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1 “Todo mundo sabe desenhar, todo mundo tem capacidade. É mais querer, querer e saber o que quer”. Um estudo sobre trajetórias juvenis e novos processos criativos contemporâneos 1 Deyse de Fátima do Amarante Brandão (UFPB/PB) Resumo As recentes pesquisas em torno de juventudes e indústria cultural evidenciam a formação de novos campos de ação realizados pelos jovens, no qual estes tornam-se sujeitos de si e do mundo, apropriando discursos de diferenças, resistências ou estratégias de adesão, assim como articulando processos de auto-invenção de estilos de vida e até mesmo de profissionalização. A juventude contemporânea ao ser portadora de novas sensibilidades e habilidades de apreensão de mundo, exploram outros caminhos entre vocação, profissão, aprendizagem e hobby. Nesse sentido, o universo das histórias em quadrinhos é um amplo campo onde os jovens podem explorar sua criatividade, difundir suas experiências, criar vínculos e fazer de sua criação artística um meio de trabalho/emprego. Considerados como gêneros híbridos e oblíquos, os quadrinhos são um marco da cultura contemporânea, ao mesclar um potencial iconográfico, com suas virtualidades gráficas e dinâmicas estruturais entre os quadros. Essa peculiaridade dos quadrinhos exige de seus criadores uma capacidade criativa e, sobretudo, técnica. Assim, o presente artigo tem como ponto de partida, algumas impressões de inserção no campo de estudo sobre as trajetórias de jovens desenhistas e ilustradores de histórias em quadrinhos (HQ´s), pertencentes a uma escola chamada Studio Made In PB, localizada em João Pessoa. É neste espaço que os jovens aprimoram seus traços, compartilham seus saberes, negociam suas aptidões e lutam para inserir-se no mercado nacional e internacional do segmento. A escola é um espaço coletivo ampliador do gosto pelas HQ´s, e ao atuar em atividades culturais na cidade, mobilizam outros segmentos do cenário juvenil, como por exemplo, os adeptos ao cosplayers e frequentadores de animencontros. Mediante a observação participante, registros imagéticos e de conversa e entrevistas com alguns membros do Studio, busca-se compreender de que maneira esses jovens lidam com essas novas sensibilidades de estar no mundo, através de suas aptidões pelo desenho e a valorização do universo dos quadrinhos em suas vidas. Palavras-chave: Trajetórias juvenis; Quadrinhos; Criatividade. 1 Introdução 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Page 1: saber o que quer” - 29rba.abant.org.br · “Todo mundo sabe desenhar, ... Considerados como gêneros híbridos e oblíquos, os quadrinhos são um marco da cultura contemporânea,

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“Todo mundo sabe desenhar, todo mundo tem capacidade. É mais querer, querer e

saber o que quer”. Um estudo sobre trajetórias juvenis e novos processos criativos

contemporâneos1

Deyse de Fátima do Amarante Brandão (UFPB/PB)

Resumo

As recentes pesquisas em torno de juventudes e indústria cultural evidenciam a

formação de novos campos de ação realizados pelos jovens, no qual estes tornam-se

sujeitos de si e do mundo, apropriando discursos de diferenças, resistências ou

estratégias de adesão, assim como articulando processos de auto-invenção de estilos de

vida e até mesmo de profissionalização. A juventude contemporânea ao ser portadora de

novas sensibilidades e habilidades de apreensão de mundo, exploram outros caminhos

entre vocação, profissão, aprendizagem e hobby. Nesse sentido, o universo das histórias

em quadrinhos é um amplo campo onde os jovens podem explorar sua criatividade,

difundir suas experiências, criar vínculos e fazer de sua criação artística um meio de

trabalho/emprego. Considerados como gêneros híbridos e oblíquos, os quadrinhos são

um marco da cultura contemporânea, ao mesclar um potencial iconográfico, com suas

virtualidades gráficas e dinâmicas estruturais entre os quadros. Essa peculiaridade dos

quadrinhos exige de seus criadores uma capacidade criativa e, sobretudo, técnica.

Assim, o presente artigo tem como ponto de partida, algumas impressões de inserção no

campo de estudo sobre as trajetórias de jovens desenhistas e ilustradores de histórias em

quadrinhos (HQ´s), pertencentes a uma escola chamada Studio Made In PB, localizada

em João Pessoa. É neste espaço que os jovens aprimoram seus traços, compartilham

seus saberes, negociam suas aptidões e lutam para inserir-se no mercado nacional e

internacional do segmento. A escola é um espaço coletivo ampliador do gosto pelas

HQ´s, e ao atuar em atividades culturais na cidade, mobilizam outros segmentos do

cenário juvenil, como por exemplo, os adeptos ao cosplayers e frequentadores de

animencontros. Mediante a observação participante, registros imagéticos e de conversa

e entrevistas com alguns membros do Studio, busca-se compreender de que maneira

esses jovens lidam com essas novas sensibilidades de estar no mundo, através de suas

aptidões pelo desenho e a valorização do universo dos quadrinhos em suas vidas.

