ruy otahke

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Ruy Ohtake Filho primogênito da artista plástica, e grande nome do abstracionismo informal no Brasil, Tomie Ohtake e do agrônomo Alberto Ohtake, é formado arquiteto e Urbanista pela FAU-USP. Fez uma arquitetura mais lírica e leve, que expressa o prazer pelas curvas. Já foi considerado “o mais carioca dos arquitetos paulistas”. Decidiu estudar arquitetura, assim como seu irmão, por influência do meio em que vivia, repleto de arte devido à sua mãe. De acordo com ele, os professores que mais o influenciaram foram: Vilanova Artigas, devido à crítica social na arquitetura; Lourival Gomes Machado, crítico de arte; Flávio Mota, professor de história da arte. Ohtake ainda ressalta, além da qualidade dos professores, a importância do ambiente universitário, com muita discussão dentro e fora da sala de aula e do diretório acadêmico. Ohtake estudo e formou-se arquiteto em um período de efervescência na arquitetura brasileira, a mudança de capital. Sempre que podia, quando estudante, visitava o escritório de Oscar Niemeyer, em uma dessas visitas o conheceu pessoalmente e cada vez mais foi influenciado por seu trabalho. Na época, o arquiteto era um profissional desvalorizado, a profissão ainda se firmava no país. Ao formar-se, começou a trabalhar meio período no Centro de Pesquisas de Estudos de Urbanismo da FAU-USP e o tempo

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Page 1: Ruy Otahke

Ruy Ohtake

Filho primogênito da artista plástica, e grande nome do abstracionismo informal

no Brasil, Tomie Ohtake e do agrônomo Alberto Ohtake, é formado arquiteto e

Urbanista pela FAU-USP.

Fez uma arquitetura mais lírica e leve, que expressa o prazer pelas curvas. Já

foi considerado “o mais carioca dos arquitetos paulistas”.

Decidiu estudar arquitetura, assim como seu irmão, por influência do meio em

que vivia, repleto de arte devido à sua mãe. De acordo com ele, os professores

que mais o influenciaram foram: Vilanova Artigas, devido à crítica social na

arquitetura; Lourival Gomes Machado, crítico de arte; Flávio Mota, professor de

história da arte.

Ohtake ainda ressalta, além da qualidade dos professores, a importância do

ambiente universitário, com muita discussão dentro e fora da sala de aula e do

diretório acadêmico.

Ohtake estudo e formou-se arquiteto em um período de efervescência na

arquitetura brasileira, a mudança de capital. Sempre que podia, quando

estudante, visitava o escritório de Oscar Niemeyer, em uma dessas visitas o

conheceu pessoalmente e cada vez mais foi influenciado por seu trabalho. Na

época, o arquiteto era um profissional desvalorizado, a profissão ainda se

firmava no país. Ao formar-se, começou a trabalhar meio período no Centro de

Pesquisas de Estudos de Urbanismo da FAU-USP e o tempo restante em seu

escritório próprio. Seu primeiro projeto foi a garagem para a casa de seu tio.

Em seu período de trabalho viveu a ditadura militar e a crise econômica que o

Brasil passava, mesmo assim fez muitas de suas obras mais significativas em

meio à crise.

O trabalho do arquiteto é movido pela grande quantidade de demanda. Suas

obras, não são somente requisitadas em território nacional, mas também no

exterior. Ohtake tornou-se referência no meio dos arquitetos, e por isso é

regularmente convidado para representar o Brasil em diversas palestras, como,

o XX Congresso da UIA - União Internacional dos Arquitetos, evento realizado

em junho de 1999 na China, ao lado de figuras importantes, como Jean Nouvel

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e Tadao Ando. Ruy também assina o projeto arquitetônico da butique de óculos

solares do Brasil, a OPART, localizada na Rua Oscar Freire em São Paulo e

Piauí Multimídia, em Teresina - Piauí.

Principais obras

Aquário Pantanal

O maior aquário de água doce do mundo, com 6,6 milhões de litros de água,

263 espécies e sete mil animais. Este projeto audacioso ressalta o estilo

contemporâneo do arquiteto. Além do ambiente interno, que inclui um túnel de

180 graus, o aquário terá cinco tanques externos, que poderão ser percorridos

a pé ou em um trajeto aquaviário em barco com fundo de vidro.

