safatle - crítica da razão e patologias sociais

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    RTIGO ATRANSFORMAODACRTICADARAZOEMANLISEDEPATOLOGIASDOSOCIAL:OCASOTHEODORADORNO

    A TRANSFORMAO DA CRTICA DARAZO EM ANLISE DE PATOLOGIAS

    DO SOCIAL: O CASO THEODORADORNO*

    Vladimir Safatle (USP)[email protected]

    Resumo: Trata-se de discutir como a noo de crtica em Adorno pode sercompreendida a partir da tendncia em transformar a crtica da razo emanlise de patologias do social. Para tanto, faz-se necessrio recuperar a cen-tralidade do seu recurso a Freud e, principalmente, a uma certa antropologiapresente na teoria freudiana da sexualidade.

    Palavras-Chave: Adorno, patologias do social, Freud, crtica totalizante,

    corpo.

    - desnecessrio anunciar para ele sua sentena.Ele j a experimenta em sua carne.

    Kafka, Na colnia penal

    DFICIT SOCIOLGICO,SUPERVIT PSICANALTICO

    Algumas das correntes mais relevantes da filosofia do sculoXX assumiram para si a tarefa de fornecer quadros de refle-xo sobre os impasses das sociedades capitalistas. Partindoda certeza de que as expectativas abertas pela modernidadefilosfica s poderiam ser realizadas atravs de uma com-preenso clara dos desafios prprios a contextos scio-polticos de ao, tais correntes no temeram em dar, a

    *Artigo recebido em 09.09.2008 e aprovado para publicao em 15.12.2009.Professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, So Paulo, Brasil e pesquisador do CNPq.

    Philsophos, Goinia, v.13, n. 2, p. 117-139, jul./dez. 2008 117

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    De fato, a natureza de tal recurso psicanlise no inte-rior da recuperao filosfica do campo da teoria social

    pode ser compreendida se lembrarmos uma intuio maiorpresente em momentos centrais dos ditos textos sociolgi-cos de Freud. Trata-se da compreenso de que a anlisedos processos de racionalizao social deve, necessaria-mente, submeter-se a consideraes mais amplas sobre a on-tognese das capacidades prtico-cognitivas dos sujeitos.Ontognese esta que , para Freud, indissocivel da reflexosobre a dinmica conflitual dos processos de socializaodas pulses e do desejo no interior de esferas de interaocomo a famlia, as instituies sociais, os aparatos miditi-cos de massa e o Estado. Ou seja, em ltima instncia, trata-se de propor a compreenso do fundamento dos processosde racionalizao social e de desenvolvimento de critriosde racionalidade operativos em nossas formas de vida a par-tir de problemas ligados socializao das pulses e do de-sejo, colocando-se assimno ponto indissocivel de interfaceentre individualidade e vida social. tendo tal submissoem vista que Freud pode fazer afirmaes arriscadas como:mesmo a sociologia, que trata do comportamento dos ho-mens em sociedade, no pode ser nada mais que psicologia

    aplicada. Em ltima instncia, s h duas cincias, a psico-logia, pura e aplicada, e a cincia da natureza (FREUD,1999, p. 194).

    Uma afirmao dessa natureza temerria por parecertributria de alguma forma de psicologismo selvagem quenos levaria a um certo imperialismo psicanaltico que sem-pre interpreta a multiplicidade dos fatos culturais luz da

    repetio modular dos complexos de dipo e das teoriassobre a sexualidade infantil. Psicologismo ainda mais teme-

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    rrio por parecer nos induzir a tratar o campo social demaneira atomizada atravs da hipstase de funes inten-

    cionais particularistas (as pulses, o desejo) como chavecompreensiva de processos sociais complexos.

