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“SER MENINA JAPONESA”: A EDUCAÇÃO FEMININA NAS MEMÓRIAS DE MULHERES DESCENDENTES DE IMIGRANTES QUE ESTUDARAM NA ‘ESCOLA MODELO’ NO MUNICÍPIO DE DOURADOS/MS Joice Camila dos Santos Kochi – UFGD 1 Magda Sarat – UFGD 2 Grupo de Pesquisa “Educação e Processo Civilizador” Agência financiadora: CAPES Resumo: Este artigo faz parte de uma pesquisa em andamento elaborado para dissertação de mestrado que investiga acerca da educação feminina de imigrantes japoneses, especificamente ocorrida na escola étnica japonesa – Escola Modelo – do município de Dourados/MS. O objetivo principal da pesquisa é compreender a educação feminina das mulheres pertencentes à cultura japonesa. Ainda, compreender as concepções de gênero na cultura brasileira e japonesa considerando as convergências e divergências do processo; identificar os processos de institucionalização da Escola Modelo, no município de Dourados a partir das práticas educativas voltadas para as meninas e apresentar as perspectivas educativas presentes na educação das meninas/mulheres japonesas que passaram pela Escola Modelo. A metodologia consiste em dois momentos, a primeira etapa que está acontecendo é a pesquisa bibliográfica que dará suporte de entendimento e aprofundamento sobre gênero, cultura, imigração japonesa, educação feminina etc. A segunda etapa será pesquisa de campo, a partir da metodologia de História Oral, entrevistas com as mulheres nascidas entre 1985 a 1995, que foram educadas na Escola Modelo conforme suas características étnicas e culturais. Através dessas memórias buscaremos investigar como se constitui os modelos femininos em suas especificidades culturais que foram transmitidos pela educação étnica na cidade de Dourados/MS. Esta pesquisa, sobretudo dará visibilidade acerca da temática no estado de Mato Grosso do Sul, apesar de pertencer a terceira maior comunidade japonesa no Brasil a carência de estudos acadêmicos é muito grande. Esperamos contribuir com a história do povo étnico que tem uma forte ligação histórica e cultural com o Estado de Mato Grosso do Sul, fortalecendo o respeito pelas diferenças e enriquecendo a educação na região e no país. PALAVRAS-CHAVE: Educação feminina, imigração japonesa, cultura japonesa. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bolsista CAPES de demanda social. E-mail: [email protected]. 2 Professora Associada da Faculdade de Educação na Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. Coordenadora do Grupo "Educação e Processo Civilizador". E-mail: [email protected]. 9 III EHECO – CatalãoGO, Agosto de 2015

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“SER MENINA JAPONESA”: A EDUCAÇÃO FEMININA NAS MEMÓRIAS DEMULHERES DESCENDENTES DE IMIGRANTES QUE ESTUDARAM NA

‘ESCOLA MODELO’ NO MUNICÍPIO DE DOURADOS/MSJoice Camila dos Santos Kochi – UFGD1

Magda Sarat – UFGD2

Grupo de Pesquisa “Educação e Processo Civilizador”Agência financiadora: CAPES

Resumo: Este artigo faz parte de uma pesquisa em andamento elaborado para dissertaçãode mestrado que investiga acerca da educação feminina de imigrantes japoneses,especificamente ocorrida na escola étnica japonesa – Escola Modelo – do município deDourados/MS. O objetivo principal da pesquisa é compreender a educação feminina dasmulheres pertencentes à cultura japonesa. Ainda, compreender as concepções de gênero nacultura brasileira e japonesa considerando as convergências e divergências do processo;identificar os processos de institucionalização da Escola Modelo, no município deDourados a partir das práticas educativas voltadas para as meninas e apresentar asperspectivas educativas presentes na educação das meninas/mulheres japonesas quepassaram pela Escola Modelo. A metodologia consiste em dois momentos, a primeira etapaque está acontecendo é a pesquisa bibliográfica que dará suporte de entendimento eaprofundamento sobre gênero, cultura, imigração japonesa, educação feminina etc. Asegunda etapa será pesquisa de campo, a partir da metodologia de História Oral, entrevistascom as mulheres nascidas entre 1985 a 1995, que foram educadas na Escola Modeloconforme suas características étnicas e culturais. Através dessas memórias buscaremosinvestigar como se constitui os modelos femininos em suas especificidades culturais queforam transmitidos pela educação étnica na cidade de Dourados/MS. Esta pesquisa,sobretudo dará visibilidade acerca da temática no estado de Mato Grosso do Sul, apesar depertencer a terceira maior comunidade japonesa no Brasil a carência de estudos acadêmicosé muito grande. Esperamos contribuir com a história do povo étnico que tem uma forteligação histórica e cultural com o Estado de Mato Grosso do Sul, fortalecendo o respeitopelas diferenças e enriquecendo a educação na região e no país.