Monumental, o Complexo Aquário do Pantanal, que Ruy Ohtake está

desenhando para o governo do Mato Grosso do Sul, deverá ser implantado

numa das entradas do principal parque urbano de Campo Grande, o Parque

das Nações Indígenas. Primeiro projeto do arquiteto a ser construído na

cidade, ele é composto por dois volumes conectados e em desnível - o

pavilhão central e o dos aquários -, que têm como cenário um jardim central e

aberto, dedicado à biodiversidade do Pantanal mato-grossense. O pavilhão dos

aquários, que fica em nível rebaixado, terá sua fachada externa embasada por

painéis de vidro transparente a meia altura. Com isso, o visitante desfrutará, ao

longo de todo o percurso, de livre visão do jardim oval, coplanar ao pavimento

e com 70 metros em seu eixo maior.

Além de iluminar naturalmente o túnel dos aquários, esse artifício cumpre a

função didática de visualização simultânea da biodiversidade de que trata o

projeto e promove a integração visual, enfatiza Ohtake.

A arquitetura propõe o contraste de escalas. A entrada será feita através de

uma espécie de cápsula metálica com pé-direito generoso - 14 metros no ponto

mais alto -, cuja identidade resulta do grafismo dos materiais estruturais e de

vedação. Vidro, metal e pórticos em forma de arco configuram o volume de

recepção, que é visualmente marcante mas, como espaço de transição, deverá

ter ocupação rarefeita.

Uma abertura de formato orgânico no piso permitirá que os equipamentos de

circulação vertical conduzam ao andar inferior, ao espaço focal do projeto, que,

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de certa forma, tem ambiência intimista. Sua cobertura é abobadada; a

iluminação natural virá das aberturas baixas da fachada externa, enquanto a

face interna é envolta por aquários de fechamento curvo e dimensões variadas,

formando um caminho pontuado pelos desenhos dos volumes preenchidos

com água e vidro projetados por Ohtake. “O complexo terá marcante vocação

turística, didática e de lazer”, conclui o arquiteto.

Brasília Shopping and Towers

Este edifício está inserido no contexto arquitetônico de Brasília. As duas torres

e arco, que estão conectadas com os andares superiores. O empreendimento é

composto por 19 pavimentos, duas torres e cada uma delas contam com 14

andares e 336 salas comercias e escritórios.

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Hotel Unique

O hotel Unique é referência mundial por sua originalidade e design instigante.

Está próximo dos lugares mais badalados da cidade, como a Av. Paulista, o

Parque Ibirapuera, a Av. Faria Lima, os shoppings Iguatemi e próximo do

aeroporto de Congonhas. Composto por 6 pavimentos, totalizando 96

apartamentos, seus diferencial está na forte característica urbana, traço

singular de São Paulo.

Ao definir a forma, como um longo arco invertido (quase 100 m de

comprimento) com 2 empenas laterais de concreto, procuramos caracterizar

como um conceito de hotel-urbano.

O acesso do hotel é pelo grande espaço vazado do lado direito e o acesso ao

Centro de Eventos é, simetricamente, pelo grande vazado do lado esquerdo.

Esses dois espaços vazados, que começam com 25 m de altura, e descem em

curva, constituem um forte elemento dessa característica urbana da obra.

As janelas circulares, de 1,80 m de diâmetro, permitiu uma composição

dinâmica na fachada, acentuada pelo revestimento em placas de cobre pré-

oxidadas em três tons de verde.

No térreo, com pé direito duplo e curvo, localizam-se a recepção, bar e área de

apoio, onde foi projetada toda uma parede de vidro transparente com muita

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suavidade, possibilitando uma “conversa” entre o lobby do hotel e a rua da

cidade.

O restaurante, na cobertura, com a necessária leveza, obtida com detalhes de

vidro e respectiva estrutura metálica, tem uma vista privilegiada para a cidade

de São Paulo.

O centro de eventos, no 1º subsolo, constituído de salões modulados,

totalizando área para 1.500 pessoas. E 3 subsolos completam o edifício, para

estacionamento e área de infraestrutura.

O espaço interno acompanha o desenho externo: os corredores dos

apartamentos são curvos, buscando a luz natural das janelas circulares.

Os apartamentos de ponta tem uma característica inusitada: o piso sobe em

curva, resgatando o desenho da fachada, até encostar no forro, provocando um

espaço totalmente diferenciado.

