roteiro para elaboração de projeto de pesquisa em ciências sociais

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Roteiro para Elaboração do Projeto de Pesquisa RONALDO BALTAR DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Importância do Projeto A Elaboração 1 do Projeto de Pesquisa, como etapa prévia de uma atividade de pesquisa científica, é necessária na medida em que se constitui no momento em que o pesquisador irá iniciar a reflexão sobre a construção de seu objeto de estudo e da problemática que conduzirá a coleta e a análise dos dados, deixando claro para si e para os que se interessarem por seu estudo os seus pressupostos e as suas hipóteses sobre a realidade a ser investigada. Assim, o Projeto não é apenas uma formalidade acadêmica. É o primeiro passo da pesquisa científica. Geralmente o projeto inicia-se pela escolha de um tema genérico do qual o pesquisador possua algum interesse ou alguma afinidade intelectual ou afetiva. Uma vez definido o tema, cujo critério de escolha será sempre pessoal, o pesquisador deverá transformá-lo em problema de pesquisa e posteriormente (ou concomitantemente) irá definir o objeto de estudo. O caminho mais seguro para a definição de uma problemática relevante e consistente é a leitura de trabalhos na área em que se quer pesquisar. Portanto, após a definição do tema, o segundo passo é a realização de uma pesquisa bibliográfica que procure ser tão abrangente quanto o prazo que se dispõe para as leituras. Da primeira seleção bibliográfica, o pesquisador dever escolher os títulos que são de interesse fundamental para a pesquisa, quais são os textos secundários e se for o caso quais são os textos que serão tratados como fonte de dados secundários. Serão os textos fundamentais, aqueles que contenham definições conceituais ou afirmações teóricas com as quais o pesquisador pretenda dialogar diretamente em seu estudo. Serão secundários todos aqueles textos de comentaristas sobre estes conceitos ou formulações teóricas que o pesquisador elegeu como prioritárias. Os textos de dados secundários serão aqueles tratados como fonte de dados para a pesquisa e não propriamente como referencial teórico. Para o projeto, como se trata de um momento de definição de pressupostos e hipóteses para a pesquisa futura, o pesquisador deve concentrar-se na leitura daqueles textos fundamentais para a construção do seu objeto, deixando a leitura dos demais para o momento seguinte da pesquisa. A pesquisa bibliográfica deve ser feita sobre o tema e não apenas sobre o objeto de estudo específico. Por exemplo, se um pesquisador define como objeto de estudo “a relação entre a organização de moradores e a política municipal de saneamento nos bairros A, B e C de um município X”, e for a uma biblioteca poderá não encontrar um só título sobre as associações de moradores ou sobre saneamento nos bairros de seu interesse. Poderia alegar então que seu “tema” nunca foi estudado e portanto estaria dispensado de quaisquer leituras prévias, iludindo-se com o pioneirismo de sua proposta. Na verdade, para este caso, o tema a que se refere o objeto seria “movimentos sociais e políticas públicas”, sobre o qual existem dúzias de trabalhos publicados ainda que cada um possua como base empírica outros objetos de estudos e não os bairros A, B e C do município X. 1 Ronaldo Baltar é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Este roteiro foi elaborado para auxiliar alunos do programa de pósgraduação em Ciências Sociais da UEL.

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Modelo básico para elaboração de projeto de pesquisa para mestrado, especialização e participação em atividades de iniciação científica, elaborado pelo Prof. Ronaldo Baltar, para o curso de Ciências Sociais - Universidade Estadual de Londrina. http://www.uel.br/projetos/infosoc

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Roteiro para Elaboração do Projeto de Pesquisa

RONALDO BALTAR

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

Importância do Projeto

A Elaboração1 do Projeto de Pesquisa, como etapa prévia de uma atividade de pesquisa científica, é necessária na medida em que se constitui no momento em que o pesquisador irá iniciar a reflexão sobre a construção de seu objeto de estudo e da problemática que conduzirá a coleta e a análise dos dados, deixando claro para si e para os que se interessarem por seu estudo os seus pressupostos e as suas hipóteses sobre a realidade a ser investigada. Assim, o Projeto não é apenas uma formalidade acadêmica. É o primeiro passo da pesquisa científica.

