ruy alves henriques filho - dominiopublico.gov.br · distanciamento e o mistério maravilhoso do...
TRANSCRIPT
RUY ALVES HENRIQUES FILHO
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA JURISDIO CONSTITUCIONAL E AS
CLUSULAS GERAIS PROCESSUAIS
Dissertao apresentada para obtenodo ttulo de Mestre.Curso de Ps-Graduao em Direito,Setor de Cincias Jurdicas, UniversidadeFederal do Paran.Orientador: Prof. Dr. Luiz GuilhermeMarinoni
CURITIBA
2006
http://www.pdfdesk.com
TERMO DE APROVAO
Dissertao aprovada para obteno do grau deMestre no Curso de Ps-Graduao em Direito,Setor de Cincias Jurdicas, Universidade Federaldo Paran, pela Comisso Formada pelosProfessores:
Orientador: ______________________________________Prof. Dr. Luiz Guilherme Marinoni
______________________________________
______________________________________
Curitiba, de de 2006.
http://www.pdfdesk.com
Marina.
http://www.pdfdesk.com
AGRADECIMENTOS
Durante estes quase trs anos, em meio a muito estudo, crditos vencidos
e pesquisas, nasceu uma obra divina minha filha Marina. Por ela, agradeo a
Deus!
Obrigado, querida e amada Ana Lcia esteio lcido dos meus passos.
Aos meus pais, sogros e familiares, pelo exemplo e pacincia... obrigado.
Agradeo aos que por mim torceram. Espero que a cobrana seja
proporcional e considere meus infinitos defeitos.
Agradeo ao Professor Luiz Guilherme Marinoni, pelo apoio e orientao,
sabedor desde o incio que a tarefa no seria fcil.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao, colegas e funcionrios
da Universidade Federal do Paran, expresso a minha gratido.
http://www.pdfdesk.com
O homem semeia um pensamento e colhe uma aoSemeia um ato e colhe um hbito
Semeia um hbito e colhe um carterSemeia um carter e colhe um destino.
Swami Sivananda
http://www.pdfdesk.com
Os tribunais tm certa capacitao para lidar com questes de princpio
que o Legislativo e o Executivo no possuem. Juzes tm, ou devem ter, a
disponibilidade, o treinamento e o distanciamento para seguir os caminhos
da sabedoria e iseno ao buscar os fins pblicos. Isto crucial quando
se trata de determinar os valores permanentes de uma sociedade. Este
distanciamento e o mistrio maravilhoso do tempo do aos tribunais a
capacidade de recorrer aos melhores sentimentos humanos, captar as
melhores aspiraes, que podem ser esquecidos nos momentos de
grande clamor.
Alexandre M. Bicker. The least dangerous branch. 1986.
http://www.pdfdesk.com
RESUMO
Este trabalho de dissertao do Mestrado em Processo Civil, no Programade Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal do Paran, pretende atingirtoda comunidade jurdica de modo a estimular o uso e estudo da nova modalidadelegislativa denominada clusula geral processual. Preliminarmente, falamos daatividade judicante e da transformao da postura do juiz no Processo Civil dentroda Histria. Anotamos a influncia do pragmatismo na concepo das leis erevelamos os principais aspectos da jurisdio como tarefa estatal entre oabsolutismo e o ps-positivismo. Em seguida, estudamos os princpios fundamentaisinsertos, explicitamente, ou, no, na Constituio Federal, suas dimenses eclassificao, de modo a enquadrar a jurisdio efetiva como princpio constitucionalfundamental derivado e prestacional. Abordamos a abertura das normasfundamentais e da obrigao do magistrado de julgar e distribuir o processoconforme Constituio Federal, de modo supletivo e posterior ao legislador,aplicando o princpio da proibio de insuficincia. Alm disso, defendemos aimpossibilidade de limitao dos direitos fundamentais, principalmente em face dasua incidncia no Processo Civil. Em continuidade, examinamos detidamente ateoria do filsofo e jurista, Ronald Dworkin, at atingirmos, com serenidade, oentendimento de que o juiz dever fazer a concreo do mundo ftico utilizando asnormas de contedo indeterminado, a fim de alcanar o escopo da jurisdioconstitucional. Estudamos o neoconstitucionalismo e seu reflexo na atividadeprocessual civil e, ainda, a atividade judicial e conformao da lei ConstituioFederal, mormente, na ausncia de procedimento adequado tutela do direitomaterial. Nesta trilha, em evoluo, questionamos o "poder criador" do juiz, bemcomo anotamos a relevncia do uso dos princpios, normas, valores e regras para aatividade de exegese. E, a partir da possibilidade de coliso de direitosfundamentais, que se faz necessrio indicarmos a utilizao do princpio daproporcionalidade, como o propsito de dirimir a questo fundamental e, comoconseqncia, atribumos s clusulas gerais o desempenho de um papel demodernizao e de efetivao da jurisdio, em ateno ao direito fundamental dejurisdio efetiva. Finalmente, apontamos as funes e algumas das formas decontrole da atividade de concreo do juiz no uso das clusulas gerais, bem assimfinalizamos com exemplos pontuais de clusulas gerais processuais, hoje, emevidncia.
http://www.pdfdesk.com
SUMRIO
RESUMO .........................................................................................................7
INTRODUO...............................................................................................10
1 A ATIVIDADE JUDICIAL NO PROCESSO CIVIL ANTIGO ..........................13
1.1 AUTONOMIA E JUDICIALIDADE NOS SCULOS XVIII E XIX ..............17
1.2 O PRAGMATISMO VINCULANTE...........................................................20
1.3 DO ESTADO LIBERAL AO PS-POSITIVISMO .....................................26
2 O JUIZ E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................33
2.1 TEORIAS PARA CONCEITUAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.38
2.2 ABERTURA DAS NORMAS FUNDAMENTAIS .......................................42
2.3 AS DIMENSES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS..............................47
2.3.1 Direitos Fundamentais de primeira dimenso ................................52
2.3.2 Direitos Fundamentais prestacionais .............................................56
2.3.3 Direitos Fundamentais de terceira dimenso .................................62
3 A EFICCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..........................................65
4 O CARTER DPLICE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .........................73
5 LIMITAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...........................................76
5.1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA O AUTOR E PARA O RU ......78
6 NEOCONSTITUCIONALISMO E JURISDIO ............................................84
6.1 A CONFORMAO DA LEI CONSTITUIO FEDERAL....................88
6.2 A JURISDIO CONSTITUCIONAL .......................................................92
6.3 A CONCREO NA JURISDIO CONSTITUCIONAL ........................97
6.4 VINCULAO DOS RGOS DO PODER JUDICIRIO AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS...............................................................107
7 INTERPRETAO PRINCIPIOLGICA BASEADA EM RONALD
DWORKIN ............................................................................................... 112
7.1 A COMMON LAW ..................................................................................113
7.2 A QUESTO DA INTEGRIDADE...........................................................116
7.3 O CONTRATO SOCIAL.........................................................................121
8 O PODER CRIADOR ...............................................................................124
http://www.pdfdesk.com
9 A FORMULAO DA NORMA FUNDAMENTAL.......................................131
9.1 PRINCPIOS, REGRAS E VALORES....................................................132
10 A COLISO NAS MOS DO PODER JUDICIRIO .................................137
11 ANOTAES SOBRE O PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE ........141
11.1 OS SUB-PRINCPIOS QUE INTEGRAM O PRINCPIO DA
PROPORCIONALIDADE..................................................................144
11.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL .................................................146
12 AS CLUSULAS GERAIS ........................................................................148
12.1 A AUSNCIA DE MODELO.............................................................152
12.2 ESTRUTURA DAS CLUSULAS GERAIS ........................................154
12.3 AS FUNES DAS CLUSULAS GERAIS.......................................156
13 EXEMPLOS DE CLUSULA GERAL PROCESSUAL .............................160
13.1 A UTILIZAO DAS CLUSULAS GERAIS PELOS JUZES E
TRIBUNAIS ......................................................................................166
13.2 A SOFISTICAO DO CONTROLE DOS ATOS DO JUIZ................170
CONCLUSO PESSOAL ..........................................................................175
REFERNCIAS..........................................................................................176
http://www.pdfdesk.com
10
INTRODUO
justamente na poca dos questionamentos em face do papel do Poder
Judicirio perante a sociedade, em especial sua eficcia como instituio
mantenedora da paz social pela justa distribuio da jurisdio constitucional, que
surgem mecanismos legislativos destinados a viabilizar a concreo de normas
abertas, em homenagem efetividade das medidas judiciais, levando em estima os
direitos fundamentais.
Em geral, questiona-se o papel clssico da jurisdio, notadamente,
quanto ao seu significado etimolgico, no sentido de dizer o direito, via provocao
do rgo julgador pelos detentores de pretenses resistidas. Ento, descerra-se a
nova face da jurisdio no Estado Constitucional, de modo a permitir a leitura
principiolgica da tarefa do juiz, aps o fim do positivismo e legalismo jurdico.
O pluralismo das normas fundamentais inseridas expressamente, ou no,
na Constituio Federal, d o tom da necessria releitura da atividade controladora
da constitucionalidade das normas pelo juiz. O magistrado est autorizado a julgar o
caso concreto, utilizando-se das ferramentas legislativas prprias, a fim de eliminar a
inconstitucionalidade e a inadequao eventualmente presentes em lei-
infraconstitucional, posto que neste contexto, tornam-se violadoras da norma maior.
A jurisdio do neoconstitucionalismo deve permitir a convivncia de
direitos fundamentais, de forma que o magistrado se valha das tcnicas de
interpretao conforme, bem assim da declarao parcial de nulidade sem reduo
do texto legal, na inteno de criar ou adequar a norma jurdica inexistente ou
inadequada a partir da interpretao de acordo com a Constituio Federal e da
aplicao do controle da constitucionalidade desde o primeiro grau de jurisdio;
para isso, o julgador se servir do princpio da proporcionalidade, com intuito de
estabelecer uma deciso em caso de coliso dos direitos fundamentais, tudo em prol
da efetividade da sua medida.
