serigrafias de romanita disconzi: vocabulÁrio … · cada espectador dar um significado diferente,...
TRANSCRIPT
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
SERIGRAFIAS DE ROMANITA DISCONZI:
VOCABULÁRIO PRÓPRIO E VISUALIDADE POP
ROMANITA DISCONZI’S SILKSCREEN:
PERSONAL VOCABULARY AND POP VISUALITY
Carolina Bouvie Grippa Bacharela em Moda pela Universidade Feevale e
Bacharelanda em História da Arte pela UFRGS [email protected]
RESUMO
Esse trabalho tem o intuito de mostrar a produção de serigrafias da artista gaúcha Romanita Disconzi (1940),
realizadas no período de 1969 e 1977, cujas gravuras foram importantes para a construção de um vocabulário
imagético próprio, que influenciou sua trajetória artística. As serigrafias trazem elementos de conteúdo popular,
e nota-se uma repetição de imagens nos trabalhos produzidos, mas que a partir de diversas combinações
realizadas por Romanita, ela consegue resultados variados, promovendo novos significados para cada gravura.
Para melhor explorar o conteúdo das obras, serão apresentados acontecimentos que influenciaram essa produção
- uma viagem feita pela artista e o curso ministrado pelo artista espanhol Julio Plaza - além de uma discussão
referente à sua ligação com o movimento pop euro-americano, e suas conexões com a pop brasileira, que possuiu
conotações políticas mais explícitas, devido ao período de ditadura militar que o país se encontrava. Dessa
maneira, se discute influências da estética pop nos trabalhos de Romanita, além de possíveis conotações politicas
perceptíveis em sua obra, a partir do vocabulário imagético criado pela artista.
Palavras-chave: Romanita Disconzi. Serigrafia. Arte Pop. Vocabulário Pessoal.
ABSTRACT This paper aims to show the silkscreen production of the artist Romanita Disconzi (1940), made between 1969
and 1977, in which the prints were important to the construction of its own imagistic vocabulary, which
influenced her artistic path. The silkscreens bring elements of popular content, and it shows an image repetition
in the works produced, but that from diverse combinations made by Romanita, she gets various results,
promoting new meanings for each engraving. To better explore the content of the works, will be presented events
that influenced this production – a trip made by the artist and the course given by the Spanish artist Julio Plaza –,
as well as a discussion regarding her bond with the Euro-american Pop movement, and her connections with the
Brazilian Pop, which has more explicit political connotations, due to the period of military dictatorship that the
country found itself in. Therefore, it will be discussed the pop aesthetic influences on the works of Romanita,
other than possibly perceptible political connotations in her work, as from the imagistic vocabulary created by
the artist. Keywords: Romanita Disconzi. Silkscreen. Pop Art. Personal Vocabulary.
Introdução
Romanita Disconzi (Santiago, RS, 1940) entrou no Instituto de Belas Artes1 aos 16
anos e realizou um curso de aperfeiçoamento em pintura por volta de 1966 a 1967. Segundo a
1 Nome antigo para o atual Instituto de Artes da UFRGS.
142
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
artista2, foi nesse momento que surgiu uma produção mais pessoal, resultando em sua
primeira exposição individual de pintura na Galeria Leopoldina em 1967. Após a realização
do curso mais prático, Romanita continuou estudando, agora na Faculdade de Educação, com
disciplinas de formação pedagógica. Em seguida, ministra aulas na Feevale e depois é
convidada para lecionar pintura no Instituto de Artes da UFRGS em 1976. É durante esse
período que participa do Grupo Nervo Óptico.
Em 1979 vai à Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, realizar seu mestrado.
Ali, ela desenvolveu pesquisas experimentais em relação ao vídeo e aparelhos televisivos,
algo inovador para a época e que irá influenciar seu trabalho posterior na pintura. “A artista
passou a incorporar, na pintura, elementos da sintaxe do vídeo: a pincelada de cor pura como
base, em relação com o pixel, e essas pinceladas dispostas linearmente, como na linha do
scanner” (BERNARDI, 2015, p. 598). A artista comentou que nessa fase surgiu uma nova
linguagem na pintura, muito influenciada pela maneira de como a imagem era formada na
televisão, mas tudo de maneira muito intuitiva; foi apenas no doutorado que Romanita iria
verbalizar e analisar mais profundamente sua nova produção.