Embaixada do Brasil em Tóquio

Com uma fachada curva e verticalizada, a Embaixada que representa o Brasil

no Japão, ganha características únicas. O prédio tem cinco pavimentos, e está

localizado em uma rua bem estreita, o que dá ao empreendimento uma

característica ainda mais excitante, além das cores fortes que representa a

cultura brasileira.

Page 6: Ruy Otahke

Residência, Valinhos, SP

Autor consagrado de projetos de variadas escalas e programas, como o Hotel

Unique e o Instituto Tomie Ohtake, ambos em São Paulo, o arquiteto Ruy

Ohtake é seletivo quando desenha casas.

“Projeto em média duas residências por ano”, ele relata, “para não perder a

familiaridade com o espaço doméstico.”

A criação zelosa ganha ares de requinte austero nesta residência localizada

em condomínio fechado em Valinhos, na Região Metropolitana de Campinas.

Com um volume único e regular de concreto, o projeto se alimenta de

contrapontos imediatos: a forma geral é contínua e aparentemente linear, mas

as dimensões e curvaturas acentuadas das vigas frontais de travamento

sugerem, ao contrário, tridimensionalidade rebuscada.

Da mesma forma, se o predomínio do concreto aparente nas superfícies

internas e externas dissimula os limites da casa, acentuando a sensação de

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horizontalidade ou de fundo infinito, é vertical o elemento articulador e de

destaque nos interiores: uma grandiosa rampa circular e escalonada que,

deslocada de qualquer eixo simétrico, está constituída por concreto, vidro e

madeira.

“O essencial é pesar a proporção”, define Ohtake, dando pistas de que há mais

do que a despretensiosa simplicidade com que ele apresenta o projeto. O

arquiteto se refere em particular à esbelteza estrutural do concreto, presente

tanto na pouca espessura da casca hermética que conforma a edificação

quanto nos modestos 20 centímetros dos seus dois únicos pilares, alinhados

com a fachada frontal.

O volume da casa é gerado por uma espécie de fita ou casca contínua de

concreto que, com seu traçado cônico, arremata o vértice em bico do terreno

com acentuado aclive. Essa forma regular e arredondada, aliada à estratégica

implantação no terço posterior e mais elevada do lote, define o ponto focal para

onde se volta a edificação: a bela área frontal e externa de lazer ao ar livre.

O projeto prescinde de recursos para a intermediação de ambientes internos e

externos. Não há pátios, volumes inter-relacionados, reentrâncias ou beirais

sobressalentes, apenas a relação estanque dentro/fora que as vigas esculturais

da fachada fazem questão de enfatizar.

Nesse sentido, o ponto alto do projeto é mesmo o domínio privado, doméstico,

ou seja, a grandiosidade do ambiente interno. No térreo, a grande sala de estar

é interrompida em alguns pontos por paredes ou balcões coloridos desenhados

por Ohtake - que há tempos transita com desenvoltura nas escalas

arquitetônica e do objeto -, embora prevaleça em primeiro plano a visualização

da parede exterior contínua, de concreto aparente.

Prepara-se a cena, portanto, para a profusão de curvas da rampa escalonada

localizada num canto posterior da sala. Sua proporção grandiosa é valorizada

pela luz zenital proveniente do teto circular de vidro, assim como pelo desenho

sinuoso da abertura que interliga visualmente os dois andares.

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Residência Tomie Ohtake

Originalmente, o terreno ocupado pela casa era estreito e comprido, com um

amplo pátio lateral ao final, formando um “L”. A casa ocupa completamente a

área linear do terreno. A partir de uma série de vigas transversais a cada 1

metro e 20 centímetros apoiadas nas paredes laterais, que criam um ambiente

único, sem obstáculos, se distribui livremente os ambientes da residência. O

acesso principal se dá lateralmente ao acesso de veículos, através de um

corredor ligeiramente elevado em relação ao nível da garagem. Ambos são

completamente abertos à rua; não existem portões que delimitem a fachada.

Mas são protegidos pela mesma laje e seu sistema de vigas transversais de

concreto aparente.

As portas de acesso à casa estão recuadas em relação ao limite do terreno.

Pelo lado da garagem uma porta de tamanho usual leva à área de serviço. Já o

corredor principal chega a uma larga porta de vidro e painéis de cores

elementais que leva a um vestíbulo de recepção, antes de chegar aos salões

de jantar e estar.