    No entanto, devemos procurar melhor o que est emjogo nesta tendncia psicanaltica, presente desde Freud, deoperar no ponto exato de contato entre estruturas da subje-tividade e modos de interao social. Pois, a seu modo, apsicanlise acaba por realizar a intuio weberiana a res-peito da necessidade de explicar como a racionalidade dosvnculos sociais em geral depende fundamentalmente dadisposio dos sujeitos em adotar certos tipos de conduta,admitindo-as assim como racionais. No se trata de incorrerem alguma espcie daquilo que autores como AxelHonneth chamaram um dia de dficit sociolgico(HONNETH, 1991), ou seja, incapacidade de dar conta deanlises estruturais dos sistemas que compe a vida social,isto em prol de explicaes genricas que partem de siste-mas individuais de crenas e interesses. Trata-se, na ver-dade, de insistir que nenhuma perspectiva de compreensodos processos sociais pode abrir mo de uma anlise das dis-posies subjetivas, o que significa compreender a maneira

    com que os sujeitos investem libidinalmente os vnculos so-ciais e as exigncias de racionalidade, mobilizando, comisto, representaes imaginrias e expectativas de satisfaoque muitas vezes acabam por inverter o sentido de deter-minaes normativas partilhadas. Por outro lado, trata-se delembrar que no interior das disposies subjetivas hsempre mais do que meros sistemas particularistas de cren-

    as e desejos.

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    Essa perspectiva de anlise alimentada pela psicanlisepermitir, a autores maiores, tanto da primeira gerao da

    Escola de Frankfurt quanto do pensamento francs con-temporneo, operar uma mutao no padro da crtica. Talmutao o objeto do que gostaria de discutir aqui. Elapode ser descrita como transformao da crtica da razoem anlises de patologias do social.

    DA NECESSIDADE DE CRTICAS TOTALIZANTES

    Antes de expor claramente o que devemos compreenderpor tal transformao e qual sua importncia para a inter-pretao de alguns momentos maiores da filosofia contem-pornea, gostaria de definir em que sentido devemos trataraqui termos como razo e racional, j que estamos di-

    ante de conceitos portadores de uma polissemia extrema-mente conflituosa. Coloquemos, pois, em circulao umencaminhamento interpretativo que compreende a razono apenas como modo de se orientar no julgamento a par-tir de critrios capazes de instaurar um modo de exignciade validade que se fundamenta no interior de procedimen-tos comunicacionais no coercitivos. No tenhamos em

    vista apenas uma racionalidade procedurial. Pensemos a ra-zo moderna como movimento instaurador de formas devida. Diremos ento que uma forma racional de vida seriaaquela organizada a partir de processos potencialmente ins-titucionalizveis capazes de permitir aos sujeitos a apreensoauto-reflexiva do fundamento de prticas sociais que aspi-ram universalidade. Se quisermos fornecer um exemplo,

    podemos encontrar tal idia de razo como forma de vida jem Hegel, com sua noo de Geist11. Diremos ainda que

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    tais processos potencialmente institucionalizveis so pr-prios s dimenses do desejo, do trabalho e de linguagem:

    trs elementos que compem necessariamente uma formade vida enquanto complexo de interao social.

    Levando tal perspectiva em conta, podemos dizer que orecurso a Freud nos permite compreender que uma crticada razo indissocivel da anlise dos procedimentos desocializao que visam conformar sujeitos a formas de vidaque aspiram uma validade que no se reduz apenas aosdomnios da tradio e do hbito. Por um lado, sabemoscomo, para Freud e para grande parte da posteridade psica-naltica, os dispositivos de formao e de individuao pre-sentes nas dinmicas de socializao so legveis a partirdaquilo que compreendemos como sendo processos deidentificao mimtica e de investimento libidinal. Atporque socializar , fundamentalmente, fazer como, atuara partir de tipos ideais que servem de modelos de identifi-cao e de plo de orientao para os modos de desejar,julgar, falar e agir. Mas sabemos tambm que esta identifi-cao a tipos ideais no pode ser descrita simplesmente apartir de consideraes sobre as presses de conformaopresente em ncleos elementares de interao social (fam-

    lia, instituies sociais, mdias). Freud compreendeu que asestruturas elementares que orientam o que est em jogonesses ncleos de interao so figuras privilegiadas da ra-zo. As exigncias de racionalidade presentes nesses ncleosso, necessariamente, manifestaes privilegiadas do que es-tamos dispostos a contar como racional. No entanto, Freudnunca deixar de colocar a questo: o que necessrio

    perder para se conformar a exigncias de racionalidade pre-sentes em processos hegemnicos de socializao e de indi-