Realizada na Universidade de São Paulo, sua tese tem o título de Pintura Pós-TV
(1991) e foi orientada por Julio Plaza (1938-2003). Em sua pesquisa há uma referência na
imagem televisiva e uma influência dos princípios ópticos do impressionismo e pós-
impressionistas, principalmente Georges Seurat (1859-1891); tendo as pinceladas justapostas
de cores puras e a maneira de construção das imagens, como pode ser notado na figura 1. A
apreciação da obra pode ser feita de diversos distanciamentos, “variando da clareza das
imagens a uma certa abstração” (BERNARDI, 2015, p. 598).
Figura 1: Batman, Madonna e Mulher Maravilha, 1993. Acrílica sobre tela, 140x220 cm. Pinacoteca Barão de
Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS. Fonte: Site do acervo.
2 Foi feita uma entrevista com a artista para a realização desse artigo.
143
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
Muito se escreveu sobre os trabalhos de pintura da Romanita, pois toda sua produção
acadêmica se voltou a esse suporte. Mas muito do seu interesse por imagens de televisão e do
mundo das histórias em quadrinhos surgiu anteriormente, no fim da década de 1960, mas com
outra técnica, a serigrafia. Utilizando-se de imagens do cotidiano, muitas retiradas de
religiões, da sinalização de trânsito e da natureza, a artista criou um vocabulário próprio que
explorou em obras como o Totem de Interpretação (1969) e diversas serigrafias feitas na
década de 1960 e 1970; sendo esses trabalhos que serão analisados nesse artigo.
Serigrafias de Romanita Disconzi: desenvolvimento de um vocabulário próprio
A artista criou diversas serigrafias entre os anos de 1969 até 1977, sendo muito
diferente do que ela estava produzindo anteriormente, pinturas à óleo com imagens
relacionadas à formas orgânicas e imagens da natureza; algo que sempre interessou a artista e
até hoje influência sua obra. Questionando-a sobre como ela percebe as suas serigrafias
perante a sua trajetória como artista, Romanita destaca que foi nessa série que ela estabeleceu
a base de seu vocabulário e todo o processo de construção semântica. A artista divide suas
serigrafias em duas séries: a primeira, com elementos ligados ao cotidiano (figura 2); e uma
segunda, cujo tema é voltado para a natureza (figura 3). Podem-se demarcar dois pontos que
foram cruciais para esses novos trabalhos em sua trajetória como artista: uma viagem a São
Miguel das Missões, que ajudou-a criar os novos símbolos, e o curso de serigrafia ministrado
por Julio Plaza.
Figura 2: Sinal 2, 1970. Serigrafia, 48x33 cm. Fonte: acervo da artista
144
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
Romanita destacou que esse vocabulário de símbolos do cotidiano surgiu em uma
viagem para a cidade de São Miguel das Missões (RS), que observando as ruínas e as imagens
realizadas pelos missioneiros e os indígenas, concluiu que houve uma simplificação nas
formas e muito foi adaptado para a realidade daquele local. Na entrevista, o exemplo dado
pela artista foi:
[...] nas igrejas medievais há um friso, e tem uma imagem que ele [professor da
artista] chamava de “mandorla mística”, que em italiano quer dizer amêndoa, uma
forma de amêndoa, onde era representada a imagem de Cristo. Ou seja, o Cristo
pantocrator. E era uma imagem completa, uma figura completa de Cristo. Mas na
Igreja de São Miguel era só um coração. [...] Então, aquele coração com os cravos,
só aquilo já significa Cristo e toda a paixão de Cristo. Então, tu vês que poderosa
síntese eles fizeram, e fica muito mais fácil tu fazer um coração com três pregos, do
que fazer toda a imagem de Cristo, com cabeça, olho, nariz, boca... Isso foi uma
coisa fantástica!
A partir dessa percepção, resultado da análise das imagens nas missões jesuíticas, a
artista fez uma xilogravura com a imagem de um coração com os cravos e círculos
concêntricos, nas cores vermelho e preto. Romanita ressaltou que tinha dificuldade em
trabalhar com essa técnica, devido aos movimentos bruscos necessários para se realizar a
matriz; assim, a serigrafia surgiu como alternativa para trabalhar a nova imagética criada pela
artista.
