silva, rodrigo machado. a interface história política e história da historiografia. diogo de...

10
Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 A interface História Política e História da Historiografia: Diogo de Vasconcellos e os debates sobre a História de Minas Gerais Rodrigo Machado da Silva* 1. Notas Iniciais Este artigo faz parte de reflexões desenvolvidas ao longo da pesquisa realizada sob o financiamento do Programa de Iniciação à Pesquisa (PIP) da Universidade Federal de Ouro Preto intitulado "Em busca de um paradigma: Diogo de Vasconcellos na crise política brasileira na segunda metade do oitocentos". Proponho aqui apenas uma sintética explanação acerca de um dos problemas mais caros a esta pesquisa, que se mostra no campo da interface entre história política e história da historiografia. O texto se mostra longe de esgotar a questão, muito pelo contrário, a hipótese que levantarei aqui ainda está em fase de investigação. Dessa forma, o que será apresentado serão os pressupostos iniciais acerca desta temática, que é uma das desenvolvidas no projeto. O objeto central de minha análise é o lugar em que se encontra o político e historiador mineiro Diogo Luiz de Almeida Pereira de Vasconcellos em meio ao debate sobre os caminhos da escrita da história de Minas Gerais na virada do século XIX para o XX. Pensar um historiador como um intelectual hoje parece ser uma tarefa simples, com o campo consolidado e institucionalizado. Na Primeira República isso não se mostrava tão claro. Havia nesse momento uma grande participação de pensadores da ordem pública, políticos, dialogando com os intelectuais de reflexões mais amplas. O contrário também se mostra comum. Nicolau Sevcenko propõe que havia uma tendência entre os intelectuais no período de consolidação do regime republicano em incorporar um certo engajamento político em seus pensamentos (SEVCENKO, 1985: 78-79). A literatura e o jornalismo são dois grandes meios de divulgação de projeto. É muito comum homens públicos serem 1

Upload: rodrigomachado

Post on 02-Oct-2015

3 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Este artigo faz parte de reflexões desenvolvidas ao longo da pesquisa realizada sob o financiamento do Programa de Iniciação à Pesquisa (PIP) da Universidade Federal deOuro Preto intitulado "Em busca de um paradigma: Diogo de Vasconcellos na crise política brasileira na segunda metade do oitocentos". Proponho aqui apenas uma sintética explanação acerca de um dos problemas mais caros a esta pesquisa, que se mostra no campo da interface entre história política e história da historiografia.

TRANSCRIPT

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    A interface Histria Poltica e Histria da Historiografia: Diogo de Vasconcellos e os debates sobre a Histria de Minas Gerais

    Rodrigo Machado da Silva*

    1. Notas Iniciais

    Este artigo faz parte de reflexes desenvolvidas ao longo da pesquisa realizada sob

    o financiamento do Programa de Iniciao Pesquisa (PIP) da Universidade Federal de

    Ouro Preto intitulado "Em busca de um paradigma: Diogo de Vasconcellos na crise

    poltica brasileira na segunda metade do oitocentos". Proponho aqui apenas uma sinttica

    explanao acerca de um dos problemas mais caros a esta pesquisa, que se mostra no

    campo da interface entre histria poltica e histria da historiografia.

    O texto se mostra longe de esgotar a questo, muito pelo contrrio, a hiptese que

    levantarei aqui ainda est em fase de investigao. Dessa forma, o que ser apresentado

    sero os pressupostos iniciais acerca desta temtica, que uma das desenvolvidas no

    projeto. O objeto central de minha anlise o lugar em que se encontra o poltico e

    historiador mineiro Diogo Luiz de Almeida Pereira de Vasconcellos em meio ao debate

    sobre os caminhos da escrita da histria de Minas Gerais na virada do sculo XIX para o

    XX.

    Pensar um historiador como um intelectual hoje parece ser uma tarefa simples, com

    o campo consolidado e institucionalizado. Na Primeira Repblica isso no se mostrava to

    claro. Havia nesse momento uma grande participao de pensadores da ordem pblica,

    polticos, dialogando com os intelectuais de reflexes mais amplas. O contrrio tambm se

    mostra comum. Nicolau Sevcenko prope que havia uma tendncia entre os intelectuais no

    perodo de consolidao do regime republicano em incorporar um certo engajamento

    poltico em seus pensamentos (SEVCENKO, 1985: 78-79). A literatura e o jornalismo so

    dois grandes meios de divulgao de projeto. muito comum homens pblicos serem

    1

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    donos ou redatores de jornais no final do dezenove e incio do vinte. Diogo de Vasconcellos

    no exceo1.

