sebenta de dip com indice - josé carlos neves

47
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administração Público Privada Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Página 1 Aluno: José Carlos Neves xDIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO INTRODUÇÃO 1 – Noções de Direito Internacional O Direito Internacional é um ramo da ciência jurídica e simultaneamente uma ordem normativa e um factor de organização social, aplicado a uma “Sociedade Internacional” constituída por “Sujeitos do Direito Internacional”, ou seja, por Estados Soberanos, por organizações internacionais, por povos não autónomos e por indivíduos. 2 – Direito Internacional, Direito Interestadual e Direito das Gentes A expressão mais correcta para aludir ao direito da sociedade internacional é “Direito Internacional”, em sentido etimológico, direito regulador das relações entre Estados, por consequência, direito interestadual. No entanto, a sociedade internacional não é mais constituída só por Estados. Apesar de estar centrada na figura estadual, vai sendo cada vez mais uma sociedade de entes organizatórios dotados de autonomia e poder de decisão, povos com direito à auto-determinação e até indivíduos. Dada esta abrangência e todos os sujeitos do direito internacional, poderíamos chamar-lhe Direito das Gentes que consideraremos perfeitamente equivalentes. 3 – Direito Internacional Geral e Direito Internacional Particular Direito Internacional Geral: É o direito que se aplica à “comunidade internacional universal", composto por normas de costume geral e por convenções de alcance universal, ou seja, com elevado n.º de ratificações. Exemplo: Normas de costume geral (algumas delas normas imperativas ou ius cogens), tratados universais (com elevado nº de ratificações) (Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos do Homem, etc.), entre outras. Direito Internacional Particular: No âmbito das sociedades internacionais particulares, compostas por pelo menos dois Estados que, na defesa de interesses comuns estabelecem entendimentos que ganham formas e que, por vezes, se materializam em organizações internacionais, regidas por normas próprias de costume regional e local, bem como pelos constantes na maioria dos Tratados Internacionais.

Upload: hugo-santos

Post on 30-Sep-2015

19 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

1

TRANSCRIPT

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 1 Aluno: Jos Carlos Neves

    xDIREITO INTERNACIONAL PBLICO

    INTRODUO

    1 Noes de Direito Internacional

    O Direito Internacional um ramo da cincia jurdica e simultaneamente uma ordem normativa

    e um factor de organizao social, aplicado a uma Sociedade Internacional constituda por

    Sujeitos do Direito Internacional, ou seja, por Estados Soberanos, por organizaes

    internacionais, por povos no autnomos e por indivduos.

    2 Direito Internacional, Direito Interestadual e Direito das Gentes

    A expresso mais correcta para aludir ao direito da sociedade internacional Direito

    Internacional, em sentido etimolgico, direito regulador das relaes entre Estados, por

    consequncia, direito interestadual.

    No entanto, a sociedade internacional no mais constituda s por Estados. Apesar de estar

    centrada na figura estadual, vai sendo cada vez mais uma sociedade de entes organizatrios

    dotados de autonomia e poder de deciso, povos com direito auto-determinao e at

    indivduos. Dada esta abrangncia e todos os sujeitos do direito internacional, poderamos

    chamar-lhe Direito das Gentes que consideraremos perfeitamente equivalentes.

    3 Direito Internacional Geral e Direito Internacional Particular

    Direito Internacional Geral: o direito que se aplica comunidade internacional universal",

    composto por normas de costume geral e por convenes de alcance universal, ou seja, com

    elevado n. de ratificaes.

    Exemplo: Normas de costume geral (algumas delas normas imperativas ou ius cogens), tratados

    universais (com elevado n de ratificaes) (Carta das Naes Unidas, Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, etc.), entre outras.

    Direito Internacional Particular: No mbito das sociedades internacionais particulares, compostas

    por pelo menos dois Estados que, na defesa de interesses comuns estabelecem entendimentos

    que ganham formas e que, por vezes, se materializam em organizaes internacionais, regidas

    por normas prprias de costume regional e local, bem como pelos constantes na maioria dos

    Tratados Internacionais.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 2 Aluno: Jos Carlos Neves

    4 Funes do Direito Internacional

    O Direito Internacional, sendo uma ordem normativa, constitui um factor de organizao social.

    Convm ento pormenorizar esta funo de organizao social desde as suas origens.

    Aps o movimento de Reforma dos Estados que ultrapassou os obstculos que colocavam,

    durante a idade mdia, o feudalismo, a influncia retardadora da Igreja, que culminou na

    guerra religiosa dos 30 anos e nos tratados de paz de Westflia em 1648, instaurou-se uma nova

    ordem poltica na Europa, onde emergiam as entidades soberanas e independentes num

    mesmo plano ao menos formal - de igualdade.

    Deste modo, nasceram os Estados Modernos e a necessidade de regulamentao das relaes

    entre Estados, dando origem ao moderno Direito Internacional.

    As razes do moderno Direito Internacional revelam assim, desde o incio da sua existncia, as

    duas principais funes que ele chamado a desempenhar: Coexistncia e Cooperao.

    Coexistncia

    Permitir a coexistncia entre Estados heterogneos e juridicamente iguais, num clima de paz.

    Cooperao

    Satisfazer necessidades e interesses comuns que comearam a surgir entre os membros da

    comunidade internacional

    5 Sociedade e Comunidade Internacional

    Sociedade: resultado da vontade dos sujeitos de se juntarem e colaborarem entre si para seguir

    um objectivo comum, mas que se mantm separados apesar de tudo o que fazem para se unir.

    Comunidade: um produto espontneo da vida social que se estrutura naturalmente e que

    mantm os sujeitos unidos, apesar de tudo o que os separa.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 3 Aluno: Jos Carlos Neves

    CAPTULO I EVOLUO HISTRICA DO DIREITO INTERNACIONAL

    Introduo

    O estudo da evoluo histrica dos vrios ramos do direito imprescindvel para que melhor se

    possam compreender actualmente. O Direito Internacional no foge regra e, fruto das

    caractersticas da sociedade internacional, ele um direito essencialmente evolutivo, pelo que

    faa sentido uma breve anlise, deixando de parte a poca pr-estadual, apesar de l se

    encontrarem os primeiros rudimentos do Direito Internacional.

    1 Modelo Clssico ou de Westflia

    Compreendido no perodo entre 1648, data do Tratado de Paz de Westflia que ps fim guerra

    religiosa dos 30 anos e abriu caminho ao surgimento do Estado Moderno, e 1945, data do fim da

    2 Grande Guerra Mundial.

    Este modelo valoriza as caractersticas principais que o Direito Internacional assumiu poca do

    tratado de paz, que eram a coexistncia e a cooperao (atrs analisadas), mas que no

    dispunha de rgos controladores do comportamento dos sujeitos.

    Sujeitos do Direito, estes resumiam-se na poca aos Estados Soberanos e, eventualmente, aos

    insurrectos que fossem reconhecidos internacionalmente.

    O Direito Internacional Clssico encarado como um direito laisser faire, laisser passer,

    impunha tnues ou nenhumas barreiras ao princpio da autonomia da vontade dos Estados, no

    existindo rgos superiores a esses Estados que estivessem habilitados a limitar tal liberdade, pelo

    que tinha eficcia limitada e s como propsito assegurar a repartio do poder entre os

    membros da sociedade internacional, sem curar de conformar a realidade a que se dirigiam,

    nomeadamente mediante a correco das disparidades e desequilbrios de facto que existem.

    Fontes do Direito

    As fontes do Direito Internacional Clssico resumem-se ao costume e aos tratados bilaterais.

    Costume: formao espontnea de normas, numa sociedade descentralizada e desprovida de

    rgos legislativos prprios.

    Tratados Bilaterais: serviram de base aos Tratados Internacionais, que continham j o princpio da

    reciprocidade.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 4 Aluno: Jos Carlos Neves

    Algumas funes tpicas

    A sociedade internacional desta poca era pouco institucionalizada (essencialmente

    relacional), pelo que, constitua um trao distintivo do modelo clssico, o exerccio

    descentralizado das funes legislativa, executiva e judicial, tanto quanto delas, na ordem

    internacional, se possa falar, em termos que evoquem os sistemas jurdicos internos. Cabia a

    cada Estado, em funo do seu poder e influncia, levar a cabo as ditas tarefas.

    Sistema normativo, no que respeita produo normativa, o voluntarismo outra imagem de

    marca do Direito Internacional clssico, que significa que as obrigaes internacionais derivam

    da vontade dos Estados.

    A cominao de sanes efectuada em regime de auto-tutela, pois na falta de rgos

    jurisdicionais internacionais dotados de competncia obrigatria por fora da lei, toda a vez que

    um Estado reputa ilcita a conduta de outro Estado ou Estados e se julga ofendido nos seus

    direitos, cabe-lhe, a ele prprio, definir os prejuzos e decretar as sanes.

    A efectivao destas sanes leva a actuaes individuais e descentralizada dos Estados, com

    os inerentes riscos de abusos e arbitrariedade

    Normas do Direito Internacional Clssico

    O Direito Internacional Clssico tinha poucas ou limitadas normas, das quais destacamos as

    relativas a:

    - Corolrios (consequncia directa) da soberania estadual (territorial);

    - Liberdades em mar alto;

    - Privilgios e imunidades dos diplomticos e consulares;

    - Tratamento de estrangeiros;

    - Concluses e validades dos tratados;

    - Conflitos ou litgio internacionais

    - Adopo de represlias

    Recurso fora

    A precariedade dos limites jurdicos, no que concerne ao recurso fora nas relaes

    internacionais, outra caracterstica do Direito Internacional Clssico.

    Os Estados tinham plena liberdade de fazer de fazer guerra, de acordo com os fins que ela

    visasse alcanar. Recorrer fora, enquanto instrumento de poltica exterior, era uma

    prerrogativa normal, nsita no conceito de soberania.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 5 Aluno: Jos Carlos Neves

    Responsabilidade Internacional

    A responsabilidade internacional por factos ilcitos era considerada um assunto privado entre os

    Estados directamente envolvidos. A prtica de um acto ilcito fazia surgir uma relao jurdica

    nova, de carcter bilateral, entre o Estado vtima e o Estado autor do procedimento ilcito,

    levando o primeiro ao direito de exigir a reparao dos danos e ao dever do segundo de

    assegurar essa reparao, que ter um carcter meramente reparatrio dos danos sobrevindos

    prtica de um facto internacionalmente ilcito.