Sempre haver aquele que pretenda ver a atuao do Poder Judicirio de
modo previsvel, calculado e no integrativo ao sentimento da norma fundamental,
proporcionando, ao seu especulador, segurana jurdica em detrimento ao clamor
da efetividade da jurisdio e sua temporariedade.
http://www.pdfdesk.com
11
Ao considerar a evoluo do papel do julgador na Histria, a partir do
Absolutismo, passando pelo Estado Legislativo, at os dias atuais, buscaremos
analisar sua funo de controlador da constitucionalidade da lei, com o fito de
demonstrar que o juiz precisa definir os elementos materiais do caso concreto para,
na seqncia, procurar o sentido da norma ordinria luz da Constituio Federal,
e, finalmente, concretizar os valores constitucionais, de modo a propiciar a
efetividade da jurisdio, segundo as necessidades do direito material.
Neste estudo, utilizaremos aspectos pontuais das linhas de pensamento
de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Cristina Queiroz, Gustavo Zagrebelsky, Luiz
Guilherme Marinoni, Ingo Sarlet, entre outros grandes nomes das cincias jurdicas,
chegando concluso de que a interpretao integrativa ganha fora nas mos do
julgador, proporcionando a ele, tecnicamente, meios para enfrentar a crise dos
poderes que enfraqueceram a tarefa jurisdicional.
A atividade do julgador nunca esteve to em xeque: sua importncia
poltico-social se desenvolveu com o decorrer do tempo na sociedade organizada e
ser objeto de uma breve referncia, enfocando sua inicial sujeio ao Poder
Executivo at a superao, em tese, desta vinculao maldita.
Outrossim, verificaremos a funo jurisdicional como obrigao
prestao do Estado Social, atrelada resposta esperada por aqueles que
provocam a tutela pblica sob o argumento de estarem diante de norma
fundamental. A efetividade da jurisdio matria a ser visitada neste escrito, bem
como seu carter constitucional e cogente, tendo em vista se considerar a justia e
a segurana produtos em extino no direito moderno. certo que, de nada vale a
prestao tardia ou inadequada diante de novos direitos, posto que estes maculam,
inclusive, a prpria legitimidade do Poder Judicirio.
A concluso da efetividade da jurisdio como obrigao prestao do
Estado Social, determinada pela norma constitucional inserta no campo dos
direitos fundamentais. Destarte, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, o direito
adequada tutela jurisdicional, garantido pelo princpio da inafastabilidade, o direito
tutela correlata ao direito material e, principalmente, realidade social.1
Demais disso, encontraremos a indicao que a tarefa jurisdicional
necessria somente ser efetivada, em diversos casos, pela atividade executiva do
1 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do processo e tutela de urgncia. Porto Alegre: SrgioAntnio Fabris, 1994. p. 58.
http://www.pdfdesk.com
12
julgador, via uso de normas processuais abertas; a, sim, ele deferir execuo de
suas decises, maior efetividade, menor restrio e a esperada adequao que o
caso concreto determina.
Neste quadrante, eis que as clusulas gerais se tornam ferramentas
especiais do direito (traduzido como integridade), quando nas mos de operadores
do direito; assim, natural concluir que os mecanismos positivados destinados a
contribuir para a efetividade do processo, de modo algum, prescindem de uma
leitura constitucional para seu manuseio. A concreo da norma aberta, fato, liga,
umbilicalmente, o exerccio do direito fundamental efetividade da prestao
jurisdicional, seja no seu aspecto de complementaridade via deciso judicial, seja
pela justa dinamizao do tempo de durao do processo.
Por ltimo, parece-nos de bom alvitre, examinar a fundo as clusulas
gerais de contedo material e processual, apontando no s suas formas de
implicao no caso concreto, mas, tambm seus parmetros limitadores. Desta feita,
restar ao sujeito do direito, a misso de encontrar os meios adequados e modernos
para fazer o controle da atividade do julgador, o qual, na atualidade, desempenha
seu papel com alto grau de subjetividade no que respeita anlise do caso
concreto.
http://www.pdfdesk.com
13
1 A ATIVIDADE JUDICIAL NO PROCESSO CIVIL ANTIGO
Sem olvidar que o alvo deste estudo a atividade judicial na concreo
dos direitos e aplicao das normas processuais de contedo aberto, salutar
voltamos at aos primrdios da Histria, com a finalidade de ilustrar o processo de
evoluo da atividade do juiz e da prpria jurisdio, atividade estatal que vem
mudando a partir do ingresso dos valores sociais no campo da cincia jurdica
positivada.
No incio das civilizaes organizadas, era o prprio soberano quem
ditava as regras na Europa Medieval, solucionava os litgios de maneira pessoal e
arbitrria, primido pela ausncia de um mecanismo de julgamento previamente
determinado, bem como pela falta de um julgador exclusivamente destacado para
exercer este mister.
giza de lembrana, o processo civil romano era subdividido em trs
fases distintas: perodo primitivo da legis actiones; perodo do processo formulrio e
perodo da extraordinaria cognitio.
No primeiro perodo, encontrado de 754 a 149 A.C., havia uma
identificao da lei (direito substantivo) com o processo, onde nascia a simbiose
Direito Ao. Alis, as figuras do rei e o magistrado se fundiam numa pessoa,
revestida pelo carter vitalcio e no passvel de ser responsabilizada por seus atos.
J durante a Repblica, os plebeus lutaram para que houvesse acesso
magistratura e bem assim s leis escritas. Na seqncia, em busca de maior
segurana, surgiu a Lei da XII Tbuas, a qual continha dispositivos de direito pblico
e direito privado, revelando-se, enfim, certa normatividade.
A seguir, como forma de decidir uma questo, evidenciou-se a sentena
cuja significncia assumiu a feio de ato por meio do qual se exprimia a autoridade
do Estado.
No perodo formulrio, de 149 a 209 D.C., com a expanso territorial do
Imprio Romano, o processo (j com base escrita), era predominantemente oral e
dirigido unicamente aos prprios romanos. Em outras palavras, apenas eles tinham
acesso jurisdio como forma de soluo de litgios. Nessa poca, no se verificou
grande implemento na figura do processo civil; contudo configurava-se que a justia
http://www.pdfdesk.com
14
era cara e destinada a poucos. Ao mesmo tempo em que se pretendia dar um
carter de legalidade na estrutura do Estado, havia o anseio de se beneficiar uma
casta que estava no poder ou a ele se vinculava.
Na ltima fase, vivida de 200 ao ano de 565 D.C., restou certo que no
havia ao sem direito, nem direito sem ao; a partir da, surgiram os praetor
peregrinus para atender as questes do imenso territrio europeu, em substituio
aos rbitros privados. No processo romano, as decises finais eram denominadas
sententia e as proferidas no curso do processo, interlocutiones: aquelas eram
recorrveis mediante interposio de recurso de apelao; estas no concebiam
recursos. Aqui, verificou-se a criao do instituto da revelia e a regulao do nus da
prova.
Neste ponto, registra-se que no direito portugus, durante o perodo dos
ps-glosadores, era impossvel recorrer de sentenas proferidas por certos juzes;
ento, eis que a praxe acabou por criar um meio pelo qual o litigante vencido
pudesse alterar tal deciso, chamado de sopricao. Mais tarde, o recurso de
sopricao passou a ser denominado de agravo ordinrio.
Em tal cenrio, o juiz podia proferir duas sentenas: uma no terminativa e
outra definitiva; por conseguinte, s para ter uma idia da vinculao do magistrado
para com o soberano, ficou estabelecido pelas Ordenaes Afonsinas que as partes
poderiam, em virtude do gravame sofrido pelas conseqncias da primeira deciso,
ver o julgado reformado, seja pela apelao, ou, por eventual juzo de retratao
hoje, reexame necessrio.
Caso o julgador no modificasse sua deciso, as partes poderiam usar
das querimas, as quais se pareciam muito com o nosso agravo. A parte vitimada por
um gravame, poderia queixar-se diretamente ao rei, com a exposio oral dos fatos,
na presena da corte.
Posteriormente, tais queixas verbais passaram a ser escritas e eram
representadas pelo estormento dagravo. Assim, deflui-se, toda a sistemtica
processual era habilmente utilizada pelos governantes absolutos, os quais se
serviam dos juzes para alcanar seus intentos egosticos, colocando-os na posio
de agentes polticos-partidrios, seno num papel arbitrrio tanto quanto implacvel.
http://www.pdfdesk.com
15
O magistrado atuava como delegado do rei; ento, via de regra, a parte
perdedora considerava abusiva a deciso e acusava o juiz, no o soberano, de estar
praticando uma violncia.2
Em Frana, observada de 774 a 900 D.C., os juzes estavam obrigados a
manter a fidelidade e a defender os interesses dos que tinham lhe escolhido para o
exerccio da funo. Os magistrados eram temidos porque arbitrrios e substitutos
da vontade impetuosa dos soberanos. Dalmo de Abreu Dallari assevera que,
tamanho temor contribuiu para que a figura do magistrado se tornasse poderosa,
mas tambm para que se criasse uma imagem negativa dos juzes.3
Ao citar Raymond Carr de Malberg, Dallari revela que nos sculos XVII e
XVIII, o ofcio dos juzes, que integravam os Parlaments, igualava-se ao direito de
propriedade das casas e das terras. A magistratura podia ser comprada, vendida,
ou, alugada; uma vez transmitida por herana atingiu at o clebre Montesquieu,
que de 1716 a 1726 exerceu o cargo de juiz na Corte de Bordeaux, por herdar o
cargo de um tio. Montesquieu se desincumbiu da judicatura vendendo o seu cargo
posto que no tinha qualquer interesse na atividade em questo.4
Os magistrados eram proprietrios do cargo e vendiam ao povo a
prestao jurisdicional. A princpio, a burguesia receava o Poder Judicirio, mas com
os custos elevados da mquina judiciria, parecia que somente esta nova classe
seria privilegiada com tal atividade estatal.
Mais adiante, em face da pequena, todavia, crescente conscincia do
julgador, as decises que apoiavam a burguesia ou protegiam os servidores pblicos
injustiados, despertavam a ira dos governantes, que viram em referido fato uma
perigosa interferncia dos juzes em assuntos do Executivo e Legislativo.