    Tendo isso em vista corroboro com os pressupostos de ngela Alonso quando a

    autora ressalta que a interseco entre o campo intelectual e o campo poltico se mostra

    mais coerente na interpretao no s sobre a gerao 1870, que o seu objeto de estudo,

    mas para todo o contexto da segunda metade do oitocentos, e acrescento dizendo que para o

    primeiro quartel do novecentos isso tambm pertinente. A separao dos campos ainda

    no era bem clara tambm na Europa, de onde vinha a grande maioria das bases do

    pensamento poltico, filosfico, sociolgico, entre outros no Brasil, em que as instituies

    acadmicas j estavam, em grande medida, consolidadas e os intelectuais tambm possuam

    certo espao dentro da poltica (ALONSO, 2002: 30).

    Tal fenmeno pode ser visualizado para Minas Gerais. No caso mineiro o dilogo

    entre o discurso poltico e o discurso historiogrfico, nessa anlise, se dar para alm de

    reflexes filosficas ou sociolgicas, mas insere-se dentro das instituies. A histria

    servir para legitimar o novo regime que se instaurara no Estado com o advento da

    Repblica. O Arquivo Pblico Mineiro (APM), fundado em 1895, ser a primeira

    instituio a ser criada para construir um discurso histrico prprio de Minas. O Instituto

    Histrico e Geogrfico de Minas Gerais (IHGMG), fundado em 1907, ser o segundo, de

    carter estadual, com este propsito.

    Influentes nomes da poltica mineira da poca envolvem-se na construo das duas

    instituies, projeto majoritariamente republicano. H dessa forma um critrio de seleo,

    mais visvel para o caso do APM, de membros que faro a ponte entre a formao dessa

    memria histrica mineira, at ento inexistente, com a Repblica no Estado. A minha

    proposta de investigao perceber o papel de Diogo de Vasconcellos nesse processo, uma

    vez que fora um dos membros mais importantes do Partido Conservador Mineiro no ltimo

    1* Graduando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto. ([email protected])Este texto faz parte do projeto de iniciao cientfica financiado pelo Programa de Iniciao Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto e orientado pela Prof Dr Helena Miranda Mollo.

    U

    Entre outros jornais em que Diogo de Vasconcellos atuou, destaco o Echo de Minas (redator), A Provncia de Minas (colaborador), O Jornal de Minas (proprietrio), A Unio (proprietrio), Estado de Minas (ainda no tenho informaes precisas quanto a sua participao no jornal), Cruzeiro (colaborador), O Arauto de Minas (colaborador) e o Pharol (colaborador)

    2

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    quartel do XIX e ter conflitos imediatos com a Repblica. Esses conflitos no campo

    poltico tero impacto tambm em seu projeto historiogrfico.

    2. As Instituies e o "Novo Tempo"

    A historiografia h muito atribui ao sculo XIX o emblema de "sculo da histria",

    ou ao menos um sculo que se prope a pensar a histria de uma maneira mais

    sistematizada (GUIMARES, 1988). Luis Costa Lima prope, que, desde a proclamao

    da Independncia os intelectuais brasileiros tm se preocupado com a questo da busca pelo

    paradigma da objetividade, e isso pode ser identificado nos escritos literrios da poca

    (LIMA, 1986). O paradigma em questo pode ser identificado em alguns de seus contornos

    no Romantismo, na vinculao do discurso literrio ao discurso histrico na construo da

    nacionalidade brasileira.

