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XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
26 A 29 DE JULHO DE 2011, CURITIBA (PR)
GRUPO DE TRABALHO
GT15 – NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO NOS ESPAÇOS
URBANOS E RURAL
TÍTULO DO TRABALHO
A Flexibilização da legislação trabalhista no Brasil: o caso da nova
modalidade de contrato individual de emprego por tempo determinado criado
pela lei 9.601/98
NOME DA AUTORA
ISABELA FADUL DE OLIVEIRA
(UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA)
2
A flexibilização da legislação trabalhista no Brasil: o caso da nova
modalidade de contrato individual de emprego por tempo determinado
criada pela lei 9.601/981
Isabela Fadul de Oliveira
No final dos anos 1990, foi introduzida uma nova modalidade de contrato
individual de emprego no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro. Previsto
como instrumento de combate ao desemprego, este novo tipo contratual
contraria a regra básica dos contratos empregatícios por prazo indeterminado,
permitindo o estabelecimento de vínculos de curta duração independentemente
das hipóteses restritivas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Este
artigo procura refletir sobre o papel da lei n. 9.601/98 na flexibilização do ajuste
do tempo de duração dos contratos laborais, seus impactos no mercado de
trabalho e o papel que a mesma tem cumprido na lógica da desregulamentação
e precarização relações de trabalho no Brasil. Em outras palavras, pretende-se
contribuir para estudo da dinâmica das novas configurações do trabalho no
país e do papel do direito do trabalho, enquanto regulação pública das relações
de trabalho, neste contexto.
1. Novas configurações do trabalho e a instância jurídica
Em meio à nova ordem econômica mundial, o sistema capitalista
assumiu uma feição diversa daquela consagrada no período do pós-guerra. Os
desajustes na economia capitalista que tiveram início nos primeiros anos da
década de 1970 - a crise do padrão monetário internacional e os “choques” do
petróleo - puseram em xeque o modelo keynesiano de desenvolvimento
econômico. A partir desse momento foram revistas as funções
regulamentadoras e intervencionistas do Estado, bem como as condições de
continuidade do amplo sistema de proteção social consolidado nos 30 anos
“dourados” do capitalismo.
1 Este artigo contém parte dos primeiros resultados da pesquisa em andamento “A eficácia da
legislação trabalhista e o caso do contrato por tempo determinando criado pela lei 9.601/98”, desenvolvida como atividade de pós-doutoramento da autora no Instituto de Economia da UNICAMP e apoiada pelo CNPq/Capes.
Professora da Faculdade de Direito da UFBA e pesquisadora do CRH/UFBA.
3
As inovações tecnológicas, a internacionalização crescente dos
mercados, a crise financeira do setor público e o aumento significativo da
importância do capital financeiro privado nas economias dos países de
economia avançada, acabaram por imprimir uma nova dimensão ao sistema
produtivo, apoiada em um novo padrão de concorrência empresarial. Esse
novo contexto contribuiu para o acirramento da competitividade entre
empresas, fazendo-as repensar suas estratégias mercadológicas, de gestão e
organização da produção e do trabalho, frente às incertezas sobre o futuro.
Ao longo da década de 1980, processos complexos de reestruturação
produtiva foram implantados em boa parte da grande empresa capitalista,
seguindo um modelo de organização da produção e do trabalho posteriormente
designado “modelo pós-fordista de produção”. Suas características principais
foram: a descentralização produtiva, com a terceirização e a subcontratação de
atividades e de parte do processo produtivo; a produção voltada para a
demanda e a horizontalização da gestão e organização do trabalho dentro da
empresa.
Essas transformações na forma de organizar a produção e o trabalho na
grande empresa aconteceram em meio a altas taxas de desemprego
relacionadas aos avanços tecnológicos e às políticas econômicas liberalizantes
da época. Elas foram e continuam sendo responsáveis por profundas
mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas, sobretudo no âmbito das
relações de trabalho e da vida do trabalhador. Pode-se destacar, dentre estas
mudanças, as modificações no processo de contratação, controle,
remuneração e definição da jornada de trabalho.
