semiótica da paixões resenha
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SEMIÓTICA DA PAIXÕES: DOS ESTADOS DAS COISAS AOS ESTADOS DA ALMA1
O estudo das paixões humanas remonta desde a época da Grécia Antiga até os dias de hoje.
Diversos filósofos, teóricos e linguísticas debruçaram-se sobre o assunto das paixões. Greimas e
Fontanille não são diferentes. Os dois autores fazem um estudo das paixões consideradas “baixas”,
como a avareza e o ciúme.
Em relação às paixões, Greimas e Fontanille (1993) afirmam que as paixões são “estados da
alma” que levam a um “estado das coisas”, ou seja, é através do sentir as paixões que o sujeito as
transporta para o estados das coisas, as quais aparecem nos níveis discursivos dos sujeitos.
Nesse sentido, os autores afirmam que as paixões podem variar de cultura para cultura, de
tempo para tempo, como eles próprios afirmam:
Primeiramente, a análise de algumas ‘paixões de papel’ mostrou bem o que todo antropólogo atento ao relativismo cultural não pode ignorar, a saber, que a ideia que se faz do que seja uma paixão varia de um lugar para outro, de uma época para outra, e que a articulação do universo passional define mesmo, até certo ponto, especificidades culturais. (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p.18)
Assim, o estudo das paixões deve estar situado historicamente e culturalmente, para que se
possa compreendê-las. Dessa forma, as paixões transformam, não só o olhar do sujeito, como a sua
forma de perceber a realidade, sendo “a negação do racional e do cognitivo, e que o ‘sentir’
transborda o ‘perceber’”(Greimas; Fontanille, 1993, p.18).
Nesse linha de pensamento, as paixões seriam formas de perceber e reorganizar o mundo
conforme a maneira de sentir dos sujeitos, sendo estes, dominados pelas paixões, a realidade
transforma-se em escrava da percepção, quando dominada pelas paixões:
Enquanto o corpo humano desempenhava, na percepção, o papel da instância da mediação, isto é, de lugar de transação entre o êxtero e o interoceptivo, instaurando um espaço semiótico tensivo, mas homogêneo, é a carne viva, a proprioceptividade ‘selvagem’ que se manifesta e reclama seus direitos como ‘sentir global’. Não é mais o mundo natural que vem em direção ao sujeito, mas o sujeito que se proclama mestre do mundo, seu significado, e o reorganiza figuramente a seu modo. (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p.19).
Portanto, segundo os autores, a realidade seria uma reorganização do modo de perceber as
“coisas” através das paixões, chamadas de “estados da alma”. O mundo não é tal qual se apresenta,
mas, sim, como o sentimos, através dos sentimentos que emanam da nossa forma de interpretar o
mundo.
1 GREIMAS, Algirdas Julien; FONTANILLE, Jacques. Semiótica das paixões: dos estados de coisas aos estados de alma. São Paulo: Ática, 1993.
Em relação ao ciúme, os autores postulam que tal paixão surge do apego e do medo da
perda, o qual necessita, mesmo que de maneira imaginária, de um rival que possa tirar o objeto
amado do amante. Assim, o ciumento seria,
[...] antes de mais nada – e até por sua etimologia –alguém ‘particularmente apegado a...’, que ‘insiste absolutamente em...’, e é por isso que o ciúme remete também ao desejo, ao zelo e à inveja. [...] por um lado, a rivalidade não será nunca, para o ciumento, alegre e conquistadora, mas se apresentará de preferência dolorosa e amarga, tendo por perspectiva a perda do objeto; por outro lado, o apego será profundamente inquieto e preocupante [...]. (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p. 173)
Dessa forma, a configuração do ciúme seria (S1) S2/O, ou seja, o sujeito que ama, S1, sempre
estará em último plano, ou de fora, pois acredita que existe uma relação com um rival, S 2, sobre o
objeto amado, O.
No que diz respeito ao ciúme em Proust, analisando a relação Swann-Odete, os autores
afirmam que o ciúme proustiano é a repetição das experiências amorosas ao longo do tempo, ou
seja, está inserido em um eterno contínuo de tempo e espaço que sempre se repetirá, independente
da situação e o objeto amoroso. Daí a ideia de que, em Proust, amor e ciúme são faces de uma
mesma moeda, os quais, um não pode existir sem o outro. Greimas e Fontanille (1993, p. 258),
nesse sentido, afirmam que:
Toda a história do amor de Swann é feita assim de alternâncias de agitação e de calma, de inquietude e serenidade encontrada; cada fase de inquietude inaugura um esboço de uma crise ciumenta, uma macrossequência cujo desenvolvimento textual, mais ou menos importante, depende da solidez e da competência pantêmica – a aptidão para sofrer, entre outras – de que dispõe, então o ciumento.
Dessa forma, a análise proposta por Greimas e Fontanille (1993) parte da noção da semiótica
para procurar explicar a paixão do ciúme. Entretanto, a análise do texto proustiano que os autores
dedicam em relação ao ciúme, não abarca todas as possibilidades de interpretação, já que, mesmo
postulando a importância do espaço e do tempo, durante a análise tais variáveis fica de fora. Assim,
os autores constroem um importante estudo em relação ao ciúme, mas, no que se refere aos estudos
mais aprofundados das emoções, as noções de subjetividade, tempo e espaço acabam ficando de
fora.