    Seguindo os pressupostos de Franois-Xavier Guerra, da mesma forma que o Estado

    moderno, toda identidade coletiva, seja ela lngua, religio, mitos histricos, e imaginrio

    poltico so construes culturais (GUERRA, 1992). Inmeros projetos objetivavam coligir

    documentos e escrever a histria da Nao, como o IHGB e o Arquivo Nacional, ambos de

    1838. No que tange literatura, o Romantismo no Brasil parece estar datado: 1836 com a

    fundao da Revista Nitheroy por Domingos Jos Gonalves de Magalhes. Seu principal

    objetivo romper com o passado brasileiro vinculado ao domnio portugus. Em seu

    discurso sobre a histria da literatura no Brasil, Gonalves de Magalhes prope a

    formulao de uma escrita literria genuinamente nacional, que supra os anseios brasileiros,

    para se efetivar o processo de emancipao cultural e poltica (GONALVES DE

    MAGALHES, 1994: 22).

    O IHGB uma das instituies mais analisadas pela historiografia no que tocante ao

    processo de institucionalizao da histria no Brasil no sculo XIX. O grande agente da

    histria para os membros do IHGB, sediado no Rio de Janeiro, era o Estado imperial.

    Buscava-se, nesse momento, o desenvolvimento de uma histria geral do pas, enfocando a

    centralizao nacional na figura, sobretudo, do Imperador. Cabiam s Provncias as

    correspondncias dessa histria servindo de pea para o quebra-cabea Brasil. O espao

    3

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    para as alteridades regionais era suprimido pelo ideal centralizador. A proposta do IHGB

    para as Provncias era de que cada uma tivesse um Instituto congnere preocupado em

    levantar a documentao de sua prpria Provncia fornecendo os dados ao Rio de Janeiro,

    possibilitando ento o arquivamento desses dados subsidiando a escrita da histria no

    futuro (GUIMARES, 1988). No entanto, no foram todas as Provncias que fundaram

    seus Institutos, assim como nem todas possuam um dilogo estreito com o IHGB.

    Minas Gerais fora um Estado que no se vinculou imediatamente ao projeto do

    IHGB e se integrar ao movimento pela histria geral do Brasil, a partir de 1838. O

    programa mineiro de construo arquivstica de sua memria histrica s ter incio em

    1895 com a fundao do Arquivo Pblico Mineiro (APM) no governo de Crispim Jacques

    Bias Fortes, tendo como o primeiro diretor Jos Pedro Xavier da Veiga, e ser consolidado

    com o Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais (IHGMG), em 1907, no governo e

    presidido por Joo Pinheiro da Silva.

    Raoul Girardet prope que h uma espcie de efervescncia mitolgica que

    acompanha as perturbaes polticas. Imagens so construdas para que doutrinas possam

    ser instauradas, e a poltica das Naes, ento, serem conduzidas sobre as bases de aluses

    a Idades de Ouro, grandiosas Revolues, retorno de Chefes Salvadores, entre outros mitos,

    que contribuem para a formulao desse quadro (GIRARDET, 1897: 11). A Repblica em

    Minas Gerais elegeu Tiradentes como a figura histrica mtica que representa as razes do

    regime. O Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais (IHGMG) fundado na

    inteno de resgatar essa memria histrica republicana mineira e marcar o seu lugar na

    histria do Brasil (CALLARI, 2001). O Arquivo Pblico Mineiro (APM) possua "funo"

    semelhante. A caracterstica primria do Arquivo era a construo de um acervo de

    documentos escritos ou no que remetessem ao passado de Minas Gerais (SILVA, 2007).

    Com a passagem do governo monrquico para o republicano, Minas inicia um

    perodo de renovao poltica e cultural. Nasce com o novo regime um anseio por

    modernizao a fim de deixar o Estado nos moldes de civilizaes mais avanadas do final

    do oitocentos. H nesse momento a inaugurao de um novo regime de historicidade no

    Estado. Antes de 1889 a percepo de tempo histrico nas Minas estava muito atrelada

    imagem do Imprio, o que para os republicanos constitua uma noo de atraso da Nao,

    4

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    devido crise que se instalara na monarquia e o novo regime procuraria romper com o

    antigo e consolidar uma moderna idia de tempo histrico (MEDEIROS & ARAJO,

    2007: 29). Mais do que constituio de um saber histrico o APM e o IHGMG tm,

    sobretudo, uma funo poltica.

