sobre a tradução do latim
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7/24/2019 Sobre a Traduo Do Latim
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA TRADUO
Thas Fernandes
A traduo e o ensino de latim
Orientador: Prof. Dr. Mauri Furlan
Florianpolis, dezembro de 2010.
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Livros Grtis
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA TRADUO
Thas Fernandes
A traduo e o ensino de latim
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Estudos da Traduo da
Universidade Federal de Santa Catarinacomo parte dos requisitos para a obteno do
ttulo de Mestre em Estudos da Traduo:Histria, Crtica e Teoria da Traduo.
Orientador: Prof. Dr. Mauri Furlan
Florianpolis, dezembro de 2010.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais,Adlson e Maria do Carmo
Aos meus amigos e minhas irms,Fernando Coelho, Juliana Ried e Thalita Zimmermann,Sarah Fernandes e Cnthia Fernandes
Ao meu orientador,Mauri Furlan
Universidade Pblica do Brasil.
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RESUMO
No presente trabalho so descritos e analisados dezoito manuais que se propem a
ensinar a traduo e a gramtica do latim, com o objetivo principal de reconhecer suas
caractersticas e verificar possveis semelhanas e diferenas entre eles. Refletimos sobre a
traduo enquanto mtodo pedaggico empregado no ensino do latim e sobre a Abordagem da
Gramtica e Traduo, que a mais antiga abordagem utilizada no ensino de lnguas
estrangeiras e que ainda se faz presente no ensino do latim. Atravs da anlise dos manuais,
percebemos como algumas prticas da traduo encontradas neles esto ancoradas em
concepes histricas de traduo. Estabelecemos relaes entre estas concepes e as ideiasde tericos dos Estudos da Traduo como Mounin (1975) e Berman (2007).
Palavras-chave: Ensino de lnguas estrangeiras, Teoria da Traduo, Ensino de latim.
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RSUM
Dans ce travail sont dcrits et analyss dix-huit manuels qui se proposent denseigner
la traduction et la grammaire de la langue latine. Il a pour objectif principal de reconnatre
leurs caractristiques et de vrifier de possibles similitudes et diffrences entre eux. Nous
rflchissons sur la traduction en tant que mthodologie pdagogique employe dans
lenseignement du latin et sur la Mthode Grammaire-Traduction, la plus ancienne mthode
utilise dans lenseignement de langues trangres et dont lenseignement du latin bnficie
encore aujourdhui. Au moyen de lanalyse des manuels, nous percevons comment certaines
pratiques de traduction sont bases sur des conceptions historiques de traduction. Noustablissons aussi des relations entre ces conceptions et les ides de thoriciens de la
Traductologie, comme Mounin (1975) et Berman (2007).
Mots-cls : Enseignement de langues trangres, Thorie de la Traduction, Enseignement du
latin.
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS 3
RESUMO 4
RSUM 5
INTRODUO 8
1 PRESSUPOSTOS TERICOS 10
1.1 A educao na Antiguidade 10
1.1.1 A educao grega na Antiguidade 10
1.1.2 A educao romana na Antiguidade 15
1.2 A educao no Brasil 21
1.2.1 O ensino de latim no Brasil 28
1.3 A traduo e o ensino de lnguas estrangeiras 36
1.4 Tericos da traduo 45
1.4.1 A traduo de lnguas antigas 45
1.4.2 A traduo e a letra 50
2 MANUAIS DIDTICOS DE LNGUA LATINA 54
2.1 Grammatica Latina A. Pinto 55
2.2 La traduction du latin J. Marouzeau 58
2.3 O latim do Exame de Licena V. da Nbrega 63
2.4 Gramtica latina: curso nico e completo Napoleo M. de Almeida 65
2.5 Gradus Primus P. Rnai 67
2.6 Narrationes B. Harmsen 70
2.7 Essentials of latin John F. C. Richards 73
2.8 Introduo Didtica do Latim E. Faria 76
2.9 Metodologia do latim: vida cotidiana e instituies V. da Nbrega 84
2.10 Guia prtico de traduo latina Tassilo O. Spalding 93
2.11 Ars Latina Berge, Castro & Muller 96
2.12 No perca o seu latim P. Rnai 99
2.13 Programa de Latim: Introduo Lngua Latina J. Comba 101
2.14 Reading latin: grammar, vocabulary and exercises Jones & Sidwell 104
2.15 Introduo teoria e prtica do latim Janete M. Garcia 108
2.16 Uma estranha lngua? Questes de linguagem e de mtodo Alceu D. Lima 1132.17 Latn Bsico: Morfologa, ejercicios, antologa Lindy A. Daz 119
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2.18 Lingua Romae I, II e III M. Furlan, F. Coelho & Z. Gesser Nunes 121
3 ANLISE DOS MANUAIS DIDTICOS DE LNGUA LATINA 125
3.1 Abordagem metodolgica 1253.2 Apresentao do contedo gramatical 130
3.3 Os exerccios 1333.4 O papel da lngua materna no ensino do latim 1383.5 O papel da traduo 1413.6 Os manuais, a traduo e o ensino em Roma 148
CONSIDERAES FINAIS 151REFERNCIAS 156
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INTRODUO
A pesquisa proposta tem por objeto a traduo no ensino do latim, mais
especificamente o estudo de manuais nas partes que se propem a ensinar a traduo e a
gramtica desta lngua, visando a reconhecer suas caractersticas e verificar possveis
semelhanas e diferenas entre eles, com o fim ltimo de apreender a natureza da traduo do
latim conforme ensinada aos estudantes, a partir das anlises dos manuais , em
comparao com aquela de outras lnguas, e refletir sobre possveis especificidades da
traduo do latim.
O estudo das lnguas modernas, segundo Yebra (1994), d-se no somente para ler etraduzir suas obras escritas, mas, principalmente, para entender seus falantes e para poder
expressar-se nelas oralmente e por escrito. J o estudo das lnguas clssicas se d, sobretudo,
segundo o mesmo autor, para entender e traduzir as obras escritas nelas, e, no caso especfico
do latim, ainda como conhecimento da raiz da nossa lngua verncula. Estas duas razes,
especialmente a ltima, levaram-me a propor uma pesquisa na rea do latim, que, ainda,
carece de ateno em nosso pas, embora os autores da antiguidade clssica continuem
influenciando autores contemporneos, e a lngua latina continue fornecendo-nos explicaespara fenmenos do nosso idioma. Penso que a relevncia de uma pesquisa deste tipo, realizada
dentro de um programa de Estudos da Traduo, est, principalmente, em reconhecer de que
maneira algumas prticas da traduo esto ancoradas em concepes histricas de traduo,
de diferentes pocas e lnguas, e ainda, em refletir sobre a traduo enquanto mtodo
pedaggico no ensino do latim.
Para o corpusde anlise, selecionei dezoito manuais. A escolha foi baseada, em parte,
na pesquisa feita por Miotti (2006) na qual a autora entrevistou professores de diversasuniversidades pblicas do Brasil, especialmente do estado de So Paulo, os quais informaram
os manuais utilizados no ensino do latim nas suas respectivas faculdades de Letras.
Procuramos, ento, contemplar os manuais citados pelos professores, bem como outros
citados pelos autores de alguns desses manuais. A ordem em que so apresentados
cronolgica. O mtodo de Adriano Pinto, conforme ser explicado, no possui data de
publicao, porm podemos inferi-la por informaes dadas na introduo da obra. No caso da
Gramtica Latina de Almeida, no foi obtida a informao da data de publicao da primeira
edio, ento usamos como parmetro a dcada de 40, quando se deu seu surgimento.
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Metodologicamente, como uma das primeiras metas do trabalho, efetuamos uma
descrio do objeto de estudo. Para tanto, necessitamos de uma leitura minuciosa, seguida da
exposio das principais ideias de cada manual. Aps essa etapa, realizamos a anlise dos
dados obtidos para se entenderem as tendncias que regem cada obra. Essa anlise de vital
importncia, uma vez que a partir dela que se estabelecem as relaes entre mtodos e
concepes de traduo. Tal anlise, no caso dos manuais escritos por autores brasileiros,
tambm revela de que maneira as ideias contidas nas obras esto relacionadas com concepes
pedaggicas e leis educacionais vigentes naquele perodo no Brasil.
Um dos pontos centrais dessa pesquisa consiste em evidenciar a concepo de traduo
por trs de cada mtodo. Por se tratar da traduo de uma lngua clssica, cuja civilizao j
no existe, ocuparia ou mereceria o latim uma posio distinta de outras lnguas numa teoriada traduo? Por suas diferenas em relao s lnguas modernas, possuiria a lngua latina
uma especificidade na prtica tradutria?
Por fim, esse trabalho busca estabelecer relaes entre a crtica da traduo estampada
nas concepes de alguns tericos da traduo, como Mounin (1975) e Berman (2007), e
aquela estampada nas pginas dos manuais de traduo do latim, intentando demonstrar
aproximaes e afastamentos tericos.
O primeiro captulo da dissertao se dedica a embasar teoricamente o trabalho deanlise dos manuais que ser feito posteriormente. No segundo captulo, os manuais so
descritos detalhadamente e analisados individual e brevemente sob a perspectiva das teorias
apresentadas no primeiro captulo. No terceiro, os manuais so confrontados e fazemos uma
anlise geral que intentar ver aproximaes e divergncias entre eles. Por fim, nas
consideraes finais, buscamos fazer um balano do que foi apresentado e expor as
concluses que tiramos das anlises.
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1 PRESSUPOSTOS TERICOS
1.1 A educao na Antiguidade
Neste tpico pretendemos mostrar que a traduo est na base da educao
humanstica ocidental desde a Roma Antiga. Baseando-nos principalmente em Marrou (1975)
e Jaeger (1989), descreveremos de que forma os gregos deram incio a seu tipo de educao, e
como este foi absorvido pelos romanos. Aps a anlise dos manuais, tencionamos confrontar a
maneira como a traduo se apresentava na educao romana com o modo como se apresentanos manuais, com a inteno de perceber se aquele tipo de educao, baseado na traduo,
teve reflexos na forma como esta se mostra no ensino moderno do latim.
1.1.1 A educao grega na Antiguidade
Marrou (1975), emHistria da Educao na Antiguidade, apresenta uma pesquisa que
compreende um perodo que vai, aproximadamente, do ano 1000 a.C. ao ano 500 d.C. sobre a
educao no mundo mediterrneo da Antiguidade. O autor define educao como
[...] a tcnica coletiva pela qual uma sociedade inicia sua gerao jovemnos valores e nas tcnicas que caracterizam a vida de sua civilizao. Aeducao , pois, um fenmeno secundrio e subordinado a esta ltima,da qual normalmente representa como que um resumo e uma
condensao [...]. Isso, evidentemente, supe certa deslocao no tempo: necessrio, de incio, que uma civilizao atinja sua prpria Forma, parapoder engendrar depois a educao que a refletir (1975:06).