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    viduao?, ou ainda, qual o preo a pagar, que tipo desofrimento devemos suportar, qual o clculo econmico

    necessrio para viabilizar tais exigncias?2. Pois devemosnos perguntar o que deve acontecer ao sujeito para que elepossa se pautar por um regime de racionalidade que impepadres de ordenamento, modos de organizao e estrutu-ras institucionais de legitimidade. Como deve se organizarsua economia libidinal para que ele possa ser reconhecido,como sujeito agente, por estruturas institucionais que aspi-ram garantir a racionalidade de nossas dinmicas sociais?Toda discusso freudiana clssica da imbricao entre socia-lizao e represso, que encontramos em textos como O malestar na civilizao, apenas o ponto mais visvel desse pro-blema.

    Essas perguntas so fundamentais por nos levarem a

    uma viso renovada do que pode ser a crtica social filosofi-camente orientada. Sendo os ncleos de interao socialmodos de realizao de formas de ordenamento, de deter-minao de validade do que estamos dispostos a contarcomo racional, ento a verdadeira crtica da razo dever seruma anlise das formas de vida que se perpetuam atravsdos modos institucionais de reproduo social.

    No entanto, como bem nos lembra Axel Honneth emseu texto Pathologien des Sozialen: Tradition und Aktualitt derSozialphilosophie, sabemos, desde ao menos Rousseau, quetal anlise pode nos levar denncia ampla do carter dis-torcido das formas de vida na modernidade ocidental.Nesse caso, ela se transforma em crtica da natureza patol-gica de tais formas de vida com suas exigncias de auto-

    conservao e reproduo social. Notemos que, aqui, umaforma de vida poderia ser chamada de patolgica por

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    produzir um sofrimento social advindo da impossibilidadeem dar conta de exigncias de reconhecimento dos sujeitos

    em suas expectativas de auto-realizao. Ou seja, nesse caso,a estrutura conceitual e valorativa cuja internalizao cons-titui sujeitos agentes, produtores de deliberaes racionais,j seria patolgica, pois indissocivel da perpetuao deuma situao de sofrimento advinda, ao menos no caso deRousseau, da perda de um horizonte originrio que se con-funde com a natureza enquanto plano positivo de doaode sentido3. Como se houvesse algo de profundamente es-vaziado na prpria figura do vernnftig Mensch.Se deixarmos de lado a temtica rousseauista do retorno origem, bem possvel que esse esquema esteja animando anatureza totalizante de crticas da razo como as que en-contramos em vrios programas filosficos que, de umaforma ou de outra, se deixaram marcar pela reflexo psica-naltica. O termo totalizante tem aqui funo importantee foi, muitas vezes, utilizado de maneira pejorativa. Pois eleindicaria uma espcie de contradio performativa advindada extenso indevida de discursos filosficos que procura-vam identificar a interverso completa da razo modernaem prtica de dominao.

    Pensemos, por exemplo, no que dir Jrgen Habermas arespeito do projeto que animaria um livro como a Dialticado Esclarecimento. Para Habermas, Adorno e Horkheimerquerem, com este livro, dizer que:

    Na modernidade cultural, a razo despojada de sua pretenso devalidade e assimilada a mero poder. A capacidade crtica de tomarposio ante algo com um sim ou um no, de distinguir entreenunciados vlidos e invlidos iludida, na medida em que poder epretenses de validade entram em uma turva fuso (HABERMAS,2000, p. 161).