O ambiente dos salões é caracterizado pelas paredes de concreto aparente

pintados de azul, amarelo, vermelho ou branco, que delimitam a copa e a

cozinha, e, do lado oposto, os dormitórios; pelas estantes e mobiliários fixos em

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concreto aparente natural; e pela mesa curva ao centro do estar, que numa de

suas extremidades recebe um nicho rebaixado para a lareira, cuja chaminé se

apresenta como um volume quadrado que desce a partir da laje, abarcando a

lareira, porém distanciado dela.

Em sequência aos salões, num percurso fluido desde o vestíbulo, localiza-se o

atelier da artista seguido do dormitório principal, na extremidade do terreno.

São separados do estar e jantar por um volume de dormitórios e por um

desnível descendente. Tais dormitórios formam o único volume da residência

que se desprega das paredes perimetrais, solto ao meio dos salões, criando

uma separação para o atelier. Alberga dois dormitórios mínimos, explicitamente

concebidos para o justo ato de dormir, intercalados por um banheiro comum,

também utilizado socialmente.

O urbanista e o trabalho social em Heliópolis

Ruy afirma que encontra em Heliópolis uma solidariedade que nunca tinha

vista. O arquiteto de mais de 50 anos de carreira, é autor do projeto de

habitação social, que conta com investimento federal e municipal, “Os

Redondinhos”. Essa construção proporcionou aos moradores da região lares

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dignos com parques coloridos e de formas ousadas. As obras e as

modificações no local são de encher os olhos. A relação de Ruy com Heliópolis

surgiu de um mal entendido. O arquiteto foi entrevistado por uma revista, na

discursão Ruy mencionou que achava gritante a diferença entre um bairro com

recurso e uma comunidade carente, ele comparou os bairros do Morumbi com

Heliópolis, terras distintas. O periódico de má fé publicou que o arquiteto

achava a região feia, por conta disso, lideranças do local entraram em contato

para esclarecer o comentário e perguntar como o renomado Ruy Ohtake

poderia ajudá-los para balancear essa diferença, o relacionamento deu seu

primeiro passo. Do mal entendido surgiu uma grande oportunidade. O projeto

social de Ruy Ohtake em Heliópolis começou em 2003, a convite de um dos

líderes comunitários do bairro. O trabalho iniciou-se com intervenções

cromáticas, pinturas de três ruas escolhidas pelos próprios moradores. A partir

deste momento, as portas começaram a se abrir e com o auxílio de um banco

foi instalado uma modesta biblioteca na região. Ruy propôs que a localização

do centro de leitura fosse escolhida pelos habitantes, e assim aconteceu.

Biblioteca de Heliópolis, projeto do arquiteto Ruy Ohtake, o acervo atinge toda a população da região

Ohtake quebrou o paradigma de que habitações ou bairros bonitos são apenas

realidades de pessoas com maior poder aquisitivo, Heliópolis ganha nova cara.

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Com essa primeira reforma realizada, o arquiteto tornou-se conhecido pela

região de Heliópolis, e alguns anos mais tarde foi lembrando por um dos

membros da Unas - União de Núcleos Associações e Sociedades de

Moradores de Heliópolis e São João Clímaco, para ajudar quando a prefeitura

estudava a construção de três creches. As escolinhas de jardim de infância

foram edificadas com projetos arquitetônicos e padrões da prefeitura. Ruy

ajudou a posicioná-las nas proximidades de duas escolas municipais. Depois

dessa intervenção, nasceu o projeto polo educativo e cultural, uma realização

do arquiteto. Sete prédios, pintados com diversas cores, e redondos

distribuídos em uma área de 35 mil m², em que é proibido à entrada de carros,

no local não há muros. Entre as edificações, um campo verde utilizado pela

comunidade como parque nos finais de semana.

Projeto Cor. Pintura das casas da comunidade de Heliópolis realizada em parceria com os moradores.

Redondinho de Heliópolis

Um complexo residencial para habitação de interesse social, possui de 29

edifícios. Os “redondinhos” tem quatro andares, são adaptados para portadores

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de deficiência, contam com espaço de convivência, lixeiras seletivas e

playground.

