teria acontecido em 1746. Este portugus
que, acreditava-se ter vindo para o Brasil fugindo dos credores em Portugal, s
conseguiu imprimir quatro trabalhos, at que a Ordem Rgia de 10 de maio de 1747,
vinda de Lisboa, mandou confiscar seus equipamentos.
Lendo Lustosa (2004) observamos que no Brasil tambm existe uma
divergncia sobre qual teria sido o primeiro jornal impresso: se o Correio Brasiliense,
lanado em junho de 1808, mas impresso na Inglaterra, ou se A Gazeta do Rio de
Janeiro, jornal oficial do imprio, lanado trs meses depois em solo brasileiro com a
chegada da coroa portuguesa. Porm, ainda guiados pela leitura desta autora,
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observamos que alm de no existirem equipamentos tipogrficos na colnia antes
da chegada de Dom Joo VI, Hiplito Jos da Costa morava na Inglaterra no por
opo, mas porque estava exilado fugindo das punies do Santo Ofcio. Lustosa
(2004) registra que o jornalista nascido na colnia de Sacramento, hoje Uruguai, e
que viveu no Rio Grande (do Sul), havia ficado preso por trs anos em Portugal
submetido inquisio. O desentendimento com a Igreja se deu devido ao contato
que o jornalista teve com a maonaria durante viagem a Londres.
Mas essa perseguio desenfreada da coroa portuguesa sobre a liberdade
criativa dos brasileiros no impediu o surgimento de alguns informativos que
circulavam, mesmo ainda escritos mo. Beltro (1960, p. 19) lembra que os
residentes no Brasil, assim como em outras naes, tambm apelaram para a
informao e a stira verbal, a folha volante e o pasquim. Nos tempos mais
remotos da colonizao, era dos plpitos das igrejas que se utilizavam os letrados
oradores sacros para transmitir notcias e conselhos comunidade. O autor conta
ainda que as feiras, os senados das cmaras, portos e armazns eram usados
como centros divulgadores. Outro instrumento que se utilizava com frequncia era
o pasquim, uma espcie de panfleto difamador e satrico que era afixado em
qualquer lugar e, s vezes, deixado por baixo das portas dos moradores.
A comunicao oficial, no entanto, era realizada de maneira rudimentar,
seguindo a tradio medieval, como explica Beltro (1960, p. 19)
As notcias oficiais eram transmitidas por bandos, dos quais eram incumbidos comandantes e capites-mores, com acompanhamento de alguns soldados e tambores. Para o interior, seguiam bandeiras e tropas e, de engenho a engenho, de povoao a povoao, as notcias corriam pela bca dos capites do mato, dos tropeiros e mascates como na Idade Mdia pela voz dos jograis.
somente com a chegada de Dom Joo VI em 1808 ao Brasil, momento
em que transferiu a coroa fugindo da invaso napolenica, que, de acordo com
Costella (1984, p. 88), se comea a produzir jornais impressos por aqui. Com uns
prelos desembarcados dos pores da nau Medusa, no Rio de Janeiro, D. Joo
instituiu, por Decreto de 13 de maio de 1808, a Impresso Rgia. Foi nessa oficina,
lembra o autor, que lanaram em 10 de setembro daquele ano, a Gazeta do Rio de
Janeiro tendo como redator o frei Tibrcio Jos da Rocha, marcando o surgimento
da Imprensa Oficial. O segundo jornal brasileiro, intitulado: Idade dOuro do Brazil
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ainda segundo Costella (1984), s seria impresso em 1811, na Bahia. Lustosa
(2004) afirma que os brasileiros se dividiram na leitura desses dois peridicos
durante 14 anos at o grito da independncia em 1822.
1.2.1 O Rio Grande do Norte: 180 anos de notcias
a) Natal, onde nasce o jornal potiguar
No Rio Grande do Norte (RN), os jornais impressos que se tem
conhecimento foram todos forjados depois da independncia do Brasil (1822). De
acordo com Neto (2004) o primeiro jornal publicado no estado potiguar foi O
Natalense, fundado em 1832, pelo padre Francisco de Brito Guerra. O segundo,
conforme Correia (2007) foi O Recreio, primeiro rgo de imprensa do RN com
carter literrio.
Embora fosse um projeto particular, desde as primeiras publicaes, Neto
(2004) comenta que O Natalense destinava espao para os editais, decretos,
circulares e resumos de expediente do governo provincial. Por conta desse perfil,
era confundido por muitos como sendo o jornal oficial do Estado. Este autor explica
que com o fim desse veculo em 1837, o governo provincial continuou publicando
seus documentos em outros jornais particulares, tambm de vida curta, entre eles
O Progressista, O Riograndense, O Constitucional, A Reforma e o Correio do Natal.
Depois de O Natalense, uma srie de outros jornais foram sendo criados
em Natal, embora apenas alguns tenham sobrevivido. So eles: A Tesoura (1933),
O Publicador Natalense, (1840), Argos Natalenses (1851) primeira imprensa
polticopartidria, O J-Guarari e O Fagote (1852), A Liberdade (1856), O Rio
Grande do Norte (1856), O Progressista (1862) ex-Rio Grande do Norte, O Rio
Grandense (1866) ex-Progressista, O Conservador (1869), Gazeta do Natal
(1888), Dous de Dezembro (1859), Correio Natalense (1862), Liberal do Norte
(1866), Liberal (1872), A Liberdade (1885), A Reforma (1879), Dirio de Natal
(1893), Gazeta do Comrcio (1901), A Imprensa (1914), A Opinio (1919), outro
Dirio de Natal (1924) - e futuramente A Ordem (1933), Combate (1923), Rebate
(1927), Folha do Povo (1927), Jornal do Norte (1922), Jornal da Noite (1925), A
Tarde (1931) e A Razo (1933). Em 1946, houve um surto de jornais os quais
podem ser destacados, O Democrata, A Notcia, O Jornal, A Ordem e Dirio.
(CORREIA, 2007, p. 70 - 71)
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So vrios os autores que dedicam grande ateno ao jornal A Repblica.
O peridico, segundo Neto (2004) foi lanado em 1 de julho de 1889, por Pedro
Velho de Albuquerque Maranho, com o objetivo inicial de defender os interesses
do Partido Republicano. Em 1847, ainda conforme este autor, o ento vice-
presidente do Rio Grande do Norte, Joo Carlos Wanderley, no exerccio da
presidncia da Provncia, havia sancionado uma lei de autoria da Assembleia
Legislativa Provincial autorizando a liberao de quantia necessria para a compra
de uma tipografia. Todavia, a Imprensa Oficial do RN s nasceria mesmo na virada
do sculo com A Repblica que alm de se opor monarquia, tornou-se o rgo
oficial do governo republicano. Morais (2004, p. 4) lembra tambm que este rgo
de imprensa se tornou ainda um poderoso instrumento poltico do Estado:
Todos os governadores e presidentes do Rio Grande do Norte, pouco depois da proclamao da Repblica at a exploso da Revoluo de 1930, foram, exceo do mdico Pedro Velho, Bacharis formados na Faculdade de Direito do Recife, despachados, sem exceo, da redao de A Repblica para assumir o principal cargo Executivo do Estado.
Para mostrar a dimenso poltica e a fora do jornal A Repblica, Morais
(2004) fez uma lista dos governadores do Estado que passaram por sua redao:
Pedro Velho de Albuquerque Maranho (1892-895); Joaquim Ferreira Chaves
(1896-1900); Alberto Frederico de Albuquerque Maranho (1900-1904); Manuel
Moreira Dias (1906-1907); Augusto Tavares de Lira (1904-1906); Antnio Jos de
Melo e Souza (1907-1908); Alberto Maranho (1908-1913); Joaquim Ferreira
Chaves (1914-1920); Antnio Jos de Melo e Souza (1920-1923); Jos Augusto
Bezerra de Medeiros (1924-1928) e Juvenal Lamartine de Faria (1928-1930).