PALAVRAS-CHAVE: Educação feminina, imigração japonesa, cultura japonesa.

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bolsista CAPES de demanda social. E-mail: [email protected].

2 Professora Associada da Faculdade de Educação na Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. Coordenadora do Grupo "Educação e Processo Civilizador". E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

O presente artigo advém do projeto de pesquisa do mestrado, o qual propõe investigar

o processo de educação feminina étnico-japonesa no município de Dourados/MS.

Considerando especialmente as alunas da Escola Modelo, uma instituição fundada em 1989

com o objetivo de educar e formar crianças através do ensino da língua japonesa e que tinha

por ênfase a transmissão aos seus descendentes, da cultura, dos valores e modos de ser da

primeira geração de imigrantes vindos do Japão.

A imigração japonesa no país teve o início em 1908, com os primeiros 781 imigrantes

que chegaram ao porto de Santos no navio Kasato Maru, posteriormente cerca de 234.000

imigrantes vieram para o país, se fixando primordialmente nos estados de São Paulo e Paraná.

Após a primeira chegada o fluxo imigratório veio aumentando e até nas décadas de 90 do

século XX, o número chegou a cerca de 1.200.000 japoneses e descendentes.

Para o Estado de Mato Grosso do Sul vieram grandes grupos, atualmente o Estado

abriga a terceira maior comunidade japonesa do Brasil, tal fato é relevante e a fixação destes

imigrantes permitiu grande contribuição social, cultural e histórica no desenvolvimento da

região.

O município de Dourados-MS pode ser considerado depois de Campo Grande, um dos

principais destinos de imigração/emigração no Estado. O primeiro imigrante japonês chegou

em 1946. Contudo o maior movimento migratório trouxe 22 famílias, totalizando 112 pessoas

que vieram em navio atracando no porto de Santos foi em 1952, essas famílias vieram

diretamente para se estabelecer na Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND)3.

Na busca de adaptação à nova vida, os japoneses pensaram na educação das suas

crianças e jovens, embora o objetivo primordial fosse trabalhar por um período e voltar ao seu

país de origem, o que não ocorreu, portanto, a importância de dar continuidade à educação das

crianças era valorizada coletivamente.

3Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) foi uma das ações de política de colonização do Estado Novo brasileiro chamada Marcha para Oeste, implantada em 1943 no antigo sul de Mato Grosso. A colônia passou recebeu migrantes mais intensamente a partir de 1948 e foi consolidado durante a década de 1950 (MENEZES, 2012).

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Neste contexto, foi criada uma escola japonesa para a “manutenção” da cultura de

origem, uma escola étnica e institucionalizada pelos imigrantes. A Escola Modelo em

Dourados tinha por finalidade não somente a difusão da língua japonesa, mas uma formação

pessoal na cultura japonesa, educando as crianças para aprender um modo de ser,

especialmente no aprendizado da língua materna. Assim, a partir de 1989, ano de inauguração

da escola até os dias atuais, forma pessoas em Dourados e região, homens e mulheres, que se

dedicam a receber formação étnica, diferenciada e complementar.

Portanto, nosso interesse se justifica em compreender como essa escola se estabeleceu

no município e de que forma se organizou para manter os valores tradicionais da cultura

japonesa normatizando padrões de comportamento para crianças e jovens, especialmente para

as meninas/mulheres. No âmbito da cultura japonesa, buscamos entender o que é ser

menina/mulher e sua formação nos padrões culturais dos antepassados recebendo uma

educação complementar e tradicional. Nossa indagação consiste em perceber os aspectos

convergentes e divergentes na concepção de gênero presente na cultura brasileira e japonesa,

considerando tais aspectos na formação das mulheres, ou seja, como a escola construiu

historicamente estas referências na educação das crianças no interior do grupo de imigrantes

japoneses no município de Dourados/MS.