A Histria ainda nos mostra que no sculo XVII, o rei Carlos I
marginalizou todos os setores ativos da comunidade, objetivando que os tribunais
dessem apoio s suas decises de privilgio, legalizando-as com evidente fim
poltico. Neste sentido, anotamos que dito expediente foi encontrado sculos antes
da verificao do fisiologismo poltico existente nos pases de democracia liberal ou
neoliberal, a exemplo do Brasil. Assim, que bom se pudssemos falar da figura da
2 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juzes. 2. ed. rev. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 16.3 Idem, p. 12.4 Idem, p. 16.
http://www.pdfdesk.com
16
poliarquia, cujo grau de contestao legitima a democracia inclusiva, facilitando o
acesso de todos s decises justas do poder.5
Alias, como estamos deveras distantes do ideal de poliarquia,
encontramos o Estado-Mnimo, pouco solicitado, onde o acesso ao Poder Judicirio
caracteriza-se pela restrio e pelo custo excessivo populao.
No Brasil Colnia, foi encontrada uma carta que dava conta da
necessidade de instalao do Poder Judicirio (no exatamente com este nome,
mas com funes julgadoras) nas Capitanias Hereditrias. Naquela poca, boa parte
dos cargos judicirios eram exercidos por analfabetos ou degredados, configurando-
se um quadro repleto de imoralidades e eivado de despreparados.
Dizia a tal missiva escrita por Afonso Gonalves, Primeiro Capito da Vila
de Iguarau (PE) ao rei Dom Joo III, em 10 de maio de 1548: H muita gente
nessa capitania (de Pernambuco) e mais haveria, e mais segura, se Vossa Alteza
tivesse aqui justias suas, porque terras novas como estas no se povoam e
sustentam seno com justia, da qual aqui h muita falta.6
A mesma Histria nos revela que a desconfiana no Poder Judicirio
efetivamente teve motivo determinado, pois no incio da atividade da judicatura, por
quase absoluta regra processual, os julgamentos eram feitos conforme o julgador
entendesse por bem ou mal, condenar o cidado; faltava-lhe leis (materiais e
processuais), bem como sobrava desconfiana. A ausncia de confiana foi sendo
superada gradativamente, isto na medida em que legislaes surgiram e
Constituies escritas se tornaram palco dos direitos fundamentais do povo.
Antes da Revoluo Francesa, em 1789, marco mpar na Histria, na
Europa, o juiz era, na verdade, um joguete intimamente ligado s vontades do
soberano, que a partir da Queda da Bastilha, foi alvo das glosas legislativas, com
reflexos processuais no Estado Legislativo.
No Brasil, no houve tanta diferente, uma vez que Pero Borges, primeiro
Ouvidor-Geral das Capitanias Hereditrias e futuro desembargador, j veio para as
terras americanas, por volta de 1550, aps sofrer investigao de possvel desvio de
dinheiro ocorrido no perodo que atuou como Corregedor da Justia em Elvas, no
Alentejo. Em 17 de maio de 1547, Pero Borges foi condenado a restituir o valor
5 DAHL, Robert A. Poliarquia: participao e oposio. Prefcio Fernando Limongi. Traduo CelsoMauro Paciornick. So Paulo: Ed. Universidade de So Paulo, 1997. p. 30.6 BUENO, Eduardo. A coroa, a cruz e a espada. AJURIS, Porto Alegre, Edio Especial, p. 33, dez.2005.
http://www.pdfdesk.com
17
desviado na construo de um aqueduto; em seguida, o mesmo Borges, nomeado
pelo mesmo rei Dom Joo III, tornou-se Corregedor-Geral do Brasil (uma espcie de
Ministro da Justia).7
Nada impede afianar que toda a caminhada realizada pelos juzes em
busca da conquista pela legitimidade da funo tenha sido reconhecida pela maioria
dos pases, os quais consideram a democracia base para o governo, restando certo
que no existir democracia sem Poder Judicirio forte, independente e imparcial.
1.1 AUTONOMIA E JUDICIALIDADE NOS SCULOS XVIII E XIX
Em 1803, sob a presidncia do juiz John Marshall, a Corte Suprema dos
Estados Unidos da Amrica, correspondeu s expectativas do ento presidente
americano Thomas Jefferson, controlando a constitucionalidade dos atos do
Congresso Nacional. Diante da marcante contribuio ofertada pela Declarao de
Independncia, em 1776, Jefferson decidiu aceitar o controle da constitucionalidade
tambm dos atos do Executivo, fortalecendo no apenas a figura do juiz, mas
tambm, promovendo a necessria aproximao da magistratura com o povo, o qual
passou a solucionar seus problemas mediante a atuao de profissionais
especializados, devidamente comprometidos com padres tcnicos, o que acontecia
at aquele momento.
O governante americano sempre se referia de modo positivo ao Poder
Judicirio, e tal defesa fez do julgamento tcnico, palco para salvaguardar os direitos
fundamentais dos indivduos. Na tica de Jefferson: Um judicirio independente de
um rei ou de um governo monocrtico uma boa coisa; mas independente da
vontade do povo um erro, pelo menos num governo americano.8
Para dar melhores condies de trabalho aos juzes, em 1801 o
Congresso americano aprovou o judiciary act, o qual fixou a proibio de remoo
dos magistrados e firmou a idia de um Poder Judicirio independente e forte.
No final do sculo XIX, a sociedade estadunidense estava comprometida
e vinculada aos valores do liberalismo e positivismo jurdico. A idia de jurisdio se
7 BUENO, op. cit., p. 34.8 MAYER apud DALLARI, op.cit., p. 18.
http://www.pdfdesk.com
18
esgotava na funo de atuao dos direitos subjetivos privados violados,
configurando-se num modelo comprometido com a forma do procedimento, sem dar
a devida ateno ao substrato casustico dos processos.
Neste quadrante, faz-se necessrio relembrar que a Escola Exegtica (da
Interpretao) marcou a vinculao do juiz lei e vontade do legislador, de forma
que durante sua vigncia somente se exercia a atividade judicial punitiva e
reparadora.
Na atualidade, temos, pelo menos, em tese, um Poder Judicirio atuante
e comprometido com a sociedade na qual est inserido. As recentes modificaes
constitucionais e legislativas, sero vistas, oportunamente, em captulo prprio, e
tendero a refletir a nova forma de julgamento, cujo comprometido d-se em relao
concreo das normas, adequao do procedimento e ao seu tempo de
tramitao.
Ainda que se considerem alguns fatores legislativos j insertos no corpo
legal, somado ao quesito comprometimento do Poder Judicirio no
acompanhamento das transformaes sociais, sem dvidas, verificaremos que
mesmo com toda a sinalizao normativa existente, fatalmente enfrentar-se-
resistncia dos operadores do direito at a efetivao das mudanas conceituais da
atividade do julgador frente s clusulas gerais materiais e processuais.
Ao abandonar o positivismo jurdico desenvolvido no sculo XIX, uma
conseqncia da aplicao distorcida do enunciado de Plato, desenvolvido por
Aristteles, segundo o qual um governo de leis melhor do que um governo de
homens, evidenciou-se o Absolutismo, seguido do Legalismo, consagrado na obra
de Montesquieu Do esprito das leis, na qual os seres humanos estariam sujeitos
s leis, que so a expresses da razo.
Como num retorno filosfico ao antropocentrismo do sculo XVIII, o
homem verificou que ele transforma a natureza e, portanto, faz as leis e muda a
Histria.
Nasceu, ento, o Positivismo Crtico, que afirmou a possibilidade do juiz
dar vida lei, desenvolvendo um raciocnio voltado aplicao das normas e
comprometido com a Constituio, de onde posteriormente nasceram a teoria dos
direitos fundamentais, de princpios e outras as quais veremos adiante. Estas
http://www.pdfdesk.com
19
conferiram ao Poder Judicirio atividade produtiva e no apenas declaratria quando
do trato da jurisdio.9
Descartes, Kant, Hegel, Marx e Haberman contriburam para o retorno do
homem ao centro do mundo, na terceira fase (perspectiva) dos grandes marcos da
Filosofia. O momento que se vivia poca era o da factibilidade, em que o
perceptvel no mundo jurdico, no estava se coadunava com a expectativa daqueles
que se sujeitavam lei.
Neste panorama de ateno ao ser humano e suas agruras, o julgador foi
chamado para fazer parte do resgate social das leis. Doravante passou-se a falar em
efeitos das leis, isto conforme postura pragmatista. Em tal momento, se buscava,
pela pena do juiz, a efetividade das normas por intermdio de aes possveis, no
mais por meio de aes utpicas. Assim, relembre-se que em tal fase da
humanidade, o possvel era o resultado da submisso do impossvel ao critrio de
factibilidade, contexto que ensejou nos Estados Unidos, o surgimento da Escola do
Pragmatismo.
Para estudar a importncia da efetividade das decises judiciais, so
indispensveis algumas linhas sobre a Escola do Resultado, que justificou, por
muitos anos, a adoo de medidas que deferiam poderes extremos aos juzes,
preparando-os para o ingresso da Histria do Estado Social. Alis, nesta esteira de
raciocnio, mister ter o juiz como ente social e, portanto, pensarmos nele como
algum dotado de poder, capaz de resgatar a dignidade da sociedade pela
sociedade.
Com o conhecimento dos direitos fundamentais, especialmente de
prestao derivada (jurisdio efetiva), teremos a sensibilidade de abordar a
necessidade de participao do juiz no procedimento, bem assim de alertar quanto
correo do uso das clusulas gerais, vista aqui, como novidades legislativas
destinadas a prestar efetivao tutela jurisdicional; ento, registre-se, seu controle
se espelha na mesma forma de controle dos direitos fundamentais, que so
multifuncionais e pertencentes ao homem livre e digno.10
9 MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdio no Estado constitucional. Jus Navegandi, Teresina, v. 9,n. 635, 4 abr. 2005. Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina.texto.asp?id=6550. Acesso em: 10jan. 2006. Matria tambm editada posteriormente no livro: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.).Estudos de direito processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Arago. SoPaulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 13/66.10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 5.ed. rev. atual. e ampl. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 91.
http://jus2.uol.com.br/doutrina.texto.asp?id=6550.http://www.pdfdesk.com
20
Desta feita, ao ter em mente, ab initio, que a efetividade da jurisdio
direito fundamental e no est presa literalidade da norma, e, ainda, que seu
controle dever ser melhor ajustado realidade do nosso Poder Judicirio, mostra-
se cada vez mais urgente a adequao do processo civil ao direito material, sob a
tica dos direitos fundamentais.
Eis que a vinculao do julgador ao resultado de suas decises restou
patenteada nos Estados Unidos, numa poca em que ainda se discutia a atividade
jurisdicional e seu liame com as normas e princpios constitucionais; de logo, o
resultado processual a ser alcanado, deveria ser o esperado pelas partes alm de
amplamente fundamentado para os demais jurisdicionados, porque atingidos pelos
cases j decididos por um tribunal.