Geralmente o projeto inicia-se pela escolha de um tema genérico do qual o pesquisador possua algum interesse ou alguma afinidade intelectual ou afetiva. Uma vez definido o tema, cujo critério de escolha será sempre pessoal, o pesquisador deverá transformá-lo em problema de pesquisa e posteriormente (ou concomitantemente) irá definir o objeto de estudo.

O caminho mais seguro para a definição de uma problemática relevante e consistente é a leitura de trabalhos na área em que se quer pesquisar. Portanto, após a definição do tema, o segundo passo é a realização de uma pesquisa bibliográfica que procure ser tão abrangente quanto o prazo que se dispõe para as leituras. Da primeira seleção bibliográfica, o pesquisador dever escolher os títulos que são de interesse fundamental para a pesquisa, quais são os textos secundários e se for o caso quais são os textos que serão tratados como fonte de dados secundários. Serão os textos fundamentais, aqueles que contenham definições conceituais ou afirmações teóricas com as quais o pesquisador pretenda dialogar diretamente em seu estudo. Serão secundários todos aqueles textos de comentaristas sobre estes conceitos ou formulações teóricas que o pesquisador elegeu como prioritárias. Os textos de dados secundários serão aqueles tratados como fonte de dados para a pesquisa e não propriamente como referencial teórico. Para o projeto, como se trata de um momento de definição de pressupostos e hipóteses para a pesquisa futura, o pesquisador deve concentrar-se na leitura daqueles textos fundamentais para a construção do seu objeto, deixando a leitura dos demais para o momento seguinte da pesquisa.

A pesquisa bibliográfica deve ser feita sobre o tema e não apenas sobre o objeto de estudo específico. Por exemplo, se um pesquisador define como objeto de estudo “a relação entre a

organização de moradores e a política municipal de saneamento nos bairros A, B e C de um

município X”, e for a uma biblioteca poderá não encontrar um só título sobre as associações de moradores ou sobre saneamento nos bairros de seu interesse. Poderia alegar então que seu “tema” nunca foi estudado e portanto estaria dispensado de quaisquer leituras prévias, iludindo-se com o pioneirismo de sua proposta. Na verdade, para este caso, o tema a que se refere o objeto seria “movimentos sociais e políticas públicas”, sobre o qual existem dúzias de trabalhos publicados ainda que cada um possua como base empírica outros objetos de estudos e não os bairros A, B e C do município X.

1 Ronaldo Baltar é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Este roteiro foi elaborado para auxiliar alunos do programa de pósgraduação em Ciências Sociais da UEL.

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A pesquisa bibliográfica deve começar assim com palavras-chave de referência ao tema, indo da mais abrangente à mais particular, como por exemplo: “movimentos sociais” e “políticas públicas”; “associação de moradores” e “política de saneamento”; “associação de moradores dos bairros A, B e C” e “política de saneamento no município X”.

O autor do projeto deve ter em mente sempre que quanto mais ambiciosa for a intenção de seu estudo, no sentido de contribuir para um debate geral sobre um tema específico, mais relevante será sua proposta de trabalho. Ao contrário, quanto mais sua pesquisa se esgotar no próprio objeto, menos relevante será. A ambição obviamente deve ser circunscrita aos meios para execução da pesquisa, ou seja, instrumentos analíticos propícios, formação do pesquisador no assunto, pessoal qualificado para apoio, disponibilidade de dados, existência de recursos financeiros e prazos adequados para a realização da pesquisa.

No caso de uma monografia de especialização, os recursos à pesquisa serão aqueles oriundos apenas da capacidade e da formação do pesquisador para realizar uma reflexão madura sobre um problema retirado de um objeto de seu interesse, em um prazo de seis meses para a redação do texto final. A ambição deve ser no caso, em primeiro lugar, a formação pessoal do pesquisador e em segundo lugar construir uma explicação que traga alguma contribuição para um debate de interesse na área. Portanto, para a monografia, a ambição e o objetivo da pesquisa devem ser realizar a reflexão mais profunda que for possível em seis meses de estudo sobre um objeto específico, e não realizar em seis meses o que normalmente seria feito em uma pesquisa de quatro anos.