Palavras-chave: Trajetórias juvenis; Quadrinhos; Criatividade.

1 Introdução

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN.

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É partir dos anos 60, que a condição juvenil ganha visibilidade social, seja por

estar atrelada à sua construção de representação, ditados pelos meios de comunicação

massivos e pelo consumo, seja pela apropriação de discursos de oposição e rebelião

política e cultural, através de movimentos estudantis e de contracultura (ABRAMO,

1997; SLATER, 2002; PERONDI, 2013). Assim, tanto a resistência da contracultura

quanto a existência de um mainstream musical, dariam a essa juventude, vez e voz e

serviriam de meios de expressividade que resignificariam ou resistiriam à cena

hegemônica. Aos poucos, o jovem torna-se um protagonista ativo na participação social,

apropriando discursos de diferenças, resistências ou estratégias de adesão, assim como

articulando processos de auto-invenção de estilos de vida e até mesmo de

profissionalização.

Pensando como os jovens resignificam seu cotidiano, estes “se assumem como

protagonistas de uma politicidade pouco convencional” ocupam as ruas, “utilizando-as

como amplos fóruns de atuação estética, fazem da cultura urbana a mais legítima

expressão de sua diversidade e de seus conflitos” (BORELLI; ROCHA;OLIVEIRA,

2009, p. 13-14). Entre os anos 90 e 2000, estendendo-se aos tempos de hoje, os

segmentos juvenis ao se articularem com as culturas de massa e novas tecnologias de

comunicação, desenvolvem novas sensibilidades na maneira de apreender o mundo que

vivenciam, se apropriando de informações “por mecanismos simultâneos”. Encontram-

se imersos numa “sociedade de controle”, negociando suas subjetivações de forma

flexível, dentro de um contexto onde a contestação cultural dos anos 60 e 70,

converteram nos anos 98 e 2000, “em valores enaltecidos, criativos e, acima de tudo,

mainstream” (ALMEIDA, 2012).

Dessa forma, o pensar/fazer/agir converge em processos criativos de

remodelamentos, ou seja, a capacidade de lidar com o que se tem. Pensando na

capacidade que determinas culturas juvenis tem em manifestar criatividades, explorar

novas sensibilidades e outros caminhos entre a vocação, aprendizagem, profissão e

hobby, surge a emergência em se pesquisar a trajetória dos integrantes do Studio Made

In PB. Frequentado por jovens de classe média, o Studio é um coletivo formado por

ilustradores e desenhistas, dedicados ao ensino da criação de histórias em quadrinhos e

ilustrações, além de desenvolverem atividades ligadas a uma “cultura pop”. Suas

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atividades sociais são marcadas pela participação em eventos de Animencontros2, nas

estreias de filmes de super heróis, e na produção de seus próprios eventos relacionados a

uma cultura de massa.

Com o campo iniciado em outubro de 2013, os dados aqui obtidos partem de

observações do cotidiano do Studio, assim como de conversas informais e entrevistas

semi-estruturadas entre alguns integrantes. Também foi observada a participação do

grupo em eventos realizados num shopping da cidade. Buscou-se interagir com eles em

seus contextos culturais e em situações específicas, como no caso dos eventos, ao

utilizar do recurso da câmera fotográfica como forma de registro dos acontecimentos.

Este estudo – ainda em andamento - tem o intuito de contribuir para novas

percepções a respeito de novas criações da contemporaneidade. “Um traço bom”, ”ter a

mão firme”, “praticar o desenho”, “fazer o que gosta” são apenas algumas

configurações que revelam as múltiplas aspirações e competências nas trajetórias desses

desenhistas.

2 Studio Made in PB: dando sentido ao consumo

É numa das salas da Fundação Espaço Cultural da Paraíba – FUNESC3 - que

funcionam os projetos do Studio Made In PB. Voltados para atividades de divulgação,

produção e criação de histórias em quadrinhos. Desde 2005 o grupo mantém uma

parceria com a Funesc, onde usufruem do espaço físico do estabelecimento e em troca

disso, oferecem gratuidade dos seus cursos para alunos de escola pública da capital.

