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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Instituto de Biologia - Departamento I - BIO 158 - Biologia Celular e Molecular Profa. Luciana Veiga I. Introdução Nesta aula examinaremos dois tipos de fenômenos de transporte que, à primeira vista, podem parecer não – relacionados: a regulação do volume celular em plantas e animais e o volume do fluxo de água (o movimento da água contendo solutos dissolvidos) através de uma ou mais camadas das células. Em seres humanos, por exemplo, a água se move do sangue filtrado que formará a urina através da camada de células epiteliais de revestimento dos túbulos dos rins e para o sangue, assim concentrando a urina. (Se isso não acontece, um indivíduo poderia secretar muitos litros de urina por dia!) Em plantas superiores, a água e os minerais são absorvidos pelas raízes através de tubos de condução (xilema, caracterizado pela presença de traqueóides): a água é perdida pelas plantas principalmente pela evaporação das folhas. O que esses processos têm em comum é a osmose. – o movimento da água de uma região de baixa concentração de solutos para uma região de alta concentração de solutos. Começaremos considerando alguns fatores básicos sobre a osmose e então mostraremos como eles explicam muitas propriedades fisiológicas dos animais e das plantas. II. A pressão osmótica faz com que a água se mova através das membranas. A maioria das membranas biológicas é relativamente impermeável a íons e a outros solutos, mas, como em todas as bicamadas fosfolipídicas, elas são um tanto permeáveis a água (Figura 1). Figura 1: Uma bicamada de fosfolipídeos artificiais puros é permeável a pequenas moléculas hidrofóbicas e a pequenas moléculas polares sem carga (Alberts et al, 2002). OSMOSE, CANAIS DE ÁGUA E A REGULAÇÃO DO VOLUME CELULAR

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Page 1: Roteiroosmose

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Instituto de Biologia - Departamento I - BIO 158 - Biologia Celular e Molecular

Profa. Luciana Veiga

I. Introdução Nesta aula examinaremos dois tipos de fenômenos de transporte que, à primeira vista, podem parecer não – relacionados: a regulação do volume celular em plantas e animais e o volume do fluxo de água (o movimento da água contendo solutos dissolvidos) através de uma ou mais camadas das células. Em seres humanos, por exemplo, a água se move do sangue filtrado que formará a urina através da camada de células epiteliais de revestimento dos túbulos dos rins e para o sangue, assim concentrando a urina. (Se isso não acontece, um indivíduo poderia secretar muitos litros de urina por dia!) Em plantas superiores, a água e os minerais são absorvidos pelas raízes através de tubos de condução (xilema, caracterizado pela presença de traqueóides): a água é perdida pelas plantas principalmente pela evaporação das folhas. O que esses processos têm em comum é a osmose. – o movimento da água de uma região de baixa concentração de solutos para uma região de alta concentração de solutos. Começaremos considerando alguns fatores básicos sobre a osmose e então mostraremos como eles explicam muitas propriedades fisiológicas dos animais e das plantas. II. A pressão osmótica faz com que a água se mova através das membranas. A maioria das membranas biológicas é relativamente impermeável a íons e a outros solutos, mas, como em todas as bicamadas fosfolipídicas, elas são um tanto permeáveis a água (Figura 1).

Figura 1: Uma bicamada de fosfolipídeos artificiais puros é permeável a pequenas moléculas

hidrofóbicas e a pequenas moléculas polares sem carga (Alberts et al, 2002).

OSMOSE, CANAIS DE ÁGUA E A REGULAÇÃO DO VOLUME CELU LAR

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A permeabilidade à água é aumentada por proteínas de canais de água discutidas adiante. A água tende a se mover através da membrana por uma solução de baixa concentração de soluto para uma de alta. Ou, em outras palavras, desde que as soluções com uma alta quantidade de solutos dissolvidos tenham uma concentração mais baixa de água, a água moverá de uma solução de alta concentração de água para uma de concentração de água mais baixa. Esse processo é conhecido como fluxo osmótico. A pressão osmótica é definida como a pressão hidrostática necessária para parar o fluxo de água através da membrana separando soluções de diferentes composições (Figura 2).

Figura 2. Sistema experimental demonstrando a pressão osmót ica. As soluções A e B são

separadas por uma membrana que é permeável a água, mas impermeável a todos os solutos. Se CB (a concentração total de solutos na solução B) é maior que CA, a água tende a fluir através da membrana da solução A para a solução B. A pressão osmótica ¶ entre as soluções é a pressão hidrostática que poderia ser aplicada à solução B para evitar que essa água fluísse. Da equação de Van't Hoff , ¶ = RT(CB CA).