A piscina vai ser redonda ou quadrada? Mal acabara de conhecer o arquiteto

Ruy Ohtake, a adolescente disparou a pergunta. “O que você prefere?”, ele

devolveu. “Quadrada”, retrucou a garota. “Porque é maior.” Na clara manhã de

uma segunda-feira do final de novembro, o arquiteto estava mais uma vez em

Heliópolis, que já foi a maior favela de São Paulo e que, graças a intervenções

do poder público nas quais Ohtake é também personagem, caminha para se

integrar à cidade formal.

Embora não tão distante do escritório (e da moradia) de Ohtake, na região dos

Jardins, Heliópolis escancara as contradições da cidade: opulência e miséria,

solidariedade e indiferença.

Existe um caminho em que essas oposições se aproximam e, com a habilidade

de seu ofício, Ohtake se propôs a trilhá-lo, ainda que o trajeto, assim como a

conformação do aglomerado urbano, nem sempre seja claro e muitas vezes

desemboque em desvios e becos.

A conversa da adolescente com o arquiteto não foi numa sala de aulas, mas ao

ar livre, na alameda do polo cultural e educativo de Heliópolis, que, além da

piscina, vai ganhar quadra esportiva, biblioteca comunitária e a torre da

Cidadania.

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Ela começou depois que a gestora do braço cultural do complexo, Arlete

Persoli, identificou Ohtake e apresentou-o às estudantes, informando que ele

era o autor da escola técnica e do centro cultural que fazem parte do conjunto.

Ohtake definiu também as áreas onde deveriam ser implantadas as creches e

deu ao local antes ocupado por depósito da subprefeitura a configuração de um

parque urbano que, para o arquiteto, não encontra similar na cidade e, de certa

forma, concretiza a retórica do trabalho que vem fazendo junto à comunidade.

João Figueiras Lima, Lelé.

Nascido no Rio de Janeiro em janeiro de 1932, cuja obra é especialmente

conhecida pelo seu trabalho como arquiteto junto a Rede Sarah de hospitais.

Formou-se arquiteto pela UFRJ em 1955 e recebeu influência de Oscar

Niemeyer e Nauro Esteves, se para Brasília ainda recém-formado, em 1957,

ano em que foi iniciada a implantação do plano piloto de Lucio Costa, onde

também colaborou com Niemeyer, trabalhou na UNB entre 62 e 65. A

necessidade de racionalização na construção de Brasília, despertou em Lelé o

interesse na tecnologia de racionalização do uso do concreto armado, levando-

o ao leste europeu para conhecer as tecnologias de construções pré-fabricadas

aplicadas em países como União Soviética, Tchecoslováquia e Polônia, em

meados da década de 1960.

A obra arquitetônica de Lelé caracteriza-se especialmente pela busca da

racionalização e da industrialização da arquitetura. Durante sua trajetória

chegou a propor métodos e processos de pré-fabricação de elementos

construtivos inéditos no país, sendo inclusive dono de uma fábrica de pré-

fabricados (a qual não mais existe). A forma como a argamassa armada, em

especial, e o aço foram explorados em sua obra também é fato revelador de tal

preocupação.

Atualmente Lelé atua como diretor do Centro de Tecnologia da Rede Sarah

(CTRS), onde desenvolve os projetos e a execução dos novos hospitais da

rede. Trabalhando para a CTRS, também desenvolveu projetos de mobiliário

hospitalar, entre os quais destaca-se uma cama-maca móvel utilizada bastante

Page 14: Ruy Otahke

pelos hospitais da rede.

O que eu achamos mais impressionante na obra dele, é que ele pensa

sustentabilidade e conforto ambiental a mais de 50 anos, coisa que só agora

com aquecimento global e essas mudanças climáticas que as pessoas

realmente tem levado a sério, além do uso de pré-moldados e de argamassa

armado, sistema que ele ajudou a aprimorar, e que tem um desperdício

mínimo, além de permitir com que a fase de construção seja rápida e respeite

os prazos.

Lelé também pensa os espaços como um todo, não só com relação a

arquitetura, mas também com relação a mobila e decoração. Ele pensa, desde

a maca que será utilizada pelo paciente no hospital até na espessura da viga

que sustenta o prédio. E ainda produz os materiais envolvidos nos dois

processos.

Principais obras

Projeto do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia.