Atualmente a Funesc está em reforma desde o ano de 2013 e por isso, o Sudio

Made In PB mantém suas atividades numa casa situada no bairro de Manaíra, um bairro

nobre da capital. Nessa casa também funcionam uma Oficina de Artesanato e um local

de conserto de bicicletas chamado Chatô Bikes. É nesse espaço improvisado que o

Studio Made In PB exerce suas atividades desde a reforma da estrutura da Funesc. E é

nesse momento de transição, que faço as minhas primeiras visitas ao grupo. Por se tratar

2 Os animencontros são eventos em que os aficcionados por mangás e animês se encontram para, de certo

modo, celebrar e compartilhar o profundo vínculo que mantém com essa produção. Ocorrem em fins de

semana e sua duração costuma prolongar-se em média por dois dias. São realizados geralmente em

escolas, colégios, faculdades ou universidades e, algumas vezes, em clubes ou salões de festas em

conjuntos habitacionais.(...) (MACHADO, 2009, p. 20). 3 Situado no bairro de Tambauzinho, um dos mais nobres de João Pessoa, localizado no sudeste da zona

norte da cidade.

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de um ambiente improvisado, a sala onde normalmente acontecem as aulas de desenho,

torna-se pequena devido a grande quantidade de coisas do Studio que estão por lá:

estante, armário, cartazes, troféus, revistas em quadrinhos, banners.

O espaço onde é compartilhado o funcionamento de tantas atividades é um

ambiente acolhedor, lúdico. Marc Augé (2005) nos diz que um lugar é um lugar

antropológico quando este “faz sentido para os que o habitam e princípio de

inteligibilidade para aquele que o observa” (AUGÉ, 2005, p.46). Apesar de existirem

elementos distintos e singulares, esse lugar compartilhado com outros aparatos possui

construções simbólicas e concretas do espaço, pois aqueles que por ali passam, atribuem

a essas construções, uma colocação humilde ou modesta que seja.

O Studio Made In PB tem quase 16 anos de existência, onde tudo começou com

a ideia de sete amigos que tinham o desejo de produzir fanzines e até suas próprias

histórias em quadrinhos. Januncio Neto, o único da formação inicial, permanece até

hoje na organização e administração do Studio Made In PB. Ele explica que com o

tempo, os outros garotos foram realizando outros projetos e trabalhos, mas que todos

possuíam o gosto em comum pelas histórias em quadrinhos.

“A gente começou em 98. Da formação original, só tem eu agora, os outros

foram para outros projetos, trabalhos, essas coisas e na época a gente

queria fazer fanzine, quadrinhos, e na época era bem normal [...]. Cada

membro da formação original, cada um já tinha um contato com o outro.

Todos eram amigos diretos, mas aí tínhamos amigos em comum e o que a

gente tinha de referência pra tudo, era história em quadrinho. Na época em

98, a internet não era conhecida por aqui, e ainda tinha muito dessa coisa

assim, de contato físico mesmo, de tá se encontrando, da gente ir no Sebo

Cultural pra ler revista, de encomendar revista de fora, então naquela

época era mais complicado, né? Mas o que todo mundo tinha em comum

era história em quadrinhos, era a referência que todo mundo tinha, mais do

que cinema, mais do que desenho animado, mais do que qualquer outra

referência. Histórias em quadrinhos era a base de todo mundo”. (Januncio

Neto, 38 anos).

Ao refletir sobre a fala do Januncio Neto, o consumo que ele e seus amigos

tinham das histórias em quadrinhos, frequentando o Sebo Cultural – um dos sebos mais

antigos da cidade, com grande acervo de quadrinhos e livros - e o contato presencial

para falar e compartilhar seus gostos em comum, fez com que mais tarde, os

motivassem a abrir um espaço para o ensino de algo que eles tanto apreciavam. O nome

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“Made In PB” significa “feito na Paraíba” e é também uma alusão ao primeiro fanzine

criado pelos amigos, produzido de forma artesanal e impresso em xérox, chamado

MADE IN P&B, pelo fato dele ser todo preto e branco.

O consumo desses bens permitiu que esses amigos se reunissem para “dar

sentido” as suas preferências, compartilhando para a sociedade seus saberes, seus estilos

e fazendo do consumo um processo muito mais complexo do que uma racionalidade

econômica. Outro ponto importante é pensar como as mercadorias, nesse caso as

revistas em quadrinhos desempenham uma dose de satisfação para quem os consomem.

Esse consumismo (FEATHERSTONE,1990) faz parte do aspecto simbólico que os

objetos adquirem, sendo esse simbolismo encontrado nas renegociações das

mercadorias, enfatizando diferenças de estilos de vida. No caso de Januncio e outros

integrantes do grupo, é comum a prática de colecionar: sejam HQ´s ou bonecos de ação

- brinquedos de super heróis ou de personagens de histórias em quadrinhos.