Assim, devido preocupao existente, com o teor das decises, surgiu a
Escola do Pragmatismo, que estudou a resposta como finalidade nica de uma ao
judicial, ou seja, segundo ela, no haveria lugar para lacunas e o juiz passaria a agir
dentro de limites maiores do que aqueles estabelecidos no Estado Legislativo, sem
contudo, criar.
1.2 O PRAGMATISMO VINCULANTE
De acordo com os ensinamentos de Owen Fiss, ao decidir o caso o juiz
no recorre a um processo dedutivo; decide antes, com base em uma razo
pragmtica, o consenso da comunidade interpretativa. Aqui, trata-se da criao de
uma norma que no havia sido antes formulada, de uma sub-norma, sempre
implcita na regra/norma vlida. Tal sub-norma que o juiz escolhe, corresponde
regra mais abstrata, ainda que mais concretizada.11
O pragmatismo uma forma que foi assumida, na Filosofia
contempornea, pela tradio clssica do empirismo ingls. ttulo de ilustrao, o
caminho seguido pelo empirismo clssico consistia em explicar a validade de um
conhecimento(reportando esse mesmo conhecimento s condies empricas que o
11 FISS, 1982 apud QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Coimbra: CoimbraEditora, 2002. p. 183. Ver ainda: QUEIROZ, Cristina M. M. Interpretao constitucional e poderjudicial. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1999.
http://www.pdfdesk.com
21
norteavam) e realizar uma anlise da experincia com vista a determinar tais
condies empricas.
O seu exame, ser muito pertinente ao verificarmos que o juiz, como
destinatrio final da clusula geral e responsvel pela ponderao entre valores
fundamentais do autor e do ru, dever to-somente vislumbrar o resultado de sua
conduta, como reflexo da eficcia vertical dos direitos fundamentais, embora seu uso
exagerado no permita a aplicao dos princpios de justia em todos os casos,
conforme veremos ao final do presente estudo.
Neste contexto, a experincia (jurispudence) uma progressiva
acumulao e registro de dados e, igualmente, corresponde sua organizao ou
sistematizao. Desse modo, a experincia em que se baseia o empirismo clssico
era, substancialmente, uma experincia passada: constitua um patrimnio ilimitado,
que podia ser inventariado e sistematizado de forma total e definitiva. Para o
pragmatismo, a experincia substancialmente a abertura para o futuro: sua
caracterstica primordial se respalda na possibilidade de se fundamentar uma
previso, conforme se d com os cases.
Considerando a codificao das normas e a vinculao do julgador a elas,
havia, praticamente, um cenrio propcio para efetivao do empirismo e regulao
da atividade julgadora, a fim de se evitar criaes abusivas pelas mos dos juzes. A
previso que se buscava, era o contraponto da clusula geral de concreo e
criadora. Com esta Escola, houve um resgate controlado da dignidade da sociedade
vilipendiada durante o perodo absolutista anteriormente vigente na Europa, sem,
contudo, dar-se municiamento ao juiz que ainda estava em quarentena.
A anlise da experincia no se constitui, por conseguinte, em inventrio
de um patrimnio acumulado, mas na antecipao de referido patrimnio. Deste
ponto de vista, uma verdade no pode ser confrontada com os dados acumulados
de uma experincia passada, mas, sim, por ser suscetvel de um uso qualquer em
experimentos futuros. A previso dessa possvel utilizao, a determinao dos seus
limites, das suas condies e dos seus efeitos, configura-se em significado de tal
verdade. Neste sentido, a tese fundamental do pragmatismo a de que toda a
verdade uma regra de ao, uma norma para a conduta futura, entendendo-se por
ao e por conduta futura, toda espcie, em forma de atividade cognitiva ou emotiva.
O pragmatismo nasceu nos EUA, no ano de 1878, com ensaio de Willian
James e, em 1879, Carlos Sanders Peirce fixou novas bases para sua conceituao;
http://www.pdfdesk.com
22
logo, traduziu-se em duas formas bsicas, quais sejam: uma forma metafsica, que
uma teoria da verdade e da realidade e, outra forma metodolgica, que pode ser
descrita como uma teoria do significado.
O vocbulo pragmatismo provm do termo grego pragma, as coisas, os
feitos, em contraposio s idias e teorias de uma histria utilitria, destinada a
amarrar os sucessos que interessam ao homem, desconsiderando suas
experincias, aventuras e lendas. O significado emprico e utilitarista foi captado por
Kant, que introduziu o termo na Filosofia. De acordo com sua noo geral,
pragmatismo a doutrina que ensina o valor da verdade de uma idia, de um
princpio terico dependente dos resultados prticos desta mesma idia. Uma
deciso judicial somente seria boa se o resultado por ela alcanado fosse
socialmente satisfatrio.
Esta praticidade se traduz em utilidade e xito prtico, isto , em
verificao ou como previso de uma expectativa futura. Os pragmticos no se
perguntam que teorias so verdadeiras, seno que frutos se seguiro para a vida
prtica, de modo a aceit-las como verdadeiras ou falsas.
A idia (deciso) verdadeira quando ela marca, quando tem xito,
quando se obtm algo desejado. Uma idia essencial para algo prtico e quando
realiza aquilo que se almeja, esta idia se torna verdadeira.
Os precedentes do pragmatismo talvez tenham surgido como empirismo
radical, evolucionista e vitalismo geral, conforme concebia Bergson. Outros filsofos
com espeque nas idias de Plato, Aristteles e outros grandes pensadores,
afirmavam que se tratava apenas de uma nova forma de pensar os antigos modos.
Em 1901, um filsofo norte-americano tentou provar a existncia de uma
filosofia original de seu pas diante de colegas, em Edimburgo. Chamava-se William
James, que no juzo de Enrique Dussel encontrava-se na mesma e embaraosa
situao em que os filsofos latino-americanos esto hoje, aps cem anos.12
Seus antecedentes foram rastreados em 1867, dois anos depois do
trmino da Guerra da Secesso. Naquela poca, o Norte dos EUA, industrial e rico,
entrou em conflito com o Sul, essencialmente agrcola e escravagista. H um
sculo atrs, os Estados Unidos da Amrica comeavam, ento, sua expanso
12 DUSSEL, Enrique. tica da libertao na idade da globalizao e da excluso. TraduoEphraim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lcia M. E. Orth. Petrpolis, RJ: Editora Vozes, 2002. p.239.
http://www.pdfdesk.com
23
imperial por Porto Rico, Filipinas e Cuba. Na atualidade, podemos constatar tal
expanso com os exemplos do Iraque e Afeganisto.
Uma vez que este tema ainda est em debate na Europa, o retorno das
grandes teses filosficas a respeito do pragmatismo saudvel, mas isso no ser
possvel caso o pragmatismo do Norte no se abra a um necessrio dilogo com o
Sul empobrecido.
Guilhermo James diz que nossas idias no se justificam apenas por sua
origem na experincia; para ele, seu valor depende dos resultados que a conduzem,
das perspectivas que abrem. De conformidade com as idias lanadas, laboraramos
as leis aplicadas, sem dar folga aos julgadores presos ao sistema codificado. Para o
supracitado escritor, o pragmatismo uma filosofia que se fulcra no positivismo. As
idias so simples nomes para representar globalmente um conjunto de
experincias similares, j acontecidas e, fatalmente, inseridas no corpo legislativo.13
J os intelectuais do realismo entendem que a verdade representa uma
relao esttica, inerte e que, uma vez lograda a idia da verdade, teremos
encontrado o trmino da questo. Ao contrrio, para o pragmatismo verdade
realista falta consistncia, um porqu que justifique o sentido da verdade conter um
valor prtico para a vida. Nesta triha, ope-se ao copie theorie por intermdio do
cash-value. Este "valor caixa" representado como conseqncia prtica derivada
da prpria experincia.
Este momento pragmtico pode ser chamado de verificao ou validao,
e, destarte, consideram-se idias verdadeiras aquelas idias que podemos assimilar,
validar, corroborar e demonstrar e, por sua vez, falsas, as que no podem passar
pelo processo de verificao. Alis, ao transportar esta verificao para o processo
legislativo, teramos a norma processual que sujeita o juiz, uma determinada
experincia da validao que justifica e explica sua construo. Como j se operou o
processo de verificao da idia bsica que compe a norma legislativa, ao
magistrado no caberia inovar ou criar uma soluo adequada, todavia, paralela ao
texto processual; neste sentido, consigne-se, ao juiz estaria fadado o exerccio surdo
da lei muda.
13 GRUPO DE PESQUISA PRAGMATISMO E FILOSOFIA AMERICANA. Disponvel em:. Acesso em: 12 ago. 2004.CEFA CENTRO DE ESTUDO EM FILOSOFIA AMERICANA. Disponvel em:. Acesso em: 12 ago. 2004.
http://www.pdfdesk.com
24
Chamou-se a interpretao do pragmatismo de estudo da verdade em
funo do homem, posto que a partir de sua teoria pragmtica da verdade que se
faz da verdade de per si, uma funo do indivduo, das suas necessidades, dos
desejos humanos, j que o ser humano entende o mundo como s para ele faria
sentido.
Como homem e a natureza no podem se separar, o homem no um
ser estranho que venha de fora do mundo, como afirmam os espiritualistas. As
experincias, em sua totalidade, so experincias humanas, portanto, de certo
modo, previsveis; sob tal enfoque, tudo que se desejava era a previso da reao
do Estado-Juiz-Homem, separando este ltimo de eventual aplicao criadora ou de
concreo, uma vez que se detectava o temor do desconhecido e seus resultados.
Em suma, a sentena deveria ser previsvel e o juiz, apenas emanante da deciso
suprema.
No entanto, a conscincia constitui o momento crucial de uma
transformao da experincia, que encerra em si a readaptao para uma nova
direo, na qual sentimos mais fortes nossa conscincia e ao, o que significa:
querer, conhecer e ser.
