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SÉRIE FIEB DOCUMENTOS HISTÓRICOS 2 RÔMULO Desenvolvimento Regional e Industrialização

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Rômulo Almeida (1914-1988) está entre os mais in�uentes economistas nordestinos. Ele ajudou a animar o debate nacional sobre desenvolvimento regional, na segunda metade do século XX. Sua reconhecida capacidade de cercar-se de talentos ajudou-o a pensar e a tornar realidade empreendimen-tos e instituições como o Polo Petroquímico de Camaçari, Banco do Nordeste do Brasil, Chesf, Centro Industrial de Aratu e Petrobras.

Se há um homem que simboliza a inventividade do nordestino, com sua capacidade de organizar pensamentos e transformá-los em ações, de perceber oportunidades e de encarar desa�os, de dialogar e convencer pessoas, este é, sem dúvidas, Rômulo Almeida. Formulador de políticas e de projetos que mudaram a face do Nordeste e da Bahia, Rômulo concebeu e coordenou a equipe responsável pela implantação do Polo Petroquímico de Camaçari, idealizou e ajudou a criar o Banco do Nordeste do Brasil, a Chesf e a Petrobras, empresas e instituições que ajudaram a tornar o Brasil um país menos desigual. Ao pensar atalhos para o futuro, Rômulo tornou perceptível o seu sonho de um Nordeste mais competitivo e integrado ao mercado nacional. É o que se comprova em vários dos artigos presentes nesta coletânea, que integra a Série FIEB Documentos Históricos.

SÉRIE FIEBDOCUMENTOS HISTÓRICOS2

RÔMULODesenvolvimento Regional e Industrialização

“Rômulo Almeida teve uma vida plena de experiências e desa�os. Ele soube, como poucos, enfrentá-los com coragem. Assim como soube defender, de forma convincente, suas ideias. Merece destacar-se, aqui, sua incansável luta pela inserção da economia do Nordeste na dinâmica econômica nacional.” José de F. Mascarenhas

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Federação das Indústrias do Estado da Bahia – FIEB

Presidente

José de Freitas Mascarenhas

1º Vice-Presidente

Victor Fernando Ollero Ventin

Vice-presidentes

Carlos Gilberto Cavalcante FariasEmmanuel Silva MalufReinaldo Dantas SampaioVicente Mário Visco Mattos

Diretores

Alberto Cânovas RuizAndré Régis AndradeAntonio Ricardo Alvarez AlbanCarlos Henrique Jorge GantoisCláudio Murilo Micheli XavierEduardo Catharino GordilhoJosair Santos BastosAlexi Pelagio Gonçalves PortelaCarlos Alberto Matos Vieira LimaJuan José Rosário LorenzoMarcos Galindo Pereira LopesMário Augusto Rocha PithonNoêmia Pinto de Almeida DaltroPaulo José Cintra SantosRicardo de Agostini Lagoeiro

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Salvador - Bahia2013

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Copyright © 2013 by Federação das Indústrias do Estado da Bahia

É autorizada a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada

a fonte.

Superintendência de Comunicação Institucional - SCI/FIEB

Adriana Mira - Superintendente

Coordenação Editorial: Fernando Cardoso Pedrão

Coordenação Geral: Cleber Borges, SCI/FIEB

Técnica: Marta Brito Erhardt

Normalização Bibliográfica: Biblioteca Sede/ Sistema FIEB

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Bamboo Serviços de Editora Ltda

Revisão: Iraneide dos Santos Costa

Todos os direitos desta edição reservados àFederação das Indústrias do Estado da BahiaRua Edístio Pondé, 342 – STIEP41.760.310 – Salvador – Bahiawww.fieb.org.br

Ficha Catalográfica

338.98142F293r Federação das Indústrias do Estado da Bahia Rômulo, Desenvolvimento regional e industrialização / Federação das Indústrias do Estado da Bahia — Salvador: Sistema FIEB, 2013. 404 p. : il. I.S.B.N.: 978-85-86125-60-7

1. Economia - Bahia. 2. Desenvolvimento Regional . 3. Industrialização. I. Título.

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SUMÁRIO

Apresentação José de F. Mascarenhas

1 Introdução: Rômulo Almeida, o homem e sua época Fernando Cardoso Pedrão 15

2 Traços da história econômica da Bahia no último século e meio 75

3 Estado atual da integração latino-americana: A origem, a estrutura, o funcionamento e os problemas da Associação Latino-Americana de Livre Comércio 137

4 O desenvolvimento industrial do Nordeste e seus possíveis fatores de rigidez 199

5 Industrialização da Bahia e sua repercussão no desenvolvimento industrial brasileiro 227

6 Planejamento Regional 257

7 Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional 279

8 Notas sobre a industrialização do Nordeste 357

9 Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste 375

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AGRADECIMENTOS

Ao presidente do Instituto Rômulo Almeida de Altos Estudos - IRAE, Aristeu Almeida, pelo incentivo à publicação do presente volume. A Stella Garrido e a Marília Almeida, que cederam à FIEB fotos de seus arquivos pessoais.