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    Nesse sentido, voltando-se contra a razo enquantofundamento de sua prpria validade, a crtica se tornaria to-

    tal. Pois os autores no podem fazer apelo, por exemplo, aalguma dimenso do originrioesquecido ou a uma filosofiada histria de cunho teleolgico como horizonte reguladorsubstancial. Eles so cientes do carter frgil dessa apostaem um momento histrico no qual o originrio vistoprincipalmente como discurso reificado e onde o desenvol-vimento histrico no pode mais apelar ao destino liberta-dor da conscincia de classe proletria. Por outro lado, elesno tm mo o conceito de uma intersubjetividade nocomprometida a fundamentar expectativas racionais de va-lidade a partir da generalizao de procedimentos presentesem ncleos bem sucedidos de interao social. Assim, o ca-rter totalizante da crtica s poderia nos levar a um im-

    passe por dissolver o prprio fundamento no qual eladeveria se assentar. Impasse de quem denuncia o esclare-cimento que se tornou totalitrio com os meios do prprioesclarecimento (HABERMAS, 2000, p. 170).

    Sabemos como o esquema habermasiano foi extensiva-mente utilizado nas ltimas dcadas. No entanto, bemprovvel que ele limite radicalmente a compreenso do que

    estava em jogo em certas tradies filosficas no sculo XXassociadas, muito rapidamente, a figuras de pensamentosque flertariam, de maneira perigosa, com um anti-modernismo. Gostaria de tomar aqui, como exemplo, ocaso de Theodor Adorno. O mesmo Adorno que, segundoHabermas, teria se deixado encantar por um desenfreadoceticismo perante a razo em vez de ponderar os motivos

    que permitem duvidar do prprio ceticismo(HABERMAS, 2000, p. 185). Trata-se de insistir que uma

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    perspectiva de leitura, como a colocada em circulao porHabermas, s pode ser defendida condio de ignorar a

    especificidade da tentativa adorniana de transformar a cr-tica da razo em anlise de patologias sociais.

    J deve estar claro aqui que, por essa transformao,devemos entender principalmente o deslocamento atravsdo qual uma perspectiva crtica que visa esclarecer as condi-es de possibilidade para a fundamentao da normativi-dade racional d lugar anlise da natureza do sofrimentoproduzido por formas de racionalidade que visam, em l-tima instncia, orientar aes sociais que aspiram validade euniversalizao. Isso nos permitiria no partir mais da de-terminao prvia da normatividade, mas da identificaoinicial de uma situao patolgica de sofrimento e limitaodas exigncias de auto-realizao resultante de nossos ideaisde racionalidade.

    A princpio, essa transformao parece pouco clara.Pois aceitamos normalmente que o sofrimento social vemexatamente da impossibilidade em reconhecer sujeitos egrupos como portadores de direitos assentados na tradiodo racionalismo ocidental, como sujeitos que podem seauto-realizar a partir de valores de autonomia, auto-

    determinao e singularidade. Eles sofrem porque se vemexcludos de uma forma de vida racional cujo sentido serialargamente partilhado de maneira no problemtica.

    No entanto, esse sofrimento pode no estar ligado impossibilidade de realizao de valores e critrios normati-vos partilhados e j presentes na vida social. Antes, a ver-dade crtica tem a fora de se voltar contra nossos prprios

    ideais normativos, j que ela se pergunta se nossa forma devida no seria mutilada a ponto de se orientar por valores

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    resultantes de distores patolgicas, ou seja, se nossaforma de vida, com sua estrutura de valores, no seria uma

    patologia (ou, como dizia Adorno, de uma beschdigtenLeben). Assim, ao assumir uma perspectiva dessa natureza,o regime de crtica no pode mais se contentar em ser gui-ado, por exemplo, por exigncia de realizao de ideaisnormativos de justia e consenso que j estariam presentesem alguma dimenso atual da vida social. Pois isso nos im-pediria de desenvolver uma crtica mais profunda que nospermitiria questionar a gnese de nossos prprios ideais dejustia e consenso, o prprio processo genealgico de im-bricao entre validade e gnese. Ou seja, a crtica no podeser apenas a comparao entre situaes concretas determi-nadas e normas socialmente partilhadas. Esta , no fundo,uma crtica de juizado de pequenas causas que se contenta

    em comparar normas e caso.Embora no queira ir to longe, Axel Honneth, quemdesenvolveu de maneira mais bem acabada a natureza dessacrtica como sintomatologia que visa identificar patologiassociais, tem uma descrio clara a respeito desse problema:

    O disfuncionamento social aqui no diz respeito apenas a um preju-zo contra os princpios de justia. Trata-se, na verdade, de criticar as

    perturbaes que partilha com as doenas psquicas a caractersticade restringir ou alterar as possibilidades de vidas supostamentenormais ou ss (HONNETH, 2006, p. 89).