Demais disso, fala-se ainda em esprito distinto da conscincia,
constituindo sistema organizado de crenas, acepes e, conseqentemente,
legislaes. Neste passo, registre-se, aquele ato que emerge do esprito de grupo
e de seu tempo, a exemplo do autor de alguma inveno.
fcil entender o pragmatismo como instrumentalista, na medida em que
a Filosofia duvida que o pensamento no funcione com vistas a um saber, com
vistas a uma ao. Neste aspecto, todo conhecimento instrumento forjado para
uma vida e suas adaptaes. O pensamento se funda em hipteses, as quais o
ligam verdade mediante um resultado pragmtico. O valor de uma idia ou de uma
teoria instrumental e consiste em sua aptido para servir de instrumento a uma
experincia e sua tarefa de tornar mais perfeita a realidade.
No momento em que o pragmatismo perquire, a verdade j tem a
resposta: as verdadeiras idias so aquelas que podemos assimilar, validar,
corroborar e verificar. E, como dito acima, a verdade que sucede uma idia torna-se
verdadeira e, mais, faz-se verdadeira mediante fatos. Esta manobra pragmatista, por
muitos anos engessou o pensamento do julgador, vinculando-o explicitamente ao
texto legal; essa j havia sido experimentada e, portanto, validada pelos
http://www.pdfdesk.com
25
legisladores. Alis, no estava sujeita a alteraes subjetivas, muito menos por
pessoa que no detivesse legitimidade poltica para tanto.
Ocorre que nem sempre se previa na lei positivada todos os fatos da vida
social, faltando ao julgador instrumento bastante para deciso de caso novo e
desconhecido; o julgador tornava-se mero administrador do problema, sem vistas
para sua soluo e, de conseqncia, figurava como um ineficaz e ineficiente
operador do direito.
Curioso que no seu pas de origem, o corpo de magistrados est
subdividido em diversas modalidades de ingresso na carreira (se que existe uma
carreira igualitria para todos). E mais, aduza-se que a lei base para o julgamento
inicial; entretanto, anote-se, este depender, sobremaneira, da posio
jurisprudencial dominante, uma vez que diante da common law, a casustica tem
forte poder decisivo na fase do pretrial, restando ao juiz, ser simples convidado das
partes para o debate. Aqui, eis que se abrem, novamente, parnteses, pois no
podemos deixar de destacar to basilares diferenas existentes entre os sistemas
latino e anglo-saxnico, a fim de iluminar o palco no qual se embasa toda a
discusso acima gizada.
Dworkin ao responder se o pragmatismo conveniente, revela que no
se trata de tomar uma deciso do tipo oito ou oitenta: um pragmtico deveria chegar
a sua concepo de modo to abertamente pragmtico quanto lhe permita sua
ousadia, disfarando apenas aqueles elementos sua doutrina da obsolescncia,
talvez que a comunidade no est totalmente preparada para aceitar.14
Nesta esteira, cumpre ressair, ainda, consabido que muitas das normas
so editadas na medida em que so validadas pelos resultados esperados ou
conseqncia do trabalho da presso de determinada categoria sob o parlamento. O
pragmatismo est presente sem se fazer notar, em quase todas as normas
trabalhistas e de cunho previdencirio, porquanto o reflexo econmico de suas
edies se traduzam, via de regra, em preocupaes ventiladas pelas polticas
pblicas setoriais.
14 DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. Traduo Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: MartinsFontes, 2003. p. 190.
http://www.pdfdesk.com
26
1.3 DO ESTADO LIBERAL AO PS-POSITIVISMO
A Revoluo Francesa teve o condo de punir os juzes que judicaram em
benefcio da autoridade que lhe escolheu; sob sua vigncia, eles obrigados a se
adaptar aos princpios republicanos, bem assim a aceitar a separao dos poderes
idealizada pelo ex-juiz, Montesquieu que, alis, disse que se os julgamentos fossem
uma opinio particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os
compromissos que nela so assumidos.15
O magistrado passou a ser apenas a boca da lei e era tratado como
pessoa que no podia inovar ou criar solues para os casos concretos, fato este
verificado pela codificao integralmente casustica e absolutamente anticriadora. 16
Em Frana, este Estado Legislativo representava a validade da lei em
razo da autoridade que lhe proclamava, independentemente da justia ou
moralidade da norma. A Constituio era uma espcie de parmetro para a lei, que
no via na Carta Poltica qualquer embarao limitador s vontades do legislador.
A perda de poder e a desconfiana que atingiu a atividade dos juzes
revelaram a necessidade da sistematizao completa da lei, surgindo, de
conseqncia, os cdigos casusticos. Esta codificao atuou de modo a engessar o
pensamento do juiz, que at ento, era tido como algoz e parcial.
Aqueles que no caram junto com os dspotas foram reenquadrados na
nova codificao e no mais podiam criar o direito ou adequ-lo ao caso concreto,
sem que o fato da vida estivesse perfeitamente descrito na lei e dela derivasse a
resposta que o juiz deveria prolatar. Alguns substitutivos foram criados, todavia,
integralmente ligados aos princpios gerais do direito, costumes e usos detectados
em face do povo e no dos precedentes das cortes judiciais.
Com a finalidade de extirpar as razes absolutistas, o Estado Liberal
elegeu o princpio da legalidade para embasar a sustentao do novel estado. O
cidado estaria seguro porque no exposto ao autoritarismo do dspota e, por
15 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron. Do esprito das leis. So Paulo: Abril Cultural,1973. p. 158.16 Como j dizia Francis Bacon, no seu ensaio Magistratura, os juzes devem sempre se lembrar deque seu ofcio jus dicere e no jus dare, interpretar a lei, no fazer a lei, ou dar a lei. (ApudDALLARI, 2002, p. 67).
http://www.pdfdesk.com
27
conseguinte, com o advento da lei no sentido formal e protetivo, ficaria a salvo do
regime deposto.
Pois bem. Acontece que o motivo pelo qual os legisladores elegeram o
princpio da legalidade como base da nova era social no era to puro e justo quanto
se pensava. poca, a lei nascia de ato emanado pela assemblia parlamentar
francesa, a qual substituiu o rei na tarefa de legislar. Assim, em tal panorama,
manteve-se uma espcie de absolutismo velado, uma vez que a vontade do tirano
foi simplesmente substituda pela vontade legislada dos parlamentares, os quais,
astutamente, reservaram para si, mediante processo poltico e legal, bem como
utilizando a frmula do princpio da legalidade, o poder absoluto e descomprometido.
Ao revs, na Inglaterra o parlamento eliminou o absolutismo e pde
conjugar valores outros lei, dando origem ao que entendemos
contemporaneamente como common law.17
Na Europa, no final do sculo XVII, o legislativo produzia normas sem a
preocupao de atender os princpios de justia e moralidade, colocando os demais
poderes em situao de subordinao, posto que obrigava o Poder Executivo a
atuar, to-somente, quando autorizado pela lei e ao Poder Judicirio (que na
verdade no era chamado sequer de poder) cabia apenas aplic-la, sem qualquer
exegese.18
Como o direito se resumia lei, e ainda, no mais se buscava a
confeco de normas apoiadas na doutrina e jurisprudncia, conforme ocorria antes
no Estado Legislativo, aps a ligao direta que o legislador fez entre a lei e os
princpios da igualdade (corolrio do ideal da Revoluo Francesa) praticamente se
tornou invivel o controle dos atos legislativos.
A abstrao da lei e sua generalidade no garantiam a eficincia dos
servios judiciais, porquanto afastados da interpretao necessria para o bom
17 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dctil. Madrid: Trotta, 2003. p. 25.18 Cf Dalmo de Abreu Dallari: a Constituio francesa de 1791 estabeleceu a eletividade etemporariedade dos juzes, o que foi modificado pela Carta Constitucional de 1814, segundo a qualtodos os juzes passaram a ser nomeados pelo rei. Com a implantao do sistema republicano, em1848, foi mantida a designao dos juzes mediante nomeao, que passou a ser de competncia doPresidente da Repblica, tendo sido assegurada pela Constituio a vitaliciedade dos juzes deprimeira instancia e dos tribunais superiores. As oscilaes polticas posteriores no alteraramsubstancialmente as peculiaridades da magistratura, devendo-se, entretanto, observar que aConstituio francesa de 1958, fala em autoridade judiciria e no utiliza a expresso poderjudicirio. (2002, p. 17).
http://www.pdfdesk.com
28
deslinde da causa. O juiz no tinha mais o poder de julgar, seno por fora do texto
que lhe era ofertado.
Outro princpio abraado pelos legisladores (legalizadores), foi o princpio
da liberdade, tanto desejado quanto mal administrado. Para espancar de uma s vez
a linha do absolutismo, pretendeu-se instaurar a proteo formal de princpios
inspiradores da Revoluo Francesa, e, como bem anotou Francisco Cardozo
Oliveira, de nada valeria a Constituio garantir o direito liberdade se a liberdade
que constituiu o direito no pudesse ser experimentada pelo indivduo de forma
concreta, tendo ele, inclusive, a faculdade de buscar do prprio Estado a proteo
devida ao direito de que dispe, em caso de ameaa ou de violao efetiva.19
Por intermdio do casusmo legal, alcanamos a legislao civil, da qual
nosso pas serviu-se por mais de um sculo. Em tal cenrio, vigorava a regra de
conduta explicitada nos cdigos civil e de processo civil. E mais: a resposta estatal
(Estado-Juiz) era aquela prevista no texto legal. Na falta de resposta adequada, j o
Brasil de 1900 servia-se da analogia, dos costumes e dos princpios gerais do
direito, sendo que no era prevista a atividade de concreo do direito para o
lanamento da melhor deciso para o caso sub iudice.
Destarte, vemos que o socorro partia da analogia (em funo de casos
concretos antes decididos e sem insero de dados novos), depois seguia para os
costumes (prticas reiteradas da sociedade dentro de um determinado tempo e
espao) e, por fim, valia-se dos princpios gerais do direito, restando claro que o
respeito ao fator hierrquico obrigava o julgador aplicao daquilo que j havia
sido julgado, s prticas sociais locais e, por derradeiro, aos princpios de direito, de
modo a desconsiderar que todas as normas deveriam partir dos princpios
constitucionais que ensejaram sua formulao.