Definido o problema e o objeto, ambos tendo como referência um debate temático encontrado na bibliografia pesquisada e delimitados pelos recursos e pelo prazo de conclusão do trabalho, resta ao pesquisador formular suas hipóteses e definir os procedimentos metodológicos.

A apresentação do projeto não possui uma regra universal pronta. Cada instituição (CNPq, FAPESP, PROPG-UEL, etc.) possui suas próprias normas para a apresentação de um projeto. Para facilitar a discussão sobre a monografia nos Seminários de Projeto do curso de Especialização, sugere-se que os estudantes sigam a estrutura geral de um projeto de pesquisa apresentada a seguir.

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Estrutura Geral de Apresentação de um Projeto de Pesquisa

• Título

O Título deverá ser uma apresentação da pesquisa. Deverá informar de forma concisa do que se trata a proposta de investigação apresentada. O ideal é que se consiga um título ao mesmo tempo elegante e claro o suficiente para demonstrar a intenção e o alcance do projeto de pesquisa. Contudo, entre um título elegante, mas pouco claro, e um título esclarecedor ainda que pouco elegante, deve-se optar pelo segundo. Tomando o exemplo anterior, um título adequado seria: “O impacto da organização de moradores na concessão de serviço públicos de saneamento: um estudo comparativo nos bairros A, B e C do município X”. Um título inadequado seria: “O saneamento da política e a política de saneamento: uma sociologia dos movimentos sociais”.

• Introdução

A introdução deverá ser um breve resumo do projeto, contendo o problema o objeto e os objetivos se for o caso, de forma a que possa informar ao leitor, com uma leitura rápida, o que pretende a pesquisa proposta.

• Justificativa

A justificativa será a parte em que o pesquisador irá demonstrar a relevância da sua proposta de investigação. A relevância de um projeto nunca está nele mesmo. Tampouco está na vontade do pesquisador, nem no ineditismo do trabalho.

Não adianta justificar um projeto com frases do tipo: “...acreditamos que a nossa

proposta por si mesmo justifique a relevância desta pesquisa, dado ser este um tema

inédito e que, pela própria situação de miséria dos trabalhadores, já se faz necessário

a muito um estudo desta natureza”.

A justificativa de um projeto está na contribuição que poderá fazer para um melhor conhecimento sobre um tema qualquer a que refira a pesquisa. A relevância é dada pela possibilidade de contribuição ao tema. Portanto, para redigir a justificativa o pesquisador deverá ter lido a bibliografia que, de acordo com seus interesses de estudo, foi classificada como principal sobre o seu tema. Deverá apresentar aqui qual é o principal debate travado nesta área e como percebe que sua investigação poderá contribuir para o esclarecimento das questões colocadas. Normalmente, nesta parte o pesquisador apresenta as lacunas que existem nos estudos até então realizados e sua contribuição será preencher uma ou mais destas lacunas. Ou então, sua contribuição será demonstrar de forma crítica que aquilo que se entendia até então como certo em uma dada argumentação é uma interpretação incongruente com a realidade atual.

A redação da justificativa só pode ser feita após a leitura das obras consideradas básicas para o tema. No caso de um tema sobre o qual nunca foi escrito nada, o pesquisador terá mais trabalho para demonstrar sua relevância, pois se em 100

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anos de sociologia ninguém nunca se debruçou sobre esta questão é porque talvez pouco valor explicativo ela tenha para o entendimento da sociedade. Neste caso será relevante o tema, caso o pesquisador demonstre tratar-se de relações sociais ou práticas sociais novas, atuais, que surgem em decorrência de determinadas transformações e que potencialmente podem implicar em uma nova dinâmica ou uma nova organização social.

• Problema de Pesquisa

O problema de pesquisa é o ponto de partida da investigação científica. Por definição, uma pesquisa só é necessária na medida em que existe uma dúvida a ser esclarecida. Se não houver dúvida, não será necessário haver pesquisa. O problema constitui-se por esta dúvida inicial que motiva e orienta a pesquisa. Deve ser redigido de forma clara e argumentativa de forma a que o leitor do projeto e próprio pesquisador entendam qual é a questão a que se busca uma resposta, pois o primeiro passo para se atingir um conhecimento sobre algo é precisamente ter claro o que se quer saber. Inicialmente a questão que se formula é proveniente de uma inquietação genérica sobre uma realidade ou sobre um tema que se tem afinidade.