Assim, esses produtos possuem forte carga simbólica, fazendo parte de uma

lógica de ritualização. Essa ritualização procura dar sentido aos acontecimentos, mas

também permite uma relação com o poder, exercido de maneiras diferenciadas através

do consumo (DOUGLAS, 2004, p. 209). Quando acontecem os encontros de anime

produzido pelo grupo – o HQPB4 -, os integrantes do Studio que são colecionadores

expõem seus objetos dentro de uma caixa de vidro, para serem apreciados pelo público

como objeto de fetiche e desejo. Assim, os colecionadores, principalmente de

brinquedos, mantém certo status em relação aos outros. Quando esses jovens

consomem, e consumir aqui se refere a um consumo cultural de revistas em quadrinhos

e o investimento de objetos referentes a este universo, eles participam de um processo

sociocultural de interações complexas que vão além do simples ato de gastar: querem

ser reconhecidos pelas suas técnicas, pela apropriação de bens e pelo conhecimento de

códigos de unificação que permitem entendimento desse universo. Nesse sentido, os

bens são proporcionadores de satisfação biológica e simbólica (CANCLINI,1995).

4 Evento realizado pelos membros do Studio Made in PB, anualmente. “De uma simples feira de

quadrinhos, organizada com algumas poucas mesas e boa vontade entre amigos”, o evento a cada ano

toma novas proporções de público. Mais informações no blog do grupo

http://studiomadeinpb.wordpress.com/ e no do evento: http://hqpb.wordpress.com/

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Atualmente, contando com seis integrantes fixos e com colaboração de alunos, o

Studio Made In PB é um espaço coletivo ampliador do gosto pelas HQ´s, e ao atuar em

atividades culturais na cidade, mobilizam outros segmentos do cenário juvenil, como

por exemplo, os adeptos ao cosplayers e frequentadores de animencontros. Nesse

sentido, o universo das histórias em quadrinhos é um amplo campo onde os jovens

podem explorar sua criatividade, difundir suas experiências, criar vínculos e fazer de

sua criação um meio de trabalho/emprego.

3 Visibilidade social e novos processos criativos

As atividades do Studio Made in PB não se concentram apenas no ambiente de

ensino de criação de histórias em quadrinhos e desenhos. Os integrantes do Studio são

dotados de um capital simbólico - econômico, social, cultural - em diferentes graus que

permite uma heterogeneidade de atividades: coleção de bonecos e revistas, estilização

de suas vestimentas (é comum eles desenharem seu personagem favorito em camisetas

para uso pessoal), participação em eventos de animencontros, com oficinas relacionadas

ao desenho de HQ´s e maquiagens de cosplays.

Acompanhei alguns eventos nos quais os membros do Studio foram convidados

a participar. Esses eventos, sempre ligados a uma cultura midiática, possibilitam uma

maior visibilidade social das atividades do Studio além ser um momento de mostrar ao

público o que sabem, visando um reconhecimento. Enfatizando o campo do desenho,

são nas scketch sessions, que há uma maior participação dos membros. Com sua grafia

em inglês, scketch, quer dizer esboço, rascunho, desenhar de forma rápida e inacabada

(Ver foto 1).

As scketch sessions - ou sessões de esboços - tem a finalidade de entreter, de

divulgar, e é uma forma de exercitar a criatividade com o que se tem: papel e lápis. O

ato de desenhar é um convite para que se olhe quem desenha. O scketch session, é um

momento onde há uma negociação de expectativas tanto para quem pede o desenho,

tanto para quem desenha.

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Foto 1 – Realização de um scketch

Fonte: elaborada pela autora

Pude observar durante esses eventos, que apenas aqueles que mais sabem

desenhar é que são chamados para participar, pois exige do desenhista domínio do traço,

rapidez e principalmente o conhecimento de maior número de personagens de histórias

em quadrinhos ou de seriados. Como o objetivo de um scketch é rascunhar e esboçar o

desenho de forma rápida, geralmente com traços em preto no papel branco, é preciso

que quem participe do scketch session seja rápido no traço. E só é rápido quem tem

habilidade e só quem tem habilidade é quem treina muito. Numa perspectiva

antropológica, o desenho pode ser percebido e analisado através da relação entre o

homem, o grupo que ele pertence e convive e seu ambiente espaço/tempo.

Nesse sentido, desloca-se a discussão do aspecto técnico refletido pelo

ato de desenhar e representar para aportar no aspecto da motivação

temática que resulta das relações com o grupo de pertencimento e

convívio, com o tempo e com o espaço onde as produções são

realizadas. Estes agentes motivadores são, muitas vezes,

determinantes do forte exercício pelos traços culturais que atuam no

processo de criação (FERREIRA, 2005).