No positivismo jurdico, a lei, fruto da atividade legislativa pura e
formalmente correta, desempenhava o papel de limitar a atividade do jurista sua
descrio e vontade do legislador que, no raras, vezes, estava envenenada por
interesses escusos.20
19 OLIVEIRA, Francisco Cardozo. A funo dos conceitos de ao e de jurisdio na aplicaodo direito. 1998. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Paran, Curitiba, 1998.20 A expresso positivismo jurdico deriva da locuo direito positivo contraposta quela de direitonatural. Para com-preender o significado do positivismo jurdico, portanto, necessrio esclarecer osentido da expresso direito positivo. Para muitos, o direito posto. Outros mais conscientes dizemque o direito legal. Segundo Aristteles, em face da confuso entre o direito positivoe o direitonatural, prope que se verifique as duas seguintes distines: o direito natural aquele que tem em
http://www.pdfdesk.com
29
Ao pretender justificar o legalismo extremo pela simples referncia ao
princpio da segurana jurdica, o ilustre professor Ovdio Batista j lembrava a lio
de Hobbes, que apontava ser primordial para a preservao da paz social, uma
legislao que evitasse conflitos sociais.21
Eis que o juiz no mais julgava, mas simplesmente aplicava a lei escrita
ao caso concretamente levado s barras do tribunal; com tal poltica, at seria mais
fcil prever os caminhos da economia governamental e privada, pois no haveria a
irresignao (tecnicamente possvel) de um magistrado em face de normas
egosticas e oportunistas.22
Oscar Tenrio, citado por Slvio de Figueiredo Teixeira na obra A criao
e realizao do Direito na Deciso Judicial, asseverava que:Para a integrao do direito, o juiz no tem arbtrio, no substitui, em suas
deficincias, o legislador. Sequer supre, por pesquisa cientfica, as lacunas. Prevendo asomisses da lei, o prprio legislador indica ao magistrado o roteiro a seguir, traado entremarcos que no devem ser ultrapassados. A voz que se ouve, quando a lei silencia, no a do magistrado. a do legislador ainda.23
Ao se enfatizar um fato mais atual, basta rememorarmos a questo da
limitao dos juros constitucionais, de conformidade com o revogado artigo 192,
3. da Constituio Federal de 1988.24
Na esteira do raciocnio exposto anteriormente, vem a lume que o Poder
Judicirio brasileiro havia assumido a posio da no auto-aplicao do texto legal.
toda parte a mesma eficcia, enquanto o direito positivo tem eficcia apenas nas comunidadespolticas singulares em que posto. O direito natural prescreve aes cujo valor no depende dojuzo que sobre elas tenha o sujeito. O direito positivo, ao contrrio, aquele que prescreve aesque, antes de serem reguladas, podem ou no ser cumpridas. BOBBIO, Norberto. O positivismojurdico: lies de filosofia do direito. So Paulo: cone, 1995. p. 17 e ss.21 SILVA, Ovdio A. Batista. Jurisdio e execuo na tradio Romano-Cannica. So Paulo:Revista dos Tribunais, 1996. p. 108.22 Cf. Cristina M. M. Queiroz. A combinao da idolatria da lei com um forte desconfiana paracom os juzes e o poder judicial, reduzidos a simples brao do poder executivo, encarregados dafiscalizao da aplicao das leis em sentido estrito, cujas principais caractersticas consistiam na suainvisibilidade funcional, perdeu hoje, na Europa, e tambm entre ns, muito da sua fora de auto-convencimento. Fala-se hoje numa grundrechtsdemokratie ou democracia dos direitosfundamentais. (2002, p. 21).23 TEIXEIRA, Slvio de Figueiredo. A criao e realizao do direito na deciso judicial. Rio deJaneiro: Forense, 2003. p. 07.24 Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimentoequilibrado do Pas e a servir aos interesses da coletividade, ser regulado em lei complementar, quedispor, inclusive, sobre:.... 3. As taxas de juros reais, nelas includas comisses e quaisquer outras remuneraes direta ouindiretamente referidas concesso de crdito, no podem ser superiores a doze por cento ao ano; acobrana acima deste limite ser conceituada como crime de usura, punido, em todas as suasmodalidade, nos termos que a lei determinar. (BRASIL. Constituio. Braslia: Senado Federal,1988. Art. 192, 3).
http://www.pdfdesk.com
30
Nossa Corte Suprema, depois de certa reflexo, passou a revelar a auto-
aplicabilidade da norma constitucional, num visvel julgamento poltico-social.
Aps uma reflexo mais serena e profunda, decidiu-se pela no auto-
aplicao da limitao dos juros constitucionais, voltando o Supremo Tribunal
Federal posio de neutralidade poltica, posto que evidentemente no era
despicienda a edio de lei complementar para regular o assunto. Acreditamos que
a real inteno dos julgadores da Corte Suprema do Brasil era socializar o crdito,
pois os abusos contra as pequenas instituies privadas de comrcio e pessoas que
necessitavam de crdito passavam do senso comum.
Oportuno mencionar, ainda, que tal posicionamento deu lugar a uma
postura mais prxima do positivismo-jurdico25, de maneira que deixou de haver a
imposio judicial da limitao dos juros ao patamar que, de fato, era tambm
questionvel naquela conjuntura econmica. Aqui, h ensejo para raciocinar que a
adoo de uma postura tecnicista e impregnada de positivismo jurdico, talvez, tenha
se afigurado em nosso pas como uma espcie de vitria de Hart perante Dworkin,
seu sucessor mais liberal.
O rescaldo histrico demonstra que a revoluo nos direitos (rights
revolution) provocou uma transformao de peso na metodologia interpretativa, qual
seja: nela, h oposio explcita leitura reducionista do princpio da separao de
poderes, o qual tem o condo de reduzir a funo dos tribunais e do Poder Judicirio
a mero esquema lgico substitutivo.
O marco filosfico do novo direito constitucional o ps-positivismo, onde
no embate entre iusnaturalismo e positivismo clssico, ocorre o declnio de ambos
pelo modelo da superao ou sublimao dos paradigmas puros por um conjunto
difuso e abrangente de idias, agrupadas sob o rtulo genrico de ps-positivismo.
25 Segundo Dalmo de Abreu Dallari, esta concepo do direito conveniente para quem prefere ter aconscincia anestesiada e no se angustiar com a questo da justia, ou ento do profissional dodireito que no quer assumir responsabilidades e riscos e procura ocultar-se sob a capa de umaaparente neutralidade poltica. Os normativistas no precisam ser justos, embora muitos deles sejamjuzes. A est a primeira grande reforma que se faz necessria, pois de fato, a adeso ao positivismojurdico significa a eliminao da tica, como pressuposto do direito ou integrante dele. E a partir da aassuno da condio de juiz, a ascenso na carreira judiciria, a indiferena perante as injustiassociais, a acomodao no relacionamento com os poderosos de qualquer espcie, o gozo deprivilgios, a busca de prestgio social atravs do aparato, a participao no jugo poltico-partidriomascarada de respeitvel neutralidade, tudo isso fica livre de barreiras ticas e de responsabilidadesocial. por esse caminho que os Tribunais de Justia se reduzem a Tribunais de Legalidade e amagistratura perde a grandeza que lhe seria inerente se os juzes realmente dedicassem sua vida apromover justia. (2002, p. 85).
http://www.pdfdesk.com
31
Neste nterim, surge um sentimento constitucional, com a feliz superao
da crnica indiferena que, historicamente, se manteve em relao Constituio.
E, para os que sabem, a indiferena, no o dio, o contrrio do amor.26
No ps-positivismo, os ditames constitucionais atingiram toda e qualquer
regulao jurdica, como reflexo do princpio da supremacia da Constituio, que
reza sobre a impossibilidade de limitao jurdica do poder constituinte e, ainda, a
respeito de sua superlegalidade formal e material. Certamente, o processo civil e as
disposies legais foram, de imediato, afetados por essa releitura constitucional.
Segundo Barroso:A superlegalidade formal identifica a Constituio como fonte primria da produo
normativa, ditando competncias e procedimentos para a elaborao dos atosnormativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o contedo de toda aatividade normativa estatal conformidade com os princpios e regras da Constituio. Ainobservncia dessas prescries formais e materiais deflagram um mecanismo deproteo da Constituio, conhecido na sua matriz norte-americana como judicial review,e batizado entre ns de controle da constitucionalidade.27
Assim, fica evidenciado que a constitucionalizao de todos os ramos do
direito atinge tambm o processo civil, que dever ser lido, agora, sob a tica do
direito material e respeitando os ditames e princpios constitucionais.
Neste sentido, depreende-se que ao controlar as normas
infraconstitucionais, mormente aquelas que dispem de mtodos pouco efetivos
para atendimento processual do direito material, o exegeta dever ter como norte a
essncia da norma sob o prisma da Constituio sem, necessariamente, determinar
a declarao de inconstitucionalidade de norma inadequada, ou, em coliso com
direitos fundamentais de prima facie.
O papel dos tribunais diante da nova sistemtica (aqui considerados como
zeladores da nova ordem essencial), controlar tudo e todos os atos do direito
contrrio ao elenco de princpios e fundamentos constitucionais. Neste contexto, faz-
se necessrio aduzir que as especificidades das normas constitucionais obrigaram a
doutrina e jurisprudncia a desenvolverem e sistematizarem um mtodo prprio de
princpios aplicveis interpretao constitucional, posto que, em termos
26 BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito. O triunfo tardiodo Direito Constitucional no Brasil. Jus Navegandi, Teresina, v. 9, n. 851, p. 3, 1 nov. de 2005.Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=754. Acesso em: 10 jan. 2006.27 BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio: fundamentos de umadogmtica constitucional transformadora. 4. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 161.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=754.http://www.pdfdesk.com
32
comparativos, vivemos numa dinmica social quase to veloz e superficial quanto o
pensamento dos adolescentes.
Para tanto, os princpios de natureza instrumental utilizados nesta tarefa
so, na opinio de Barroso: da supremacia da Constituio; da presuno de
constitucionalidade das normas e atos do Poder Pblico; da interpretao conforme
a Constituio; da unidade; da razoabilidade; e, da efetividade.28
Diante de tal considerao, fato, o julgador enfrenta um desafio trans-
constitucional em relao sua tarefa social de pacificao e de distribuio do
justo.
28 BARROSO. Neoconstitucionalismo... , op. cit., p. 6.
http://www.pdfdesk.com
33
2 O JUIZ E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Quando falamos em efetividade da jurisdio como norma fundamental,
apoiamos tal assertiva nas doutrinas nacionais e estrangeiras, as quais revelam o
carter imprescindvel de aplicao e efetividade da jurisdio no atendimento das
demais pretenses sociais no atendidas pelo Estado. Na vida prtica, atividade
estatal poder ser incompleta ou falha, de modo que a provocao do rgo
judicirio para operacionalizar uma atividade no cumprida pelo Estado se mostra
inafastvel. Neste diapaso, se a prestao do Estado falha, incompleta ou
mesmo ausente, o cidado provocar sua movimentao (leia-se atendimento) via
Poder Judicirio, especialmente em face das normas fundamentais relacionadas
sade, educao, segurana, etc.