    3. Diogo de Vasconcellos dentro e fora das Instituies

    Diogo de Vasconcellos um sujeito altamente complexo e com um perfil muito

    semelhante aos homens de seu tempo. No existe apenas um Diogo de Vasconcellos, mas

    vrios. O mineiro atuou como advogado, sua formao acadmica; como poltico, em

    vrias instncias: vereador, deputado e senador provincial; como jornalista, escrevendo

    para inmeros jornais; e tambm como historiador, para poder citar as atividades mais

    evidentes de Vasconcellos ao longo da segunda metade do oitocentos. A atividade como

    intelectual se mostrar mais forte no incio do novecentos.

    Neste artigo no h a possibilidade de explorar todos esses quesitos, to pouco se

    aprofundar em qualquer que seja. A inteno desse texto, portanto, introduzir a reflexo

    do lugar de Vasconcellos dentro das instituies na passagem da Monarquia para a

    Repblica no que tange a construo da memria histrica de Minas Gerais. O tema j fora

    explorado por mim entre outros momentos, no entanto, muito mais preocupado em traar

    um perfil da formao de Diogo do que a atuao dentro do APM e do IHGMG

    (MACHADO, 2009). A pesquisa ainda se encontra em andamento, o que limita uma anlise

    mais pontual. Dessa forma, levanto mais hipteses do que respondo questes.

    Durante a Monarquia no se pode identificar em Minas Gerais nenhuma instituio

    que tenha adotado a funo de se arquivar e escrever a histria da Provncia. Como j

    mencionado os mineiros no adotaram a iniciativa do IHGB de construir um Instituto

    congnere para integrar o projeto de se escrever a histria geral do Brasil. A forma

    federalista de organizao republicanismo brasileiro instiga a elaborao de projetos que

    afirmam a autonomia de cada Estado da Nao frente aos outros.

    Minas, assim como o resto do pas, estava passando por um processo de

    modernizao. Uma nova forma de perceber o tempo aos poucos tomava conta da

    5

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    organizao do Estado. Uma questo cara aos republicanos, como bem salienta Jos Murilo

    de Carvalho (1998), era de se estabelecer um tipo de modelo para o regime brasileiro.

    Antes de se poder estabelecer um paradigma liberal americano ou positivista francs, o

    passado Colonial e Imperial deveria ser extirpado.

    O espao urbano, ento, mostra-se fundamental para a construo da modernidade

    abrupta inaugurada com a Repblica. Cidades insalubres, sujas, mal organizadas so as que

    predominavam nesse momento. No quero dizer aqui, que a lgica urbana como a

    argumentada por Srgio Buarque de Holanda, onde as cidades hispnicas possuem uma

    ordem estruturada e planejada, a cidade do ladrilhador, e a portuguesa construda de

    qualquer maneira, a cidade do semeador (HOLANDA, 2006).

    A cidade do Rio de Janeiro, capital do pas na poca, para adentrar nessa pretensa

    modernidade instaura a Regenerao. Movimento de remodelao do centro da cidade,

    muito baseada no estilo francs; de medidas outorgadas de sanitarismo entre outras para

    modernizar a cidade. A capital de Minas Gerais, Ouro Preto, tambm possua problemas

    semelhantes ao Rio, e a medida mais eficaz que o governo mineiro encontrou para

    introduzir o Estado na modernidade foi a construo de uma nova cidade, moderna e

    republicana desde suas bases, o que vir a ser Belo Horizonte.

    A questo aqui no discutir a construo de um espao urbano novo, mas de ver

    como essa idias chegam ao espao pblico. Belo Horizonte nascer completamente

    moderna e republicana, que selar esse movimento, ao menos no que tange no campo

    administrativo do Estado. Mais do que isso se precisava desenvolver um discurso que

    legitimasse a alteridade mineira e o seu poder histrico frente Nao. nesse sentido que

    se identifica a importncia de instituies preocupadas em coligir documentaes acerca do

    passado mineiro e a escrita de sua histria para a consolidao da Repblica.

    Em 1895 fundado o Arquivo Pblico Mineiro (APM) no governo de Crispim

    Jacques Bias Fortes e dirigida por Jos Pedro Xavier da Veiga. A instituio surge com a

    inteno de organizar documentos que teriam condies de orientar a formao de uma

    memria histrica oficial para Minas Gerais. Em meio a consolidao de discursos anti-

    arcaizantes, Xavier da Veiga defendia que o Estado imperial detinha um poder

    centralizador que impedia as Provncias de progredir, pois esse tipo de regime inibe

    6

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    qualquer propenso autonomia. Com isso, no Imprio as histrias no-nacionais

    regionais estavam sujeitas a uma espcie de hierarquia da histria geral. Na Repblica e a

    organizao federativa do Estado Nacional abre-se espao para que cada regio pudesse

    organizar os seus arquivos e promover uma histria particular (MEDEIROS & ARAJO,

    2007: 29).