DESENVOLVIMENTO

A imigração é um fenômeno humano e social que atinge pessoas de todos os lugares e

tempos históricos. Conforme Demartini (2004, p.126) “em algumas sociedades, a imigração é

constituinte da sua história, [...] são constituídos por levas de pessoas que carregam consigo as

vivências e a cultura da sociedade de origem” e buscam estabelecer-se em outro país no qual

possam viver e garantir a continuidade de suas gerações. A cidade de Dourados/MS, como

muitos municípios brasileiros foi um dos principais destinos como sociedade receptora para a

imigração japonesa na segunda metade do século XX.

O Japão no início do processo de modernização do país em 1868 com a Restauração

Meiji, adotou uma política de enviar seus trabalhadores nativos para diferentes países do

mundo, e o Brasil fez parte desse acordo político (SAKURAI, 1998, p.4). Até o final da

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década de 70 do século XX, o país havia recebido cerca de 250.000 imigrantes japoneses, a

maioria veio trabalhar como agricultor no país.

As maiores concentrações de japoneses ocorreram nas regiões centro,norte e oeste do Estado de São Paulo, dirigindo-se depois para o nortedo Paraná e Mato grosso do Sul. Cidades como Marília, Tupã, Bastos,Registro em São Paulo, Londrina, Maringá no Paraná, Dourados emMato Grosso do Sul, cresceram em torno da presença dos japoneses(SAKURAI, 2002, s/p).

O município de Dourados, lócus da nossa pesquisa, fez parte da rota de imigração e

segundo Inagaki (2008) a região de Dourados desde 1927, já era conhecido por possuir “bons

ares e terra fértil”, a partir da segunda metade da década de 40 foi escolhida como destino

para um número significativo de migrantes nikkeis4 e imigrantes japoneses.

Nesse contexto, Dourados recebeu os imigrantes e na mistura de experiências e culturas

sofreu diversas influências deste grupo étnico, não somente na economia e na cultura como

em rituais cotidianos da alimentação, festas, tradições. Como exemplifica Inagaki (2008,

p.88), “o hábito dos moradores locais de se alimentarem de abóbora e mandioca com um

pedaço de carne, também foi sendo modificado com a introdução das verduras e legumes”.

Além das participações em atividades econômicas e sociais dos nikkeis, que passaram a viver

no município “exercendo diversos cargos e funções em atividades religiosas, educacionais,

jurídicas etc” (INAGAKI, 2008, p.88).

Alguns exerceram atividades nos serviços urbanos, mas os quepermaneceram no campo, passaram a exercer atividades quepermitissem um giro mais rápido de capital, e nessas atividades é quese destacaram, trazendo contribuições nas técnicas, no manejo etambém na introdução de novas variedades, modificando a paisagem

4Nikkeis refere-se aos imigrantes japoneses na concepção da Inagaki (2008, p.12), a qual esclarece a diferenciação dos termos: japonês e nikkey, que vista o sentimento desse elemento.Antes do término da II Guerra Mundial, o japonês pretendia voltar ao seu país de origem e seus filhos eram japoneses nascidos no Brasil, porém com a derrota se perderam também a esperança do retorno, e o Japão se tornou a “Terra dos Antepassados”, e o Brasil a “Terra do Futuro” dos seus filhos – nikkeis: seus filhos são brasileiros, e não são mais os japoneses nascidos no Brasil.

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rural, anteriormente composta, em sua maioria, de cafezais, e tambémmudando os hábitos alimentares do brasileiro - daí a caracterização donipo-brasileiro como grupo agricultor (INAGAKI, 2008, p.88).

Este aspecto da adoção de um país é um fenômeno que está relacionado aos fatores de

expulsão do país de origem e as perspectivas do país de adoção, como ressalta Demartini

(2004, p.218) “a imigração é um fenômeno que marca indelevelmente as sociedades

envolvidas, tanto a de partida como a de adoção”, tais marcas e influências podem ser

percebidas, sobretudo na vida cultural, em Dourados pelas práticas trazidas pelos

imigrantes/migrantes japoneses.

Nesse contexto imigratório/migratório no Brasil, as maiores preocupações dos

japoneses consistiam na educação de seus sucessores. Demartini (2000) aponta os dois fatores

que contribuíram para constituição dessa concepção seriam: uma grande reforma política e

social iniciada em 1868 na era Meiji no Japão que priorizava a difusão da educação, assim os

primeiros imigrantes já vieram formadas por essa concepção da importância da instrução na

sua vida; e outra seria a consequência, o alto grau de escolaridade dos imigrantes que

chegavam ao Brasil, o seu número ficava para trás somente dos imigrantes alemães, os

japoneses com idade superior a 12 anos não-analfabetos alcançavam os 89,9%.

