sexualidade reprodução* - scielo · por ser a reprodução humana ainda considerada um processo...

Sexualidade Reproduccedilatildeo

MARIA ANDREacuteA LOYOLA

Introduccedilatildeo

As relaccedilotildees entre sexo (sexualidade) e reproduccedilatildeo (bioloacutegica e social) satildeo tatildeo estreitas e imbricadas que se torna difiacutecil iniciar qualquer estudo sobre praacuteticas sexuais e formas de uniatildeo dos sexos sem consideraacute-las

Por ser a reproduccedilatildeo humana ainda considerada um processo eminenteshymente bioloacutegico ou natural que se efetivaria de modo externo agraves relaccedilotildees SOCIaiS intelferecircncia do social nesse processo tem sido relegada a um plano secundaacuterio ou mais frequumlentemente deixada na sombra

Assim a reproduccedilatildeo hUlnana tem sido objeto de estudo principalmente das ciecircncias meacutedicas e bioloacutegicas e limitada em termos de praacutetica reprodutiva aos processos gestaccedilatildeo-parlo-aleitamento e contracepccedilatildeo dando-se intershy

Este texto resulta de reflexotildees motivadas pelos resultados da pesquisa Homogamia represhysentaccedilotildees e expectativas em tomo amor do ca~amentn e reproduccedilatildeo social realizada 1)88 na cidade do Rio de Janeiro com o patrociacutenio da Associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Populacionais Colaboraram nessa pesquisa em todas as sua~ fa~es Baacuterhara Musumeci Soares Mariacutelcna CordeilODias Villela Correacutea Ele apresentado na sessatildeo Trends marriage cohabitation and sexual behavior da Conferecircncia el Poblamiento de las Americas realizada em Vera Cruz (Meacutexico) 18 23 de maio 1992

Professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

94 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

ferecircneia do social atraveacutes do controle tecnokiacutegico sohre a natureza is10 eacute processo bioloacutegico de concepccedilatildeo e contracepccedilatildeo

Jaacute para a demografIa outra disciplina que tem se ocupado do processo reprodutivo a ideacuteia controle assume forma de limitaccedilatildeo tlapopulaccedilatildeo mais especificamente limitaccedilatildeo da fecundidade (natural e dirigida)l Esquece-se no geral que por esse processo reproduzcm~sc natildeo indiviacuteduos abstratos mas pessoas alocadas em posiccedilotildees sociais historicamente construiacutedas Assim a reproduccedilatildeo bioloacutegica das populaccedilotildees humanas eacute inseparaacutevel e em grande parte determinada pela reproduccedilatildeo da sociedade ou elos sistemas sociais como um todo

Controle social reproduccedilatildeo e sexualidade

De fato ao contraacuterio do que se supotildee ainda hoje as sociedades organizam e intervecircm nos diferentes momentos do processo reprodutivo desde a organishyzaccedilatildeo social do coito da gravidez do parto c da amamentaccedilatildeo ao nuacutemero e agrave socializaccedilatildeo das crianccedilas sendo todos os momentos da sequumlecircncia reprodutiva um terreno possiacutevel de de gestatildeo e de conflilo

Os aspectos que comandam a organizaccedilatildeo desses diferentes momentos estatildeo relacionados com as formas de organizaccedilatildeo sodal a di visatildeo sexual do Irabalho sistemas de representaccedilatildeo e eUI parlicular as concepccedilotildees acerca das formas das relaccedilotildees entre os sexos Dependendo da configuraccedilatildeo desses aspectos num dado momento eacute possiacutevel falar mesmo em diferentes sistemas ou diferentes modelos de reproduccedilatildeo como veremos a seguir

Tabet2 por exemplo mostra como o controle social3 do processo reproshyduti vo apoacuteia-se na organizaccedilatildeo sexual bioloacutegica especifica da espeacutecie humana

Admite-se assim corno aponta Paola Tabet um tratamento social miacutenimo da reproduccedilatildeo para qucm eSla dicotomia~ -fecundidade natural e dirigida (cllntrolaJa)-~ eacute uma construccedilatildeo ideoloacutegica que permite esvaziar as relaccedilotildees de poder e de sexo da anaacutelise da reproduccedilatildeo eliacuteminar os homens fazer da fecundidade um problema exdusivamente das mulheres mesmo da idade das mulheres T ABET P Fertiliteacute naturelle reproduction forceacutee ln LArraisonnement Fnnmes CabieIs de lHomme Paris EHESS 1985

2 TABET P op cito A19uns trabalhos na aacuterea antropologia e sociulogia jaacute se referiam ao caraacuteer perfurmashytivo da sociedade em relaccedilatildeo ao proacuteprio corpo humano Conferir especialmente os estudos de Marcel Mauss teacutecnicas corporais MAUSS Sociologia e Antropologia VaI II Satildeo Paulo EPUIEDUSP 1976 RODRIGUES JC Tabu do Corpo Rio de Janeiro Achiameacute 19X3 BERGER P amp Luckman A construccedillio social realidade Petroacutepolis Vozes 1973