No exemplo citado, sobre “organização de moradores e saneamento”, suponha-se que um pesquisador que more num bairro C , ao ir todos os dias para o trabalho em seu “centro de pesquisa” passe pelo bairro A e observe que em um bairro exista saneamento e no outro não. Uma questão que lhe poderia vir a cabeça diariamente seria: “porque um bairro tem saneamento e outro não”? Esta questão genérica, para torna-se um problema de pesquisa deve ser moldada dentro dos limites do campo de investigação científica. Esta questão é genérica porque existem diferentes níveis de resposta possíveis. “Por que não há saneamento em um local e há em outro”? Por motivos econômicos, motivos geológicos, motivos jurídicos, motivos demográficos, motivos educacionais, motivos de engenharia, motivos sociológicos (sociais, políticos e culturais) entre tantos outros.

Assim, para tornar-se um problema de investigação sociológica, esta inquietação proveniente da experiência cotidiana do pesquisador deve atender a alguns requisitos. Em primeiro lugar deve atender ao objeto básico da sociologia. O que a sociologia estuda, ou seja o seu objeto, é definido por “relações sociais” ou “fatos sociais” ou “ações sociais”, dependendo da matriz teórica clássica que se queira. Logo, a pergunta formulada tem que ser feita sobre um conjunto de “relações sociais”. Qualquer pergunta que não envolva um conjunto de relações sociais não poderá ser respondida pela sociologia. Para cada ciência em particular, o problema de pesquisa deve estar dentro do limite explicativo do seu objeto de estudo básico, aquele que a define como uma ciência específica em relação as demais. Assim, retomando o exemplo, um problema de pesquisa sociológico possível seria “que relações sociais

existem nestes locais que favorecem ou bloqueiam a adoção de política públicas

básicas, no caso o saneamento”? Apesar de estar no campo sociológico, esta questão ainda está genérica, dado que as relações sociais possíveis no caso são muito abrangentes. Uma vez que o pesquisador possui um prazo determinado para realizar sua pesquisa, onde não há possibilidade de esgotar todo o assunto de uma só vez, o segundo passo a ser dado é a delimitação dos tipos de relações sociais que irão tornar-se o objeto principal de estudo. No caso, após a leitura da bibliografia básica sobre o

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seu tema, o pesquisador, desejando contribuir sobre o debate em torno dos conceitos de movimentos sociais, cidadania e de poder local, poderia definir o seguinte problema: “em que medida as organizações de moradores de bairro conseguem

influenciar a elaboração e a execução de políticas públicas locais”? Este problema poderia ser ainda desdobrado nos seguintes: “que tipos de mecanismos de

representação política permitem esta influência por parte das associações de

moradores; e quais os obstáculos institucionais à representação destes interesses de

bairro na adoção e execução de política públicas locais, tomando-se o caso de uma

política de saneamento”? Uma vez definido e circunstanciado o problema de pesquisa, o pesquisador deve descrever o seu objeto de estudo.

• Objeto de estudo

No texto do projeto, o item objeto de estudo é aquele reservado à descrição tão minuciosa quanto possível do que será de fato estudado. Na verdade, o objeto em si é construído pelo pesquisador juntamente com o problema de pesquisa.

Na exposição deve estar separado para tornar mais inteligível a proposta de investigação. No exemplo adotado, o objeto seria descrito como as associações de moradores nos bairros A, B e C do município X e a política de saneamento municipal no período de tanto a tanto.

Não se deve confundir o objeto de estudo como a localização espacial do objeto. Os bairros não são objetos. Os objetos de estudos são sempre, no caso da sociologia, um conjunto de relações sociais que, neste caso, acontecem num determinado local, durante um determinado tempo. É importante, nesta parte descrever as características do objeto de estudo, quais as suas peculiaridades, e indicar porque estes locais e este tempo foram escolhidos.