Porm, como disse anteriormente este autor, o poder de A Repblica acaba
com o fim da Repblica Velha e a revoluo de 1930. Um fato curioso sobre o
jornal, segundo Neto (2004), que em 1935, durante a Intentona Comunista,
movimento liderado pelos tenentes das foras armadas que s durou trs dias,
suas mquinas deram vida ao primeiro jornal comunista do RN. A folha chamava-
se: A Liberdade. Depois disso, nos anos 1960, durante o governo Aluzio Alves, A
Repblica deixa de circular, s voltando 12 anos depois. Em 1987, no governo
Geraldo Melo, o peridico parou novamente, sendo reaberto em 1989, para
comemorar um sculo de existncia. Deixou de circular definitivamente em 1991,
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19
quando j era apenas uma folha de quatro pginas que servia de capa e
contracapa do Dirio Oficial (NETO, 2004, p. 9).
Ainda sobre a trajetria da imprensa potiguar, este autor faz referncia aos
jornais independentes do jornalista Anchieta Fernandes: O Popular (1953), O
Juvenil (1955), Juventude (1960), Lolita (1987-1990), Projeto (1970-1987) A
Margem (1986), As Menininhas (1990). Contudo, durante estes 181 anos de
jornalismo no RN, apenas dois destes jornais fundados em Natal antes dos anos
2000, conseguiram progredir. O primeiro foi O Dirio, primeiro jornal dirio do
Estado, fundado em 18 de setembro de 1939, por Valdemar Arajo, Aderbal de
Frana, Djalma Maranho e Rivaldo Pinheiro, e que mais tarde ficaria conhecido
como Dirio de Natal aps ser comprado pelo Grupo Associados, do magnata Assis
Chateaubriand. O peridico fechou aps circular por 73 anos ininterruptos. O outro
foi o jornal Tribuna do Norte, fundado em 24 de maro de 1950, pelo ento
deputado federal Aluzio Alves e que hoje o maior do Estado1. Alm dele, esto
em circulao na capital o Jornal de Hoje, Novo Jornal e o quinzenal Jornal
Metropolitano, todos surgidos a partir deste sculo.
b) Mossor: o jornalismo de resistncia
O jornalismo impresso de Mossor/RN como empreendimento do advogado
Jeremias da Rocha Nogueira. Ele fundou em 1872 o jornal O Mossoroense, em
circulao desde ento, embora com diversas interrupes ao curso desses mais
de 140 anos de histria (O MOSSOROENSE, 2012). De acordo a Associao
Nacional de Jornais, o jornal O Mossoroense o terceiro jornal mais antigo em
circulao do Brasil2, depois de O Dirio de Pernambuco (Recife PE, 1825) e do
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro RJ, 1827). Posteriormente a ele que foi
fundado O Estado de So Paulo (So Paulo SP, 1875).
Desde o primeiro exemplar, chamava a ateno seus editoriais que tinham
como objetivo claro atacar as foras polticas conservadoras, sobretudo a igreja
que, atravs do padre Antnio Joaquim Rodrigues, tambm se opunha ao trabalho
da Maonaria, entidade da qual Jeremias era integrante. Dois pontos foram
1 Disponvel em: . Acesso em
05/07/2013. 2 Disponvel em:< http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/jornais-centenarios/>. Acesso em
05/07/2013.
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20
decisivos para a fundao do impresso: A eleio de 7 de setembro de 1872 entre
Liberais e Conservadores, com a vitria questionvel do segundo grupo, e o
acirramento entre o idealizador do jornal e o padre Antnio Joaquim. Inclusive o
peridico foi fundado um ms e dez dias depois da derrota dos liberais. Em sua
primeira fase, que durou at 1876, o jornal O Mossoroense circulou como sendo um
Semanrio, poltico, comercial, noticioso e litterrio. (O MOSSOROENSE, 2012).
Por ser o primeiro jornal da cidade e o terceiro em circulao mais antigo
do Pas, O Mossoroense guarda em suas pginas a histria de Mossor/RN e do
Brasil, estando presente em praticamente todos os grandes acontecimentos sociais
e polticos desde 1987. nele, por exemplo, que est registrada a invaso e
expulso do bando de Lampio em 1927, em Mossor/RN, assim como, a nica
entrevista concedida pelo cangaceiro Jararaca morto depois deste combate. A
entrevista, realizada pelo professor Eliseu Viana, teve tanta repercusso que foi
reproduzida pelo jornal O Estado de So Paulo. (O MOSSOROENSE, 2012).
Ao longo dos seus mais de 140 anos, o jornal O Mossoroense atravessou
muitas altas e baixas, abrindo e fechando diversas vezes. Segundo Escssia
(2010) a primeira fase deste peridico durou at o ano de 1876. Uma vez fechado,
o peridico reapareceria 25 anos mais tarde em 1901. De acordo com O
Mossoroense (2012), a segunda fase durou at 1919. Catorze anos mais tarde, em
1933, Augusto da Escssia volta a circular com o jornal, mas s conseguiu mant-
lo at o ano seguinte. Depois disso, s voltaria em 1946, sob o comando de Lauro
da Escssia at 1964. Ele o reabriria 1970 e o comandaria at a sua venda, em
1975, para o mdico Jernimo Rosado. Neste ano, segundo Escssia (2010), o
dirio fica sob o comando da Editora de Jornais LTDA. O novo grupo, liderado
pelos intelectuais da cidade, o sustenta at 1984, quando fechado novamente.
Desta vez, at O Estado de So Paulo lamenta. O jornal reabriria em 1985, sob o
comando do mdico Lare Rosado, que o mantm vivo at hoje. (O
MOSSOROENSE, 2012).
No livro Cronologias Mossoroenses, Escssia (2010) destaca os jornais
que circularam no municpio aps O Mossoroense. O primeiro citado por ele, o
jornal manuscrito sculo XIX, que comeou a circular em 7 de janeiro de 1900.
Tratava-se de um quinzenal que trazia em suas folhas um pedido a seus leitores
que o devolvessem depois de lido. Em seguida, veio O Mensageiro (1904); A
Tribuna (1915); O Nordeste (1916) de propriedade do jornalista Jos Martins de
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21
Vasconcelos que o fez circular ininterruptamente at 1934; O Lbaro (1920); O
Festeiro (1928) fundado por Raimundo Nonato e Lauro da Escssia; O Caixeiral
(1933), dedicado classe comercial e o Jornal do Oeste (1954).
Atualmente, alm de O Mossoroense, Mossor/RN possui outros dois
jornais circulando diariamente, com interrupes apenas nas segundas-feiras. So
eles: Gazeta do Oeste e o Jornal de Fato. Por sete anos, a cidade teve quatro
jornais dirios em circulao, sendo que em 2013, fechou as portas o Correio da
Tarde de propriedade do ex-reitor da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), Jos Walter da Fonseca. O peridico, que tambm tinha uma
redao em Natal, funcionava desde 20063.
O Gazeta do Oeste surgiu em 1977, sob o comando do professor
universitrio, ex-vice-reitor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) e ex-vice-prefeito de Mossor/RN, Francisco Canind Queiroz e Silva. De
acordo com Gerson (2005), poca, Canind Queiroz havia rompido politicamente
com o grupo do ento prefeito Dix-huit Rosado e encontrou no Jornal uma forma de
se firmar politicamente. Conforme lemos neste autor, o jornal surgiu depois que
Canind e sua esposa, Maria Emlia Lopes Pereira, instalaram em um antigo prdio
industrial uma empresa de assessoria para atender as prefeituras da regio Oeste
e depois uma grfica. Os dois teriam aproveitado esta estrutura e se apoiado nas
questes polticas citadas anteriormente, para montar o Gazeta do Oeste. Em sua
primeira fase, ainda segundo Gerson (2005) o peridico era um semanrio, com
cerca de 500 jornais impressos por edio, mas logo na dcada de 1980 passou a
ser dirio, sobrevivendo assim desde ento.