O Editor

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APRESENTAÇÃO

Não são muitos os personagens que contribuíram de maneira tão re-levante para o desenvolvimento econômico do Brasil e do Nordeste, em particular, quanto Rômulo Almeida. Suas ideias e ações influen-ciaram decisivamente – e ainda influenciam – tanto no crescimento econômico brasileiro ou na diversificação da indústria baiana, quanto no debate do desenvolvimento regional sob a ótica de redução das desigualdades.

Sua trajetória foi rica em experiências. Nascido em Salvador, em 1914, falecido circunstancialmente em Belo Horizonte, em 1988, Rômulo Almeida bacharelou-se na Faculdade de Direito da Bahia, mas, em vez de cuidar de leis, passou a se interessar por planejamento e desenvolvi-mento econômico. Em 1946, foi assessor da Comissão de Investigação Econômica e Social da Assembleia Nacional Constituinte. Foi um dos idealizadores da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ), fundada em 1948 e da qual se tornou membro do Conselho Consul-tivo, em 1951, função que exerceu até 1966.

Entre 1948-49, participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico, conhecida como Missão Abbink, que retomou a cooperação econômica entre os países iniciada pelo pre-sidente Franklin Roosevelt, durante a Segunda Guerra Mundial.

No início dos anos 1950, Rômulo Almeida atuou como economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro. No segundo governo Getúlio Vargas (1950-54), quando ocupou o Gabinete Civil da Presidência da República, em 1951, foi incumbido pelo presidente de organizar e chefiar sua

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Assessoria Econômica, sendo um dos principais responsáveis pela de-finição do modelo de exploração de petróleo baseado no monopólio estatal, decisão política que resultou na criação da PETROBRAS.

Foi também no período Vargas que, por solicitação do presidente, projetou o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), pensado inicialmente como instrumento para financiar obras contra a seca, mas que Rômu-lo acabou orientando para tornar-se uma instituição de desenvolvi-mento, com recursos oriundos de 0,8% da receita tributária da União. Em 1953, assumiu a presidência do BNB, da qual afastou-se após o suicídio do presidente Vargas, em 1954.

Também em 1954, elegeu-se deputado federal pela Bahia, licencian-do-se dois anos depois da Câmara para tornar-se secretário da Fazenda da Bahia, quando criou e presidiu a Comissão de Planejamento Eco-nômico (CPE). No período de 1957-59, foi nomeado vice-presidente da Rede Ferroviária Federal. Reassumiu, por alguns meses, o mandato na Câmara, reorganizou o Instituto de Economia e Finanças da Bahia e foi secretário sem pasta para Assuntos do Nordeste, no governo Juracy Magalhães. Posteriormente, nomeado secretário de Economia, elaborou o projeto que levou à criação da Companhia de Energia Elé-trica da Bahia (Coelba).

No ano de 1961, foi representante do Brasil na Comissão Internacional da Aliança para o Progresso, da qual se exoneraria cinco anos depois.

Após o advento do regime militar de 1964, filiou-se ao MDB, par-tido que presidiu na Bahia, e pelo qual concorreu ao Senado, sendo derrotado nas urnas pelo ex-governador Lomanto Júnior (Arena). Em 1982, já no PMDB, candidatou-se a vice-governador na chapa de Ro-berto Santos, eleição da qual saiu vencedor João Durval Carneiro.

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Durante o período militar, após participar do grupo de técnicos que elaborou o Plano Diretor do Centro Industrial de Aratu, fundou a CLAN S.A. – Consultoria e Planejamento, que se especializou na ela-boração e acompanhamento de projetos para a área pública e iniciativa privada. Dentre os muitos projetos criados na prancheta da CLAN, destaca-se a modelagem do Polo Petroquímico de Camaçari, uma das mais impressionantes realizações de planejamento e implantação in-dustrial no Brasil, por sua dimensão e complexidade, da qual tive a honra de participar, inicialmente na condição de diretor-superinten-dente da empresa e, posteriormente, como secretário de Estado de Minas e Energia. Foram também importantes para a Bahia trabalhos voltados para o desenvolvimento do turismo e vários projetos de ins-talação de empresas privadas no estado.

Rômulo teve também intensa atividade acadêmica. Foi professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia, da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, e da Esco-la Brasileira de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas, atividade na qual buscou propagar suas ideias sobre desenvolvimento regional.

Na esfera pública, era presidente de honra do PMDB baiano quando foi nomeado pelo presidente José Sarney, em 1985, diretor de Plane-jamento do BNDES, cargo que ocupou até a morte.