J Jaeger (1989), em Paideia: a formao do homem grego, afirma que a educao
o princpio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade
fsica e espiritual (1989:03). Segundo este autor,
a natureza do Homem, na sua dupla estrutura corprea e espiritual, criacondies especiais para a manuteno e transmisso da sua formaparticular e exige organizaes fsicas e espirituais, ao conjunto das quais
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conscincia viva de uma norma que rege uma comunidade humana, querse trate da famlia, de uma classe ou de uma profisso, quer se trate de umagregado mais vasto, como um grupo tnico ou um Estado (1989: idem).
A educao, ainda segundo Jaeger, no s tem parte na vida e no crescimento dasociedade, mas na sua estruturao interna e no seu desenvolvimento espiritual. A histria da
educao est fundamentalmente condicionada pela mudana dos valores vlidos para cada
sociedade. estabilidade das normas vlidas corresponde a solidez dos fundamentos da
educao. Assim, para Marrou, pode-se resumir a evoluo da educao antiga em uma
frmula simples, que seria a [...] passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros
para uma cultura de escribas (1975:07), ou seja, a transformao dos valores vlidos para a
sociedade grega em determinados perodos condicionou o tipo de educao vigente.A estruturao da educao latina teve como base a educao dos gregos, por isso
apresentaremos um breve resumo da maneira como o ensino se dava na Grcia.
A educao grega a qual, segundo Marrou, s se pode conceber a partir de Homero 1
o desenvolvimento de uma educao no princpio orientada para a formao do carter e
do vigor fsico para uma educao dominada pela tcnica da escrita, voltada para a
inteligncia. Uma educao, originariamente, privilgio de uma aristocracia de jovens
guerreiros, os quais recebiam conselhos e se miravam nos exemplos de um homem mais velhoa quem tinha sido confiada a sua formao. Segundo Marrou, para o homem grego, a
educao residia essencialmente nas relaes profundas e estreitas que uniam, pessoalmente,
um esprito jovem a um mais velho que era, ao mesmo tempo, seu modelo, seu guia e seu
iniciador [...] (1975:59).
De acordo com Jaeger, o ideal de Homem, segundo o qual deveria se formar o
indivduo, no independe do espao e do tempo: uma forma viva que se desenvolve no solo
1De acordo com Marrou, Homero o texto base da educao grega antiga, o centro de todos os estudos: comodisse Plato, Homero foi, no mais pleno sentido, o educador da Grcia (1975:26). Na educao homrica sedistinguiro dois aspectos (j encontrados em Plato): [...] uma tcnica, pela qual a criana preparada e
progressivamente iniciada em determinado modo de vida, e uma tica, algo mais que uma simples moral depreceitos: certo ideal da existncia, um tipo ideal de homem a realizar [...] (1975:25), sendo que esta tica umatica da honra, de um desejo apaixonado pela glria. Marrou explica que em funo desta alta idia da glriaque se define o papel prprio do poeta, que de ordem educativa. O fim a que sua obra se subordina no essencialmente de ordem esttica, mas consiste em imortalizar o heri. O poeta, dir Plato, cobre de glriamirades de feitos dos antigos e assim faz a educao da posteridade: sublinho este ltimo trao, que parecefundamental (1975:31). Assim como Marrou, Jaeger entende Homero como o educador de toda a Grcia: aconcepo do poeta como educador do seu povo no sentido mais amplo e profundo da palavra foi familiar aosGregos desde a sua origem e manteve sempre a sua importncia. Homero foi apenas o exemplo mais notvel
desta concepo geral e, por assim dizer, a sua manifestao clssica (Jaeger, 1989:43). Alm disso, Jaegerafirma que Homero, juntamente com todos os grandes poetas gregos, no deve ser considerado um simplesobjeto da histria formal da literatura, mas [...] o primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega
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de um povo e persiste atravs das mudanas histricas. Recolhe e aceita todas as
transformaes do seu destino e todas as fases do seu desenvolvimento histrico (1989:11).
Portanto, no se poderia falar [...] da humanidade, da cultura, do esprito dos Gregos ou
dos antigos, como expresso de uma humanidade intemporal e absoluta (1989: idem). Afinal,
segundo Marrou, a educao na Grcia comea a tomar outra direo quando perde seu carter
essencialmente militar, contribuindo tambm para essa mudana o gosto pela vida esportiva
por parte dos atenienses. Afirma o autor que,
com a prtica do atletismo, era todo o velho ideal homrico do valor, daemulao, da faanha, que passava dos Cavalheiros ao Demos. A adoode um modo de vida civil e no mais militar havia, com efeito, transposto
e reduzido este ideal herico to-s ao mero plano da competioesportiva (1975:71).
Assim, a educao aristocrtica acaba por estender-se a toda a populao, culminando
com o desenvolvimento da escola, pois
a uma tal educao, que interessava sempre a um nmero maior decrianas, o ensino individual de um preceptor, ou de um amante, nopodia mais bastar. Impunha-se uma ao coletiva e, segundo imagino, foi
a presso dessa necessidade social que fez nascer a instituio escola(1975:72).
Apesar disso, a educao particular no sumir repentinamente. Os pedagogos
continuam discutindo por muito tempo qual mtodo de educao seria o mais proveitoso,
embora, uma vez criada, a educao coletiva tenha se tornado a mais popular, mantendo, no
entanto, os programas e a orientao geral da escola antiga. Seu ideal continua sendo de
ordem tica o homem deve ser belo e bom , na perspectiva do autor, uma educao mais
artstica que literria e mais esportiva que intelectual: o aspecto moral existe no esporte e serealiza por meio deste. A educao grega s se tornar semelhante a nossa, [...] uma cultura
do esprito, [...] sob a influncia de homens como Scrates, que era feio, ou como Epicuro,
que era enfermio (1975:78).
A grande revoluo pedaggica da educao helnica ocorreu na segunda etapa do
quinto sculo com os Sofistas, preocupados com a formao do homem poltico. Jaeger afirma
que o movimento dos Sofistas no fundo no era seno uma nova forma da educao dos
nobres (1989:236). Eles ensinavam, ao mesmo tempo, a arte de persuadir e a arte de falar,
este ltimo aspecto no era menos importante que o primeiro. Os Sofistas, de acordo com
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uma tcnica apropriada, que transmitiria, numa forma condensada e perfeita, as melhores
lies da mais vasta experincia: a retrica (1975:91). No entanto, Jaeger afirma que seria
superficial dizer que
aquilo que de novo e de nico que liga todos os sofistas o idealeducativo da retrica: isso comum a todos os representantes dasofstica, ao passo que diferem na apreciao do resto das coisas, a pontode ter havido sofistas, como Grgias, que s foram retricos, e noensinaram outra coisa. Comum a todos antes o fato de serem mestres daarete polticae aspirarem a alcan-la mediante o fomento da formaoespiritual, qualquer que fosse a sua opinio sobre a maneira de realiz-la(1989:238).
Para Jaeger, foi com os Sofistas que a palavrapaideia2pela primeira vez fez referncia
mais alta arete3 humana e,
a partir da criao dos meninos em cujo simples sentido a vemos emsquilo, pela primeira vez acaba por englobar o conjunto de todas asexigncias ideais, fsicas e espirituais, que formam a kalokagathia4, nosentido de uma formao espiritual consciente. No tempo de Iscrates ede Plato, est perfeitamente estabelecida esta nova e ampla concepoda idia da educao (1989:233).
Iscrates e Plato sucederam a gerao dos Sofistas e levaram a educao antiga sua
maturidade e forma definitiva. Segundo Marrou, a civilizao clssica assumiu um nico tipo
de educao, mas se dividiu entre uma de tipo filosfico cujo iniciador foi Plato , e outra
de tipo oratrio, patrocinada por Iscrates. De maneira geral, este ltimo, afirma o autor, foi o
educador da Grcia do quarto sculo, do mundo helenstico, e, posteriormente, do mundo
romano. Iscrates baseou sua educao, antes de tudo, na arte de bem falar, concebendo a
retrica como uma arte autnoma e suprema. Segundo Jaeger, a partir do Renascimento,
2Segundo Abbagnano (1998),paideia a [...] educao do homem como tal, ou seja, educao devida s boasartes peculiares ao homem, que o distinguem de todos os outros animais (AULO GLIO, Noct. Att., XIII, 17).As boas artes eram a poesia, a eloqncia, a filosofia etc., s quais se atribua valor essencial para aquilo que ohomem e deve ser, portanto para a capacidade de formar o homem verdadeiro, o homem na sua forma genunae perfeita (1998:225).3Segundo Peters (1974), arete pode ser traduzido por excelncia ou virtude. Afirma o autor que este conceitoteve uma longa histria evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problemtica da filosofia. [...]no prestada verdadeira ateno filosfica arete antes da gerao de Scrates. [...] A prpria identificaosocrtica da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores [...], e os dilogossocrticos de Plato dirigem-se no sentido de uma procura das definies das vrias virtudes. [...] ParaAristteles a virtude um meio (meson), e ele distingue entre as virtudes morais e intelectuais [...] (1974:38).4De acordo com Pombo, o grego diz, letra, Kalon te Kagathon, belo e bom. O Kalos Kagathosera, para osAtenienses dos fins da poca arcaica, o jovem que recebera uma educao completa e equilibrada, concretizaode um ideal de excelncia que pretendia aliar, numa s palavra, a beleza fsica e moral: a Kalokagathia
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Iscrates reinou mais que qualquer outro mestre da Antiguidade na prtica pedaggica do
humanismo: do ponto de vista histrico, perfeitamente legtimo que o seu nome seja
destacado nas capas dos livros modernos como o pai da cultura humanstica [...]. Da nossa
pedagogia parte uma linha reta que chega at ele, como at Quintiliano e Plutarco
(1989:727). Para Jaeger, Iscrates um sofista autntico, que vem coroar o movimento da
cultura sofstica.
Mas a educao da poca helenstica (este perodo comea com a morte de
Alexandre em 323 a.C. e termina com a anexao da pennsula e ilhas gregas por Roma em
146 a.C.) que se tornar a educao tradicional de todo o mundo grego, estendendo-se at o
perodo romano, que de certa forma [...] apenas uma adaptao da educao helenstica aos
centros de expresso latina (1975:154). Havia trs graus de ensino: primrio, secundrio esuperior, correspondendo para cada um desses graus, um mestre: o instrutor primrio
seguido pelo gramtico, e este pelo retrico. O objeto principal do ensino da gramtica, e que
a diferenciava do ensino primrio, o estudo aprofundado de poetas e de outros autores
clssicos. Sobre estes, Marrou destaca como os quatro pilares da cultura clssica Homero5,
Eurpides, Menandro e Demstenes, no entanto, a escola antiga permitia a entrada de
escritores de segunda categoria e at de autores contemporneos.