    Se adotarmos o quadro psicanaltico de determinaode doenas psquicas, podemos realizar sem maiores saltosessa colocao de Honneth, j que as categorias nosogrfi-cas psicanalticas (como neurose, histeria, perverso, psi-

    cose) no so descries de disfuncionamentosquantitativos em rgos e funes psquicas isoladas. Elas

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    so, na verdade, modificaes globais de conduta advindade posies subjetivas possveis frente ao desejo e s pul-

    ses.Mas pode parecer que essa estratgia de constituir a cr-

    tica da razo atravs da crtica de patologias sociais traga, nofundo, mais problemas do que solues. Pois se ela tilpara retirar o estigma de crticas totalizantes que no secontentam em ser a mera indicao de insuficincias naaplicao de critrios normativos intersubjetivamente parti-lhados, ela parece, por outro lado, nos colocar cata de umideal de normalidade que serviria de fundamento para acrtica social da razo mutilada. Mas de onde vir esse crit-rio?

    Se nos restringirmos ao caso de Adorno, veremos como a Freud que ele recorre. Pois devemos aceitar o carter re-gulador do recurso adorniano quilo que poderamos cha-mar de antropologia psicanaltica, ou seja, a maneira com queas reflexes freudianas, em particular, e psicanalticas, emgeral, servem para fundamentar a reconstruo do quenormalmente entendemos por natureza interna. Tal re-construo, por sua vez, permite a crtica apoiar-se em umaantropologia no-normativa na sua avaliao global de valo-

    res, critrios e normas que tm realidade atual e expectati-vas universalizantes de validade. Nesse sentido, noestaremos incorrendo em erro se dissermos que a estratgiade Adorno parece, em vrios momentos, consistir em fun-dar a crtica da sociedade em uma antropologia psicanal-tica que, permite, inclusive o redimensionamento profundoda filosofia da histria de cunho marxista que serve de refe-

    rncia Escola de Frankfurt. Os dois primeiros captulos deDialtica do Esclarecimento, com sua guinada da crtica da

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    economia poltica crtica da razo instrumental,parecem-me bastante evidentes nesse sentido.

    PARTIR DO SOFRIMENTO SOCIAL

    Aceitemos, pois, a afirmao de Honneth: Adorno apia-se na psicanlise freudiana para mostrar que, no sofrimentopsquico e na reao dos impulsos, escondeu-se tambm o

    interesse em uma atividade racional ilimitada, cuja realiza-o em uma forma de vida humana foi relegada(HONNETH, 2007, p. 72). Possivelmente, tal fato nosexplica, por exemplo, a maneira peculiar de Adorno utilizarcategorias clnicas que aparecem insistentemente tanto emseus escritos de teoria social quanto naqueles dedicados fi-losofia da msica, poltica e filosofia moral; categorias

    como narcisismo, parania e fetichismo. Pois, nocaso de Adorno, no se trata de, com tais categorias, descre-ver desvios patolgicos de conduta em relao a padresnormativos de comportamento intersubjetivamente parti-lhado. Na verdade, elas sero utilizadas para indicar o saldonecessrio da ontognese das capacidades prtico-cognitivasde sujeitos socializados e, com isso, permitir o desenvolvi-

    mento de problematizaes na estrutura normativa de jul-gamentos morais, estticos e cognitivos4: maneira devincular as patologias derivadas do processo de socializaoe formao subjetiva a um projeto mais amplo de crtica darazo. O sofrimento psquico que tais categorias psicanalti-cas descrevem so indicaes de que essa atividade racionalilimitada est, de uma certa forma, bloqueada por aquilo

    mesmo que permite nossa socializao. Pois aquilo que

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    normatiza o pensar e o agir pareceria mutilar as possibilida-des da vida.