Nesse contexto, a “membrana” pode ser uma camada de células ou a membrana citoplasmática. Se a membrana é permeável à água mas não a solutos, a pressão osmótica através da membrana é dada por:

Onde: ¶ = pressão osmótica em atmosferas (atm) ou milímetros de mercúrio (mmHg); R = gás constante; T = temperatura absoluta; ∆C = é a diferença na concentração total do soluto CA e CB em cada lado da membrana. É o número total de moléculas de soluto que é importante. Por exemplo, uma solução de NaCl 0,5M na verdade é 0,5 M de íons Na+ e 0,5M de Cl- e tem

¶ = RT (CB – CA) = RT∆C

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aproximadamente a mesma pressão osmótica que uma solução 1M de glicose ou lactose. Da equação acima podemos calcular que a pressão hidrostática de 0,22 atm (167 mmHg) apenas equilibraria o fluxo de água através de uma membrana semipermeável produzida por um gradiente de concentração de 10mM de sacarose ou 5 mM de NaCl. III. Células diferentes têm vários mecanismos para controlar o volume celular

As células animais ficam inchadas quando colocadas numa solução hipotônica (i.e., uma solução na qual a concentração de solutos é menor que é no citosol). Algumas células, como os eritrócitos, na verdade irão romper-se quando a água entrar nelas por fluxo osmótico. A ruptura da membrana citoplasmática pelo fluxo de água é denominada lise osmótica (i.e., uma solução na qual a concentração de solutos é maior do que o citosol) causa o retraimento ou encolhimento delas quando a água as deixa por fluxo osmótico. Conseqüentemente, essencial que as células animais possam ser mantidas num meio isotônico , o qual tem uma concentração de soluto próxima daquela do citosol da célula (Figuras 3, 4.1 e 4.2).

Figur a 3. Resposta de uma célula animal em relação ao meio. A. Meio isotônico, B. meio hipootônico e C. meio hipertônico.

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Figura 4.1. Aspectos morfológicos de eritrócitos humanos em diferentes meios: A. Hipotônico, B.

Isotônico e C. Hipertônico.

Figura 4.2. Aspectos morfológicos de células da epiderme foliar de Tradescantia discolor em

diferentes meios. Mesmo num ambiente isotônico, todas as células animais enfrentam um problema na manutenção de seu volume celular. As células contêm um grande número de macromoléculas carregadas e pequenos metabólitos que atraem os íons de carga oposta (p. ex., K+, Ca2+, PO4

3-). Relembrando também que há uma lenta perda de íons extracelulares, particularmente Na+ e Cl-, dentro das células abaixo do seu gradiente de concentração. Como resultado desses fatores, na ausência de algum mecanismo de compensação, a concentração do soluto citosólico aumentará, causando um influxo osmótico de água e por fim lise celular. Para evitar isso, as células animais exportam ativamente íons inorgânicos mais rapidamente que os perdem. A exportação de Na+ pela bomba de Na+/ K+, energizada pelo ATP, desempenha um papel importante no

A B C C B A

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mecanismo de prevenção da tumefação celular. Se as células cultivadas forem tratadas com um inibidor que evita a produção de ATP, elas incham e acabam murchando, demonstrando a importância do transporte ativo na manutenção do volume celular. Ao contrário das células animais, as células bacterianas, das algas, dos fungos e das plantas são envoltas por uma rígida parede celular. Por causa da parede celular, o influxo osmótico da água ocorre quando tais células são colocadas numa solução hipotônica (mesmo água pura), levando a um aumento na pressão intracelular, mas não no volume da célula. Nas células das plantas, a concentração de solutos (p. ex. açúcares, sais) normalmente é mais alta no vacúolo do que no citosol, o qual por sua vez tem uma concentração de soluto maior do que o espaço extracelular. A pressão osmótica, chamada de pressão de turgidez , gerada da entrada de água dentro do citosol e então para dentro do vacúolo, empurra o citosol e a membrana citoplasmática contra a parece celular resistente. O alongamento celular durante o crescimento ocorre por um afrouxamento localizado induzido por hormônio de uma região da parede celular, seguido por um influxo de água dentro do vacúolo, aumentando o seu tamanho (Figura 5). Embora a maioria dos protozoários (como as células animais) não tenha parede celular rígida, muitos contêm um vacúolo contrátil que lhes permite evitar a lise osmótica. Um vacúolo contrátil pega a água do citosol e, ao contrário do vacúolo das plantas, periodicamente descarrega seu conteúdo através da fusão com a membrana plasmática (Figura 6). Assim, mesmo que a água entre continuamente na célula do protozoário por fluxo osmótico, o vacúolo contrátil evita que muita água se acumule e encharque-a a ponto de explodir.