O contato com os textos dos poetas no era, primeiramente, direto. No princpio acriana interagia com resumos ou argumentos de alguns cantos e peas de teatro. Marrou
explica que [...] o trabalho do gramtico sobre um autor divide-se em quatro operaes: a
crtica do texto, a leitura, a explicao, o julgamento (1975:259). A crtica do texto seria o
equivalente nossa crtica textual, porm, era menos sistemtica e rigorosa; confrontava-se a
edio do mestre com a dos alunos. A leitura expressiva era o incio do estudo propriamente
dito dos autores, exerccio fundamental pelo fato de os livros serem manuscritos e, portanto,
no haver pontuao nem separao entre as palavras. A parte principal do trabalho era aexplicao do texto, dividida entre explicao literal e explicao literria. Segundo o autor,
era preciso, antes de tudo, entender o prprio sentido do texto, e quandose tratava de poetas, de Homero particularmente, usando uma lnguaarcaica e especial [...], as dificuldades no eram desprezveis. De modoque o primeiro trabalho do escolar era fazer sua preparao, ou, comose dizia, o palavra por palavra de Homero [...]. Dispunha esse exerccio,
5Ainda sobre Homero, Jaeger (1989) afirma: O Pathos do sublime destino herico do homem lutador o sopro
espiritual da Ilada. O ethos da cultura e da moral aristocrtica encontra na Odissia o poema da sua vida. Asociedade que produziu aquela forma de vida desapareceu sem deixar qualquer testemunho para o conhecimentohistrico, mas a sua representao ideal, incorporada na poesia homrica, converteu-se no fundamento vivo de
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como ainda o fazem nossos escolares, em duas colunas: esquerda aspalavras homricas, direita a interpretao [...]. Procurava precisar aconstruo, o valor dos casos, transcrevia as formas poticas e traduzia aspalavras difceis para a lngua comum do seu tempo; podia auxiliar-secom lxicos alfabticos, dos quais nos chegaram alguns exemplosfragmentrios (1975:261).
Porm, aos poucos, o estudo literrio dos poetas passou a dividir espao no ensino
secundrio com a tcnica, que era o estudo metdico dos elementos da lngua, o que seria
hoje o estudo da gramtica. Alm de exerccios de morfologia, o aprendizado da gramtica
compreendia exerccios elementares de composio literria.
J sobre a retrica, Marrou adverte:
cuidemos, porm, de no inverter a ordem dos fatos e de no tomar oefeito pela causa: o carter oratrio da cultura helenstica no um fatoprimitivo e paradoxal, que tenha forado a educao a ceder, retrica, olugar de primeira plana ocupado por esta. Trata-se de um fenmenosecundrio e derivado. O fato primordial que, desde os Sofistas eIscrates, a eloqncia jamais deixou, em meio a todas as revoluespolticas e sociais, de constituir o principal objeto da cultura superior, ocoroamento de toda educao liberal que aspirasse plenitude(1975:308).
1.1.2 A educao romana na Antiguidade
Voltando-nos agora especificamente para a educao em Roma, Marrou afirma que
esta era, na sua origem, uma educao de camponeses, diferentemente da Grcia Antiga, com
sua educao cavalheiresca. A noo fundamental sobre a qual repousa a educao romana
[...] o respeito ao costume ancestral, mos maiorum. Revel-lo juventude, faz-la respeit-lo como ideal incontroverso, norma de toda ao e de todo pensamento, tal a tarefa essencial
do educador (1975:360). O instrumento da formao romana a famlia, que o meio natural
no qual a criana deve crescer e se formar. A respeito disto, Giordani6completa:
[...] a educao em Roma era cuidadosamente iniciada no seio da prpriafamlia. Ccero informa-nos sobre alguns dos fins que os romanos tinhamem vista na educao dos filhos: o domnio de si, a obedincia a todaautoridade, a comear pela autoridade paterna e a terminar pela
autoridade pblica; e a benevolentiapara com o prximo (1968:166).
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A figura do pai, no caso dos meninos, era fundamental. Para Marrou, enquanto a
educao grega seria uma imitao de heris, a romana seria uma imitao de ancestres. O
jovem romano era educado para ser um bom gerente de seu patrimnio, para o ideal do
paterfamilias. Alm de mais cvica e mais familiar, Marrou afirma que a educao romana
tambm mais religiosa, e esse sentimento de religiosidade tem um sentido que se poderia
dizer, talvez, mais ingnuo entre os romanos. Para Manacorda7
em Roma a educao moral, cvica e religiosa, aquela que chamamos deinculturao s tradies ptrias, tem uma histria com caractersticasprprias, ao passo que a instruo escolar no sentido tcnico,
especialmente das letras, quase totalmente grega. Com as palavras deCcero podemos dizer que As virtudes (uirtutes) tm sua origem nosromanos, a cultura (doctrinae) nos gregos (De orat. III, 34, 137); isto ,a cultura romana foi uma cultura importada, uma insitiua disciplina(Rep., II, 9, 34) (1997:73).
Os romanos, no entanto, no possuem na base de sua tradio um equivalente da
epopeia homrica. Marrou afirma que no h, na educao latina antiga, um elemento
essencialmente intelectual, o qual se desenvolveu posteriormente atravs da influncia dos
gregos. Segundo Giordani, o contato dos romanos com a cultura grega remonta s prpriasorigens de Roma, e se deu tanto indiretamente, atravs dos etruscos, como diretamente,
atravs de relaes com a Campnia, e, mais adiante, com a expanso romana para o sul da
pennsula. O autor afirma que:
[...] sobretudo no sculo II a.C., aps o domnio poltico da pennsulahelnica, que se processa uma verdadeira revoluo espiritual sob o signodo Helenismo. Em dois pontos a reao romana triunfou, de certo modo,contra a influncia grega na educao: um diz respeito formao
artstica, outro formao fsica. Com relao formao artstica, osromanos nunca aceitaram plenamente a msica, o canto e a dana tocaractersticos como prazeres que no convinham dignidade de umromano da velha estirpe (1968:169).
Sobre a formao fsica, Giordani afirma que esta no se integrou aos costumes
romanos. As competies atlticas aconteciam em Roma, mas eram disputadas por
profissionais e a ttulo de espetculo: o pudor tradicional dos romanos sentia-se chocado com
a nudez dos atletas gregos (1968:170).
7 MANACORDA, Mario Alighiero. Histria da educao: da antiguidade aos nossos dias. Traduo de
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A escola de tipo grego, segundo Manacorda, nem sempre foi bem aceita em Roma. Os
autores romanos antigos fornecem diversas informaes sobre quem teria sido o primeiro a
abrir uma escola de tipo grego em Roma, porm, elas nem sempre so unvocas. Segundo o
autor, Suetnio afirma que [...] mais ou menos no ano de 230 a.C. Esprio Carvlio foi o
primeiro que abriu uma escola em Roma (Quaest. Rom., 59), um liberto do homnimo
cidado romano que viveu na segunda metade do sculo III a.C. (1968:80). No entanto, uma
escola de nvel mais elevado, com ensino de gramtica e retrica, aparecer somente em 169
a.C., em decorrncia da embaixada de Cratete de Malo.
O surgimento deste novo nvel de instruo encontrou dificuldades pois [...] no se
tratava mais de s aprender as letras do alfabeto para os fins prticos de um povo de cidados-
soldados, mas de aprender a gramtica. Inicialmente este novo termo grego significouapenas a arte de ler e escrever [...] (1968:idem). Mais tarde, com a ampliao do ensino,
Manacorda afirma que os dois termos, o grego e o latino, assumiram o significado de crtica
dos textos, antecipando com o nome de literatura o significado atual. Para os romanos, este
tipo de estudo parecia suprfluo. Manacorda confirma isto citando Suetnio:
A gramtica em Roma no era utilizada e menos ainda honrada, porqueo povo era rude e belicoso, e pouco se dedicava ainda s disciplinas
liberais. Tambm seus incios foram modestos, se verdade que os maisantigos mestres, que eram ao mesmo tempo oradores e poetas, meiogregos (falo de Lvio Andrnico e de nio, dos quais sabe-se queensinaram em ambas as lnguas, em casa e fora), no faziam outra coisa ano ser interpretar textos gregos e ler o que eles mesmos tinham escritoem latim (Gram., I). Ele fala mais ou menos a mesma coisa tambm daescola de retrica, o nvel sucessivo escola de gramtica: Tambm aretrica em Roma, exatamente como a gramtica, foi aceita tardiamente ecom dificuldade um tanto maior, dado que s vezes foi proibido atpratic-la (Rhet., I) (1968:81).
Manacorda destaca o carter repetitivo da escola antiga:
o mestre grrulo falava e os alunos repetiam: a memria era oinstrumento principal do ensino. Mas que tipo de memria? Sabe-se quena Antiguidade, antes da difuso da escrita, a memria era o nico eindispensvel meio de aprendizagem, e para isto serviam o verso e amsica, ou a cantilena [...] (1968:92).
Havia, ainda segundo Manacorda, outra razo para o uso da memria: a sacralidade e
o carter esotrico dos ensinamentos, reservados em geral a um grupo fechado, a uma castasacerdotal (1968:idem). O autor exemplifica isto com uma citao de Csar que afirma que
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os druidas da Glia aprendem versos de cor, por pensarem que seria um sacrilgio escrev-los,
por duas razes: porque no querem que nem suas doutrinas sejam divulgadas, nem aquele
que estuda, confiando na escrita, acabe descuidando da memria; coisa que acontece maioria
que, servindo-se das letras, afrouxa a diligncia para aprender a memorizar (Bel. gal., VI, 14
apud MANACORDA, 1968:92). Manacorda informa que o uso da memria continuou a reinar
na escola, ainda que tenha sido reduzida [...] memorizao de mincias banais
(1968:idem).
De acordo com Marrou, o Imprio Romano era eminentemente bilngue, a lngua
grega foi a princpio, para os aristocratas romanos, a lngua internacional, a lngua
diplomtica, a de seus adversrios e, logo, a de seus sditos orientais (1975:378). Passado o
momento de rejeio da escola de tipo grego, os romanos entenderam o quanto oconhecimento da retrica poderia acrescentar a um homem com ambies polticas. Desta
forma, a aristocracia romana adotou a educao grega, ministrada pelos numerosos escravos
vindos da Grcia. O mais famoso deles talvez tenha sido Lvio Andrnico.