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No começo de 2014, observei duas scketch sessions realizadas na pré estreia dos

filmes “Capitão América 2: O Soldado Invernal” e “O espetacular Homem Aranha 2”,

feitas no hall de cinema de um shopping da cidade (foto 2).

Foto 2 – Realização de uma Scketch session

Fonte:elaborada pela autora

Organizado por um site de entretenimento local, a participação dos membros do

Studio Made In PB dialogava muito bem com um universo pautado em torno de

instrumentos midiáticos de uma cultura massiva: cinema, seriados, revistas em

quadrinhos. Logo, a mediação eletrônica assume um papel extremamente importante

para esses agentes. É possível indicar um “processo de transformação e produção de

subjetividades, graças à ação da mediação eletrônica, do trabalho, do imaginário e da

invenção (...)” (COSTA, 2006, p. 18).

Sendo a participação do scketch session, uma experiência momentânea e

efêmera – dura cerca de duas horas -, ela torna-se essencial para que esses desenhistas

exerçam suas subjetividades e imprimam seus traços onde cada mão que desenha vai

imprimindo um estilo próprio que se resulta das combinações de técnicas aprendidas. O

resultado é senão, a busca em serem reconhecidos pelo que fazem e pelo que sabem: ora

o próprio espaço organizado para esse fim, remete aos desenhistas uma posição de

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destaque. Sentados lado a lado, próximos a escadaria de entrada para as salas de cinema,

as pessoas que por ali transitam, exprimem seus olhares curiosos e, ao chegar perto, é

notável a reação de surpresa ao ver um desenho feito na hora. Essa forma de “ser

reconhecido” é uma maneira de dar sentido as suas manifestações criativas, um modo de

se sentir dotado de algo, objetivamente, e subjetivamente, de uma missão social.

Ser esperado, solicitado, assoberbado por obrigações e compromissos,

tudo isso tem o significado não apenas de ser arrancado da solidão ou

da insignificância, mas também de experimentar, da maneira mais

contínua e mais concreta, o sentimento de contar para os outros, de ser

importante para eles, logo para si mesmo, e encontrar nessa espécie de

plebiscito permanente que vêm a ser os testemunhos incessantes de

interesses – pedidos, expectativas, convites – uma espécie de

justificativa continuada para existir (BOURDIEU, 2001, p.294) [grifo

original]

A importância social do reconhecimento, de acordo com Bourdieu (2001), está

articulada com o capital simbólico por intermédio das tendências imanentes dos agentes

sob a forma de habitus. Esse capital só funciona como capital simbólico “quando

alcança um reconhecimento explícito dentro de um habitus”. No caso, os integrantes do

Made In PB que participam de uma scketch session, são apenas aqueles que já possuem

domínio das técnicas e conhecimento informacional a respeito das HQ´s e dos filmes

que estão na mídia, principalmente os das editoras americanas DC Comics e Marvel.

O trabalho individual e ao mesmo tempo coletivo se destina a fazer existir o

grupo enquanto grupo e a produzi-lo, tornando conhecido e reconhecido. Nesse sentido,

a ideia de grupo colocada neste estudo, diz mais a um agrupamento juvenil, no qual os

sujeitos pertencentes a ele são heterogêneos, apresentam diferentes experiências sociais,

mobilizam-se de diferentes maneiras, expressando coletivamente a construção de um

estilo de vida, utilizando-se do tempo livre que possuem. Ou em outras palavras, a ideia

de grupo caracteriza o que Feixa (2004) chamou de sobre “microssociedades juvenis”,

“com graus significativos de autonomia em relação às ‘instituições adultas’, que se

servem de espaços e tempos específicos” (FEIXA 2004 apud PEREIRA, 2007).

O leitmotif desses agentes é a criatividade, mas também a busca por um

reconhecimento mesmo que sejam pautados sobre as molas do consumo cultural e das

mídias de massa, reproduzindo desenhos já determinados no imaginário dos filmes e das

revistas em quadrinhos. Ainda que os desenhos sejam uma bricolagem de referências ou

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até uma “cópia do original”, há sutis momentos em que o desenhista pode expandir sua

autenticidade ao perguntar a quem pediu o desenho, de que maneira ele quer que seja

feito. E, na maioria das vezes, são nesses pedidos que o desenhista manifesta sua

criatividade, adaptando uma imagem de referência original, para uma situação cotidiana

e autêntica.

4 Trajetórias juvenis: possibilidades oblíquas

São nas possibilidades oblíquas que surgem capacidades de adaptação e

experimentações da vida cotidiana. Foi o que constatou a pesquisa de Machado Pais

(2012) sobre os jovens criadores de histórias em quadrinhos em Portugal. “O agir da

obliquidade”, revelados pelos sentidos das histórias em quadrinhos, também são

revelados na trajetória desses jovens: “o agir da obliquidade que é próprio do saber

interpretativo dos mundos ficcionais das histórias em quadrinhos é também um agir que

pode dar meças na vida real” (PAIS, 2012, p.182).

