silva, rodrigo machado da. a oscilação entre escalas de análise para a construção de um...

10
1 Oscilação entre escalas de análise para a construção de um personagem histórico Rodrigo Machado 1 1. Notas Iniciais O que é um personagem? O conceito de personagem varia muito dependendo do que autor quer empregar nesse personagem. Isso pode ser claramente percebido onde é que se pretende empregá-lo; em um texto narrativo literário, científico, ou biográfico? Cada uma dessas formas de trabalho exigem um comportamento diferenciado por parte do produtor ao inferir características à alguém ou alguma coisa. Seguindo nesse sentido, em uma narrativa necessita de um personagem que caiba dentro de uma de uma figura dramática, própria para contos que necessitam de personagens que estão conectados a forma de escrita do autor. Isso é levemente diferente de, por exemplo, um texto científico. Em uma produção com essa característica, uma produção historiográfica para aproximarmos de nosso ofício, pede que o historiador construa o seu personagem não apenas como um indivíduo ligado ao mundo em que vive, nem mesmo pode ele introduzir uma noção de representação máxima de uma era. O personagem histórico não é um reflexo absoluto de seu tempo. E por fim, no gênero biográfico, onde percebemos que a peça principal de toda a narrativa é justamente o indivíduo biografado, um personagem real de um mundo real. Para o presente trabalho, a idéia de um personagem ligado à literatura não se mostra como elemento relevante para a nossa argumentação. Encontramos, dessa maneira, uma tensão entre um personagem de uma prática historiográfica cientificamente conduzida e o gênero biográfico. Onde se encontra o limite de cada método? Segundo Lúcia Maria Paschoal Guimarães, a História tradicionalmente se dedica a narrar os acontecimentos coletivos, o que se diferencia da biografia, que enfoca majoritariamente a descrição de fatos e das atitudes de um indivíduo 2 . Seguindo Lucien Febvre e sua análise sobre Rabelais podemos pensar que o entendimento de uma época pode também ser investigada a partir de 1 Graduando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto 2 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Biografia: a reabilitação de um gênero histórico. s/ed. Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

Upload: rodrigomachado

Post on 02-Oct-2015

213 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

O que é um personagem? O conceito de personagem varia muito dependendo do que autor quer empregar nesse personagem. Isso pode ser claramente percebido onde é que se pretende empregá-lo; em um texto narrativo literário, científico, ou biográfico? Cada uma dessas formas de trabalho exigem um comportamento diferenciado por parte do produtor ao inferir características à alguém ou alguma coisa. Seguindo nesse sentido, em uma narrativa necessita de um personagem que caiba dentro de uma de uma figura dramática, própria para contos que necessitam de personagens que estão conectados a forma de escrita do autor. Isso é levemente diferente de, por exemplo, um texto científico. Em uma produção com essa característica, uma produção historiográfica para aproximarmos de nosso ofício, pede que o historiador construa o seu personagem nãoapenas como um indivíduo ligado ao mundo em que vive, nem mesmo pode ele introduzir uma noção de representação máxima de uma era. O personagem histórico não é um reflexoabsoluto de seu tempo. E por fim, no gênero biográfico, onde percebemos que a peça principal de toda a narrativa é justamente o indivíduo biografado, um personagem real de um mundo real.

TRANSCRIPT

  • 1

    Oscilao entre escalas de anlise para a construo de um personagem histrico Rodrigo Machado1

    1. Notas Iniciais

    O que um personagem? O conceito de personagem varia muito dependendo do que autor quer empregar nesse personagem. Isso pode ser claramente percebido onde que se pretende empreg-lo; em um texto narrativo literrio, cientfico, ou biogrfico? Cada uma dessas formas de trabalho exigem um comportamento diferenciado por parte do produtor ao inferir caractersticas algum ou alguma coisa. Seguindo nesse sentido, em uma narrativa necessita de um personagem que caiba dentro de uma de uma figura dramtica, prpria para contos que necessitam de personagens que esto conectados a

    forma de escrita do autor. Isso levemente diferente de, por exemplo, um texto cientfico. Em uma produo com essa caracterstica, uma produo historiogrfica para

    aproximarmos de nosso ofcio, pede que o historiador construa o seu personagem no apenas como um indivduo ligado ao mundo em que vive, nem mesmo pode ele introduzir uma noo de representao mxima de uma era. O personagem histrico no um reflexo absoluto de seu tempo. E por fim, no gnero biogrfico, onde percebemos que a pea principal de toda a narrativa justamente o indivduo biografado, um personagem real de um mundo real. Para o presente trabalho, a idia de um personagem ligado literatura no se mostra como elemento relevante para a nossa argumentao. Encontramos, dessa maneira, uma

    tenso entre um personagem de uma prtica historiogrfica cientificamente conduzida e o gnero biogrfico. Onde se encontra o limite de cada mtodo? Segundo Lcia Maria