O Jornal de Fato foi fundado em 2000, pelo jornalista Csar Santos. Em
sua primeira fase, que durou at o dia 28 de agosto de 2000, o jornal circulava uma
vez por semana. A partir de 23 de maio de 2001, passou a ser impresso
diariamente de tera-feira a domingo. Nove meses depois, deu incio a mais uma
etapa, dessa vez implantando a impresso em policromia na capa principal. Em
2012, transformou o seu site em um portal de notcias, tornando-se o primeiro jornal
de Mossor/RN a manter uma redao exclusiva para o meio virtual. (CONTEXTO,
2012).
3Informao disponvel em: . Acesso em 30 ago. 2013.
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22
1.3 O jornalismo moderno, suas fases e relao com a literatura
Jornalismo e literatura sempre tiveram uma relao de proximidade no
Brasil, chegando, por muito tempo, a se apoiar um no outro. Pelo menos o que
compreendemos quando estudamos o surgimento dos jornais e lemos Motta (2002)
que diz que o jornal nasce literrio. Lustosa (2004) registra que a maior parte dos
jornais da virada do sculo XVIII para o XIX tinha um papel muito mais educacional
do que noticioso. Neste sentido, ela explica que o Correio Braziliense, tinha o
formato e o tamanho de um livro. Era assim o Correio Braziliense: cada nmero
tinha cerca de 100 pginas e era dividido em sesses: poltica, comrcio e artes,
literatura e cincias, miscelnea e, eventualmente, correspondncia (LUSTOSA,
2004, p. 15). No Rio Grande do Norte, registramos a relao jornalismo/literatura
durante a primeira fase do O Mossoroense que era definido, segundo O
Mossoroense (2012), como um semanrio, poltico, comercial, noticioso e
litetterrio.
Mayer (1992) lembra que os jornais foram amplamente explorados por
grandes escritores que atuaram publicando crnicas, contos, poesias e at
romances a partir dos folhetins. o caso de Jos de Alencar que publicou O
Guarani neste suporte em 1857 no Dirio do Rio de Janeiro e at o francs
Alexandre Dumas, pai, que, anteriormente, havia publicado nas mesmas
circunstncias o romance Le Capitaine Paul no jornal Le Sicle em 1838, trabalho
que trs meses depois, estaria sendo traduzido para o corte folhetinesco do Jornal
do Comrcio. Isso sem falar em Machado de Assis que tambm citado por esta
autora, por Cndido (1992) entre outros pesquisadores e foi, em nosso
entendimento, quem mais soube utilizar o jornal a seu favor, publicando crnicas,
ensaios, comentrios e outros gneros.
Motta (2002) divide a formao do jornalismo brasileiro em cinco fases: 1)
jornalismo literrio: perodo compreendido do surgimento da imprensa no Brasil at
o final do sculo XIX; 2) jornalismo informativo esttico: entre o fim do sculo XIX e
o trmino da Primeira Guerra Mundial; 3) jornalismo informativo utilitrio: entre a
primeira e a segunda grande guerra, at a dcada de 1960; 4) jornalismo
interpretativo: dos anos 1970 at o final do sculo XX; 5) jornalismo plural que
corresponderia situao atual, inclusive com o boom das mdias digitais. Segundo
ele, o jornalismo plural o resultado de uma nova realidade nos meios de
comunicao. (MOTTA, 2002, p. 43). Este autor lembra ainda que o jornalismo
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23
plural, dadas as particularidades marcadas pela ausncia de estilo, se aproximaria
do modelo de 1970, por ser tambm interpretativo. Esta definio nos leva a um
gnero jornalstico que dialoga muito com a literatura: o Novo Jornalismo que,
segundo Pena (2006), tem como ideia bsica, pelo menos na concepo
americana, se distanciar do tom bege-plido da imprensa objetiva. Ainda segundo
ele, o manifesto deste gnero foi escrito por Tom Wolfe em 1973, embora o termo
existisse desde o sculo XIX. Segundo o professor Carlos Rog, o termo Novo
Jornalismo apareceu pela primeira vez em 1887, mas foi usado de forma jocosa
para desqualificar o britnico WT Stead, editor da Pall Mall Gazette. (PENA, 2006,
p. 52).
Bulhes (2007, p. 9) observa que, no Brasil, registra-se uma trajetria rica
de convivncia entre o jornalismo e a literatura em tempos recuados e por mais
que se imaginasse uma definitiva separao a partir dos anos 1950, novos e
desconcertantes lances de aproximao entre os caminhos do jornalismo e da
literatura tm se realizado em tempos mais recentes. Marques (2002, apud
FRANA, 2008, p. 26) afirma que distorcida e equivocada a viso do jornalista
que pretende deixar o jornalismo subordinado literatura, o que seria inconcebvel
nos tempos ps-modernos.
Escrever jornalismo produzir reportagem, notcia, artigo opinativo. Escrever literatura navegar nos gneros pico, lrico e dramtico. Criar contos, romances, novelas, poemas (aqui j comea a complicao, pois para muitos tericos, a poesia no literatura), ou uma terceira via ainda possvel, um gnero hbrido, mescla de literatura e jornalismo: a crnica. (MARQUES, 2009, p. 11-12)
No toa que este autor fale sobre a crnica, uma vez que, segundo
Chaparro (2008) a crnica um gnero livre de classificaes e, segundo Melo
(2003) eminentemente jornalstica. Arnt (2002) diz que apesar de o jornalismo ter
partido em direo a uma imprensa informativa, sobretudo a partir do sculo XX, o
gnero folhetinesco continuou vivo e a crnica nunca deixou o jornal. A relao entre
esse gnero e seu suporte, objeto de nossa pesquisa, foi o que nos motivou a
realizarmos este trabalho. Compreendemos, a partir de nossas leituras, que a
crnica contribuiu no apenas para a modernizao da concepo da notcia
jornalstica, como tambm foi imprescindvel para a construo e consolidao de
-
24
alguns dos maiores autores da literatura brasileira. sobre este tema e estas
questes que trataremos no prximo captulo.
CAPTULO II. A CRNICA: HISTRIA, CONCEITOS E BRASILIDADES
Como a crnica nosso objeto de pesquisa, achamos importante delinear o
seu percurso, apontando, desde o seu surgimento, as concepes que antecedem a
sua definio atual - o que nos leva ao folhetim e a seus vrios precursores -
passando pela sua entrada e recriao no Brasil at o seu surgimento com o
jornalismo impresso do Rio Grande do Norte. Tambm apontaremos sua
arqueologia e sua relao com outros gneros.
2.1 Do registro histrico vida cotidiana
A "Carta do Achamento do Brasil", escrita pelo escrivo da coroa
portuguesa, Pero Vaz de Caminha em Porto Seguro (Bahia), entre 26 de abril e 2
de maio de 1500, contando ao rei as impresses que teve da terra brasilis, , de
acordo com S (1992), a primeira referncia da crnica no Brasil. Mesmo sendo
um gnero plenamente definido no jornalismo brasileiro, como afirma Melo (2003),
sua classificao que tem despertado o interesse de diversos pesquisadores do
jornalismo e da literatura. Talvez porque, de acordo com Chaparro (2008, p. 179), a
crnica esteja inserida na classe de texto livre de classificao para em liberdade
transitar entre jornalismo e literatura, entre narrao e argumentao, entre
realidade e fico, entre emoo e poesia.
Para Blynn-Avanosian (1993) difcil definir crnica porque ela incorpora
muitos elementos e tcnicas de outros gneros literrios. Existem tantas maneiras
de escrever a crnica quanto de pesquis-la. Como exemplo disso, nos
arriscaramos em dizer que analisando as circunstncias dos gneros e suas
especificidades, Pero Vaz no apenas inaugurou a crnica no Brasil, como
tambm foi o responsvel pelo primeiro registro do que seria chamado mais tarde
de carta-crnica. Embora Silva (2012), criadora do termo, explique que este
gnero discursivo seja tradicionalmente publicado em jornal, ela traz em sua
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25
definio que a carta-crnica tem como propsito comunicativo relatar experincias
vividas situadas no tempo e no espao. Mas essa apenas uma das faces deste
gnero multifacetado que possui muitas formas de se apresentar. Neste sentido,
Melo (2003) corrobora que a crnica no monoltica, uniforme, porque comporta
vrias espcies e assim que ela se mantm viva e atual ao longo de sculos.