Na busca de uma abordagem mais categórica sobre que tipo de juventude se fala

quando se menciona a ideia de um sujeito criativo no agir dessas obliquidades, apóio-

me nas contribuições teóricas de Feixa (2006), ao dizer que as “as idades são fases

biológicas mais ou menos construídas, que pressupõem fronteiras mais ou menos

rígidas, formas mais ou menos institucionalizadas de transição entre uma e outra (...)”

(p.80). Toma-se como base a dimensão interacional entre os indivíduos que na

possibilidade de compartilharem uma característica com a idade, formam teias sociais,

como por exemplo, no âmbito das amizade, no trabalho ou no lazer, composto por

pessoas que tenham um repertório semelhante, predominando uma homogeneidade

etária (MÜLLER, 2009, p. 114). É necessário considerar que os jovens aqui

mencionados possuem faixas etárias que variam de 20 chegando até após os 30 anos.

Por isso, a ideia de trajetória juvenil, surge como relatos que se configuram em

possíveis percursos, dentro de uma trajetória de historicidade. Quando se fala de

trajetos, fala-se em realizar um “encadeamento de actos, condutas, práticas ou

actividades cotidianas” (PAIS, 2003 p. 127).

Tendo em comum uma relação com as novas tecnologias de informação,

entretenimento e comunicação de massa, esses jovens de classes sociais distintas

(alguns moram em bairros de classe média e popular) experimentam aproximações e

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trocas entre seus pares, no qual as revistas em quadrinhos surgem como expressão

simbólica de agregação. Mesmo que um deles seja morador de um bairro de baixa

renda, como é o caso do bairro Gervásio Maia e outro seja morador de classe média, o

que importa não é “o ponto de partida”, mas sim “o ponto de chegada”, pois

(...) nem sempre o ponto de chegada – como, por exemplo, o gosto

pela música e por gêneros musicais, a busca e o uso de novas

tecnologias e novas mídias digitais, entre outras formas de apropriação

da cultura – mantém o sentido da exclusão; ao contrário, podem

aproximar e permitir a troca, o diálogo e a composição de um

imaginário coletivo mais intercultural e inclusivo (BORELLI;

ROCHA; OLIVEIRA, 2009, p. 38).

Sejam nas condições de aproximação com o consumo de revistas em quadrinhos

seja pelo interesse por desenho, as trajetórias desses jovens se pautam em

experimentações, fluxos, afinidades e impulsos. Uns ousam trabalhar profissionalmente

com histórias em quadrinhos, outros já veem como um mercado competitivo. No caso

de Paloma Diniz, formada e Artes Visuais e professora de criação de HQ´s do Studio,

trabalhar com quadrinhos foi uma grande ousadia.

“Nesses caminhos Fabiano e Moisés que tinham uma loja de planejados de

marcenaria, que eu conheci quando estagiei numa galeria, me chamaram

pra auxiliar na parte de produção de imagem e animação. Aí comecei a

trabalhar com eles, na prestação de serviços. Aí um dos funcionários deixou

a parte de produção e de projeto de maquete eletrônica (...). Aí Fabiano

perguntou: você quer trabalhar com isso? Aí eu disse, quero! Mais uma

novidade no desenho, que era agora o desenho técnico. Estudei o Autocad

(...) aprendi o padrão da arquitetura. Só que eu saí de lá para ousar esse

sonho, trabalhar com quadrinhos. (...) Antes de trabalhar com histórias em

quadrinhos e de dar aulas, eu trabalhei como desenhista”. (Paloma, 33

anos)

Nesse contexto, o trabalho adquire uma importância de se reconhecer uma

identidade: “ser desenhista”. Para Paloma, a profissão de desenhista é uma das únicas

“que se faz o que gosta, e que mesmo nas férias o desenhista desenha”, anda que

implique em algumas dificuldades, já que ela diz que se sente realizada, embora

“trabalhar com o que eu quero não é fácil, não é fácil”. Em relação à escolha de um

trabalho, o que importa nessa modernidade líquida é a “ancoragem do indivíduo em seu

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próprio presente”, ou seja, condições de existências individualizadas que se tornam

“centro do seu próprio planejamento e condução de vida (...)”, escolhendo e mudando

identidades sociais, assumindo os riscos de fazê-lo (BECK 1992, p. 98 apud BAUMAN,

2001, p.155-56). Assim, Paloma ao escolher querer trabalhar com quadrinhos, tinha

consciência dos “riscos” que a antigiria: eu sai do emprego clássico, oito horas ao meio-

dia, de duas às seis. Quando me demiti fiquei com o horário livre, sem falar que

trabalhar em construção civil é uma energia, uma dinâmica e de repente você parar é

chocante!

