shantideva - bodhicharyavatara (caminho da iluminação)

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CAMI OPA AILU NA C INHO ARAA UMIN OGUIAPA G ARAO MODO ODEVIDADO OBODH HISATT TVAShantide eva

Vrias id valiosas e significa ias ativas so en ncontradas n no trabalho de Shan ntideva, toda muito te para a as eis iplina e para a autocon a nscientizao. Eu pratico o autodisci segundo o l livro de Sha antideva; ele muito ti e proveito e il oso.Sua Sant tidade, o Dalai Lama XIV V

CAMINHOPARAAILUMINAOGUIAPARAOMODODEVIDADOBODHISATTVAShantideva

Este escrito foi integralmente retirado do site que segue abaixo; as nicas alteraes realizadas so de apresentao: design, fonte, etc. Este arquivo foi adaptado em formato de impresso (A4) para aqueles que preferem a leitura em papel, em vez da cansativa leitura virtual; bem como para distribuio e utilizao como material didtico. Portanto, no possui nenhum carter de fins lucrativos; este arquivo foi elaborado apenas para distribuio gratuita: nenhum custo deve ser cobrado pela sua distribuio.

Dharmanet

fonte: http://shantideva.dharmanet.com.br/index.htm

Gesh heThubte enJinpaminho par a Ilumin ra nao (Bod dhicharyav vatara) ou Guia para a Escrito no sculo VIII, o Cam o Mod de Vid do Bod do da dhisattva (Bodhisatt tvacharyava atara) de Shantidev logo se va e tornou um clssi ico do buddhismo M Mahayana. Diz a len . nda que S Shantideva recitou o nteiro de f forma exte empornea, quando foi convida f ado a fazer uma preleo para a texto in uma co ongregao de mong na fam o ges mosa univer rsidade mo onstica indiana de Nalanda. O N pedido para ofe o erecer seus ensinamentos teria derivado de um desejo de humilhar s a o e r Shantid deva, j que os outro monges achavam que ele n fazia nad a no ser "comer, os q o da , dormir e defeca ar". Os mo onges no imaginav o vam que apesar de Shantide e eva dar a impress so de que levava u uma vida d indoln de ncia, tinha na verdad uma vid rica em de da m experi ncia interior e aprendizado p profundo. Os relatos tibetanos da histr alegam O s ria m que, ao chegar a captulo nove, o c o ao o captulo so obre a sabedoria, Shantideva comeou a c subir pelo ar e a d desaparece embora sua voz ainda pudesse ser ouv er, a vida. Independentemente dos m mritos des lenda, a importncia do Bo ssa odhicharya avatara no o al oral eratura indiana no p pode ser subestimad O texto da. o panorama cultura e tempo da lite de Shantideva to ornou-se uma das ob bras buddh histas mais apreciada Para o praticante s as. e religios uma escritur fundam so a ra mental, de escrevendo as prt o ticas esse enciais do o buddhi ismo Maha ayana no c caminho p para a ilum minao. En ntre todos os textos religiosos s da trad dio buddhista Maha ayana, pod de-se dizer que o Bod r dhicharyav vatara de Shantideva S a e o Ratnavali de Nagarjuna continua a ser as obras b am a bsicas, des screvendo a carreira a nobre e altrusta do Bodhisattva. P a Para os estudiosos e filsofo o cap os, tulo nove e represe enta uma importante contribui para o desenvolv e o vimento da filosofia buddhista a do Cam minho do Meio (Ma adhyamaka E para os buddhistas leigos, o texto tornou-se a). e uma fo onte de profunda in nspirao em sua f pessoal. At hoje, o captulo sobre a dedica o, o dc cimo e lt timo capt tulo, permanece com uma d expres mo das sses mais s intensa de um profundo se as entimento religioso na literatur buddhist Mahayana. n ra ta O impa acto do Bo odhicharyavatara de Shantideva no Tibet talvez ten sido in a nha nsupervel. . Desde a sua tra aduo para o tibet tano, no sculo XI, a obra v s vem exerce endo uma a profund influncia sobre a vida rel da ligiosa do povo. Sua extensa influncia pode ser a r encontrada nos ensinamen ntos de to odas as quatro esco olas principais do buddhismo b o tibetano: Nyingm Kagy, Sakya e Ge ma, elug. Alm de propic amplos estudos relacionais m ciar s r s com os ideais e p s prticas Ma ahayana, tr ratados em profundidade na obra, o texto tambm m m levou ao desen nvolviment de um novo gnero de literatur to m g e ra, que se tornou s uI

coletivamente conhecido como lojong, ou "treinamento da mente". uma categoria de textos religiosos que tratam basicamente de duas preocupaes fundamentais da obra de Shantideva, o cultivo da mente altrusta do despertar e a gerao de uma profunda percepo sobre a natureza da realidade. A estrofe seguinte est agora quase imortalizada por causa das reiteradas declaraes do Dalai Lama que a maior fonte de sua inspirao: "Por tanto tempo quanto o espao durar e por tanto tempo quanto os seres vivos existirem, que eu possa at l tambm esperar para dissipar a misria do mundo."[Adaptado de A Arte de Lidar coma Raiva: O Poder da Pacincia. Sua Santidade o Dalai Lama, traduo de A. B. Pinheiro de Lemos, a partir da traduo para o ingls do Geshe Thubten Jinpa. Rio de Janeiro: Campus, 2001. Pg. 15-17.]

II

SuaSantiddade,oD DalaiLama aXIVO Bodh hicharyavata ara com mposto por dez capt tulos. O pr rimeiro faz elogio ao imensos z os s benefci proporc ios cionados pe bodhichi ela itta. Para no preparar os rmos para e devemo antes de ela, os e mais na acumula mritos e purificar o nosso ser o tema do segundo captulo que, depois ada ar r. o q s da ofer renda em sete ponto dedic os, cado con nfisso. O terceiro mostra como adotar a o bodhich hitta. Estes t trs primeiros captulos so dedica s ados prod duo da bo odhichitta. Os cap tulos seguintes ensin nam como pr a bodhichitta em prtica pelo exerccio das seis m s perfei es. A primeira perfei o, a generosidade, ensinada n decorrer de todo o texto; por no r r essa raz zo, nenhu captulo lhe esp um o pecialmente reservado A aplica e o. o e a vig gilncia so o indispen nsveis par a preservao da pu r ureza da disciplina, a segunda p perfeio. O quarto e quinto c captulos s o-lhes dedicados. Os quatro segu uintes referem-se respectivamente s quatro o ltimas perfeies: pacincia, perseveran : na, contem mplao e s sabedoria tr ranscenden O texto nte. o termina, no dcimo captulo, p o pela dedicat tria dos mritos ao be dos sere em es. No seu comentr u rio, Minyak Knzang Snam de k escreve o p paralelo est tabelecido por Patrl l Rinpoch entre a e he estrutura do Bodhichary o yavatara e a da clebre quadra qu resuma a prtica da e ue a bodhich hitta:Que Q a preciosa bodhichitt ta Nasa em mi se no a concebi. N im, Aps o seu nascimento, q no declin jamais A que ne Mas M sempre s desenvolva se a.

O prime eiro ponto, o nascime , ento da bo odhichitta, corresponde aos trs primeiros captulos: o c e c elogio d bodhichitta, a conf da fisso que n prepara para isso e a sua tom nos a mada ou produo. O segundo ponto, co o omo evitar o seu declnio, exp plicado nos trs captu ulos que se referem e aplica da bodh o hichitta, vigilncia e pacinc cia. O terceiro ponto, como desenvolv-la , a continuamente un nindo sabed doria e me eios hbeis pormenorizado n s, nos captulo sobre a os perseve erana, a co ontemplao e a sabed o doria transcendente. O dcimo ca aptulo a dedicatria, d , graas qual os m mritos res sultantes da bodhichitt tornam-se inesgot a ta veis e no param de o e aument tar.[Adaptad de Dalai L do Lama, Como um relmpago rasgando a noite: As g grandes linha do budismo. Traduzido as o por Mart Roldo. Lisboa: Institut Piaget, 19 ta to 992. Pg. 41-4 42.]

III

por Khen npoKnza angPalde enEsta hist tria um extrato da vid de Shanti da ideva tirado do coment rio ao Bodh hicharyavata intitulado A Gota de Elixir Pala avras do Mes Manjushr do Khenpo Knzang Palden, que v stre ri, o viveu nos fina do sculo ais o XIX e pr rincpios do sculo XX n Monastr de Gema no rio ang, em Dza achuka no K Kham (Tibet Oriental). O prprio Knzang Palden inspirou u-se na Hist do Buddh ria hsimo na nd escrita po Jetsn Taranatha, bem dia or m ontes. As da atas de Shantideva so incertas (690-760, segundo Mudiy yanse) e, se e como em outras fo identifica armos Shantideva com Bhusuku, poderia ter vivid no sculo IX. do

Shantid deva nasce no scu VII na antiga pr eu ulo rovncia de Saurastra, na ndia. O se pai, Kalyanavarma que eu an, era o r dessa p rei provncia, chamou-lh Shantiv he varman, Armad duza da Pa Desde a sua ma tenra id az. ais dade, o prncipe manifest tou profun ndo respei pelos mestres ito m espiritu e uma grande bo uais ondade pe elos habitan ntes do reino, s sobretudo pelos pob bres e pelos doente Uma es. dia, encontrou um asceta que lhe ensinou a arte de a meditar sobre M Manjushri, o Buddha da Sabed doria, e pouco tempo de epois Man njushri apa areceu-lhe numa e u-o. viso e abenoou Quando o rei m o morreu, a c corte prep parou em grande pompa a sagra do prnc a o cipe erigind um maj do jestoso trono. Mas na n noite anter rior cerim mnia, Ma anjushri aparece ao prncipe em so eu onhos sentado nesse trono e e lhe d disse: "Meu filho, este trono o meu. Sou o teu u e u mestre espiritual, no co , onveniente que part e tilhemos o mesmo a assento." O prncipe e acordou e comp preendeu q que no d deveria reinar. Renun nciando ao faustos da corte, os , fugiu e entrou na ilustre un a niversidade buddhist de Nalanda. Foi ordenado monge por e ta m r Jayadev o principal dos quinhen va, ntos pand ditas, e re ecebeu o nome Shantideva, S , Divindade da Pa az. Sem qu ningum se desse conta, es ue m e studou os Trs Cesto (Tripitak os ensinamentos T os ka), s do Bud ddha, e as ssimilou pe erfeitamen o seu sentido pe medita nte ela ao. Comps ento o dois tratados: o Compnd das In dio nstrues (Shiksamu ucchaya) e o Comp ndio dos s cchaya), nos quais e exps a essncia do seu sabe e da su prpria o er ua a Sutras (Sutramuc realiza o. No en ntanto, aos olhos dos seus com s mpanheiros ele no pa assava de um ignaro oIV

preguioso a quem chamavam Bhusuku ("o que s sabe comer, dormir e defecar"). Todos achavam imoral alimentar esse "parasita" com as oferendas dos fiis e decidiram fazer tudo se livrar dele. Tendo-se posto de acordo, os monges proclamaram que cada um por sua vez devia pregar o Dharma. Pensavam assim que, para evitar ser humilhado, Bhusuku fugiria. Mas no s isso no aconteceu como, apesar da insistncia dos seus colegas impacientes para o ridicularizar, ele recusou-se a pregar, argumentando a sua ignorncia. O caso foi levado ao abade, que decidiu que o monge recalcitrante se submetesse regra. No grande trio do templo prepararam ento um trono inusitadamente alto, dispuseram um altar com numerosas oferendas e convocou-se a assemblia completa dos monges. hora prevista convidaram o "parolo" para se sentar. De repente, sem que ningum se desse conta de como, Shantideva estava sentado em cima desse trono desmesurado. Alguns comearam a se sentir pouco vontade. Shantideva perguntou, "Devo comentar um texto conhecido ou devo dar um ensinamento indito?" Os panditas olharam-se, surpreendidos e trocistas, e responderam, "A vossa aptido a dormir e as vossas outras maneiras so realmente extraordinrias; o melhor manter essa tradio especfica. Improvisai-nos um discurso." Ento, Shantideva exps o Caminho da Iluminao (Bodhicharyavatara), tambm conhecido como Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva (Bodhisattvacharyavatara), menor que o seu Compndio das Instrues e mais detalhado que o seu Compndio dos Sutras. Enquanto ensinava, a assistncia, estupefata, viu Manjushri majestosamente sentado no cu e concebeu uma grande f. Quando chegou estrofeQuando nem a realidade nem a no-realidade deixam de se apresentar mente, ento, na ausncia de qualquer outra atitude possvel, a mente liberta de conceitos tranqiliza-se. [Captulo 9, estrofe 34]