De acordo com S (1992), desde que o manuscrito de Caminha (27
pginas de papel, com formato de 29,6 cm X 29,9 cm) foi encontrado na Torre do
Tombo (do castelo de Lisboa) em 1773, depois de repousar esquecido durante
mais de dois sculos, a literatura brasileira passou por vrios caminhos at
encontrar o que ele vai chamar de sua inimiga tradicional: a vida mundana. E foi a
onde o brasileiro se encontrou, tornando, na opinio de Melo (2003), a crnica um
gnero eminentemente jornalstico e, segundo alguns autores, tipicamente
brasileiro.
2.2 Antes disso
A crnica, segundo Lopes (2010), um gnero histrico que se desenvolve
na Europa medieval e renascentista. De acordo com Pereira (2004, p. 16). o
significado da palavra crnica est ligado ideia de um tempo cronologicamente
determinado. Moiss (1978, p. 245) vai alm e explica com detalhes a etimologia
da palavra crnica:
Do Grego chroniks, relativo a tempo (chrnos), pelo latim chronica (m), o vocbulo crnica designava, no inicio da era crist, uma lista ou relao de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto , em seqncia cronolgica. Situada entre os anais e a histria, limitava-se a registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou tentar interpret-los.
Diante desta exposio podemos afirmar que o incio do gnero crnica
estava pautado a partir de suas relaes narrativas com o tempo. Desde que
fosse escrito dentro de um tempo linear, ou seja, de forma cronolgica, qualquer
discurso poderia ser entendido como crnica.
Em lngua portuguesa, a crnica estaria relacionada aos primeiros registros
da prosa em documentos redigidos ainda no sculo XII, segundo Hrnani Cidade
(1967, apud LOPES, 2010), tendo nos cronices, geralmente escritos em latim,
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26
os primeiros registros da histria nacional. Estes apontamentos se tratavam de
iniciativa oficial ou particular escritos de maneira independentes sem qualquer
ligao um com o outro. So exemplo maior as Crnicas Breves do Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, escritas no sculo XIV, e publicadas por Alexandre
Herculano em Portugaliae Monumenta Historica (LOPES, 2010, p. 2).
atribudo a Ferno Lopes (1380/1390 e 1460), guarda-mor da Torre do
Tombo (Lisboa), tabelio geral do reino e cronista dos reis de Portugal D. Pedro I
e D. Joo e do infante D. Fernando, o ttulo de primeiro grande cronista em lngua
portuguesa. Ele ficou conhecido como o cronista-historiador que teria aberto
espao para a autonomia narrativa. De acordo com Neiva (2005), como cronista-
mor do Reino, em 1434, conferida a ele misso de escrever a Histria de Portugal.
A maior personalidade da literatura medieval portuguesa, e tambm um dos nomes cimeiros da nossa literatura em geral, o cronista Ferno Lopes, com quem se inicia a srie dos cronistas gerais do Reino. [...] A carreira de Ferno Lopes como cronista comea, segundo parece, em 1419 ou antes, pois nesse ano colaborava com o ento infante D. Duarte na compilao e redaco de uma crnica geral do reino de Portugal (SARAIVA e LOPES, 1982 apud LOPES, 2010, p.2)
Em um apanhado de poucas linhas, mas muito significativo, Moiss (1978)
conta que a crnica, situada entre os anais e a histria, limitava-se a registrar os
eventos sem aprofundamento ou interpretao. Dessa forma, o gnero atingiu seu
pice no sculo XII, no apenas com Ferno Lopes, mas tambm com Froissart,
na Frana, Geoffrey of Monmouth, na Inglaterra, e Alfonso X, na Espanha.
A partir da renascena, o termo crnica cedeu vez a histria, finalizando, por conseguinte, o seu milenar sincretismo. No obstante, o vocbulo ainda continuou a ser utilizado, no sentido histrico, ao longo do sculo XVI, como, por exemplo, nas Chronicles of England, Scotland, and Ireland (1577), de Raphael Holinshed, ou nas chronicle plays, peas de teatro calcadas em assunto verdico, como no poucas de Shakespeare. (MOISS, 1978, p. 245)
A definio moderna de crnica passou a ser empregada no sculo XIX,
segundo Tuzino (2009), quando tal vocbulo revestiu-se de sentido estritamente
literrio. Nesta poca, o gnero passa a se beneficiar diretamente do jornal. No
Brasil, segundo Pereira (2004) durante o Romantismo que surgem os primeiros
cronistas, responsveis pelo registro do progresso cultural do sculo XIX. Neiva
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27
(2005, no paginado4) complementa que a crnica comeou a ilustrar as
incertezas, angstias e as inquietaes do homem num ambiente urbano que
refletia os sintomas de uma sociedade capitalista, seduzida pelo consumo e pela
fugacidade da vida moderna.
2.3 A crnica no Brasil
De acordo com Moiss (1978, p. 245), a crnica nasce com o folhetim
atravs do francs Jean Louis Geoffroy, em 1800, no Journal des Dbats, por
meio do Feuilletons. J no Brasil, Coutinho (1987) afirma que o folhetim foi iniciado
por Francisco Otaviano, em 1852, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro,
onde ele assinava o folhetim semanal. Este trabalho teria sido seguido por Jos
de Alencar, Manuel Antnio de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompia,
Coelho Neto entre outros. Candido (1992, p. 15) explica que folhetim era um artigo
de rodap sobre as questes do dia polticas, sociais, artsticas, literrias. Arnt
(2002) define duas datas para definir o que ele vai chamar de jornalismo literrio
no Brasil. O primeiro seria a publicao em folhetim do romance Memrias de um
sargento de milcias, de Manuel Antnio de Almeida, no Correio Mercantil entre 27
de junho de 1852 e 31 de julho de 1853, e a chegada de Jos de Alencar neste
mesmo jornal, com a tarefa de escrever uma coluna de crnicas intitulada Ao
correr da pena em 1854.
Quando se instituiu no jornal impresso, sobretudo a partir de Machado de
Assis, o tempo deixou de ser o fator preponderante. Como explica Neiva (2005), o
aspecto cronolgico cedeu caminho s inmeras possibilidades de significados da
crnica, sua abrangncia temtica e lingustica. Assis (1994, p. 10) de maneira
potica, embora lcida, expe a chegada deste gnero no Brasil:
O folhetinista originrio da Frana, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De l espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores propores tomava o grande veculo do esprito moderno; falo do jornal. [...] O folhetim, disse eu em outra parte, e debaixo de outro pseudnimo, o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por conseqncia do jornalista. Esta ntima afinidade que desenha as salincias fisionmicas na moderna criao. O folhetinista a fuso admirvel do til e do ftil, o parto curioso e singular do srio, consorciado com o frvolo. Estes dois elementos, arredados como plos, heterogneos como gua e fogo, casam-se perfeitamente na organizao do novo animal.
4 Conforme ABNT ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS NBR 6023, p.23
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28
O folhetim no tinha as caractersticas da crnica moderna. Para chegar ao
que hoje, aos poucos o folhetinista foi encurtando os textos, deixando-os mais
leves e despretensiosos e agindo, como diz Candido (1992), com certo ar de
quem est escrevendo toa. Depois, o gnero foi ganhando um tom mais ligeiro,
foi encurtando at chegar ao que hoje. Alm de Alencar, o autor cita Francisco
Otaviano, Olavo Bilac e Machado de Assis como os que conseguiam ainda manter
algo da linha original do folhetim, alm da diversidade de temas. J nos textos de
Frana Jnior, alm de mais curta, a crnica teria ganho um ar de gratuidade e um
tom de humor. O mesmo foi seguido por outros autores importantes como Joo do
Rio, Carmen Dolores e Joo Luso. Alguns autores afirmam que, dadas essas
mudanas, a crnica se tornou um gnero tipicamente brasileiro. Candido (1992,
p. 15), por exemplo, sugere essa possibilidade pela naturalidade com que se
aclimatou aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu.