Queremos dizer, sem receio, que a partir da ausncia do Estado
(logicamente, quando h determinao constitucional para a atuao positiva deste),
a efetividade da jurisdio se apresenta como o mais importante dos direito
fundamentais prestacionais; a sua destinao dar vida ao texto normativo no
observado ou parcialmente atendido pelo Estado.29
Nas palavras de Fr. Mller, citado por Alexy, os direitos fundamentais so
garantias de proteo objetivamente cunhadas por determinados complexos
individuais e sociais concretos de ao, organizao e de matrias. Tais mbitos
materiais so constitudos em searas normativas de reconhecimento social e
garantias de liberdades encontradas no programa da norma constitucional. Em
ralao a dito aspecto normativo, complementa o autor: participam desta
normatividade prtica e real os elementos fticos co-determinadores da deciso
jurdica.30
29 Cf. O Min. Gilmar Mendes, A concepo que identifica os direitos fundamentais como princpiosobjetivos legitima a idia de que o Estado se obriga no apenas a observar os direitos de qualquerindivduo em face das investidas do Poder Pblico (direito fundamental enquanto direito de proteoou de defesa Abwehrrecht), mas tambm garantir os direitos fundamentais contra agressopropiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats). A forma como este dever ser satisfeito constituitarefa dos rgos estatais, que dispem de ampla liberdade de conformao. (MENDES, 2004, p.119).30 MLLER apud ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Traduo para oespanhol por Ernesto Garzn Valds. Madrid: Centro de estudios polticos y constitucionales, 2002. p.75.
http://www.pdfdesk.com
34
Mller sustenta sua doutrina como teoria de normas que superam o
positivismo jurdico, cuja plenitude alcanada quando una norma jurdica es algo
ms que su texto literal.31
Desta maneira, ao estudarmos as normas de carter fundamental,
devemos visualiz-las como supernormas, quer dizer, v-las como aquelas que no
podem ser consideradas como apenas uma determinao legal destinada a um
nico fim. Quando se trata dos elementos finalidade e aplicao, elas devem ser
lidas na esteira da necessidade do direito material em debate. Em tempo, jamais
deveremos aplic-las restritivamente ou reduzir sua importncia social em virtude do
novo Estado Social que est instalado hodiernamente.
Depois da Segunda Grande Guerra, a retomada de alguns direitos
fundamentais se fez necessria, com o escopo de levantar a moral dos pases
arrasados pelo terror blico. Neste panorama, teve lugar uma discusso em torno do
novo contexto constitucional e dos direitos fundamentais.
Alis, em razo das atrocidades verificadas, apareceram os conceitos de
multifuncionalidade e pluridimensionalidade dos direitos e liberdades fundamentais e
no fim dos anos 50, na Alemanha, nasceu uma concepo dos direitos como
informadores e enformadores (formatadores) do novo sistema de valores dirigidos,
em especial, contra um conceito de ordem concreta de valores (no sentido da
existncia de uma ordem hierrquica de valores e contra o mtodo do contrapeso ou
ponderao de bens, no caso concreto), que acabou por substituir o sistema clssico
do silogismo da justia.
J em Frana, a doutrina cedeu passo a um positivismo institucional que
considera os direitos constitucionais no apenas meros direitos declarados, mas
obrigaes positivas em face do legislador. a exteriorizao do carter constitutivo
do direito, como antes esposado por Habermas e Luhmann. Tal inovao, serve,
hoje, como argumento de sustentao da nova modalidade legislativa das clusulas
gerais.32
Quando se minimizam os direitos fundamentais, contraria-se frontalmente
a proposio de um dos maiores pensadores da atualidade. Para o magistrado e
escritor Ingo W. Sarlet, os direitos fundamentais so, acima de tudo, fruto de
31 MLLER apud ALEXY, op. cit., p. 74.32 QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p.45 e ss.
http://www.pdfdesk.com
35
reivindicaes concretas, geradas por situaes de injustia e/ou de agresso a
bens fundamentais e elementares do ser humano, de modo que independentemente
da dimenso dos direitos fundamentais, estes so projetados em observncia aos
maiores valores socialmente conhecidos.33
Perez Lun, citado por Sarlet, os direitos fundamentais possuem, em
relao ao termo direitos humanos, sentido mais preciso e restrito, na medida em
que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e
garantidos pelo direito positivo, devendo ser reconhecidos e tratados de acordo com
seu carter bsico e fundamentador do sistema jurdico do Estado de Direito.34
Com espeque na doutrina de Robert Alexy, o supramencionado autor
gacho prope a seguinte definio para a expresso direitos fundamentais:Direitos fundamentais so, portanto, todas aquelas posies jurdicas concernentes s
pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seucontedo e importncia (fundamentalidade em sentido material), integradas ao textoda Constituio e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderesconstitudos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu contedo esignificado, possam lhes ser equiparados, agregando-se Constituio material, tendo,ou no, assento na Constituio formal (aqui considerada a abertura material doCatlogo).35
Desta feita, de acordo com o insculpido no artigo 5., 2. da Constituio
de 1988, o rol l apresentado no tem cunho taxativo, mas apenas analtico e
exemplificativo, diante da evidente colocao de outros direitos fundamentais em
livros diversos do Texto Maior; assim, de fcil verificao a nota existente sobre a
fundamentalidade nos direitos correspondentes sade36, educao37, meio
ambiente38, entre muitos outros espalhados pelo Caderno Constitucional. As
disposies fundamentais encontradas fora do livro especfico mencionado, valem
33 SARLET, op. cit., p. 61.34 LUN apud SARLET, op. cit., p. 37.35 Idem, p. 89.36 Artigo 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante polticas sociais eeconmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal eigualitrio s aes e servios para sua promoo e recuperao.(BRASIL. Constituio..., op. cit.,art. 196).37 Artigo 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida eincentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seupreparo para exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.(BRASIL. Constituio..., op.cit., art. 205).38 Artigo 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever dedefend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. (BRASIL. Constituio..., op. cit., art.225).
http://www.pdfdesk.com
36
de igual forma para a aplicao no mundo do direito judicializado, uma vez
devidamente considerada a sua caracterstica neoconstitucional.
No tocante nota da fundamentalidade, registre-se, ainda, que a anlise
do seu contedo permite o exame de sua fundamentalidade material, ou seja, trata-
se de matria e de decises fundamentais sobre a estrutura do Estado e da
sociedade, de modo especial, no que respeita posio nestes ocupada pela
pessoa humana.
No caso da fundamentalidade formal, encontramos seus elementos a
partir do instante em que tal norma positivada no corpo constitucional, resultando,
geralmente, em posio geograficamente superior s demais normas e destacando-
se, portanto, seu sentido supralegal.
A norma formalmente fundamental acaba por ser considerada detentora
de direitos ptreos, uma vez que a segurana social e jurdica depende do grau de
imutabilidade da norma constitucional que, essencialmente, gera direitos
indisponveis e insubstituveis no mbito do Estado democrtico-social.
O estudo do carter da fundamentalidade na doutrina contempornea,
expe a aplicao direta do contedo da norma fundamental, de forma imediata, s
entidades pblicas ou privadas, de modo que o julgador aparece inserido no rol
daqueles que devem atender as diretrizes fundamentais, posto que a efetividade de
sua atividade profissional dever servir de respaldo s demais garantias
fundamentais.39
Para a conceituao e observao do carter integrativo e trans-
disciplinar dos direito fundamentais, basta analisar a assertiva feita por Javier
Jimnez Campo, ao comentar a distino feita pelo alemo Carl Schmitt no entre
guerras, ao tratar do contedo formal e material das normas constitucionais. Tal
afirmao demonstra que a conceituao de direitos fundamentais exige tanto uma
determinada hermenutica quanto uma construo dogmtica vinculada ao contexto
constitucional vigente.40
A efetiva justificativa para a ciso conceitual entre normas constitucionais
de direitos fundamentais formais e materiais traduz-se na dependncia do
constituinte a certos valores e princpios que so mutveis e diretamente vinculados
39 SARLET, op. cit., p. 87.40 Idem, p. 89.
http://www.pdfdesk.com
37
ao senso jurdico coletivo, o que, sem sombra de dvidas, est sujeito a oscilaes
sociais e de poca, sem falar na presso das massas organizadas.
No abalizado entendimento de Ingo W. Sarlet e na esteira do raciocnio de
K. Hesse, a diferena bsica existente entre direitos fundamentais a seguinte: em
sentido formal, eles podem ser definidos como aquelas posies jurdicas da pessoa
na sua dimenso individual, coletiva ou social que, por deciso expressa do
legislador-constituinte foram consagradas no catlogo dos direitos fundamentais. J
no caso dos direitos fundamentais em sentido material, so aqueles que, apesar de
se encontrarem fora do catlogo, por seu contedo e por sua importncia podem ser
equiparados aos direitos formalmente fundamentais. O cultor gacho ainda explicita
a questo da vinculao da concepo materialmente aberta dos direitos
fundamentais consagrados no artigo 5. da Carta Constitucional, com a dupla nota
de fundamentalidade ao mesmo tempo formal e material.41
Em tempo, conveniente ressair que a questo da abertura e
complementao das normas fundamentais ser pontualmente desenvolvida ao
falarmos em efetividade da jurisdio (em face do princpio da inafastabilidade) e
clusulas gerais, uma vez que estas respeitam a sistemtica de concreo verificada
nos direitos fundamentais, em particular, no que concerne queles direitos
fundamentais derivados ou no-escritos.