Figura 3 – Não vi, mas me contaram sobre as abelhas, 1973. Serigrafia, 92x33 cm. Pinacoteca Barão de Santo
Ângelo, IA, UFRGS. Fonte: site do acervo
145
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
A técnica da serigrafia foi aprendida a partir de um curso de extensão ministrado pelo
artista Julio Plaza, no ano de 1969, tendo a duração em torno de dois meses3. Foram ensinadas
algumas técnicas básicas de serigrafias, como o filme de corte e uma técnica com goma
arábica, mais rudimentar. Blanca Brittes (2015) destaca que o curso de Plaza, juntamente com
o dado por Regina Silveira (1939), em 1971, foram de extrema importância para atualizar os
artistas daqui “sobre questões que dominavam o meio artístico internacional” e influenciou
propostas posteriores dos artistas (BRITTES, 2015, p. 515).
Para a artista, esse curso foi de extrema importância, pois com a nova técnica
aprendida, ela conseguiu unir o seu vocabulário com a serigrafia, método que possui uma
estética peculiar, moderna e diversa pelos métodos que são oferecidos ao artista, podendo
utilizar-se até de fotografia para a sua construção. Como a artista destacou na entrevista: “E
nesse momento a serigrafia começou funcionar; a técnica junto a um vocabulário que estava
emergindo para mim”. Não apenas Romanita se influenciou por essa técnica, outros artistas
que também eram professores no Instituto de Artes e realizaram o curso de Julio Plaza,
começaram a fazer serigrafias, como Rose Lutzenberger (1929) e Luiz Barth (1941)4, sendo
possível notar um interesse pela técnica, independente dos estilos, pois Lutzenberger e Barth
têm influências do concretismo, como é possível perceber no exemplo abaixo.
Figura 4: LUTZBERGER, Rose. Sem título, 1971. Serigrafia, 66,5x48,5 cm. Pinacoteca Barão de Santo Ângelo
do Instituto de Artes, Porto Alegre. Fonte: site do acervo.
3 A artista não soube responder com precisão a duração do curso. 4 Na exposição “Pinacoteca Barão de Santo Ãngelo - módulo II”, que apresentou obras em papel de professores
do Instituto de Artes, o uso da serigrafia pelos três artistas citados (Barth, Lutzenberger e Disconzi) foi
perceptível, pois as obras estavam próximas e todas datavam do mesmo ano (1971), sendo consequência do
curso de Plaza.
146
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
Assim, as relações foram se criando e ampliando o vocabulário da artista que começou
a desenvolver uma poética pessoal, apropriando-se de sinalizações de trânsito, propagandas de
revistas e de jornais, iconografia cristã (flor, coração, a palma da mão) e elementos do dia-a-
dia (TATE, 2015). A estética das serigrafias também chama a atenção pela influência das
histórias em quadrinhos e propagandas, com o uso de cores chapadas e linhas pretas que
delimitam o desenho. Essas características irão permear a produção de serigrafias da artista
(tendo algumas mudanças em trabalhos da Série Ecológica), e nota-se de como ela criou
diversos trabalhos usando elementos semelhantes e com o mesmo tratamento.
Figura 5: Identidade, 1969. Serigrafia, 60x45 cm. Fonte: acervo da artista.
Romanita se apropriou de alguns elementos, todos desenhados por ela, e desenvolveu
diversas combinações em suas serigrafias, o que promove novos significados para cada
gravura. A artista coloca que com essa seleção, ela cria uma linguagem ambígua, que cabe a
cada espectador dar um significado diferente, sempre ligado aos seus próprios referenciais.
Refletindo sobre essas questões e inspirando-se em um jogo de sua infância, as cartas
enigmáticas, cuja mensagem deveria ser decifrada a partir de sílabas, letras ou desenhos; a
artista realizou em 1969, a obra Totem de Interpretação (figura 6).
Criada para ser um jogo, o Totem é feito de diversos blocos e cilindros, com adesivos
de serigrafia com diversas imagens: corações, setas, armas, mãos; símbolos que são
recorrentes no “alfabeto” imagético da artista. O diferente dessa obra, é que essa pode ser
147
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
manipulável5, abrindo maiores possibilidades de leitura, dependendo das posições dos blocos.