Nesse contexto, a demanda por flexibilidade na contratação e no uso do
trabalho passou a ser um imperativo, um clamor crescente do empresariado,
para uma melhor adaptação às flutuações da economia e da demanda do
mercado consumidor.
No Brasil, os processos de reestruturação produtiva nas grandes
empresas iniciaram na década de 1990, com a abertura do mercado nacional à
concorrência mundial. Expostas ao mercado global, elas precisaram, num curto
espaço de tempo, ajustar seus modelos de produção e de gestão do trabalho
às novas condições de concorrência. Além do ganho de qualidade, as
empresas buscaram, nas estratégias de terceirização e descentralização da
4
produção, a redução do custo da força de trabalho como forma de obterem,
rapidamente, competitividade no mercado.
No entanto, a redução do custo da força de trabalho e a adoção das
novas práticas de gestão e organização do trabalho encontravam limites, ou
como se tornou comum dizer à época, se depararam com os “entraves” dos
ordenamentos jurídicos estatais. No caso brasileiro, um amplo debate foi
travado em torno do custo dos encargos trabalhistas e do papel da legislação
do trabalho, especialmente da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT em
vigor desde 1943.
As reivindicações empresariais voltavam-se para a flexibilização das
várias dimensões do contrato de trabalho, mais especificamente do contrato
individual de emprego, como a remuneração, o uso da jornada de trabalho, a
subcontratação da mão-de-obra, a ampliação das possibilidades de suspensão
do contrato sem pagamento dos encargos trabalhistas, as alterações das
cláusulas contratuais pactuadas independentemente do consentimento do
empregado, dentre outras.
Esse discurso empresarial foi também incorporado pelos governos da
época e passou a justificar as ações e políticas públicas na área da geração de
trabalho e renda, especialmente no âmbito do Ministério do Trabalho e
Emprego, responsável por algumas propostas de alteração na legislação no
sentido acima apontado2.
É o caso da lei em estudo, que criou nova modalidade de contrato por
tempo determinado, contrariando o caráter de excepcionalidade desse tipo de
contratação, até então regulado apenas pela CLT, no artigo 443 e naqueles
que o seguem. Tal artigo garante a condição de continuidade ao contrato de
emprego e o caráter de excepcionalidade ao contrato de emprego por tempo
determinado, validando-o apenas quando a contratação tratar: de serviço cuja
2 Neste sentido, são preciosos os esclarecimentos de Wilson Cano sobre a “agenda” de ajuste
e reformas estruturais designada para os países latino-americanos na década de 1990. Segundo o autor, “as reformas das relações de trabalho têm como fundamento a quebra de estabilidade, flexibilização legal para contratos temporários e o que foi realizado no maior número de países – o rebaixamento dos custos laborais (redução de jornada com redução de salário, redução de encargos trabalhistas, redução do custo de dispensa)”. Sobre essas medidas tomadas neste sentido no Brasil o autor conclui que “as reformas das relações de trabalho praticadas e propostas têm como objetivo central a flexibilização do contrato de trabalho, consubstanciada na redução de seu custo e na diminuição da abrangência da legislação trabalhista, do poder sindical e do direito de greve” (CANO, 2000, p.46).
5
natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; de
atividades empresariais de caráter transitório; de contrato de experiência.
Assim, de acordo com os parâmetros da celetista, o estabelecimento do
termo final do vínculo empregatício no momento da contratação só pode
acontecer em situações especiais, autorizadas em lei, não bastando a vontade
das partes para prefixarem a duração do contrato de emprego. Tais limites
visam a segurança do empregado no âmbito do trabalho, constituindo, este
artigo, na maior expressão do princípio da continuidade da relação de
emprego, que juntamente com os princípios da “proteção ao hipossuficiente
econômico”, da “primazia da realidade”, da “irrenunciabilidade dos direitos”,
dentre outros, norteiam e orientam a elaboração, interpretação e aplicação das
normas trabalhistas na regulação pública das relações de trabalho e solução
dos conflitos delas decorrentes3.