Ao retomar o conceito bsico de direitos fundamentais, eis que Cristina
Queiroz prope a seguinte conceituao agregadora:
Os direitos fundamentais so direitos constitucionais, que no devem em
primeira linha ser compreendidos numa dimenso tcnica de limitao do
poder do Estado. Devem antes ser compreendidos e interligados como elementos
definidores e legitimadores de toda a ordem jurdica positiva. Proclamam uma
cultura jurdica e poltica determinada, numa palavra, um concreto e objectivo
sistema de valores.42
Jos Afonso da Silva prefere utilizar a expresso direitos fundamentais
do homem, que para ele se constitui na gama de princpios que resumem a
concepo do mundo e informam a ideologia poltica de cada ordenamento jurdico,
reservada a designar, no nvel positivo do direito constitucional, as prerrogativas e
41 SARLET, op. cit., p. 93.42 QUEIROZ, op. cit., p. 39.
http://www.pdfdesk.com
38
instituies que servem, basicamente, para garantir a convivncia digna, livre e igual
a todas as pessoas.43
Muitas teorias estudam os direitos fundamentais, que em regra, dispem
sobre seu papel fundamentalmente essencial para a sociedade organizada. A
jurisdio constitucional est inserta nesse contexto e, segundo se corroborar,
representa uma leitura dinmica e prudente da atividade do Poder Judicirio, que
respeitar, obrigatoriamente, os elementos constitucionais principiolgicos. Ser
palco a servio das mutaes constitucionais em razo da organizao do Estado
brasileiro, que consagrou a rigidez constitucional como asseguradora de direitos
intocveis, porm, passveis de modernizao diante da constante dinmica social.
As formas de controle da constitucionalidade das normas possibilitam ao
juiz a aplicao direta das garantias e direitos fundamentais; o magistrado aplicar
ao processo, a leitura mais adequada ao direito material em tela.
2.1 TEORIAS PARA A CONCEITUAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Na estrutura dos direitos fundamentais existem respectivamente trs
espaos distintos: delimitao, limites e contedo essencial. A principal
conseqncia que se deduz destes tipos de direito sua proteo iusfundamental
prima facie, isto , no se impem limites que resultaro constitucionalmente
inadmissveis. A limitao dos direitos fundamentais deve corresponder ao peso
atribudo pela Constituio a estes, o que ocorre tambm em qualquer outro direito.
Ainda, fato que os direitos fundamentais tm dois planos distintos: material e
formal, conforme anteriormente anotado. Sob o ponto de vista formal, a sua
relevncia se obtm a partir do fato de constarem elencados, de modo
imprescindvel, dentro do corpo da norma suprema. Do ponto de vista material, os
direitos fundamentais se traduzem como componentes estruturais bsicos tanto do
conjunto do ordenamento jurdico quanto do objetivo comum pertinente a cada um
dos ramos que o integram, em razo de que so a expresso jurdica de um sistema
43 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. So Paulo: Malheiros,1994. p. 163.
http://www.pdfdesk.com
39
de valores que, por deciso do constituinte, devem informar o conjunto e a
organizao jurdica e poltica de um Estado.
Ao repisar tal classificao, reforamos o entendimento que os direitos
fundamentais delimitam um mbito de invulnerabilidade no desenvolvimento das
pessoas (seja em seu aspecto jurdico ou social), as quais reclamam para si a
proteo frente a qualquer intento de intromisso por parte dos poderes pblicos em
sua esfera privada (defesa). Em segundo plano, a atividade prestacional do Estado
garante o acesso ao Poder Judicirio, mediante a aplicao do princpio da
inafastabilidade44 que dever, dentro da relao posta em juzo, dar a melhor
soluo para determinada situao, aplicando os mandamentos constitucionais de
modo direto e irrestrito e considerando, inclusive, o princpio da proibio de
insuficincia, que vincula todos os Poderes constitudos.
Na verdade, aps a Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental passou
a se preocupar mais com a situao da pessoa e com os direitos fundamentais,
sendo o mais importante deles, a vida. Do exposto, deflui-se que os direitos
fundamentais so essencialmente constitucionais no s porque sua apario se
encontra intimamente vinculada ao constitucionalismo, mas, igualmente, porque no
existem direitos fundamentais incorporados em outras normas infraconstitucionais
que passem despercebidos.
Anteriormente, existia uma viso de que os direitos fundamentais estavam
vinculados atuao de legislador, o qual deveria fixar, dentro dos limites da
Constituio e da realidade, todos os seus requisitos e delimitaes, oportunizando,
assim, sua aplicao prima facie.
Para Alexy, criador da expresso acima empregada, embora no possam
ser rigidamente hierarquizados, os princpios que embasam a teoria dos direitos
fundamentais podem ser colocados em ordem, mediante uma relao de prioridade.
Existem trs crculos concntricos que representam os direitos fundamentais em sua
estrutura interna. Um dos crculos a delimitao; o segundo, o limite e, por
derradeiro, o seu contedo essencial. Na delimitao, ocorre a fixao dos
contedos de proteo prima facie, sendo estes protegidos pela inviolabilidade.
44 Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aosbrasileiros e aos estrangeiros, residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:...XXXV a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio, leso ou ameaa a direito. (BRASIL.Constituio..., op. cit., art. 5, inc. XXXV).
http://www.pdfdesk.com
40
Nos limites dos direitos fundamentais encontramos a necessria
convivncia em sociedade dos homens, que exigem a colocao de limites em
qualquer um dos direitos, inclusive, os fundamentais, tudo visando pacificidade
social.
Tais direitos, em seu contedo essencial, fazem referncia expressa aos
bens que se devem salvaguardar e que tem um ncleo irredutvel, inacessvel, a
qualquer intento limitador.45
Os direitos fundamentais tambm encontram na delimitao trs
componentes: o primeiro deles trata-se do componente subjetivo, o qual delimita os
sujeitos ativos e passivos, bem assim determina as regras de quem pode ser o titular
desse direito fundamental e sobre quem poder impor tal direito. Outrossim, h um
elemento objetivo, que faz referncia ao conjunto de direitos e faculdades inviolveis
e, finalmente, existem os elementos formais, que se traduzem na garantia especfica
que pode possuir em cada caso, um direito fundamental.
Somente guisa de citao, existem vrias teorias que estudam o direito
fundamental e relembr-las neste momento no se torna tardio, uma vez que
situaremos sua pertinncia na aplicao imediata dos direitos fundamentais nas
relaes judiciais pelo magistrado, quando do exerccio do direito fundamental
prestacional. Bckenfrde, na obra de Alexy, faz meno teoria liberal ou
burguesa, j visitada no Estado de Direito, teoria democrtico-funcional e do
Estado Social, bem assim axiolgica e institucional.
A teoria liberal de Carl Schmidt esposa que os direitos fundamentais so
direitos do homem individual livre e que so exercidos frente ao Estado. O princpio
da distribuio, corolrio desta teoria, ensina que a esfera da liberdade do indivduo
, em princpio, ilimitada, enquanto que as faculdades do Estado so limitadas, o
que quer dizer que direito fundamental s pode ser exercido em relao ao Estado,
sem limitaes.
Tal teoria professa a impossibilidade de aplicao dos direitos
fundamentais para com os particulares, de modo direto.
Para a teoria institucional, desenvolvida por Hberle, os direitos
fundamentais possuem um duplo carter: individual e institucional. O carter
individual se ressai na medida em que podemos delimit-lo dentro do exerccio de
45 ALEXY, op. cit., p. 549.
http://www.pdfdesk.com
41
cada direito concreto. J seu carter institucional est inserido no exerccio dos
direitos fundamentais subjetivos, dentro das condies da vida objetiva. O referido
carter tem uma misso a cumprir no tocante ao Estado. Por ltimo, sustenta-se que
o legislador no deve ser concebido unicamente como fundador e garantidor das
liberdades, pois em vista do aspecto democrtico e, ainda, das influncias externas
a que se sujeita o legislador, tal poder pode se tornar elemento de significativa
preocupao.
A teoria axiolgica busca o sentido essencial do direito fundamental que
atende relao existente entre a totalidade da ordem vital atual e os valores
constitucionais vigentes. A corrente em apreo valora em cada poca os elementos
que estariam inclusos no processo de configurao social. Talvez o grande perigo da
teoria axiolgica seja a sua vulnerabilidade, porque produzida pela mutao e
progresso social, muitas vezes, ditado pelo Estado, de acordo com seus interesses
menos ticos.
De outra sorte, a teoria democrtico-funcional propugna que a garantia do
mbito de liberdade a virtude de importncia que possui no processo democrtico
de construo da vontade poltica. Dita teoria est vinculada considerao dos
diferentes grupos sociais, seu carter de liberdade e segurana.
A teoria que melhor sustenta os direitos fundamentais como os vemos
atualmente, a teoria dos direitos fundamentais do Estado Social; a mencionada
teoria considera que a obteno de prestaes sociais, a partir daqueles, sofre
algumas condicionantes, tais como as de natureza econmica e administrativa.
Dessa feita, elementos libertadores induzem adoo de decises, as quais se
podem fazer exigir, como regra geral, dentro dos tribunais, sem qualquer limitador ou
condicionante.46
A vertente social dos direitos fundamentais exige para sua plasmao na
realidade, e em grande medida, a atividade conformadora do legislador, que os dota
de contornos mais precisos.
O certo que todas as teorias citadas so de origem principiolgica e
fomentam indagaes sobre qual seria a abordagem mais correta: aquela que
46 NARANJO DE LA CRUZ, Rafael. Os limites dos direitos fundamentais nas relaes entreparticulares: a boa f. Madrid: Boletn Oficial del Estado, Centro de Estudios Polticos yConstitucionales, 2000. p. 40.
http://www.pdfdesk.com
42
aponta para um princpio iusfundamental ou a que reza a hierarquia entre princpios
ou, ainda, a abordagem que defende uma certa ordem entre eles?
Nos posicionamos pela ltima delas. No h uma hierarquia que possa
ser revelada com segurana para o aplicador do direito. fato que ao resolver pela
aplicao de um direito fundamental, no estar o julgador extinguindo ou anulando
outro que foi preterido; na verdade, apenas estar optando, justificadamente, pelo
princpio que no caso venha a ser decisivo para a justa composio da lide.
inadmissvel abraar uma teoria que possa dar uma nica soluo correta a cada
caso; haver, com certeza, a coliso de princpios em diversas situaes fticas e a
nica sada para o julgador ser controlar a racionalidade da argumentao capaz
de fazer valer um princpio em face de outro, em particular, na prestao jurisdicional
resultante do balanceamento dos direitos fundamentais.
Nessas situaes, o operador do direito dever interpretar a norma de
acordo com a Constituio, ou mesmo conforme, demais de fazer uso da
declarao parcial de nulidade sem reduo de texto para criar a norma jurdica
mais adequada em relao ao caso concreto.47
Nas palavras de Gilmar Mendes:No raras vezes, destinam-se as normas le