    Nesse assunto privado, todos os outros sujeitos de Direito Internacional no se deveriam imiscuir.

    Por outro lado, a responsabilidade internacional clssica uma responsabilidade colectiva, pois

    as infraces s normas de Direito Internacional apenas responsabilizam os Estados e nunca os

    indivduos.

    Concluso

    O Direito Internacional Clssico analisava-se num conjunto de regras que serviam para assegurar

    a coexistncia e a cooperao entre Estados, ou seja, de mera coordenao de entidades

    soberanas, colocadas num plano paritrio, e a responsabilidade do Estado era de carcter

    meramente reparatrio.

    Assim, era um Direito axiologicamente (dos valores) neutro, que no visava alterar os dados da

    realidade a que se dirigia mas antes se afirmava como um ratificador acrtico do

    circunstancialismo existente em cada momento na sociedade internacional, em que a

    normatividade era hierarquicamente horizontal, uma vez que todas tinham o mesmo valor.

    II Modelo Moderno ou da Carta das Naes Unidas

    Caractersticas Gerais

    O fim da 2 Grande Guerra Mundial teve como consequncia o desenvolvimento de um sistema

    jurdico internacional, de caractersticas diferentes, a vrios ttulos, do modelo clssico, passando

    a assumir determinadas caractersticas do Direito Interno e tornando-se num modelo de

    subordinao.

    Sujeitos

    Estados e Insurrectos

    O Direito Internacional aps a 2 grande guerra sofre uma mutao significativa em resultado do

    aumento de estados, principalmente pases das ex-colnias europeias que se auto

    determinaram e universalizou-se deixando de regular somente Estados e insurrectos, nas suas

    relaes recprocas, para passar a aplicar-se aos novos membros da comunidade internacional,

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 6 Aluno: Jos Carlos Neves

    Para alm destes, passaram a ser sujeitos de Direito Internacional:

    Organizaes internacionais

    Associaes voluntrias de Estados, criadas atravs de tratado, dotadas de rgos prprios, que

    actuam juridicamente em nome da organizao e tm carcter de permanncia, e com

    personalidade jurdica internacional.

    Povos com direito autodeterminao

    Foi concedida uma legitimao jurdica e poltica (autodeterminao), a povos submetidos a

    regimes coloniais, a regimes racistas ou sob ocupao estrangeira, que dispusessem de uma

    estrutura representativa no plano internacional.

    Indivduo

    Pessoas fsicas ou singulares, pessoas colectivas, minorias (grupo de indivduos)

    Fontes do Direito

    Costumes e Tratados bilaterais

    Mantm-se as fontes do modelo clssico.

    Costumes selvagens

    Fonte em que se verifica a inverso no processo formativo (regra da precedncia do elemento

    material ao moral) com vista a acelerar a produo de normas; surge, numa primeira fase, um

    sentimento de obrigatoriedade jurdica categoricamente afirmado e s depois se iro

    sedimentando de comportamentos consentneos com essa opinio iuris previamente firmada.

    Tratados multilaterais

    As convenes internacionais deixam de ser apenas bilaterais, tornando-se cada vez mais

    frequentes o recurso aos tratados multilaterais (celebrados entre mais do que duas partes).

    Muitos deles so tratados abertos, permitindo que a um Estado no contratante tornar-se parte

    dele, mediante simples acto unilateral (adeso,), sem que as partes originrias lhe possam

    impor condies especiais. Os tratados multilaterais gerais, so amplamente participados, tm

    vocao universal, constituindo uma espcie de acordos colectivos ou tratados lei.

    Resolues das organizaes internacionais

    Actos jurdicos unilaterais que dimanam das organizaes internacionais.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 7 Aluno: Jos Carlos Neves

    Recurso fora nas relaes internacionais

    O modelo moderno do Direito Internacional prev o princpio da proibio do recurso fora

    nas relaes internacionais, exposto no art. 2, n. 4 da Carta das Naes Unidas, pretendendo

    com isto, tornar os Estados comparticipantes num sistema de segurana colectiva, em que o

    recurso fora s poder ser decretado pelo Conselho de Segurana da ONU.

    As preocupaes ambientais

    As preocupaes ambientais, isto , de tutela e preservao dos sistemas naturais e de equilbrio

    dos ecossistemas, passaram a ser uma questo central do Direito Internacional mais moderna, e

    que levou formao do Direito Internacional do Ambiente. Actualmente, este um dos mais

    importantes ramos do direito internacional.

    Hierarquizao das normas internacionais

    Surge um conjunto de princpios jurdicos fundamentais e universais, que se tornaram

    hierarquicamente superiores aos restantes princpios (valor da paz, da proteco da dignidade

    fundamental da pessoa humana, direitos e liberdades fundamentais de todos os homens).

    A esta hierarquizao de valores correspondeu uma correlativa hierarquizao de normas.

    Mutaes ocorridas no instituto da responsabilidade internacional

    A violao de normas internacionais que tutelam interesses fundamentais da comunidade

    internacional deixa de ser um mero assunto privado entre estado infractor e vtima. A

    responsabilidade internacional universaliza-se convertendo-se em assunto pblico, passando a

    dizer respeito a todos os Estados, cessando de se esgotar numa finalidade somente reparatria,

    para comportar uma dimenso sancionatria.

    A responsabilidade por factos ilcitos foi individualizada, no sentido de que, em certos casos,

    passa a ser responsabilizado o prprio indivduo infractor, deixando o princpio da

    responsabilizao de constituir um elemento distintivo daquele instituto do Direito Internacional.

    Concluso:

    Resoluo de ilcitos: de assunto privado passou a assunto pblico

    Finalidade: Reparatria + sancionatria

    Individualizaes da responsabilidade: responsabilizado o prprio indivduo infractor

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 8 Aluno: Jos Carlos Neves

    CAPTULO II AS RELAES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O INTERNO

    Solues Tericas

    As solues tericas, relativas ao relacionamento entre o ordenamento jurdico internacional e

    interno, so apresentadas pelas teses dualistas e pelas teses monistas, que se subdividem em

    monismo de direito interno e monismo de Direito Internacional.

    Face existncia de duas ordens jurdicas, h quem defenda que so absolutamente

    independentes uma da outra, a ponto de serem necessrias normas especficas destinadas a

    regular as suas relaes recprocas, e quem se apoie antes na tese da unidade do mundo

    jurdico.

    Teses Dualistas

    Tem as suas razes na doutrina da vontade colectiva e defende a concepo dualista da

    existncia duma separao radical entre o ordenamento jurdico internacional e as ordens

    jurdicas internas, fundada em trs diferenas.

    Diferenas:

    - Quanto origem do direito positivo, no direito interno advinha da vontade singular do

    Estado e no direito internacional, da vontade colectiva de vrios estados.

    - Em matria de sujeitos das relaes jurdicas, que seriam os indivduos e as pessoas

    morais no direito interno e os Estados no direito internacional.

    - Quanto natureza jurdica de ambos os ordenamentos, uma vez que o interno

    apresentaria uma estrutura de subordinao, ao passo que o internacional seria

    essencialmente coordenador.

    Consequncias:

    - As normas internacionais s se tornariam vlidas na esfera estadual depois de

    transformadas em direito interno.

    - Em virtude de serem estranhos um ao outro, no existem conflitos entre os dois sistemas,

    pelo que cada um deles regularia relaes distintas.

    Crtica concepo dualista:

    - O facto da vontade colectiva ser apresentada como fundamento da obrigatoriedade

    do Direito Internacional

    - Falta de lgica na compartimentao entre os sujeitos de direito interno e do direito

    internacional, que se pode comprovar com a coexistncia de normas com diferentes

    destinatrios em ambos os ordenamentos.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 9 Aluno: Jos Carlos Neves

    - O facto de que, para relevarem na ordem interna, as normas internacionais

    necessitarem de um qualquer acto de recepo ou transformao. Exemplo contrrio

    disso so os tribunais internos que, fazem a aplicao do direito internacional directa e

    automaticamente, desde que se concretize em disposies self-executing.

    - Num tempo de internacionalizao de todos os fenmenos, com uma crescente

    interpenetrao entre questes internas e internacionais, facilmente podero ocorrer

    conflitos entre os dois sistemas.

    Teses Monistas

    As teses monistas consistem na premissa de que todo o direito (interno ou internacional) constitui

    um mesmo sistema. H, no entanto, duas correntes diferentes: a do monismo de direito interno,

    que valoriza essencialmente a ordem jurdica estadual, sendo o direito internacional meramente

    uma declarao de intenes sobre comportamentos futuros, e a do monismo de direito

    internacional, que d maior primado ao direito internacional, considerando as suas normas num

    plano superior s internas.

    Posio adoptada

    Apesar da dificuldade de tomada de posio, a teoria do monismo com primado do direito

    internacional (na sua verso moderada) a mais consentnea com o actual estdio de

    desenvolvimento das relaes internacionais por vrias razes:

    1- Pelo nmero cada vez maior de normas de Direito Internacional que so vlidas no

    plano interno, independentemente da vontade dos estados, dando primazia aos valores

    da paz e da proteco da dignidade da pessoa humana e tambm as emanadas por

    organizaes supranacionais, como a Unio Europeia.

    2 Perante a globalizao h uma reduo no leque das matrias do domnio reservado

    aos estados (ex.: formas polticas internas, funcionamento dos tribunais, direito eleitoral) e

    reforar as teorias monstas da unidade fundamental do mundo jurdico.

    Tcnicas de recepo

    As formas de incorporao das normas internacionais na ordem interna dos Estados so

    essencialmente trs:

    Automtica: O Estado aceita automaticamente, sem restries, a vigncia do Direito

    Internacional na ordem interna, que vigoram internamente na qualidade de normas de Direito

    Internacional e no enquanto normas internas, podendo-se, no entanto, exigir a sua publicao

    em Dirio da Repblica.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 10 Aluno: Jos Carlos Neves

    Transformao: O Estado ope-se vigncia do Direito Internacional na ordem jurdica interna,

    pelo que a Constituio exige ao legislador ordinrio que reproduza a norma internacional

    atravs de um acto normativo da sua competncia. As normas internacionais perdem assim essa

    qualidade e passam a vigorar, na ordem interna, como normas internas.

    Semi-plena: um sistema misto, que assenta numa distino entre as normas surgidas

    internacionalmente, em funo do seu contedo. Assim, as normas internacionais respeitantes a

    determinadas matrias vigoram automaticamente no plano interno e as outras s mediante acto

    de transformao.