Sexualidade e Reproduccedilatildeo 95

sua relativa infertilidade e as caracteriacutesticas singulares da sexualidade das fecircmeas humanas nas quais a pulsatildeo sexual eacute induzida por uma regulaccedilatildeo hormonal ligada agrave procriaccedilatildeo A pulsatildeo sexual eacute intermitente e natildeo ciacuteclica ou sazonal como nos outros mamiacuteferos Por outro lado o momento da fertilidade natildeo tem sinalizaccedilatildeo (manifestaccedilatildeo externa) e natildeo eacute indicado por uma intensishydade particular da pulsatildeo sexual

Assim o casamento natildeo eacute somente a instituiccedilatildeo que estabelece a alianccedila pela troca de mulheres liga homens e mulheres pela divisatildeo do trabalho legitima a crianccedila fornecendo-lhe uma matildee e um pai social e comanda o destino (alocaccedilatildeo social) das crianccedilas Ele eacute antes de tudo a in~tituiccedilatildeo que garante uma permanente exposiccedilatildeo ao coito portanto uma permanente exposiccedilatildeo ao risco de gravidez Se o casamento representa potencialmente o lugar optimal de exposiccedilatildeo permanente das mulheres agrave fecundaccedilatildeo isto natildeo se daacute sem um aparelho complexo (e variaacutevel) de pressatildeo ideoloacutegica e de constrangimentos fiacutesicos e psiacutequicos4 consequumlecircncia radical desse divoacutercio entre sexualidade e reproduccedilatildeo jaacute esboccedilado nos primatas superiores e que atinge seu desenvolvishymento maacuteximo na espeacutecie humana eacute a expansatildeo possiacutevel de uma sexualidade que tendo cortado toda relaccedilatildeo necessaacuteria com a reproduccedilatildeo eacute teoricamente aberta a qualquer expressatildeo uma sexualidade extremamente flexiacutevel natildeo dominada pela distinccedilatildeo de sexo tendencialmente indiferenciada e muacuteltipla em suas formas e em seus objetos5 Baseando-se em sociedades primitivas Tabet

4 Alguns autores vecircem essa especificidade bioloacutegica da espeacutecie humana como dando origem ao proacuteprio mecanismo de alianccedila e portanto da sociedade humana (Jacques RUFFIE O Sexo e a Morte Rio Nova Fronteira 1988 e ROBIN Fox As condiccedilotildees da evoluccedilatildeo sexual ln Sexualidades Ocidentais Satildeo Paulo Brasiliense 1986) Segundo Fox as circunstacircncias em que se desenvolvem hoje os relacionamentos sexuais e o processo reprodutivo representam uma reafirmaccedilatildeo do modelo inventado pelo Homo sapiens de iniciaccedilatildeo e da alianccedila que deveraacute ser respeitado enquanto a produccedilatildeo de novas geraccedilotildees depender do controle das relaccedilotildees sexuais Para ele conferir agrave desarticulaccedilatildeo contemporacircnea da famiacutelia nuclear um caraacuteter patoloacutegico significaria tomaacute-la como ponto de partida quando na verdade ela natildeo eacute senatildeo manifestaccedilatildeo de um modelo que a antecede

S Ao que tudo indica Tabet refere-se ao conceito freudiano de pulsatildeo De fato este eacute marcado pela referecircncia ao campo psicanaliacutetico Em Freud o conceito de pulsatildeo aponta para uma ligaccedilatildeo fundamental entre o niacutevel somaacutetico e o psiacutequico A pulsatildeo seria o representante mental de processos somaacuteticos Dentre os vaacuterios aspectos da pulsatildeo (fonte forccedila objetivo deslocashymentos e objeto) o objeto eacute para Freud o que haacute de mais variaacutevel na pulsatildeo natildeo havendo entre ambos nenhuma ligaccedilatildeo original A relaccedilatildeo estabelecida entre pulsatildeo e objeto se deve unicamente agrave exigecircncia de satisfaccedilatildeo pela pulsatildeo sendo a escolha do objeto determinada pela histoacuteria de cada um natildeo havendo portanto ligaccedilatildeo natural (constitucional) entre ambos [FREUD S Pulsions etdestins des pulsions ln Metapsychologie Paris Folio-Gallirnard 1968 pp 11-44


exemplifica algumas respostas sociais dadas ao problema colocado por uma sexualidade que natildeo obedece a uma organizaccedilatildeo ciacuteclica hormonal mas a uma organizaccedilatildeo em que os elementos soacutecio-afeti vos ganham em importacircncia sobre os comportamentos estritamente bio-reprodutivos

Todas as sociedades orientam essas dissociaccedilotildees distinguindo os casos (parceiros momentos etc) nos quais a reproduccedilatildeo eacute admitida (ou mesmo exigida) e aqueles em que a sexualidade natildeo deve levar agrave procriaccedilatildeo orientem tambeacutem as muacuteltiplas formas que limitam as potencialidades polimorfas da sexualidade humana e as canalizam para a heterossexualidade e a reproduccedilatildeo obrigatoacuteria