    Paschoal Guimares, a Histria tradicionalmente se dedica a narrar os acontecimentos coletivos, o que se diferencia da biografia, que enfoca majoritariamente a descrio de fatos e das atitudes de um indivduo2. Seguindo Lucien Febvre e sua anlise sobre Rabelais podemos pensar que o entendimento de uma poca pode tambm ser investigada a partir de

    1 Graduando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto

    2 GUIMARES, Lucia Maria Paschoal. Biografia: a reabilitao de um gnero histrico. s/ed.

    Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flvia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia. A dinmica do historicismo: tradies historiogrficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

  • 2

    uma perspectiva de um homem cuja obra exprime parte do pensamento dos homens de seus tempo, no explica, mas abre portas para a compreenso do mundo em que ele vive3. As obras de um indivduo nunca esto conectadas totalmente com a realidade em que est inserido; elas fazem parte de um sistema de pensamentos4, que como peas de um quebra-cabea o historiador tem a possibilidade de tentar reconstruir o passado.

    A reconstruo desse passado sempre efetuada a partir de um mtodo outorgado pelo historiador, no sentido da subjetividade de escolha dos temas a serem pesquisados. Entender um perodo especfico, ou uma espcie de quadro explicativo de uma heterogeneidade de aes variam justamente da vontade do pesquisador em seguir uma ou outra direo. Jrn Rsen trabalha com a idia de que o discurso moderno de histria concentra ateno entre os historiadores como sujeitos do conhecimento e a vivncia do passado que pode ser resgatado atravs de mtodos e fontes5. No entanto, quais so os mtodos e fontes relevantes para o resgate do passado? Deve-se fazer uma histria da especificidade do especfico, seguindo a linha da historie vnementielle, ou uma histria hiper-generalizante? Quais so os elementos mais relevantes e os documentos mais interessantes para se fazer Histria? Carlo Ginzburg diz:

    No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as gestas dos reis. Hoje, claro, no mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixando de lado ou simplesmente ignorado. Quem construiu Tebas das sete portas? perguntava o leitor operrio de Brecht. As fontes no nos contam nada daqueles pedreiros annimos, mas a pergunta conserva todo o peso6.

    Dessa forma, podemos perceber o passado em diversas perspectivas, no s mais reconstruindo histria de reis e grandes batalhas, mas tambm de outros pequenos personagens que de certa forma tambm fazem parte desse passado resgatado na pesquisa histrica. No se pode obter, insisto, a totalidade desse passado reconstrudo apenas pela perspectiva de um homem, ou de uma ao especfica, mas certamente essas caractersticas

    nos trazem relevantes informaes para buscarmos o sentido central da pesquisa.

    3 FEBVRE, Lucien. O problema e o mtodo. In: MOTA, C. G. (org) Coleo: Grandes Cientistas Sociais.

    So Paulo: tica, 1978. 4 GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.

    5 RSEN, Jrn. Narratividade e objetividade na Cincia Histrica. In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS,

    v. XXIV, n. 2, p. 311-335, dezembro 1998. 6 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. (p. 11)

