scheibe, leda formação de professores

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981 Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 981-1000, jul.-set. 2010 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> VALORIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: QUESTÕES DESAFIADORAS PARA UM NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO LEDA SCHEIBE * RESUMO: Após um breve balanço da situação que diz respeito à va- lorização e formação dos professores destinados à educação básica no Brasil, o presente artigo propõe-se a colaborar com esta discussão, abordando algumas das questões desafiadoras que se colocam para a melhoria deste campo de trabalho, bem como os principais embates que suscitam tais proposições. São considerados, particularmente, os encaminhamentos mais gerais já propostos pelas conferências nacio- nais – CONEB (2008) e CONAE (2010) – e, ainda, pelo documento do CNE para o novo Plano Nacional de Educação (PNE), relativo ao período de 2011 a 2020. Conclui-se que cabe ao novo PNE estabe- lecer prioridades para que continue o trabalho que hoje amplia a va- lorização e a formação desejada, corrigindo percursos, introduzindo novas ações e formulações legislativas e abrindo, cada vez mais, as possibilidades de participação do coletivo educacional para a formu- lação dos encaminhamentos necessários. Palavras-chave: Formação de professores. Educação básica. Plano Na- cional de Educação. Valorização docente. BASIC EDUCATION TEACHERSTRAINING AND VALUATION: CHALLENGING QUESTIONS FOR THE NEW NATIONAL PLAN FOR EDUCATION ABSTRACT: After briefly assessing the valuation and training of ba- sic education teachers in Brazil, this paper seeks to contribute to this discussion by addressing some of the challenging questions posed to * Doutora em Educação, professora-titular emérita da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). E-mail: [email protected]

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VALORIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: QUESTÕES DESAFIADORASPARA UM NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

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  • 981Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 981-1000, jul.-set. 2010Disponvel em

    Leda Scheibe

    VALORIZAO E FORMAO DOS PROFESSORESPARA A EDUCAO BSICA: QUESTES DESAFIADORAS

    PARA UM NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAO

    LEDA SCHEIBE*

    RESUMO: Aps um breve balano da situao que diz respeito va-lorizao e formao dos professores destinados educao bsica noBrasil, o presente artigo prope-se a colaborar com esta discusso,abordando algumas das questes desafiadoras que se colocam para amelhoria deste campo de trabalho, bem como os principais embatesque suscitam tais proposies. So considerados, particularmente, osencaminhamentos mais gerais j propostos pelas conferncias nacio-nais CONEB (2008) e CONAE (2010) e, ainda, pelo documentodo CNE para o novo Plano Nacional de Educao (PNE), relativo aoperodo de 2011 a 2020. Conclui-se que cabe ao novo PNE estabe-lecer prioridades para que continue o trabalho que hoje amplia a va-lorizao e a formao desejada, corrigindo percursos, introduzindonovas aes e formulaes legislativas e abrindo, cada vez mais, aspossibilidades de participao do coletivo educacional para a formu-lao dos encaminhamentos necessrios.

    Palavras-chave: Formao de professores. Educao bsica. Plano Na-cional de Educao. Valorizao docente.

    BASIC EDUCATION TEACHERS TRAINING AND VALUATION:CHALLENGING QUESTIONS FOR THE NEW NATIONAL PLAN FOR EDUCATION

    ABSTRACT: After briefly assessing the valuation and training of ba-sic education teachers in Brazil, this paper seeks to contribute to thisdiscussion by addressing some of the challenging questions posed to

    * Doutora em Educao, professora-titular emrita da Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC) e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Oeste de SantaCatarina (UNOESC). E-mail: [email protected]

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    improve this field, as well as the major struggles that resulted fromsuch proposals. The orientations proposed by the national confer-ences CONEB, 2008, and CONAE, 2010 and the CNEs docu-ment for the new 2011-2020 National Plan for Education are es-pecially considered. We conclude that the new PNE will have to setpriorities so that the work of broadening the desired valuation andtraining can continue. Among such priorities are: correcting paths,introducing new actions and legislative formulations, and openingmore opportunities for the collective participation of educators inthe orientation of this process.

    Key words: Teachers training. Basic education. National Plan forEducation. Teachers valuation.

    Introduo

    m 2010 termina a vigncia do atual Plano Nacional de Edu-cao (PNE, Lei n. 10.172, de 9 de Janeiro de 2001). O novoPlano, que deve reestruturar a participao da Unio no plane-

    jamento da educao nos prximos dez anos, est sendo construdo.Para tal construo, no entanto, o ponto de partida so os problemasj identificados e mesmo os avanos j conquistados; sobretudo, par-te-se da certeza de que mesmo os avanos trazem novos desafios. Umaleitura daquilo que hoje nos possibilita dizer com maior clareza oque se pretende para o futuro. O momento da construo do PNE ,pois, o momento da sociedade dizer o que deve ser.