Uma das formas institucionais de dissociaccedilatildeo entre sexualidade reprodushytiva e natildeo reprodutiva eacute o que Tabet chama de separaccedilatildeo vertical ligada agraves sociedades hieraacuterquicas e agraves sociedades de classe a sexualidade de reproduccedilatildeo para as esposas e a heterossexualidade natildeo reprodutiva para as cortesatildes6 A antinomia entre procriaccedilatildeo de um lado e desejo e conduta eroacutetica de outro eacute niacutetida O casamento natildeo tem por objeto o prazer mas a procriaccedilatildeo de crianccedilas legiacutetimas Esta distinccedilatildeo eacute vaacutelida apenas para os homens na medida em que eles podem ter uma sexualidade natildeo reprodutiva fora do casamento Para os homens a norrnaeacute uma bissexualidade guerreira sexualidade que mesmo antes do cristianismo tende a se transformar em sexualidade de reproduccedilatildeo para as mulheres um papel de submissatildeo passiva ao prazer dos homens

Uma segunda forma de dissociaccedilatildeo entre sexualidade e reproduccedilatildeo eacute a separaccedilatildeo entre as idades da vida que Tabet associa a uma divisatildeo horizontal U ma se situa em tomo da puberdade e pode segundo as sociedades ser dedicada a uma sexualidade mais ou menos livre Na sociedade ocidental esta liberdade eacute vaacutelida apenas para os homens pesando sobre as mulheres uma interdiccedilatildeo rigorosa O outro periacuteodo eacute caracterizado por uma sexualidade conjugal com fins reprodutivos

Essas e outras diferentes intervenccedilotildees sobre a sexualidade visando a produzir um organismo feminino especializado na reproduccedilatildeo constituem para

6 Heterossexualidade porque este modelo deve ser exercido mesmo quando natildeo diretamente ligado agrave reproduccedilatildeo A funccedilatildeo da prostituiccedilatildeo regulamentada eacute de canalizar a sexualidade extraconjugal e de mantecirc-la conforme a natureza [CORBIN A Les filies de Noce misere sexuelle et prostitution Paris Flammarion 1982 citado por Tabet)

7 A oposiccedilatildeo pertinente para os homens - na sociedade romana por exemplo - natildeo eacute aquela entre amor das mulheres ou amor dos homens mas aquela entre atividade e passividade e aquela entre liberdade amorosa e conjugalidade exclusiva Ser ativo eacute ser macho indepenshydentemente do sexo do parceiro Jaacute a mulher eacute passiva por definiccedilatildeo [VEYNE P A homossexualidade em Roma in Sexualidades ocidentais Rio Brasiliense 1985]

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Tabet a maior transformaccedilatildeo e a mais complexa das condiccedilotildees bioloacutegicas da reproduccedilatildeo correlativamente trata-se da mais forte e mais complexa manipushylaccedilatildeo das condiccedilotildees bioloacutegicas da sexualidade humana

A sexualidade nas sociedades ocidentais modernas

U ma ampla ainda que indireta literatura a respeito do assunto nos permite detectar algumas transformaccedilotildees nesse modelo de controle da sexualidade que embora recentes apontam na direccedilatildeo de um novo modelo reprodutivo e de controle da sexualidade

Em termos de tipos ideais eacute possiacutevel pensar por exemplo num modelo baseado no sistema de alianccedilas e em normas estritas de homogamia no amor conjugal na indissolubilidade dos laccedilos matrimoniais numa riacutegida divisatildeo de trabalho entre os sexos e num riacutegido controle da sexualidade feminina na submissatildeo juriacutedica e social da mulher ao homem na identidade familiar na contracepccedilatildeo apoiada na idade ao casar e completamente dependente do intershycurso sexual e em outro baseado na escolha individual do cocircnjuge em normas relativamente mais flexiacuteveis de homogamia no amor-paixatildeo na possibilidade de divoacutercios e separaccedilotildees frequumlentes numa divisatildeo de trabalho pouco riacutegida entre os sexos8 na liberaccedilatildeo (e mesmo valorizaccedilatildeo) da sexualidade feminina na igualdade juriacutedica e social entre os sexos na identidade individual no controle tecnoloacutegico da contracepccedilatildeo que no limite pode dispensar ointercurshyso sexual para fins reprodutivos

Tomando como paracircmetro o arrazoado de Tabet anteriormente descrito podemos dizer que uma dessas mudanccedilas eacute representada pelo rompimento no niacutevel ideoloacutegico da associaccedilatildeo entre sexualidade e reproduccedilatildeo que como vimos constitui um corolaacuterio dessa dissociaccedilatildeo no niacutevel bioloacutegico A sexualishydade da mulher natildeo estaacute mais inteiramente subordinada agrave reproduccedilatildeo Embora a separaccedilatildeo entre as idades da vida permaneccedila a interdiccedilatildeo sexual para a mulher antes do periacuteodo reprodutivo perde importacircncia

Tambeacutem permanece a divisatildeo entre esposas e prostitutas mas cada vez mais estas uacuteltimas se distinguem exclusivamente pelo caraacuteter mercantil de seus serviccedilos em oposiccedilatildeo agraves trocas livres comandadas pelo prazer As praacuteticas