Uma das preocupações dos imigrantes japoneses era a perspectiva de voltar para o seu

país e levar seus “caboclos” ou sem instrução, assim a proposta foi criar escolas entre as

diversas comunidades de imigração, escolas particulares “pois o governo brasileiro não

construía escolas nem mesmo para as crianças brasileiras em idade escolar, deixando aos

imigrantes a resolução de suas questões educacionais”. (DEMARTINI, 1988 apud

DEMARTINI, 2000).

As escolas “étnicas” foram criadas desde a Primeira Guerra mundial, “os professores,

os livros, a seriação, as propostas curriculares, a cultura escolar veiculada eram

essencialmente japoneses” (DEMARTINI, 2004, p.219). Os esforços e a participação da

família foram fundamentais na constituição dessas iniciativas e a presença familiar era tão

forte que, “não parecia haver um rompimento entre a escola e as famílias, mas, ao contrário,

as famílias não só construíam e mantinham as escolas, como estavam presentes na orientação

e controle de seu funcionamento” (DEMARTINI, 2004, p.219).

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Nesse contexto seguindo essa tendência nacional, os nipo-brasileiros do Estado de

Mato Grosso e atual Mato Grosso do Sul também figuram em um movimento de criação de

escolas. Sobre isso ver Brito (2000) na sua pesquisa nomeada Escola de japoneses: a

construção da etnicidade em Mato Grosso do Sul, a autora investiga o processo de

institucionalização da escola étnico-japonesa no estado com maior intensidade. Nishimoto

(2011, p.61) aponta que “igualmente às várias regiões brasileiras, no sul de Mato Grosso as

escolas de imigrantes se configuraram e, assim como constatado no restante do país, eram

instaladas no âmbito das comunidades”.

As colônias de Campo Grande, no sul do antigo Mato Grosso começaram a se instalar

em 1914, com o término da construção da ferrovia5, quando os japoneses se fixaram e

reforçaram o cenário educacional na região criando alternativas para a manutenção da cultura

de origem e a formação das novas gerações. Entre os espaços sociais que foram fundamentais

para o grupo étnico, podemos destacar as associações japonesas e as escolas étnicas. Havia

uma relação estreita entre ambos, “visto que quando existiam as associações, pelo menos os

assuntos educacionais eram ali tratados” (NISHIMOTO, 2011, p.62).

As associações e escolas foram criadas, de forma tímida com as possibilidades

econômicas e físicas das colônias e de seus integrantes. Tais espaços para o grupo étnico,

“acionavam e operavam simbolicamente os ideais, o fomento das práticas culturais e

desportivas e a preocupação com a educação dos descendentes” (NISHIMOTO, 2011, p.63).

No município de Dourados não foi diferente. Após aproximadamente 70 anos da

criação da escola étnica de Campo Grande em 1918, Dourados teve a sua primeira escola

étnica fundada em 1989, pela Associação Cultural Nipo-Brasileira sul-mato-grossense com

subsídio da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão), denominada Escola

Modelo. Esta escola foi resultado de atividades desenvolvidas pelo Departamento de Difusão

da Língua Japonesa, criada pela Associação Cultural em 1983, desenvolvendo materiais

5A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava Bauru a Porto Esperança (próximo a Corumbá) no antigo Mato Grosso, marcou a primeira chegada dos primeiros japoneses a Mato Grosso em 1909. Atraiu muitos imigrantes que vieram no Kasato Maru em 1908 e não se adaptaram no trabalho das fazendas cafeeiras paulistas e tiveram melhores propostas para trabalhar na construção (INAGAKI, 2008).

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didáticos e seu aprimoramento, como também realizando diversos eventos culturais que

aumentavam a integração com as escolas da região, como reconhecimento do seu trabalho, a

Escola Modelo foi institucionalizada (REVISTA COMEMORATIVA, 2008).

Existe um estudo sobre a Escola Modelo feito por Imagava e Pereira (2006) intitulado:

O papel das escolas étnica e Nacional de educação básica na Constituição identitária de

Gerações de migrantes japoneses em dourados – MS, que teve objetivo investigar os

elementos de pertencimento étnico que se constituem na identidade dos descendentes dos

imigrantes japoneses de Dourados, tomando como núcleo de pesquisa a escola étnica – Escola

Modelo de Dourados. Tal pesquisa buscou conhecer a constituição da identidade étnica em

relação à educação do grupo étnico a partir do seu currículo e suas práticas e “identificar e

analisar como no interior desses espaços ocorreram dois processos [...] assimilação e

exclusão, [...] compreender o papel que jogou cada uma dessas instituições na formação

identitária dos sujeitos” (IMAGAVA; PEREIRA, 2006, p.55).