Como se constata, Rômulo Almeida teve uma vida plena de experi-ências e desafios. Ele soube, como poucos, enfrentá-los com coragem. Assim como soube defender de forma convincente suas ideias. Merece destacar-se, aqui, sua incansável luta pela inserção da economia do Nordeste na dinâmica econômica nacional.

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Juntamente com Celso Furtado, o baiano Rômulo Almeida foi refe-rência no debate do desenvolvimento regional, na segunda metade do Século XX. É esse aspecto, bem como sua incansável defesa da in-dustrialização da Bahia, que abordaremos no presente volume. Nesta coletânea, estão presentes artigos seus como “Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste”, “Planejamento regional” e “O desenvolvimento industrial do Nordeste e seus possíveis fatores de rigidez”, os quais traduzem sua defesa de uma política federal para o Nordeste, destinada a diminuir os desequilíbrios regionais, ainda hoje um desafio para estudiosos e políticos. A preocupação com a econo-mia baiana está presente no estudo “Industrialização da Bahia e sua repercussão no desenvolvimento industrial brasileiro”, no qual cons-trói o argumento de que retardar a efetivação das vocações industriais da Bahia significa retardar o próprio desenvolvimento nacional. Este volume traz, ainda, o texto inédito em livro “A origem, a estrutura, o funcionamento e os problemas da ALALC”, de 1965, no qual chama-va atenção, já naquela época, para as dificuldades na formação de uma zona de livre comércio na América Latina.

Na Bahia, percebemos que a presença de Rômulo Almeida está em muitos lugares; seu nome, em poucos. Ao publicar alguns de seus mais importantes artigos, na Série FIEB Documentos Históricos, ajudamos a colocar na ordem do dia o pensamento original de uma das mais destacadas e íntegras personalidades da Bahia.

JOSÉ DE F. MASCARENHASPresidente

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Rômulo Almeida, o homem e sua época

Fernando Cardoso Pedrão*

1 Introdução

* Fernando Cardoso Pedrão, possui doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, da qual também é docente livre. Com vários livros publicados, tem extensa experiência internacional como técnico das Nações Unidas, colaborador da CEPAL e como diretor de projetos de cooperação internacional.

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Preliminares

ste ensaio pretende estabelecer verdades históricas a respeito da trajetória de Rômulo Almeida em seu tempo e em suas cir-cunstâncias. Embora já aclamado por muitos como o maior

economista da Bahia, persiste, ainda, grande desconhecimento de sua atividade como homem público.

É este um relato que acompanha as sucessivas etapas de sua atividade desde sua precoce participação na política brasileira: o seu engajamen-to na política econômica nacional, sua inovação em política regional e em planejamento estadual, sua participação em órgãos internacio-nais e, finalmente, a sua volta e reengajamento na política nacional.

Foi ele um dos principais representantes de uma geração de nordes-tinos que chegou a posições estratégicas no governo federal, levando a perspectiva de um nacionalismo carregado de regionalismo, com uma percepção das desigualdades social e cultural, que, se parecida em alguns pontos, em outros muito diferentes da do Rio de Janeiro

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e certamente bastante distinta da de São Paulo. Desenvolvimento econômico significava perceber diferentes possibilidades de progres-so, passando, quase sempre, por certas opções culturais. O próprio Rômulo Almeida valorizava a arte barroca e fez questão de conhecer a parte grega da Sicilia. Vem a ser inclusive uma coincidência revela-dora que tenha falecido no avião que o levaria para assistir à Semana Santa em Sevilla. Essa postura histórica sem dúvida é herdeira da longa tradição de insurreição do Nordeste, jamais percebida pelos intelectuais que se sentiam herdeiros do Império.

A maior parte das referências aqui utilizadas é de domínio público, mas uma parte considerável provém de conhecimento direto, fruto este de uma parceria que durou décadas e que teve seu primeiro mo-mento quando Rômulo Almeida ofereceu ao autor destas linhas a oportunidade de participar do recomeço do Instituto de Economia e Finanças da Bahia, em dezembro de 1955. A amizade e a cooperação prosseguiram até a morte de Rômulo. Em 1959, convocou-me para a elaboração do Plano de Desenvolvimento, tornando-me chefe de seu departamento de programação. Voltamos a nos encontrar em Washington e, mais adiante, na volta ao Brasil, quando sua presen-ça foi inestimável. A cooperação continuou em atividades tanto na esfera pública quanto na privada, sendo a aula de civismo uma cons-tante nas mais diversas situações.

A vida de Rômulo Almeida foi dedicada ao serviço do Estado. Sua trajetória chama a atenção seja pela compreensão de dever de que não abria mão e que transmitiu aos que colaboraram com ele; seja por colocar-se acima das circunstâncias, sempre com uma ideia do-minante de independência.