8 Embora o modelo tradicional de divisatildeo de trabalho entre os sexos ainda predomine com menos forccedila na esfera social e mais fortemente na esfera domeacutestica as mudanccedilas satildeo significativas E mesmo nos paiacuteses menos desenvolvidos onde a influecircncia do modelo patrimonialista ainda se faz sentir [LOYOLA MA e ABUJANRA M A divisatildeo sexual do trabalho Cadernos do Cebrap Nova Seacuterie nordm 4(4)1-148 1985

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sexuais autonomizadas se tornam como afirma Pollak mensuraacuteveis isto eacute podem ser objeto de caacutelculos racionais quanto agrave finalidade apoiadas numa contabilidade do prazer que tem como unidade de base o orgasmo9 E como mostra Foucault a sexualidade torna-se constitutiva da proacutepria subjetividade uma subjetividade que toma a forma de busca pela verdade relegando para a distacircncia uma eacutetica sexual centrada na economia dos atos e de domiacutenio puacuteblico1o A busca do prazer toma a forma de busca da verdade substituindo a busca da felicidade do seacuteculo XIX Uma nova escravidatildeo segundo Sennett substitui a moral repressiva do seacuteculo XIX e a rebeldia contra a repressatildeo sexual significa simultaneamente uma rebeldia contra a ideacuteia de que a sexuashylidade possui uma dimensatildeo social Assim sexo e amor satildeo lanccedilados na esfera intimista da individualidade I 1

O homossexualismo masculino por exemplo antes definido pela oposishyccedilatildeo passivoativo passa a ser definido pela opccedilatildeo pelo mesmo sexo fundada numa natureza mais cultural do que propriamente bioloacutegica excluindo assim uma parte dos homens das tarefas reprodutivas Segundo Pollak a relaccedilatildeo homossexual possibilita combinar a satisfaccedilatildeo das necessidades sexuais e afetivas sem o 6nus das pressotildees inerentes agrave vida conjugal Nesse sentido a imagem do homossexual masculino teria um papel simboacutelico importante no processo de mudanccedila de estilos de vida na sociedade moderna Eacute o que afirma tambeacutem de certo modo Philippe Aries quando discute o simbolismo que cercou a imagem do homossexual 12 Aries constata a transformaccedilatildeo do modelo efeminado e pueril que predominava nos seacuteculos XVIII e XIX e mesmo no iniacutecio do seacuteculo XX num modelo de virilidade que o homossexual passa a encarnar contemporaneamente A toleracircncia para com a homossexualidade estaria segundo o autor associada agraves mudanccedilas nas representaccedilotildees sobre os sexos e a sociedade como um todo tenderia a se adaptar com maior ou menor grau de resistecircncia ao modelo homossexual O obscurecimento das diferenccedilas entre os sexos ou seja o intercacircmbio de papeacuteis experimentado na sociedade encontraria na homossexualidade - precisamente em sua configuraccedilatildeo viril

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9 POLLAK M A homossexualidade ma~culina ou a felicidade no gueto ln Sexualidades ocidentais op cito

10 FOUCAULT M O combate da castidade ln Sexualidades ocidentais op cit e Histoacuteria da sexualidade 1- a vontade de saber Rio Graal 1979

II SENNETT R O Decliacutenio do homem puacuteblico - as tiranias da intimidade Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988

12 ARIES P Refkxotildees sobre a histoacuteria da homossexualidade ln Sexualidades ocidentais op cito


- um exemplo significativo Estariacuteamos entatildeo vivendo numa sociedade unisshysex de cujas marcas o proacuteprio corpo feminino seria portador

O democratismo e a ideacuteia de igualdade entre os sexos penetram a esfera domeacutestica engendrando uma constante negociaccedilatildeo dos conflitos que corshyrentemente assumem a forma de luta por espaccedilo Neste contexto pode-se falar como aponta IC Kauffman em uma disputa pelo poder como uma tendecircncia que se contrapotildee ao esquecimento de si que o universo domeacutestico oferece sobretudo para a mulher 13 Os laccedilos conjugais se fragilizam e sua continuidade eacute rompida natildeo obstante a vontade em contraacuterio dos parceiros A noccedilatildeo de tempo longo necessaacuteria agrave continuidade dos laccedilos conjugais eacute substituiacuteda pelade tempo fugaz ou pela noccedilatildeo de intensidade como bem traduz o poeta Viniacutecius de Moraes Que natildeo seja eterno posto que eacute chama mas que seja infinito enquanto dure

O modelo de relacionamento conjugal passa a ser entatildeo o das uniotildees li vres (coabitaccedilatildeo de parceiros natildeo casados) que Franccediloise Battagliola define como um meio de transcender agraves normas socialmente prescritas e deslocar os termos das trocas entre os sexos14 A coabitaccedilatildeo teria sobretudo para a mulher o sentido de driblar de reordenar a divisatildeo sexual do trabalho e as posiccedilotildees simboacutelicas que lhe satildeo associadas Ela pode ou natildeo representar uma etapa de transiccedilatildeo para o casamento mas num contexto em que a escolaridade assim como a proacutepria adolescecircncia se prolongam e proporcionam um espaccedilo maior de negociaccedilatildeo natildeo soacute entre as geraccedilotildees mas tambeacutem e sobretudo no interior da proacutepria unidade familiar A tensatildeo entre complementaridade e subjetividade de que fala Kaufmann recebe nesta forma de uniatildeo um tratamentoparticularishyzado Sem que se desfaccedila a alianccedila a esfera da individualidade parece estar contemplada nesta recusa (provisoacuteria ou natildeo) em fixar papeacuteis determinados na manutenccedilatildeo dos projetos individuais na conservaccedilatildeo das redes de relaccedilotildees de cada cocircnjuge e na liberdade sexual que a coabitaccedilatildeo parece permitir