O contrato individual de emprego se caracteriza, portanto, por ser um
ajuste estabelecido bilateralmente, sem a intervenção de terceiros, de trato
sucessivo e com sentido de continuidade. Essa continuidade no tempo é uma
vocação do contrato de emprego. A duração indeterminada é presumível em
todos os contratos e a prova contra essa presunção cabe à parte interessada,
dentro dos parâmetros de excepcionalidade previstos em lei. Fora dessas
hipóteses não seria possível a compra direta de trabalho subordinado,
realizado com pessoalidade, onerosidade e permanência, no mercado de
trabalho brasileiro.
No entanto, com o advento da lei n. 9.601, nova amplitude é dada à
modalidade dos contratos de curta duração. Segundo o texto da lei, as
Convenções e os Acordos Coletivos de trabalho poderão instituir contrato de
trabalho por prazo determinado, de que trata o artigo 443 da CLT,
independentemente das condições estabelecidas em seu parágrafo segundo,
em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento, para
admissões que representem acréscimo no número de empregados. Nesses
casos, cabe às partes, representadas por seus sindicatos, definirem as
hipóteses de cabimento desse contrato, mesmo que fuja aos casos
3 Sobre os princípios do Direito do Trabalho e sua importância na promoção dos direitos
trabalhistas ver Américo Plá Rodrigues (2000) e Luiz Pinho Pedreira da Silva (1999).
6
enumerados pelo artigo citado4, estando a nova modalidade condicionada a
admissões que representem acréscimo no número de empregados da empresa
ainda que a lei não indique mecanismos para esta aferição.
A exposição de motivos da lei n. 9.601 aponta a sua motivação principal.
Reconhecendo a necessidade de atualização do direito do trabalho frente à
realidade social e econômica do país, e da flexibilização na contratação e uso
do trabalho como medidas necessárias ao combate ao desemprego, o texto
aponta o propósito maior do projeto de lei: “criar empregos”5.
Assim, no bojo de outras normas editadas a partir de metade da década
de 1990 com o propósito de servir de instrumento de combate ao desemprego
e de adequação do direito do trabalho à nova realidade econômica do país, a
promulgação da lei em estudo confere formalmente às empresas a flexibilidade
para contratar mão-de-obra por tempo determinado sem os “entraves” e
limitações impostas pela CLT.
É pelo contexto do seu surgimento e por ela ser exemplar daquilo que se
convencionou chamar posteriormente de “fenômeno da flexibilização da
legislação trabalhista”, que a lei em estudo desperta interesse. Ela produziu os
efeitos esperados? Qual foi o real impacto da norma no mercado de trabalho
ao longo dos últimos anos? Qual a sua repercussão no âmbito jurídico? É
possível relacionar o seu advento com um processo de crise do direito do
trabalho? Estas são perguntas importantes a serem feitas diante de um
dispositivo legal que, em grande medida, contraria o paradigma do contrato
4 Vale lembrar que as modificações no marco legal que são feitas ao longo da década,
acontecem num contexto de desemprego, em que o movimento sindical, ainda pautado numa estrutura corporativista, perde força. Como chama atenção Iram Jácome Rodríguez, o novo sindicalismo que nasceu no ABC paulista no final dos anos 70 se confrontando com o Estado autoritário e os patrões, demandando melhorias nos salários e nas condições de trabalho, ao mesmo tempo em que reivindicava liberdades democráticas no âmbito da sociedade, se modificou. A estratégia sindical nos anos 90 é distinta daquela que foi desenvolvida nas duas décadas anteriores. No presente, a principal questão na agenda sindical é a defesa do emprego, a participação nos resultados, discussão das mudanças na gestão e organização do trabalho, flexibilização da jornada de trabalho etc. Ou seja, a preocupação de atenuar, ao máximo, os efeitos negativos que o processo de reestruturação industrial tem trazido para os trabalhadores, principalmente no tocante a perda de postos de trabalho (RODRÍGUEZ, 2002, p.115). 5 A exposição de motivos n. 16MTb foi encaminhada pelo então Ministro de Estado do Trabalho
ao Presidente da República em 28 de março de 1996, juntamente como projeto de lei que tratava do contrato por trabalho por prazo determinado e ainda do sistema de compensação de jornada de trabalho, mais tarde conhecido como “banco de horas”. O inteiro teor da exposição de motivos pode ser encontrado em Oliveira (2004).