    O problema do direito portugus (Art. 8 da CRP)

    O Art. 8 da CRP regula o modo de recepo do Direito Internacional na ordem jurdica

    Portuguesa, pelo que importante analis-lo.

    Direito Internacional Geral art. 8, n. 1

    A CRP consagra neste artigo que a recepo das normas e princpio do direito internacional

    geral (ver pg. 1) feita de forma automtica, fazendo parte do direito portugus, ou seja,

    aplicando-se directamente no ordenamento portugus.

    uma excepo ao princpio da independncia nacional, cuja inexistncia resultaria numa

    inaceitvel autolimitao da soberania.

    Um problema, defendido por vrios autores, diz respeito ao facto de no estarem contemplados,

    nestes artigos, os costumes regionais e locais, sendo, no entanto, absurdo concluir que esse

    direito no vigora em Portugal, pelo que dever ser feita uma interpretao extensiva do art. 8,

    n. 1, para os costumes bilaterais ou regionais, em cuja formao Portugal participou,

    considerando esses costumes como gerais face aos Estados por eles obrigados.

    Direito Internacional Particular art. 8, n. 2

    Para as normas de convenes internacionais, a CRP enveredou pelo sistema de recepo

    automtica mas condicionada, uma vez que tem como condio de eficcia, que tenham sido

    regularmente ratificadas ou aprovadas e publicadas oficialmente no Dirio da Repblica.

    Acresce na parte final que, as convenes internacionais vigoraro na ordem interna enquanto

    vincularem internacionalmente o Estado portugus; ou seja, desde que entram em vigor at

    quando deixam de produzir efeitos jurdicos na ordem internacional. A aprovao, ratificao e

    publicao podem ser necessrias mas no suficientes para a vigncia interna de uma

    conveno internacional.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 11 Aluno: Jos Carlos Neves

    Direito (derivado) das Organizaes Internacionais art. 8, n. 3

    Este artigo foi adicionado Constituio em 1982, com a finalidade de adequar a nossa ordem

    jurdica previsvel adeso de Portugal s, ento Comunidades Europeias.

    Para os actos normativos, emanados das organizaes internacionais de que Portugal faz parte,

    nenhuma formalidade exigida para que possam adquirir relevncia na ordem jurdica

    portuguesa, pelo que estamos perante o sistema de incorporao automtica, gozando de um

    regime de aplicabilidade directa.

    No entanto, impe duas condies para eficcia a nvel interno:

    - Emanem dos rgos competentes dessas organizaes

    Unio Europeia art. 8, n. 4

    Aditado ao art. 8 em 2004

    Hierarquia das normas internacionais e internas

    importante analisar o valor das normas internacionais recebidas, face s diversas fontes do

    direito portugus, e eventuais problemas relativos a eventuais contradies de contedo entre

    normas oriundas dos dois ordenamentos.

    A CRP no d relevncia a este problema, no os resolvendo expressamente em nenhuma das

    suas disposies, principalmente no art. 8, pelo que h a necessidade de recorrer a subsdios da

    doutrina para solucionar os principais problemas atinentes ao valor hierrquico das normas

    internacionais

    Direito internacional Geral

    O Direito internacional geral tem um valor supralegal, sobre as leis ordinrias e tambm sobre a

    prpria CRP, apesar de tal ser quase irrelevante, pois pouco crvel que um estado promulgue

    leis ou consagre normas na sua Constituio que contrariem os princpios de Direito Internacional

    geral, que essencialmente estabelece as regras bsicas de convivncia interestadual, princpios

    que tutelam valores de especial relevo comuns a todos.

    Direito Internacional Particular (Convencional)

    As convenes internacionais tm tambm valor supralegal sobre o direito ordinrio interno. A

    CRP refere que vigoram na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente Portugal,

    pelo que nenhuma lei interna poder contrariar a conveno internacional.

    No entanto, face CRP, o valor hierrquico das convenes infraconstitucional, como prova o

    art. 278, n. 1, que fala da possibilidade de sujeio de tratados internacionais a uma

    fiscalizao preventiva.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 12 Aluno: Jos Carlos Neves

    Direito (derivado) das Organizaes Internacionais

    A CRP afirma que as normas oriundas das organizaes internacionais a que pertence vigoram

    directamente na ordem interna, o que aponta para a primazia do direito comunitrio sobre o

    direito interno (valor supralega)l. Este substituir automaticamente as normas internas existentes

    que, porventura, estejam desconformes com as suas disposies e prevalecer sobre as que

    sejam criadas posteriormente.

    Ao aderir quelas organizaes internacionais, todo o Estado membro esta a delegar poderes

    soberanos em favor da instituio, o que abrange tambm uma transferncia do exerccio de

    poderes normativos em certos domnios.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 13 Aluno: Jos Carlos Neves

    CAPTULO III FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

    1-Fontes do Direito Internacional Art. 38 do ETIJ

    - Convenes internacionais

    - Costume internacional

    - Princpios Gerais de Direito

    - Decises e ensinamentos dos mais qualificados publicistas das varias naes.

    2-Convenes Internacionais

    Noo: Manifestao de vontades concordantes, entre dois ou mais sujeitos de Direito

    Internacional, destinada a vincular juridicamente a conduta desses sujeitos, e regulada

    concorrentemente pelo direito interno e pelo direito internacional.

    Classificao das Convenes Internacionais

    Na anlise classificao das Convenes Internacionais, utilizarei dois mtodos de

    classificao de tratados: classificaes formais, que atender a determinadas variveis

    exteriores das convenes, e classificaes materiais, que ter em conta os aspectos intrnsecos

    de contedo ou funo jurdica.

    Classificaes formais

    Critrio da qualidade das partes

    Segundo este critrio, podemos descriminar 3 tipos de convenes internacionais:

    - Celebradas entre Estados

    - Celebradas entre Estados e organizaes internacionais

    - Celebradas entre organizaes internacionais

    Critrio do n. das partes

    Esta diviso tem a ver com o nmero de partes participaram na respectiva celebrao:

    - Tratados Bilaterais: Duas partes

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 14 Aluno: Jos Carlos Neves

    - Tratados Multilaterais: Mais de duas partes. Subdividem-se em abertos (tendem para a

    universalidade, no estando limitado o nmero de partes) ou Fechados (nmero de partes

    limitado)

    Critrio do procedimento de concluso

    Dividem-se em dois:

    Tratados Solenes

    Acordos em forma simplificada

    Critrio da Forma

    Distingue entre tratados escritos e tratados orais, conforme se materializem num documento

    escrito ou resultem dum comportamento verbal.

    Classificaes materiais

    Critrio do Objecto e do fim

    - Tratado-lei Solenes

    - Tratado-contrato acordos em forma simplificada

    - Tratados normativos fixam condutas

    - Tratados constitutivos estabelecem estruturas

    Procedimento de concluso das convenes internacionais

    Negociao (1 Momento)

    Fase em que discutido, redigido e adoptado o texto da futura conveno.

    Em Portugal, a competncia para negociar as convenes internacionais foi atribuda ao

    Governo (Art. 197, n. 1, al. b) da C.R.P.), com a participao dos governos regionais sempre

    que a matria seja do interesse especfico para as Regies Autnomas (art. 227, n. 1, al. t) da

    C.R.P.

    Elementos formais

    Finda a negociao, os tratados so constitudos por vrios elementos formais:

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 15 Aluno: Jos Carlos Neves

    Prembulo

    No tem fora obrigatria mas um valioso elemento de interpretao do tratado.

    Nele indicado:

    - As partes contratantes

    - O local da concluso

    - Os motivos subjacentes negociao

    Corpo ou dispositivo

    Contm o conjunto de elementos juridicamente obrigatrios e composto pelo articulado e

    pelas clusulas finais.

    Anexos

    Consistem em disposies tcnicas, que possuem a fora jurdica obrigatria do dispositivo mas

    so autonomizados deste, a fim de se evitar um aspecto demasiado pesado ou maudo da

    conveno.

    Autenticao (2 Momento)

    O 2 momento da concluso das convenes internacionais o da sua autenticao ou

    assinatura pelos plenipotencirios.

    Efeitos da autenticao

    Os efeitos diferem conforme estamos perante tratados solenes ou acordos em forma

    simplificada.

    (Efeitos da autenticao: Art. 10, 12, 18 da CV)

    Tratados solenes

    A mera assinatura/autenticao, no vincula o Estado ao tratado s suas disposies. Tal s

    ocorrer com a ratificao. No entanto, produz os seguintes efeitos:

    - Inalterabilidade do texto

    - Criao de um dever de boa f

    - Criao de um direito de defesa da integridade da conveno

    Acordos em forma simplificada

    Mediante a assinatura fica o Estado, desde ento, internacionalmente vinculado ao acordo, no

    necessitando de ratificao. Para alm deste, produz tambm os trs efeitos que produz para os

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 16 Aluno: Jos Carlos Neves

    tratados solenes (Inalterabilidade do texto, criao de um dever de boa f, criao de um

    direito de defesa da integridade da conveno)

    Ratificao

    A ratificao o acto solene pelo qual o rgo competente, face do direito constitucional

    (P.R.), vincula o estado ao tratado, tornando-o assim definitivo e comprometendo-se a execut-

    lo. A ratificao um acto livre e discricionrio, existindo o direito de recusar a ratificao.

    Em Portugal, atravs da ratificao, a cargo do Presidente da Repblica, que se vincula o

    Estado portugus aos actos solenes. A separao de poderes no nosso ordenamento jurdico,

    reflecte-se tambm na concluso das convenes internacionais no que ao governo compete:

    conduo da politica geral do pais (182 da CRP) negociar e ajustar os tratados (197, n. 1,

    al. b) da CRP) e ao Presidente da Repblica cabe a representao do Estado nas relaes

    externas (120 da CRP) e correlativamente proceder sua ratificao (Art. 135, al. b) da CRP).

    Ratificaes imperfeitas

    Ratificaes imperfeitas so as ratificaes do Presidente da Repblica a um tratado, sem que

    tenham sido cumpridas, ou o tenham sido defeituosamente, determinadas formalidades

    constitucionalmente previstas.