O exemplo utilizado refere-se a uma pesquisa empírica típica em sociologia. No entanto, uma pesquisa para uma monografia pode também ter como objeto uma reflexão teórica. A pesquisa teórica é diferente de uma pesquisa empírica baseada em dados secundários ou em documentos (documentos históricos, dados já catalogados e tabulados como os censos do IBGE, artigos de jornal, biografias escritas, etc.). Neste caso, mesmo não havendo “contato” direto entre o pesquisador e as pessoas que compõem o seu “objeto de estudo”, há uma investigação empírica sobre um dado conjunto de relações sociais. Um estudo teórico na verdade é apenas uma parte do pesquisa científica em si. Assim como também uma pesquisa exclusivamente voltada à coleta de dados é uma outra parte da atividade científica. Para estar completa, a reflexão científica deve envolver os dois momentos.

Contudo, voltando aos prazos, pode-se utilizar o momento da monografia para uma pesquisa teórica, onde se imagina que posteriormente será utilizada como matriz para um estudo empírico, que por sua vez irá alimentar outra revisão teórica, completando o ciclo do pensamento científico. Trata-se de uma investigação sobre conceitos que determinados autores utilizaram para formular um modelo explicativo qualquer para a sociedade. Normalmente é um estudo crítico-comparativo, onde se pretende demonstrar a insuficiência de um conceito ou de uma teoria, comparando-o com outros conceitos de outros autores ou conceitos do próprio pesquisador. Uma

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pesquisa teórica não é portanto uma simples descrição sobre um conceito ou uma teoria de um autor. Por exemplo, não se faz uma pesquisa sobre o conceito de “sociedade civil” em Gramsci, cujo objetivo seja tão somente descrever este conceito. A descrição conceitual constitui-se apenas em um estudo ou um fichamento que todo pesquisador deve fazer para apreender o universo teórico que deseja. Seria um objeto de estudo teórico por exemplo: uma proposta de reflexão crítica sobre “o alcance do

conceito de sociedade civil em Gramsci para a compreensão do processo de

construção do modelo de democracia operária”. Este tipo de objeto encerra em si um problema de pesquisa: “em que medida o conceito de sociedade civil, tal como definiu

Gramsci, permite uma avaliação teórica sobre os obstáculos à construção da

democracia operária?”. Assim, na pesquisa teórica em sociologia o objeto não é constituído diretamente por relações sociais, mas por conceitos sobre relações socais.

• Objetivos

Os objetivos de um projeto dependem fundamentalmente do tipo de pesquisa que é realizada. Por exemplo, um projeto realizado sob encomenda do Ministério da Saúde para uma caracterização do perfil social das comunidades onde há maior concentração de casos de cólera, teria como objetivo “orientar a aplicação de medidas de política pública na área de saúde, visando conter a doença”.

No caso de uma pesquisa acadêmica, como a monografia, o objetivo maior será sempre trazer alguma contribuição explicativa a um debate qualquer sobre o tema em que se está pesquisando.

Em alguns formulários de projeto, é solicitado que se especifique objetivos gerais e específicos. Esta especificação não deveria ser uma obrigação dado que dependendo da natureza do projeto objetivos gerais e específicos se confundiriam. No entanto, sendo solicitado ou se o pesquisador sentir necessidade de explicitá-los desta forma, pode-se seguir a seguinte regra básica: serão objetivos gerais tudo aquilo que se referir a uma contribuição teórica que se espera alcançar com a pesquisa (por exemplo revisão de um conceito de um determinado autor, etc.); serão objetivos específicos tudo aquilo que se apresenta como resultado imediato do trabalho científico (por exemplo apresentação de uma bibliografia atualizada sobre o tema, compilação de novos dados sobre um assunto, etc.).

• Hipóteses

As hipóteses constituem-se por definição em respostas prévias, formuladas pelo pesquisador, às perguntas feitas sobre o objeto de estudo. Ou seja, são respostas provisórias ao problema de pesquisa.

As hipóteses são importantes por dois motivos. Primeiro permitem direcionar a investigação, evitando a confusão de caminhos explicativos que inevitavelmente apresentam-se ao pesquisador toda vez que começa a coletar dados. Segundo, porque permite ao pesquisador avaliar os seus pressupostos sobre o objeto, evitando que se tome por verdade o que não passa de uma opinião pessoal sobre um dado assunto.