7
padrão fordista de emprego e promove mais uma forma atípica de contratação
no mercado de trabalho.
2. Os contratos de curta duração e o mercado de trabalho brasileiro
Ao olharmos a história do mercado de trabalho brasileiro, percebemos
que ele é marcado por dois momentos bem distintos: um momento de virtuoso
de estruturação, entre as décadas de 1940 e 70, e um momento de
desestruturação, que marcam os anos 1980 e 90 no Brasil.
Ao primeiro período corresponde uma economia em crescimento,
acompanhada pelo processo de consolidação do parque industrial, urbanização
e crescimento das grandes cidades, geração de postos de trabalho, tendência
de formalização e assalariamento, diminuição da taxa de desemprego.
Observa-se um crescimento dos postos de trabalho mais homogêneos gerados
por empresas tipicamente capitalistas, fundamentalmente os empregados
regulares assalariados, com acesso a um conjunto de direitos como
representação sindical, proteção ao salário e limitação da jornada, por
exemplo. Pode-se dizer que neste período havia uma tendência de diminuição
da desigualdade com a organização e com a perspectiva de homogeneização
das condições de trabalho neste mercado que, ainda que marcado pela
concentração da renda, tendia a ser ampliado de forma a garantir, ao
trabalhador, um emprego digno e duradouro.
O rompimento dessa trajetória de estruturação se deu logo no início dos
anos 1980, com o crescimento do desemprego, as altas taxas de rotatividade,
o aumento do trabalho assalariado sem registro e da desigualdade de renda, a
perda do poder de compra do salário mínimo, a maior participação da mulher
no mercado e trabalho. A década seguinte é marcada pela intensificação deste
quadro, aprofundando a tendência de desestruturação do mercado de trabalho.
Observa-se o crescimento do desemprego em um contexto de crise da
representação dos trabalhadores, a tendência de redução do assalariamento
com registro, expansão de ocupações não-organizadas e acirramento da
desigualdade ocupacional marcam este período em que manter-se no emprego
torna-se um grande desafio.
8
Analisando o mercado de trabalho em geral e as transformações na sua
estrutura ocupacional ao longo das décadas de 1980 e 90, POCHMANN
mostra que no ano de 1989 o total de assalariados representava 64% da PEA e
em 1995 havia passado para 58,2%. Dentre estes, os sem-registro
apresentaram uma taxa de crescimento média anual de 3,12%. Considerando
o segmento ocupacional não-organizado, o autor mostra o agravamento da
situação no período 1989/95. As ocupações do segmento não-organizado
apresentaram taxas de crescimento médio anual de 5,2% (contra os 4,9% do
período 1980/91), em sua maior parte geradas no setor terciário da economia
(POCHMANN, 1999, p.68).
A precarização da condição de ocupação no mercado de trabalho
brasileiro pode ser observada na tabela 1 que evidencia um movimento de
crescimento do número de assalariados com carteira no período 1940/80 e
decréscimo no período 1980/96, acontecendo o inverso com o grupo dos
assalariados sem carteira. Já no período 1989/96 pode-se ainda observar o
aumento do trabalho sem remuneração e dos trabalhadores por conta própria,
que até 1989 vinham apresentando uma tendência de queda, bem como a
diminuição da participação dos trabalhadores assalariados no total das
pessoas ocupadas.
Tabela 1
Evolução da população economicamente ativa (PEA), da condição de ocupação e do
desemprego
Brasil, 1940/80/89/96
(em %)
Condição de ocupação 1940 1980 1989 1996
Empregador 2,3 3,1 4,2 3,5
Conta própria 29,8 22,1 21,2 21,7
Sem remuneração 19,6 9,2 7,6 8,8
Assalariado 42,0 62,8 64,0 58,8
Com carteira 12,1 49,2 38,3 30,4
Sem carteira 29,9 13,6 25,7 28,4
Desempregado 6,3 2,8 3,0 7,2
PEA 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE – Censos demográficos e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
(apud DIEESE, 1999, p.7).