Paulo Barreto, que ficou famoso pelo pseudnimo de Joo do Rio, soube
aproveitar essa aclimatizao e se tornar uma referncia para a crnica moderna.
Foi ele que, segundo S (1992), abandonou a forma tradicional de escrever os
folhetins de p de pgina da imprensa escrita para contar, com verdades ou
invenes, o que acontecia na vida carioca desde a aristocracia at a
malandragem dos morros. Esse comportamento endossa o pensamento de Pereira
(2004) que afirma ser a crnica o relato potico do real e um gnero ambientado
pelos brasileiros.
Melo (2003, p. 154) lembra que no incio da dcada de 1920 que
acontecem dois episdios que mudariam sensivelmente o panorama cultural
brasileiro: A Semana de Arte Moderna de 1922 e o desenvolvimento da imprensa.
Neste perodo, segundo Cndido (1992) a efervescncia artstico-literria traz
tona outros nomes como, Mrio de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond
de Andrade. Podemos citar ainda Fernando Sabino, Stanislaw Ponte Preta,
Loureno Diafria, Paulo Mendes Campos, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector,
Rachel de Queiroz entre tantos outros que ajudaram a estabelecer um dos
princpios bsicos da crnica: o registro do circunstancial.
Se Joo do Rio foi o grande condutor da crnica at os anos 1920, na dcada
seguinte, o gnero ganha novas formas com Rubem Braga. Para S (1992) ao invs
do simples registro formal, Braga enriquecia o comentrio de acontecimentos que
tanto poderiam ser do conhecimento pblico, como apenas do imaginrio do
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29
cronista. Cndido (1992) sugere a dcada de 1930, como o momento em que a
crnica moderna se define e se consolida no Brasil, cultivada por um nmero cada
vez maior de escritores e jornalistas.
2.4 O fim do folhetim
O fim do folhetim veio junto com a revoluo industrial na imprensa. Agora
como empresa, era necessrio investir em um novo modelo de jornalismo, com
isso, de acordo com Tuzino (2009), a crnica entrou em recesso. Isso se deu
quando os jornais se transformaram em grandes negcios (big business),
pertencentes a grandes grupos econmicos que modificaram completamente o
modo de gerenci-los, tornando-os semelhantes a uma empresa e visando apenas
o lucro. Para a autora, esta mudana afetou toda a forma de produo do jornal,
alm de tudo que nele era publicado. Sucessivamente o teor pessoal e intimista
dos jornais fora perdendo espao para a objetividade na maneira de se noticiar os
fatos (TUZINO, 2009, p. 7).
Neiva (2005, s/p) contextualiza que depois da mudana, a notcia se tornou
um bem de consumo atento s exigncias de mercado como qualquer outro
produto e os jornais estabelecessem outras formas de apresentao:
Esses imperativos fizeram com que acontecessem vrias modificaes no corpo do jornal, desde sua diviso em sees especializadas at imposies aos literatos para que estivessem atentos objetividade jornalstica.
Assim, ainda segundo a autora, os literatos passaram a ocupar um espao
separado das notcias, porque o jornal no queria manter o predomnio do carter
literrio. Dessa maneira, nascem as editorias e, como todo o resto, o cronista
ganha um lugar especfico para publicar os seus textos.
2.5 Definies, classificaes e afins
No Brasil, a crnica possui um sentido claro e inequvoco. Para Melo (2003),
todos a compreendem como um texto breve, atual e disponvel em jornais e
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30
revistas. No contexto internacional, entretanto, o gnero est relacionado apenas
ideia de relato cronolgico ou de narrao histrica. Segundo Coutinho (1987),
o brasileiro tem a crnica como um gnero literrio, de prosa, que no tem
obrigao de se importar com o assunto abordado, podendo faz-lo inclusive de
maneira efmera. Porm, o que designado como crnica no Brasil, os ingleses
chamam de ensaio. No livro Jornalismo Opinativo, Melo (2003) faz um importante
comparativo sobre o entendimento do conceito de crnica no jornalismo brasileiro
com relao ao internacional:
Definio de crnica segundo Jos Marques de Melo (2003, p. 149 152)
Brasil
A crnica toma a feio do relato potico do real, situado na fronteira entre informao de atualidade e a narrao literria.
Frana
Denomina-se crnica a cobertura especializada que os jornalistas fazem sobre determinados setores da atividade social ou cultural.
Itlia
O sentido predominante de crnica o da informao observada e conferida pelo reprter.
Espanha
Usa-se o termo crnica para designar a produo jornalstica que relata fatos, mas que tambm os analisa.
Portugal
A crnica est muito prxima do conceito brasileiro, sendo os fatos apenas um pretexto para o autor da crnica.
Inglaterra
Existem dois gneros que se aproximam da crnica: na forma de expresso que os ingleses rotulam de action stories, mais prximo do conceito latino, e o correspondente a personal essay equivalente ao sentido luso-brasileiro.
Alemanha
O correspondente da crnica seria a glosa, mas esta estaria mais identificada como o suelto hispano-americano, afigurando-se como um ensaio curto e no como uma narrativa leve.
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EUA
Neste caso, a crnica sobreviveria atravs do que eles chamam de feature sendo somente os tipos feature stories, human story e color story as que mais se aproximam no estilo brasileiro.
Quadro1- Definio da crnica segundo Jos Marques de Melo (2003, p. 149 152)
Pereira (2004, p.16) retoma que em sua gnese, a crnica foi exercida
apenas como um breve relato de eventos o que, segundo ele, a aproxima
drasticamente do jornalismo, tornando-a transitrio, uma vez que confundir texto
literrio com texto jornalstico era comum no universo dos jornais do sculo XIX
(PEREIRA, 2004, p. 65). Melo (2003) ratifica que do ponto de vista histrico, a
crnica significa, efetivamente, a narrao de fatos de forma cronolgica. Mas
tambm destaca que mesmo entre ns comum classificarmos a crnica, alm da
forma que ela tomou para o jornalismo e a literatura brasileira, como um gnero
que se aproxima de outras expresses jornalsticas. Para evitar esta confuso de
entendimentos e interpretaes, que existem na bibliografia brasileira, quatro
possveis classificaes da crnica:
1) Beltro (1980) prope duas classificaes:
1.1) Quanto ao tema:
a) Crnica geral que trata de assuntos variados e ocupa espao fixo
no jornal;
b) Crnica local tratando sobre assuntos da vida cotidiana, atuando
como espcie de antena coletiva;
c) Crnica especializada leva em considerao temas determinados
como poltica, esporte, economia etc.
1.2) Quanto ao tratamento:
a) Crnica-analtica;
b) Crnica-sentimental;
c) Crnica-satrico-humorstica.
2) Coutinho (1987) aponta cinco tipos de crnica:
a) Crnica-Narrativa que se aproxima do conto por ter em seu eixo
uma histria;
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b) Crnica-Metafsica esboa reflexes sobre a vida e os homens, com
vis mais para o filosfico;
c) Crnica-Poema-em-prosa texto lrico e contemplativo,
extravasamento da alma do artista;
d) Crnica-Comentrio espcie de resenha dos acontecimentos
diferentes e dspares do cotidiano;
e) Crnica-Informao mais especializada que a anterior, divulga fatos
apoiando-se sobre informaes, com pequenos comentrios.
3) Moiss (1978) aposta no carter ambguo que coloca o gnero entre
poema e conto:
a) Crnica-poema que se utiliza da estrutura do poema ou da leveza
da poesia para se constituir;
b) Crnica-conto aqui o cronista narra o que v, utilizando a estrutura
narrativa, porm abstraindo-se da temtica do eu.
4) Candido (1992), por sua vez, realiza seus apontamentos com o propsito
apenas de destacar diferenas entre os cronistas modernos do Brasil.
Sendo assim, para ele, a crnica se divide em quatro categorias:
a) Crnica-Dilogo intercmbio entre o cronista e seu interlocutor
imaginrio para a construo de um ponto de vista sobre determinado
tema;
b) Crnica-Narrativa apoia-se na narrativa se aproximando do conto;
c) Crnica-Exposio potica usa cadeias de associaes para
divagar sobre determinado tema ou questo;
d) Crnica-Biografia lrica narra poeticamente a vida de outra pessoa.