  • 3

    Com isso, ainda permanece a questo entre a percepo de um personagem histrico dentro de conjunturas de anlise e de pensamentos de uma poca especfica. Ao fazer uma leitura da poltica brasileira da segunda metade do sculo XIX onde a construo do pensamento de um homem pode ser significativo para entender discursos paradigmticos para a obteno de uma unidade poltica? O presente artigo um fragmento do projeto intitulado: Em busca de um paradigma: Diogo de Vasconcellos na crise poltica brasileira da segunda metade do oitocentos7. A proposta principal desse projeto a realizao do estudo acerca do pensamento poltico de Diogo Luiz de Almeida Pereira de Vasconcellos, no perodo de 1891 e 1894. No desenvolvimento desse trabalho a perodo de transio entre Monarquia e a Repblica a conjuntura mais ampla, partindo do momento de fundao do Partido Republicano, em 1870 at 1920, dcada da morte de Diogo de Vasconcellos. O poltico mineiro, Presidente da Cmara Municipal e Agente Executivo de Ouro Preto nesse perodo, o personagem principal do presente trabalho. No entanto, a construo de seu pensamento no ser efetuada de uma forma a se produzir uma biografia histrica de Diogo de

    Vasconcellos, mas de identificar uma rede de relaes, pensamentos e aes polticas dele no perodo do recorte temporal estudado.

    Como observado no pargrafo acima, o projeto de pesquisa referente reconstruo do pensamento de Vasconcellos transita por duas lgicas temporais diferentes. A primeira, que se apresenta de uma forma secundria a ttulo de relevncia abarca um perodo amplo de anlise, 50 anos, e a segunda forma, a principal, bem menor, apenas 3 anos. Isso nos permite variar a escala de anlise de nosso objeto histrico. Jacques Revel8 discute uma abordagem de anlise para a histria pensada nas dcadas de 1960 e 1970, que ir perpassar por uma linha tnue entre as escalas de macro e micro anlise. A primeira forma de escalonagem de anlise, em alegoria, estrutura-se em forma de um tecido, composto por

    milhares de fios na vertical, e vrios outros na horizontal, cujo relacionamento entre si muito mais coeso, e dependente, pois basta puxar um fio apenas para desestruturar todo

    esse tecido, o que faz com que em uma anlise macro o historiador se preocupe muito mais

    7 Esse projeto desenvolvido sob a orientao da Professora Doutora Helena Miranda Mollo, do

    Departamento de Histria da Universidade Federal de Ouro Preto. 8 REVEL, Jacques. Microanlise e construo do social. In: _____ (org) Jogos de escalas: A experincia da

    microanlise. Rio de Janeiro: FGV, ????

  • 4

    com a generalizao, e dentro dela puxar o ponto e anlise. Isso diferente de uma micro anlise, que segundo Giovanni Levi9, estrutura-se na forma de uma rede, e que cada n dessa rede representa um indivduo ou uma instituio dessa sociedade (indivduo relacional), que no compreensvel por si s. Desse ponto partem outras linhas de relacionamento que se ligam a outros pontos, e assim por diante. No entanto, ao desfazer

    apenas um n, a anlise generalizante dessa sociedade no se desfaz por completo, interfere naquele ponto, e na ao direta de com outros.

    Dessa forma, esse artigo se mostra pea introdutria na discusso da construo do personagem histrico Diogo de Vasconcellos, em uma variante de escalas inserido na tenso entre uma prtica historiogrfica e a produo de uma biografia histrica, sendo que a segunda no se mostra rigidamente constituda. Assim, como elementos norteadores, pretende-se aqui verificar a posio de Vasconcellos frente a trs elementos fundamentais que para ele so causas da crise nacional brasileira nos finais do sculo XIX: cincia, irreligiosidade e Repblica.

    2. Cincia, irreligiosidade e Repblica na administrao pblica por Diogo de Vasconcellos

    Diogo Luiz de Almeida de Vasconcellos assume a presidncia da Cmara Municipal de Ouro Preto em 1890, momento em que o pas est passando por mudanas estruturais em mbitos polticos. A Repblica fora proclamada em 15 de novembro de 1889, e com ela um regime at ento muito pensado e discutido, mas que ainda no estava organizado o suficiente para entrar em vigor. O tradicionalismo monrquico ainda era um empecilho para o liberalismo republicano, e Vasconcellos um exemplo de tradicionalismo. Ele pode ser considerado um membro do grupo dos sebastianistas10, o que ter uma interferncia

    significativa em seu governo.

    Em seu conservadorismo tpico, a religiosidade um fator fundamental para

    entendermos o pensamento de Vasconcellos. Seus estudos primrios se derem em colgios

    9 LEVI, Giovanni. A herana imaterial: Trajetria de um exorcista no Piemonte do sculo XVII. Rio de

    Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000. 10

    Sebastianista o indivduo poltico de postura assumidamente monarquista, que usa o espao republicano para a execuo de seu iderio poltico conservador reacionrio, com o intuito ou de manter slidas as propostas da monarquia, ou de restaurar o antigo regime.