9
Outro problema agravado na década de 1990 foi o desemprego.
Conforme os dados, o desemprego dobrou no período 1980/96. Diferentemente
da década anterior, o desemprego cresceu e se manteve alto mesmo nos
momentos de recuperação da produção.
Assim, a dinâmica do mercado de trabalho na década de 1990 foi no
sentido do desassalariamento da força de trabalho, do aumento da ocupação
não-organizada, da informalidade e do desemprego. Esse quadro, determinado
pelas transformações organizacionais na estrutura produtiva e pelos rumos da
economia nacional nesta década, apontavam para uma situação de
acirramento da desigualdade, desestruturação e precarização do mercado de
trabalho brasileiro. Foi neste contexto que a lei n. 9.601 foi criada, no intuito de
interferir nesta realidade, como instrumento de geração de emprego.
Os estudos sobre o período mais recente do mercado de trabalho
brasileiro mostram, no entanto, uma reversão dessa trajetória a partir de 2003,
ao menos no que se refere à geração de empregos formais e diminuição do
desemprego. Segundo informações do Ministério do Trabalho em Emprego, o
período 2003-2010 é mercado por um crescimento dos empregos formais
(celetistas e estatutários) que corresponde a 53,63% no período6. Diante
desses números, resta saber o peso das contratações de curta duração,
sobretudo da modalidade estudada, neste processo.
Em trabalhos publicados sobre o assunto, KREIN aponta o crescimento
da contratação por tempo determinado no país demonstrando que, no período
recente de bom desempenho do emprego formal, a contratação por prazo
determinado cresceu de forma significativa se comparada com a geração de
empregos no modelo padrão (contratação por tempo indeterminado). Como
aponta o autor, considerando os contratos de trabalho temporário, contratos de
aprendizagem, contratos de obra certa, contratos de safra e as modalidades de
contrato de emprego por prazo determinado, há um crescimento de 71,4% nas
contratações no período 1990-2005 (2007, p. 36).
6 Informações disponíveis em
<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D2E7318C8012FE039D8AA15D9/resultado_2010.pdf>
10
No entanto, se considerarmos o peso da contratação na modalidade da
lei n. 9.601, nota-se que, na média, esta é a modalidade que menos gerou
novos postos de trabalho formais.
Tabela 2
Total de contratações incluindo serviço público, total de contratações por tempo determinado
(na modalidade prevista na lei n. 9.601/98) e trabalho temporário (lei n. 6.019/74).
Brasil: 1999 - 2010
Ano Vínculos ativos em
31/12
Vínculos ativos em
31/12
Contrato por tempo
determinado
Lei 9.601/98
Vínculos ativos em
31/12
Trabalho
temporário
Lei 6.019/74
1999 24.933.265 18.529 174.467
2000 26.228.629 16.274 199.071
2001 27.189.614 116.600 157.899
2002 28.683.913 40.229 183.737
2003 29.544.927 34.355 186.713
2004 31.407.576 30.023 217.482
2005 33.238.617 44.005 209.468
2006 35.155.249 56.575 215.039
2007 37.607.430 62.672 233.007
2008 39.441.566 50.066 184.257
2009 41.207.546 55.117 226.506
Fonte: MTE/RAIS.
A partir dos dados da RAIS7, pode-se observar que o montante de
contratação na modalidade estudada é inexpressível se comparado com o
volume total de contratações. Esta consideração vale para todo o período de
vigência da lei em estudo, com exceção do ano de 2001.
7 Conforme informações do site oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, a Relação Anual
de Informações Sociais – RAIS foi instituída pelo Decreto n. 76.900/75 e consiste em um Registro Administrativo, de âmbito nacional, com periodicidade anual, obrigatória para todos os estabelecimentos, e criada para fins estatísticos e administrativos, e tem como universo abrangido de aproximadamente dois milhões de estabelecimento com vínculos empregatícios, contemplando cerca de 20 milhões de empregos celetistas e 5 milhões de estatutários e abrangendo em torno de 97% do mercado de trabalho formal brasileiro.