O projeto do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região da Bahia é o primeiro

de João Filgueiras Lima (Lelé) à frente do Instituto Brasileiro de Tecnologia do

Hábitat (IBTH). Ele simboliza, portanto, uma nova fase na carreira do arquiteto,

que há cerca de um ano se desligou profissionalmente do Centro de

Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), do qual foi fundador e onde atuou por duas

décadas. “Os hospitais têm custo alto de manutenção. Não é viável construir

mais unidades da Rede Sarah”, observa Lelé.

A nova sede do TRT é um complexo constituído por oito edificações, a serem

implantadas em terreno densamente arborizado e cuja topografia, na forma de

vale, tem desnível da ordem de 30 metros em relação à cota da via

circundante. Essas características marcantes motivaram a adoção do partido

arquitetônico definido pela mínima intervenção no lote.

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A proposta de ocupação é pontual: o extenso programa foi setorizado em

prédio estanques, dispersos pela área de implantação. Trata-se de edifícios

com, em média, oito pavimentos, quatro deles abaixo e quatro acima da cota

pública envoltória, o que permitiu a criação de caminhos suspensos para

interligar as construções.

Essas passarelas fechadas e envidraçadas somam cerca de 200 metros

lineares de trajeto, de modo a enfatizar a grande escala da intervenção (são

130 mil metros quadrados construídos). A linearidade do percurso, em

contraste com a volumetria circular das edificações, reforça a distinção que o

projeto estabelece entre o ambiente natural e o construído.

Os prédios do tribunal foram planejados com estrutura metálica, cujos apoios

estarão restritos aos núcleos de circulação vertical, a fim de minimizar as

movimentações de terra. Nesse sentido, a maior intervenção ocorre nas bordas

do lote, onde serão criados quatro pavimentos de garagem e estacionamento

descoberto através de corte escalonado de 13 metros de altura.

O terreno da nova sede do tribunal fica próximo do hospital da Rede Sarah de

Salvador.

A equipe do projeto do TRT inclui ainda Beatriz Secco (paisagismo), Audium

(acústica e sonorização), Roberto Vitorino (estrutura), Porthos Moreira Gontijo

(elétrica), Kouzo Nishiguti (hidráulica) e George Raulino (ar condicionado).

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Hospital Rede Sarah, Rio de Janeiro.

Esta unidade da Rede Sarah está localizada nas imediações do Centro de

Reabilitação Infantil, também projetado por Lelé e inaugurado em 2002, no qual

a arquitetura tira partido da vista e de condições climáticas favoráveis, relativas

à lagoa de Jacarepaguá.

No novo hospital, contudo, prescinde-se da água como entorno imediato e a

interface com a cidade - sobretudo com a movimentada avenida das Américas -

é mais próxima. Essa é a razão pela qual Lelé potencializou a interiorização -

característica das unidades da rede -, não só através dos recursos de

implantação, como também do engenho com que concebe a totalidade dos

elementos arquitetônicos. Na edificação em Jacarepaguá, a passagem do

ambiente externo para os interiores é gradual, feita através de camadas

sequenciais de coberturas e vazios, que resguardam a privacidade e o conforto

ambiental interno sem criar barreira rígida ao entorno.

Os tetos das unidades de internação, por exemplo, são constituídos por

esquadria metálica e aletas móveis de policarbonato que, ao serem abertas,

possibilitam a iluminação e a ventilação naturais do ambiente. Também a

grande cobertura interna e curva do passeio central da ala de internações tem

mecanismo retrátil de abertura.

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Predominam a tipologia linear e a volumetria de grandes galpões, embora

pontualmente a arquitetura revele o volume esférico do auditório e estrutura em

balanço do solário.

É interessante pensar a arquitetura de Lelé inserida na cidade, no sentido da

permanência ao longo do tempo. Pois ela se presume perene neste projeto, no

necessário isolamento que o hospital conquista em relação ao entorno

imediato, dado o tipo de coesão entre a edificação, o paisagismo e o desenho

urbano. Em outros termos, mesmo quando a taxa de ocupação é significativa

em relação à área disponível para a implantação, Lelé e equipe são bem-

sucedidos na tarefa de criar uma unidade autônoma na cidade. As fotos aéreas

são representativas dessa observação. Elas evidenciam não apenas os recuos

ajardinados e o sutil aclive do lote em direção à área central do complexo

hospitalar, como também o papel decisivo que tem o espelho d’água linear, de

grande dimensão, em conjunto com a setorização longitudinal arquitetônica.