    O presente artigo pretende colaborar com esta discusso, abor-dando algumas das questes desafiadoras que se colocam para amelhoria deste campo de trabalho, bem como os principais embatesque suscitam. Aps situar um panorama geral do campo, so consi-deradas para anlise as indicaes para elaborao do novo PNE, rela-tivo ao perodo de 2011 a 2020. As indicaes referem-se, particu-larmente, quelas que partiram dos eventos nacionais ConfernciaNacional da Educao Bsica (CONEB), realizada em 2008 (CONEB,2008), e Conferncia Nacional da Educao (CONAE), realizada em2010 (CONAE, 2010), bem como de um documento do Conselho Na-cional de Educao (CNE): Portaria CNE/CP n. 10, de 6 de agosto de2009.

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    O cenrio de uma profisso que precisa ser valorizada

    Com base no Censo Escolar de 2007, em estudo recentementepublicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnsio Teixeira (INEP) (Brasil/MEC/INEP, 2009), o Brasil contava ento com1.882.961 de professores vinculados educao bsica, dos quais1.288.688 com nvel superior completo (68,4% do total). Destes, pelomenos 10% no possuem curso de licenciatura e um nmero expressi-vo de professores, mesmo com licenciatura, no tem a formao compa-tvel com a disciplina que lecionam. nos anos finais do ensino funda-mental, etapa de ensino na qual as matrias comeam a ser dadas porprofessores de reas especficas e no ensino mdio que esta proporo maior. Os nmeros revelam tambm que a maior distoro est na reade Cincias Exatas, na qual os profissionais formados nos cursos de li-cenciatura do pas so insuficientes para suprir a demanda.

    Ainda com dados do Censo Escolar de 2007, o INEP apresentouum perfil dos professores e professoras brasileiros da educao bsica(Brasil/INEP, 2009), no qual outras informaes sobre as caractersticasdestes profissionais podem ser visualizadas, tais como:

    cerca de 82%, ou seja, mais de um milho e meio de docen-tes em regncia de classe eram mulheres, perfil que varia medida que se tomam como referncia os diversos nveis daeducao bsica, da educao infantil ao ensino mdio e edu-cao profissionalizante;

    a mdia de idade de 38 anos; predomina o docente que atua em uma s escola, cerca de

    80%, e em um s turno, cerca de 63%;

    83% trabalham em escola urbana; cerca de 84% da populao docente trabalha na rede pblica

    de ensino, em escolas federais, estaduais ou municipais, emuma ou mais destas redes;

    quanto ao nvel da escolaridade, cerca de 68% do total dosdocentes recenseados em 2007 possuam diploma de nvelsuperior completo;

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    quanto s reas de formao com maior nmero de professo-res em relao ao total de docentes, foi possvel registrar 30%formados em Pedagogia; 12% em Letras/Literatura/LnguaPortuguesa; 7,5% em Matemtica e 6,4% em Histria.

    A inexistncia de um Sistema Nacional de Educao no Brasilpode ser uma das razes pelas quais a profisso docente se apresenta,hoje, extremamente diferenciada e fragmentada. Estados e municpios,considerados entes autnomos, conforme a Constituio Federal de1988, correspondem cada um a um sistema de ensino. H professoresfederais, estaduais e municipais; professores concursados e no concur-sados; professores urbanos e rurais; professores das redes pblica e par-ticular e das redes patronais profissionais (Sistema S); e professores titu-lados e sem titulao. Essa situao origina planos de carreira distintos(ou ausncia de planos), salrios diferenciados e duplicao de jornadaem carreiras diferentes: estadual/municipal; pblica/privada; educaobsica/educao superior (Oliveira, 2010).

    As pesquisas sobre a profisso de professor revelam exaustiva-mente uma srie de problemas e desafios para a elevao do estatutosocioeconmico da categoria, destacando-se, dentre outros aspectos: osbaixos salrios predominantes; e a deteriorao das condies de traba-lho, esta decorrente das longas jornadas, de salas superlotadas, do cres-cimento da indisciplina e da violncia na escola, da dificuldade em re-alizar atualizaes de contedo e metodolgicas, das cobranas demaior desempenho profissional (Oliveira & Feldfeber, 2006). J no queconcerne formao de professores, a fragmentao institucional1 cla-ra. Segundo o Censo da Educao Superior de 2007 (Brasil/INEP,2009b), o setor privado que responde por cerca de 74% das matr-culas em cursos de graduao presenciais no Brasil, a maior parte eminstituies no universitrias,2 sobretudo em cursos noturnos. Tais ins-tituies apresentam, em geral, situao mais precria para a oferta doscursos. Devido ao menor custo de oferta, as licenciaturas so, histori-camente, privilegiadas por essas instituies. A maior parte dos profes-sores no Brasil, portanto, formada em instituies no universitriase em cursos ofertados no perodo noturno.

    H tambm uma forte tradio disciplinar no pas que impedesolues que envolvam um carter mais interdisciplinar na formao,vinculado ao campo da prtica curricular da escolarizao bsica. E,

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    ainda, o processo de oferta dos cursos permite inferir que as condiesde formao dos professores, de modo geral, ainda esto distantes de se-rem satisfatrias, pela ausncia de um desenho mais claro do perfil pro-fissional a ser atingido, vinculado de forma mais orgnica ao campo daprtica docente (Gatti & Barretto, 2009).