Segundo Cardoso (2003), considera-se o marco inicial da literatura latina a traduo da
Odisseia, feita por Lvio Andrnico, por volta de 240 a.C. Este grego tarentino foi levado para
Roma ainda adolescente como escravo de uma famlia, quando os romanos venceram Tarento
em 272 a.C. Ele passou a se ocupar da educao dos meninos, porm havia uma grandedificuldade: no existiam textos adequados para o ensino. Como vimos, a educao grega se
baseava em textos literrios, e atravs destes a criana era alfabetizada. Isso levou Lvio
Andrnico a traduzir a Odisseia considerada a primeira traduo literria , utilizando,
segundo Cardoso, [...] do grosseiro e primitivo verso satrnio, to diferente dos sonoros
versos gregos (2003:08), adaptando o vocabulrio latino, no habituado ao tratamento
literrio. De certa forma, como afirma Marrou, a literatura latina surgiu para fornecer matria
ao ensino. Segundo Furlan (2003), a partir desta traduo de Lvio Andrnico os autoreslatinos passaram a fazer uso de modelos gregos para traduzir mais ou menos livremente os
textos, e para (re)criar suas obras. Portanto, de acordo com Furlan, a origem da literatura latina
est na traduo e imitao de modelos gregos. As tradues dos romanos mostravam seu
interesse pelas criaes literrias gregas e seu desejo de edificar sua literatura.
Marrou, por sua vez, declara que
A influncia grega na educao romana revela-se muito mais extensa
ainda: apresenta-se sob dupla forma; ao mesmo tempo que a aristocraciaromana educa seus filhos grega, faz deles gregos cultos, ela duplica estaeducao estrangeira com um ciclo paralelo de estudos exatamente
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calcado no das escolas gregas, embora transposto em lngua latina(1975:386).
Portanto, um romano culto saber as duas lnguas, o latim e o grego. As crianas
aprendiam o grego por um mtodo direto, s vezes antes mesmo do latim, atravs da
convivncia com os criados. Segundo Marrou, os romanos foram
os primeiros a explorar, sistematicamente, o benefcio do estudo de umalngua estrangeira para aprofundar o domnio de sua lngua nacional:como nossos escolares, os meninos romanos praticavam o exerccio datraduo do grego para o latim e do latim para o grego; aplicavam-se nosentido de confrontar Ccero e Demstenes, Homero e Virglio [...]; deVarro ao Baixo Imprio, os gramticos latinos recorrem ao estudo
paralelo das duas lnguas, preludiando a nossa gramtica comparada dogrego e do latim.Estamos bem na origem dos mtodos caractersticos de nosso prprioensino clssico. Devemos atribuir esse mrito aos latinos: o humanismohelenstico recusou-se sempre a conceder um lugar, em seu programa deeducao liberal, a alguma das lnguas estrangeiras a seus olhosbrbaras. A cultura grega, diversamente da latina, sabe e sente que original e autnoma (1975:395).
Os manuais escolares elaborados no comeo do sculo III eram bilngues, e
inauguraram o mtodo ainda hoje seguido por alguns manuais de conversao ou devocabulrio. Eles continham: um vocabulrio greco-latino; pequenos textos simples,
apresentados em duas colunas: o texto grego e sua respectiva traduo latina ao lado. No mais,
Marrou explica que [...] as escolas romanas, quer se trate do seu quadro, do seu programa,
dos seus mtodos, limitam-se a imitar as escolas helensticas; a adaptao ao meio lingstico
latino no acarreta modificaes profundas na pedagogia (1975:411).
O ensino em Roma tambm se dividia entre uma instruo primria, seguida do ensino
da gramtica e da retrica. Sobre o ensino da gramtica, Marrou afirma que esta permanece
fiel ao modelo grego, [...] apresenta os dois aspectos caractersticos da gramtica helenstica,
methodic, historic, ou seja, o estudo terico da boa lngua e a explicao dos poetas
clssicos, recte loquendi scientiam et poetarum enarrationem (1975:425). E Virglio para
os latinos o que Homero para os gregos: o mestre por excelncia. Dentre os oradores, impera
Ccero. Sobre o ensino da oratria, Marrou afirma que este tem os mesmos objetivos do
mtodo grego, o aprendizado de um sistema complexo de regras, procedimentos e normas pr-
estabelecidos pelos Sofistas. Pode-se dizer que
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no h retrica propriamente latina: esta arte havia sido inventada,elaborada, progressivamente aperfeioada pelos gregos. Os trabalhos dosrhetores Latini do sculo I a.C. e de Ccero consistira apenas em fixar umvocabulrio tcnico, transpondo o dos retricos gregos, palavra porpalavra e freqentemente de maneira muito servil [...]. A escola latinajamais teve tradio pedaggica prpria: permanece, durante todo oImprio, em contato muito estreito com a retrica grega (1975:438).
Furlan, baseando-se em Copeland (1991), afirma que a traduo era uma prtica
ordinria tanto no aprendizado da gramtica como forma de comentrio de texto ; quanto
no da retrica como uma forma de imitao. Ainda segundo Furlan, Quintiliano, em
Institutio oratoria, trata a traduo como um exerccio retrico, que deve empregar os
recursos da retrica e concorrer com o texto original. De acordo com Furlan, podemos
distinguir duas maneiras de traduzir por parte dos romanos: uma seria a traduo gramatical,
ou palavra por palavra, ou tcnica; a outra seria a traduo retrica, ou parafrstica, ou
criativa. Furlan afirma que, segundo Bassnett, o tradutor acabava por conceber a traduo
como um exerccio de estilstica comparada, no qual devia usar seu modelo de forma criativa.
Por fim, Marrou nos diz que Ccero ocupou o pice da curva do conhecimento de
grego; depois dele, a partir do incio do Imprio, o conhecimento desta lngua foi decrescendo
em Roma, o que era normal, visto que a literatura latina progredia e se enriquecia. A vida
escolar antiga perpetuou-se em Roma at meados do sculo VI.
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1.2A educao no Brasil
Neste tpico apresentaremos um resumo da histria da educao no Brasil, destacando
fatos que julgamos importantes para o presente trabalho, bem como as concepes
pedaggicas8predominantes em cada perodo. No tpico seguinte, exporemos um panorama
do ensino do latim no Brasil.
Ribeiro (1998)9aponta o ano de 1549 como o incio da histria da educao brasileira.
Nesta data, em cumprimento a nova poltica estabelecida por D. Joo III a respeito da
converso dos indgenas f catlica pela catequese e pela instruo, chegam ao Brasil quatro
padres e dois irmos jesutas, chefiados por Manoel da Nbrega. Sendo assim, segundoRibeiro, a organizao escolar no Brasil-colnia est, como no poderia deixar de ser,
estreitamente vinculada poltica colonizadora dos portugueses (1998:18).
Os jesutas implantaram os primeiros colgios no territrio, e, em 1564, segundo
Saviani (2005)10, foi instituda a redzima, mediante a qual um dcimo da receita obtida
pela coroa portuguesa na colnia era destinado manuteno dos colgios jesutas (2005:04).
Assim a pedagogia catlica se estabeleceu no Brasil e at 1759, data da expulso dos jesutas,
desfrutou de uma hegemonia incontestvel no pas.Manoel da Nbrega elaborou um plano de instruo que marcou a primeira fase do
perodo jesutico. Segundo Ribeiro,
o plano de estudos propriamente dito foi elaborado de forma diversificada,com o objetivo de atender diversidade de interesses e de capacidades.Comeando pelo aprendizado do portugus, inclua o ensino da doutrinacrist, a escola de ler e escrever. Da em diante, continua, em carteropcional, o ensino de canto orfenico e de msica instrumental, e uma
bifurcao tendo em um dos lados o aprendizado profissional e agrcola e,de outro, aula de gramtica e viagem de estudos Europa.No tinha, inicialmente, de modo explcito, a inteno de fazer com que oensino profissional atendesse populao indgena e o outro populaobranca exclusivamente (1998:22 e 23).
8 Segundo Saviani (2005), concepes pedaggicas uma expresso correlata a ideias pedaggicas. Aindasegundo ele, a palavra pedagogia e, mais particularmente, o adjetivo pedaggico tm marcadamente ressonnciametodolgica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo. Assim, as idias pedaggicas so asidias educacionais entendidas, porm, no em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento realda educao orientando e, mais do que isso, constituindo a prpria substncia da prtica educativa (2005:31).9 RIBEIRO, Maria Luisa dos Santos. Histria da educao brasileira: a organizao escolar. 15.ed.
Campinas: Editora Autores Associados, 1998.10 SAVIANI, Dermeval. As concepes pedaggicas na histria da educao brasileira. Disponvel em:. Acesso em: 05 ago.2009.
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A respeito de Nbrega, Saviani afirma que sua filosofia educacional era a concepo
que em nossa sistematizao classificamos como tradicional religiosa na verso catlica da
contra-reforma (2005:04), entendendo que
a expresso concepo tradicional subsume correntes pedaggicas quese formularam desde a Antigidade, tendo em comum uma visofilosfica essencialista de homem e uma viso pedaggica centrada noeducador (professor), no adulto, no intelecto, nos contedos cognitivostransmitidos pelo professor aos alunos, na disciplina, na memorizao(2005:31).
Em 1584 teve incio a elaborao de outro plano de estudos, o Ratio Studiorum, cuja
forma definitiva foi publicada em 1599. Este plano, segundo Ribeiro, concentra sua
programao nos elementos da cultura europia, o que demonstra uma falta de interesse ou a
constatao da impossibilidade de instruir os ndios. Como os recursos eram insuficientes,
era necessrio concentrar-se em pontos estratgicos, e tais pontos eram, de acordo com
Ribeiro, os filhos dos colonos em detrimento do ndio, os futuros sacerdotes em detrimento
do leigo (1998:22). Desta forma, os colgios jesutas consolidaram-se como instrumento da
formao da elite colonial.
Segundo Saviani, a concepo pedaggica vigente no Ratio seria a da pedagogia
tradicional, que, conforme j afirmamos, se caracteriza por uma viso essencialista do homem.
Para a vertente religiosa desta concepo pedaggica, segundo o mesmo autor,
tendo sido o homem feito por Deus sua imagem e semelhana, aessncia humana considerada, pois, criao divina. Em conseqncia, ohomem deve se empenhar em atingir a perfeio humana na vida naturalpara fazer por merecer a ddiva da vida sobrenatural (2005:6).
Ainda segundo Saviani, os jesutas procuravam defender a hegemonia da f catlica
contra a religio protestante, e, para isso tentavam conciliar os preceitos religiosos com as
exigncias dos novos tempos, baseando-se na herana clssico-medieval. Assim, os padres
faziam uso dos textos clssicos da Antiguidade, em detrimento da literatura que lhes era
contempornea, para fomentar a f crist e, ao mesmo tempo, lanavam mo de uma
pedagogia ativa que superava as prticas pedaggicas medievais. Saviani explica que,
com efeito, prpria dos tempos modernos a emergncia do indivduoassociado idia do livre-arbtrio, o que conduz ao entendimento de que
h l i t b h i t d
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ser ativo, isto : necessita traduzir em aes a f que professa no lhebastando meditar e orar (2005:07).