Shantideva elevou-se lentamente no cu com Manjushri, cada vez mais alto, at se tornar invisvel. No fim do Caminho para a Iluminao, s se ouvia a sua voz. Os panditas, cuja memria tinha a reputao de infalvel, imediatamente puseram o seu discurso por escrito, mas uns encontraram-se com setecentas estrofes, outros com mil e outros com mais ainda. A verso dos panditas de Kashmir tinha nove captulos e setecentas estrofes, a verso dos panditas de Magadha tinha dez captulos e mil estrofes. No seu discurso (captulo 5, estrofes 105-106), Shantideva tinha dito que lessem continuamente o Compndio das Instrues ou ento que se estudasse, como abreviado, o Compndio dos Sutras. Ambos os textos eram desconhecidos de todos. Dois panditas de memria infalvel decidiram procurar Shantideva. Depois de muitas buscas encontraram-no no sul da ndia, meditando junto a um relicrio (stupa). Explicaram-lhe ento longamente asV

razes da sua visita. Shantideva disse-lhes que a verso autntica era a dos panditas de Magadha e que os dois compndios estavam em Nalanda, nas traves do telhado da sua cela. Encantados, voltaram a Nalanda e encontraram no lugar indicado os dois manuscritos, escritos na fina caligrafia dos panditas. De novo voltaram para junto de Shantideva, que lhes explicou o sentido desses textos. A existncia extraordinria de Shantideva progrediu sempre. Percorreu a ndia realizando milagres, salvou milhares de pessoas da fome multiplicando o alimento, curou doentes e feridos, deu f aos incrdulos e viveu como um perfeito Bodhisattva.[Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 51-57. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

VI

por A Abhayada attashriEsta uma recenso ligeirament diferente da vida de Shantideva, s o te S sob o nome de Bhusuku. O texto do o Tengyur que apresen a vida dos oitenta e q nta quatro mahas siddhas foi e escrito por Ab bhayadattash com base hri e nos cant de Abhay tos yashri.

O filho mais no o ovo de um famlia real ma chegou famosa academia monstic de u a a ca Shri Na alanda para ser ordenado na ordem a Mahasa anghika. M ele tin Mas nha sido m muito mimado enquant criana e achou n s to o difcil como pou uco razo vel aband donar diossincras sias anterio ores. Enqu uanto suas id seus a amigos m monges e estudavam, ele , ficava deitado n cama. Enquanto seus na amigos passavam horas e s m em meditao, ele pas sseava pel jardim do monas lo strio para fa azer a digesto. Seu outro gr u rande prazer era a hor da refe ra eio, onde ele e saborea ava cada gro de suas cinco pore de arroz. es . Seu jeito preguio oso irr ritava profund damente s seus compa anheiros, e eles passara am a c cham-lo Bhusuku u, o Indolen nte. Por trs faziam fofocas s m sobre ele s sem rem morsos, d diziam c coisas igualmente rud des na sua cara e a, aliment tavam o d desejo de que logo fosse descob berto. Era cos stume em N Nalanda que as escrituras fosse lidas to o temp pela manh, pela em odo po, a tarde e pela noite em todas as esta Para manter essa tradio, cada monge pegava e, es. m a a seu turno sentand no templo sob o d do dossel de monges re m ecitando su parte me ua emorizada a dos sut tras. Cada um fazia seu turno, sem exce , eo, meno Bhusuku claro. Como ele os u, e no tinha memor rizado nada, ele gera almente pe erdia o turn Numa instituio to santa, no. , a pertu urbao e inimizade q surgira disto fo que am oram realm mente surpr reendentes s.VII

Finalmente o comportamento escandaloso de Bhusuku gerou uma severa advertncia do abade. Foi-lhe dito que se no tomasse jeito e pegasse seu turno como todos os outros, ele seria expulso do monastrio. Vrios monges taparam o sorriso com as mos ao ouvirem isto, evidentemente esperando pelo pior. "Mas eu no rompi nenhum voto," Bhusuku argumentou em defesa prpria. "Sou apenas um mau erudito. Isto razo suficiente para me expulsar?" O abade foi irredutvel. Cedo pela manh seu turno chegou. Se ele perdesse sua recitao dessa vez, ele estava fora. Os monges se deleitavam. Muitas fofocas mesquinhas sobre a iminente queda de um certo preguioso intil corriam pela academia. Apesar de sua advertncia, porm, o abade era um homem muito gentil, e tinha certa simpatia pelo malfeitor. Naquela noite, depois de todos irem para a cama sonhar com a gloriosa comdia que aconteceria na aurora, o abade foi at a cela de Bhusuku para dar alguns conselhos. "Bem, meu filho," disse o abade, "tu ests bem enroscado por tua prpria culpa. Gastastes muito tempo favorecendo teu estmago e sendo um vadio, tu certamente no aprendeste mais que uma meia dzia de linhas de um ou outro sutra. Certamente falhars amanh, ao menos que sigas meu conselho." Bhusuku prostrou-se aos ps do abade e implorou por ajuda. "Qualquer coisa, senhor. Diga e farei." "Muito bem," disse o abade, adicionando severo, "mas isso significa que no dormirs esta noite." "Mesmo isto, senhor," disse o abalado monge. "A nica esperana para ti," disse o abade, " passar a noite recitando o mantra de Manjushri, o Bodhisattva da Sabedoria. Deves recitar o arapachana mantra at os galos cantarem, e esperar pelo melhor." Ele ento deu a Bhusuku os preceitos secretos da prtica de Manjushri, a bno do mantra e deixou o arrependido com sua tarefa. Conhecendo bem sua fraqueza, Bhusuku tomou a precauo de amarrar a gola de seu robe ao teto com uma corda forte para que no tombasse de sono durante a noite. E toda a noite ele recitou o mantra que o abade havia ensinado muitas e muitas vezes, at que ficou num estupor de fadiga. Logo antes da aurora, sua cela repentinamente encheu-se de luz. Bhusuku sacudiu-se e decidiu que deveria ser o nascer do sol, e ali ele estava, nem um pouco mais esperto do que na noite anterior. Ento, uma grandiosa voz ecoou do teto: "O que pensas que ests fazendo?" Olhando para cima, o exausto monge viu uma figura enorme flutuando no ar sobre sua cabea. "Estou invocando a ajuda do Senhor Manjushri para me ajudar a recitar um sutra hoje mesmo, e no aprendi nenhum. Mas quem s tu, e o que queres de mim?" "Que pergunta idiota," respondeu o incomum convidado. "Tens estado me invocando por metade da noite."VIII

"T-t-t-tu s o prprio Manjushri!", gaguejou o surpreso monge. "O prprio. Agora me diz o que tu queres e me deixa continuar com as minhas coisas." Bhusuku teria ido ao cho se pudesse, mas ainda estava amarrado ao teto, ento colocou as mos juntas no gesto de splica, e implorou, "Por favor, grande senhor, garanta-me o poder e realizao de cada qualidade da perfeita sabedoria." "Feito!" disse Manjushri. "Recita teu sutra quando fores chamado." E ele desapareceu to repentinamente quanto tinha surgido. O boato era de que hoje Bhusuku estava prestes a fazer um papelo, e o Rei Devapala e toda sua corte vieram para o show. No altar havia grandes pilhas de flores cheirosas que todos os visitantes haviam trazido com eles. A platia estava cheia de risinhos e cochichos quando Bhusuku chegou no grande auditrio. Eles surpreenderam-se quando ele caminhou confiante pela passarela e sentou-se no trono do templo todos esperavam que ele casse de cara no cho. Ao invs disso, chamou o dossel de monges e sentou-se em posio de ltus. Olhou para a platia com grande calma e esperou que fizessem silncio. Quando ficou claro que ele ao menos tinha chamado a ateno de todos, ele levitou no ar sobre o trono, e seu corpo comeou a brilhar com grande fora, iluminando todo o grande auditrio. Aqueles que vieram rir ficaram bobos de perplexidade. Entreolhavam-se apavorados. Bhusuku cumprimentou o rei e perguntou, "Devo recitar um sutra tradicional, vossa majestade, ou preferireis algo de minha prpria autoria? O rei comeou a sorrir. "Disseram-me que teus hbitos alimentares so muito incomuns," ele disse, "e que teus hbitos de sono e tua predileo por passeios so objetos de grande maravilha para teus companheiros monges. Parece-me de acordo que mantenhas teus padres de originalidade e recites um sutra de prpria autoria." Ao que Bhusuku comeou a compor e recitar o sublime e profundo discurso que veio a ser chamado Bodhicharyavatara, O Caminho para a Iluminao. Quando ele completou o dcimo e ltimo captulo, ascendeu aos cus numa altura de sete palmeiras, inspirando renovada f naqueles que estavam reunidos aquele dia. "Este no Bhusuku, o Indolente", exclamou o rei. " um grande sbio". E renomeou o monge como Shantideva, Divina Paz. As pessoas comearam a cobrir com flores os lugares onde os ps de Shantideva haviam tocado, e os eruditos humildemente requisitaram um comentrio sobre seu discurso. Shantideva o concedeu, mas quando os monges pediram para que fosse seu abade, ele recusou.

IX

Naquela noite, ele deixou seus robes, sua tigela de esmolas, e todos os seus artefatos sagrados sobre o altar como oferendas, e partiu secretamente. noite, ele deixou seu manto, sua tigela de esmolas, e todos os seus artefatos sagrados sobre o altar como uma oferenda, e partiu secretamente. Viajando por muitas terras, ele finalmente chegou em Dhokiri, uma cidade de cerca de duzentas e cinqenta mil famlias. Ali ele fez para si uma bela espada de madeira e pintou-a com alguma tinta dourada. No dia seguinte ele seguiu at a corte, prostrou-se diante do rei, e pediu um lugar como espadachim na guarda do palcio. O rei decidiu que era um rapaz bem apessoado e o contratou sem hesitar, ao bom pagamento de dez "tolas" de ouro por dia. Shantideva serviu o rei fielmente por doze anos. De dia vivia como qualquer outro soldado. noite praticava sua sadhana, constantemente atento natureza ltima da realidade. Todo outono, durante o grande festival da Deusa Me, Umadevi, ele acompanhou os guardas ao templo, como se ele mesmo fosse um devoto. Ningum havia percebido nada a respeito de sua verdadeira natureza at uma tarde quando todos estavam no depsito de armas polindo suas armas e reparando seus equipamentos. Um dos guardas olhou atentamente para a espada de Shantideva. Parecia ser feita de madeira! Pensando no prprio benefcio, o guarda foi imediatamente relatar sua descoberta ao rei e expor o impostor. Shantideva foi requisitado sala do trono. "Mostra tua espada," pediu o rei. "Estaria satisfeito em faz-lo, senhor," disse Shantideva, "mas causarei um grande dano a ti se obedecer." "Faz como digo!" ordenou o rei. "Que eu mesmo preocupe-me com os resultados." Enquanto Shantideva buscava pela bainha, ele implorou, "Ao menos cubra um olho, senhor." Rindo-se entre si, o rei e todos que ali estavam reunidos, cobriram um olho com a mo. Ao que Shantideva desembainhou a espada do estado desperto. Enquanto ele a apontava para cima, uma luz to intensa quanto a de e dez sis preencheu todo o recinto, cegando cada olho desprotegido. Cada um ali, incluindo o rei, caiu de joelhos perante Shantideva, implorando o perdo e misericrdia do yogi. Shantideva foi a cada pessoa na sala, comeando com o mais baixo servo, e cuspindo em seu indicador, ele esfregou sua saliva curativa em cada olho machucado, restaurando magicamente a viso perdida. O rei implorou para que ele ficasse como seu sacerdote do palcio, mas Shantideva recusou e partiu de Dhokiri naquele mesmo dia. Ele tomou residncia numa caverna nas montanhas isoladas e viveu ali praticando sua sadhana por algum tempo. Mas sempre acabava um objeto de curiosidade para caadores e lenhadores que viviam nas redondezas, e eles mantinham-se atentos a suas atividades.