11
Pode-se observar ainda a baixa incidência da nova modalidade de
contratação se confrontada com outras formas de contratação de curta duração
já existentes no mercado de trabalho, como é o caso do “trabalho temporário”,
autorizado pela lei n. 6.019/74. Se considerarmos o ano de 2006, por exemplo,
foram 215.039 os contratos ativos na modalidade trabalho temporário em
31/12, contra os 56.575 na modalidade estudada. Os contratos temporários
representavam, neste momento, 6% do total de contratações, enquanto que na
modalidade estudada este percentual era de apenas 0,16%. Em todo o
período, a contratação na modalidade trabalho temporário é maior do que a
contratação na modalidade estudada.
No entanto, não podermos desconsiderar o fato da lei n. 9.601, ao
autorizar mais uma hipótese de contratação de curta duração, contribuir para
um fenômeno que parece crescer a cada: o processo de incremento de
contratos de curta duração no mercado de trabalho brasileiro. Isto em um
mercado de trabalho marcado, desde a sua origem, por altas taxas de
informalidade e por regras já bastante flexíveis de contratação e de ruptura
contratual.
Segundo os dados do Ministério do Trabalho e emprego, no que se
refere ao tempo de emprego, ou seja, à duração dos contratos formais, o
mercado de trabalho, apesar de apresentar um incremento significativo de
ocupações, continua marcado pelo alto índice de rotatividade. As extinções dos
contratos empregatícios com menos de 6 meses de duração superaram 40%
do total dos desligamentos, sendo que metade desses contratos não chegaram
a atingir três meses de duração (MTE, 2011).
Ou seja, a adoção de novas modalidades de contratação de curta
duração surge em um contexto já flexível de ajuste do volume de trabalho às
oscilações da produção. Este fato certamente ajuda a explica a baixa
efetividade da modalidade estudada. Tal dinâmica não foi revertida neste
período recente e as novas modalidades contratuais parecem corroborar com o
acirramento da questão. À facilidade de contratar e demitir soma-se nova
alternativa de contratação de curta duração, menos onerosa para o
empregador já que garante um padrão mais precário de direitos formais e não
permite a acumulação de benefícios dada a efemeridade da contratação,
institucionalizando-se, portanto, a instabilidade e a insegurança no emprego.
12
3. Flexibilização da regulação do tempo de duração do contrato de
emprego e a precarização das condições de trabalho
O processo de regulação pública das relações de trabalho no Brasil
coincide com o processo de industrialização do país. Apesar da origem do
mercado de trabalho livre no Brasil se dar formalmente com o fim da
escravidão, em 1888, estruturação do mercado de trabalho assalariado só
acontece com a emergência de uma nova dinâmica de desenvolvimento e
acumulação do capital baseada na indústria. Até então, o que prepondera é
uma concepção liberal não intervencionista de ação do Estado, inibidora da
atuação normativa heterônoma no mercado de trabalho. As relações de
trabalho tinham um caráter fortemente servil, e quando assalariadas
aconteciam por intermédio de um contrato de prestação de serviço regulado
pelo código civil, com autonomia das partes para disporem livremente sobre as
condições da compra e venda do trabalho, sobretudo daquelas que envolvia o
trabalho de imigrantes.
A organização dos trabalhadores em torno da pressão por formas mais
dignas de uso da força de trabalho ao lado da necessidade de uma maior
harmonia entre o capital e o trabalho para alavancar o processo de
industrialização proposto por Vargas resultaram no processo gradativo de
regulação das relações sociais e de trabalho, consolidada na CLT em 1943.
Conforme BIAVASCHI, a regulação do trabalho foi intensa no período
1930-1942, quando os trabalhadores foram elevados à categoria de sujeitos de
direitos sociais, o que teve grande importância para assegurar harmonia entre
capital e trabalho, algo central no projeto de industrialização do país, cujo
mercado de trabalho já era marcado pela desigualdade, heterogeneidade,
relações autoritárias e excedente de mão-de-obra (BIAVASCHI, 2007).