    H vrias maneiras de discutir essa questo, mas eu gos-taria de insistir apenas em um aspecto. Ele se refere im-portncia da experincia corporal ou, antes, daquilo queAdorno chama de momento somtico na constituio deum conceito renovado de razo. Lembremos desta afirma-o central de Adorno: Todo espiritual impulso corporalmodificado e esta modificao a inverso (Umschlag) qua-litativa naquilo que no simplesmente . Pulso (Drang) ,de acordo como a compreenso de Schelling, a forma pre-liminar do esprito (ADORNO, 1973, p.202). ParaAdorno, h um sofrimento vindo da impossibilidade de re-cuperar o que da ordem do impulso e da pulso; h umfracasso no processo de formao subjetiva devido impos-

    sibilidade de aproximao mimtica com isso que represen-taria uma alteridade profunda no interior do Si.Voltemo-nos teoria freudiana do desenvolvimento e

    da maturao para tentar entender melhor o que Adornoteria em vista. Sabemos como Freud insiste que h algo, nosujeito, anterior ao advento do Eu como saldo dos proces-sos de socializao e de individuao; Eu entendido aqui

    como unidade sinttica de representaes que permite odesenvolvimento de uma personalidade coerente, o estabe-lecimento de uma hierarquizao das vontades capaz deabrir espao para o advento de uma vontade autnoma. Hum corpo libidinal polimrfico que orienta sua conduta apartir da procura de satisfao de pulses parciais (ou aindapr-egicas), ou seja, impulsos que no respondem hierar-

    quia funcional de uma unidade. Essa estrutura polimrficae fragmentada das pulses viria da ausncia de um princpio

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    terminadas, como se atravs delas os sujeitos se deparassemcomo um estranho processo desprovido de princpio unificador

    que nos coloca diante de uma dinmica constante de inde-terminao.

    Assim, pelos prazeres corporais no se submeteremimediatamente a uma hierarquia funcional, cada zona er-gena (boca, nus, ouvidos, rgos genitais, etc.) parece se-guir sua prpria economia de gozo e cada objeto a elasassociados (seio, fezes, voz, urina) satisfaz uma pulso espe-cfica, produzindo um prazer especfico de rgo5. Freudchamar de pulses parciais tais pulses que no se sub-metem satisfao com representaes globais de pessoas,representaes estas produzidas graas a uma imagem unifi-cada do corpo. Ele chamar tambm de auto-ertica talsatisfao por ela procurar e encontrar seus objetos no

    corpo prprio do sujeito desejante, j que mesmo o seio e avoz do Outro materno so compreendidos pelo beb comosendo objetos internos sua prpria esfera de existncia.

    Sabemos, por outro lado, como as pulses de auto-conservao, ou pulses do Eu, permitem elevar as exign-cias de conservao do indivduo e do principiumindividuationis, que determina a imagem unificada de si,

    condio de princpio de orientao da conduta. Em umtom que no deixa de nos remeter a Nietzsche, Freud vin-cula o desenvolvimento da conscincia, da linguagem, damemria e do julgamento s exigncias de auto-conservaoagenciadas pelo princpio de realidade. Tratam-se, em todosos casos, de como construir o melhor caminho para alcan-ar um objeto capaz de satisfazer as pulses do Eu. Nesse

    sentido, ele chega mesmo a dizer que: o Eu-realidade (Real-Ich) no tem outra coisa a fazer que tender em direo ao

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    benefcio (Nutzen) e afastar-se do prejuzo (Schaden)(FREUD, 1999, p. 135).

    Adorno e Horkheimer so sensveis a esse ponto. Elesquerem mostrar como esse modo de organizao da experi-ncia a partir das exigncias de auto-conservao s podenascer atravs do advento de um Eu que no se reconhecemais em nenhuma exteriorizao humana que no se situeno quadro teleolgico da auto-conservao da individuali-dade. Da porque:

    O Eu que, aps o extermnio (Ausmerzung)metdico de todos os ves-tgios naturais como algo de mitolgico, no queria mais ser nemcorpo, nem sangue, nem alma e nem mesmo um Eu natural, consti-tuiu, sublimado num sujeito transcendental ou lgico, o ponto dereferncia da razo, a instncia legisladora da ao (ADORNO,1986, p. 41).