    Observa-se, hoje, grande presso para que os professores apre-sentem melhor desempenho, principalmente no sentido de os estudan-tes obterem melhores resultados nos exames nacionais e internacionais.As crticas ressaltam, sobretudo, os professores como mal formados epouco imbudos de sua responsabilidade pelo desempenho dos estu-dantes. A partir da, os diversos nveis governamentais vm criando me-canismos que visam ampliar o controle do exerccio profissional, medi-ante exames de certificao de competncia, associados implantaode incentivos financeiros.3 Tais medidas, no entanto, se no totalmen-te dispensveis, precisam ser relativizadas frente aos salrios nada com-pensadores, carreiras que no oferecem clareza de percurso, imaginriocoletivo desmotivado em relao profisso, alto ndice de abandono dadocncia e a progressiva queda na procura pelos cursos de licenciatura.Revela-se um cenrio que exige assumir prioridades para tornar a ocupa-o no apenas mais atrativa e valorizada, mas tambm mais competentepara o desenvolvimento de uma educao com qualidade para todos.

    Os marcos legais: o embate entre a centralizao e a descentralizaono que diz respeito s polticas de valorizao e formao docente

    Embora a legislao nacional (Constituio Federal de 1988 e Leide Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996) aponte para a ne-cessidade de garantir planos de carreira, piso salarial nacional para os pro-fissionais da educao, estabelecimento de estatutos e planos de carreirado magistrio pblico e obrigatoriedade de formao superior para to-dos os docentes, a Constituio reafirmou, paralelamente, a condio dopas como uma Repblica Federativa e o reconhecimento dos municpi-os, inclusive, como entes federativos. Tal fato colocou em destaque o prin-cpio da descentralizao e, com isso, o campo educacional e todas asaes que dizem respeito aos docentes da escolarizao bsica passam adepender, cada vez mais, da organizao dos diversos entes federativosem regime de colaborao.

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    Todavia, esse regime no se encontra suficientemente estabelecidoe regulamentado no pas. Serve, ao mesmo tempo, para permitir demasi-ada descentralizao em determinadas responsabilizaes, e centralizaestalvez excessivas em outras. A reestruturao da participao da Unio narea da educao e da valorizao e formao dos profissionais docentestem sido de carter sobretudo centralizado, o que foi sendo explicitado apartir da aprovao da prpria LDB/96 e de outras legislaes, tais como acriao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Funda-mental e Valorizao do Magistrio (FUNDEF), pela Lei n. 9.424/1996,posteriormente transformado em Fundo de Manuteno e Desenvolvi-mento do Ensino Bsico e Valorizao do Magistrio (FUNDEB), pela Lein. 11.494/2007. Este fundo estabelece a perspectiva de per capita mni-mos para cada etapa da educao bsica e oferece a todas as etapas, dacreche ao ensino mdio, o beneficiamento de recursos federais, compro-misso da Unio com este nvel de escolarizao que se estender at 2020.

    As leis apontadas do papel e fora ao Executivo federal, que dita,em grande parte, as normas para a redefinio de responsabilidades noque diz respeito oferta do ensino, controle de qualidade, de avaliao ede definio de padres curriculares. Assim, o Ministrio da Educao instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao Inicial deProfessores para a Educao Bsica em Nvel Superior (Resoluo CNE/CPn. 1, 2002), com a finalidade de estabelecer critrios para a seleo doscontedos que devem constituir esta formao, que tem sido tratada,cada vez mais, como elemento nuclear das reformas educacionais.

    Mais recentemente, o MEC instituiu, por meio do Decreto n.6.755, de janeiro de 2009, a Poltica Nacional de Formao de Profissi-onais do Magistrio da Educao Bsica. Este documento, alm de man-ter a responsabilidade da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal deNvel Superior (CAPES) pelo fomento a programas de formao inicial econtinuada no pas, estabeleceu a criao dos Fruns Estaduais de Apoio Formao dos Profissionais da Educao. Na esteira desta poltica foiconstitudo, igualmente, o Plano Nacional de Formao de Professoresda Educao Bsica (PARFOR) (Brasil/MEC, 2009), com o objetivo de esta-belecer aes e metas para a qualificao dos 600 mil professores brasi-leiros que ainda no possuem a formao considerada adequada ao tra-balho que exercem.

    Falta, todavia, para dar consequncia s medidas j tomadas, avan-ar na questo do regime de colaborao entre os entes federados. O PNE

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    e suas definies podem constituir um caminho para a construo da ar-ticulao e colaborao necessria consolidao de aes que estoprojetadas, inclusive pelo PARFOR, cuja finalidade atender demanda porformao inicial e continuada dos professores das redes pblicas. Os en-tes federados no esto, contudo, suficientemente articulados na execu-o das polticas pblicas destinadas ao desenvolvimento de tais objeti-vos, necessrios para a valorizao docente, por meio de uma formaomais articulada e planejada dos quadros para o magistrio.