Dentro desse universo das HQ´s, atuam outras profissionalizações específicas:

letreiro, roteirista, arte finalista, colorista, editores e desenhistas. O trabalho com

quadrinhos assemelha-se a “um jogo colaborativo, como antídoto da competitividade”

(ALMEIDA, 2012, p. 13). No entanto essa competividade pode ser amenizada no

trabalho colaborativo, mas nunca será amenizada se relacionadas às questões de

desempenho e ocupações de um cargo. Quem quer ingressar no desenho das HQ´s, é

necessário saber algumas técnicas primárias para um bom desenvolvimento estético dos

traços, domínio da mão e quem sabe, ser indicado para realização de testes em editoras.

É notável o esforço de alguns integrantes do Studio, como é o caso de Rugal, em sempre

buscar o aprimoramento das técnicas de desenho.

“Eu gosto muito de colorir. Eu também gosto de desenhar e eu gosto de

arte finalizar. Eu acho que isso vale até um ponto. Nunca fiz testes. Mas não

é todo mundo que faz desenho, que tem coragem de finalizar. Porque tem

que deixar a mão firme e tal. Todas essas coisinhas que é bom saber. Tem

que deixar o braço firme, se errar, perdeu. Tem que fazer de novo” (Rugal,

28 anos).

A busca de legitimidade do que se faz vem do esforço em treinar a prática do

desenho, mas também em atribuir um valor econômico. Diferente de Paloma, Rugal não

possui curso superior em Artes Visuais ou trabalhou em áreas que dialogassem com a

criação de desenhos. Suas manifestações criativas no âmbito de uma comercialização

são praticadas quando alguém próximo solicita uma encomenda de um desenho

artístico.

“Desenho artístico é geralmente em preto e branco né, que é aquelas

fotografias... Você pega o desenho pra namorada, pra um parente, pra

reproduzir num tamanho maior (...).O pessoal aqui você pede um valor X e

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eles dizem que seu trabalho não vale aquilo. Desenho artístico você cobra

um valor, eles acham que você tá cobrando mais... E dá trabalho”. (Rugal,

28 anos).

Ao mesmo tempo em que se deseja um reconhecimento do trabalho criativo, no

qual é produzido com as próprias habilidades do desenhista, a busca por bons

desempenhos estéticos é constante, resumindo-se em cobranças e superações.

“Acho que tenho muito que aprender. Amadurecer. Eu passei muito tempo

parado e to voltandor novamente pra cá pro Made In PB e to aprendendo

muita coisa... Eu passei cinco anos afastado, eu fiz o curso, ai parei e tal,

fiquei estudando musica, fui trabalhar... Eu trabalhava até no domingo, o

horário não dava pra voltar, eu queria voltar pra aprimorar e não dava

não”. (Rugal, 28 anos).

Considerando as falas de Rugal, é possível pensar na quebra de uma ideia

romântica de que quem trabalha com ideais estéticos e criativos possui uma “vida boa e

bem sucedida”. De acordo com Axel Honneth (2008), em seu artigo “Trabalho e

Reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, todos nós necessitamos experimentar

provar em materiais as habilidades que aprendemos e até hoje essa atividade é

apresentada como um elemento de uma vida sucedida, no entanto os trabalhos que

dizem respeito às atividades artesanais ou a uma produção artística nada dizem sobre

“quais os padrões normativos que o trabalho socialmente organizado deve cumprir”,

pois as “atividades desenvolvidas individualmente estão sujeitas a exigências especiais

que resultam da necessidade de sua efetivação na troca social de realizações”

(HONNETH, 2008, p. 50).

É por meio da ajuda mútua que alguns desenhistas conseguem uma indicação

para trabalhar no mercado dos quadrinhos. No caso da Paloma, foi a indicação feita pelo

um dos integrantes do Studio Made in PB, que possibilitou que ela realizasse um teste

como arte finalista na editora americana Space Goat. Os trabalhos que ela realiza são

digitalizados e enviados para a editora via email. O acesso às novas tecnologias de

informação e de comunicação ampliou a difusão de experiências partilhadas,

aproximando distâncias ao manter contatos com outras pessoas no mesmo campo

profissional. A internet facilitou a expansão do trabalho criativo, servindo de “vitrine de

talentos”, no entanto divulgar seus trabalhos na plataforma virtual não garante

exclusividade:

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“Quando você vai para a internet, você vai disputar com todo o mundo.