    No processo de instaurao do APM fora criada uma lista com 114 integrantes que

    tinham como empreendimento contribuir para a confeco do acervo do Arquivo. Esses

    correspondentes eram, de uma forma ou de outra, ligados ao Partido Republicano Mineiro

    (PRM). Esses dados so de Marisa Ribeiro Silva. A autora mostra que os 53 dos elementos

    em que ela conseguiu levantar algum tipo de dado, 90% dos que se declaravam polticos,

    exerciam algum cargo de vereador ou deputado. Alm de polticos atuavam em outras

    profisses, tendo apenas 4% ligados a algum tipo de atividade no campo da Histria.

    Desses polticos que integravam o Partido nesse perodo apenas 24% eram declaradamente

    republicanos desde os tempos do Imprio. Os outros provavelmente so provenientes de

    partidos tradicionais monrquicos, ou Conservador ou Liberal (SILVA, 2007: 76).

    Diogo de Vasconcellos como um importante intelectual da poca e pensador da

    histria de Minas no participou como correspondente oficial do APM. Dentro de minhas

    hipteses isso se d pelo fato de mesmo com a Proclamao da Repblica Vasconcellos se

    mostra um fiel representante dos Conservadores, diferente de Xavier da Veiga que se

    converte. O Arquivo sendo um projeto republicano no tinha espao para o discurso

    monarquista do historiador. Os nomes dos correspondentes eram indicados pelo governador

    do Estado, Bias Fortes, que era inimigo poltico de Diogo, o que muito provavelmente

    tenha contribudo para que ele no participasse de forma mais clara na construo do

    acervo, mas isso no o impediu de enviar documentos, endereado principalmente para

    Xavier da Veiga e no para o APM (SILVA, 2007: 79). J com sculo XX adentro

    Vasconcellos ter um maior espao no APM atravs da revista, ou com snteses da histria

    mineira ou atravs de discursos no Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais

    (IHGMG).

    A segunda instituio em que se pretende estudar na pesquisa o prprio IHGMG.

    O Instituto tem a mesma estrutura do IHGB, tendo at mesmo parte do primeiro Estatuto

    7

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    copiado da instituio fluminense. O IHGMG foi fundado em 1907 com um propsito

    semelhante ao do APM, tambm de carter republicano, no entanto mais preocupado com a

    escrita da histria do que guardar documentos. Aqui a participao de Diogo de

    Vasconcellos se mostra mais intensa e clara. O historiador ocupou o cargo de orador

    perptuo da instituio do ano de fundao at 1927, ano de sua morte.

    Atribuo essa maior participao de Vasconcellos no IHGMG por dois motivos

    iniciais: o primeiro pelo fato do prprio ano de fundao do Instituto, 1907. A

    historiografia atribui a consolidao do regime republicano com o governo de Campos

    Sales de 1898 a 1902 (FAUSTO: 2006, 258-259). Assim, a Repblica muito provavelmente

    no corria riscos de ser derrubada. Os monarquistas pouco ofereciam algum tipo de risco ao

    regime. Joo Pinheiro era o governador de Minas na ocasio da fundao do IHGMG

    e embora no compartilhasse politicamente das idias de Vasconcellos no eram inimigos

    to declarados como era o caso de Bias Fortes. O segundo devido publicao em 1904

    da Histria Antiga das Minas Gerais, de Vasconcellos. Esse era um dos primeiros livros

    que se propunham a realizar uma sntese da histria de Minas. Dessa forma suponho que

    era pouco coerente deixar um intelectual como Diogo fora do Instituto depois da publicao

    de uma obra de histria to importante como a que ele escreveu.