    Outras iniciativas foram constitudas recentemente com a finalida-de de valorizar o campo profissional, ainda que em patamares incipientes,tais como a Lei do Piso Salarial (Brasil, 2008) e, mais recentemente, asDiretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remunerao dos Pro-fissionais do Magistrio da Educao Bsica (Brasil/MEC/CNE, 2009). Con-tudo, na formao docente que encontramos hoje o foco central das po-lticas nacionais ocorridas no cenrio da educao brasileira desde a dcadade 1990. O professor, tido como agente de mudana, emerge, pois, cadavez mais, como o responsvel pela realizao do iderio do sculo XXI.

    A reestruturao da participao da Unio na valorizao e for-mao dos profissionais docentes requer, todavia, a existncia um Siste-ma Nacional de Educao regulamentado e realmente articulado, reivin-dicao hoje enfatizada pelo movimento organizado dos educadores, bemcomo pelas conferncias nacionais realizadas nos dois ltimos anos. Nes-tas conferncias, encontramos tambm a reivindicao por um FrumNacional de Educao e pela sistematizao das Conferncias Nacionaiscomo prticas do Estado (CONAE, 2010).

    Algumas prioridades para o desenvolvimento da valorizao e for-mao dos professores para a educao bsica no novo PNE

    A indissociabilidade entre valorizao, formao e outras condiespara o desenvolvimento do trabalho docente

    Cabe ao novo PNE intermediar aes que integrem estes aspectos dedimenses diferenciadas do trabalho docente, porm indissociveis (cf.CONEB, 2008; CONAE, 2010). Ao lado de estratgias polticas consistentes,coerentes e contnuas de formao inicial e continuada dos professores,precisam ser melhoradas as suas condies de trabalho, de carreira e de

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    remunerao. , pois, numa perspectiva social e de competncia tcnicae poltica do trabalho docente que entendemos a prospeco das aespara o novo PNE.

    Tal perspectiva de constituio do trabalho docente relaciona-seao movimento pela democratizao da sociedade, que foi especialmen-te retomado por estudos e discursos polticos no incio da dcada de1980, momento da gradativa ampliao do novo modelo socioeco-nmico e poltico da era global. Por meio das suas diversas associaes,4

    os educadores firmaram determinadas bandeiras de luta que persistemhoje como princpios para a constituio do trabalho docente na pers-pectiva da transformao social. Deriva da o incentivo a centrar nasfaculdades e centros de educao das universidades o lcus formativoorientador da formao dos professores, bem como a insistncia naconstruo do docente como um intelectual, com autonomia para en-tender as bases polticas que sustentam o seu trabalho e para enfren-tar uma das caractersticas fundamentais da prtica educativa: suaambiguidade, seus conflitos de valores e a permanente necessidade dereinterpretar as situaes para elucidar o moralmente correto, mais doque o eficaz (Contreras, 2002, p. 264).

    Os princpios apontados so encontrados nas reivindicaes queos educadores fazem nas conferncias nacionais j referenciadas e que en-contramos, tambm, no documento apresentado em 2009 pelo Conse-lho Nacional de Educao, anexo Portaria CNE/CP n. 10/2009, deno-minado Indicaes para subsidiar a construo do Plano Nacional deEducao 2011-2020. Sua presena pode ser encontrada igualmente nacoletnea Mais dez: o legislativo e a sociedade construindo juntos o novoPlano Nacional de Educao: uma nova educao para um novo Brasil propostas para o PNE, 2011-2020, organizada pela Comisso de Educa-o e Cultura da Cmara dos Deputados, pelo CNE e pela ConfederaoNacional do Comrcio de Bens, Servios e Turismo (2010).

    A necessidade de avanar no sentido de uma formao voltada para omodelo pedaggico-didtico dos professores, como forma de combater aexcluso

    O PNE tem como uma das suas tarefas primordiais aprofundar aarticulao da formao inicial com a formao continuada, o que en-volve destacar a busca constante da relao entre os locais de formao,

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    sistemas de ensino e escolas bsicas. Destaca-se nesta articulao o pa-pel dos centros, institutos e faculdades de Educao.

    Segundo Saviani (2009), configuram-se dois grandes modelos deformao de professores: o modelo dos contedos culturais cognitivos, noqual a formao dos professores situa-se e se esgota na cultura geral e nodomnio especfico dos contedos da rea de conhecimento para a qualo docente preparado, e o modelo pedaggico didtico, que considera quea formao s se completa com o preparo pedaggico-didtico do pro-fessor. O autor destaca o carter antielitista do modelo pedaggico-did-tico por centralizar sua preocupao na socializao do conhecimento,nas possibilidades de ensinar tudo a todos: (...) o modelo pedaggico-didtico pressupe, desde Comenius, que todo e qualquer contedo,quando considerado adequadamente vista das condies do ser queaprende, suscetvel de ser ensinado a todos os membros da espcie hu-mana (Saviani, 2009, p. 149). Tal considerao pode ser lembrada parareforar a urgncia em implementar as diretrizes curriculares para a for-mao de professores da educao bsica (Resoluo do CNE/CP n. 1/2002), mesmo que estas requeiram ainda reconfiguraes na sua propostapara o atendimento daquilo que consideramos como uma formao paraa incluso.