Tem muitos artistas experientes com trabalhos na internet, tem sempre

alguém colocando um trabalho novo...Então é assim... É um veículo mais

fácil, é mais fácil do que você imprimir quadrinho e tal, por que aí já é

outra questão, problema de distribuição, de entregar na banca, aí já é mais

complicado. Na internet não, coloca lá e aí as redes sociais já ajudam né,

tem o facebook... “(Januncio Neto, 38 anos)

As experimentações, colaborações, negociações e combinações são acionados

pelos movimentos de expertises, aliados a valores de criatividade, expressividade e

reconhecimento. Seja pela ideia fixa em querer melhorar o traço, seja pela publicação de

trabalhos na internet, ou até comercializando seus próprios desenhos no contato boca a

boca, esses jovens possuem a capacidade de lidar com o que se tem, já que como a

minha interlocutora bem enfatiza: “todo mundo sabe desenhar. Todo mundo tem

capacidade. É mais querer, querer e saber o que você quer”. No entanto não é apenas

“saber querer” desenhar. É principalmente saber lidar com os fluxos, os imprevistos, os

riscos e os impulsos. É aprender fazendo, através do treinamento incessante do agir

criativo. É criar estratégias de obliquidades diante das incertezas da vida, esculpindo o

futuro em agoras, pois como diria Bauman, “agora é a palavra chave da estratégia de

vida”, diante de um mundo imprevisível (BAUMAN, 2001, p. 187).

Conclusão

Ao terem suas atividades pautadas a partir de influências de produtos culturais

globais, como as histórias em quadrinhos de consumo massivo – principalmente as das

editoras americanas Marvel e DC Comics -, os jovens do Studio Made In PB expõem

seu agir criativo através do desenho, pois além de consumidores da cultura midiática são

também potenciais produtores dela. Considerados como gêneros híbridos e oblíquos

(PAIS, 2012; CANCLINI, 2013) os quadrinhos são um marco da cultura

contemporânea, ao mesclar um potencial iconográfico, com suas virtualidades gráficas e

dinâmicas estruturais entre os quadros. Essa peculiaridade dos quadrinhos exige de seus

criadores uma capacidade criativa e, sobretudo, técnica.

Refletindo sobre a prática do scketch session, ela torna-se um rito de instituição,

um ato de investidura simbólico, legitimando aquele que desenha a ser o que é: um

desenhista, declarando “que ele é mesmo quem pretende ser, legitimado para ser o que

pretende, qualificado para assumir a função, ficção ou impostura a qual sendo

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proclamada aos olhos de todos como merecedora de ser universalmente reconhecida”.

(BOURDIEU, 2001, p. 297). Logo, ser reconhecido e conhecido implica numa detenção

de poder de dizer o que merece ser conhecido e reconhecido, seja pela forma de um

discurso ou por um ato performático.

Assim, o papel do Studio Made In PB é fundamental para firmar ou instigar a

luta por uma legitimação. As atividades em que os desenhistas participam nada mais são

do que atos de investidura simbólica. Não adianta apenas consumir revistas em

quadrinhos, tem que estar por dentro desse universo e de tudo que envolve essa cultura.

É preciso deter um conhecimento sobre essas obras, compartilhá-los. É preciso no saber

desenhar ter o domínio do traço, da mão firme. No entanto, o consumo é a porta de

entrada dessas articulações; ele serve para “dar sentido” as preferências desses jovens,

ao compartilhar para a sociedade seus saberes, negociando significados conflitantes ou

não. Nesse sentido, o consumo é processo muito mais complexo do que uma

racionalidade econômica, pois como diria Canclini – parafraseando Marx -, “consumir é

tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora” (CANCLINI,1995, p.53 ).

Ao escolherem profissionalizar suas criativizações, esses jovens precisam lidar

com determinadas incertezas, idas e vindas provenientes de suas escolhas, pois assim

como é preciso “deixar o braço firme, se errar, perdeu. Tem que fazer de novo”, a

experimentação de outras escolhas, implica num “fazer de novo” constante. Da mesma

maneira que nos quadrinhos, a narrativa da história só consegue ser dinâmica quando se

acompanha quadro a quadro, são as escolhas que dão o movimento e a dinamicidade na

vida desses jovens. Suas trajetórias são fragmentadas quadro a quadro, marcadas por

vários “agoras”. E no agir de uma obliquidade é que são traçados planos e sonhos, mas

também mudanças e frustrações que se cruzam com a luta de ser reconhecido pelo que

se faz, assim a premissa de “lidar com o que se tem” é uma possível verdade. Logo o

cotidiano se assume como um terreno de conflitos, mas também um campo aberto de

experiências dentro de estruturas de oportunidades.

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