Figura 5. Elongação de uma célula vegetal. A. Mudança na estrutura de uma célula vegetal

durante a elongação. A hidratação determina uma pressão interna (turgidez); na presença de auxina, a parede celular é afrouxada e a pressão de turgidez contra a parede frouxa leva ao alongamento. B. Mecanismos propostos para explicar o afrouxamento da parede celular nas celulas vegetais. [Parte (b) adaptada de L. Taiz, 1994, Proc. Nat'l. Acad. Sci. USA 91:7387.]

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Figura 6. O vacúolo contrátil no Paramecium caudatum, um típico protozoário ciliado,

como revelado por microscopia de Nomarski. O vacúolo é cheio de canais radiados que coletam líquido do citosol. Quando o vacúolo está cheio, ele se funde por um breve período com a membrana citoplasmática e expele seu conteúdo. A. Um vacúolo cheio e o sistema de canais radiados. B. Um vacúolo quase vazio; os canais radiados estão coletando mais líquido do citosol para reabastecê-lo.

IV. Os canais de água são necessários para o volume do fluxo através das

membranas celulares. Mesmo se uma pura bicamada de fosfolipídeos fosse apenas levemente permeável à água, pequenas mudanças na força osmótica extracelular fariam com que a maioria das células animais inchassem ou murchassem rapidamente. Em contraste, o oócito (célula-ovo) e os ovos da rã, os quais têm uma concentração de sal interna comparável à de outras células (≈150 mM), não incham quando colocadas num reservatório de água de força osmótica muito baixa. Essas observações levam os pesquisadores a suspeitar que as membranas citoplasmáticas dos eritrócitos e outros tipos de células contêm proteínas com canais de água que aceleram o fluxo osmótico da água. A ausência desses canais de água nos oócitos e ovos das rãs protegem-os da lise osmótica. Experimentos com microinjeções de RNAm codificados com aquaporina , uma proteína de membrana do eritrócito, forneceram evidências convincentes de que essa proteína aumenta a permeabilidade das células à água.Em sua forma funcional, a aquaporina é um tetrâmero de subunidades de 28 kDa idênticas, cada uma das quais contém seis subunidades transmembrânicas α hélices que formam três pares homólogos numa orientação incomum (Figura 7a). O canal através do qual a água se move é alinhado por oito subunidades transmembrânicas α hélices, duas de cada subunidade (Figura 7b).

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Figura 7. A estrutura da aquaporina, uma proteína de canal no eritrócito da membranma

citoplasmática [Adaptado de A. Chang et al., 1997, Nature 387:627.] A representação esquemática de uma aquaporina é mostrada na Figura 7c.

Figura 7c. Representação esquemática de uma aquaporina.

Peter Agre e Roderick MacKinnon

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V. A terapia de reidratação simples depende do grad iente osmótico gerado pela absorção de glicose e Na+

Uma compreensão da osmose e a absorção intestinal de glicose formam a base para uma terapia simples que tem salvado milhões de vidas, particularmente nos países menos desenvolvidos. Nesses países, a diarréia causada pelo cólera e por outros parasitas intestinais é a principal causa de morte entre crianças. A cura requer não apenas a morte da bactéria com antibióticos, mas também a reidratação – a reposição da água que é perdida do sangue e de outros tecidos. Simplesmente beber água não ajuda, porque ela é excretada do trato gastrointestinal quase tão logo quanto quando entra. Para entender a simples terapia que é usada, relembramos que a absorção da glicose pelo intestino delgado envolve o movimento coordenado de Na+; um não pode ser transportado sem o outro (Figura 9). O movimento de NaCl e de glicose do lúmen intestinal, através das células epiteliais, e para dentro do sangue cria um gradiente osmótico transepitelial, forçando o movimento da água do lúmen intestinal para dentro do sangue. Assim, dar a criança acometida uma solução de açúcar e sal para beber (mas não o açúcar e o sal sozinhos) causa um volume do fluxo de água para dentro do sangue no lúmen intestinal e leva à reidratação