    O atual enquadramento legal da formao de professores, a partirda LDB/1996, traz pressupostos e orientaes para a organizao e de-senvolvimento dos cursos de licenciatura que rompem com uma tradi-o iniciada no pas em 1934, quando foram criados os primeiros cur-sos superiores de formao de professores, por meio do modelodenominado de 3 + 1 (trs anos de contedos especficos da respecti-va rea do conhecimento e um das chamadas disciplinas pedaggicas).Esta concepo encontra-se ainda impregnada nos processos de forma-o de professores, com base na crena de que esta se esgota no domniode contedos especficos da disciplina que o professor ir lecionar. Osprofessores envolvidos com a formao pedaggica dos futuros docentese que devem transformar os estudantes em profissionais da educaoconvivem com a insatisfao e com a compreenso de que no basta asuperposio de contedos pedaggicos para uma formao, na qual aprtica educativa deve fundamentar o processo de formao docente.

    Os atos legais emanados do CNE, que sucederam a LDB/1996, re-presentaram um avano importante, ao estabelecer uma configuraoespecfica aos cursos de licenciatura, distinguindo-os, de certa forma,

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    dos cursos de bacharelado5 e aproximando-os mais do modelo peda-ggico-didtico. Segundo Bordas (2009), a nova configurao favorece,potencialmente, o aprofundamento da discusso sobre aspectos teri-co-prticos desta formao e precisa ser mais enfaticamente estabele-cida. A implantao das atuais diretrizes nos cursos de formao de pro-fessor, no entanto, encontra problemas tambm no que diz respeito articulao entre o processo formador conduzido pelas IES e o trabalhodas escolas de educao bsica, hoje apenas enfatizado na realizao dosEstgios Supervisionados de Docncia.

    O processo de implementao das diretrizes para a formao do-cente no pas requer continuidade e acompanhamento. Estudos reali-zados recentemente por Bordas (2009), Gatti e Barreto (2009) eScheibe (2009) sobre a implementao das novas diretrizes nos cursosde licenciatura, em diversas reas de contedos, indicam que boa partedos cursos ainda no mantm correspondncia clara com as determi-naes legais contidas nos pareceres e nas resolues sobre as diretrizespara as licenciaturas. Parece imperativo, neste sentido, buscar estrat-gias e definies polticas que reforcem institucionalmente os cursos delicenciatura, a partir de uma anlise mais aprofundada do contedo dosprojetos pedaggicos implementados a partir das Diretrizes Curriculares.Importa ter presente que a possibilidade de aperfeioamento dos cur-rculos destes cursos no se esgota nos aspectos pedaggicos stricto sensu,mas supe, sobretudo, estratgias de articulao entre os diversos ins-titutos/departamentos que participam da formao e as faculdades deEducao, de modo que, internamente, nas instituies formadoras,acontea a integrao.

    Outras reivindicaes importantes indicadas nos documentos fi-nais j referenciados cabem ser lembradas, no sentido da melhoria daformao docente, tais como: garantir maior financiamento pblicopara ampliar vagas nas instituies, especialmente as pblicas, paracursos de licenciatura e ps-graduao; criar programas de bolsas paraalunos de licenciatura, com destaque existncia de um plano emer-gencial para a rea das licenciaturas nas Cincias Exatas; ampliar e de-mocratizar a distribuio de bolsas para professores da rede pblica emnvel de mestrado e doutorado, garantindo a licena remunerada du-rante o perodo que estiverem cursando, sem prejuzo funcional e como estabelecimento de critrios contidos no plano de cargos, carreiras esalrios; proporcionar formao continuada a todos os profissionais em

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    exerccio nas diversas modalidades da educao bsica; ampliar tambma oferta de cursos de ps-graduao lato sensu e stricto sensu voltadospara a formao de gestores e administradores da educao, orientadoreseducacionais, supervisores/coordenadores pedaggicos, entre outros;implementar, em todos os programas de formao inicial de professores,a discusso sobre novas tecnologias, gnero e diversidade tnico-racial,bem como sobre sustentabilidade ambiental; sedimentar os polos daUniversidade Aberta do Brasil (UAB) em centros de formao continuadados profissionais da educao, coordenados pelas universidades, em par-ceria com as redes de ensino pblico.

    importante buscar a superao da formao continuada combase em cursos rpidos e sem conexo com o projeto poltico-pedag-gico da escola, para promover a reflexo permanente do professor. Nessesentido, a escola e seu cotidiano constituem-se, ao lado das instituiesformadoras de professores, em ambiente formativo que necessita de aese programas sistematizados em perodos especficos e com clara articula-o carreira docente. O documento da CONAE (2010) ressalta, especial-mente, a necessidade de articular aes formativas que superem soluesapenas emergenciais.