    Exemplos

    1) Ratificaes pelo P.R. sem prvia aprovao do tratado pela A.R: (permite a nulidade)

    2) Excesso de forma: aprovao por lei, em vez da simples resoluo da A.R. como prev a lei,

    com consequente ratificao pelo P.R. (no permite nulidade)

    3) Ratificao pelo P.R. com anterior desrespeito dos procedimentos de designao de

    Plenipotencirios (no permite nulidade)

    4) Ratificao pelo P.R. de uma conveno de matria de interesse das regies autnomas, sem

    a participao destes. (permite a nulidade)

    Consequncias jurdicas de uma Ratificao Imperfeita

    O Estado no pode invocar uma ratificao imperfeita (violao de um preceito do seu direito

    interno respeitante competncia para a concluso de tratados), como meio de se eximir ao

    cumprimento dos seus compromissos internacionais, excepto em situaes excepcionais e desde

    que, tenha sido manifesta a violao da norma de direito interno relativa concluso dos

    tratados e aquela norma seja considerada de importncia fundamental. S assim, a ratificao

    imperfeita ser um vcio relevante, dando origem invalidade (nulidade relativa) da

    conveno. (Art. 46 da C.V. e 277,n2, CRP)

    Entrada em vigor e publicao (3 Momento)

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 17 Aluno: Jos Carlos Neves

    O procedimento de formao das convenes internacionais termina com a entrada em vigor

    (art. 24 e 25 da CV), o seu registo (Art. 102 da CNU e art. 80 da CV) e publicao.

    Formalidades a que esto sujeitas as convenes internacionais

    Acordos em forma simplificada, aprovados pelo Governo

    1 Negociados e aprovados pelo Governo (197, 1 e 2 CRP)

    2 Aprovados em Conselho de Ministros (200, 1, d) CRP)

    3 Assinatura pelo P.M. e Ministro competente (201, 3 CRP)

    4 Assinatura do P.R. (134, b CRP)

    5 Referenda do Governo (140, 1 CRP)

    6 Publicaes em D.R. (119, 1)

    Acordos em forma simplificada, aprovados pela A.R.

    1 Negociados e aprovados pelo Governo (197, 1 e 2 CRP)

    2 Aprovao em Conselho de Ministros da proposta de resoluo (200, 1, c) CRP)

    3 Assinatura da Resoluo pela A.R., assinada pelo Presidente da A.R. (161, 1 e 166, 5 CRP)

    4 Assinatura do P.R. (134, b CRP)

    5 Publicaes em D.R. (119, 1)

    Tratados Solenes

    1 Negociados e aprovados pelo Governo (197, 1 e 2 CRP)

    2 Aprovao em Conselho de Ministros da proposta de resoluo (200, 1, c) CRP)

    3 Assinatura da Resoluo pela A.R., assinada pelo Presidente da A.R. (161, 1 e 166, 5 CRP)

    4 Assinatura do P.R. pelo modo de ratificaes (135, b CRP)

    5 Referenda do Governo (140, 1 CRP)

    6 Publicaes em D.R. (119, 1)

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 18 Aluno: Jos Carlos Neves

    Adeso (Art. 15 CV)

    Permite-se a um Estado no signatrio de uma conveno internacional, que se encontra j em

    vigor, tornar-se parte nela. Exprime o consentimento de um Estado a ficar vinculado por um

    tratado

    Reservas (Art. 2,n. 1 ,al. d) do CV)

    Reserva designa uma declarao unilateral, qualquer que seja o seu contedo ou a sua

    denominao, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a

    ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurdico de certas disposies do tratado na

    sua aplicao a esse Estado.

    Assim, um Estado pode aceitar fazer parte de um tratado, declarando, todavia, que exclui ou

    modifica clusulas que no concorda, desde que essa reserva no contrariasse o objecto e o

    fim da conveno.

    Aplicao das convenes internacionais a Estados terceiros

    Regra geral, os tratados no impem obrigaes nem atribuem direitos a Estados terceiros.

    No entanto, poder produzir efeitos de acordo com o previsto na Conveno de Viena do art.

    34 ao art. 38.

    Princpio da relatividade dos efeitos dos tratados (Art. 34 da CV)

    Conforme o disposto no Art. 34 da CV, um tratado no cria nem obrigaes nem direitos para

    um Estado sem o consentimento deste ltimo. Nisto consiste o princpio da relatividade dos

    efeitos dos tratados ou eficcia relativa.

    Acordo colateral (Art. 35 da CV)

    O Art. 35 da CV admite a possibilidade de um tratado criar obrigaes para um Estado

    terceiro, se este o consentir, atravs de um acordo colateral.

    Num primeiro acordo, as partes A e B pretendem criar uma obrigao ao Estado C. O

    consentimento ter que ser formalizado com um segundo acordo, designado colateral, em que

    sero intervenientes as 3 partes.

    o acordo colateral que constitui o fundamento jurdico da obrigao que passa a vincular o

    Estado terceiro.

    Estipulao em favor de outrem (Art. 36 da CV)

    Outra tcnica contratual, prevista no art. 36 e 37 da CV, que se traduz no facto de Estados

    partes numa conveno internacional, criarem um direito cujo beneficirio um terceiro. Este

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 19 Aluno: Jos Carlos Neves

    tipo de tratados tambm no dispensa o consentimento dos terceiros, sendo tal consentimento

    presumido.

    Clusula da Nao mais favorecida

    A clusula da nao mais favorecida um expediente tcnico destinado criao de direitos

    em benefcios de um terceiro.

    Se num tratado entre A e B, sobre determinada matria, constar esta clusula, se a parte A

    celebrar um novo tratado com C, sobre a mesma matria, as disposies mais favorveis

    aplicar-se-o automaticamente a B.

    Aplicao das convenes a Estados terceiros sem o seu consentimento (Art. 38 da CV)

    O Art. 38 da CV prev a extenso das regras dum tratado a terceiros por via costumeira, ou

    seja, admite-se que uma regra contida numa conveno internacional se possa tornar norma

    costumeira e tornar-se obrigatria para Estados no partes.

    Condies de validade das Convenes Internacionais

    Dado que estamos perante actos jurdicos bilaterais ou multilaterais, so trs os requisitos de

    validade das Convenes Internacionais:

    Capacidade das partes

    Apenas os sujeitos de Direito Internacional tm capacidade para celebrar tratados,

    designadamente os Estados, as organizaes internacionais e os movimentos de libertao

    nacional (de forma restrita)

    Regularidade do consentimento

    O problema da regularidade do consentimento verifica-se no ponto de vista formal e no plano

    substancial, ou seja, os tratados se encontrem isentos de vcios da vontade ou do consentimento.

    Irregularidades formais

    Estas irregularidades dizem respeito a regras formais, referindo-se competncia e ao

    procedimento para a concluso das convenes internacionais, como as ratificaes

    imperfeitas j analisadas (ver Art. 46 da C.V.) e no constituem motivo de nulidade, excepto se

    a violao haja sido manifesta e diga respeito a uma norma interna de importncia

    fundamental, podendo neste caso ser arguida a nulidade relativa conveno.

    Irregularidades Substanciais

    Vcios da vontade ou do consentimento

    - Erro (Art. 48 C.V.)

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 20 Aluno: Jos Carlos Neves

    - Dolo (Art. 49 CV)

    - Vcio (Art. 50 CV)

    - Coaco (Art. 51, 52 CV)

    Licitude do objecto: (Art. 53 e 64 CV)

    Para que uma conveno internacional seja vlida ainda necessrio que no atente contra a

    ordem pblica internacional, isto , no contrarie o conjunto de princpios fundamentais que

    esto na base do sistema jurdico internacional.

    Regime de nulidades dos tratados

    A Conveno de Viena prev dois tipos de nulidade para sancionar as invalidades das

    convenes internacionais: relativa e absoluta

    Nulidade relativa

    Provocam a nulidade relativa das convenes, as irregularidades formais do consentimento, o

    erro, o dolo e a corrupo.

    Nulidade absoluta

    As nulidades absolutas resultam da coaco e da incompatibilidade do tratado com uma

    norma Ius cogens (ilicitude do objecto).

    Distino entre nulidades relativas e absolutas

    As nulidades distinguem-se a trs nveis: quanto ao direito de invocar o vcio, quanto

    divisibilidade extintiva (ou no) das disposies do tratado e quanto possibilidade de sanao

    (Art. 42 e ss CV)

    - O direito de invocar o vcio pertence s partes contratantes, mas nas relativas s a vtima pode

    invocar o vcio e nas absolutas qualquer das partes na conveno pode invocar a causa da

    nulidade.

    - Relativamente divisibilidade extintiva das disposies do tratado, regra geral, qualquer causa

    de nulidade de um tratado, quando invocada, determina a nulidade de todo o tratado.

    No entanto, nas nulidades relativas admite-se a divisibilidade em determinadas situaes

    especficas (Art. 44 da CV), de tal forma que a conveno continua a valer na parte no

    afectada, anulando-se somente as clusulas com vcio.

    Para as nulidades absolutas vigora o princpio da indivisibilidade (Art. 44 n. 5 CV), pelo que em

    nenhuma circunstncia se admite a diviso das disposies de uma conveno internacional.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 21 Aluno: Jos Carlos Neves

    - Possibilidade de sanao: as nulidades relativas podem ser sanadas de modo expresso

    (tomado conhecimento do facto, esse Estado aceitou expressamente que o tratado era vlido)

    ou tcito (em razo da sua conduta, deva formular-se idntica concluso.

    Quanto s nulidades absolutas no se admite a possibilidade de sanao.

    Consequncias da nulidade das convenes internacionais

    Trmites da anulao dos tratados: 65, 66, 67, 69 do CV

    O Tratado nulo desde o momento da sua concluso e no a partir do momento em que

    descoberta a causa de nulidade (efeitos retroactivos).

    No entanto, os actos praticados de boa f (art. 69, n. 2, al. b) da CV) no so afectados pela

    nulidade do tratado, nem o surgimento posterior de uma nova norma imperativa de direito

    internacional, geral, que torne o tratado existente nulo (art. 64 da CV) ir afectar quaisquer

    direitos, obrigaes ou situaes jurdicas das partes, criadas pela execuo da conveno

    antes dela se extinguir (art. 71, n. 2, al. b) da CV).

    3 O Costume Internacional

    Costume

    (Art. 38, b) do ETIJ) Fonte formal de direito, surge como prova de uma prtica geral aceite

    como sendo de direito, e um modo espontneo de surgimento de normas jurdicas. O processo

    costumeiro pressupe a conjugao de dois elementos distintos: o elemento material ou

    objectivo e o elemento moral, psicolgico ou subjectivo. uma prtica constante e uniforme.

    Elemento material ou objectivo

    Consiste na adopo reiterada e uniforme de certos actos (condutas), que se denominam

    precedentes, pelos membros de determinada comunidade.