Sobre essa obra e a sua liberdade de manipulação, Romanita disse:
[...] quando eu faço um quadro não tem como manipular. Mas o procedimento de
leitura é o mesmo. As imagens se inter-relacionam através do quê? Do conceito de
continuidade daquelas que estão próximas, que é basicamente o que fazemos no
quadro. [...] Então, quando eu fiz o Totem com a possibilidade de mover, eu
acrescentei uma complexidade maior.
Essa é uma obra que se destaca na produção de Romanita pela sua construção, (sendo
um dos únicos objetos que ela produziu em sua carreira) e a participação direta do espectador,
que é convidado para brincar com os blocos, criando novas narrativas. Esse envolvimento do
público perante a obra, pode-se considerar uma influência direta de um dos principios do
neoconcretismo.
Figura 6: Totem de Interpretação, 1969. Objetos de madeira com adesivos de serigrafia, em nova partes,
dimensões variáveis. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Porto Alegre. Fonte: site do museu
Fotografia: Fabio del Re e Carlos Stein - Vivafoto
Artistas como Lygia Clark (1920-1988), Helio Oitica (1937-1980) e Lygia Pape
(1927-2004) criaram obras, no inicio dos anos 1960, cuja participação do público era
necessária para o trabalho ter sua potência total. Hélio Oiticica em seus escritos, muda o
denominação de espectador (agente passivo) para participador (agente ativo), mostrando a
importância do papel do público perante suas obras (OITICICA, 1986). Creio que há
resquicios desse participador na obra de Romanita; os blocos não são apenas para ser olhados,
5 Na entrevista Romanita Disconzi colocou que atualmente fica em decisão do museu que a guarda se é possível
manipular ou não, porém nas últimas mostras não era possível o público tocar, devido as várias restaurações e
novos objetos que tiveram que ser feitos ao longo do tempo.
148
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
mas sim, mexidos, criando novos posicionamentos, formas e leituras da obra; reforçando
“uma arte com intenções fenomenológicas mais amplas” (BRITO, 2006, p. 79).
A obra tendo esse difererncial, obteve uma boa recepção perante o júri do Salão de
Porto Alegre de 1969, evento que foi a razão da construção do Totem. O júri, para premiar o
trabalho, acabou criando uma nova categoria, a de objeto, já que a obra não enquadrava em
nenhum dos suportes comuns (gravura, pintura, escultura, desenho) premiados. Exemplo de
inovação, a obra de Romanita além de requer participação do público e questionar a forma da
obra tradicional, também é considerado um exemplo de arte pop no Brasil, chegando a ser
exposta, no ano de 2015, em uma exposição intitulada The EY Exhibition: The world goes
Pop no museu Tate Modern em Londres.
A curadoria explorou a arte realizada nos anos 1960 e 1970, mostrando como culturas
diferentes reagiram ao movimento pop ao redor do mundo, retirando a ideia que esse estilo se
refere apenas à Inglaterra e ao Estados Unidos. Foram 64 artistas de 28 países, sendo dez de
origem brasileira: Antonio Dias (1944), Marcello Nitsche (1942), Teresinha Soares (1937),
Anna Maria Maiolino (1942), Claudio Tozzi (1944), Glauco Rodrigues (1929 – 2004),
Raymundo Colares (1944-1986), Wesley Duke Lee (1931-2010), OyvindFahlstrom (1928 –
1976) e Romanita Disconzi (TATE, 2015).
Não apenas o Totem de Interpretação, toda a produção de Romanita, até suas pinturas
atuais, possuem influência pop; dessa maneira, o artigo segue relacionando as serigrafias da
artista com o movimento da arte pop internacional e seus ecos no Brasil.
Arte pop: influências e referências
A pop arte ganhou força nos Estados Unidos e surge contra a ActionPainting, cujo
excesso de emotividade e individualismo a levaram ao declínio, devido a “uma sociedade que
já se ressentia dos efeitos de uma crescente massificação” (CANONGIA, 2005, p. 15). No
início da década de 1960, vários artistas de Nova York e arredores começaram a usar imagens
da cultura popular: “tiras de histórias em quadrinhos distribuídas por agências, logotipos de
produtos de consumo de massa, fotografias publicitárias de celebridades, fotos de coisas que
todo mundo conhecia nos Estados Unidos, como os hambúrgueres e a garrafa de Coca-Cola”
(DANTO, 2012, p. 47).