    A efetivao de plano de carreira e remunerao para o magistrio, nosentido da melhoria do trabalho docente

    Os entes federados esto longe de cumprir com o que a legislaoj requer como mnimo. o que sucede hoje com a Lei n 11.738/2008,que estabelece um piso salarial, profissional e nacional de 950 reais parauma jornada de 40 horas semanais, e que deveria ter sido implantadoprogressivamente at janeiro de 2010, com obrigatoriedade de reajus-tes anuais. Mesmo esta exigncia mnima, que toma por base o paga-mento para professores formados nos cursos de nvel mdio, questio-nada por parte de alguns governantes estaduais, que entraram com umaAo Direta de Inconstitucionalidade que fez com que o Supremo Tri-bunal Federal suspendesse temporariamente alguns dispositivos da lei.

    Mais recentemente, a Resoluo CNE/CEB n. 2/2009 fixou Dire-trizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remunerao dos Profis-sionais do Magistrio6 da Educao Bsica Pblica, cuja implementaocertamente ser um dos grandes desafios para o prximo decnio. oportuno, frente ao necessrio cumprimento das diretrizes e normas j

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    estabelecidas e que representam bandeiras histricas dos movimentosdocentes, que o PNE incorpore deciso da CONAE que diz respeito pro-posio de um cdigo de responsabilidade educacional, para que estes e ou-tros aspectos da gesto democrtica pblica possam ter continuidade,independentemente das mudanas de governo. Dentre outras priorida-des vinculadas ainda ao trabalho docente e apresentadas consideraopara um novo PNE, podemos destacar: a necessria reduo da carga ho-rria do professor, sem perda salarial, para aqueles que participam de pro-gramas de formao inicial; criar dispositivos legais que garantam a apli-cao da dedicao exclusiva dos docentes em uma nica instituio deensino; estipular um nmero mximo de alunos por turma e por pro-fessor: (1) na educao infantil: de 0-2 anos, seis a oito crianas por pro-fessor; de 3 anos, at 15 crianas por professor; de 4-5 anos, at 20 cri-anas por professor; (2) no ensino fundamental: nos anos iniciais, 25alunos por professor; nos anos finais, 30 alunos por professor; (3) noensino mdio e na educao superior, at 35 alunos por professor.

    Limites educao a distncia

    Ao novo PNE cabe cumprir com as determinaes firmadas nasconferncias a respeito da educao a distncia (EaD). Com base noprincpio da formao com qualidade, os delegados firmaram a posiode exigir que a formao inicial de professores (cursos de graduao e nor-mais de nvel mdio) seja oferecida na modalidade presencial.

    O crescimento de cursos na modalidade EaD ocorrido na ltimadcada causa preocupao no s entre os estudiosos da educao, par-ticularmente aqueles da formao de professores, mas tambm em todaa comunidade vinculada escolarizao. A tardia regulao da ofertada EaD facilitou a abertura desmesurada desses cursos, a ponto de ter-se estabelecido, em muitas situaes, uma clara e danosa concorrnciaem relao aos cursos presenciais.

    H uma compreenso de que a formao indiscriminada desen-volvida a distncia na qualificao dos profissionais para o magistriotraz privaes vinculadas vivncia universitria, comunitria e institu-cional que compem um processo formativo. Grupos organizados, vin-culados a programas de EaD, tentam minimizar os obstculos realiza-o de programas de formao em nvel de graduao, mas a maioriados participantes da CONAE votou pela sua excepcionalidade, de modo a

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    ser utilizada na formao inicial de professores apenas em situaes emque a modalidade presencial no atinge a populao que precisa ser for-mada.

    Na CONEB (2008) j fora aprovada deciso de que a formao ini-cial de professores deveria ser feita preferencialmente em cursos presen-ciais. Na CONAE (2010), no entanto, tal indicao pareceu ainda frgil maioria dos delegados, que decidiram por uma definio mais man-datria: a formao inicial dever ser presencial e, somente excepcional-mente, a distncia. Espera-se, assim, que as regulamentaes para aprxima dcada faam valer esta determinao coletiva que vai no sen-tido de no abrir mo da presena de um cotidiano coletivo de estudos erelaes escolares no processo de preparao inicial dos quadros para omagistrio no pas.

    desejvel a insero cada vez maior das novas tecnologias dainformao e do seu conhecimento nos processos formativos de docen-tes como ao integrada a um conjunto de aes formativas presenciais,para contribuir com a democratizao do acesso a novos espaos e aesde formao, proporcionando mais flexibilidade na organizao e de-senvolvimento dos estudos. Assim, requerem-se locais formativos dota-dos de equipamentos de informtica, sem descuidar, no entanto, daampliao das suas bibliotecas, laboratrios e salas de aula.