  • 5

    religiosos. O primeiro foi o Seminrio Menor de Nossa Senhora da Boa Morte, em Mariana-MG, sua cidade natal, e depois no Mosteiro de So Bento, no Rio de Janeiro. Inserido numa conjuntura de efervescente crise poltica no Brasil, em um momento em que Gumbrecht chama de Alta Modernidade11, onde comea a surgir uma intensificao da crise das representabilidades, da acelerao do tempo, e de um crescimento industrial,

    mesmo que no visto de maneira to larga no pas, ainda sim est sendo implantada lentamente na segunda metade do oitocentos atravs da cafeicultura. O Brasil estava

    passando por um processo de modernizao. Vasconcellos identificava tanto a modernizao quanto a crise. Segundo seu pensamento, existem trs elementos bsicos que compe o quadro de bancarrota do pas no momento em que se v sobre o comando da capital do estado de Minas Gerais, so eles: a cincia, a irreligiosidade e a Repblica. Dessa forma, procuraremos identificar esses elementos discursivos na documentao oficial que servem de apoio para a pesquisa realizada sobre esse tema. Em outubro de 1892, em uma carta resposta ao Inspetor Geral da Higiene Pblica do estado, referente construo de um cemitrio no distrito ouropretano de Saramenha, Diogo de Vasconcellos deixa bem claro o seu discurso. Oficialmente estava proibida a

    construo de cemitrios no permetro urbano das cidades. Com isso, fora solicitado ao governo executivo de Ouro Preto que se construsse um cemitrio fora da cidade, e que fechassem, ento, os das irmandades. A alegao das autoridades cientficas era de que os cadveres produzem resduos nocivos sade humana, e que um cemitrio na cidade poderia vir a causar grandes prejuzos a comunidade. Vasconcellos no se via convencido sobre esse argumento. Sem nenhuma restrio cumpriu com o que haviam lhe solicitado quanto construo de um cemitrio no Saramenha. O local era acessvel por todos os membros da cidade, ou quem quisesse

    enterrar seus mortos por l sem distino de crenas e qualidade havendo um lugar todo reservado aos que no tenham de dormir a sombra da Igreja12. A partir desse ponto que se podem perceber os primeiros traos discursivos do poltico mineiro. Mesmo sendo um

    11 GUMBRECHT, Hans-Ulrich. Cascatas de Modernizao. In _________. A modernizao dos sentidos.

    So Paulo: Ed. 34, 1998. 12

    VASCONCELLOS, Diogo L A. Pereira de. Carta ao Inspetor Geral de Hygiene Publica. Pao da Cmara Municipal de Ouro Preto, 14 de outubro de 1892.

  • 6

    representante do poder pblico, ele impunha os seus valores morais e religiosos frente de suas aes na cmara. Tal atitude influenciava de maneira rgida o seu governo. Ele no enxergava problema algum em construir um cemitrio fora de Ouro Preto, mas como um representante de um cristianismo fervoroso no ir enfrentar o povo ouropretano ao impedir que enterrem seus mortos nos cemitrios das Irmandades que fazem

    parte. E isso no seria nenhum grande mal, uma vez que era impossvel da cincia convencer o povo da cidade de que haja malefcios em utilizar aqueles espaos para que os cadveres de seus entes queridos jazam paz.

    Ora, as theorias de V. Sa. e de mais hygienistas no estam ainda provadas nesta cidade; porque o tem estado em modo claro que lidam no seo servio funebre gosam de perfeita saude e morrem velhos; parecendo-me que toda esta propaganda contra os nossos cemiterios inspirada pelos descrentes da imortalidade da alma: aos quaes cabe a responsabilidade principal das idas irreligiosas que tem arruinado o governo do paiz13.