Estas quatro concepes elucidam muito quanto ao gnero estudado neste
trabalho, mas queremos ir alm e sugerir a definio dada por Melo (2003) como
uma quinta tentativa de classificao da crnica. Para ele, o cronista atua como
mediador literrio entre os fatos e a psicologia coletiva, por isso, aquele que sabe
atuar com conscincia potica o que mantm vivo o interesse do seu pblico.
Partindo desse pressuposto, Melo (2003, p. 156) indica duas caractersticas
fundamentais da crnica:
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1) Fidelidade ao cotidiano, pela vinculao temtica e analtica que mantm em
relao ao que est ocorrendo, aqui e agora; pela captao dos estados
emergentes da psicologia coletiva.
2) Crtica social, que corresponde a entrar fundo no significado dos atos e
sentimentos do homem.
Este ltimo ponto, segundo o autor, trao essencial da crnica moderna,
que assume o ar de conversa fiada, de apreciao irnica dos fatos, escapando
da solidez dos comentrios do sculo XIX. Assim, para ele, a crnica moderna
torna-se um gnero eminentemente jornalstico. Assim, encontramos uma relao
entre o entendimento de Melo (2003) com o de Beltro (1980) que tambm usa o
critrio jornalstico para defini-la.
2.6 A relao com outros gneros
Durante o nosso trabalho, sobretudo quando da coleta de dados, observamos
que fcil confundir a crnica com outros gneros, devido ao seu carter hbrido e
possibilidade de dialogar com qualquer outro gnero, dado o seu carter de
liberdade.
Vale lembrar que o cronista, em inmeras ocasies, tambm contista, romancista ou poeta; da, quem sabe, seu no distanciamento da linguagem literria, com uso da narratividade e da ficcionalidade ou, ainda, do lirismo afirmaes que ainda no esclarecem plenamente as caractersticas da crnica. (BECKER, 2013, p. 21).
Mas o que distingue a crnica de outros gneros se ela pode assumir
tantas possibilidades? De acordo com Candido (2002), como se a crnica
deixasse de lado qualquer seriedade dos problemas, deixando de ser um
comentrio mais especializado para virar uma conversa aparentemente fiada de
quem est falando alguma coisa sem uma maior consequncia. Porm, o autor
alerta que isso no a afasta do compromisso da crtica social, nem de entrar fundo
nos sentimentos e significados e atos do homem. Mas como saber que o que
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estamos lendo uma crnica? O romancista Ea de Queiroz tem uma definio
que ajuda bastante a responder a esta dvida:
A crnica como que a conversa ntima, insolente, desleixada, do jornal com os que o lem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo; espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, das ondas, dos enfeites; fala em tudo, baixinho, como se faz ao sero, ao braseiro, ou ainda de Vero, no campo, quando o ar est triste. Ela sabe anedotas, segredos, histrias de amores, crimes terrveis; espreita porque no lhe ca mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a lua, e outras vezes alegre e robustamente, como faz o sol; a crnica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e faccias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o p da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo esprito, pela beleza, pela mocidade; ela no tem opinies, no sabe do resto do jornal; est aqui, nas suas colunas, cantando, rindo palrando; no tem a voz grossa da poltica, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crtico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuando [...]. (EA DE QUEIRS, apud LOPES, 2010, p. 4).
Moiss (1978) alerta que quem se aventurar pelo gnero deve faz-lo,
levando em considerao toda a sua linguagem na minscula parcela da realidade
que lhe possvel surpreender. Vos, sim, mas vos dentro da estreita gaiola,
vos sem transcendncia, embora desejando-a, vos de imanncia, vos rasantes
(MOISS, 1978, p. 250).
Lopes (2010) afirma que a crnica o que sobra da literatura no jornal, mas
tambm a manifestao mais prxima do jornalismo dentro da literatura. A autora
sugere que a estrutura da crnica segue com muita proximidade o tringulo
invertido5. Em seu entendimento, o cronista recolheria o mximo de informaes e,
aos poucos, iria retendo-as at o que fosse mais relevante no contexto. Melo (2003,
p. 149) destaca que, como a crnica chegou ao jornal como relato histrico, ela seria
o embrio da reportagem, ou seja, uma narrativa circunstanciada sobre os fatos
observados pelo jornalismo num determinado espao de tempo. Ricardo (1989), no
entanto, lembra que a crnica no se submete as exigncias do lead. Este autor
tambm fala da relao de proximidade da crnica com a reportagem, mas Jos A.
Benitez (apud RICARDO, 1989) distingue os dois gneros explicando que na
5 Recorrendo tcnica da pirmide invertida o jornalista organiza a notcia colocando a informao mais
importante no incio e o menos importante do nal. (CANAVILHAS, 2006, p. 2).
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reportagem o fato constante, enquanto que na crnica ele apenas um ponto de
partida. Diz ainda que enquanto na reportagem o jornalista procura nos fatos o
material que necessita, na crnica ele os arranca das impresses, procurando seu
material nos prprios pensamentos.
Moiss (1978) ao explicar sobre conceito e estrutura da crnica passeia
por algumas definies e comparaes deste gnero. Com o ensaio, por exemplo,
ele explica que a crnica embora busque vencer a efemeridade do jornal, somente
nesta plataforma que ela se encontra, enquanto que o ensaio se destina antes ao
livro ou a revistas especializadas, por isso sua aspirao a uma relativa perenidade.
Segundo o autor, a crnica goza da mesma liberdade do ensaio, mas preciso
lembrar-se de sua leveza e tom de conversa fiada para distingui-la de seu
semelhante porque, na definio de Coutinho (1987, p. 788) o ensaio uma
composio em prosa breve que tenta, ou experimenta interpretar a realidade
custa de uma exposio das reaes pessoais do artista em face de um dos vrios
assuntos de sua experincia.
A diferena entre crnica e conto estaria, de acordo com Moiss (1978), no
no eu. O paradoxo reside, segundo o autor, no fato de a crnica ser o relato de
acontecimentos dirios, dependendo deles para constituir-se. J o conto possui
narrativa unvoca, e composto de apenas uma clula dramtica, gravitando em
torno de um s conflito, uma s ao. Moiss (1978) o compara tcnica
fotogrfica, porque como o fotgrafo, o autor de contos mergulha sua ateno em
um nico ponto, o central, mesmo que acabe capturando seus arredores. Quando
se aproxima do conto sem nele se metamorfosear, mantendo intactas suas
caractersticas de base, a crnica corre o risco de constituir-se na mera literalizao
de acontecimentos verdicos (MOISS, 1978, p. 255)
Com relao crtica e ao artigo de opinio, encontramos, talvez, as
maiores distines. Se Moiss (1978) diz que a crnica pode ser conceituada como
a poetizao do cotidiano, a crtica, segundo Coutinho (1987) tem por meta o
estudo da literatura e dos gneros, embora no seja nenhum deles, ao passo que,
de acordo com Cereja e Magalhes (2005), o artigo de opinio um gnero textual
que tem por finalidade a exposio do ponto de vista acerca de um determinado
assunto, com base em argumentos construdos a partir de verdades ou opinies,
considerando ainda o padro formal da lngua.
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Por fim, recorremos a Beltro (1980, p. 66) que traz uma definio curta e
determinante sobre a crnica. Em seu entendimento, trata-se a crnica de uma
forma de expresso do jornalista/escritor para transmitir ao leitor seu juzo sobre
fatos, idias e estados psicolgicos pessoais e coletivos. A crnica , portanto, em
sua compreenso, menos ambiciosa e rgida que o artigo porque, ao expor e
interpretar o tema, no se prende a teorias. Este autor tambm recorre do conceito
de leveza, embora evidencie que o comentrio do cronista concreto e incisivo e
suas concluses so diretas porque possuem normas especficas de julgamento.
2.7 A crnica, o jornal e o livro
A crnica tem um papel decisivo na concepo do jornalismo que temos hoje.