Em um levantamento de dados inicial dos trabalhos acadêmicos sobre essa escola

específica, constatamos a quase inexistência de pesquisa, sobre a temática, imigração de

japoneses em Dourados e também a inexistência de trabalhos sobre concepção de gênero e

modos de ser das mulheres neste grupo étnico. Sobre a temática gênero na cultura japonesa,

temos o trabalho intitulado: Manutenção das tradições na família japonesa em Campo

Grande – MS, de Kubota (2008) que discute o processo de manutenção das tradições na

família japonesa em Campo Grande/MS, abordando a importância do papel da mulher como

provedora da casa, “as mulheres japonesas sempre foram peças importantes na família

japonesa, mesmo quando seus maridos estavam presentes” (KUBOTA, 2008, p.172). As

histórias das mulheres ouvidas pela pesquisadora evidenciaram a influência das presenças

destas mulheres na construção da economia e da cultura local do município considerando que

“a manutenção das tradições através das mulheres mais idosas da colônia – avós – como

principais transmissoras de suas experiências de vida e dos costumes orientais aos seus

descendentes – filhos e netos” (KUBOTA, 2008, p.175).

A presença das mulheres é de extrema importância para o grupo étnico como também

para as gerações que seguem, pois sobre elas está a responsabilidade do repasse da educação

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das tradições culturais. Com isso se evidencia mais uma vez a importância dos estudos sobre

concepções de gênero na cultura oriental para entender as diferenças étnicas e vivências que

as crianças perpassam e assim levam à sociedade formada.

Considerando a reflexão feita por Demartini (2004, p.221) “os significados atribuídos

pelos imigrantes às escolas étnicas passaram por mudanças ao longo do século, dependendo

dos projetos familiares, do processo de ascensão econômico-social, das circunstâncias

políticas, etc.”, portanto, a relevância social de continuar tal investigação acerca dos grupos

étnicos e de sua educação vai dar visibilidade a história de pessoas que contribuem e fazem

não somente a história do país mas no caso específico desta investigação a história da

educação no município de Dourados considerando que:

a "nossa" História da Educação é permeada por questões étnico-culturais seculares, pois a escola e a cultura escolar carregam ossignificados a elas atribuídas, tanto pelos grupos que delas eramtradicionalmente excluídos (escravos, negros, sitiantes, etc.), comopelos vários grupos de imigrantes que aqui chegaram. (DEMARTINI,2004, p.226)

Nesse sentido, esta pesquisa pretende contribuir com a referida construção da história

da educação local e consequentemente história da educação no país.

A metodologia dessa pesquisa consiste em dois momentos: a revisão bibliográfica que

dará o suporte essencial para entender sobretudo os aspectos pretendidos a investigar, como

também a análise de documentos e arquivos existentes sobre a Escola Modelo de Dourados.

No segundo momento, a pesquisa de campo que será realizada com a metodologia de História

Oral. A partir de uma documentação produzida com a as memórias e relatos de mulheres

japonesas, segunda geração de imigrantes, filhas da primeira geração e ex-alunas da Escola

Modelo de Dourados, especialmente para perceber a construção dos modelos femininos de

educação, preconizado pela cultura dos antepassados e que foram ou não absorvidos na sua

formação.

A busca, ampliação e aprofundamento de estudos bibliográfico de obras relacionadas à

temática proposta é de suma importância como Luna (2010, p. 35) destaca, “o referencial

teórico de um pesquisador é um filtro pelo qual ele enxerga a realidade”. Nesse momento

serão realizados leituras e estudos de autores que tratam das temáticas como:

Imigração/Emigração japonesa, institucionalização de escolas étnicas-japonesa, educação e

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civilização, memórias, história oral, relações gênero nos referenciais brasileiro e japonês,

cultura e cultura japonesa. Entre os autores destacamos: Sakurai (1998, 2002, 2012), Inagaki

(2002, 2008), Demartini (1988, 2000, 2004), Nishimoto (2011, 2014), Machado (2011),

Kubota (2008, 2009), Oda (2011), Izumi (2010), Elias (2011), Thompson (1992), Alberti

(2005), Freitas (2002), Halbwachs (1990), Meihy (1996), Le Goff (1990), Sarat (2004),

Campos (2010), Finco (2003), Louro (1997), entre outros.