Analisando o casamento extraconjugal ou a coabitaccedilatildeo contemporacircnea Andreacute Bejin sugere que essa forma de relaccedilatildeo pode indicar uma tentativa ainda que problemaacutetica de reunir os traccedilos da vida conjugal e das uniotildees extraconshyjugais que remetiam ateacute o seacuteculo XVIII a concepccedilotildees distintas do que seria o amor 15 O amor conjugal e o amor paixatildeo que se opunham radicalmente segundo os historiadores que se ocuparam do assunto estavam circunscritos agraves

l3 KAUFMANN Jc Le chaleur du Foyer analyse au repli domestique Paris Meacuteridiens Klincksieck 1988

14 BATTAGLIOLA F Lafin du mariage Paris SyrosAlternatives 1988 15 BEJIN A O casamento extraconjugal nos dias de hoje Sexualidades ocidentaIacuteccedil np ri


distintas esferas do casamento e do adulteacuteriQ ou da prostituiccedilatildeo respecshytivamente As marcas de um e de outro tipo de relaccedilatildeo amorosa estariam presentes nos dias de hoje - nessa modalidade de casamento extraconjugal - sob vaacuterios aspectos na duraccedilatildeo potencial da vida em comum onde tudo se passa como se a duraccedilatildeo fosse renegociada todos os dias pelos parceiros na consagraccedilatildeo reIati va de que desfruta esse tipo de uniatildeo na heterogamia relati va que a busca do prazer e o medo do teacutedio e da solidatildeo permitem na diferenciaccedilatildeo das funccedilotildees da vida em comum que produz um misto de igualdade e compleshymentariedade na exigecircncia relativa de fidelidade no exagero e no comedimenshyto simultacircneos na expressatildeo dos sentimentos na ambiguumlidade diante da fecunshydidade etc Esse modo de vida segundo Bejin teria aleacutem disso um poder de contaacutegio verificaacutevel no proacuteprio comportamento dos receacutem-casados Ou seja a coabitaccedilatildeo imprime suas marcas no proacuteprio casamento que passa a expressar tambeacutem certas ambiguumlidades que a constitui como o desejo de adiamento do primeiro filho ou uma certa toleracircncia com relaccedilatildeo a infideshylidades passageiras

Mas para Bejin a coabitaccedilatildeo tambeacutem estaria proacutexima do modelo do relacionamento homossexual em que se procura no outro O outro e a si mesmo O desejo de somar igualdade e complementariedade produziria a busca da figura perfeita e autaacuterquica cujo modelo mais proacuteximo eacute muito bem represhysentado pelo androacutegino

As ideacuteias ateacute aqui expostas - sem a preocupaccedilatildeo de estabelecer as articulaccedilotildees necessaacuterias mas com o uacutenico intuito de agrupaacute-las como disshysemos enquanto traccedilos incompletos de tipos ideais que sirvam de guia para a anaacutelise - apoacuteiam-se sobre fenocircmenos estruturais jaacute suficientemente conheshycidos Entre eles destaca-se a liberaccedilatildeo da forccedila de trabalho pelo mercado e a incorporaccedilatildeo da mulher no sistema produtivo desmanchando os laccedilos comushynitaacuterios introduzindo um modelo individualizante e abalando os alicerces da complementariedade entre os sexos e da divisatildeo sexual do trabalho que resshytringe a mulher agrave esfera domeacutestica Do ponto de vista tecnoloacutegico poderiacuteamos acrescentar ainda a verdadeira revoluccedilatildeo representada pela piacutelula anticoncepshycional e mais recentemente pela inseminaccedilatildeo artificial e pela reproduccedilatildeo in vitro permitindo desvincular natildeo somente sexualidade (enquanto domiacutenio do prazer) e reproduccedilatildeo mas o proacuteprio sexo e este processo


Eacute possiacutevel falar em um novo sistema de reproduccedilatildeo

U ma das transformaccedilotildees mais importantes ocorridas no sistema de reproshyduccedilatildeo das sociedades ocidentais contemporacircneas eacute como assinalou Bourdieu o peso crescente do capital escolar relativamente ao capital econocircmico 16