X

Um dia, um caador real chegou corte com um jogo raro para presentear ao rei e deixou dito que, com seus prprios olhos, ele havia visto Shantideva caando e matando gazelas e comendo sua carne assada no espeto. O rei imediatamente seguiu para as montanhas com um vasto sqito para investigar essas srias acusaes. Eles chegaram Shantideva sentado em uma pele meditando em frente ao que parecia ser um simples muro de pedras. O rei contou ao yogi o que havia ouvido, adicionando, "Tu que ensinastes o rei de Nalanda a engolir o prprio orgulho e que restaurou minha viso e a de minha corte, porque com tal poder a seu dispor tu machucas os seres vivos?" "Eu no mato," disse Shantideva, "Eu curo." Ao que gesticulou com a mo no ar, e a parede de pedra atrs dele abriu-se, revelando a entrada de sua caverna. Dali saam todos os tipos de animais imaginveis. Enquanto eles iam pulando para a floresta, eles pareciam se multiplicar perante os olhos perplexos do rei e do sqito at que as criaturas cobriram cada colina e encheram cada vale. E ento elas desapareceram como se nunca tivessem existido. "Todos os elementos da experincia so apenas sonhos e iluses," explicou Shantideva. "Compreenda que todas as coisas so apenas produtos insubstanciais da imaginao, projees da mente. Entra no caminho da liberao." E ento recitou esse verso:As gazelas de que me alimentei Nunca existiram nessa terra; Ainda assim, nunca deixaram de existir. Se no h o que definimos como substncia, Ento no pode haver caador, nem caado. No sou eu o preguioso por aqui.

Ao que Shantideva converteu o rei de Dhokiri, e colocou todo o seu povo no caminho da verdade. Ele serviu-os fielmente por cem anos antes de ascender ao Paraso das Dakinis.[Adaptado da traduo de Padma Dorje para Dowman, Keith e Beer, Robert Beer, Buddhist Masters of Enchantment: The Lives and Legends of the Mahasiddhas. Inner Traditions: Rochester, 1998. Pg. 128-132.]

XI

Pa atrlRinp pocheGu supremo professor de deuses e homens, ch uia o, hefe dos Sha akyas, O bodhisattva Manjugho a osha, Shanti ideva, Jetari, C Chandrakirt o Inferior ti E senhor Gunashri a vocs rogam mos! akashri, Sum matikirti, Kana Ngog Loden Sherab, mestre Jetsn n m npa, Instrudo eru I udito Butn, Tugse Lots , sawa EY Yagtrug San ngye Pel a vocs roga amos! Sang Pel [da escola Saky [o oitavo Karmapa] Trinle Miky Dorje, gye ya], o y Knchog J Jungne, Kar rma Chagm me, Senh dos siddh [o prim hor has, meiro Dzogch Rinpoch Pema Rig hen he] igdzin A vocs rogamos, ab benoem-no com sua compaixo! os ! primeiro Dzo ogchen Pn nlop] Namkh sel, ha [O p [o seg gundo Dzogc chen Rinpoc che, Gyurme Thegchog Tenzin [Pe e] g elzangpo], Tashi Gyatso, [M Minling Gyal Rigdzin Zangpo, lse] O grande b bodhisattva Pema Tashi i A vocs rogamos, ab benoem-no com sua compaixo! os ! lho dhas, Gyalse Shenpen T e Thaye, Fil dos budd Jigme Ngots Jigme Chkyi Wang J sar, C gpo, Todos vocs mestres da bodhichitt T s, a ta A vocs rogamos, ab benoem-no com sua compaixo! os ! ampo frtil d quatro qualidades i das q ilimitadas No ca [am compaix mor, xo, equanim midade e re egozijo], Pos ssam se enra aizar os brotos da bodh hichitta, Am madurecend no fruto e do excelente do caminho d seis perf o das feies [ge enerosidade, tica, paci , ncia, esfor concentr o, rao e sabe edoria], Para se tornarem a base de sustentao para os se m o eres dos trs mundos. Conce edam suas b bnos par que, com a sabedoria que realiza a igualdad de si e do outros, ra a a de os Todo apeg dualista a ns mesmos e aos obj go jetos sejam cortados co ompletamen nte, Para o nos prprio b sso bem estar e o dos outro sejam rea os alizados espo ontaneamen nte E para que pos ssamos aper rfeioar a mente suprem da bodh m ma hichitta.Isto foi dito por aquele c chamado Patrl. Possa a v virtude abundar!

XII

CA NHO RAA UMI O AMIN OPAR AILU INA GUI IAPAR RAOM MODO DEVI IDADO OBOD DHISAT TTVA Bo odhisattv Shanti va ideva

NDICE1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

01 04 09 11 14 21 30 35 4747

ElogioBod dhichitta AConfisso Ado otaraBod dhichitta Apl licaraBod dhichitta Gua ardaraVi igilncia APacincia APerseveran na AContempla ao ASa abedoriaTranscen ndenteI. V Visesfilos sficas1. 2. 3. 4. 5. 6.

II. P PrticadoCaminho

Verdaderelativaev verdadeab bsoluta 47 Refutaesdasvis esdoHina ayanasobre easduasve erdades 48 Refutaodasvise esdosChitt tamatrinss sobreasdu uasverdade es49 nciadocam minhodava acuidade 50 Importn Ofruto:o obemdoss seres 51 Autentici idadedoM Mahayana 51

1. Norealidadedoin ndivduo

1.1 1 Refuta odateoriadosSamkhy yassobreoAtmananim mado 1.2 1 Refuta odateoriadosNaiyayikassobreo oAtmaninan nimado 1.3 1 Argumentaosobr reanoreal lidadedoeu A

535353 54 54

2. Norealidadedosfenmenos 2.1 Norealidadedocorpo 2.2 Norealidadedassensaes 2.3 Norealidadedamente 2.4 Outrosargumentos

5555 56 57 57 58 58 58 58 59 60 61 61 62

III.

1. Refutaodomaterialismo 2. Provasdavacuidade 2.1 Umfenmenonopodenascersemcausas 2.2 Umfenmenonopodenascerdeumacausapermanente 2.3 Umfenmenonopodeserasuaprpriacausa 2.4 Naturezadosfenmenos:ainterdependncia 2.5 Existnciaecessao 1. Desapegodasoitopreocupaesmundanas 2. Amorecompaixo

Refutaonacrenadarealidade

58

IV.

Osfrutosdameditaosobreavacuidade

61

10. DedicaodosMritos GlossriodetermosBuddhistas

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01. ElogioBodhichitta

[A mente da iluminao ou Bodhichitta o voto de atingir a iluminao com o fim nico de libertar todos os seres do sofrimento e de conduzi-los ao estado de Buddha. Trata-se tambm do conjunto de prticas que permitem a realizao deste voto. Os captulos 1, 2 e 3 explicam como desenvolver a Bodhichitta. Os captulos 4, 5 e 6 explicam como mant-la. Os captulos 7, 8 e 9 explicam como aumentar a Bodhichitta. Finalmente, o captulo 10 trata da dedicao dos mritos.]

[1] Homenagem aos Sugatas dotados do Dharmakaya. Homenagem aos seus filhos e a todos os que so venerveis. Eis aqui, brevemente exposta, e segundo a tradio, a prtica espiritual dos filhos dos Buddhas.[Sugata, "chegado felicidade", um epteto dos Buddhas ou "iluminados". Dharmakaya, "corpo absoluto", um dos trs corpos dos Buddhas, juntamente com o corpo de manifestao (Nirmanakaya) e o corpo de fruio (Sambhogakaya). Segundo os comentrios, o Dharmakaya considerado aqui como uma qualidade do Buddha. Segundo outros, o Dharmakaya corresponde aos ensinamentos (Dharma) de Buddha, e a frase seria: "Homenagem aos Sugatas [Buddhas], aos seus filhos [Sangha] e ao corpo do Dharma..." Os filhos dos Buddhas so os Bodhisattvas, "seres da iluminao" que progridem at o estado bddhico, aprofundando a sua realizao da vacuidade unida compaixo.]

[2] Tudo o que vou dizer j foi dito antes de mim, que sou fraco escritor. Sem pretenso de ajudar quem quer que seja, com o intuito de ordenar a minha mente que vou escrever esta obra. [3] Que ela ao menos sirva para aumentar a torrente da minha f que favorece o que bom. E se alm disso algum, parecido comigo, pousar aqui o seu olhar, ser-lhe- tambm oferecido bom proveito. [4] As condies favorveis so muito difceis de conseguir, elas que, uma vez encontradas, satisfazem todos os fins do homem. Se desde j no tirarmos proveito desta oportunidade, como poder ela surgir de novo?[As dez condies favorveis so, juntamente com as oito liberdades, indispensveis se quisermos progredir para a iluminao. As oito liberdades so: [1] no ter nascido nos infernos; [2] no mundo dos fantasmas famintos; [3] no reino animal; [4] entre os semideuses; [5] entre os deuses de longa vida; [6] entre os homens com vises errneas; [7] em uma poca obscura durante a qual nenhum Buddha tenha aparecido; [8] ou com uma deficincia mental que impea a compreenso do sentido do Dharma. As dez condies favorveis so: [1] ter uma existncia humana; [2] ter nascido num lugar onde o Dharma existe; [3] possuir todas as faculdades fsicas e mentais; [4] no agir em contradio com o Dharma; [5] ter f nos que so dignos dela; [6] tambm necessrio que um Buda tenha aparecido durante a nossa era; [7] que ele tenha exposto o Dharma; [8] que os seus ensinamentos subsistam; [9] que eles sejam postos em prtica; [10] e, enfim, que um mestre espiritual esteja presente para nos guiar.]

[5] Assim como numa noite em que as nuvens adensam ainda mais as trevas, o relmpago pode s vezes brilhar, tambm s vezes, pelo poder dos Buddhas, o pensamento dos homens pousa por um breve instante sobre o bem. [6] Assim, o bem sempre frgil e o poder do mal to forte e terrvel... se no fosse a Bodhichitta, que outro bem o poderia vencer?

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[7] Durante muitos Kalpas os Buddhas meditaram, at que, por fim, viram deste bem as benfazenas que fazem transbordar de alegrias o imenso rio dos seres sencientes, numa inundao de felicidade.[Segundo a cosmologia buddhista, os mundos (chakravala) esto submetidos a um processo alternativo de formao e dissoluo. O perodo que decorre entre o incio de um mundo e a formao do mundo seguinte chamado de mahakalpa (grande ciclo); este formado por quatro perodos incomensurveis (asankhyeya-kalpa) que correspondem s fases de formao, durao e dissoluo do mundo, mais o perodo intermedirio de caos que precede a formao de um novo mundo. Cada asankhyeya-kalpa contm vinte antara-kalpas. Um antara-kalpa o perodo durante o qual a durao da vida humana, que de dez anos partida, cresce at a tingir a durao de um asankyeya-kalpa e de novo decresce at dez anos. O fim de cada antara-kalpa marcado por sete dias de guerra, sete meses de epidemias e sete anos de fome.]