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A formulação de uma hipótese consistente sobre um determinado problema de pesquisa requer uma reflexão prévia sobre o tema abordado. Normalmente, a elaboração de hipóteses maduras resultam de pesquisas anteriores que fornecem ao pesquisador argumentos razoavelmente sólidos para a orientar sua investigação científica. Hipóteses concisas e claras são, portanto, resultado da atividade contínua de pesquisa.

Para um projeto de monografia, onde se imagina que o autor esteja dando os primeiros passos de sua inserção em um campo de pesquisa de seu interesse, as hipóteses formuladas apresentam via de regra um grau de superficialidade normal. Neste sentido, um dos objetivos implícitos da monografia seria exatamente propiciar ao pesquisador iniciante um momento oportuno para aprofundar-se numa dada área de conhecimento, de forma a que o resultado final de seu trabalho fosse a construção de hipóteses razoavelmente consistentes sobre o problema a que se propôs estudar. Não se espera portanto que uma monografia ao ser finalizada apresente conclusões marcantes sobre um tema, mas hipóteses bem fundamentadas, oriundas de uma reflexão metodicamente elaborada.

No entanto, mesmo que o pesquisador não possua experiência de pesquisa anterior no assunto, o seu projeto deve apresentar algumas hipóteses, ainda que não tão consistentes, como forma de demonstrar o caminho no qual irá centralizar suas investigações. Retomando o exemplo da pesquisa sobre política de saneamento municipal, foram definidos os seguintes problemas de pesquisa:

1)“Em que medida as organizações de moradores de bairro conseguem influenciar a

elaboração e a execução de políticas públicas locais”?

2)“Que tipos de mecanismos de representação política permitem esta influência por

parte destas organizações?

3)Quais os obstáculos institucionais à representação destes interesses de bairro na

adoção e execução de política públicas locais, tomando-se o caso de uma política

de saneamento”?

A partir da definição destes problemas pode-se atribuir as seguintes hipóteses:

1)”A influência de moradores ocorre mais por vínculos familiares com técnicos do

poder público, do que através de pressão das associações ou representatividade

política”.

2)”A representação de interesses institucionais partidários ou associativos é frágil

perante as carreiras políticas individuais, de forma a que associações e partidos

não conseguem obter representatividade no corpo técnico que elabora, decide e

executa as políticas públicas de saneamento”.

3)”A fragilidade do sistema de representação partidária local constitui-se no

principal obstáculo à integração entre interesses de moradores e a execução da

política de saneamento no município X”.

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Embora as hipóteses soem como conclusão, na verdade são suposições. Para que se tornem conclusivas dependem da verificação metódica dos dados obtidos através de pesquisa. Portanto, ao longo da pesquisa, as hipóteses poderão ser refeitas se os dados apontarem que são incongruentes com a realidade ou se não se dispuser de informações mínimas necessárias para verificar a sua validade. Assim, objetivo de uma pesquisa não é provar a todo custo que uma hipótese é verdadeira. O objetivo da pesquisa é responder um problema de pesquisa para o qual se formulou uma hipótese explicativa prévia, que pode ser verdadeira ou não. Se um pesquisador chegar ao final de seu trabalho e concluir que suas hipóteses estavam incondizentes com a realidade, não irá obviamente sentir-se frustrado e jogar no lixo toda pesquisa realizada. Irá elaborar outra explicação que satisfaça o problema formulado.

Uma vez definidas as hipóteses, deve-se passar a escolha dos procedimentos de pesquisa adequados.

• Procedimentos de Pesquisa

A descrição dos procedimentos de pesquisa deve ser adequada ao objeto, às hipóteses e ao problema de pesquisa. Os procedimentos são a estratégia de pesquisa que se irá montar para coletar dados suficientes o necessários para testar a hipótese formulada. Esta descrição será tão pormenorizada quanto se fizer útil para o entendimento dos passos da pesquisa. A escolha de métodos quantitativos, qualitativos, entrevistas abertas, fechadas, diretivas e não diretivas, de trabalho com dados secundários, com documentos, histórias de vida, história oral, etnografia, pesquisa participante, surveys, e todo o conjunto de atividades técnicas que envolve pesquisa deve ser criteriosamente avaliada de forma a que se assegure a validade, a confiabilidade e a representatividade dos dados analisados. Sem o rigor nesta escolha, todo trabalho de inferência sobre o material coletado poderá ser inútil do ponto de vista científico.