Figura 9. O papel das junções compactas na transporte transce lular . VI. Mudanças na pressão osmótica intracelular levam os estomas das folhas a se

abrirem. Embora a maioria das células das plantas não mude seu volume ou forma por causa do movimento osmótico da água, a abertura e o fechamento dos estomas – os poros através dos quais CO2 entra na folha – mostra uma importante exceção. As células epidérmicas externas da folha são cobertas por uma cutícula de cera que é impermeável à água e ao CO2, o gás necessário para a fotossíntese pelas células mesófilas carregadas de clorofila no interior da folha. À medida que o CO2 entra na folha, o vapor de água é simultaneamente perdido – um processo que pode ser

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prejudicial para a planta. Assim, é essencial que o estoma se abra apenas durante os períodos de luz, quando a fotossíntese ocorre; mesmo assim, eles devem fechar se muito vapor de água estiver se perdendo. Duas células guardiãs ficam em torno de cada estoma (Figura 10). As mudanças na pressão de turgidez levam a mudanças na forma dessas células guardiãs, desse modo abrindo e fechando os poros. A abertura estomacal é causada por um aumento na concentração de íons ou de outros solutos dentro das células guardiãs por causa (1) da abertura dos canais de K+ e Cl- do meio ambiente, (2) do metabolismo da sacarose armazenada para compostos pequenos ou (3) de uma combinação desses dois processos. O resultado é o aumento na concentração do soluto intracelular que faz a água entrar nas células guardiãs osmoticamente, aumentando sua pressão de turgidez (Figura 10b). Uma vez que as células guardiãs estão conectadas umas às outras apenas em seus terminais, a pressão de turgidez faz com que as células se salientem externamente, abrindo o poro estomacal entre elas. O fechamento estomacal é causado pelo processos inverso – uma diminuição na concentração do soluto e pressão de turgidez dentro das células guardiãs. A abertura estomacal está sob controle estreito fisiológico de pelo menos dois mecanismos. A queda no CO2 dentro da folha, resultando da fotossíntese ativa, levando o estoma a abrir-se, permitindo que mais CO2 entre no interior da folha, de modo que a fotossíntese possa continuar. Quando existir mais água na folha do que entra nela através das raízes, as células mesófilas produzirão o hormônio ácido abscíssico, o qual causa o influxo de K+ das células guardiãs; a água então existe nas células osmoticamente, e o estoma se fecha, protegendo as folha de uma futura desidratação.

Figura 10. A abertura e fechamento dos estômatos.

VII. Objetivos 1.1. Analisar a resposta de células vegetais, quando submetidas à alteração da

osmolaridade do meio. 1.2. Identificar a propriedade da membrana plasmática evidenciada pelo experimento

realizado.

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VIII. Material e Métodos 2.1. Osmose em células vegetais de Tradescantia discolor - Materiais: • Microscópio • Ramo de Tradescantia discolor • Solução de NaCl 5% • Água destilada • Lâminas e lamínulas • Papel de filtro • Dois conta-gotas • Lâmina de barbear • Pincel • Vidro de relógio - Procedimento: 1. Com uma lâmina de barbear, corte um fragmento da epiderme dorsal da folha de

Tradescantia discolor e coloque em um vidro de relógio com água destilada. 2. Coloque no centro de uma Lâmina, uma gota de água destilada e o fragmento da

epiderme da folha. Cubra com a lamínula. 3. Leve a lâmina ao microscópio e observe com as objetivas a seco. 4. Desenhe o que foi observado. 5. Mantendo a lâmina focalizada, coloque um pedaço de papel de filtro junto a um dos

bordos da lâmínula para retirar a água da preparação; ao mesmo tempo, coloque uma gota de solução salina junto ao bordo do lado oposto.

6. Observe o que acontece com as células e registre num desenho. 7. Usando um novo pedaço de papel de filtro, troque a solução salina destilada, de

acordo com o ítem 5. Repita o processo para ter certeza de que a solução salina foi realmente retirada. Faça novas observações.

IX. Discussão 1. Explique as modificações sofridas pelas células quando colocadas em soluções de

diferentes concentrações.

2. Explique o movimento da água através da membrana plasmática, analisando a participação das aquaporinas.

3. Discuta os mecanismos envolvidos na manutenção da osmolaridade celular em

animais, protozoários e vegetais. X. Bibliografia • Alberts, B.; Johnson, A.; Lewis, J.; Raff, M.; Roberts, K.; Walter, P. (2002). Biologia

Molecular da Célula , 4ª Ed. Artes Médicas Ed., Porto Alegre, 1548p. • Lodish, H.; Berk, A.; Zipursky, S.L.; Matsudaira, P.; Baltimore, D.; Darnell, J. (2002).

Biologia Celular e Molecular . Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 1124p.