[8] Quem queira passar alm das imensas dificuldades desta vida, afastar todas as dores das criaturas e desfrutar centenas e centenas de alegrias, que jamais abandone a Bodhichitta. [9] Qualquer infeliz, acorrentado priso das existncias, , nesse mesmo instante, proclamado Filho dos Buddhas; hei-lo venervel aos olhos dos deuses e dos homens assim que nele surge a Bodhichitta. [10] Pegando neste corpo impuro, faz dele a inestimvel imagem de ouro que um Buddha. Por isso, guardai com fervor este elixir alqumico que se chama Bodhichitta. [11] Ela foi vista e reconhecida de valor supremo pela vasta inteligncia dos guias sublimes da caravana humana. Guardai-a firmemente, esta jia que a Bodhichitta, oh vs que desejais romper com o fado dos seres sencientes! [12] Assim como uma rvore que morre ao dar o seu fruto, todos os outros mritos se acabam. S a Bodhichitta uma rvore que sempre frutifica e nunca se esgota.[A rvore referida uma bananeira-da-terra. A palavra tibetana para esta planta chushing, que significa "rvore da gua". Designa uma planta freqente na ndia que oca e morre ao dar o seu fruto.]

[13] O mais execrvel dos criminosos, se se apoiar nela, liberta-se nesse mesmo instante, como quem se livra de um grande perigo protegido por um heri. Como pode haver gente inconsciente que no se refugie na Bodhichitta? [14] Como o incndio do fim do mundo, a Bodhichitta consome num pice os maiores erros; os seus infinitos benefcios foram expostos pelo sbio Maitreya a Sudhana.[Ver o Gandavyuha Sutra.]

[15] A Bodhichitta dupla; ela , em suma, o voto da iluminao e o partir para a iluminao. [16] Elas tm entre si, segundo os sbios, a mesma diferena que h entre querer fazer uma viagem e se colocar a caminho. [17] O voto da iluminao d imensos frutos neste mundo, mas no , ao contrrio da partida para a iluminao, uma fonte contnua de mritos.

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[18-19] Logo que a mente tenha abraado com tenacidade o pensamento de libertar a vastido ilimitada dos seres, mesmo que s vezes se distraia ou dissipe, o fluxo dos seus mritos continua sempre a aumentar, assim como a infinita vastido do cu. [20] Isso mesmo explicou Buddha no Discurso das Questes de Subahu, em proveito dos que apenas tm um ideal inferior.[Subahuparipriccha Sutra; o original snscrito perdeu-se e foi retraduzido do chins. dito neste discurso que, se o voto de libertar os seres impregnar totalmente a nossa mente, os nossos mritos no param de aumentar, mesmo durante o sono ou quando estamos distrados.]

[21-22] Se aquele que formula o benemrito projeto de curar o simples mal-estar de uns poucos homens adquire um imenso mrito, muito mais adquirir quem quer libertar a todos de um sofrimento infinito e que a todos quer dotar de infinitas qualidades! [23] Qual a me, qual o pai capaz de um voto to generoso? Qual o deva, qual o rishi, qual o brmane?[Os devas so os deuses de longa vida. Os rishis, segundo a tradio hindu, so os sbios inspirados que ouviram a palavra dos Vedas e a transmitiram ao mundo; formariam uma classe distinta entre os deuses e os homens. Os brmanes so os membros da casta religiosa da ndia, considerada a mais elevada na tradio hindu.]

[24] Nunca nenhum deles fez, mesmo sonhando, semelhante voto para si prprio. Como o poderia imaginar para os outros? [25] extraordinria esta jia da mente, voltada para o bem. O seu nascimento totalmente indito, se tivermos em conta que os outros nem sequer a concebem no seu prprio interesse! [26] Fonte da alegria do mundo, remdio dor do mundo, diamante espiritual, como medir todo o mrito que a Bodhichitta contm? [27] Um simples voto para o bem do mundo vale mais do que a venerao do Buddha; quanto mais ainda se lhe juntarmos o esforo de propiciar a felicidade integral de todos os seres! [28] Os homens querem escapar ao sofrimento e mergulham no sofrimento. Desejam a felicidade e destroem estouvadamente a felicidade, como se ela fosse o verdadeiro inimigo! [29-30] Sequiosos de felicidade e torturados de mil maneiras... Quem os saciar com todas as alegrias, quem os arrancar de vez tortura e acabar com esta loucura? Onde encontrar algum de tamanha bondade, tal amigo, tal mrito? [31] Se mesmo aquele que presta um servio em pagamento de outro louvado, o que dizer do Bodhisattva, que generoso sem ser solicitado?[O Bodhisattva liberta-se do Samsara, o ciclo das existncias, desenvolvendo todas as qualidades da iluminao, mas ao mesmo tempo, por compaixo, manifesta-se para ajudar os seres. Jamais age com interesse pessoal; todas as suas aes, palavras e pensamentos so consagrados ao bem dos outros.]

[32-33] Quem oferece uma refeio de caridade a algumas pessoas ganha fama de benfeitor, s porque deu, durante alguns instantes e com desdm, um magro pitu que mal dar sustento aos pobres durante meia jornada. O que dizer daquele que d a um3

nmero infinito de seres, e durante um tempo infinito, a satisfao inultrapassvel dos Sugatas, aquela que sacia todos os desejos? [34] Qualquer pessoa que, diante deste anfitrio que o Bodhisattva, desenhe em seu corao maus pensamentos, encontrar-se- nos infernos e a ficar por tantos os Kalpas quantos os maus pensamentos. Assim o disse Buddha. [35] Mas quando o corao de algum se lhe dirige com devoo, a esse ser-lhe- servido um fruto ainda maior. Confrontado com as piores dificuldades, um Bodhisattva jamais se submete ao mau agir, enquanto que as suas boas aes se multiplicam sem esforo. [36] Presto homenagem aos corpos dos Bodhisattvas, nos quais nasceu a jia desta mente sublime [que a Bodhichitta]. Tomo refgio nestas minas de felicidade, que mesmo se as ofendemos nos do ainda a felicidade.[Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 27-33. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

02. AConfisso

[1] Para conquistar esta jia que a Bodhichitta, presto homenagem aos Buddhas, jia pura do Dharma supremo e aos filhos dos Buddhas [Sangha], oceanos de mrito espiritual.[Dharma o conjunto dos ensinamentos dados pelos Buddhas e pelos mestres realizados que mostram o caminho para a iluminao. H dois tipos: o Dharma das escrituras, que o suporte destes ensinamentos, e o Dharma da realizao, que o resultado da prtica espiritual. Sangha a assemblia dos discpulos do Buddha.]

[2-6] Todas as flores e todos os frutos, as ervas medicinais e todos os tesouros do universo, as guas puras e deliciosas, as montanhas feitas de preciosas gemas, as encantadoras solides dos bosques, as lianas lindssimas ornadas de flores, as rvores com os ramos vergando sob o peso dos frutos, os perfumes dos mundos divinos e humanos, a rvore dos desejos e as rvores de pedrarias resplandecentes, os lagos espargidos de flores de ltus e suspensos no canto dos cisnes, as plantas silvestres e as de cultivo, e tudo o que nobre ornamento disseminado na imensido do espao, tudo isto, que no pertence a ningum, considero-o na minha mente e ofereo-o aos Buddhas, sublimes entre os seres e aos seus filhos. Possam aceit-los, to dignos so das mais belas oferendas! Possam os grandes compassivos ter compaixo de mim!4

[Segundo as mitologias hindu e buddhista, as rvores dos desejos ou Kalpadrumas so as cinco rvores celestiais que do como fruto tudo aquilo que desejamos.]

[7] No tenho o menor mrito e sou to pobre que nada mais posso oferecer. Hajam por bem os protetores sempre pensando no bem dos outros , graas aos deus poderes, receber estas oferendas para o meu bem! [8] Eu mesmo me ofereo para toda a eternidade aos Jinas e aos seus filhos. Admitamme ao vosso servio, oh seres sublimes! com devoo que me fao vosso servidor.[Jina, "vitorioso", "vencedor" ou "conquistador", um epteto dos Buddhas.]

[9] Agora, aceite ao vosso servio, acabou-se o medo. Trabalho para o bem de todos os seres, escapei aos danos antigos e no renovo o nefasto agir. [10-11] Em termas perfumadas e que encantam os olhos com as colunas esplndidas de jias, cortinas resplandecentes bordadas a prolas e lajes de puro e brilhante cristal, com muitas jarras incrustadas de gemas preciosas, transbordando de gua perfumada, ao som de cnticos e de msica, preparo os banhos dos Buddhas e de seus filhos. [12] Com toalhas sem igual, impregnadas de incensos, impecveis e imaculadas, secolhes o corpo e visto-os, com tnicas sedosas e perfumadas. [13] Com roupas etreas, delicadas, finssimas, esplendentes, e com profusos ornamentos, adorno Samantabhadra, Ajita, Manjushri, Lokeshvara e os outros Bodhisattvas.[Samantabhadra o Bodhisattva que simboliza a orao e a oferenda sem limites; o Bodhiattva AjitaMaitreya o Buddha do futuro; o Bodhisattva Manjushri personifica a sabedoria perfeita; e Lokeshvara, ou Avalokiteshvara, o Bodhisattva da compaixo.]

[4] Com fragrncias delicadas, de perfume penetrando at aos confins do universo, unjo os corpos de todos o Buddhas, resplandecentes como ouro purificado, lustroso e polido. [15] Com todas as flores de perfume inebriante, o jasmim, o ltus azul e a eritrina, com graciosas guirlandas, honro os to venerveis Buddhas. [16] Ofereo-lhes nuvens de incenso que alegram o corao, com o seu sutil e envolvente perfume. Presto-lhes homenagem com vasto sortido de alimentos e bebidas celestiais. [17] Dispostos em leitos de ltus de ouro, acendo lamparinas de pedrarias preciosas e lano, ao longo de lajes polidas de perfume, punhados de ptalas de flores encantadas. [18] Ofereo a estes misericordiosos inconcebveis palcios celestiais decorados de magnficas grinaldas de prolas e de jias, ornamentos de um cu sem limite, reverberando melodiosos hinos. [19] Aos possantes Buddhas apresento altos pra-sis com requintadas pedrarias, de cabos em ouro e grcil forma, incrustados de prolas e de um brilho estonteante. [20] Que se levantem nuvens de cantos e toadas que deleitam o corao, nuvens de oferendas que apaziguam a dor dos seres!5

[21] Sobre todas as jias do supremo Dharma, sobre Stupas e esttuas, caiam chuvas contnuas de flores, jias e substncias preciosas![As jias do Dharma supremo so os doze tipos de textos sagrados: os ensinamentos orais do Buddha (sutram), os cantos versificados (geuam), as profecias (vyakaranam), os poemas sagrados (gatha), as instrues enunciadas pelo Buddha sem que tenha sido solicitado (udanam), as explicaes preliminares aos ensinamentos (nidanam), as parbolas (avadanam), as histrias e as lendas (itivrittakam), as histrias sobre as vidas anteriores do Buddha (jatakam), as explicaes detalhadas (vaipulyam), os ensinamentos extraordinrios (adbhuta-dharma), os ensinamentos essenciais e concludentes (upadesha). Stupas so relicrios buddhistas.]