    O estabelecimento de prazo para a extino do curso Normal de nvelmdio no pas

    Formar todos os docentes em nvel superior uma meta a seralcanada. O curso Normal de nvel mdio, destinado formao dosprofessores para a educao infantil e anos iniciais do ensino funda-mental, constituiu-se numa questo polemizada na CONAE. A sua ma-nuteno como local de formao dividiu e divide a posio dos edu-cadores, particularmente, por encontrar na Confederao Nacional dosTrabalhadores da Educao (CNTE) e no peso deste coletivo posio fa-vorvel sua permanncia. A convenincia desta posio, no entanto,precisa ser questionada. Duas razes tm sido apontadas para a sua de-fesa: (1) a alegao da impossibilidade de, a curto prazo, dar conta deformar todos os docentes em nvel superior, particularmente aquelesque se destinam educao infantil e aos anos iniciais do ensino fun-damental; (2) uma tradio de estudos mais voltados prtica docente

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    (instrumental) nos cursos de nvel mdio do que a dos cursos de peda-gogia. preciso considerar, no entanto, que tais razes no podem es-tar acima da compreenso de que necessrio aprimorar o estudo dosque se formam como docentes e que uma formao bsica integral an-terior ao incio do processo de profissionalizao no dispensvel.

    A indicao vencedora entre os delegados da CONAE, que d base continuidade da existncia do curso Normal de ensino mdio, man-tm o que est definido na LDB/96, no seu artigo 62, que consideracomo (...) formao mnima para o exerccio do magistrio na educa-o infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a ofe-recida em nvel mdio, na modalidade Normal. Tambm a Lei n.12.014/2009, que altera o artigo 61 da LDB/2006, com a finalidadede discriminar as categorias de trabalhadores que se devem considerarprofissionais da educao, considera como profissionais da educaoaqueles habilitados em nvel mdio ou superior para a docncia naeducao infantil e nos ensinos fundamental e mdio. Tal posio, noentanto, adia o cumprimento de um dos elementos-chave para a valo-rizao e formao dos docentes. Nesse sentido, a posio apresentadano documento do CNE para subsidiar o PNE parece ser pertinente: esta-belecer com o PNE um prazo para extino do curso como possibilidadede qualificao do professor para a educao infantil e para os anos ini-ciais da educao fundamental. Tal reivindicao necessria para quese possa atingir um patamar mais aprimorado de formao docente. Eismais um desafio para o planejamento das aes educacionais da prxi-ma dcada.

    Avaliao da formao e da ao docente

    A avaliao da formao e da ao do quadro do magistrio fun-damental para complementar o processo que visa a qualidade social daeducao. A partir de uma autoavaliao institucional, em todos os sis-temas de ensino, com critrios definidos nacionalmente, podem seridentificadas, por exemplo, lacunas na formao inicial, passveis de se-rem sanadas pelo desenvolvimento de um programa de formao con-tinuada, assim como aspectos com potencial para a melhoria dos pro-fissionais de educao.

    Para que, efetivamente, contribua para a formao e a valoriza-o profissional, o processo avaliativo requer um carter participativo,

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    fundamentado em princpios ticos, democrticos, autnomos e cole-tivos. relevante, portanto, a implantao de um sistema de avaliaoinstitucional que tenha como perspectiva tambm subsidiar as aesde formao continuada, com vistas melhoria do desempenho funcio-nal e progresso na carreira e que no se constitua, particularmente,em instrumento de punio dos profissionais da educao. Nesse sen-tido, cabe incentivar processos avaliativos na linha de uma avaliaoprocessual e diagnstica, utilizada como instrumento para identificaodas necessidades do sistema educacional, superando desigualdades nascondies de trabalho e aprendizagem.

    desejvel a constituio de uma comisso nacional de forma-o dos profissionais da educao para acompanhar os processos de cri-ao, credenciamento e autorizao de cursos, alm de sua avaliaopermanente. Cabe, atualmente, interrogar e discutir de forma maisaprofundada as avaliaes em larga escala que esto sendo realizadas ea sua implementao na rea da formao docente, para que no seconstituam como mais uma forma de excluso e controle de estudan-tes e professores.

    Consideraes finais

    Parte dos debates e propostas aprovadas durante as ConfernciasNacionais de Educao CONEB (2008) e CONAE (2010) , bem como,ainda, das propostas apresentadas pelo Conselho Nacional de Educa-o no so formulaes novas. Muitos dos preceitos defendidos pelosparticipantes dos eventos fazem parte de formulaes construdas nosmovimentos dos educadores, ao longo das ltimas dcadas, e mesmode preceitos que a prpria legislao j determina mas que no socumpridos. Entretanto, h ainda muito por fazer em termos de aesa serem planejadas e executadas, e de legislao ordinria a ser estabe-lecida para a melhoria das condies do trabalho docente no pas.

    As demandas por formao adequada necessitam do apoio do po-der central para lev-las a bom termo. Saltam vista tanto a perti-nncia de adoo de uma estratgia de ao articulada entre as diferen-tes instncias que formam professores e as que os admitem comodocentes, como tambm a distribuio desigual da oferta pblica doscursos superiores de formao para a docncia, no interior de cada re-gio do pas.