O contrato individual de emprego passa a ser o instrumento jurídico que
possibilita o exercício privado da liberdade e da vontade de comprar e vender
força de trabalho na sociedade. Apesar de ser um a figura típica do direito civil,
quanto tem como objetivo a forca de trabalho ele assume características
especificas. Ao reconhecer a assimetria entre os contratantes, a ordem jurídica
impõe limites ao exercício da vontade livre das partes. Assim, o contrato de
13
emprego se caracteriza por uma “certa” ordem e por estabelecer uma
institucionalidade protetiva em torno da figura do empregado.
A centralidade da relação de emprego na construção do direito do
trabalho não é uma especificidade brasileira. Muito pelo contrário. Com a
hegemonia da relação assalariada após a revolução industrial e a partir da
construção do estatuto do trabalhador, no bojo da política social democrata do
pós-guerra, a regulação das condições de compra e venda do trabalho partiu
da idéia de um contrato de trabalho padrão, aceito socialmente, capaz de
garantir acesso à cidadania, limitar o exercício poder diretivo do empregador,
garantir condições dignas de trabalho além de uma “certa” liberdade ao
trabalhador na sua condição de empregado.
É este padrão de contratação e suas “promessas” que são tensionados
pelas novas formas de organização da produção e gestão dos trabalhadores
que demandam flexibilidade no uso do trabalho. Neste sentido, o marco
regulatório existente é questionado pelas demandas empresariais de
flexibilização do sistema protetivo existente em torno das formas de
contratação, remuneração e uso do tempo de trabalho.
No que se refere ao aspecto aqui estudado, trata-se de romper com a
idéia de continuidade do vinculo empregatício, que se entendia feito para durar.
Se abrirmos um exemplar do primeiro modelo de Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPS) emitido pelo então Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio, encontraremos uma mensagem que revela esse valor e esse
ideal. Dizia o então ministro Alexandre Marcondes Filho ao portador da mesma:
Por menos que pareça e por mais trabalho que dê ao interessado, a carteira
profissional é um documento indispensável à proteção do trabalhador.
Elemento de qualificação civil e de habilitação profissional, a carteira
representa também titulo originário para a colocação, para a inscrição sindical
e, ainda, um instrumento prático do contrato individual de trabalho.
A carteira, pelos lançamentos que recebe, configura a historia de uma vida.
Quem a examinar, logo verá se o portador é um temperamento aquietado ou
versátil; se ama a profissão escolhida ou ainda não encontrou a própria
vocação; se andou de fábrica em fabrica, como uma abelha, ou permaneceu no
mesmo estabelecimento, subindo a escada profissional. Pode ser um padrão
de honra. Pode ser uma advertência.
14
É esta idéia de permanência do emprego que também está presente na
lógica da regulação públicas das relações de trabalho criada por Vagas. Como
explica SILVA, o “princípio da continuidade da relação de emprego” integra o
conjunto de princípios especiais do direito do trabalho sendo “aquele em virtude
do qual o contrato de trabalho perdura até que sobrevenham circunstâncias
previstas pelas partes ou em lei como idôneas para fazê-lo cessar” (SILVA,
1999, p.144). Tal princípio orienta as normas trabalhistas para emprestarem ao
contrato individual de emprego a maior duração possível, uma vez que no
mesmo está a fonte de subsistência do trabalhador e de sua família e, por isso,
quanto mais duradoura for a relação de emprego, maior será o equilíbrio
pessoal e familiar do empregado.
Ao regular contra os princípios que estruturam e conferem unidade a
regulação pública estatal das relações de trabalho, acaba-se pondo em
questão a lógica sistêmica do ordenamento trabalhista. E esta parece ser uma
tendência, como aponta FARIA, de enfraquecimento firme e progressivo do
direito do trabalho. Segundo o autor, seguindo a linha das pressões dos
agentes econômicos e das demandas surgidas do novo modo de organização
do trabalho, dificilmente padronizáveis, corre o risco de a legislação trabalhista
perder o seu caráter estatutário, ou seja, “quanto mais os contratos de locação
de serviços vão assumindo a forma de simples contratos de obrigações, na
melhor tradição do direito privado tradicional, mais eles vão tomando o espaço
anteriormente ocupado pelas normas protetoras e padronizadores da
legislação laboral de inspiração social democrata” (FARIA, p.36).