[22] Assim como Manjushri e outros Bodhisattvas satisfizeram os Jinas com oferendas, tambm eu fao oferenda aos Buddhas e aos seus filhos. [23] Com hinos lindos, mars de ritmos harmoniosos, exalto os que so oceanos de mrito; que sem cessar estes cnticos de louvor se levantem em revoada para eles! [24] Prostro-me diante dos Buddhas dos trs tempos, do Dharma e da suprema Sangha, com tantos os corpos quantos os tomos que hajam em todos os Campos de Buddha.[Os trs tempos so o presente, o passado e o futuro. Os campos de Buddha (Buddhakshetra), ou terras puras, so os mundos onde os Buddhas aparecem e ensinam. H uma infinidade para alm do nosso mundo terrestre, que considerado o ampo do Buddha Shakyamuni.]

[25] Salve todos os Stupas e todos os suportes do Bodhichitta! Homenagem aos mestres espirituais e aos ascetas venerveis! [26] Refugio-me no Buddha at ao corao da iluminao; refugio-me no Dharma e na vasta Sangha dos Bodhisattvas.[Esta a frmula de refgio nas Trs Jias.]

[27] Com as mos juntas, dirijo-me aos Bodhisattvas misericordiosos e aos Buddhas que vivem em todas as direes do espao.[Aqui comea a confisso das aes negativas (papadeshana) que d o ttulo a este captulo. O que precede designado pelas expresses de homenagem (vandana) e oferenda (pujana).]

[28-29] Todo o mal que fiz ou causei, embrutecido e estpido na eternidade das transmigraes ou na presente vida, todo o mal que na minha cegueira aprovei, para minha perdio, confesso-o, consumido de remorsos. [30-31] Todas as ofensas que cometi, subjugado pelas emoes, em ultraje s Trs Jias ou contra o meu pai e me, contra os mestres e todos os demais, quer por atos, palavras ou pensamentos; todo esse pernicioso agir que cometi, afligido pelos mltiplos vcios, tudo isto confesso, oh condutores do mundo! [32] Como escapar a estas faltas? Apressai-vos para me salvar, no v a morte chegar e eu por me redimir! [33] que a morte no se perde em consideraes pelo que est ou no por fazer. Que ningum se fie nela, de boa sade ou doente, a vida pode partir de improviso. [34] Vezes sem conta o prazer e o desagrado foram para mim ocasio de mal agir. Como pude esquecer que um dia teria de abandonar tudo e partir?

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[35] Os que me incomodaram j no estaro aqui, os que me agradaram tambm no, e at eu j no existirei; alis, nada subsistir. [36] O que agora percebo no passar de uma lembrana, assim como as coisas que nos atravessam os sonhos, passageiras, fugazes... nunca mais as veremos. [37] Durante a minha permanncia neste mundo, muitos se foram, uns amigos, outros inimigos, mas o mal que cometi por causa deles continua sempre presente, como uma ameaa que no me larga. [38] Estou de passagem nesta terra, foi isso que no compreendi. Quanto mal no cometi por ignorncia, por apego ou por dio... [39] Noite e dia, sem parar, a vida vai escorrendo e nenhum ganho a far crescer: to inevitvel morrer! [40] Aqui mesmo, deitado no leito, ainda que rodeado pelos meus, terei de suportar sozinho os sofrimentos da agonia. [41] Quando somos agarrados pelos mensageiros de Yama, o senhor da morte, de que valem parentes e amigos? S o bem me pode trazer a salvao, mas o bem, esqueci-me de pratic-lo...[O senhor da morte Yama Dharmaraja, cujos enviados vm atormentar os seres depois da morte e, se tal for o karma desses seres, os empurram para os reinos inferiores.]

[42] Por apego a esta vida efmera, por ignorncia do perigo, por frivolidade, fiz muito mal, oh protetores! [43] O condenado que arrastam para lhe cortarem um membro est crispado pelo terror, a sede devora-o, a vista foge-lhe e fica transfigurado. [44] Que ser de mim quando os terrveis mensageiros de Yama me agarrarem, esgazeados pelo medonho assombro e pelo terrvel desprezo? [45] Os meus olhos, desorbitados pelo terror, procuraro em todos os cantos maneira de me salvar. Quem, por bondade, me vir livrar deste enorme perigo? [46] Vendo o espao vazio de qualquer socorro, mergulhando numa obscura loucura, ai de mim, que farei nesse lugar tenebroso? [47] desde j que apelo aos possantes guardies do mundo, aos Jinas que dissipam todos os medos e guardam uma constante diligncia para a proteo do mundo! [48] Apelo do fundo do corao ao Dharma por eles realizado, que destri os medos da transmigrao, e apelo multido dos Bodhisattvas. [49] Perdido de medo, entrego-me a Samantabhadra; dou-me inteiramente a Manjushri. [50] Ao protetor Avalokiteshvara, cujos atos so todos eles conduzidos pela compaixo, lano o meu grito de dor e de medo: protegei-me, a mim, o malfeitor! [51] Ao nobre Akashagarbha e a Kshitigarbha, a todos os protetores compassivos, suplico: guardai-me!

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[52] E quele cuja simples apario aterroriza e pe em fuga nas quatro direes os mensageiros da morte e os outros opressores, saudaes a Vajrapani.[Vajrapani, com Manjushri e Avalokiteshvara so os trs Bodhisattvas chamados protetores das Trs Famlias.]

[53] Transgredi a vossa palavra e agora, estarrecido face ao perigo, refugio-me em vs; apressai-vos a escorraar este perigo! [54] Se quando receamos uma simples doena passageira, seguimos sem violar a prescrio do mdico, quanto mais quando estamos corrodos pela cobia e pelas quatrocentas e quatro doenas. [55] Ora, h doenas para as quais o universo inteiro no contm remdio e das quais uma s bastaria para destruir todos os habitantes do Jambudvipa.[Jambudvipa o nosso mundo, ao sul do Monte Meru.]

[56] E eu violo a palavra do mdico onisciente que cura todas as dores! Que vergonha, que insensatez![Mdico onisciente um epteto do Buddha.]

[57] Se sigo com tanta prudncia quando caminho beira de um precipcio, porque sou to desleixado nesta beira inferno, se este abismo fundo de milhares de lguas e se estende na imensido do tempo? [58] "A morte no h de chegar hoje!" Que falsa certeza! A hora de deixar tudo aproxima-se, inexorvel! [59] Quem acalmar o meu terror? Como poderei escapar? Vir o dia em que deixarei de existir! Como a minha mente pode estar tranqila? [60] Que fruto me restar de todos os prazeres de outrora, hoje abolidos, nos quais me regozijei, em despeito da palavra do mestre? [61] Ao deixar o mundo dos vivos, deixando parentes e amigos, irei s, mas no sei para onde. Que me importam ento amigos ou inimigos? [62] Uma s preocupao me deve ocupar noite e dia: as aes negativas produzem necessariamente a dor; como hei de me livrar delas? [63-64] Os atos inconfessveis que cometi por ignorncia ou loucura, atos que so negativos por natureza ou por transgresso dos preceitos, confesso-os a todos, com o devido respeito e receio, as mos juntas e prostrando-me sem cessar diante dos protetores.[Os atos negativos por natureza so nomeadamente o ato de matar, o roubo, a m conduta sexual, a mentira, a violncia verbal, a malvadez, etc. As transgresses dos preceitos so as faltas regra monstica, para os que tomaram votos.]

[65] Que os guias conheam as minhas faltas assim como elas so. Este mal, protetores, nunca mais o voltarei a cometer.[Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe

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Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 33-43. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

03. AdotaraBodhichitta[1] Felicito-me pelo bem feito por todos os seres, graas ao qual eles se livram dos sofrimentos dos lugares de tormento; que eles sejam felizes! [2] Regozijo-me pelos seres que acumulam mritos pois so a causa da iluminao para eles. Que todos obtenham a libertao definitiva do doloroso ciclo das existncias. [3] Rejubilo com a iluminao dos Buddhas e com os nveis de realizao dos seus filhos, os Bodhisattvas.[Este verso no figura na verso de Louis Finot.]

[4] Regozijo-me com os pensamentos virtuosos, vastos e profundos como o mar, desaguando na felicidade dos seres, e com os atos que concretizam o bem dos seres. [5] Com as mos juntas, suplico aos Buddhas de todo o universo: acendei a lmpada do Dharma para todos aqueles que esto perdidos e que caem no abismo da dor. [6] Com as mos juntas, imploro aos Buddhas desejosos de se extinguir ficai ainda entre ns, por ciclos sem fim, para que o mundo no fique mergulhado na cegueira. [7] Tendo realizado tudo isto, e pela virtude do mrito que assim adquiri, possa eu ser para todos aquele que apazigua a dor. [8] Possa eu ser para os doentes o remdio, o mdico e o enfermeiro, at extino da doena! [9] Possa eu, em revoadas de alimentos e bebidas, atenuar o suplcio da fome e da sede e, nos perodos de grande penria dos antaraKalpas, ser eu prprio a comida saciante e a bebida desalterante. [10] Possa eu ser para os pobres um tesouro inesgotvel, resposta sempre pronta para tudo o que lhes falte! [11] Todos os meus corpos e bens, todo o meu mrito do passado, do presente e do futuro, tudo abandono sem hesitar para que o benefcio de todos os seres seja atingido. [12] O Nirvana a renncia a tudo e a minha mente ao Nirvana. Se devo tudo abandonar, mais vale d-lo aos outros! [13-17] Que nunca seja estril o meu encontro com algum! Entrego este corpo ao capricho de todos os seres. Que o maltratem, ultrajem, castiguem e cubram de p!9

Faam sempre dele um joguete, um objeto de escrnio e de chalaa! Que me importa, se lhes dei o meu corpo? Obriguem-no a fazer tudo o que vos seja agradvel! Mas que nunca vos seja ocasio de dano. E se algum se irrita contra mim ou me quer bem, que isso mesmo sirva para a realizao dos seus votos! Oxal os que me caluniam e magoam, os que se riem de mim e todos os demais recebam a iluminao! [18-20] Possa eu ser o protetor dos abandonados, o guia dos que caminham e, para os que aspiram outra margem, ser a caravela, a barca ou a ponte. A ilha dos que buscam uma ilha, a lmpada dos que precisam de lmpada, o leito de quem queira um leito, o escravo de quem queira um escravo. Ser a pedra do milagre, a jarra do tesouro inesgotvel, a frmula mgica, a planta que cura, a rvore dos desejos, a vaca da abundncia![A pedra do milagre (chintamani) tem o poder de concretizar os nossos pensamentos; a jarra do tesouro inesgotvel (bhadraghata) contm tudo o que se deseja; a frmula mgica (siddhavidya) permite ter xito em todos os empreendimentos; a planta quec ura (maha-ushadi) um remdio universal; a rvore dos desejos (Kalpavriksha) e a vaca da abundncia so duas das maravilhas celestes: uma tem como frutos e a outra d como leite tudo o que se deseja.]

[21-22] Como a terra e os outros elementos servem os mltiplos propsitos dos seres em nmero vasto como o cu, na vastido do espao sem fim, possa eu tambm ser de todas as maneiras til aos seres que povoam o espao, por todo o sempre, at que todos sejam libertos! [23-24] Assim como os Buddhas precedentes adotaram a Bodhichitta e gradualmente a foram praticando, farei nascer em mim a Bodhichitta para o bem do mundo e, uma a uma, exercitar-me-ei em todas as prticas que o preparam. [25] Tendo deste modo abraado firmemente a Bodhichitta, o sbio, para favorecer o seu desenvolvimento, deve-o encorajar ainda e ainda refletindo assim: [26-27] "Hoje o meu nascimento chegou maturidade e recebo pleno proveito da minha qualidade de ser humano. Hoje, nasci na famlia dos Buddhas, hoje sou um filho de Buddha. Agora, resta-me agir em conformidade com um homem que respeita o costume da sua famlia; no receba ela de mim uma mancha que altere a sua pureza." [28] Como um cego que encontra uma jia num monte de esterco, em mim surgiu, no sei como, esta Bodhichitta. [29-32] um elixir que nasce para abolir a morte do mundo, um tesouro inesgotvel que acaba com a misria do mundo, um remdio incomparvel que tira a doena do mundo, uma rvore sob a qual o mundo repousa, cansado de errar pelos caminhos da vida, uma ponte aberta a todos os que chegam, para os conduzir para alm das vias dolorosas, uma lua espiritual em luar que refresca do escaldo das emoes negativas do mundo, um imenso sol que dissipa as trevas da ignorncia, uma nova e untuosa manteiga, filha da nata bem batida do leite do bom Dharma. [33] Eis preparado o banquete da alegria para a longa caravana humana que segue pelos caminhos da vida, faminta de felicidade. Venham todos saciar-se!