    Essas afirmaes so de extrema importncia. Os auto-res esto afirmando que o preo a pagar para a constituiodo sujeito transcendental como fundamento das operaesda razo moderna est no extermnio metdico, na repres-so reiterada do que, no interior do sujeito, no se submete forma lgica geral do Eu. No querer mais ser nem corpo,nem sangue, nem alma significa, ao menos neste contexto,impr-se atravs da vontade de se afastar de tudo o queameaa a imposio do Eu como forma geral da experin-cia. pensando nesse processo que Adorno poder afirmar:A conscincia nascente da liberdade alimenta-se da mem-ria (Erinnerung) do impulso (Impuls) arcaico, no ainda gui-ado por um Eu slido. Quanto mais o eu restringe (zgeln)tal impulso, mais a liberdade primitiva (vorzeitlich) lhe pa-

    rece suspeita, pois catica (ADORNO, 1973, p. 221). Ve-mos claramente aqui como Adorno tem em vista o processo

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    mente enraizadas, estveis, motivo sociolgico clssico aomenos depois de Durkheim (a este respeito, ver o clssico O

    suicdio) e que no deixa de ecoar a perda da Sittlichkeit hege-liana. Nem se trata de um esvaziamento da capacidade denormatizao. Pois Adorno age como se nosso sofrimento maisaterrador fosse resultante do carter repressivo da identidade. Essa a temtica maior de um certo pensamento francscontemporneo (Lacan, Deleuze, Derrida) que encontra umeco profundo no interior da experincia intelectual adorni-ana. Podemos mesmo dizer que para todos eles, a moderni-dade no apenas momento histrico onde no somenteest perdida para ele [o esprito] sua vida essencial; est tam-bm consciente dessa perda e da finitude que seu conte-do (HEGEL, 1992, p. 24). Perda que implicaria apretensa angstia crescente do sentimento de indetermina-

    o. A modernidade seria tambm a era histrica de eleva-o do Eu a condio de figura do fundamento de tudo oque procura ter validade objetiva. O que neste caso signi-fica: era do recurso compulsivo e rgido auto-identidadesubjetiva enquanto princpio de fundamentao das condu-tas e de orientao para o pensar. Ela seria a era de um so-frimento de determinao.

    Por fim, Adorno quer insistir que os modos de organi-zao da realidade no capitalismo avanado, assim como osregimes de funcionamento de suas dinmicas de interaosocial, de seus ncleos de socializao, eram dependentes daimplementao de uma metafsica da identidade cuja g-nese estaria ligada ao que podemos chamar de reduoegolgica do sujeito. Da uma afirmao chave como: A

    identidade a forma originria da ideologia. Dessa forma,a transformao da crtica da razo em anlise de patologias

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    do social, longe de aparecer como um impasse devido suanatureza totalizante, apenas aponta para a necessidade de

    constituio de formas de sntese da experincia a partir deuma reflexo renovada sobre a categoria de sujeito. Por ou-tro lado, o recurso Freud no interior dessa transformaofunciona principalmente na constituio de novas articula-es para recuperar categorias como normalidade e patolo-gia no interior da crtica da razo, retirando o pesoessencialista e normativo de tais categorias.

    Dessa forma, encontramos uma via para responder acrticas que visariam desqualificar a estratgia adornianaafirmando que a anlise de patologias sociais depende elaprpria de uma avaliao normativa, que no pode deixarde aspirar validade e universalidade, sob risco de simples-mente no reconhecer as aspiraes de auto-realizao detodos os sujeitos a quem um sofrimento injusto imposto.No entanto, tudo se passa como se Adorno insistisse que anoo de injustia, neste contexto, no poderia ser com-preendida simplesmente como a no-realizao de princ-pios e valores fundamentados na enunciao categrica deimperativos que determinam as condies de possibilidadepara o advento de um sujeito moral. H uma injustia

    que no est ligada diretamente a princpios e valores, masa certas experincias corporais e afetivas. Tudo indica que,para compreender melhor a natureza dessas experincias,Adorno recorra sistematicamente a Freud e sua descriosobre aquilo que Adorno ainda chama de natureza in-terna.