    Ainda no possvel se afirmar nada sobre essa questo. A pesquisa, quando se

    refere participao de Vasconcellos no IHGMG, ter como objetivo principal identificar

    ao longo dos vinte anos que permaneceu na instituio a influencia que o Instituto teve em

    sua concepo de histria e como isso transparece na sua obra que continua a primeira,

    Histria Mdia de Minas Gerais, de 1918.

    4. Consideraes Finais

    Diogo de Vasconcellos atua em um momento em que a historiografia brasileira

    passava por um processo de reformulao. O Estado republicano incentivava uma produo

    atrelada ao regionalismo. O regime federativo intensifica o sentimento de autonomia

    estatal, rompendo com uma antiga ordem, na qual o Imprio centralizador minava, segundo

    Xavier da Veiga, qualquer possibilidade de independncia. No entanto, o historiador no

    8

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    corrobora com essa nova concepo de histria, sempre buscando reavivar tradies

    advindas do passado Colonial e Imperial.

    Mais do que simplesmente escrever a histria, Vasconcellos e outros intelectuais da

    poca, incluindo Xavier da Veiga, escreviam projetos polticos, que tinha um poder

    legitimador ou contestado de uma ordem vigente. O Arquivo Pblico Mineiro e o Instituto

    Histrico e Geogrfico de Minas Gerais surgem como instituies que tem o carter de

    promover um espao de debate acerca do passado mineiro, e a partir das razes histricas de

    Minas justificar a Repblica no Brasil.

    O estudo conjugado entre histria poltica e histria da historiografia se mostra

    altamente pertinente para o entendimento do lugar do intelectual na cena poltica brasileira

    na Primeira Repblica e como a mtua interferncia dos campos constri um espao de

    debate e elaborao de projetos de consolidao de paradigmas polticos, e no caso dos

    primeiros anos do sculo XX o tipo de Repblica que se quer instaurar no pas.

    Este artigo no d conta de desenvolver elementos mais concisos acerca da

    temtica, mas a ttulo introdutrio o que se props aqui foi colocar de maneira sinttica

    Diogo de Vasconcellos em seu lugar nas instituies citadas. H muito que se investigar

    para ter algum tipo de concluso sobre a participao do historiador na elaborao de uma

    memria histrica para Minas Gerais, isso ao pensarmos as instituies. Suas obras at hoje

    servem de referncia para o pensar a histria colonial mineira e o estudo sistematizado

    delas e de sua atuao dentro da poltica do Estado na segunda metade do oitocentos

    ajudar na compreenso da concepo de histria desse poltico e historiador.

    9

  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    5. Referncias Bibliogrficas

    ALONSO, ngela. Idias em movimento. A gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Paz e Terra, 2002.

    CALLARI, Cludia Regina. Os institutos histricos: do patronato de D. Pedro II construo do Tiradentes. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 21, n 40, p. 59-83. 2001.

    CARVALHO, Jos Murilo de. Pontos e bordados: escritos de histria e poltica. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

    FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Edusp, 2006.

    GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Polticas. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.

    GONALVES DE MAGALHES, Domingos Jos. Discurso sobre a histria da literatura do Brasil. Rio de Janeiro: Casa Fundao Rui Barbosa, 1994.

    GUERRA, Franois-Xavier. Modernidad y independncias. Ensayos sobre las revoluciones hispnicas. Mxico. Fondo de Cultura Econmico, 1992.

    GUIMARES, Manoel Luiz Salgado. Nao e civilizao nos trpicos: o IHGB e o projeto de uma histria nacional. In: Estudos histricos, n1, 1988.

    HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. Edio comemorativa de 70 anos. So Paulo: Cia. das Letras, 2006.

    LIMA, Luis Costa. Sociedade e discurso ficcional. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986.

    MACHADO, Rodrigo. O lugar de Diogo de Vasconcellos entre os primeiros movimentos de construo da memria histrica de Minas Gerais. In: Histria e-Histria. v. 0x, 2009.

    MEDEIROS, Bruno Franco & ARAJO, Valdei Lopes de. A histria de Minas como histria do Brasil. In: Revista do Arquivo Pblico Mineiro, v. XLIII, 2007.

    SEVCENKO, Nicolau. Literatura como misso: Tenses sociais e criao cultural na Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1985.

    SILVA, Marisa Ribeiro. O artfice da memria. In: Revista do APM. Ano 43, n 1. jan/jun 2007.

    10