Durante este perodo, Ribeiro nos informa que a educao feminina se restringia a
boas maneiras e prendas domsticas. Sobre os jesutas, a autora ressalta que a formao
oferecida por eles era marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar. Os padres
dedicavam grande ateno ao preparo dos professores, faziam uma cuidadosa seleo dos
livros a serem utilizados e controlavam rigorosamente as questes a serem suscitadas pelos
mestres, especialmente em filosofia e teologia. As orientaes do Ratio eram seguidas
igualmente em todas as regies do pas. De acordo com a autora, a unio entre o governo
portugus e os jesutas foi conduzida em benefcio maior destes ltimos. Isto levou
posteriormente a um choque, culminando com a expulso da Companhia de Jesus de Portugal
e do Brasil, em 1759 (1998:27).
A partir desta data, inicia-se a implantao das reformas do Marqus de Pombal na
instruo pblica. Estas reformas, segundo Saviani, baseavam-se nas ideias laicas inspiradas
no Iluminismo e instituam o privilgio do Estado em matria de instruo. Embora o Estado
portugus ainda fosse regido pelo estatuto do padroado, vinculando-se estreitamente Igreja
Catlica, a educao era agora inspirada na pedagogia do humanismo racionalista. O sistema
introduzido pelas reformas pombalinas foi o das aulas rgias, que eram disciplinas avulsasministradas por um professor nomeado e pago pela coroa portuguesa com recursos do
subsdio literrio institudo em 1772 (2005:07 e 08). Ao tempo dos jesutas, segundo
Ribeiro, o ensino secundrio era organizado em forma de curso Humanidades, e as aulas
rgias representam, ao mesmo tempo, um retrocesso pedaggico e um avano ao exigir novos
mtodos e novos livros. A autora ainda completa: para o ensino do latim, a orientao era a
de ser entendido apenas como um instrumento de domnio da cultura latina e admitir o auxlio
da lngua portuguesa (1998:34).Segundo Ribeiro, as reformas pombalinas tencionavam transformar Portugal numa
metrpole capitalista, tendo como modelo o que a Inglaterra era h mais de um sculo. As
reformas tencionavam, tambm, estimular mudanas no Brasil, com o intuito de adapt-lo,
enquanto colnia, nova ordem pretendida na metrpole portuguesa. Exigia-se, para tanto,
uma formao mais moderna da elite colonial (masculina) a fim de que esta [...] se tornasse
mais eficiente em sua funo de articuladora das atividades internas e dos interesses da
camada dominante portuguesa (1998:35). Esta nova formao adquirida por uns poucoslevou alguns a participarem de movimentos que chegavam a propor a emancipao poltica.
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a base do descontentamento no era fruto do contato com estas teoriasiluministas e sim das mudanas que estavam ocorrendo na estrutura socialbrasileira [...]. Estas teorias, com o passar do tempo, vo se caracterizar
como inadequadas na interpretao e soluo dos problemas internos, porserem resultado de circunstncias especiais de determinados paseseuropeus, e, enquanto tal, bastante artificiais tambm para os problemasportugueses (1998:36).
Assim, no governo seguinte de D. Maria I, acontece o movimento da Viradeira, que
combatia sistematicamente o pombalismo e representava uma tentativa de voltar tradio,
vista como o caminho a ser seguido para a resoluo dos problemas.
Com o Brasil como sede da Coroa portuguesa, uma srie de medidas, no que concerne
ao campo intelectual, foram tomadas, como a criao da Imprensa Rgia (13-5-1808),
Biblioteca Pblica (1810 franqueada ao pblico em 1814), Jardim Botnico do Rio (1810) e
Museu Nacional (1818). No campo da educao, segundo Ribeiro, so criados cursos por ser
necessrio o preparo de pessoal mais diversificado. Com relao concepo pedaggica,
Saviani afirma que, aps 1808 teve incio a divulgao do mtodo de ensino mtuo. Este
mtodo, de acordo com o autor, foi proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell e Joseph
Lancaster. Fundamentava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares
do professor e [...] supunha regras pr-determinadas, rigorosa disciplina e a distribuio
hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salo nico e bem amplo [...]
(2005:08).
A organizao escolar brasileira, de acordo com Ribeiro, apresentava, na primeira
metade do sculo XIX, graves deficincias quantitativas e qualitativas. Na tentativa de
organizar um pouco o ensino so criados liceus profissionais, que, na prtica, no passavam de
reunio de aulas avulsas num mesmo prdio. Assim, em 1825 foi criado o Ateneu do Rio
Grande do Norte; em 1836, os Liceus da Bahia e da Paraba; e, em 1837, o Colgio Pedro II,na Corte, que estava destinado a servir de padro de ensino, com a adoo e manuteno de
bons mtodos. Mas mudanas ainda se faziam necessrias e, na segunda metade do sculo
XIX, segundo Saviani, o mtodo de ensino mtuo foi gradativamente substitudo pelo mtodo
intuitivo. As diretrizes metodolgicas eram: a chave para desencadear a pretendida
renovao a adoo de um novo mtodo de ensino: concreto, racional e ativo, denominado
ensino pelo aspecto, lies de coisas ou ensino intuitivo (VALDEMARIN, 2004a:104 apud
SAVIANI, 2005:09). Neste contexto, o mtodo de ensino deveria ser uma orientao eficazpara a conduo dos alunos por parte do professor. Para que isso se assegurasse, foram
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elaborados livros didticos que, no lugar de serem um material didtico para uso dos alunos,
eram destinados ao professor, servindo de modelo para a elaborao de atividades.
Segundo Saviani, a pedagogia do mtodo intuitivo sustentou-se durante a Primeira
Repblica. Na dcada de 1920 ganha espao o movimento da Escola Nova, que passa a
disputar terreno com os educadores catlicos. Ribeiro afirma que durante este perodo havia
um entusiasmo pela educao e um otimismo pedaggico. Acreditava-se que, ao aumentar o
nmero de instituies escolares, seria possvel incorporar grandes camadas da populao
brasileira no caminho do progresso nacional e colocar o pas na mesma direo das grandes
naes. No entanto, fazendo uma comparao entre as fases do movimento escolanovista
universal e nacional, J. Nagle considera o seguinte: (...) quatro etapas j se haviam sucedido,
enquanto no Brasil no havia sido atingida nem a primeira (1998:99).Na concepo pedaggica nova ou moderna, segundo Saviani, a educao passa a
centrar-se na criana. Apia-se numa viso filosfica baseada na existncia, na vida, na
atividade. Contrapondo-se pedagogia tradicional,
do ponto de vista pedaggico o eixo se deslocou do intelecto para asvivncias; do lgico para o psicolgico; dos contedos para os mtodos; doprofessor para o aluno; do esforo para o interesse; da disciplina para aespontaneidade; da direo do professor para a iniciativa do aluno; da
quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspirao filosficacentrada na cincia da lgica para uma pedagogia de inspiraoexperimental baseada na biologia e na psicologia (2005:33 e 34).
A Constituio de 1934 dedica um captulo inteiro questo da educao (captulo II),
no qual Ribeiro e Saviani concordam que houve um equilbrio de foras entre catlicos e
reformadores. De acordo com Ribeiro,
a reivindicao catlica quanto ao ensino religioso atendida, assimcomo outras ligadas aos representantes das idias novas, como as quefazem o Brasil ingressar numa poltica nacional de educao desde queatribui Unio a competncia privativa de traar as diretrizes daeducao nacional (cap.I, art. 5, XIV) e de fixar o plano educacional deeducao (art. 151) (1998:14).
Alm disso, a lei determina a criao do Conselho Nacional e Estadual de Educao e
a aplicao de nunca menos de 10% da parte dos municpios, e nunca menos de 20%, da parte
dos estados, da renda resultante dos impostos na manuteno e desenvolvimento dos sistemas
educacionais (art. 156), entre outras inovaes.
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Em 1938 criado o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos) que, de acordo
com Saviani, transformou-se no principal centro estimulador de experincias de renovao
pedaggica. A partir de 1945, a disputa entre catlicos e renovadores deixa de ser equilibrada,
e a concepo humanista moderna (representada pelos pioneiros da educao nova) passa a
predominar. Em 29 de outubro de 1948, segundo Ribeiro, foi encaminhado Cmara Federal
um projeto de lei de diretrizes e bases da educao nacional, subscrito por Clemente Mariani,
ento ministro da Educao e Sade. Transformar-se-ia em lei somente treze anos depois, a 20
de dezembro de 1961. Sobre esta, Ribeiro afirma que uma anlise do texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 4.024/61), em especial no captulo sobre as
finalidades da educao, leva-nos a admitir um predomnio do que chamado de concepo
humanista moderna (1998:169). A respeito da estrutura do ensino manteve as etapas:ensino primrio de pelo menos quatro anos: ensino ginasial de quatro anos, com as
subdivises de secundrio, comercial, industrial, agrcola e normal; ensino colegial de trs
anos, subdividido em comercial, industrial, agrcola e normal, e o ensino superior (1998:70).
A dcada de 60, segundo Saviani, tambm foi marcada por um esgotamento do modelo
renovador e uma articulao da tendncia tecnicista, de base produtivista, que seria a
concepo assumida pelo grupo de militares que tomou o poder aps o golpe de 1964. Ainda
segundo o autor, o ajuste do sistema educacional nova situao aps o golpe foi feito,inicialmente, por meio da lei 5.540/68 e do decreto 464/69 no que se refere reforma do
ensino superior e pela lei 5.692/71 no tocante aos ensinos primrio e mdio que passaram a ser
denominados de 1 e 2 graus. Estas leis, segundo o autor, j traziam os princpios de
racionalidade e produtividade tendo como corolrios a no duplicao de meios para fins
idnticos e a busca do mximo de resultados com o mnimo de dispndio (2005:19).