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    As aes articuladas, j iniciadas nos ltimos anos pelo desem-penho do Plano Nacional de Formao de Professores da Educao B-sica (PARFOR), so promissoras e desejvel que haja uma estratgia decontinuidade particularmente na organizao dos planos estratgicosde formao inicial e continuada que esto sendo acordados nos FrunsEstaduais Permanentes de Apoio Formao Docente. A partir destePlano, forma-se hoje um regime de colaborao entre as secretarias deEducao dos estados e municpios e as instituies pblicas de edu-cao superior, neles sediadas, para ministrar cursos gratuitos a profes-sores que esto em exerccio nas escolas pblicas e que no possuamainda a formao adequada lei estabelecida.

    A fim de cumprir o Decreto n. 6.755, o MEC delegou CAPES aresponsabilidade pela induo, fomento e avaliao dos cursos no mbi-to do PARFOR. Todas as licenciaturas das reas de conhecimento da edu-cao bsica podero ser ministradas nas modalidades presencial e a dis-tncia: cursos de primeira licenciatura para professores sem graduao,de segunda licenciatura para licenciados que atuam fora da sua rea deformao, e de formao pedaggica para bacharis atuantes no ensino.

    Com estas medidas, o MEC prev uma oferta superior a 400 milnovas vagas, envolvendo cerca de 150 instituies de educao supe-rior (federais, estaduais, comunitrias e confessionais) nos estados queaderiram formao. Os cursos foram iniciados no segundo semestrede 2009 e tero continuidade em 2010 e 2011. A participao dosprofessores feita por meio de uma pr-inscrio, cadastrando seu cur-rculo na Plataforma Paulo Freire, sistema informatizado criado paraeste fim. Em contrapartida aos recursos adicionais do MEC para a for-mao, os sistemas estaduais e municipais devem ainda fornecer suporteaos professores cursistas em exerccio, em parceria com as instituies deeducao superior.

    V-se que h um grande movimento nas polticas pblicas comvistas a suprir a defasagem de formao e de valorizao do trabalhodocente. Mesmo assim, as dificuldades e os embates continuam sendoinmeros. Cabe ao novo PNE estabelecer prioridades para dar continui-dade s aes que superem a defasagem existente, corrigindo, para isso,determinados percursos e introduzindo novas iniciativas com base nasformulaes j destacadas pelos coletivos de educadores.

    Recebido e aprovado em agosto de 2010.

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    Notas

    1. A formao de professores/as no Brasil, no contexto atual, ocorre em cinco formatosinstitucionais: 1) nas escolas normais, que ainda oferecem o curso de magistrio/normal denvel mdio; 2) nas universidades, que oferecem os cursos de licenciatura; 3) nas IES em ge-ral, ou seja, nos centros universitrios, faculdades integradas ou faculdades, institutos, cen-tros e escolas que oferecem cursos de licenciatura em geral; 4) nos institutos superiores deeducao, criados pela LDB, para funcionar no interior das IES e para assumir toda a formaoinicial e continuada de professores/as; 5) nos centros federais de educao tecnolgica (CEFETs)ou institutos federais de educao tecnolgica (IFETs), que podem ofertar os atuais cursos delicenciatura, alm de licenciaturas especficas para a educao profissional.

    2. A organizao da educao superior no Brasil envolve duas grandes categorias: as institui-es universitrias (universidades) e as no universitrias, tais como os centros universit-rios, centros federais de educao tecnolgica, institutos federais de educao, cincia etecnologia e estabelecimentos isolados de ensino superior.

    3. Alm dos exames internacionais, foram criados no Brasil, nas ltimas dcadas, em mbi-to federal e estadual, exames e provas que visam a aferir o desempenho das escolas, dosalunos e dos professores, o que efetivamente vem aumentando a presso para que os pro-fessores apresentem maior desempenho.

    4. Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao (ANFOPE); Associao Na-cional de Poltica e Administrao Escolar (ANPAE); Associao Nacional de Ps-Graduaoe Pesquisa em Educao (ANPEd); Centro de Estudos Educao e Sociedade (CEDES); Frumde Diretores das Faculdades de Educao (FORUMDIR).

    5. Desde 2005, esta diferenciao deveria estar contemplada nos projetos de curso das licen-ciaturas, uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais foram aprovadas pelo CNE entreos anos de 2001 e 2004, com vistas a orientar os cursos de graduao que se ocupam daformao de professores para as diferentes reas de conhecimento inseridas nos currculosda educao bsica.

    6. So considerados profissionais do magistrio aqueles que desempenham as atividades dedocncia ou as de suporte pedaggico docncia, tais como direo ou administrao,planejamento, inspeo, superviso, orientao e coordenao educacionais, exercidas nombito das unidades escolares de educao bsica, em suas diversas etapas e modalidades,e com a formao mnima determinada pela legislao federal de Diretrizes e Bases da Edu-cao Nacional (Resoluo CNE/CEB n.2/2009, art. 2, 1).

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