    Elemento moral, psicolgico ou subjectivo

    Traduz-se no sentimento e conscincia, experimentado por parte dos membros da comunidade

    social que levam a cabo os comportamentos, de que aquela prtica (conduta) juridicamente

    obrigatria.

    Estes dois elementos so presena obrigatria para haver costume.

    Est presente no direito interno portugus, conforme art. 8, n. 1 CRP, art. 348 CC e no mbito

    do Direito Internacional privado no 14 e ss do CC.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 22 Aluno: Jos Carlos Neves

    O Processo costumeiro

    Actos susceptveis de constiturem precedentes no elemento material

    Os comportamentos susceptveis de constiturem precedentes podem ser muito variados e de

    diferente natureza. Tm contudo que ser emanados por sujeitos do direito internacional, pelos

    Estados ou organizaes internacionais, das prprias organizaes no governamentais, ou at,

    em certos casos, por determinadas pessoas privadas.

    Os precedentes podem no s resultar da prtica de actos jurdicos, internos ou internacionais,

    como da adopo de comportamentos positivos ou negativos, como tambm de meras

    tomadas de posio acerca da oportunidade ou licitude da conduta dos outros sujeitos do

    direito internacional.

    Repeties dos precedentes no tempo

    Sem se verificar a repetio da prtica ao longo do tempo, de uma forma constante e uniforme,

    no se poderia falar em uso ou costume.

    Prtica constante porque se repete o comportamento num certo perodo de tempo.

    Prtica uniforme, tem a ver com a necessria concordncia e similitude dos actos sucessivos dos

    sujeitos do direito Internacional.

    Repeties dos precedentes no espao

    Tero de ser vrios os sujeitos a adoptar uniformemente, ao longo do tempo, determinado

    comportamento. Pressupe-se uma certa disperso, no obrigatoriamente universal, admitindo-

    se costumes com um alcance geogrfico mais limitado, como nos admitidos nos costumes

    regionais, locais ou bilaterais.

    No Elemento Moral ou Psicolgico

    Distino entre uso e costume:

    Costume no se constitui s de mera repetio de precedentes ao longo de certo perodo

    temporal; necessrio o elemento psicolgico ou subjectivo, ou seja, que os sujeitos tenham a

    conscincia da necessria obrigatoriedade jurdica do comportamento (certa conduta). Esta

    conscincia denominada de Opinio Iuris sive necessitatis; sem este elemento o costume no

    passaria de um mero uso ou norma de cortesia internacional.

    Os costumes selvagens

    Consistem no facto de, na sociedade moderna, se admitir a inverso da ordem cronolgica dos

    elementos do costume. Em vez de ser primeiro uma prtica constante e uniforme e depois

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 23 Aluno: Jos Carlos Neves

    considerada uma necessria obrigatoriedade jurdica consciente, admite-se a inverso dos

    elementos integradores do procedimento gestativo das normas consuetudinrias.

    O Estatuto do objectar persistente

    De forma geral, por respeito s exigncias da certeza e seguranas jurdicas, no lcito aos

    Estados, em particular aos mais recentes, porem em causa a validade de processos costumeiros

    anteriores e, por conseguinte, a existncia de norma consuetudinrias j formadas. Contudo,

    admite-se que os Estados possam resistir fora obrigatria dos costumes, durante o processo de

    formao destes. Deste modo, sempre que um Estado, de modo firme, persistente e inequvoco,

    se ope criao de uma determinada norma costumeira, sem contudo alcanar os seus

    intentos, essa regra no lhe ser depois oponvel. Neste caso, poder dizer-se que, em funo da

    sua conduta, esse Estado adquiriu o Estatuto de objectar persistente.

    Os Princpios Gerais de Direito

    Fonte de carcter directo e autnomo de Direito Internacional

    O art. 38, n. 1, al. C) do ETIJ estipula uma terceira fonte do direito internacional: os princpios

    gerais do direito, reconhecidos pelas naes civilizadas, que se podem desde j subentender

    como sendo princpios de direito interno, em vigor na maior parte dos sistemas jurdicos internos.

    Contudo, h uma controvrsia doutrinal acerca deste tema e da sua forma de incluso no

    direito internacional. A verdade que existe uma prtica j antiga e constante de recurso aos

    princpios gerais de direito enquanto fonte directa e autnoma de direito internacional, o que

    deu lugar a um costume, segundo o qual eles dispem de fora obrigatria na ordem jurdica

    internacional e no, como defendem outros autores (voluntaristas), que os princpios gerais de

    direito s seriam aceites no Direito Internacional por constarem numa conveno, no sendo

    desta forma fonte directa e autnoma de Direito Internacional.

    O Direito Privado, normalmente mais desenvolvido do que o Direito Internacional, tem constitudo

    sempre uma espcie de armazm de reserva de princpios, onde este se vai fornecer.

    Esta interpretao mais restritiva da noo de princpios gerais de direito tem por si, como se viu

    atrs, o facto de s ela permitir conferir especificidade a esta fonte de direito internacional,

    afastando-a do costume e da conveno, o que no sucederia caso considerssemos tambm

    abrangidos pela expresso, os princpios oriundos do direito internacional.

    Conclui-se que, de forma explcita no ETIJ se reconheceu o carcter directo dos Princpios Gerais

    de Direito, isto , se lhe reconheceu fora jurdica autnoma de qualquer autorizao

    convencional.

    Funo e Natureza jurdica

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 24 Aluno: Jos Carlos Neves

    Por outro lado, destinando-se os princpios gerais de direito a suprir as lacunas do direito

    convencional e costumeiro, no faria sentido se eles tivessem a mesma natureza dos princpios

    do direito internacional. Da entender-se serem princpios de direito interno, em vigor na maior

    parte dos sistemas jurdicos nacionais.

    Uma fonte primria e supletiva

    O art. 38, n. 1 al. C) do ETIJ uma aceitao das limitaes conaturais funo jurisdicional

    internacional.

    Nos Tribunais internos, na falta de lei, o juiz deve decidir, mesmo assim, atravs da criao de

    normas Ad Hoc ou por analogia.

    Nos Tribunais internacionais, a cujo funcionamento subjaz um princpio de consensualidade, j

    no assim. O respeito pela soberania estadual determinaria que, na falta de autorizao ou

    habilitao expressas, por parte dos Estados, no caso de silncio da lei, para proferir uma

    sentena, o juiz internacional no pudesse decidir, tendo que pronunciar um Non liquet (no

    lquido), que se traduziria numa denegao da justia por falta de direito aplicvel ao caso, no

    exercendo assim a sua funo.

    Com o recurso aos princpios gerais do direito, poder-se- ultrapassar este presumvel impasse,

    permitindo ao juiz estatuir, mesmo no havendo uma soluo convencional ou costumeira para

    o litgio, sem ter de sair da rbita do direito positivo. Desta forma, podemos dizer que aqueles

    princpios apresentam a natureza de fonte supletiva de Direito Internacional. Apesar dos

    princpios gerais do direito servirem para colmatar lacunas do direito convencional ou

    costumeiro, no h qualquer hierarquia entre as fontes de direito internacional.

    Modo de operar com os princpios gerais de Direito

    As condies necessrias para que, na ordem jurdica internacional, se possa fazer a aplicao

    dos princpios gerais do direito (internos) so os requisitos de Generalidade e a

    susceptibilidade dos princpios, em concreto convocados, serem transpostos para o

    ordenamento jurdico internacional.

    Requisito de Generalidade

    S podem aplicar-se internacionalmente os princpios que sejam comuns maior parte dos

    sistemas jurdicos nacionais ou internos, note-se que a unanimidade no exigida.

    Susceptibilidade de serem transpostos para o ordenamento jurdico internacional

    O sistema jurdico internacional apresenta vrias diferenas estruturais do direito interno, pelo que

    os juzes internacionais s podem utilizar os princpios gerais do direito que se revelem compatveis

    ou conciliveis com as caractersticas fundamentais do ordenamento internacional. Deve dar-se

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 25 Aluno: Jos Carlos Neves

    preferncia aos princpios gerais do direito que sejam mais conciliveis, em detrimento dos mais

    generalizados.

    Exemplos de princpios gerais do direito

    Os princpios gerais do direito so acolhidos em praticamente todos os sistemas de direito do

    mundo e que servem para suprir as lacunas da regulamentao internacional.

    So eles:

    Princpio do enriquecimento sem causa

    Princpio da boa f

    Princpio do abuso do direito

    Princpio da responsabilidade baseada na culpa

    Princpio da reparao integral do prejuzo

    Princpio da lei especial prevalecer sobre a geral

    Princpio do nus da prova

    Princpio da igualdade das partes

    Princpio dos direitos adquiridos

    Princpio do efeito til

    Princpio do caso julgado

    Princpio da Segurana jurdica

    Etc.

    Actos Jurdicos Unilaterais

    So actos imputveis a um s sujeito de direito internacional, destinados a produzir determinados

    efeitos jurdicos, que podem ser emanados dos Estados ou das organizaes internacionais.

    Sendo emanados pelo Estado, consideram-se manifestaes unilaterais de vontade, de um s

    Estado guiado pela persecuo de interesse prprio, intencionalmente dirigidas produo de

    certos efeitos jurdicos, no plano das relaes internacionais, na esfera jurdica de terceiros, no

    sendo por vezes, sequer receptveis por estes.

    Requisitos da imputabilidade, da oponibilidade e da publicidade.

    Para que se produzam os referidos efeitos jurdicos, necessrio estarem preenchidos trs

    requisitos:

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 26 Aluno: Jos Carlos Neves

    - A imputabilidade ao Estado, implica que o acto unilateral haja sido emitido por uma entidade

    idnea a vincular internacionalmente o estado, com capacidade jurdica para o acto (vg., pelo

    rgo legislativo ou executivo)

    -A oponibilidade a terceiros (vg., a outros estados, org. internacionais, tribunais, etc), postula a

    existncia de compatibilidade entre o acto jurdico e o direito internacional.

    - A publicidade, significa que a vontade do estado dever ter sido exteriorizada de forma clara e

    desta forma manifestada em termos que no deixem dvidas quanto ao seu sentido e alcance.