A passagem de um modo de reproduccedilatildeo agrave dominacircncia econocircmica para um outro agrave dominacircncia escolar tornou possiacutevel o casamento amoroso baseado na escolha indi viccedillual sem pocircr em risco as funccedilotildees desempenhadas pelo sistema de alianccedilas para a reproduccedilatildeo social 17 De fato ao contraacuterio do capital econocircshymico o capital cultural eacute incorporado ele faz parte integrante da pessoa e torna-se invisiacutevel As condiccedilotildees de um amor louco e ao mesmo tempo razoaacutevel satildeo assim reunidas uma mulher e um homem podem apaixonar-se segundo suas idiossincrasias ou de acordo com seu desejo individual e se casar sem risco social Sua estima reciacuteproca estaacute fundada sem que eles o saibam sobre valores culturais proacuteximos Natildeo haacute pois nenhuma necessidade de arranjos exteriores o sentimento de ambos eacute suficiente para garantir um equilfbrio entre capital masculino e capital feminino A loacutegica amorosa natildeo contradiz a loacutegica social a primeira redobra a segunda numa sociedade em que o capital cultural domina

Numa oacuteptica diferente Tabet faz uma articulaccedilatildeo interessante entre relaccedilotildees de reproduccedilatildeo Se por um lado ela pode conduzir a um certo reducionismo economicista de outro ajuda a explicitar alguns aspectos desse processo mais amplo de transformaccedilatildeo no sistema de reproduccedilatildeo ou de consshytituiccedilatildeo de um novo sistema

Ela define a procriaccedilatildeo como um trabalho que agrave maneira do trabalho intelectual se cumpre no interior do corpo humano e o processo reprodutivo como um processo de produccedilatildeo que implica a exploraccedilatildeo da mulher e a apropriaccedilatildeo social de seu corpo e mesmo de sua pessoa atraveacutes do casamento

16 Cf BOURDIEU P Avenir de classe et causaliteacute du probable Revue Franccedilaise de Sociologie XV J 1974 e BOURDIEU P SAINT-MARTIN M de - Le patronat in Actes de la Recherche en Sciences Sociales 20-1978 p 3-82

17 Como chama atenccedilatildeo Singly essa transformaccedilatildeo tem sido frequumlentemente esquecida por aqueles como Shoter que vecircm na conciliaccedilatildeo entre amor e casamento ocorrida no Ocidente a partir da metade do seacuteculo XVIII o sinal de uma transformaccedilatildeo das funccedilotildees do casamento os casamentos natildeo satildeo mais arranjados porque sua funccedilatildeo natildeo eacute mais a de garantir a continuidade social das geraccedilotildees a de permitir o apaziguamento afetivo dos cocircnjuges [SINGLY Franccedilois de Fortune et infortune de lafemme marieeacute Paris PUF 1987 p 185 SHORTER E Naissance de lafamille modeme Paris Le Seuil 1977 pp 551-583 Citado por SINGL Y]


Segundo ela relaccedilotildees de produccedilatildeo e relaccedilotildees de reproduccedilatildeo humana seguiriam linhas de evoluccedilatildeo paralelas e estruturalmente homoacutelogas Nos dois casos evoluccedilatildeo teacutecnica e evoluccedilatildeo das relaccedilotildees sociais estatildeo imbricadas I 8

A transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de reproduccedilatildeo em curso nas sociedades industrializadas mostra bem esse paralelismo Assistimos a um fenocircmeno sob certos aspectos mui to proacuteximo do que se produzi u na formaccedilatildeo do capi tatismo a passagem das relaccedilotildees de escravismo de apropriaccedilatildeo di reta do trabalhador agraves relaccedilotildees capitalistas de produccedilatildeo em que o trabalhador eacute livre Uma evoluccedilatildeo anaacuteloga se passa nas relaccedilotildees de reproduccedilatildeo ou seja a passagem da apropriaccedilatildeo privada da reprodutora no laccedilo de dependecircncia pessoal constituiacutedo pelo casashymento agrave emergecircncia atual de relaccedilotildees nas quais a apropriaccedilatildeo global da reprodutora natildeo eacute condiccedilatildeo sine qua non da reproduccedilatildeo Tal como a evoluccedilatildeo teacutecnica a transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de reproduccedilatildeo eacute gradual e natildeo se daacute no mesmo momento para as diferentes fases do ciclo reprodutivo Assim o aleitamento vem primeiro e sofre uma evoluccedilatildeo teacutecnica que leva no limite agrave liberaccedilatildeo do seio agrave transferecircncia da lactaccedilatildeo para uma produccedilatildeo completashymente exterior ao corpo

O aluguel do uacutetero por sua vez pode ser visto como cao extremo de uma loacutegica mercantil que atinge o domiacutenio mais privado da vida pessoal Trata-se de uma venda na qual a forccedila de procriaccedilatildeo eacute trocada da mesma maneira que a forccedila de trabalho isto eacute por seu proacuteprio possuidor O aluguel do uacutetero eacute segundo Tabet a ponta emergente de um iceberg a parte visiacutevel de um processo de esboroamento da estrutura soacutelidas que controlaram a reproduccedilatildeo durante seacuteculos

Um outro fenocircmeno mais geral desse processo que eacute a procriaccedilatildeo coptra salaacuterio eacute constituiacutedo pelas famiacutelias monoparentais - situaccedilatildeo em que as mulheres assumem sozinhas a tarefa reprodutiva e a responsabilidade pelas crianccedilas Tambeacutem aqui a apropriaccedilatildeo privada das reprodutoras natildeo eacute mais a condiccedilatildeo necessaacuteria agrave reproduccedilatildeo