Assim, a arte pop contagiava a “pureza” da arte, com elementos do cotidiano e
utilizando-se de vários meios para o desenvolvimento de obras: a fotografia, vídeos, música,
etc. Além de imagens do cotidiano, esses artistas davam um tratamento diferenciado a obras:
149
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
cores fortes e chapadas, superfície rasa (como cartazes de propaganda) (CANONGIA, 2005).
Como exemplos de artistas pop no exterior, temos: Roy Lichtenstein (1923-1997), Andy
Warhol (1928-1987), Claes Oldenburg (1929), Tom Wesselman (1931-2004) e James
Rosenquist (1933) (ARCHER, 2012).
No caso do Brasil, a assimilação da arte pop se deu a partir de sua iconografia urbana
e publicitária, “fazendo uma leitura puramente formal” (CANONGIA, 2005, p. 49). Sobre
isso, Ligia Canongia destaca:
Entre nós, a coisa foi diferente: o artista brasileiro dos anos 60 envolveu sua arte pop
de uma paixão explicita, cercada de anotações vivas e pessoais, cheias de critica. A
Pop Art original, como vimos, não era crítica, acompanhava de perto a perda da
concepção humanista das novas sociedades, em que as pessoas são tratadas como
coisas, como gêneros de consumo, sociedade, portando mórbidas e perversas. O
sentido da Pop está justamente nessa distância, na manipulação neutra da realidade,
na mera apropriação das imagens emblemáticas do mundo burguês. Com toda a sua
exuberância iconográfica e cromática, havia ali um certo humor negro.
(CANONGIA, 2005, p. 49).
“Humor negro”, resposta dos artistas ao contexto histórico vivido naquela época, da
repressão política devido à ditadura militar. Muitos artistas adotaram posições críticas ao
governo e criaram obras com características da pop, mas com um teor político mais evidente,
como é notável na produção de Antonio Dias - Querida você está bem? (1964) e Nota sobre a
Morte Imprevista (1965); de Rubens Gerchman (1942-2008) – Não Há Vagas (1965) e O Rei
do Mau Gosto (1966); e de Claudio Tozzi - Eu Bebo Chop, Ela Pensa em Casamento (1968),
entre outros (ITAU CULTURAL, [20--?]).
Figura 11 – Aquela mandinga para frente, 1971. Serigrafia, 96 x 67 cm. Fonte: acervo da artista
150
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
Levando em consideração as questões referentes à arte pop americana e brasileira,
quais características estão presentas nas serigrafias de Romanita Disconzi que a conecta ao
movimento pop? Primeiramente, o mais evidente, que já foi abordado anteriormente no texto,
o seu vocabulário que nasceu a partir de imagens do cotidiano, aliado a uma estética própria
da serigrafia, que “esconde” vestígios da mão do artista e o uso de cores fortes, sem nenhuma
adoção de perspectiva para a construção da gravura.
Para exemplificar essas questões, temos a figura 11, intitulada Aquela mandinga para
frente (1971). A artista destaca que essa é uma das gravuras que ela mais se inspirou em um
acontecimento popular, a Copa Mundial de Futebol de 1970, quando o Brasil foi campeão. Na
serigrafia, Romanita desenhou Amarildo, jogador da seleção realizando um drible, juntamente
a outros elementos comuns a seu vocabulário.
O segundo ponto a ser ressaltado, que no caso da pop brasileira é de extrema
importância, é a conotação política em sua obra. Sobre essa questão, a artista coloca em
relação a obra Totem de Interpretação:
Eu trabalhava com certo tipo de linguagem, enquanto nós estávamos vivendo um
momento de distúrbio político no Brasil, algumas imagens eram simbolicamente
relacionadas a questões locais, como o mapa do Brasil ou a nota de dinheiro. O
punho e a arma também apareceram inspirados na grande tensão que estava no ar.
Embora eu não considere meu trabalha como politicamente engajado, eu acredito
que essa obra reflete um momento particular histórico6 (TATE, 2015).
Na entrevista realizada para esse artigo, a artista comentou sobre diversos símbolos
que podem possuir uma relação com a ditadura militar brasileira, como: o punho (que para a
artista significa poder), a arma, os diversos rostos iguais, cuja diferenciação é apenas possível
por um número escrito em suas testas. Esses elementos nos trazem uma ideia de pessimismo e
poder destrutivo, contribuindo para a ideia de uma obra com teor político, mesmo que seja
discreto e não panfletário.