Pois a clínica de reabilitação desenhada por Lelé se revela esporádica e

controladamente ao exterior, na forma de passarelas pontuais, extensos jardins

e passeios entre as edificações, ou enquanto aberturas caracterizadas pelo

funcionamento controlado, retrátil, inseridas em certos trechos das coberturas.

O auditório, um volume semiesférico e inclinado, é pontuado verticalmente por

uma cúpula metálica que, por meio da automatização, abre-se em gomos a fim

de propiciar a entrada da luz natural no espaço interno. Um recurso já utilizado

anteriormente na Rede Sarah, mas que neste caso, devido à excentricidade do

cume semicircular, coloca o foco no palco.

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Hospital Sarah Kubitschek - Fortaleza, CE.

Motivado pela vontade de melhor compreender as variáveis de conforto

ambiental e sua integração com o projeto arquitetônico, o arquiteto e urbanista

Jorge Isaac Perén focou seu mestrado no projeto do hospital Sarah Kubitschek

de Fortaleza, concebido pelo arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé). Para Isaac

Perén, as obras de Lelé evidenciam as melhores soluções bioclimáticas para

favorecer a ventilação e a iluminação naturais.

“A preocupação constante com o conforto ambiental e a economia de energia

são características de suas obras: escolas, centros de vivência, elementos para

infra-urbana, mobiliário urbano e hospitais”. Apesar de Lelé ter um conjunto de

obras voltadas para a arquitetura bioclimática, Perén optou por projetos de

hospitais pela sua complexidade. “O arquiteto que consegue soluções

bioclimáticas em hospitais conseguirá em qualquer outra edificação”, afirma. As

soluções arquitetônicas para esse tipo de projeto estão subordinadas às

características climáticas do local. “Por isso, a orientação, forma do edifício e

as características de seus componentes - geometria e orientação de janelas,

aberturas, cobertura e paredes - respondem à direção dos ventos e à posição

do sol”, observa Perén.

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O hospital da rede Sarah em Fortaleza foi construído sobre um terreno cuja

topografia, natureza do solo e nível do lençol freático favoreceram a execução

da obra. Uma grande área arborizada, abundante em espécies locais, ocupa

mais de 1/3 do terreno. Um bloco vertical abriga apartamentos e enfermarias.

“Embora a disposição horizontal seja a ideal para projetos de hospitais, pois

possibilita o acesso direto dos pacientes aos jardins adjacentes às áreas de

tratamento e internação, no Sarah Fortaleza o arquiteto optou por verticalizar

parte do programa para preservar a grande área arborizada do terreno”, afirma

Perén.

Ventilação

Para o pesquisador, a setorização do hospital Sarah Kubitschek Fortaleza

ilustra bem esses aspectos. O programa foi organizado de maneira a aproveitar

os ventos provenientes do sudeste. Da mesma forma, as galerias de

ventilação, no subsolo, foram orientadas para captar os ventos dominantes. E

os sheds funcionam como sucção do ar quente. O bloco vertical (enfermarias e

internação) foi localizado na parte posterior do terreno para não barrar as

correntes de ar e permitir, assim, a ventilação natural dos ambientes flexíveis.

Os ambientes com ar-condicionado estão localizados na parte posterior ou na

lateral do edifício, dando assim uma localização mais privilegiada para os

ambientes ventilados naturalmente. Para atender aos princípios da ventilação

natural foram desenvolvidos dois sistemas, que podem operar

simultaneamente: o de convecção e o de ventilação cruzada. No modo por

convecção, o ar frio é injetado através das galerias de ventilação do subsolo e

extraído pelos sheds, com as aberturas a favor dos ventos dominantes, dando

o efeito de sucção.

Merece atenção especial, devido ao funcionamento das galerias de ventilação.

Já o sistema de ventilação cruzada ocorre através de dois sheds, com

aberturas voltadas em sentido oposto. A eficiência desse sistema poderá ser

eventualmente aumentada com o emprego de equipamento mecânico de

exaustão ou insuflamento, localizado na abertura do shed.

Outro dado da pesquisa de Perén é que, no hospital de Fortaleza, a grande

cobertura em arco está formada por vigas de metal apoiadas nos pilares

periféricos da área de fisioterapia. Lâminas de metal, apoiadas às vigas,

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permitem a ventilação dos ambientes e funcionam como brises, protegendo o

jardim interno da radiação direta do sol e da chuva. A cobertura em arco foi

concebida com brises móveis, que deveriam mudar sua inclinação conforme a

passagem do sol. Mas essa ideia não foi executada e a inclinação dos brises é

fixa.