Sabemos naturalmente que essas mudanccedilas assim como a maior parte dos traccedilos correspondentes agraves transformaccedilotildees em curso no sistema de reprodushyccedilatildeo que retivemos aqui dizem respeito agraves sociedades tecnologicamente mais avanccediladas Entretanto dados de alguns estudos recentes realizados em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina apontam para a presenccedila tambeacutem entre noacutes de mudanccedilas significativas no sistema de reproduccedilatildeo humana do qual a crescente queda da fecundidade verificada nesses paiacuteses constitui o aspecto mais facilshy

18 A homologia estrutural dos dois processos permanece invisiacutevel porque de um lado existe uma certa defasagem entre ambos e de outro lado porque as ideologias tendem a deixar por conta da natureza a fecundidade e mesmo as mulheres


mente detectaacutevel No Brasil por exemplo podemos citar o aumento do nuacutemero de divoacutercios de uniotildees consensuais de pessoa sozinha de matildees solteiras de famiacutelias monoparentais de liberdade sexual e de homossexualismo 19 Outros estudos indicam tambeacutem que elas repercutem forte e rapidamente ao menos entre as camadas meacutedias e altas mais escolarizadas dos grandes centros urbanos entre as quais o modelo ideoloacutegico individualista-igualitaacuterio de relacionashymento amoroso eacute bastante difundido20 Em algum momento seraacute necessaacuterio indagar em que medida elas interferem ou orientam ainda que indiretamente as praacuteticas sexuais dos diferentes grupos sociais De qualquer forma acreditashymos que o recurso a esses modelos pode ser extremamente uacutetil a qualquer estudo que pretenda abordar o tema da sexualidade seja em si mesmo seja em relaccedilatildeo agrave nupcialidade aos papeacuteis de gecircnero agraves formas de uniatildeo dos sexos ao casamento agrave famiacutelia e ao relacionamento amoroso

RESUMO

Sexualidade e Reproduccedilatildeo

Ao contraacuterio do que se supotildee ainda hoje as sociedades organizam e intervecircm nos diferentes momentos da sequumlecircnciado processo reprodutivo desde

19 BERQUOacute E e LOYOLA MA Uniatildeo dos sexos e estrateacutegias reprodutivas no Brasil Revista Brasileira de Estudos de Populaccedilatildeo Satildeo Paulo ABEP 1(l12)35-98jandez 1984 BERQUOacute E e CA VENAGHI S 1988 Oportunidades e fatalidades Um estudo demograacuteshyfico das pessoas que moram sozinhas ln Anais do VI Encontro Nacional de Estudos Populacionais v I Olinda PE BERQUOacute E OLIVEIRA MCFA de amp CA VEN AGHI SM 1990 Arranjos Familiares natildeo-canocircnicos no Brasil Apresentado no VI Encontro Nacional de Estudos Populacionais Caxambu (MG) OLIVEIRA MCFA de amp BERQUOacute E 1988 The Family in Brazil Demographic analysis and Recent Trend Trabalho apresenshytado no Seminar Theories of Family Change Comrnittee on Family Demography and Life Course lOSPP Tokyo Japan dezembro FRY P 1982 Da hierarquia agrave igualdade a construccedilatildeo histoacuterica da homossexualidade no Brasil ln FRY P Para inglecircs ver identidade e poliacutetica na cultura brasileira Rio de Janeiro Ed Zabar BERQUOacute E A famiacutelia no seacuteculo XXI um enfoque demograacutefico ln Revista Brasileira Estudos Populacionais Satildeo Paulo V 6 nordm2pI-120juldez 1989

20 Cf LOYOLA MA SOARES BM e CORREA MDv Homogamia representaccedilotildees e expectativas em torno do amor e do casamento e reproduccedilatildeo social Rio de Janeiro em especial a parte referente a Observaccedilotildees sobre o etlws amoroso do grupo estudado de Baacuterbara Musumeci Soares IMS 1988 (mimeo) Relatoacuterio de Atividades apresentado agrave ABEP SALEM T 0 casal igualitaacuterio princiacutepios e impasses ln Revista Brasileira de Ciecircncias Sociais ng 9 1989

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104 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

a organizaccedilatildeo social do coito da gravidez do parto e da amamentaccedilatildeo ao nuacutemero e agrave socializaccedilatildeo das crianccedilas sendo todo momento da sequumlecircncia reproduti va um terreno possiacutevel de decisatildeo de gestatildeo e de conflito Os aspectos que comandam a organizaccedilatildeo desses diferentes momentos estatildeo relacionados com as formas de organizaccedilatildeo social a di visatildeo sexual do trabalho os sistemas de representaccedilatildeo e em particular as concepccedilotildees acercadas formas das relaccedilotildees entre os sexos Dependendo da configuraccedilatildeo desses aspectos num dado moshymento eacute possiacutevel falar em diferentes sistemas ou diferentes modelos de reproduccedilatildeo Discutem-se aqui algumas hipoacuteteses sobre a construccedilatildeo enquanto tipo ideais desses modelos