Por exemplo, no caso da pesquisa sobre associações de moradores e política de saneamento, tendo sido definidas como hipóteses a fragilidade da representação

política e a existência de laços familiares entre membros de associação e técnicos do

poder municipal como explicação para a existência ou não de obstáculos na execução

de políticas saneamento, o pesquisador deve elaborar uma estratégia de levantamento de dados que possa convalidar ou refutar estas hipóteses. Para tanto, deve-se questionar o seguinte para a escolha do método adequado: que tipo de dados seriam necessários? Como obtê-los de forma fidedigna? Quantos dados seriam representativos? Como analisá-los? As respostas a estas questões são variadas, dependendo do alcance, do conhecimento e dos objetivos da pesquisa. Por exemplo, poderia-se definir que, para esta pesquisa, seriam necessários dados pessoais e informações sobre a trajetória política dos membros da associação de moradores e dos técnicos encarregados pelo setor de saneamento básico do município. Dados que poderiam ser obtidos através de levantamento de história de vida das lideranças mais expressivas nos bairros e dos chefes de primeiro e segundo escalão ligados ao saneamento no município. A possibilidade de escolha metodológica é bastante ampla, inclusive podendo-se combinar métodos qualitativos (como a história de vida) com métodos quantitativos (a elaboração de um índice de casas atendidas pelo do sistema de saneamento correlacionada ao índice de membros filiados à associação de bairro a

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partir de dados retirados de uma amostra de moradores dos bairros A, B e C). O mais importante neste caso é a clareza que o pesquisador deve ter sobre o alcance e as possibilidades de sua escolha metodológica (Veja o quadro resumo em anexo).

• Cronograma

O cronograma deverá ser um quadro onde se descreva o tempo de duração de cada etapa da pesquisa. Por exemplo, um cronograma para uma monografia com seis meses de prazo para a realização, supondo-se que já se tenha feito a pesquisa bibliográfica: Etapas jan fev mar abr mai jun leitura e fichamento Lev. de dados secundários na Prefeitura Entrevistas nas Associações A, B e C Entrevistas na Sec. de Saneamento Análise comparativa das entrevistas Redação do Texto

Como se pode observar, as etapas podem ser coincidentes, desde que não sejam mutuamente excludentes. Ou seja, é possível fichar um texto e levantar dados secundários no mesmo mês. Mas não é possível fazer uma análise comparativa das entrevistas sem tê-las terminado antes.

O cronograma deve refletir uma organização pessoal do pesquisador, portanto será um ponto de referência para que se possa avaliar constantemente os prazos para conclusão da pesquisa, evitando-se a demora preguiçosa e desnecessária que atrapalha o andamento de qualquer atividade científica.

• Bibliografia

A bibliografia irá conter as referências de todos os títulos úteis à pesquisa listados pela pesquisa bibliográfica feita antes de se iniciar o projeto. A apresentação deve seguir as normas da ABNT.

Dicas

1. Procure sempre ler sobre o tema de sua pesquisa. A leitura é a maior fonte de inspiração intelectual e o caminho mais curto para o amadurecimento de um problema de pesquisa.

2. A leitura dos textos de interesse direto para a pesquisa deve ser feita através de fichamento. Sem o registro das informações que se obteve através da leitura, pouca serventia terá o texto no momento da redação.

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BALTAR, Ronaldo. Roteiro para Elaboração do Projeto de Pesquisa.Texto de orientação para o Programa de

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3. Para o projeto da monografia as partes mais importantes são o problema, o objeto e os procedimentos de pesquisa.

4. Um projeto não possui limites mínimos nem máximos de páginas. Apenas como referência, desconfie de seu trabalho se seu projeto estiver com menos de 5 páginas ou com mais de 15. Se você usou menos de 5 páginas para descrever todos os itens relacionados acima, pode ser que seu projeto esteja superficial demais. Contudo, se você não conseguiu expor como será sua pesquisa em até 15 páginas, pode ser que você esteja sendo confuso ou redundante em demasia.