    Caractersticas dos actos unilaterais enquanto fonte formal de direito internacional

    Para serem considerados fontes formais do Direito Internacional, devem ter como caractersticas

    a unilateralidade (provir de um nico sujeito de Direito Internacional), a juridicidade (criao de

    direitos ou imposio de obrigaes para o prprio autor do acto) e autonomia (o acto jurdico

    unilateral no poder estar ligado a qualquer outra fonte). Assim, actos unilaterais como de

    ratificaes, de reservas, de adeso no so fontes de direito internacional porque no so

    autnomos.

    Tipologias de actos jurdicos unilaterais do Estado

    Alguns exemplos de actos jurdicos unilaterais que podem ser emitidos pelo estado e que so

    susceptveis de exibir a caracterstica da autonomia:

    O Reconhecimento um acto atravs do qual um Estado comprova a existncia de

    determinados factos, situaes ou actos jurdicos, aceitando que lhe sejam oponveis, em virtude

    de os considerar conformes com o Direito Internacional.

    O Protesto um acto jurdico semelhante ao reconhecimento, mas em sentido oposto, o Estado

    exprime discordncia face a um acto jurdico por o considerar desconforme com as normas de

    direito internacional, visando impedir que lhe seja oponvel.

    A Notificao, serve para dar conhecimento a terceiros de um facto ou situao, visando criar

    certas consequncias jurdicas, que condicionam, em regra, a validade de outros actos jurdicos.

    A Promessa, difere dos anteriores por no se reportar a factos existentes, mas sim a direitos novos

    que iro nascer em benefcio de terceiros, comprometendo-se o Estado a adoptar (ou abster-se

    de adoptar) determinado comportamento.

    A Renuncia o acto pelo qual o Estado, auto-limitando-se, extingue um direito de que

    anteriormente era titular.

    Sendo emanados por Organizaes Internacionais, obedecem, primeiro, ao disposto nas

    respectivas cartas constitutivas, tendo subjacente uma lgica colegial e apresentando um

    procedimento escrito. So de vrios tipos e contedos, podendo ser resolues, decises,

    pareceres consultivos, recomendaes, sentenas, declaraes, programas, cartas, etc..

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 27 Aluno: Jos Carlos Neves

    CAPTULO IV SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL

    So os autores e os destinatrios das normas jurdicas internacionais. So diferentes entre si, tanto

    quanto natureza como amplitude dos seus direitos. At meados do sc. XX, eram somente os

    Estados, quanto muito os insurrectos reconhecidos. A partir da segunda metade do sc. XX em

    diante, surgem novos sujeitos: as organizaes internacionais, os povos no autnomos e at o

    indivduo (pessoa fsica ou grupos minoritrios).

    Classificao

    Quanto importncia:

    Sujeitos primrios: Estados

    Sujeitos secundrios: restantes sujeitos

    Os Estados so os sujeitos de maior importncia, por serem soberanos e constiturem a espinha

    dorsal da comunidade internacional, moldando-a nos seus traos mais essenciais.

    Os restantes sujeitos possuem uma capacidade jurdica mais limitada e com menor

    protagonismo, por isso serem designados por sujeitos secundrios.

    Quanto origem:

    Sujeitos originrios: Estados, povos no autnomos e insurrectos

    Sujeitos derivados/auxiliares: Organizaes Internacionais e indivduos

    Os Estados, povos no autnomos e insurrectos resultam de um processo de facto, no sujeito a

    qualquer deciso de sujeitos pr existentes.

    Pelo contrrio, as Organizaes Internacionais e indivduos s se convertem em sujeitos de Direito

    Internacional por deciso de sujeitos primrios.

    Estado

    Entidade soberana que rene em si trs elementos constitutivos: uma populao, um territrio e

    um governo e Para alem disso uma entidade soberana e independente.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 28 Aluno: Jos Carlos Neves

    Elementos constitutivos

    Populao

    A populao de um Estado integra o conjunto de indivduos, ligados a esse estado, de forma

    estvel e permanente, atravs do vnculo jurdico da nacionalidade.

    Existem dois critrios para a obteno da nacionalidade:

    - Iuris solis: os que tenham nascido nesse estado

    - Iuris sanguinis: os que tenham com estes ligaes directas de sangue.

    Nao ou Povo

    Conjunto de indivduos, ligados por um conjunto de afinidades (culturais, ticas, religiosas, etc)

    que manifestam vontade de viver em comum. No correcto dizer que a nao um elemento

    constitutivo do Estado, porque h estados que englobam vrias naes (Ex.: China, Rssia) e,

    inversamente, naes que podem estar dispersas por vrios Estados (caso dos judeus que deram

    origem a comunidade judaicas fora da Palestina).

    H naes ou povos, com direito autodeterminao, e analisam-se em duas vertentes

    distintas:

    - Interna: para os povos j constitudos, que reflecte o princpio da autonomia constitucional e

    poltica do Estado, ligado ideia democrtica.

    - Externa: que se aplica tanto aos povos j constitudos como aos demais com esse direito. Para

    os primeiros significa que devem ser auscultados em matria do seu territrio; para os segundos,

    concretiza-se segundo o princpio VI da Resoluo 1541 (XV) da Assembleia-geral da ONU, de 15

    de Dezembro de 1960, no direito de livre escolha de um dos trs estatutos internacionais:

    Independncia, associao e integrao. (Manifestao moderna do princpio das

    nacionalidades)

    Territrio

    Princpio da integridade territorial (art. 2, CNU)

    Do territrio de um Estado faz parte o territrio terrestre, o fluvial, o martimo, o domnio lacustre e

    o espao areo.

    - Territrio terrestre: Solo ou subsolo situados dentro das fronteiras do Estado, fronteiras essas que

    podem ser naturais (rio, lago, etc) ou artificiais (linha recta artificial).

    - Domnio fluvial: cursos de gua nacionais e internacionais. Os nacionais nascem e desaguam

    dentro do territrio nacional, enquanto que os rios internacionais atravessam (sucessivos) ou

    separam (contguos) vrios Estados.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 29 Aluno: Jos Carlos Neves

    - Domnio martimo: fazem parte determinados espaos martimos, superfcies de gua salgada,

    incluindo o solo e subsolo respectivos, relativamente aos quais o Estado exerce poderes de

    soberania e outras zonas relativamente s quais exerce poderes de jurisdio.

    Os poderes de soberania sobre um territrio so como um direito de propriedade, enquanto que,

    quando exerce poderes/direitos de jurisdio, diz-se que so direitos funcionais para gerir

    assuntos especiais e, estas zonas, no integram o territrio estadual propriamente dito.

    Em gua salgada: (art.56,c, da conveno de Monte Bay direitos e deveres)

    - guas interiores: situam-se aqum da linha normal de mar baixa, tambm designado por

    territrio martimo, por o Estado exercer aqui poder de soberania quase total. (art.2, 5 e 7,

    8, da conveno de Monte Bay)

    - Mar territorial: entre a linha normal de mar baixa e 12 milhas, o Estado tambm exerce

    poderes de soberania. (ab rt. 2 da conveno de Monte Bay, 14 e ss da conveno de

    genebra, 1958)

    - Zona contgua: entre o limite da zona de mar territorial e mais 12 milhas, perfazendo um

    total de 24 milhas da linha normal de mar baixa, onde o Estado exerce poderes de

    soberania (art. 2,33,n2, 303 da conveno de Monte Bay)

    - Zona econmica exclusiva: perfaz 200 milhas desde a linha normal de mar baixa. Aqui, o

    Estado exerce poderes de jurisdio e de explorao econmica que pode, se quiser,

    partilhar com outros Estados e reivindicar a sua extenso at s 350 milhas. (art. 69, 70 da

    conveno de Monte Bay)

    - Zona de Alto Mar: Zona de gua salgada, fora dos limites dos territrios nacionais, que se

    regem por 4 liberdades: Navegao, pesca, sobrevoo e colocao de construes

    (Oleodutos, cabos submarinos, ilhas artificiais e de investigao cientfica) (art. 87 da

    conveno de Monte Bay)

    Em solo e subsolo: (art. 8 da conveno de Monte Bay)

    - Plataforma continental: superfcie subaqutica (solo e subsolo) at s 200 milhas

    (extensivos tambm at s 350 milhas) (art. 76 da conveno de Monte Bay)

    - Zona ou rea: solos e subsolos para alm da jurisdio dos Estados, em zona coincidente

    com o mar alto, (patrimnio comum da Humanidade) (art. 137 e ss da conveno de

    Monte Bay)

    - Domnio Lacustre: respeita aos lagos que so superfcies de gua doce, totalmente

    circundados por terra.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 30 Aluno: Jos Carlos Neves

    - Domnio Areo: espao areo situado acima do seu territrio terrestre e martimo, at ao limite

    da estratosfera. Acima disso de domnio internacional.

    Governo

    Conjunto de instituies e rgos que representem a vontade do Estado.

    No entanto, quando, em Direito Internacional, se fala em governo como elemento constitutivo

    do Estado, esto em causa todos os poderes pblicos do Estado: Executivo, judicial e legislativo.

    Soberania ou independncia

    Entidades soberanas so as que, em regra, no esto subordinadas a nenhum outro poder

    superior, tendo liberdade de actuao, e exercem jurisdio sobre os respectivos territrios e

    populao.

    No entanto, a soberania de cada Estado hoje limitada pelo igual atributo de todos os outros

    Estados e, por conseguinte, pela necessidade de coexistncia entre os vrios sujeitos de Direito

    Internacional. Desta forma, vem-se assimilando a soberania a independncia em Direito

    Internacional.

    Competncias do Estado

    Competncias Internas: Territoriais e pessoais

    Competncia Territorial: Poder dos Estados de exercerem discricionariamente actos de

    autoridade, que considerarem necessrios ao desenvolvimento de todo o tipo de actividades no

    seu territrio.

    Competncia Pessoal: Est ligada ao conceito de nacionalidade e ao facto de que compete

    ao Estado atribuir a sua nacionalidade a pessoas e coisas. A jurisdio do Estado, no mbito das

    competncias pessoais, exercida em relao aos nacionais e aos estrangeiros em territrio

    nacional ou que cometam actos ilcitos contra a segurana do Estado, aplicando a estes ltimos

    o Direito dos Estrangeiros, que define um standard mnimo de direito: no se pode negar o

    direito justia; impedimento de tortura, etc.. Em Portugal, os provenientes de PALOPs tm uma

    descriminao positiva.

    Competncias Externas (internacionais)

    No Direito Administrativo Clssico:

    Ius Tratum direito de celebrar tratados, convenes, etc.