Na pesquisa empírica, com a metodologia História Oral, que será o principal corpo da

pesquisa realizaremos entrevistas com mulheres que foram educadas na Escola Modelo de

Dourados, buscando compreender as peculiaridades e especificidades da cultura oriental

ensinadas na escola.

Uma educação étnica oferecida pela escola às crianças que viveram em contato com as

duas culturas simultaneamente: local – brasileira, e de seus antecedentes - japonesa. O

principal viés será a constituição da concepção de gênero nas meninas, buscando significados

dessa educação étnica e como foram absorvidas na sua vida e formação.

A opção metodológica pela História Oral nos instiga a entender o cotidiano e o vivido

por pessoas comuns. Conforme Alberti (2005, p.23) “decorre de toda uma postura com

relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido

conforme concebido por quem viveu”. Tal história vivida que ocorreu à margem das histórias

oficiais, documentadas e registradas, podem ser possibilidades a ser construída. As

experiências dessas pessoas anônimas contribuem e atribuem conceitos para as gerações

futuras (OLIVEIRA, 1999).

História Oral é uma metodologia capaz de abrigar as palavras de grupos pequenos,

dando “sentido social às experiências vividas sob diferentes circunstâncias” (MEIHY, 1996,

p.9). Ainda sobre a questão podemos dizer que as vivências e experiências se constituem um

valor, são construídas e vividas coletivamente, “são lembradas de forma individualizada,

contada com uma gama de significados que são atribuídos por aquele que conta” (SARAT;

SANTOS, 2010, p.56).

Um aspecto importante a se destacar nessa metodologia é a questão da memória que

Jedlowski (2003) chama a atenção para as multiplicidades de âmbitos sociais que o indivíduo

moderno se refere nos dias atuais, e nesse sentido precisamos considerar o passado e conta-lo

de maneira continuada e simultânea para diferentes versões. Para o autor a memória que

não é somente o que serve à identidade de um grupo e seus interessesatuais, mas também o depósito de traços que podem ter valor, servepara anular o fetiche do que existe e da compreensão dos processos

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Page 10: “SER MENINA JAPONESA”: A EDUCAÇÃO FEMININA NAS ... · ... Este artigo faz parte de uma pesquisa em andamento elaborado para dissertação ... origem, uma escola étnica e

que levaram ao presente assim como ele é agora, seja para a críticadesse mesmo presente em nome de desejos, aspirações ou traumasremovidos. (JEDLOWSKI, 2003, p.225)

Portanto, buscando a preservação da memória, das comunidades, grupos e pessoas

elaboram diversas estratégias para tentar manter e preservar, seja lugares, tradições e eventos,

derivando celebrações, comemorações, preservando objetos, fotografias, memoriais e entre

outros que representam o passo (SARAT; SANTOS, 2010). E nesse sentido, o estudo buscará

nas memórias de ex-alunas da escola modelo de língua japonesa, as concepções acerca do

gênero na cultura de origem oriental que tiveram acesso, enfatizando a ampliação acerca da

história da educação deste grupo étnico, representado pelos imigrantes japoneses de Dourados

e região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se espera com essa pesquisa é dar visibilidade acera da temática no estado de

Mato Grosso do Sul sobre a imigração japonesa na região, procurando neste recorte específico

às concepções de gênero para e na cultura japonesa. Contribuindo com a história do povo

étnico, especialmente a história da sua educação e valorizar a cultura e a contribuição que esse

grupo tem dado ao Estado de Mato grosso do Sul, pois, apesar de pertencer a terceira maior

comunidade japonesa do Brasil, a carência de estudos acadêmicos sobre os imigrantes

japoneses na região é muito grande e por isso, um ponto fundamental deste estudo. Queremos

realizar uma investigação acerca da história da educação deste grupo que academicamente

não tem pesquisas que discutam a temática. Esperamos contribuir com novas concepções

sobre o grupo étnico que tem uma forte ligação histórica e cultural com o Estado de Mato

Grosso do Sul, fortalecendo ainda mais o respeito as diferenças que enriquece a educação no

estado e na região.

REFERÊNCIAS

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BRITO, Cláudia Regina de. Escola de japoneses: a construção da etnicidade em Mato Grossodo Sul. Campo Grande: UNIDERP, 2000.

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