Foi a partir de sua utilizao que se buscou maior transparncia numa poca em
que havia muito hibridismo entre jornalismo e literatura, quando existia imprensa,
mas ainda no havia efetivamente um jornalismo. (PEREIRA, 2004). Segundo ele,
no comeo do sculo XIX, no Brasil, h um distanciamento muito grande entre
imprensa e jornalismo (PEREIRA, 2004, p.53), isso porque ambos se confundiam,
algumas vezes, na relao de reproduo da fala do poder. Neste caso, ainda na
tica do autor, a relao entre crnica e jornalismo se acentuou a partir do
romantismo, transitando entre o discurso poltico e literrio e teria sido, a partir deste
perodo, que o jornal toma impulso e assume definitivamente o papel de canal das
relaes complexas do capitalismo. Para Beltro (1960, p. 39), quando o jornalismo
se vai estratificando, faz-se fonte principal da histria:
Na fase da informao epistolar, das publicaes manuscritas, das crnicas, a preocupao dos seus autores era a de captar e divulgar, com sabor de novidade, feitos e fatos que, embora ocorridos dias, semana ou meses antes, eram desconhecidos da coletividade a que se destinavam.
No final do sculo XIX surge, em algumas reas do jornal, um sentimento de
renovao, embora o escritor-jornalista ainda se rendesse s linha editoriais.
justamente a crnica um dos motivos de modernizao do jornalismo, embora, de
acordo com Pereira (2004, p. 68) isso ainda no tenha significado o rompimento com
os padres jornalsticos. Mesmo assim, o cronista tentava unir os dois gneros
buscando dissociar o texto do folhetim:
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A crnica estabelece profundas contradies na sua relao com o universo jornalstico do sculo dezenove, medida que ela representa, em alguns casos, um contrato direto com a massa heterognea de leitores, buscando uma maior transparncia atravs da sua capacidade de ordenar e nomear fatos sociais.
Meyer (1992) diz que o espao folhetim era livre e, por isso, permitiu
diversidade na produo. Ela tambm destaca como o tom documental da crnica
foi se tornando leve e recriando-se a partir do jornal. Em sntese, Becker (2013)
explica que a tendncia documental da crnica foi diminuindo, passando a ter
como mote a modernidade, os eventos, os fatos e as temticas do cotidiano.
Bulhes (2007) sugere que a crnica, nas pginas dos jornais, funciona como
recanto destinado a arejar o peso da folha diria to cheia de preocupaes e
tenses da vida cotidiana.
Pereira (2004) aponta as crnicas de Machado de Assis, publicadas
originalmente na Gazeta de Notcias, na seo A semana (1900) como o incio de
uma nova relao entre a literatura e os escritos jornalsticos. Para o autor, Machado
foi o cronista que buscou maturidade esttica da crnica. O mesmo ponto de vista
corroborado por Neiva (2005) que assevera ter sido Machado o responsvel por dar
ao gnero caractersticas peculiares. S (1992) especifica a crnica como um
gnero jornalstico e o coloca em p de igualdade em alguns aspectos. Moiss
(1978, p. 247) destaca que por sua ambiguidade irredutvel, a crnica move-se
entre ser no e para o jornal. Bulhes (2007, p. 57) acredita que ser cronista
tambm manifestar a conscincia de ser um homem de jornal, dessa forma, o
cronista seria algum que por estar do lado de fora do tumulto da captao
noticiosa, solitariamente v o que ningum viu. A crnica est no jornalismo como
figura indispensvel. Se no incio a crnica se valia do fato para fazer um relato
potico ou escrever uma descrio literria, a crnica moderna assume a pulsao e
a agilidade de um jornalismo que se transforma, de uma metamorfose ambulante
(PINTO, 2007, p. 117). justamente por essas questes que Melo (2003, p. 160)
confirma ser a crnica um produto do jornal:
Que a crnica um gnero jornalstico constitui uma questo pacfica. Produto do jornal, porque se nutre dos fatos do cotidiano, a crnica preenche as trs condies essenciais de qualquer manifestao jornalstica: atualidade, oportunidade e difuso coletiva.
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Livre de qualquer obrigao, o cronista bebe da fonte. Extrai do seu dia a
dia e do prprio jornal o ponto de partida para sua construo literria. Discute
sobre os temas diversos e pode imprimir, sem limites, opinio sobre os assuntos
mais factuais, podendo, inclusive, permitir ao leitor um entendimento muito mais
prximo do real do que muitas notcias, fixadas na estrutura rgida de seus
arcabouos. por essa ausncia de restries que a crnica se sobrepe muitas
vezes a notcia jornalstica, pois como bem observa Melo (2003), ela no se
restringe ao jornal dirio, ela vai alm: est nas revistas, nos semanrios, no rdio,
na televiso e, sobretudo no livro. Ns acrescentamos ainda a internet e seus
vrios canais miditicos.
A partir do momento em que se transfere para o livro, a crnica, mesmo
mantendo o aspecto cronolgico, muda a recepo do leitor que no est mais
restrito condio natimorta do jornal. Pinto (2007, p. 118) explica muito bem essa
alterao de percepo, ao observar que quando a crnica muda de suporte e
migra para o livro seu contedo semntico no alterado, no entanto, o leitor ter
sobre ela um outro olhar e possivelmente uma outra leitura. Como bem lembrou
S (1992) isso acontece porque as possibilidades de leitura crtica se tornam mais
amplas e atuam com maior liberdade sobre o leitor.
2.8 Os cronistas do RN
A relao entre jornalismo e literatura, assim como no Brasil, nasce no Rio
Grande do Norte com o jornal, geralmente com o formato de artigo de fundo. Silva
(2012), ao estudar o gnero carta-crnica, termo cunhado por ela mesma,
descreve que esse gnero j aparece RN no jornal A Repblica no ano de 1914,
atravs de Jacinto Canela de Ferro, pseudnimo de Eloy de Souza. Gurgel (2001)
aponta a dcada de 1960, como a mais promissora para a crnica. Segundo ele,
neste perodo, a produo literria de fico dava motivos para acreditar que a
poesia deixaria de ser um gnero exclusivo entre os autores potiguares. No entanto,
quando ganha mais espao em meados do sculo XX, o gnero apenas seguia uma
tradio que remontava a escritores/jornalistas como Manoel Dantas e Eloy de
Souza, autores que, segundo Ribeiro (2011), foram responsveis pelas conferncias
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Natal Daqui a cincoenta anos (1909) e Costumes Locais e outros temas (1909),
documentos que tinham como analisar de forma leve a construo de uma
representao da cidade do Natal.
Na mesma importncia destes autores, Gurgel (2001) cita ainda Aderbal de
Frana, Afonso Bezerra, Cmara Cascudo, Nilo Pereira, Amrico de Oliveira Costa e
Edgar Barbosa. Voltando dcada de 1960, o autor destaca os jornalistas e
escritores Newton Navarro, Hlio Galvo, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros,
Dailor Varela, Lus Carlos Guimares, Wonder Madruga e o mossoroense Dorian
Jorge Freire como integrantes de um grupo de cronistas responsvel pela elevao
da qualidade dos textos ento disponveis nos jornais.
De acordo com Capistrano (2012) Dorian Jorge Freire foi contemporneo e
amigo de outros cronistas: Jaime Hiplito Dantas, Vicente Serejo, Ney Leandro de
Castro, Djalma Maranho, Leonardo Bezerra, Agnelo Alves, Luiz Maranho, Edgar
Barbosa e Lauro da Escssia. Patriota (2013) faz referncia ainda ao cronista areia-
branquense Jos Nicodemos que, segundo ele, h mais de duas dcadas atua na
imprensa diria mossoroense. Para Maciel (2013) Nicodemos segue o modelo da
crnica brasileira, a mesma que nasceu com Machado de Assis e se tornou legado a
inmeros jornalistas, escritores e viciados em escrever no Brasil.