    Dessa forma, a cincia algo que se posta contrrio ao cristianismo, e as teorias

    cientficas provavelmente pouco teriam espao em uma cidade conservadora como a Ouro Preto. A postura religiosa a majoritria naquela localidade, que vem a cada momento entrando em declnio, e a imagem vinculada com um passado remoto de Imperial Cidade, ou de uma vila colonial de alta importncia j no est cada vez mais fraca14. A negao da cincia atravs de uma leitura da irreligiosidade est de certa forma conectada a um pensamento vinculado s condenaes do racionalismo absoluto e moderado proposto pelo Papa Pio IX, na dcada de 1860. No apenas a condenao cincia e a irreligiosidade que ela produz, uma vez que se abandonam s verdades do cristianismo em prol a teorias no provadas, a manuteno de uma cultura crist tema forte para Diogo de Vasconcellos. Com isso, a instruo sobre o catolicismo deveria ser uma obrigatoriedade nas escolas pblicas de Ouro Preto, em uma ao vinculada entre a Igreja e a Cmara. Assim, uma vez por semana as crianas deveriam tomar lies do catecismo na escola. Segundo Vasconcelos; A sociedade civil tem visto mais interesse do que a prpria Igreja, pois que a Igreja vive sem a cidade, mas a cidade

    13 Idem

    14 NATAL, Caion Meneguello. Ouro Preto: A Construo de uma Cidade Histrica, 1881-1933. Campinas:

    Unicamp, 2007. (Dissertao de Mestrado).

  • 7

    que no ter fundamento seguro seno no temor de Deus15. A inteno do agente executivo de Ouro Preto era tentar de alguma forma afastar dos jovens doutrinas materialistas e anrquicas que vm surgindo com o advento da modernidade em comunho Repblica Positivista instaurada no Brasil. O carter monarquista de nosso personagem histrico no est isolado na conjuntura transitria da poltica brasileira. Nesse sentido, difcil no vincular Vasconcellos do movimento de transposio da capital do estado de Minas Gerais para uma outra localidade.

    Assim como j havia sido exposto acima, a imagem de cidade imperial de Ouro Preto estava cada vez mais decrpita. O Brasil estava se modernizando, e Minas Gerais no poderia ficar atrs nesse processo. Havia a necessidade da construo de uma capital que correspondesse aos interesses republicanos do Estado. Com isso, em 1891 fora decido a transposio da capital. A discusso ficou engavetada at o ano de 1893, quando em uma sesso extraordinria em novembro de 1893 decidira-se construir a capital onde hoje se encontra Belo Horizonte, acabando com as esperanas de Diogo de Vasconcellos e os monarquistas ouropretanos de manter a capital e o tradicionalismo em Ouro Preto.

    Dessa maneira, podemos observar superficialmente a postura discursiva e de ao poltica de Diogo de Vasconcellos. Esse artigo de maneira alguma se prope esgotar as

    possibilidades de anlise quanto ao personagem histrico em questo, muito pelo contrrio, uma explanao sobre as possibilidades de argumentao frente documentao disponvel, assim como uma aplicao das escalas de anlise. No possvel apenas com esses dados montar um tecido ou uma rede para compreender o objeto do projeto, mas introduz as questes mais pertinentes para investigarmos quem esse personagem, e identificar a metodologia mais pertinente para sanar a tenso entre a produo historiogrfica e a biografia.

    3. Consideraes Finais

    A compreenso de um tempo atravs de um homem, segundo Febvre, deve ser feita sob a tica de um homem que simboliza a exceo, no uma pessoa que exprime a opinio

    15 VASCONCELLOS, Diogo L A. Pereira de. Carta ao Sr. Juiz de Paz e ao Revmo. Vigrio de Ouro Preto.

    Pao da Cmara Municipal de Ouro Preto, 12 de agosto de 1892.

  • 8

    da maioria de seus contemporneos16. Ser que assim que surgem os Menochios e os Rabelais da Histria? Possivelmente conhecer a exceo traz consigo um discurso cultural enriquecedor, englobando as perspectivas, seletividade e particularidades tanto do historiador quanto de seu objeto e estudo. O conhecimento histrico, para Rsen, possui duas faces: uma objetiva, que se referencia s vivncias do passado como aquelas visualizadas em fontes, e outra subjetiva, que se refere aos problemas de orientao da vida prtica no presente17. a partir desse ponto que comeamos a pensar a escrita da histria e a construo de nosso objeto de anlise. A questo mais pertinente nesse presente artigo no exatamente de cunho metodolgico objetivo, mas referente subjetividade de escolha do objeto histrico e a forma de analis-lo. Diogo de Vasconcellos em hiptese alguma pode ser considerado como um reflexo da sociedade mineira dos finais do oitocentos? Certamente que no, tal afirmao seria uma falcia histrica imperdovel. Nem mesmo o representando mximo do grupo que consciente ou inconscientemente integra, a dos monarquistas anti-republicanos que atuam