À época da aprovação da lei em estudo, cinco Ações Direitas de
Inconstitucionalidades tentaram chamar a atenção para o fato de a lei destoar
da vocação do direito do trabalho e contribuir para a degradação do estatuto do
emprego. Conforme SUSSEKIND, a lei n. 9.601 fere o princípio da isonomia ao
tratar trabalhadores inseridos em circunstancias semelhantes, no caso a
submissão a um contrato de duração certa, com condições distintas de
proteção laboral, por exemplo no que se refere ao recolhimento do FGTS, à
possibilidade de mais de uma prorrogação do contrato ou à indenização
diferenciada da prevista na CLT no caso de rescisão antecipada do contrato
(SUSSEKIND, 1998). Sem contar com o fato de a lei atentar contra o
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compromisso do direito laboral com a promessa de continuidade do vínculo de
emprego, ou seja, com a regra da contratação por tempo determinado. No
entanto, apesar dos questionamentos de alguns setores sindicais e do
posicionamento questionador do instituto de parte dos juristas da área, o
Superior Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da norma e de sua
coerência com o ordenamento jurídico8.
Uma vez em vigor, coube ao Poder Judiciário interpretar e aplicar seus
dispositivos na solução de conflitos que elas viessem a ensejar ao longo do
tempo. Tendo em vista a baixa adoção da modalidade, pode-se imaginar que
não são numerosos os casos de conflito que ela enseja.
Em pesquisa realizada no dia 23 de maio de 2001 no site do TST com a
palavra-chave “lei 9601”, apenas 19 dos 160 acórdãos encontrados traziam no
seu conteúdo alguma questão referente à nova modalidade de contrato por
tempo determinado. Essa situação não parecer ser diferente da realidade dos
Tribunais Regionais. Consultando-se, por exemplo, o site do TRT da 5ª Região
com a mesma metodologia de busca, do total de 19 sentenças encontradas,
apenas 8 delas referiam-se ao aspectos da contratação de curta duração
autorizada pela lei. As demais tratavam do sistema anual de compensação de
jornada (Banco de horas)9. Em termos de acórdãos, dos 38 encontrados
apenas 2 tratavam do tema.
Ainda assim, a atuação do Poder Judiciário tem sido no sentido de
procurar interpretar e aplicar a norma garantindo seu caráter de
excepcionalidade.
Considerações finais
No que ser refere ao novo tipo contratual de emprego criado pela lei n.
9601/98, um primeiro olhar sobre o papel dessa norma na sociedade brasileira
releva o baixo grau de sua efetividade ao longo da sua vigência.
Se por um lado a norma não parece atender ao seu objetivo principal,
por outro cumpre um papel relevante na flexibilização do direito do trabalho,
8 Para um estudo sobre o debate travado na época sobre a constitucionalidade da lei n. 9.601,
bem como sobre os comentários técnico-jurídicos dos diversos aspectos da norma, ver as séries da Revista LTr de 1998 e 1999. 9 A pesquisa no site do TRT 5a Região foi realizada no dia 8 de junho de 2011.
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compondo um quadro de reformas pontuais na legislação trabalhista que
aponta para uma maior autonomia das partes na negociação das condições de
trabalho, transferência dos riscos da atividade econômica para o trabalhador e
pulverização das formas atípicas de trabalho e emprego.
Ao promover o uso ordinário do contrato de emprego por tempo
determinado, a norma em estudo estimula a desigualdade intracategorias, no
caso, entre os assalariados inseridos no mercado de trabalho sob a proteção
do estatuto do emprego. Estatuto este que parecer estar perdendo, a cada dia,
sua dimensão promotora da homogeneidade do mercado de trabalho e
garantidora de direitos sociais durante conquistado pela classe trabalhadora.
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