5. Não enrole e não “encha lingüiça”. Quanto mais claro o projeto estiver para você mesmo, mais facilmente será a realização da pesquisa posterior e a redação da monografia.

6. Use o orientador. Quando não souber como definir um problema, não conseguir diferenciar objeto de objetivo, não tiver segurança sobre que procedimentos de pesquisa adotar, procure conversar com o seu orientador, expondo todas as suas dificuldades, inclusive aquelas que você tem vergonha de admitir porque acha que deveria saber e de fato não sabe.

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QUADRO RESUMO DAS ETAPAS DE UMA PESQUISA

1) Definições sobre o Propósito da Pesquisa:

delimitação do tema;

estudo bibliográfico (que envolve uma pesquisa bibliográfica sobre o tema, a

leitura e o fichamento dos textos selecionados);

delimitação dos objetivos da pesquisa; 2) Definições Metodológicas:

definição do problema de pesquisa;

definição das hipóteses;

definição do quadro de referencial teórico;

delimitação do objeto de estudos; 3) Definições sobre Técnicas e Procedimentos de Pesquisa:

escolha das fontes de dados;

se pesquisa documental, seleção das fontes de documentos; se pesquisa de campo, definição da amostra (tipo, critérios e quaSe sim, siga em frente. Você já deve ter um esboço do seu objeto de estudos

tativa, definição do roteiro de observação e/ou de entrevistas;

se pesquisa de campo quantitativa, definição das variáveis e categorias

e em seguida elaboração do questionários;

aplicação teste dos instrumentos de coleta de dados e, se necessário,

reelaboração;

escolha das técnicas de análise de dados (devem ser relacionadas às

técnicas de coletas de dados) 4) Coleta dos dados 5) Análise dos dados 6) Elaboração do Relatório de Pesquisa 7) Disseminação dos Resultados de Pesquisa, através de artigos, livros,

conferências, etc.

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BALTAR, Ronaldo. Roteiro para Elaboração do Projeto de Pesquisa.Texto de orientação para o Programa de

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DA IDÉIA À PESQUISA, PASSO A PASSO

Se não, volte para leitura. Preste atenção à discussão metodológica dos trabalhos relacionados ao seu tema. Verifique se o tema não é muito difícil de ser abordado. Há fontes de informação disponíveis? Esta pesquisa é factível?

idéia vaga sobre o que se quer pesquisar...

aprofundar-se sobre o assunto

Pesquisa Bibliográfica, seleção de textos, leitura e fichamento.

levantamento de informações secundárias disponíveis

conversa com pessoas que já estudaram o tema

observação “despretenciosa” do fenômeno.

Se não, volte a obter mais informações, sobretudo através da leitura especializada

Se sim, siga em frente. Você já deve ter um esboço do seu objeto de estudos.

consegue definir o que vai pesquisar?

A esta altura, é bom começar a redigir um projeto de pesquisa. Faça uma justificativa mostrando a relevância acadêmica do tema. Elabore objetivos compatíveis com o tempo e os recursos que você terá disponíveis. Comece a pensar no método e nas técnicas de pesquisa que você irá utilizar. Faça um cronograma e relacione a bibliografia usada.

Delimite o seu referencial teórico

A delimitação do referencial teórico está intimamente relacionada com a escolha metodológica que você irá fazer. Defina aqui os conceitos que você irá utilizar ou retire esta definição de autores que já trataram sobre o tema. A leitura sistemática e o fichamento são fundamentais nesta fase.

Defina o problema de pesquisa e formule algumas hipóteses iniciais

Se sim, comece a pesquisar

consegue definir como vai pesquisar?

“brain storm” ou jogo de idéias.

coleta de dados

análise dos dados

reflexão tendo como base o quadro teórico, as hipóteses e o

problema

idéias para novas pesquisas

Disseminação, artigos, congressos livros...

Esta é fase de “ir a campo”. Primeiro deve-se definir os instrumentos (questionários, etc.) e uma estratégia de coleta de informações. Deve-se definir que tipo, onde, como e qual o volume de informações se pretende coletar. Faz-se uma pré-aplicação ou pré-campo. Estando tudo certo, começa-se a coleta efetivamente.

Redação do Relatório