    Ius legationis direito de exercer misses diplomticas

    Ius ad bellum direito guerra

    Actualmente

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 31 Aluno: Jos Carlos Neves

    Ius Tratum direito de celebrar tratados, convenes, etc.

    Ius legationis direito de exercer misses diplomticas

    Direito reclamao internacional

    Responsabilidade Internacional do Estado por factos ilcitos

    Em questes de responsabilidade internacional, temos que distinguir dois tipos de normas:

    - Normas primrias: impem determinadas obrigaes de conduta

    - Norma secundrias: fixam as consequncias jurdicas das violaes s normas primrias, ou seja,

    da responsabilidade por factos ilcitos, que obedece a certos pressupostos.

    Pressupostos e consequncias

    1) Existncia de um facto internacionalmente ilcito (pressuposto essencial da responsabilidade

    internacional subjectiva), por violao ou omisso de uma obrigao internacional a que esteja

    vinculado.

    2) Demonstrao do nexo de imputao do referido facto ilcito ao Estado, por ter sido

    adoptado por pessoas ou rgos que o representam, independentemente da natureza ou

    funes do agente ou rgo.

    - Na funo administrativa mais frequente surgirem violaes e consequentes

    responsabilizaes internacionais do Estado perante cidados estrangeiros, em especial, no

    mbito dos contratos de concesso, onde ocorre, por vezes, a violao das obrigaes

    contratuais e do princpio dos direitos adquiridos.

    - Na actuao dos rgos legislativos (ou na falta dela), podem ocorrer colises com

    obrigaes internacionais previamente assumidas.

    - Na funo judicial, a denegao da justia e violaes aos direitos mnimos dos estrangeiros

    constituem o principal facto de violaes.

    3) Ocorrncia de danos (materiais ou morais) a terceiros, por violao do Direito Internacional. Se

    no, no haver dever de reparao sobre o autor do acto ilcito, nem direito subjectivo de

    exigir essa reparao pela vtima.

    Concluso: Um Estado s incorrer em responsabilidade Internacional, estabelecido que esteja o

    nexo de causalidade entre determinado comportamento (ilcito) e os danos ocorridos.

    Modalidades de reparao de danos

    O dever de reparao dos danos, como consequncia da violao de um compromisso,

    constitui um princpio geral de direito, aplicvel tambm no Direito Internacional.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 32 Aluno: Jos Carlos Neves

    A reparao no exibe um figurino uniforme e varia em funo do tipo de prejuzo sofrido. Desta

    forma, existem 3 modalidades de reparao:

    Reparao por Equivalente (em espcie)

    Reposio da situao actual hipottica (Statu quo ante), ou seja, a situao que existiria caso o

    acto ilcito no tivesse sido praticado, materializada pela restituio integral em espcie

    (Restitutio Integrum). a consequncia normal do incumprimento de obrigaes

    internacionais.

    Indemnizao

    Pagamento de uma quantia pecuniria, correspondente ao valor que teria a restituio em

    espcie, de modo a permitir cobrir o damnum emergens mas tambm o lucrum cessans. a

    modalidade frequente na reparao de danos.

    Satisfao

    Reparao relativa a danos de carcter moral, que pode passar por um pedido de desculpas

    oficial, pela cominao de sanes internas ao autor do acto, por uma declarao de ilicitude

    por parte de um tribunal internacional (demonstrao de razo), etc.

    Concluso: Deve ser estabelecida a Restitutio Integrumou reparao por indemnizao e

    satisfao.

    Causas de excluso de ilicitude internacional

    - Consentimento

    - Legitima defesa (Art. 51 da CNU)

    - Contramedidas

    - Fora maior e caso fortuito

    - Perigo extremo

    - Estado de necessidade

    Consentimento

    Exclui-se a ilicitude de um comportamento ilcito internacionalmente, quando o Estado vtima d

    o seu consentimento para o acto, de forma vlida face das normas de direito internacional, ou

    seja, isento de vcios (erro, dolo, coaco, etc). Tem que ser claro e inequvoco, efectivo,

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 33 Aluno: Jos Carlos Neves

    imputvel ao Estado (pelos rgos responsveis), sem vcios e ser invocado enquanto causa de

    excluso da ilicitude internacional.

    Legtima defesa (Art. 51 da CNU)

    Exclui-se de ilicitude o exerccio ao direito de legtima defesa individual ou colectiva, no caso de

    ocorrer um ataque armado contra um membro das Naes Unidas, permitindo-se o uso

    defensivo da fora, at que o conselho de segurana das Naes Unidas intervenha e tome as

    medidas necessrias para a manuteno da paz e segurana internacionais.

    Contramedidas

    Pressupe um acto ilcito anterior do Estado agressor e permite o direito de resposta, admitida

    pelo Direito Internacional, e no pode envolver o uso da fora, salvo legtima defesa.

    Fora maior e caso fortuito

    Pressupe a existncia de uma situao em que o Estado se v sem alternativa se no

    desrespeitar obrigaes internacionais, por aco de fora irresistvel ou de um acontecimento

    exterior imprevisto que o colocam perante a impossibilidade material de actuar de outra forma.

    Esta excluso de ilicitude pressupe um carcter no voluntrio ou no intencional da conduta

    do Estado.

    Perigo extremo

    No caso de um agente ou um rgo do Estado tomar uma deciso ilcita, por estar em risco a

    sua vida ou das pessoas sua guarda (caso de um avio aterrar em solo estrangeiro sem

    autorizao). Ter de existir uma certa proporo entre o interesse protegido e o sacrificado e,

    ainda assim, quando este ltimo de deva considera de valor inferior aquele.

    Estado de necessidade

    Situao em que um Estado v um seu interesse essencial ameaado por um perigo grave e

    eminente, no lhe restando outra alternativa, em ordem a salvaguardar tal interesse, que no

    seja adoptar um comportamento ilcito. Aqui no esto em causa vidas humanas mas sim, uma

    ameaa prpria existncia do Estado, a sua sobrevivncia poltica e econmica, ao

    funcionamento dos seus servios essenciais, sua segurana interna, etc..

    Condies:

    - O interesse ameaado deve ser essencial

    - A medida deve ser o nico meio utilizvel de conjurar o perigo

    - No seja posto em causa interesse essencial do Estado vtima.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 34 Aluno: Jos Carlos Neves

    - No ter contribudo para a necessidade

    - No violar a norma Ius cogns

    - No ter sido afastada essa possibilidade por tratado anterior.

    Organizaes Internacionais

    So associaes voluntrias de Estados, criadas por tratado, dotadas de uma estrutura orgnica

    permanente e possuidoras de uma personalidade jurdica internacional distinta da dos Estados

    Membros. Prossegue objectivos comuns aos Estados membros e possui rgos prprios para a

    satisfao das funes especficas da organizao.

    Organizaes Intergovernamentais (de cooperao)

    As organizaes intergovernamentais ou de cooperao visam promover a cooperao entre

    os Estados membros e geram relaes horizontais de mera cooperao. As resolues destas

    organizaes dirigem-se aos Estados e jamais directamente aos indivduos, pressupondo uma

    aceitao das soberanias estaduais (ausncia de aplicabilidade directa), no possuindo

    poderes para impor decises aos seus membros, lanando assim, meras recomendaes. Ex.

    ONU, NATO, OCDE, Etc.

    Organizaes supranacionais (de integrao)

    As organizaes supranacionais ou de integrao envolvem, para os Estados membros, uma

    limitao da sua soberania, abdicando os Estados de determinados poderes soberanos em favor

    da instituio supranacional, implicando uma transferncia desses poderes para a organizao.

    Entre as organizaes supranacionais e os Estados membros prevalecem as relaes verticais de

    integrao, estabelecendo-se vnculos de subordinao.

    A estrutura interna destas organizaes reflecte a repartio clssica dos poderes, existindo o

    poder legislativo, executivo e judicial.

    As suas resolues so de aplicabilidade directa e simultnea para os Estados membros

    vinculados, sendo tambm directamente aplicveis aos indivduos ou grupos de indivduos.

    A Unio Europeia, a Marcosul, o Benelux, entre outras, so exemplos de organizaes

    supranacionais.

    Organizao das Naes Unidas

    A Organizao das Naes Unidas surge da necessidade de paz duradoura e segurana

    internacionais, no final da 2 grande guerra mundial, quando estava praticamente assegurada a

    vitria dos aliados.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 35 Aluno: Jos Carlos Neves

    Em 1944, foram lanadas as suas bases com a criao de organizaes universais de

    cooperao econmica (FMI e BIRD), sendo que, aps a vitria em 1945, as grandes potncias

    emergentes (Inglaterra, Estados Unidos e Unio Sovitica) negociaram a repartio do poder e

    das esferas de influncia na comunidade internacional do ps-guerra e acordaram a estrutura

    da futura organizao das Naes Unidas e a prerrogativa do direito de veto (da qual seriam os

    principais beneficirios) no Conselho de Segurana.

    Na Conferncia de S. Francisco foi submetido o projecto definitivo da Carta das Naes Unidas,

    que viria a ser assinado a 26 de Junho de 1945. criao da ONU presidiu o objectivo essencial

    de assegurar a manuteno de paz e da segurana internacional. (cfr. Preambulo e art. 1, da

    CNU)

    Objectivos da ONU

    - Manuteno da paz e da segurana internacionais (Art. 1, n. 1 da CNU)

    - Desenvolvimento de relaes cordiais e amistosas entre Estados (Art. 1, n. 2 da CNU)

    - Cooperao internacional em ordem resoluo de problemas econmicos, sociais, culturais

    e humanitrios no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana (Art. 1,

    n. 3 da CNU).

    - Funcionar como centro de encontro dos Estados da comunidade internacional,

    proporcionando a harmonizao das suas actividades, em ordem consecuo dos objectivos

    previamente enunciados (Art. 1, n. 4 da CNU).

    Princpios da ONU

    Tratam-se de autnticos princpios fundamentais de Direito Internacional, contribuindo para que

    se apelide a Carta das Naes Unidas de Constituio da Comunidade Internacional.