Ao citar Dorian Jorge Freire, Jaime Hiplito Dantas, Lauro da Escssia e
Jos Nicodemos, os autores acima entram na seara do jornalismo literrio de
Mossor/RN. Estes nomes so, possivelmente, os mais lembrados na cidade
quando algum se refere crnica at o final do sculo XX. Porm, mesmo sendo
comum se ouvir falar de crnicas e cronistas no municpio, percebemos serem
poucas as pesquisas neste campo. Tambm por isso, iniciaremos no prximo
captulo uma observao mais aprofundada no lugar da crnica no jornal impresso
de Mossor/RN, a fim de encontrar respostas para nossa hiptese e objetivos geral
e especficos.
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CAPTULO III O ESPAO DA CRNICA NO JORNAL IMPRESSO DE MOSSOR/RN
Neste ltimo captulo, apresentaremos a anlise do nosso lugar de pesquisa,
os jornais impressos de Mossor/RN, com o objetivo de verificarmos a ocorrncia do
nosso objeto de pesquisa: a crnica. Assim, discorreremos sobre os procedimentos
metodolgicos, a descrio do processo de anlise dos contedos e dados dos trs
jornais pesquisados, culminando com as consideraes finais.
3.1 Procedimentos metodolgicos
Para alcanarmos os objetivos traados na construo desta monografia,
utilizamos como metodologia a anlise de contedo. Escolhemos este mtodo
porque, de acordo com Mozzato e Grzybovski (2011), a anlise de contedo
consiste numa tcnica de anlise de dados que vem sendo utilizada com frequncia
nas pesquisas qualitativas em diversos campos. Estas autoras, baseando-se em
Laurence Bardin, Uwe Flick, Eloise Dellagnelo & Rosimeri Silva, especificam que a
anlise de contedo, alm de realizar a interpretao aps a coleta dos dados,
desenvolve-se por meio de tcnicas mais ou menos refinadas. Assim, segundo
Chizzotti (2006 apud MOZZATO e GRZYBOVSKI, 2011, p. 98) o objetivo da anlise
de contedo compreender criticamente o sentido das comunicaes, seu contedo
manifesto ou latente, as significaes explcitas ou ocultas.
De acordo com Moraes (1999) a anlise de contedo uma metodologia de
pesquisa que tem como objetivo descrever e interpretar o contedo de toda classe
de documentos e textos, tendo como matria-prima qualquer material da
comunicao verbal ou no verbal como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes,
livros, relatos autobiogrficos, discos, gravaes, entrevistas, dirios pessoais,
filmes, fotografias, vdeos, etc.
Contudo os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando, ento ser processados para, dessa maneira, facilitar o trabalho de compreenso, interpretao e inferncia a que aspira a anlise de contedo. (MORAES, 1999, p. 2)
Ainda segundo esse autor, ao conduzir as descries de forma sistemtica,
qualitativas ou quantitativas, essa anlise ajuda na interpretao das mensagens,
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permitindo atingir uma compreenso de seus significados em um nvel que vai alm
de uma leitura comum.
Com relao ao modelo conceitual, recorremos s pesquisas bibliogrfica e
documental seguindo orientao de Alves (2007). A primeira se desenvolve a partir
de fontes j elaboradas livros, artigos cientficos, publicaes peridicas etc., o que
nos permitiu cobrir um grande campo de fenmenos dos quais no poderamos
contemplar diretamente. J a segunda utiliza-se de fontes que no tiveram um
tratamento analtico, o que contempla todos os documentos encontrados em
arquivos. A vantagem desse mtodo no precisar de contato com pessoas.
(ALVES, 2007).
3.1.1 Descrio do processo
Como o nosso lugar de pesquisa foi o jornal impresso, entendemos que
deveramos comear contextualizando a construo histrica do jornal. Porm, j
que nosso objeto, a crnica, de uma ambiguidade irredutvel, como disse Moiss
(1978), preferimos iniciar nossa conversa pela histria do jornalismo, na verdade
pela sua pr-histria, entendendo ser necessria uma compreenso, mesmo que em
voo rasante, do processo comunicativo e de suas etapas. Toda essa diacronia foi
importante para chegarmos a concluses mais lcidas acerca do nosso passo
seguinte que era traar uma arqueologia da crnica seguindo, ento, a mesma
receita desde a etimologia da palavra at sua reconstruo no Brasil, um perfil mais
claro desse gnero livre de classificao.
importante destacarmos que trabalhamos a todo o momento baseados nas
teorias da crnica, discutidas no segundo captulo, e levamos em considerao, para
selecionar os textos apontados, os carter de leveza, tom de conversa fiada, menor
rigidez e desprendimento de generalizaes tericas, que, segundo os autores
estudados so determinantes para separar a crnica de outros gneros. Para
encontrarmos a definio adequada nossa pesquisa, estudamos as quatro
tentativas de classificao de crnica mais usadas na bibliografia brasileira: Beltro
(1980), Coutinho (1987), Cndido (1992) e Moiss (1978). Diante desses quatro
autores, decidimos seguir a proposta de Beltro (1980) por este usar um critrio
jornalstico para definir o gnero em questo. Este autor sugere ainda duas
classificaes: quanto ao tema e quanto ao tratamento dado crnica pelo cronista.
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Embora classificar a crnica no seja um dos nossos objetivos especficos,
pensamos ser oportuno considerar apenas a primeira categorizao: tema, para
complementar melhor as concluses do resultado do nosso trabalho.
O prximo passo do trabalho foi a coleta de material. Para isso,
acompanhamos durante todo o ms de julho de 2013, a publicao dos trs jornais
impressos em circulao em Mossor/RN: O Mossoroense (1872), Gazeta do Oeste
(1977) e Jornal de Fato (2000). Nestes peridicos, buscamos analisar o espao da
crnica a partir das teorias estudadas. Ao todo, coletamos e investigamos 26
edies de cada jornal, totalizando 78 publicaes distintas. Durante nossa
averiguao, observamos que os jornais impressos de Mossor/RN no circulam
nas segundas-feiras.
Examinados os espaos dos jornais, classificamos e separamos, luz da
teoria de Beltro (1980), todos os textos classificados como crnicas. Para ilustrar
melhor a nossa pesquisa, desenvolvemos, para cada jornal, trs quadros
explicativos. No primeiro, indicamos a data do jornal pesquisado, a crnica
observada, o autor da crnica, a sua localizao no jornal, sua classificao
segundo Beltro (1980) e a quantidade geral de publicaes no ms de julho de
2013. O segundo quadro tem como finalidade apontar o local e a incidncia da
crnica publicada de acordo com o dia da semana. O terceiro quadro apresenta a
classificao quanto ao tema da crnica observada. Embora este no seja um dos
nossos objetivos, compreendemos ser importante apontar esta categorizao como
forma de ratificar a identificao do gnero. Acreditamos que ao utilizar este recurso,
temos condies de exemplificar melhor o nosso objetivo que apontar o lugar da
crnica no jornal impresso de Mossor.
3.2 A incidncia da crnica nos jornais impressos de Mossor/RN
3.2.1 O Mossoroense
De tera-feira a sbado, o jornal O Mossoroense se divide nas seguintes
editorias: Principal que abarca as sees de Opinio, Poltica, Economia,
Brasil/mundo e social; Cotidiano dividido em Gerais, Social Esporte, e
Polcia e Regional, com Cidades e Social. Aos domingos, h uma mudana na
editoria Regional que passa a se dividir em Cidades e Opinio. tambm aos
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domingos que so publicados o suplemento Mais TV e o caderno Universo,
dividido pelas sees de Poesia e Variedades.
Durante nossa investigao, observamos que a crnica est presente no
jornal O Mossoroense em trs espaos diferentes, embora o peridico no destine
uma seo especfica para ela, como faz com o artigo, a charge e a poesia. No
quadro abaixo, apontamos, de modo geral, o aparecimento do gnero de acordo
com as publicaes do ms de julho de 2013.
IDENTIFICAO DA CRNICA NAS EDIES IMPRESSAS DO JORNAL O MOSSOROENSE
Data Crnica/autor Localizao Classificao Quant
Tera-feira 02/07/2013
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Quarta-feira 03/07/2013
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