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[34] Hoje, na presena de todos os Protetores, convido toda a gente ao estado de Buddha e, at l, felicidade! Que os Devas, Asuras e os demais se regozijem![Os Asuras, tambm chamados de semideuses, antideuses ou tits, batalham constantemente contra os Devas (deuses de longa vida), de quem invejam as riquezas.] [Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 45-49. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

04. AplicaraBodhichitta[1] Tendo assim firmemente abraado a Bodhichitta, que o Bodhisattva, sem olhar para canseiras, se esforce para no transgredir a regra. [2-3] Empreendimento que tomamos precipitadamente, sem reflexo madura, podemos, mesmo aps promessa, realizar ou abandonar. Mas o que foi examinado pelos Buddhas e Bodhisattvas em toda a sua sabedoria, e tambm atentamente por mim, porque razo adi-lo? [4] Se depois de o ter prometido, no o realizo realmente, enganando assim todos os seres, qual ser o meu destino? [5] "Aquele que pensou em dar e no deu, tornar-se- um fantasma faminto", dizem, e isto mesmo no caso de uma ninharia. [6] Quanto mais se, tendo proclamado a bom som e do fundo do corao a felicidade suprema, vier a enganar o mundo inteiro. Como poderei encontrar um destino afortunado? [7] S o onisciente [Buddha] conhece o insondvel curso do karma, que liberta os homens, mesmo quando abandonam a Bodhichitta. [8] Mas num Bodhisattva esta falha muito grave, pois, quando falha, est destruindo o bem de todos os seres. [9] E quem faz barreira atividade de um Bodhisattva, ainda que por um instante, renascer sem fim nos lugares de tormento, pois no fundo est atacando o bem de todos os seres. [10] Se quando comprometemos o bem de um nico ser o nosso bem fica comprometido, quanto no ficar quando se trata de todos os seres que povoam a imensido infinita do espao?11

[11] Assim derivando pelo oceano das existncias, ora arrastado pelas vagas do errar, ora pela fora da Bodhichitta, recuando e adiando o aportar s terras.[Aqui, Shantideva faz um jogo de palavras entre os dois sentidos da palavra bhumi: "terra" e "nvel" (estgio) na progresso espiritual do Bodhisattva.]

[12] Portanto, farei escrupulosamente o que prometi! Se hoje mesmo no fizer um esforo, irei de mal a pior. [13] Vieram Buddhas sem conta, procurando por todo o lado onde houvesse seres a socorrer, mas por minha falta nunca estive no alcance do seu poder de curar. [14] Se agora continuar como sempre fui, o meu fado ser os lugares de tormento, a servido, as mutilaes e as laceraes. [15] Quando voltarei a reunir o aparecimento de um Buddha, a f, a condio humana, a aptido prtica do bem, todas estas coisas to difceis de obter? [16] A sade, o po nosso de cada dia, o dia-a-dia, com o seu quinho de segurana, esta vida efmera, tudo isto to enganador... este corpo mais parece uma coisa emprestada. [17] Uma coisa certa: no com uma conduta como a minha que se obtm de novo o nascimento humano e fora dele s o mal me espera. E, nesse caso, de onde viria o bem? [18] Se no o praticar agora, que sou capaz, como o farei mais tarde, quando estiver embutido pelo sofrimento dos destinos funestos? [19] A simples meno da palavra "felicidade" abolida por centenas de milhes de Kalpas para quem acumula o mal e no pratica o bem. [20] Por isso o Bhagavan disse, " to raro obter a condio humana como difcil a uma tartaruga enfiar o pescoo no buraco de um jugo deriva no oceano."[Esta comparao, muito freqente nos textos buddhistas, desenvolvida no Sutralamkara de Ashvagosha.]

[21] Por uma falta de um instante ficamos um ciclo inteiro no inferno Avichi. Diante das ms aes acumuladas desde tempos infinitos, como falar de felicidade?[Avichi o mais intenso dos dois infernos quentes.]

[22] Se ao menos bastasse sofrer as conseqncias deste agir para se livrar dele, mas no, porque enquanto as suportamos continuamos a acumular ms aes. [23] No h pior loucura ou desatino do que ter encontrado uma ocasio semelhante e no a aproveitar para a prtica do bem. [24] E se depois de o ter compreendido, sucumbo indolncia, por estupidez, condenome a mim prprio ao sofrimento no momento da morte. [25] Por muito tempo o meu corpo arder no insuportvel fogo do inferno; por muito tempo a minha mente rebelde ser devorada pelo fogo do remorso. No h qualquer dvida: assim!

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[26] Subi, no sei como, a esta terra favorvel, to difcil de alcanar, e no que, conscientemente, sou reconduzido aos mesmos infernos? [27] Est visto que perdi o juzo! No sei que feitio me cega, quem me transtorna, quem se esconde dentro de mim?! [28] A cobia, o dio e as demais emoes negativas so inimigos sem mos e sem ps, desprovidos de coragem e inteligncia; como possvel que me tenha tornado escravo delas?[As emoes negativas, ou kleshas, so todos os acontecimentos mentais que perturbam e obscurecem a mente, que nos fazem perder o controle. Estes "venenos interiores" so a causa de todos os nossos sofrimentos. So principalmente a cobia, o dio, a ignorncia, o orgulho e a inveja.]

[29] Emboscados na minha mente, atacam-me a seu bel-prazer e eu nem sequer me irrito! Basta! Que pacincia absurda! [30] Mesmo que tivesse como inimigos todos os Devas e todos os Asuras, juntos no seriam capazes de me arrastar para o inferno. [31] Mas as emoes negativas, esses poderosos inimigos, lanam-me, num piscar de olhos, num fogo tal que at o monte Meru derreteria sem deixar a mais pequena cinza.[Na mitologias hindu e buddhista, o Monte Meru ou Sumeru a a montanha axial do Universo, feita de puro cristal no leste, de safira no sul, de rubi no oeste e de ouro no norte.]

[32] Nenhum outro inimigo tem uma vida to longa, como a longa vida, sem princpio nem fim, destas minhas inimigas, as emoes negativas. [33] O homem paga o bem com o bem; mas as emoes negativas, a quem as serve, apenas lhes reserva a pior das desgraas. [34] O seu dio constante e vivaz, elas so a nica fonte da torrente das misrias e vivem na minha mente! Como posso viver em paz? [35] Guardis da priso da transmigrao, carrascos dos seres nos infernos e nos outros lugares de tortura, enquanto forem hspedes da casa da minha mente, na jaula da minha cobia, como poderei saborear a alegria? [36-38] Por isso, no baixarei os braos at ver estes inimigos aos meus ps, completamente aniquilados. Por uma coisa de nada, os orgulhosos so capazes de perseguir um adversrio e nem dormem enquanto no o esmagam. Na frente de batalha desferem golpes terrveis a uns infelizes que, de qualquer modo, a natureza j tinha condenado ao suplcio da morte. Querem l saber das dores, das feridas, das flechas e das lanas! Sem darem as costas, continuam sempre at vencer. E eu, que me ergui para vencer os meus inimigos naturais, autores constantes de todas as minhas dores, por que razo me deixo levar pelo desespero e pelo abatimento, mesmo custa de centenas de misrias? [39] H quem exiba as inteis cicatrizes feitas pelos inimigos. Como posso eu, que me levantei para realizar um alto feito, desanimar perante os sofrimentos?

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[40] Os prias, os lavradores e os pescadores, com a mente concentrada nos meios de subsistncia, so capazes de suportar o calor, o frio e todas as outras misrias. Porque eu no hei de suport-los tambm, para o bem do mundo? [41] Decidi libertar das emoes negativas o mundo inteiro, nas dez direes do espao, mas nem sequer libertei a mim! [42] Errei ao apreciar o meu valor, falei como um insensato; mas agora, esforar-me-ei sem parar e, sem voltar atrs, destruirei as emoes negativas. [43] Serei um guerreiro implacvel, obcecado com uma nica idia: perseguir com dio feroz todo e qualquer emoo [negativa], menos a emoo de acabar com todas [elas]. [44] Que seja queimado vivo, que caia a cabea cortada, mas nunca mais me vergarei perante estes inimigos que so as emoes negativas! [45] Um inimigo expulso pode encontrar asilo noutra parte, reunir foras e voltar a atacar; mas para o inimigo chamado emoo negativa, no existe tal refgio. [46] Depois de escorraado, em que lugar poderia este hspede da minha mente preparar a minha runa? A minha nica asneira ser indolente. As emoes negativas no passam de vil canalha que foge vista da sabedoria. [47] As emoes negativas no vivem nos objetos e no vivem nos sentidos, nem to pouco no intervalo, nem em parte alguma. Onde estaro instaladas para atormentar o mundo inteiro? Simples iluses! Oh, minha mente, abandona todo o receio e esfora-te at sabedoria! Porque te atormentas desnecessariamente nos infernos?[Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 51-57. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

05. GuardaraVigilncia[1] Quem queira respeitar a regra tem de vigiar a mente com ateno; a regra impossvel de observar para quem no domina a instabilidade da mente. [2] Mesmo os elefantes selvagens na voragem do cio provocam menos desgraas que este elefante, a mente desenfreada, em Avichi e nos outros infernos. [3] Mas se o elefante da mente for bem agarrado pela rdea da ateno, todo o perigo se desvanece e todo o bem se oferece.

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[4-5] Tigres, lees e elefantes, ursos e serpentes, todos os inimigos, todos os carcereiros dos infernos, frias e vampiros, todos so agarrados quando a mente agarrada, todos so domados quando a mente domada. [6] E porqu? Porque todos os perigos e toda a panplia de sofrimentos procedem da mente e s da mente, assim o disse o verdico [Buddha]. [7] Quem fabricou com empenho os engenhos do inferno? E quem o revestiu de ferro ao rubro? E essas mulheres vampiros, de onde vm?[Nos infernos, os adlteros sentem um impulso irresistvel de subir gigantesca rvore Kutashalmadi, onde mulheres com dentes de ferro os agarram em abraos que os despedaam.]

[8] Tudo isso procede da perversidade da mente, disse o Buddha; assim, ela a nica coisa a temer neste mundo. [9] Se a perfeio da generosidade consistisse em enriquecer o mundo, os salvadores ancestrais [Bodhisattvas] no a teriam possudo, uma vez que o mundo continua pobre. [10] O pensamento de sacrificar tudo o que se tem a todos os seres, bem como o fruto desse sacrifcio, o que se chama perfeio da generosidade; ela , portanto, mente e nada mais. [11] Para termos a certeza de que ningum os vai matar, onde podemos guardar os peixes e os outros animais? A perfeio da tica renunciar a fazer mal. [12] Quantos malfeitores serei eu capaz de matar, se h tantos como a vastido do espao infinito? Mas quando eu matar a mente de clera, todos os inimigos cairo no mesmo instante. [13] Onde encontrar um pedao de couro to grande que cubra a terra inteira? No bastar a sola de uma sandlia? [14] Assim, nunca poderei dominar os fenmenos exteriores, mas, na minha mente, ganharei mestria! Que me importam as outras mestrias? [15] O corpo e a fala so de menos valia, de modo algum conseguem o que uma mente clara consegue por si s, como a dignidade de Brahma e outras recompensas. [16] Oraes, asceses prolongadas, tudo vo quando a mente est distrada e confusa, disse o onisciente. [17] Para abolir o sofrimento e alcanar a felicidade, em vo seguem errando toa os que no conhecem o segredo da mente, o ensinamento supremo e essencial. [18] A minha mente tem de ser claramente guardada e vigiada: sem esta prtica de controlar a mente, as outras nada valem. [19] Assim como uma pessoa magoada e rodeada de gente descuidada protege a sua ferida com cuidado, assim, rodeados de malfeitores, devemos proteger a nossa mente como se ele fosse uma ferida em carne viva. [20] Com medo de sentir a menor pontada de dor, protejo com todo o cuidado um ferimento. Porque ser que, estando ameaado pelas montanhas que esmagam, nunca me lembro de proteger esta chaga que a minha mente?15

[Montanhas que esmagam so montanhas do inferno que, aproximando-se entre si, esmagam os danados.]