ABSTRACT

Sexuality and Reproduction

Contrary to what many suppose even today societies organize and intershyvene in different moments of the sequence of the reproductive process from the social organization ofcoitus pregnancy childbirth and nursing the number and to child education Every moment of the reproductive sequence offers an opportunity for decision-making management and conflict The factors that govern the organization ofthese different moments are related to forms ofsocial organization the sexual division of labor systems of representation and especially conceptions regarding the forms of relations between the sexes Depending on the configurljtion ofthese factors at any given moment we may even speak in terms of different systems or different models of reproduction The paper discusses some hypotheses on the construction of such models as ideal types

RESUME

SexuaJiteacute et Reproduction

Contrairement agrave ce qu on croit encore de nos iours les socieacuteteacutes assument un rocircle dorganisation et dintervention agrave chacun des diffeacuterents moments qui constituent la seacutequence du processus de reproduction depuis I organisation sociale du COIt de la grossesse de l accouchement et de I allaitement jusqu agraveu nombre et agrave la socialisation des enfants Chaque moment de la seacutequence reproductive offre un terrain possible de deacuteciion de gestion et de conflito Les


aspects qui deacuteterminent l orgarusation de ces diffeacuterents momentlt sont lieacutes aux formes dorganisation sociale agrave la division sexuelle du travail aux systemes de repreacutesentation et en particulier aux conceptions ayant trait aux formes de rapports entre les sexes Selon la configuration que ces aspects assument agrave un moment donneacute on peut vraiment parler de I existence de diffeacuterents systemes ou de diffeacuterents modeles de reproduction Lauteur analyse ieacutei quelques unes des hypothecircses ayant trait agrave construction de ces modeles en tant que types ideacuteaux


ferecircneia do social atraveacutes do controle tecnokiacutegico sohre a natureza is10 eacute processo bioloacutegico de concepccedilatildeo e contracepccedilatildeo

Jaacute para a demografIa outra disciplina que tem se ocupado do processo reprodutivo a ideacuteia controle assume forma de limitaccedilatildeo tlapopulaccedilatildeo mais especificamente limitaccedilatildeo da fecundidade (natural e dirigida)l Esquece-se no geral que por esse processo reproduzcm~sc natildeo indiviacuteduos abstratos mas pessoas alocadas em posiccedilotildees sociais historicamente construiacutedas Assim a reproduccedilatildeo bioloacutegica das populaccedilotildees humanas eacute inseparaacutevel e em grande parte determinada pela reproduccedilatildeo da sociedade ou elos sistemas sociais como um todo

Controle social reproduccedilatildeo e sexualidade

De fato ao contraacuterio do que se supotildee ainda hoje as sociedades organizam e intervecircm nos diferentes momentos do processo reprodutivo desde a organishyzaccedilatildeo social do coito da gravidez do parto c da amamentaccedilatildeo ao nuacutemero e agrave socializaccedilatildeo das crianccedilas sendo todos os momentos da sequumlecircncia reprodutiva um terreno possiacutevel de de gestatildeo e de conflilo

Os aspectos que comandam a organizaccedilatildeo desses diferentes momentos estatildeo relacionados com as formas de organizaccedilatildeo sodal a di visatildeo sexual do Irabalho sistemas de representaccedilatildeo e eUI parlicular as concepccedilotildees acerca das formas das relaccedilotildees entre os sexos Dependendo da configuraccedilatildeo desses aspectos num dado momento eacute possiacutevel falar mesmo em diferentes sistemas ou diferentes modelos de reproduccedilatildeo como veremos a seguir

Tabet2 por exemplo mostra como o controle social3 do processo reproshyduti vo apoacuteia-se na organizaccedilatildeo sexual bioloacutegica especifica da espeacutecie humana

Admite-se assim corno aponta Paola Tabet um tratamento social miacutenimo da reproduccedilatildeo para qucm eSla dicotomia~ -fecundidade natural e dirigida (cllntrolaJa)-~ eacute uma construccedilatildeo ideoloacutegica que permite esvaziar as relaccedilotildees de poder e de sexo da anaacutelise da reproduccedilatildeo eliacuteminar os homens fazer da fecundidade um problema exdusivamente das mulheres mesmo da idade das mulheres T ABET P Fertiliteacute naturelle reproduction forceacutee ln LArraisonnement Fnnmes CabieIs de lHomme Paris EHESS 1985

2 TABET P op cito A19uns trabalhos na aacuterea antropologia e sociulogia jaacute se referiam ao caraacuteer perfurmashytivo da sociedade em relaccedilatildeo ao proacuteprio corpo humano Conferir especialmente os estudos de Marcel Mauss teacutecnicas corporais MAUSS Sociologia e Antropologia VaI II Satildeo Paulo EPUIEDUSP 1976 RODRIGUES JC Tabu do Corpo Rio de Janeiro Achiameacute 19X3 BERGER P amp Luckman A construccedillio social realidade Petroacutepolis Vozes 1973














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sexualidade reprodução* - scielo · por ser a reprodução humana ainda considerada um processo...

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