    - Princpio da Igualdade soberana dos Estados (no verificada no Conselho de Segurana da

    ONU, onde alguns Estados tm mais poderes (veto) (Art. 2, n. 1 da CNU)

    - Princpio da Boa F (Art. 2, n. 2 da CNU)

    - Princpio da soluo pacfica dos conflitos (Art. 2, n. 3 e 33 da CNU)

    - Princpio da proibio do recurso fora (Art. 2, n. 4 da CNU)

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 36 Aluno: Jos Carlos Neves

    rgos da ONU e suas competncias

    rgos principais:

    Assembleia Geral (Captulo IV da Carta das Naes Unidas)

    o rgo plenrio da organizao, composta por todos os membros das Naes Unidas. (Art. 9

    da CNU)

    Competncias genricas: Discutir quaisquer questes ou assuntos que estiverem dentro das

    finalidades da Carta das Naes Unidas. (art. 10 da CNU), ou se relacionem com as atribuies

    e funes de qualquer dos rgos nela previstos, com primazia ao conselho de segurana no

    equilbrio institucional da ONU. (art.11, n2; 12,n1; da CNU)

    Competncias especficas:

    - Exames de relatrios fornecidos pelos demais rgos

    - Competncias relativas ao regime internacional de tutela

    - Competncias oramentais e financeiras

    - Eleio dos Membros no permanentes do Conselho de Segurana

    - Eleio dos membros do Conselho econmico e social

    Note-se que as deliberaes da AG, salvo as que tenham a ver com a manuteno da paz e da

    segurana internacionais, so dotadas de fora obrigatria. (cfr. art. 15 a 18, da CNU)

    Conselho de Segurana (Captulo V da Carta das Naes Unidas)

    O Conselho de Segurana um rgo composto por 15 membros; 5 permanentes (China,

    Frana, Rssia, Reino Unido e Estados Unidos da Amrica) e 10 no permanentes (eleitos pela

    A.G. por um perodo de 2 anos). (art. 23, n. 1 e 2 da CNU).

    A principal competncia do Conselho de Segurana no domnio da preservao da paz e da

    segurana internacionais (Art. 24, n. 1 da CNU), podendo dirigir recomendaes aos estados

    em litgio, com vista sua resoluo por meios pacficos, e nos casos de ameaa paz instar as

    partes a aceitarem certas medidas provisrias, a adoptarem recomendaes ou decises,

    podendo desencadear sanes, que em ltimo grau podero ser militares, contra o estado

    infractor (art. 33 e ss, da CNU).

    Nos termos do (art. 27), o Conselho de Segurana delibera por maioria qualificada de 9 votos,

    sendo que o procedimento deliberativo varia consoante o CS deva apreciar uma questo

    processual ou uma questo material.

    Em questes processuais, para que uma resoluo seja adoptada so necessrios quaisquer 9

    votos.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 37 Aluno: Jos Carlos Neves

    Em questes materiais ou de fundo, continuam a ser exigidos 9 votos, mas 5 deles tm que ser

    dos membros permanentes. O que equivale dizer que, nas questes materiais, a estes membros

    est reservado um direito de veto.

    Duplo veto

    Quando h dvidas quanto natureza de uma questo a ser discutida (processual ou material),

    cabe ao prprio Conselho de Segurana resolver a situao. Ora, o acto de qualificar uma

    questo , em si mesma, uma questo material, pelo que, logo a, qualquer dos membros

    permanentes poder fazer uso do seu veto (art. 27, n.3).

    Estamos perante um sistema de duplo veto: um qualquer membro permanente ope-se que

    determinada questo seja qualificada como processual (1 veto) e quando o Conselho de

    Segurana inicia a discusso dessa questo material, tem a possibilidade da impedir que a

    resoluo seja adoptada (2 veto). Assim se percebe, no h veto sem duplo veto.

    Conselho Econmico e Social (Captulo X da Carta das Naes Unidas)

    O Conselho Econmico e Social composto por 54 membros, eleitos, em sistema rotativo, pela

    Assembleia Geral por um perodo de 3 anos (Art. 61 da CNU).

    As suas principais competncias dizem respeito s questes relativas cooperao econmica,

    social, cultural, sanitria e no mbito dos direitos humanos, entre os Estados, sobre as quais

    dever fazer recomendaes AG, aos Estados membros e s instituies especializadas

    interessadas, bem como preparar projectos de convenes ou convocar conferncias

    internacionais (Art. 62 da CNU).

    Conselho de Tutela (Captulo XIII da Carta das Naes Unidas)

    O Conselho de Tutela foi criado controlar o exerccio da tutela internacional sobre territrios no

    autnomos. (art. 86 e ss. da CNU)

    Tribunal Internacional de Justia (Captulo XIV da Carta das Naes Unidas)

    O Tribunal Internacional de Justia o principal rgo judicirio das Naes Unidas, formado por

    15 juzes, eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurana de entre as pessoas que

    satisfao os requisitos enunciados no (n. 2 do ETIJ), poder ainda incluir um ou dois juzes ad

    hoc, designveis nos termos do (art. 31, n.2 e 3, do ETIJ).

    Competncias do TIJ

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 38 Aluno: Jos Carlos Neves

    O TIJ exerce uma competncia contenciosa, no mbito da qual profere acrdos ou sentenas

    (Art. 36 do ETIJ) e uma competncia consultiva, proferindo pareceres consultivos (Art. 65 do

    ETIJ)

    Competncia contenciosa,

    -Esta , em principio, facultativa (art.36, n 1 do ETIJ), pelo que dizemos que ao funcionamento

    da justia internacional preside um princpio de consensualidade. O TIJ est, em princpio,

    somente aberto aos Estados partes, embora se permita, sob certas condies, que Estados no

    parte tenham igual acesso (a delimitao da competncia do TIJ consta dos art.34 e ss. Do

    ETIJ). Este consentimento dos Estados a se submeterem ao TIJ, pode assumir duas formas:

    - Um acordo especial, que consiste num compromisso em que as partes envolvidas num

    conflito de carcter internacional, aceitam recorrer ao TIJ, para que este, no exerccio da sua

    competncia contenciosa, o possa apreciar e julgar.

    - Frum pro-rogatum, com o qual so tidas em vista as situaes em que certas atitudes

    do estado demandado so encaradas pelo tribunal como significando uma aceitao tcita

    da sua competncia, em virtude de, espontaneamente, se apresentar a discutir a questo, no

    formulando qualquer objeco quanto subsequente deciso de fundo que o tribunal ir

    proferir. No podendo o Estado que tacitamente princpio de boa f.

    -Mas sendo a competncia do tribunal, em principio facultativa, compreende situaes, em que

    exerce uma Jurisdio quase obrigatria ou compulsria, so aquelas em que a funo

    contenciosa esta activada por ter sido fornecido por antecipao o consentimento de sujeio

    ao TIJ. Essa obrigatoriedade (excepcional) da jurisdio do TIJ, pode resultar de um

    consentimento convencional, ou pelo encontro de dois consentimentos unilaterais:

    -Consentimento convencional, resultado da concluso de convenes internacionais

    (bilaterais ou multilaterais), em que os Estados parte reconhecem como obrigatria a jurisdio

    do TIJ, acordando submeter-lhe futuros (eventuais litgios),

    -Clausula facultativa de sujeio de jurisdio obrigatria ou compulsria, inserida na

    resoluo de um qualquer tratado, pelos signatrios, como clusula compromissria (de

    sujeio), estipulando que ser o TIJ a resolver possveis conflitos emergentes da interpretao ou

    aplicao desse tratado que entre eles se suscitem. A subscrio desta clusula importa uma

    atribuio de poderes jurisdicionais ao TIJ, so funciona quando os Estados parte a subscrevem a

    titulo individual, da ser facultativa, mas uma vez subscrita a jurisdio do tribunal passa a ser

    obrigatria. (art.36, n.2, ETIJ)

    Competncia consultiva,

    -A Assembleia Geral e o Conselho de Segurana podero solicitar parecer consultivo ao TIJ

    sobre qualquer questo jurdica, (cfr. art. 96, n2,da CNU) e mediante autorizao da AG, outros

    rgos da ONU e organismos especializados podem tambm dispor de idntica possibilidade

    para questes jurdicas da sua esfera de actividades (cfr. art. 96, n2,da CNU e 65 do ETIJ)

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 39 Aluno: Jos Carlos Neves

    Mtodos Jurisdicionais do TIJ

    Interposio da aco e fases do processo contencioso

    (art.40 do ETIJ) as aces so interpostas no TIJ,

    Mediante petio escrita dirigida ao escrivo, para os Estados Partes do ETIJ, ou,

    Mediante notificao de acordo especial, para os estados no parte.

    O processo compreende duas fases:

    (art.43 do ETIJ)- processo escrito, onde constar a comunicao ao tribunal e as demais partes.

    Na fase de instruo o tribunal pode realizar inquritos, vistorias, ou outros estudos que sejam

    necessrios para o esclarecimento dos factos e para a produo da prova.

    (art. 43, n5, do ETIJ) - processo oral, durante o qual o tribunal ouve as testemunhas, peritos,

    advogados assistentes (cfr. art. 42, n 1 e 2).

    (art. 46 do ETIJ) - as audincias so pblicas (principio da publicidade das audincias), a menos

    que o tribunal decida o contrario ou que as partes requeram um julgamento a porta fechada.

    (art. 54 do ETIJ) - concluda a apresentao da causa e encerrados os debates segue-se o

    momento em que o tribunal se retira para deliberar.

    (art. 55 do ETIJ) - as decises so tomadas pela maioria dos juzes presentes, tendo o presidente

    voto de desempate.

    (art. 56 do ETIJ) - dever de fundamentao da sentena, conferindo-se aos juzes vencidos o

    direito de exporem os motivos da sua discordncia, atravs da opinio individual e da opinio

    dissidente (art. 57 do ETIJ)

    (art. 59 do ETIJ) - a eficcia da deciso do TIJ circunscreve-se as partes litigantes e ao caso

    concreto sub Jdice.

    (art. 59 do ETIJ)- a sentena definitiva e inapelvel.

    (art. 60 do ETIJ)-in fine- excepcionalmente, admite-se um pedido de interpretao do

    acrdo ao tribunal, sempre que os respectivos sentido e alcance suscitem controvrsia.

    (art. 61 do ETIJ)- possibilidade de reviso de uma sentena aquando da descoberta de um

    facto novo, de natureza decisiva.

  • Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    Administrao Pblico Privada

    Prof. Dr. Francisco Ferreira de Almeida Pgina 40 Aluno: Jos Carlos Neves

    Incidentes Processuais

    O curso normal do processo contencioso pode ser incidentalmente interrompido e alterado em

    virtude de suscitao, ex officio, por iniciativa das partes, ou ate de terceiros, de determinadas

    questes, que tenham a ver com a competncia do tribunal, com a preservao dos direitos

    das partes na aco ou com a salvaguarda de interesses de estados no intervenientes