Conclusão
6 Tradução nossa para: “I workedwith a kindoflanguagewithimages, and as wewere, bythen, having a
verypoliticallydisturbed time in Brazil, some images are symbolicallyrelatedtospecific local features,
liketheBrazilianmaporthemoney note. The fistandthegunalsoappeared, inspiredbythestrong feelings
oftensionthatwere in theair. Although I don’tconsidermywork as politicallyengaged, I do believethat it
maybeconsidered as meansbywhichtoreflectonthat particular historical moment” (TATE, 2015)
151
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
Ao perguntar para Romanita se ela se considera uma artista pop, ela diz que não. A
artista nota elementos que se assemelham ao movimento, mas que foram apenas relacionados
pela artista num momento posterior, quando ela teve um maior contato com artistas pop nos
Estados Unidos. Porém, mesmo com essa dúvida sobre a sua posição na história da arte
brasileira, não há como negar uma aproximação clara de suas obras com o movimento pop.
As cores, o vocabulário e a estética; todos esses elementos unem seu trabalho ao estilo.
Confirmando esse aspecto em sua obra, Romanita Disconzi teve uma de suas
serigrafias, Saída de Emergência (1971), selecionada para Second British Internacional
PrintBiennale, que ocorreu na década de 1970, onde sua gravura ficou ao lado de obras de
grandes artistas pop como Andy Warhol e Rauschenberg; e recentemente, a inclusão da obra
Totem de Interpretação na exposição The EY Exhibition: The world goes Pop; afirmando
mais uma vez, a sua ligação com o movimento pop a partir de uma poética própria.
A influência pop na obra de Romanita Disconzi é um exemplo de quanto esse
movimento instaurou-se no Brasil e teve influência para alguns artistas do Rio Grande do Sul,
que criaram uma poética com elementos pop, principalmente se nos determos a imagens
usadas nas obras, as cores e a planaridade dos trabalhos. Um dos artistas que influenciou
diretamente Romanita foi Henrique Leo Fuhro (1938-2006), devido a sua iconografia e o uso
das cores (BRITES, 2015, p. 518), sendo ele mais um artista com influência pop no estado.
Além dele, podemos citar outros: Glauco Rodrigues (1929-2004), Jesus Escobar (1956),
Mário Röhnelt (1950) e Milton Kurtz (1951-1966). Poucos nomes são ditos, com certeza há
mais, porém há poucos estudos referentes à pop arte no Brasil, o que torna difícil a análise e
entendimento desse movimento no Brasil e no estado.
Referências
Livros
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2012.
BERNARDES, Jéssica. Romanita Disconzi (1940). In: GOMES, Paulo (org.). Pinacoteca
Barão de Santo Ângelo: Catálogo Geral – 1910-2014. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2015.
BRITES, BLANCA. Pinacoteca Barão de Santo Ângelo em sintonia com seu tempo. In:
GOMES, Paulo (org.). Pinacoteca Barão de Santo Ângelo: Catálogo Geral – 1910-2014.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015.
152
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.
BRITO, Ronaldo. As ideologias construtivas no ambiente cultural brasileiro. In: FERREIRA,
Glória. Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte,
2006.
CANONGIA, Ligia. O legado dos anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
DANTO, Arthur C. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
OITICICA, Hélio. Aspiro ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
Sites
ACERVO Artístico Pinacoteca Barão de Santo Ângelo. Imagens de Romanita Disconzi.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/acervoartes/artistas/d/imagens-de-romanita-disconzi> .
Acesso em: 09.09.2016
CATÁLOGO de Obras – MARGS. Romanita Disconzi. Disponível em:
<http://www.margs.rs.gov.br/catalogo-de-obras/R/16382/>. Acesso em: 09.09.2016
ITAU CULTURAL. Arte pop, [20--?]. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo367/arte-pop>. Acesso em: 26. 06. 2016
TATE. Artist Interview: Romanita Disconzi, 2015. Disponível em:
<http://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/exhibition/ey-exhibition-world-goes-
pop/artist-interview/romanita-disconzi>. Acesso em: 26.06.2016
Entrevistas concedidas
Romanita Disconzi. Porto Alegre, RS, maio de 2016.