[21] Agindo conforme esta regra de conduta, o asceta, mesmo rodeado de malfeitores ou entre um rancho de mulheres, permanece firme e tranqilo. [22] Que me importa perder toda a minha fortuna, todas as honrarias, a prpria vida e mesmo qualquer outro bem espiritual, mas perder a minha mente, isso nunca! [23] Aos que querem controlar a mente, dirijo esta minha splica: "Guardem com toda a fora a ateno e a vigilncia!" [24] Assim como um homem perturbado pela doena incapaz de agir, a mente perdida e dispersa incapaz de qualquer ao. [25] Se a mente vagueia na distrao, tudo o que o estudo, a reflexo e a meditao puderem produzir, esvai-se da memria como a gua de um vaso rachado. [26] Muitos so os homens instrudos, crentes e zelosos, que, por falta de vigilncia, se expem s mculas da transgresso. [27] A inconscincia um ladro sempre espera de um eclipse da ateno; assim, despojados do mrito acumulado, camos nos destinos fatais. [28] As emoes negativas so um bando de piratas procura de uma passagem; se a encontram, pilham-nos toda a virtude e arrasam a fortuna, que um renascimento nos mundos superiores. [29] Oh ateno, nunca te afastes da porta da mente! Recordemos os suplcios dos mundos inferiores para a fazer voltar, caso ela se afaste. [30] Felizes os que agem com cuidado e considerao no respeito pelas instrues de seus mestres! Da convivncia com os mestres nasce facilmente a ateno. [31-32] "Os Buddhas e os Bodhisattvas pousam o seu olhar sobre todas as coisas, tudo lhes presente e tambm eu estou na sua presena." Com este pensamento, que a nossa conduta reflita modstia, respeito e receio. Faamos com que a lembrana dos Buddhas nos venha a cada instante. [33] Quando a ateno permanece porta da mente para a guardar, a vigilncia vem e, mesmo que se afaste, rapidamente volta. [34] Portanto, antes de mais, devo estar consciente do meu estado de mente e, se em falta, devo permanecer imvel e sossegado como uma tora. [35] Sem espreitadelas inteis para aqui e acol, devo guardar o olhar ligeiramente baixo e a mente em recolhimento. [36] Para repousar a vista, podemos ocasionalmente contemplar o horizonte e quando percebemos a sombra de um viandante podemos levantar o olhar para o saudar. [37] A caminho, para nos darmos conta de eventuais obstculos, podemos examinar sempre que necessrio os quatro pontos cardeais. Quando repousamos, podemos voltar-nos e olhar para trs.16

[38] Depois, tendo visto o que se passa frente e atrs, podemos avanar, recuar ou fazer com conhecimento de causa o que conveniente face s circunstncias. [39] "A posio do meu corpo deve ser esta", diz o nefito ao comear uma certa ao, e, enquanto ela decorrer, deve ainda verificar a sua posio de vez em quando. [40] Deve tambm vigiar de perto a mente, esse elefante no cio, com medo que ele rompa o lao que o amarra ao grande mastro, que o respeito pelo Dharma. [41] "Como est a minha mente?" Vai repetindo, enquanto se exerce na meditao, e observa-a sem a deixar escapar um s instante. [42] Se, todavia, em certas circunstncias no for possvel agir assim, como num grande perigo ou numa festa, ento que esteja vontade, pois dito que no tempo da generosidade a disciplina pode folgar! [43] Se decidimos, a propsito, comear uma atividade, no devemos pensar noutra antes de a acabar, agindo de mente inteira. [44] Deste modo, o que fizermos ser bem feito; seno, ambas as aes sero defeituosas e a confuso que nasce da falta de vigilncia no parar de crescer. [45] Abandonemos o interesse pelas coisas sensacionais e pelas mais variadas e infatigveis conversas, nas quais nos deleitamos demasiado freqentemente. [46] Esgravatar a terra, arrancar ervas e traar linhas no cho so atos estreis. Recordando a regra dos Buddhas, devemos rece-los e, sem hesitar, renunciar. [47] Se nos queremos mexer ou falar, devemos antes de mais nada examinar a mente, estabiliz-la, e depois ento agir da maneira apropriada. [48] Se nos sentimos movidos pelo apego ou pela averso, no devemos agir nem falar, devemos ficar quietos como uma tora. [49-50] Quando a mente se mostra excitada, trocista e orgulhosa, ou vaidosa, inquiridora e rancorosa, insidiosa, vida de elogios, desdenhosa, grosseira e brigona, devemos ficar quietos como uma tora. [51] Ser que a minha mente est em busca de ganhos ou de honrarias, de glria, vido de companhia ou desejoso de ser servido? Ficarei, portanto, quieto e contente, como uma tora. [52] A minha mente baniu o interesse pelo bem dos outros, interesseira e inclinada a conversas? Ficarei, portanto, quieto e contente, como uma tora. [53] Intolerante, indolente, tmido ou desavergonhado, tagarela, dedicado unicamente camarilha? Ficarei, portanto, quieto e contente, como uma tora. [54] O valoroso praticante, quando v a mente agitada desta maneira, arrebatada por projetos inteis, deve refre-la com toda a fora pelo mtodo dos contrrios. [55-57] Determinado, inabalvel na sua f, firme, bem educado e respeitador, tendo pudor e receando as faltas, sossegado, dedicado satisfao dos outros, sem se aborrecer com os desejos contraditrios dos seres pueris, pelo contrrio, sempre17

compassivo e pensando ser isso o efeito das paixes, sempre irrepreensvel e agindo para o seu bem e para o bem dos outros. Compreendendo que o "eu" como uma iluso, sem realidade, assim guardarei a mente. [58] Relembrando continuamente o valor desta vida humana, obtida depois de tanto tempo, assim guardarei a minha mente, imvel e firme como o monte Meru. [59] Se, quando o meu corpo despedaado e arrastado de um lado para o outro pelos abutres vidos de carne, tu no te irritas, oh minha mente, porque hs de acarinh-lo tanto agora? [60] Porque velas por este corpo, oh minha mente, como se ele fosse o teu "eu"? E se ele distinto de ti, porque te ralas com o seu desaparecimento? [61] Insensato! Se no consideras como o teu "eu"" um boneco de madeira, que coisa limpa, porque mimas uma mquina composta de elementos impuros e destinada podrido? [62-63] Comea, em pensamento, por retirar o invlucro de pele e, com o bisturi da anlise, separa a carne da sua armao de ossos. Parte tambm os ossos e v a medula que contm. Agora pergunta a ti mesmo: que h a de essencial? [64] Se olhares com todo o cuidado, nada vers de essencial! Ento? Porque teimas ainda em proteger o teu corpo? [65] Os seus excrementos no se comem, no bebemos o seu sangue nem sugamos as suas vsceras; que querers fazer do teu corpo? [66-67] Se ele serve para alguma coisa, para dar de pasto aos abutres e chacais. certo que este corpo para os homens um instrumento de ao. Mas de que te serve querer guard-lo? A morte impiedosa h de arranc-lo e lan-lo aos abutres. Que fars ento? [68] Se um servidor se vai embora de nossa casa, no o cobrimos de presentes e de roupas. Ora, mesmo que o alimentemos bem, o corpo h de partir um dia; porque nos havemos de meter em despesas por sua causa? [69] D-lhe o seu salrio, oh minha mente, e emprega-o depois no teu prprio interesse. Um dia, ele de nada te h de servir. Porque lhe hs de dar tudo? [70] Devemos ver no corpo uma barca que vai e que vem. Que o corpo v e venha segundo a tua vontade de conduzir os seres sua finalidade. [71] Assim, mestre de si, que o praticante esteja sempre sorridente, que evite franzir o sobrolho e mostrar-se zangado; que seja amigo de toda a gente. [72] E que no deixe cair uma cadeira ou qualquer outro objeto brusca e ruidosamente, nem bata com as portas; que se sinta bem cultivando sempre a humildade. [73] A gara-real, o gato e o ladro movem-se em silncio e na maior discrio e assim conseguem o que tm em vista. Que o asceta faa sempre como eles!

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[74] Que guarde com respeito, sobre a sua cabea, a palavra daqueles que so hbeis a dirigir os outros virtude e se prestam a dar bons conselhos mesmo sem ser solicitados; que sejam de todos os seres um discpulo. [75] Que testemunhe a sua aprovao a todas as palavras que so boas; se vir algum fazer uma boa ao, que o encoraje com o seu elogio. [76] Que louve em privado as qualidades dos outros e que se associe ao elogio pblico que lhes feito. Se o seu prprio louvor que ouve, que o considere to-somente uma homenagem virtude. [77] Todos os esforos tm por fim a satisfao; mas a satisfao difcil de obter, mesmo com grandes riquezas. Portanto, farei do prazer de me regozijar com o mrito que os outros adquirem o meu deleite. [78] Assim, nesta vida no tenho nada a perder e na outra ganharei a grande felicidade. Ora, os dios, pelo contrrio, engendram neste mundo o sofrimento da insatisfao e no outro dores ainda maiores. [79] Que a sua palavra seja pertinente e moderada, clara, agradvel e de toada suave e calma, sem nunca exprimir cobia ou irritao. [80] Olhando os seres de um olhar amoroso e sincero, vai pensando: " graas a eles que o estado bddhico ser o meu dote." [81] Uma devoo constante, os antdotos, os campos das qualidades e dos benfeitores, os infortunados: todos so fontes de um grande mrito![Por exemplo, a meditao sobre a vacuidade o antdoto para as emoes negativas. Os campos de qualidades so os Buddhas e Bodhisattvas. Os campos de benfeitores so o pai, a me etc.]

[82] Que ele seja hbil e confiante, tomando a dianteira na ao; que em nenhum trabalho se pendure em quem quer que seja. [83] As perfeies, a comear pela generosidade e indo por a acima, vo tendo uma excelncia cada vez maior; no se deve sacrificar uma grande causa a uma causa menor, que, acima de tudo, seja considerado o proveito dos outros. [84] Compreendendo claramente isto, que ele trabalhe com afinco constantemente para o bem dos outros; mesmo o que proibido torna-se permitido ao compassivo, cuja viso no tem limites. [85] Depois de ter dado o petisco aos animais, aos fracos e aos religiosos, que tome a sua refeio com moderao; que sacrifique tudo, exceto os trs hbitos monsticos. [86] Sendo o seu corpo um auxiliar para o Dharma, que o no maltrate por uma causa medocre; deste modo ele servir prestes a realizao da esperana dos homens. [87] Que no sacrifique a sua vida enquanto a compaixo no for perfeitamente pura, mas que a sacrifique a uma grande causa para o bem da vida atual e das vidas futuras. [88] Que no ensine o Dharma a um homem sem respeito ou que, gozando de boa sade, se cubra com um turbante ou com um pra-sol, venha armado ou use um pau, ou tenha a cabea coberta.19

[89] Que no ensine uma mulher longe da presena de um homem, nem o Dharma profundo e sublime a seres de capacidades reduzidas; que manifeste um respeito idntico pelos ensinamentos superiores e inferiores.[Shantideva aconselha que um monge celibatrio no ensine uma mulher que esteja longe da presena do marido, a fim de evitar qualquer deslize em seus votos. Os ensinamentos superiores so os do Mahayana, o grande veculo, e os inferiores so os do Hinayana, o pequeno veculo. O Mahayana, ou Grande Veculo, fundado sobre a compaixo, o veculo dos Bodhisattvas que desejam atingir a iluminao a fim de poderem libertar a infinidade dos seres.]