    no regime da Repblica, tambm conhecidos como sebastianistas. No entanto, a partir do momento em que se sistematiza uma investigao do contexto, geralmente construdo pelo

    historiador, em que o objeto se encontra, que se pode problematizar conceitos e construir uma ponte que ligue as formas de anlise, ou as escalas de anlise, das quais variam entre a macro e a micro.

    A tradio da qual defendida por Diogo de Vasconcellos pode ser vista como uma espcie de runa de um mundo que est preste a ser radicalmente modificado, e que certamente trar malefcios para o pas. Considera-se a decade de 1870 o marco fundador desse conjunto de transformaes, tais como a fundao do Partido Republicano e a recepo de novos paradigmas cientficos. Segundo ngela Alonso:

    a conjuntura em que o movimento intelectual da gerao 1870 surge a hora de processamento poltico de uma mudan estrutural: os fundamentos coloniais da

    16 FEBVRE, Lucien. O problema e o mtodo. In: MOTA, C. G. (org) Coleo: Grandes Cientistas Sociais.

    So Paulo: tica, 1978. (p.34) 17

    RSEN, Jrn. Narratividade e objetividade na Cincia Histrica. In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXIV, n. 2, p. 311-335, dezembro 1998.

  • 9

    formao social brasileira, a forma patrimonial do Estado e o regime de trabalho davam sinais de desagregao18

    nesse sentido que se desenvolve o projeto Em busca de um paradigma: Diogo de Vasconcellos na crise poltica brasileira na segunda metade do oitocentos, onde se procura investigar a postura poltica de um personagem da histria que possui uma certa especificidade, assim como um carter genrico. Basta buscar a compreenso de suas redes de relacionamento que faa sentido quanto efetivao de suas aes.

    4. Referncias Bibliogrficas

    ALONSO, ngela. Idias em movimento. A gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Paz e Terra, 2002.

    FEBVRE, Lucien. O problema e o mtodo. In: MOTA, C. G. (org) Coleo: Grandes Cientistas Sociais. So Paulo: tica, 1978.

    GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.

    GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.

    GUIMARES, Lucia Maria Paschoal. Biografia: a reabilitao de um gnero histrico. s/ed.

    GUMBRECHT, Hans-Ulrich. Cascatas de Modernizao. In _________. A modernizao dos sentidos. So Paulo: Ed. 34, 1998.

    LEVI, Giovanni. A herana imaterial: Trajetria de um exorcista no Piemonte do sculo XVII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000.

    NATAL, Caion Meneguello. Ouro Preto: A Construo de uma Cidade Histrica, 1881-1933. Campinas: Unicamp, 2007. (Dissertao de Mestrado).

    REVEL, Jacques. Microanlise e construo do social. In: _____ (org) Jogos de escalas: A experincia da microanlise. Rio de Janeiro: FGV, ????

    RSEN, Jrn. Narratividade e objetividade na Cincia Histrica. In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXIV, n. 2, p. 311-335, dezembro 1998.

    18 ALONSO, ngela. Idias em movimento. A gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Paz e

    Terra, 2002. (p. 41)

  • 10

    Documentos Primrios

    VASCONCELLOS, Diogo L A. Pereira de. Carta ao Sr. Juiz de Paz e ao Revmo. Vigrio de Ouro Preto. Pao da Cmara Municipal de Ouro Preto, 12 de agosto de 1892. Arquivo Pblico Municipal de Ouro Preto. Livro de Ofcios e Portarias da Cmara Municipal (1892-1893). Caixa: 22. Livro: 01.

    ____________. Carta ao Inspetor Geral de Hygiene Publica. Pao da Cmara Municipal de Ouro Preto, 14 de outubro de 1892. Arquivo Pblico Municipal de Ouro Preto. Livro de Ofcios e Portarias da Cmara Municipal (1892-1893). Caixa: 22. Livro: 01.

    Arquivo Consultado

    Arquivo Pblico Municipal de Ouro Preto.