Memorial Darcy Ribeiro, Brasília

Na inauguração do Memorial Darcy Ribeiro, no último mês de dezembro, o

então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva brincou com uma das

mais exuberantes características da irrequieta personalidade do antropólogo.

“Parecia que ia faltar Brasil para tantas ideias de Darcy”, observou. “Brasil não

vai faltar, ele que faz falta”, acrescentou. Não poderia, portanto, ter partido de

outra pessoa, senão do próprio Ribeiro, a intenção de construir um local para

guardar seu acervo no campus da Universidade de Brasília, da qual foi um dos

idealizadores.

Conta a história que, internado no Hospital Sarah Kubitschek de Brasília para

tratar de um câncer, em 1996, Ribeiro reforçou ao amigo Lelé, por meio de

teleconferência, o desejo expresso anteriormente de que o arquiteto projetasse

uma casa para abrigar os livros e o acervo do antropólogo, bem como de sua

primeira companheira, Berta Ribeiro.

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Lelé recorda-se ainda que a ideia do memorial começara a florescer em uma

conversa entre ambos em 1995, quando Ribeiro fugiu do tratamento no

Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, para refugiar-se em sua casa em

Maricá (onde o arquiteto era um dos poucos a ser recebido).

Com o agravamento da doença, a urgência se acelerou. Ribeiro não queria que

a construção parecesse vetusta; pelo contrário, desejava que combinasse

arrojo e beleza, inovação e simplicidade.

Uma semana depois da videoconferência, Lelé mostrou-lhe pessoalmente o

primeiro esboço do edifício, ao qual o próprio homenageado, emérito

apelidador (é dele a alcunha de Sambódromo dada ao local de desfile das

escolas de samba), deu o nome extraoficial de Beijódromo, já que pretendia

que seu memorial fosse também um local de afetos.

Nos desenhos e na maquete, o programa proposto por Ribeiro consolidara-se

numa mistura heterogênea - mas nem por isso menos bela – de oca e disco

voador. Para que a execução do projeto se completasse passaram-se, porém,

14 anos.

Lelé concebeu para o centro cultural e de pesquisa um edifício circular de dois

pavimentos com 31,60 metros de diâmetro e cobertura de 37 metros, em cujo

centro existe um espaço igualmente circular ajardinado, com 13 metros de

diâmetro e pé-direito duplo. O térreo está apoiado no solo.

O pavimento superior possui laje de concreto armado sustentada por 32 vigas

radiais metálicas engastadas a pilaretes também metálicos, posicionados na

periferia da construção e, no centro, em um anel interno que distribui a carga

para oito pilares metálicos tubulares.

Para a estrutura da cobertura, o arquiteto empregou 32 vigas radiais apoiadas

externamente nas vigas do piso superior e internamente em um anel metálico

com três metros de diâmetro.

A cobertura é de telhas dobradas em chapas pré-pintadas de aço galvanizado

e, no trecho correspondente ao jardim interno, de chapas de policarbonato

alveolar. No interior do prédio, lâminas de aço pré-pintado funcionam como

brises na área vedada com policarbonato, permitindo aproveitar a luz natural na

maior parte do dia.

Envolto por um lago, o memorial tem acesso por uma ponte coberta por

marquise metálica. Na parte posterior da construção circular fica o teatro,

Page 22: Ruy Otahke

anexo que aproveita a formação em talude constituída pela terra retirada na

escavação para o círculo de água.

Um sistema de vaporização resultante da passagem do ar introduzido no

prédio por meio de nebulização mecânica da água do lago proporciona conforto

ambiental em todo o conjunto.

Salas de aulas, galeria para exposição, cineclube, gabinetes de pesquisa,

centro de documentação, café, livraria e anfiteatro estão reunidos no memorial.

Ele abriga, além do acervo de Darcy e Berta, a biblioteca do antropólogo, com

cerca de 30 mil volumes.

O espaço pode acolher apresentações artísticas, lançamento de livros e

exposições. O memorial fica entre o Instituto Central de Ciências (que Ribeiro

apelidou de Minhocão) e a reitoria. Resultado de um convênio entre o

Ministério da Cultura e a Fundação Darcy Ribeiro, teve investimento de 8,5

milhões de reais.