[90] Se algum se mostrar digno dos ensinamentos superiores, que ele no o afete aos ensinamentos inferiores, mas no o tente ganhar pela atrao aos sutras e aos mantras, dispensando-o das regras de conduta.[Fazendo-o crer que o estudo dos textos ou o conhecimento dos mantras pode substituir-se prtica das regras de conduta e da ascese espiritual.]

[91-95] incorreto cuspir ou deitar fora um palito sem os cobrir de terra; sujar gua potvel e campos lavrados algo de repreensvel. No deve comer com a boca cheia, aberta ou ruidosamente, nem se sentar com as pernas esticadas ou esfregar as duas mos ao mesmo tempo. No deve pernoitar ou viajar na companhia da mulher de algum, se ela estiver sozinha. Depois de ter observado e interrogado, que ele evite tudo o que seja considerado como chocante. Que no aponte com o dedo, mas servindo-se com cortesia da mo direita aberta, mesmo para indicar o caminho. Que no chame ningum distante agitando os braos ou gritando, salvo em circunstncias prementes; um discreto rudo ou um estalar de dos o que deve utilizar. Qualquer outra conduta ser descabida.[Estas estrofes apresentam um pouco das convenes de etiqueta da ndia e no Tibet.]

[96] Que ele se deite na postura do Nirvana do Buddha, voltando para a direo que prefere, consciente e decidido a levantar-se de manh com prontido. [97] As prticas enunciadas para os Bodhisattvas so inumerveis, mas h uma que deve ser observada com todo o rigor: a purificao da mente. [98] Que ele recite trs vezes por dia o Sutra em Trs Partes; por esta prtica, pela Bodhichitta e pela invocao dos Jinas, apagar de si o resultado do mau agir at ao ltimo vestgio.[O Discurso em Trs Partes, Triskanda Sutra, composto da confisso perante os trinta e cinco Buddhas, da apreciao das virtudes e da dedicao dos mritos.]

[99] Em qualquer situao que se encontre, agindo para o bem de algum ou de si mesmo, que ele aplique escrupulosamente os ensinamentos adequados. [100] No existem pensamentos que os Bodhisattvas no devam aprender, e para quem se instrui assim, tudo acumulao de mritos. [101] unicamente no interesse direto ou indireto dos seres que ele deve agir; por eles que deve dedicar os mritos iluminao. [102] Que ele no abandone, mesmo que lhe custe a vida, o mestre espiritual que pratica a regra dos Bodhisattvas e que excelente no significado do Mahayana.20

[103] Que estude na Biografia do Glorioso Sambhava a conduta a seguir para com os mestres. Os preceitos aqui expostos e os outros ensinamentos do Buddha devem ser estudados no texto dos sutras.[A Biografia do Glorioso Sambhava, ou Shrisambhava Vimoksha, um captulo do Gandavyuha Sutra. Nele est escrito: "Para honrar o mestre espiritual, a nossa mente deve ser como a terra que nunca se desencoraja de suportar todas as coisas, como um diamante indestrutvel na sua inteno, como uma muralha onde o sofrimento no consegue abrir brechas, como um escravo que nunca se queixa por ter de fazer tudo, como um animal fiel que nunca se irrita, como uma barca que nunca se importa de ir e vir, como um filho exemplar que bebe com os olhos a face do seu pai espiritual. Oh nobre criana, considerate como um doente, considera o amigo espiritual como um mdico, os seus ensinamentos como um remdio e a prtica sincera como o caminho para a cura."]

[104] As regras so enunciadas nos Sutras. Que ele recite portanto os sutras e aprenda as faltas graves no Discurso da Essncia do Cu.[Discurso da Essncia do Cu, Akashagarbha Sutra.]

[105] necessrio ler e reler o Compndio das Instrues, porque a vem explicado em detalhe aquilo que dever ser praticado.[Compndio das Instrues, Shiksasamucchaya, obra de Shantideva.]

[106] Ou ento, que estude o Compndio dos Sutras, que abreviado, e a obra com o mesmo ttulo composta pelo venervel Nagarjuna.[Compndio dos Sutras, Sutrasamucchaya, obra perdida de Shantideva.]

[107] Atravs dessas obras poder ver o que lhe prescrito e o que lhe interdito. Depois, poder agir sem causar desagrado aos seres. [108] Eis enfim, em resumo, a definio do que a vigilncia: o exame contnuo do nosso estado fsico e mental. [109] com atos que irei proclamar o Dharma! De que serve unicamente recitar as suas palavras? Que proveito tirar um doente da leitura de um tratado de medicina?[Adaptado de O Caminho para a Iluminao Bodhicaryavatara. Coleo Espiritualidades, srie Budismo, sob a direo do Ogyen Kunzang Chling. Escrito por Shantideva, traduo para o portugus por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chling Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pg. 59-73. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chtso.]

06. APacincia

[1] Um s instante de raiva destri a generosidade, a venerao pelos Buddhas e o bem que fizemos ao longo de milhares de Kalpas!21

[2] No h vcio pior que a raiva nem ascese comparvel pacincia. Por isso, devemos cultivar ativamente a pacincia pelos mais diversos meios. [3] A mente nunca goza a paz, a alegria e o bem-estar, nem vive equilibrada ou dorme tranqila, enquanto tiver a fechadura da raiva cravada na mente. [4] As ddivas, as atenes e a proteo no impedem os que as usufruem de desejar a perda de um chefe, cujo carter, de to duro, se torna odioso. [5] At os amigos acabam por se aborrecer; mesmo quando d, no servido com agrado; no h maneira de tornar feliz um homem irascvel! [6] Ora, aquele que, reconhecendo na raiva o inimigo responsvel por todos os seus males, a ataca com energia, no s fica feliz nesta vida como o ficar nas vidas futuras. [7] Nascido da cobia insatisfeito ou do receio acontecido, o descontentamento alimenta a raiva que, assim fortalecido, me levar runa. [8] Destruirei, portanto, o alimento deste inimigo, cuja nica funo a de me assassinar. [9] Acontea o que acontecer, a pior das calamidades, a minha alegria no dever ser abalada, porque o descontentamento de nada serve e, alm do mais, dissipa o mrito adquirido. [10] Se houver remdio, ficar descontente para qu? Se no houver remdio, ficar descontente para qu? [11] Tememos a dor, a humilhao, as palavras que nos magoam ou desagradam, para ns e para aqueles de quem gostamos, mas no as receamos para os nossos inimigos, antes pelo contrrio! [12] O prazer difcil de encontrar, a dor vem sem ser procurada; ora, da dor que vem a aspirao de se libertar, portanto agenta-se com firmeza, oh minha mente! [13] Os habitantes do Karnatik e os devotos de Durga infligem-se em vo o sofrimento de queimaduras e laceraes. Como possvel que eu, que tenho por finalidade a liberao, seja um covarde? [14] Nada existe que atravs do exerccio no possa ser realizado. Se nos formos habituando a sofrimentos ligeiros, acabaremos por ser capazes de suportar sofrimentos maiores. [15] Mordidelas de serpentes e de vespas, ataques violentos de comicho, fome, sede e outras sensaes dolorosas, no temos ns de suportar todos estes sofrimentos inteis? [16] Frio, calor, chuva, vento, fadiga, priso, pancadas: preocuparmo-nos com isso s serve para sofrer mais. [17-18] H os que vendo o seu sangue correr redobram de valentia e h os que desmaiam ao ver correr o sangue dos outros: tudo depende da firmeza ou da fragilidade da mente; por isso, basta ignorar a dor para lhe resistir.

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[19] A dor no perturba a serenidade do sbio. No verdade que o sbio se bate contra as paixes? Ora, no h guerras sem dores. [20] Os que batalham o inimigo que a raiva, apesar dos sofrimentos do combate, so os verdadeiros e hericos Jinas. Os demais no passam de matadores de mortos! [21] A dor tem uma grande virtude; um tal abalo que deita por terra a arrogncia, desperta a compaixo pelos seres, faz recear os atos prejudiciais e desperta o amor pela virtude. [22] Ora, se eu no me irrito com a blis e com os outros humores, apesar de eles serem causa de grandes sofrimentos, porque hei de me irritar com os seres conscientes? Tambm eles so irritados por diversas causas. [23] Da mesma maneira que os sofrimentos so produzidos pelos humores involuntariamente, a irritao de um ser consciente nasce por fora das circunstncias e no por sua volio. [24] O homem no se irrita a seu contento, pensando, "Vou me irritar", e to pouco a raiva nasce aps ter resolvido nascer. [25] Todas as faltas e todos os atos prejudiciais produzem-se pela fora de causas, de modo algum so espontneas. [26] A conjuno de causas no pensa que vai engendrar e o efeito no pensa que engendrado. [27] Esse princpio que postulam com o nome de "matria primitiva" [Prakriti] ou imaginam como um "eu" [Atman] no nasce depois de pensar, "Vou nascer".[Aqui encontramos uma refutao s escolas Samkhya e Naiyayika. Na teoria Samkhya, h a convico de uma espcie de "matria primitiva" ou Prakriti, o substrato de tudo, do qual surge todo o mundo dos fenmenos; como se fosse a essncia que cria todo o mundo fenomenal, uma substncia independente, eterna e absoluta. A escola Naiyayika sustenta que o "eu" ou "ego" tambm possui esse tipo de posio independente, absoluta e eterna. Entretanto, segundo o buddhismo, no h coisas e eventos que surjam por sua prpria opo; nenhum tem uma situao independente.]

[28] Como poderia desejar nascer, se antes de nascer no existia? Se este "eu" eterno est em contato com um objeto, como poderia deixar de o estar?[Se uma entidade permanente est em contacto com um outro objeto, esse contato no pode cessar sem que ela perca o seu carter permanente. Logo, a "entidade em contato" e a "entidade que j no est mais em contato" no so idnticas, h uma mudana. Este raciocnio utilizado para demonstrar que no podem existir entidades permanentes.]

[29-30] Se o "eu" eterno, inconsciente e infinito como o espao, evidentemente inativo. Por que motivo, ainda que em contato com outras causas, o que imvel se poria a agir? Se permanece imutvel quando sujeito ao, que diferena provoca a ao? Se se diz que h ao, qual a relao entre ela e esse Atman?[Se a substncia ou ego primordial permanente e eterno, no pode interagir com o mundo fenomenal; se permanente, inalterado e eterno, no pode produzir qualquer coisa.]

[31] Assim, tudo depende de uma causa e a prpria causa tambm dependente. Contra autmatos semelhantes a criaes mgicas, irritamo-nos para qu?23

[32] "Mas", diriam, "a resistncia raiva tambm no possvel; quem resistiria e a qu?" Mas no, claro que possvel! Uma vez que h encadeamento de causas, h a possibilidade de abolir a dor. [33] Por isso, quando vemos um amigo ou um inimigo seguir uma conduta repreensvel, devemos pensar, "So os seus antecedentes que agem", e guardar a serenidade. [34] Se bastasse a todos os homens desejar para conseguir, ningum sofreria, pois ningum deseja o sofrimento. [35] Por imprudncia, os homens ferem-se nos espinhos; por avidez, por desejo de mulheres, os homens chegam mesmo a passar fome. [36] H tambm os que se inflingem todo o tipo de torturas: enforcam-se, atir