Saviani entende que a tendncia educacional atualmente dominante no Brasil, desde o
final da dcada de 60, a concepo produtivista de educao. Na dcada de 60, Schultzdesenvolveu teoria do capital humano. Esta teoria influenciou a educao que passou a ser
entendida como algo decisivo do ponto de vista do desenvolvimento econmico, um bem de
produo, portanto (2005:idem). A lei 5.692/71, mencionada no pargrafo anterior, tornou a
concepo produtivista oficial no Brasil sob a forma da pedagogia tecnicista, que foi
divulgada e implementada em todas as escolas. Ainda de acordo com Saviani,
na medida em que se processava a abertura lenta, gradual e segura que
desembocou na Nova Repblica, as orientaes pedaggicas das escolasforam sendo flexibilizadas mantendo-se, porm, como diretriz bsica dapoltica educacional a tendncia produtivista (2005:20)
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Ao longo da dcada de 80, segundo Saviani, a concepo produtivista de educao
sofreu vrios ataques, mas superou todos eles. A concepo
recobrou um novo vigor no contexto do denominado neoliberalismo,quando veio a ser acionada como um instrumento de ajuste da educaos demandas do mercado numa economia globalizada centrada na todecantada sociedade do conhecimento (DUARTE, 2003 apud SAVIANI,2005:20).
Esta viso, segundo Saviani, foi a referncia para o Projeto Darcy Ribeiro apresentado
no Senado que, financiado pelo MEC, converteu-se na nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional. Para o autor, ainda esta mesma viso que serviu de guia para o processo
de regulamentao dos dispositivos da LDB que culminou na aprovao do novo Plano
Nacional de Educao11 (PNE) em janeiro de 2001. O autor alerta, no entanto, que a
manuteno desta concepo ao longo dos anos no significa que a verso da teoria do capital
humano elaborada por Schultz tenha permanecido inalterada; ela foi refuncionalizada, dando
origem a expresses como neoconstrutivismo, neotecnicismo, neoescolanovismo, entre outras.
O referido PNE de 2001, que tem a durao de 10 anos, determina que os Estados, o
Distrito Federal e os Municpios elaborem planos estaduais e municipais, em concordnciacom o nacional. Os objetivos do Plano, resumidamente, so:
- a elevao global do nvel de escolaridade da populao;- a melhoria da qualidade do ensino em todos os nveis;- a reduo das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e permanncia, com sucesso,na educao pblica; e- democratizao da gesto do ensino pblico, nos estabelecimentosoficiais, obedecendo aos princpios da participao dos profissionais daeducao na elaborao do projeto pedaggico da escola e a participao
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes(2001:34).
Segundo Romano & Valente12, o PNE no contemplou as propostas e reivindicaes
dos setores democrticos e populares da sociedade: os vetos que FHC imps lei, alm de
radicalizarem tal caracterstica, retiraram do PNE precisamente alguns dispositivos que a
11 BRASIL. Ministrio da Educao. Plano Nacional de Educao- PNE/Ministrio da Educao. Braslia:Inep, 2001.
12 ROMANO, Roberto; VALENTE, Ivan. PNE: Plano Nacional de Educao ou Carta de Inteno?Disponvel em: .Acesso em: 07 out. 2008.
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presso popular havia forado a que fossem inseridos (2002:n.p.). Para os autores, estes vetos
no decorreram do fato de que o governo tivesse um ponto de vista pedaggico diferente do
dispositivo vetado, mas de questes financeiras que estavam implicadas nos itens vetados. De
acordo com os autores, o Plano no estava dotado de verbas que viabilizassem o cumprimento
das metas e diretrizes estabelecidas, portanto, no representou um grande avano para a
organizao educacional no Brasil.
1.2.1 O ensino de latim no Brasil
Neste tpico, apresentaremos um panorama do processo que culminou na excluso do
latim dos currculos escolares, at este se tornar exclusivo das universidades. Sobre a situao
nestas instituies, discutiremos as ideias de dois autores. Primeiramente de Valle, cujo artigo
mostra o cenrio do ensino do latim em duas universidades do Rio de Janeiro, no final dos
anos 80. A segunda autora, Miotti, concentrou sua pesquisa em universidades pblicas de So
Paulo, no ano de 2006. Este subcaptulo ser a base para nossas reflexes a respeito dos
manuais brasileiros no captulo posterior, ajudar-nos- a entender como se via o ensino dolatim na poca em que foram escritos, e de que forma isso influenciou sua maneira de
conceber o ensino desta lngua e de apresentar seu contedo.
Conforme j visto, no Brasil, o ensino esteve sob a responsabilidade da Companhia de
Jesus, de 1549 a 1759. Segundo Tuffani (2001), em artigo sobre o ensino do latim no Brasil,
com a expulso da Ordem o ensino se desorganizou e ficou reduzido a seminrios e algumas
poucas escolas. Somente em 1772 teve incio uma organizao com as cadeiras rgias de nvel
secundrio, dentre as quais se estabeleceram as de Latim e Grego. Em 1837, como jinformamos foi fundado o Colgio Pedro II, estabelecendo-se no Rio de Janeiro como a
escola-modelo para o ensino secundrio no Brasil. Em 1841, o curso secundrio compreendia
sete anos, durante os quais o latim era estudado. Em 1891, um decreto reduziu para cinco anos
os estudos do curso secundrio, o que no foi aderido pelo Colgio Pedro II.
O perodo prximo Primeira Guerra, de acordo com Tuffani, foi importante para a
renovao dos estudos clssicos no pas. Anteriormente, o latim era estudado basicamente em
seminrios, no curso secundrio de tradio clssica (como o do Colgio Pedro II) ou em
cursos jurdicos na cadeira de Direito Romano. Porm, a perspectiva de instalao das
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ganhassem um novo ar. Nesta poca surgiram intelectuais representativos para os estudos
clssicos brasileiros, como Manuel Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, Joo
Gualberto Ferreira dos Santos Reis, Antnio Coelho Rodrigues, Francisco Rodrigues dos
Santos Saraiva, Antnio Jos de Sousa e Csar Zama.
Em 1925, a Faculdade de Filosofia de So Paulo ofereceu o primeiro curso de Letras
do Brasil, o de Filologia Clssica (Latim e Grego). Porm, os formandos de Filologia Clssica
no recebiam o ttulo de bacharel, somente um certificado de concluso de curso, pois no
havia Legislao para os cursos de Letras. Somente em 11 de abril de 1931, o ento Ministro
da Educao e Sade Pblica, Francisco Campos, criou a Faculdade de Educao, Cincias e
Letras com o Decreto n 19851.
Ainda segundo Tuffani, com a estabilizao do ensino nas universidades brasileiras, osestudos latinos progrediram. Houve um grande aumento das publicaes de artigos, tradues
e livros didticos. Em 1942, a Lei Capanema ampliou novamente para sete anos o ensino do
Latim no curso secundrio, que, conforme vimos, havia sido reduzido para cinco anos em
1891. No entanto, no havia nmero suficiente de professores habilitados, e o resultado foi um
ato ministerial que permitia que professores formados em Letras Neolatinas e Anglo-
Germnicas tambm lecionassem latim, fazendo com que o ensino perdesse muito em
qualidade.Em 1962, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional tornou o ensino do latim
facultativo no curso secundrio, praticamente extinguindo-o, ficando este limitado s
disciplinas obrigatrias dos cursos de Letras e graduao opcional em Lngua e Literatura
Latina. Um dos nicos estabelecimentos que ainda ensinava latim, dez anos depois da Lei de
Diretrizes e Bases, era o Colgio Pedro II. No ano de 1996 foi sancionada a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional, que caracteriza o Latim como facultativo no ensino
superior. Tuffani conclui que a obrigatoriedade do ensino e a formao desigual dosprofessores no mudou desde 1942, ano da Lei Capanema.
Apesar de a lei que caracteriza o ensino do latim como facultativo ter entrado em vigor
no ano de 1996, Valle, em artigo de 1989, Os Estudos Clssicos na Universidade, j afirma
que os estudos clssicos no 3 grau esto em crise, entendendo crise no sentido de estado de
menosprezo ou desinteresse por esses estudos, considerados hoje como decorativos,
suprfluos, obsoletos (1989:07). Neste artigo o autor faz uma anlise do ensino do latim em
duas universidades: a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal
Fluminense. Apesar de a pesquisa no abarcar todas as universidades nacionais, pensamos que
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Brasil, e mostram que muitos dos questionamentos feitos na poca em que o artigo foi escrito
no so diferentes dos de hoje.
Uma dessas questes a de que os alunos chegam s faculdades, com rarssimas
excees, desconhecendo totalmente a lngua latina por esta no ser mais ensinada na escola.
Portanto, os professores necessitam comear o ensino da estaca zero. Por isso, Valle afirma
que no se deve desconsiderar, no terreno didtico, as novas tcnicas do ensino de lnguas
modernas. Na poca da elaborao do artigo, um mtodo estrutural estava comeando a ser
aplicado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um dos professores consultados por
Valle considerava que este mtodo era de longe, o mais recomendvel aos objetivos do
ensino do latim em nossas Faculdades de Letras (1989:11). J o Professor Stamato, segundo
o autor, afirmava que
A idia bsica que nos orientou na apresentao da morfossintaxe dolatim a de que partindo de estruturas nucleares da lngua, tipo S + VI, S+ VT + OD, se pode, atravs de crculos concntricos, ir ampliando-as atas estruturas mais complexas chegando-se finalmente estruturao dodiscurso (1989:11).
Valle, no entanto, faz objees ao mtodo estrutural (no especifica quais), afirmando
que prefere limit-lo aplicao de exerccios estruturais com o intuito de verificar certosconhecimentos gramaticais, sem adot-lo como um procedimento metodolgico sistemtico.
O panorama da metodologia usada pelos professores nas duas universidades mostrou
que, conforme poderemos observar com a pesquisa de Miotti, a ser apresentada
posteriormente, no houve muitas mudanas daquela poca em relao aos dias atuais.
Segundo Valle, os professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro no faziam uso do
mesmo mtodo em suas aulas, havia liberdade para que o professor seguisse o que acreditasse
ser a melhor metodologia. Alguns inclusive elaboravam seu prprio material, sendo que oautor adotou, segundo ele com sucesso, o Gradus Primus13,de Paulo Rnai na graduao, e o
Gradus Secundus, no mestrado, com alunos de Histria Antiga e Medieval. Porm, o autor
adverte que naturalmente a tcnica de utilizao dos dois manuais no a mesma que
empregvamos a por 1950 em turmas de adolescentes de 1 e 2 ano ginasial (1989:16), pois
os alunos mais maduros exigem que se faa uso de outro mtodo.
Outra questo abordada por Valle no artigo a do Parecer 283/62 do Conselho Federal
de Educao, o qual prescreve que
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no que se refere ao Latim, a sua incluso na parte comum define-o comosimples matria instrumental, sendo assim indispensvel intensific-lo, etornar obrigatria a sua Literatura, na hiptese de que venha ele a figurar
como objeto de habilitao especfica (1989:19).