    Abstract: The aim of this article is to discuss the role of psychoanalysis in a

    reconstruction of a social critique based in a critique of reason. This requiresan operation able to expose social critique as a critique of hegemonical formsof life. Such forms of life are orientated by claims of rationality that are

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    presents in material practices, ways modes of social interaction and institu-tions.

    Key-words: Social criticism, forms of life, kind, indetermination.

    NOTAS

    1 Ver, por exemplo: PINKARD, Terry. Hegels phenomenology :the sociality of reason. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1994; PIPPIN, Robert, Hegels pratical philosophy:

    pratical agency as a ethical life. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 2008; e BRANDOM, Robert. Tales of themighty death. Cambridge (Mass),MIT Press, 2002.

    2 Essa questo est claramente enunciada em trechos, comopor exemplo: Grande parte das lutas da humanidadecentralizam-se em torno da tarefa nica de encontrar umaacomodao conveniente, ou seja, um compromisso(Ausgleich) que traga felicidade entre reivindicaes individu-

    ais e culturais; e um problema que incide sobre o destino dahumanidade o de saber se tal compromisso pode ser alcan-ado atravs de uma formao determinada da civilizao ouse o conflito irreconcilivel (FREUD 1999, p. 455).

    3 Uma descrio exaustiva do problema da origem no interiorda crtica rousseauista da sociedade pode ser encontrada emDERRIDA, Jacques, De la grammatologie, Paris: Minuit, 1966.

    4 Isso pode nos explicar porque Adorno mobiliza tais categoriasno interior de sua crtica ao sujeito moral kantiano. Porexemplo: A liberdade, como conceito universal abstrato deum para-alm da natureza, espiritualizada como liberdadeem relao ao reino da causalidade. Mas assim ela leva auto-desiluso. Psicologicamente falando, o interesse do su-jeito pela tese de sua liberdade seria narcsico, to desprovidode medida quanto tudo o que narcsico. Mesmo na argu-

    mentao kantiana, que situa categoricamente a esfera da li-berdade acima da psicologia, ressoa o narcisismo(ADORNO, 1973, p. 219). Ou ainda, quando ele afirma ser a

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    filosofia moral kantiana um caso modelo de fetichismo(ADORNO, 1996, p. 207).

    5 O melhor comentrio do sentido desse prazer de rgo vemde Alenka Zupancic: Em relao necessidade de alimentar-se, com a qual ela inicialmente se vincula, a pulso oral perse-gue um objeto distinto do alimento: ela persegue (e procurarepetir) a pura satisfao produzida na regio da boca duranteo ato de nutrio (...) nos seres humanos, toda satisfao deuma necessidade permite, a princpio, a ocorrncia de outrasatisfao, que tende a advir independente e a se auto-

    perpetuar na procura e na reproduo de si (ZUPANCIC,2008, p. 16).

    REFERNCIAS

    ADORNO, Theodor. Negative Dialektik. Frankfurt:Suhrkamp, 1973.

    ______. Probleme der Moralphilosophie. Frankfurt:Suhrkamp, 1996.

    ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialtica doEsclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

    BRANDOM, Robert. Tales of the mighty death.Cambridge

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    DERRIDA, Jacques. De la grammatologie. Paris: Minuit,1966.

    FREUD, Sigmund. Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer,1999.

    HABERMAS, Jrgen. O discurso filosfico da modernidade.So Paulo: Martins Fontes, 2000.

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    _____. Pathologie der Vernunft. Frankfurt: Suhrkamp, 2007.

    _____. La socit du mpris.Paris: La Dcouverte, 2006.

    PINKARD, Terry. Hegels phenomenology: the sociality ofreason. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

    PIPPIN, Robert. Hegels pratical philosophy: pratical agencyas a ethical life. Cambridge: Cambridge University Press,2008.

    ZUPANCIC, Alenka. Sexuality and ontology. In: Whypsychoanalysis?Uppsala: NSU Press, 2008.