O autor afirma que, apesar de os professores consultados por ele divergirem em
questes metodolgicas, todos concordam no ponto de que no se deve aceitar o grego e o
latim como simples matrias instrumentais. Para Valle
tratando-se de uma lngua moderna, lngua viva, entendo a expressocomo todos entendem: uma lngua destinada consulta da bibliografia
estrangeira indicada nos cursos, lngua que se presume imprescindvel formao profissional. Instrumental a tem sentido valorativo, de estudoessencial. No caso do latim (e do grego), lngua clssica, lngua morta, aressalva simples matria instrumental me soa como disciplina que foicolocada fora entre as obrigatrias, uma espcie de coaoirresistvel (1989:20).
Para Valle o objetivo do estudo do latim e do grego ler os textos originais
(1989:22), desdobrando, posteriormente, este objetivo em trs: o objetivo do estudo do latim
em um curso de Letras ler, traduzir e comentar textos latinos. Levando isso em conta, na
perspectiva de Valle, os exerccios de verso teriam um papel no estudo pois possibilitam
aplicar e fixar noes gramaticais quando o aluno compara as estruturas das duas lnguas,
portugus e latim.
Sobre o ensino de literatura latina, Valle diz estimular a leitura integral das obras, [...]
em edies bilngues quando possvel o confronto com o original. Todos sabemos que seria
impossvel exigir a curto prazo a leitura das obras no original (1989:17). O autor relata que
os alunos costumam dizer que s vezes tiram o vocabulrio e identificam as formas
gramaticais mas no sabem montar a traduo. Eu diria que, na verdade, eles no sabemdesmontar o texto original (1989:24). Como a leitura dos originais no deve ser adiada, a
soluo seria mesmo a leitura dos textos em boas edies bilngues. A traduo do latim,
segundo Valle, [...] uma habilidade especfica que se vai adquirindo atravs de exerccio
lento, gradual, e constante, sobretudo constante (1989:25). Veremos que esta posio mudou
atualmente, com manuais mais atualizados e com propostas metodolgicas diferentes,
acredita-se ser possvel a leitura gradativa e a traduo de alguns textos no original, ou com
poucas alteraes, em relativamente pouco tempo, contando, claro, com a ajuda do professor e
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de um bom dicionrio. Manuais como o Reading Latin, objeto de estudo de Miotti, so
exemplos disso.
Miotti (2006) em dissertao de mestrado, O ensino do latim nas Universidades
Pblicas do Estado de So Paulo e o mtodo ingls Reading Latin: um estudo de caso ,
fornece um panorama mais atual do ensino do latim em algumas universidades brasileiras,
atravs da anlise de um manual e de entrevistas feitas com alguns professores de latim. Para a
autora, os problemas encontrados no ensino desta lngua tm origem, em sua maioria, em uma
metodologia pautada em concepes imprecisas no que se refere aos objetivos do ensino de
uma lngua como o latim.
Miotti discute, assim como Valle, a questo da instrumentalidade do latim, pautando-
se nas opinies de dois autores: Lana e Lima. Para Lana, conceber o latim como instrumentosignifica entend-lo como aquilo que ter a funo de aprofundar os conhecimentos da
Antiguidade Clssica, levando os alunos a essa realidade. Para Lima, autor cujo manual ser
discutido no captulo seguinte, a instrumentalidade do latim significa dar lngua antiga a
funo exclusiva de servir lngua moderna.
A autora lembra que o latim, como disciplina obrigatria, foi excludo dos currculos
escolares no incio dos anos 60, poca em que o ensino se baseava, no geral, em uma
pedagogia de cunho tecnicista. Portanto, nesse momento, os manuais se preocupavam emafirmar exaustivamente a importncia do ensino do latim, muitas vezes se pautando na ideia
de que seu aprendizado existiria para auxiliar no aprendizado do portugus. O autor Nbrega14
um dos que divulgavam esta ideia na poca. Para Miotti, este tipo de argumento pode ter
contribudo para que o latim, durante muito tempo, fosse estudado como um pretexto para
exercitar anlise sinttica. A lngua latina era ensinada atravs de aulas que privilegiavam a
exposio metalingustica, paralelamente traduo de frases descontextualizadas, na
chamada ordem direta e de textos que muitas vezes apresentavam pouca ou nenhuma relaocom a cultura de Roma. Alm disso, o aluno deveria memorizar partes da gramtica latina.
Para Miotti, este tipo de abordagem interfere negativamente no aproveitamento e no estmulo
do aluno de latim.
O objeto de seu estudo o manual ingls Reading Latin 15, que vem ganhando mais
espao nas universidades de So Paulo, e que pretende modernizar o estudo das lnguas
14 Dois manuais deste autor sero analisados no prximo captulo desta dissertao.
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clssicas, apoiando-se nos avanos da Lingustica Aplicada16com o objetivo de preparar os
alunos para a leitura dos textos clssicos. Segundo Miotti, um dos avanos mais significativos
deste manual em relao aos precedentes o de que o aluno, com a ajuda do professor e de
um vocabulrio detalhado, entra em contato com a traduo mais cedo, sem necessidade de
qualquer conhecimento gramatical de incio, levando-o a ler em latim mais rapidamente.
Porm, uma das desvantagens da adoo deste material o fato de que este foi escrito para
alunos cuja lngua materna o ingls, e, portanto, enfatiza questes gramaticais pertinentes
para os falantes do ingls, que, muitas vezes, so secundrias ou mesmo irrelevantes para um
falante de portugus. Por isso, alguns professores no fazem uma simples traduo do manual
para o portugus, mas adaptam o contedo para os alunos brasileiros.
De acordo com a pesquisa da autora, muitos dos professores entrevistados afirmaramque acabam por fabricar seu prprio material, mesclando excertos de vrios manuais e
gramticas, geralmente montando uma apostila que os alunos fotocopiam. Como vimos, esta
prtica a mesma descrita por Valle, no final dos anos 80. Atualmente, porm, em algumas
universidades, como a USP, os professores tm-se esforado para unificar a metodologia
aplicada nas aulas de latim. A autora concorda, no entanto, que de nada vale adotar um
manual moderno se o professor continuar pautando suas aulas em uma metodologia
tradicional. Ela tambm adverte que no h manual perfeito, e que o professor pode e devetrazer outros materiais para a sala de aula conforme a necessidade de seus alunos, o que no
exclui a possibilidade da adoo de um manual-base para todo o curso. Este deve ser
analisado e julgado pela histria, ideologia, concepo de linguagem e pblico-alvo que o
pressupe.
O questionrio feito com alguns professores das universidades de So Paulo e de
outros lugares do Brasil levou a autora a concluir que houve uma mudana de pensamento em
relao ao ensino do latim. Os professores se mostraram conscientes de que preciso adotarnovos mtodos e determinar com maior preciso seus objetivos. Alm disso, os entrevistados
afirmaram a importncia de aliar o estudo da lngua com o da literatura, embora os currculos
16Segundo Bohn (1988), desde o incio, talvez por causa do prestgio do trabalho de Fries e de Lado, ambospreocupados com o ensino de lnguas, havia uma forte tendncia em relacionar o termo LA [LingusticaAplicada] ao ensino de lnguas estrangeiras. Mas, esta no era, sem dvida, a nica interpretao. Na Rssia, porexemplo, o termo significava exclusivamente traduo automtica (Cf. Els et al 1984:11). Els tambm salienta ofato de que quando a Associao Internacional de Lingstica Aplicada (AILA) foi fundada em 1964 em Nancy,Frana, o objetivo principal dos associados era a investigao de problemas relacionados com o ensino de lnguasestrangeiras e com a traduo automtica. Mas, esta rigidez na definio do objeto da LA e nas tarefas do
lingista aplicado foi logo perdida. O leque de opes dentro da associao se diversificou sobremaneira. Ocontedo dos debates nos ltimos congressos tem includo praticamente todos os campos da atividade humana,tanto em seus aspectos tericos como prticos, em que a linguagem desempenha algum papel de relevncia.
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separem lngua e literatura em disciplinas distintas. Segundo o que pode observar em sua
pesquisa, Miotti afirma que o mtodo ideal para estudantes universitrios brasileiros deve
dirigir o aluno leitura de textos latinos o mais cedo possvel, levando em conta dados sobre a
cultura, a literatura e a arte de Roma, comparando as estruturas gramaticais das duas lnguas e
trazendo para a sala de aula, sempre que possvel, textos relevantes da literatura de lngua
portuguesa que remetam literatura latina.
Baseando-se em Fiorin (1990), Miotti afirma que h trs competncias fundamentais
para a leitura de textos em lngua estrangeira: a competncia lingustica (conhecimento
internalizado da gramtica e da fonologia de uma lngua), a textual (a unio do contedo a um
plano de expresso) e a intertextual (dilogo entre textos). A autora ainda acrescenta uma
quarta: a competncia extralingustica, o conhecimento de mundo. No caso do aluno de latim,este conhecimento abarca noes de histria e cultura romana. Segundo Miotti a competncia
lingustica deve ser desenvolvida atravs de textos, e no de frases isoladas. Alm disso, para
a autora, todo material de ensino de lnguas clssicas precisa estar ligado ao objetivo do real
aprendizado do aluno e ao uso efetivo que ele far do conhecimento adquirido. Portanto, no
h sentido em insistir em questes de oralidade, por exemplo. Para Miotti, no se deve
esquecer que a nica habilidade, das quatro que definem a competncia numa lngua
estrangeira, a ser desenvolvida no estudo das lnguas clssicas a leitura, e, portanto, esteprocesso deve ser valorizado como a interao entre texto e leitor, e no apenas como uma
decodificao de enunciados.
Maranho (2009)17em artigo sobre o ensino de lngua latina nos cursos de licenciatura
em Letras Modernas no Brasil constata que, no geral, continuam sendo oferecidos um ou dois
semestres de latim nos referidos cursos, [...] apesar de as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de Letras, apresentadas s p. 29-31 do Parecer CNE/CES no 492/2001, no
determinarem com carter de obrigatoriedade a sua incluso na grade curricular (2009:27). Aautora ainda aponta que, atualmente, registra-se uma ampliao na demanda de vagas nas
disciplinas de lngua latina em universidades brasileiras:
segundo o jornal O Estado de So Paulo, em matria publicada em 09 deoutubro de 2006, na USP verificou-se, em 6 anos, um aumento de 154%no nmero de alunos matriculados em Latim I; em 5 anos, a UNICAMPregistrou aumento de 70% das matrculas na referida disciplina e a
17MARANHO, Samantha de Moura. Reflexes sobre o ensino de lngua latina em cursos superiores de LetrasModernas. Instrumento: Revista de Estudo e Pesquisa em Educao. Juiz de Fora, v.11, n.1, p. 27-36,jan./jun. 2009.
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UNESP, de 118% na disciplina Introduo Literatura Latina,constatando o INEP/MEC aumento na demanda de vagas nas disciplinasde latim tambm na UFJF, UFRGS e UFRJ (2009:28).
Dentre os objetivos comumente apontados do ensino desta lngua nas universidades,Maranho destaca o de aprimorar a compreenso da lngua portuguesa e, paralelamente, os
conhecimentos de anlise sinttica do portugus. Outro objetivo seria o de instrumentalizaro
aluno com conhecimentos que lhe preparem para a leitura dos textos originais. Juntamente
com o objetivo da leitura vem o objetivo de habilitar o aluno a traduzir os textos. A autora
alerta, no entanto, que a traduo de frases isoladas um recurso didtico inconveniente, pois
desconsidera a importncia do contexto e do tipo de discurso para que o aluno escolha
adequadamente entre as opes de traduo.Por fim, a autora conclui que
o ensino da lngua latina no fundamentado nos conhecimentosproporcionados pela pesquisa em Lingstica Aplicada, particularmentenos que se referem ao ensino e aprendizagem de leitura em lnguaestrangeira e traduo, pode levar conduo equivocada do mesmo,com o estabelecimento de objetivos inexequveis integralmente e aexecuo de atividades didticas inadequadas (2009:31).
Analisando os objetivos do ensino do latim citados por Maranho, vemos que,
diferentemente de Miotti, a primeira autora coloca a traduo como um objetivo a ser
alcanado durante o processo de aprendizagem. J para Miotti, o objetivo do ensino de lnguas
antigas capacitar o aluno para a leitura dos textos clssicos, objetivo este que pode ser
conseguido atravs do exerccio da traduo. Portanto, podemos afirmar que, para Miotti, a
traduo no ensino da lngua latina um meio enquanto que, para Maranho, ela um fim.
Voltaremos ainda a discutir no tpico seguinte a questo do emprego dos conhecimentos de
Lingustica Aplicada ao ensino de lnguas antigas, especialmente do latim.
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1.3A traduo e o ensino de lnguas estrangeiras
Nesta seo iremos discorrer, com o apoio de alguns autores, sobre o papel da traduo
no ensino de lnguas estrangeiras, confrontando estas ideias com a maneira como a traduo
vista nos manuais. A traduo somente uma das formas de ensinar uma lngua estrangeira.
No caso do latim, a metodologia mais usada. Ao longo do tempo, as metodologias do ensino
de lnguas estrangeiras foram se aperfeioando, porm, conforme afirmou Miotti, no existe
uma que possa ser considerada perfeita, pois a metodologia adotada depender dos objetivos
que se tem ao aprender determinada lngua. Pode-se ter necessidade de aprender a gramtica
da lngua, ou de apenas comunicar-se verbalmente.De acordo com Jakobson (1995)18, podemos distinguir entre trs espcies de traduo:
1 A traduo intralingual ou reformulao (rewording) consiste nainterpretao dos signos verbais por meio de outros signos da mesmalngua.2 A traduo interlingual ou traduo propriamente dita consiste nainterpretao dos signos verbais por meio de alguma outra lngua.3 A traduo inter-semitica ou transmutao consiste nainterpretao dos signos verbais por meio de sistemas de signos no-
verbais (1995:64 e 65).
Segundo Costa (1998)19, no contexto do ensino de lnguas estrangeiras, a traduo
intralingual um procedimento natural e seu uso em sala de aula se d de forma automtica,
de modo que no encontra crticos. A traduo intersemitica tambm est bastante presente,
principalmente no uso de imagens e dos prprios gestos do professor. J a traduo
interlingual, conforme veremos, muito discutida. Podemos distinguir alguns aspectos em
relao a este tipo de traduo no ensino de lnguas estrangeiras: a traduo pode ser feita da
lngua materna para a lngua estrangeira, ou da lngua estrangeira para a lngua materna; ela
pode ser mental um aluno l um texto na lngua estrangeira e o traduz mentalmente, por
exemplo ou escrita; e ainda, como vimos no tpico anterior com Miotti (2006) e Maranho
(2009), pode ser um exerccio para a aprendizagem da lngua estrangeira, ou o objetivo final
da aprendizagem. Neste trabalho lidamos somente com a traduo escrita e, aps a anlise dos
18JAKOBSON, Roman. Lingstica e Comunicao. Traduo:Izidoro Blikstein e Jose Paulo Paes. So Paulo:Cultrix, 1995.19 COSTA, Walter. Traduo e ensino de lnguas. In .: BOHN, H.I; VANDRESEN, P. Tpicos em lingstica
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manuais, veremos em quais deles a traduo mais uma maneira de aprender a lngua latina e
em quais o objetivo ou o fim do processo de aprendizagem.
O principal problema da traduo interlingual no ensino de lnguas estrangeiras que
ela traz tona aquilo que, muitos pensam, no deveria se fazer presente: a lngua materna. De
acordo com Costa, em geral aprende-se o cdigo lingstico estrangeiro em meio a um
esforo contnuo de esquecimentodos elementos que caracterizam o seu cdigo primeiro e
que constituam obstculos reais ou imaginrios aquisio do novo cdigo (1988:282).
Sabemos que, especialmente no ensino de lnguas clssicas, a traduo sempre esteve e ainda
est presente sob o prisma da Abordagem da Gramtica e Traduo, sobre a qual discorremos
a seguir. No entanto, segundo Costa, nos diferentes mtodos que se seguiram (e justamente
pelo uso abusivo e ineficiente do anterior) tendeu-se a banir a traduo da sala deaula(1988:idem).
Em artigo sobre metodologias do ensino de lnguas, Leffa (1988)20, distingue mtodo
de abordagem. Para o autor, abordagem (que traduz o termo ingls approach) o termo mais
abrangente e diz respeito aos pressupostos tericos sobre a lngua e a aprendizagem. J o
mtodo pode estar dentro da abordagem, e trata das normas de aplicao dos pressupostos de
aprendizagem, pode conter, por exemplo, normas de avaliao sobre a elaborao de um
curso. O mtodo direto, segundo Leffa, no um mtodo, e sim uma abordagem. Richards &Rodgers (1986) tambm definem abordagem e mtodo de maneira semelhante a Leffa,
baseando-se no esquema proposto por Anthony (1963). Para estes autores, abordagem o
nvel no qual suposies e crenas sobre as lnguas e a sua aprendizagem so especificadas; j
o mtodo o nvel no qual a teoria colocada em prtica e escolhas so feitas em relao ao
contedo e s habilidades que sero ensinados. Leffa distingue tambm aprendizagem e
aquisio. A primeira o desenvolvimento consciente e formal de uma lngua, comumente
atravs da explicitao de regras. A aquisio, por sua vez, o desenvolvimento informal eespontneo, normalmente atravs de exposio a situaes informais, sem um esforo
consciente. Outra distino feita por Leffa segunda lngua e lngua estrangeira. A
primeira usada no contexto da sala de aula e fora deste, a segunda usada somente no
ambiente escolar. Portanto, no presente trabalho estamos tratando da aprendizagem do latim
como uma lngua estrangeira, atravs da traduo.
20 LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de lnguas. In__.: BOHN, H.I; VANDRESEN, P. Tpicos emlingstica aplicada: o ensino de lnguas estrangeiras. Florianpolis: Ed. Da UFSC, 1988.
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Levando em conta as distines feitas acima, a primeira abordagem conhecida como
mtodo apresentada pelo autor a AGT, Abordagem da Gramtica e da Traduo. Segundo
Leffa, esta a abordagem usada h mais tempo na histria do ensino de lnguas e a que tem
recebido um maior nmero de crticas. A AGT surgiu com o interesse pelas culturas grega e
latina na poca do Renascimento e continua sendo empregada at hoje, ainda que de modo
bastante espordico, com diversas adaptaes e finalidades mais especficas (1988:212).
Nesta abordagem, o ensino da segunda lngua se d pela primeira, ou seja, as explicaes
sobre a lngua estrangeira so dadas na lngua materna do aluno. Os trs passos essenciais para
a aprendizagem da lngua dentro desta perspectiva so: (a) memorizao prvia de uma lista
de palavras, (b) conhecimento das regras necessrias para juntar essas palavras em frases e (c)
exerccios de traduo e verso (tema) (1988:212); parte-se da regra para o exemplo. Apronncia e a entonao quase no tm importncia nesta abordagem, a escrita a prioridade,
desde os exerccios at a leitura final dos autores clssicos da lngua. Em relao ao professor,
Leffa afirma que o seu domnio oral da lngua no um aspecto determinante, j que a
maioria das atividades das aulas est no livro-texto, por isso, o que ele precisa dominar a
gramtica da lngua, com suas regras e terminologias. Segundo o autor,
o objetivo final da AGT ou era levar o aluno a apreciar a cultura e aliteratura da L2. Na consecuo desse objetivo, acreditava-se que eleacabava adquirindo um conhecimento mais profundo de seu prprioidioma, desenvolvendo sua inteligncia e capacidade de raciocnio(1988:213).
Richards & Rodgers (1993)21apresentam sete caractersticas principais da AGT, a qual
nomeiam Grammar-Translation Method 22:
1.
A finalidade do estudo de uma lngua estrangeira aprender a lngua paraler sua literatura ou para beneficiar-se da disciplina mental e dodesenvolvimento intelectual que resultam do estudo de uma lnguaestrangeira. A Gramtica e Traduo uma maneira de estudar umalngua que primeiramente a aborda atravs da anlise detalhada de suasregras gramaticais, seguida pela aplicao deste conhecimento tarefa detraduzir sentenas e textos a partir da lngua alvo e para esta. Portanto, va aprendizagem da lngua como consistindo de um pouco mais do quememorizar regras e fatos a fim de entender e manipular a morfologia e asintaxe da lngua estrangeira. A primeira lngua mantida como sistemade referncia na aquisio da segunda lngua (Stern 1983:455).
21 RICHARDS, Jack C.; RODGERS, Theodore S. Approaches and methods in language teaching: adescription and analysis. 9th.ed. New York: Cambridge University Press, 1993.
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2.Ler e escrever so os principais focos; pouca ou no sistemtica ateno dada fala ou escuta.
3.A seleo do vocabulrio baseada somente na leitura dos textos usados, eas palavras so ensinadas atravs de listas bilngues de palavras, estudo
do dicionrio e memorizao. Num texto tpico de Gramtica e Traduo,as regras de gramtica so apresentadas e ilustradas, uma lista de itens devocabulrio apresentada com suas tradues equivalentes, e exercciosde traduo so prescritos.
4.A sentena a unidade bsica do ensino e da prtica da lngua. Grandeparte da aula dedicada a traduzir sentenas a partir da lngua alvo e paraesta, e este foco na sentena que um trao distintivo do mtodo. [...]
5.A preciso enfatizada. Espera-se que os alunos atinjam padres altos natraduo, por causa da alta prioridade ligada a meticulosos padres depreciso que, assim como tinha um valor moral intrnseco, era um