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Das origens ao re-descobrimento do Brasil

Rômulo Almeida foi um homem de sua época e que caminhou sem-pre no limite de seu tempo, procurando criar opções de política, desde os aspectos técnicos das políticas de desenvolvimento aos as-pectos políticos da vida econômica. Viveu intensamente um período de redescobrimento do país pelos brasileiros. Cresceu no ambiente de turbulência do fim da República Velha, quando a Bahia, que vi-vera a tentativa de modernização de Joaquim Seabra, vivia a crise de seu mercado de exportação. A proposta de modernização flutuou, regredindo a políticas de defesa da produção açucareira, que tam-pouco tinham acertado com soluções para o início do declínio da produção fumageira.

Se a década de 1920 foi estratégica para a economia e a política bra-sileiras, para a Bahia foi um intervalo de impasse e decadência. Fal-tava uma visão de conjunto da própria economia baiana, governada por uma elite cujos interesses se restringiam ao litoral. A elite baiana, ensimesmada com seus problemas regionais, colocou-se contra a re-volução de 30, sofrendo uma animosidade do novo governo federal, o que se confirmaria com o Estado Novo. O impasse da economia baiana podia ser rastreado, por exemplo, na ruptura entre a econo-mia do litoral e a do sertão: a região semiárida reduziu-se ao papel de vendedora de couros, peles e alimentos de baixo valor; enquanto a do litoral reunia a lenta decomposição da produção de açúcar e de fumo e experimentava as primeiras crises do cacau.

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O Estado Novo trouxe para a Bahia um quadro contraditório: por um lado, interventorias que se aliaram às elites tradicionais – as de Juracy Magalhães e de Pinto Aleixo -; por outro, uma interventoria que exerceu uma influência renovadora, a de Landulfo Alves de Al-meida. Com este, iniciou-se uma política de modernização da pecu-ária e instaurou-se um questionamento da política de transportes, que teve dois pontos altos: o ensaio de Miguel Calmon Sobrinho sobre o transporte ferroviário e o trabalho de Vasco Neto sobre um sistema multimodal que favorecia o porto de Campinho em Maraú. Adiante, ver-se-á como a retomada do tema dos transportes no pla-nejamento da década de 1950 correspondeu a essa tradição. Nesse contexto, a década de 1930 revelou contradições no plano político atribuíveis à polarização entre os velhos setores exportadores, asso-ciados a empresas internacionais, a grandes proprietários restritos à exportação de produtos não elaborados e uma simpatia por nacio-nalismos conservadores, quase sempre ligados à tradição religiosa.

A tensão social na Bahia vinha em ascensão desde o início da Primei-ra Guerra Mundial e dera lugar à greve geral de 1919, cujos efeitos alcançaram nível nacional1. Voltaram com a revolta do Quebra Qui-los em 19262. A década de 1920 foi decisiva na formação política do país e culminaria com a Coluna Prestes e a Revolução de São Paulo. A vitória federal criaria as bases para o Estado Novo, cujo programa foi esboçado pelo general Góis Monteiro. No ambiente político influenciado pela Europa, disputavam espaço tanto as cor-rentes simpáticas à Alemanha, à Inglaterra, quanto as de influência

1 Ver de Aldrin Castelucci, Industriais e operários em uma sociedade em crise, Salvador, FIEB, 2006.2 A última dessas grandes rebeliões aconteceu em 1982, quando fo- A última dessas grandes rebeliões aconteceu em 1982, quando fo-ram queimados uns 500 dos 1.500 ônibus da frota de Salvador.

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soviética e norte-americana, estas mais veladas. Tornou-se púbico que Vargas foi alertado pela inteligência norte-americana a respeito da conspiração comunista em 1936. No ano seguinte, se destacaria o movimento integralista, que tinha adeptos no próprio governo, além de presença significativa em regiões exportadoras. O integralismo captou o entusiasmo de uma parte da elite brasileira que procura-va um caminho próprio. Figuras como Otavio de Faria, Menotti del Picchia e muitos outros, integrantes de uma elite que valorizava técnica e progresso, enveredaram por esse novo conservadorismo li-derado por Plínio Salgado, com o qual, todavia, muitos romperam na década seguinte. Rômulo Almeida estreou na política com essas simpatias, o que o obrigou a se distanciar no Acre quando o governo de Vargas passou a perseguir o integralismo.

O episódio do integralismo teve um papel no Brasil da época que ainda está por ser melhor esclarecido, uma vez que foi forte o apelo que exerceu em segmentos sociais muito diferenciados: desde certa elite de base católica, moralista e apegada a valores familiares, mas intelectualmente sofisticada, como Alceu Lima, Otavio de Faria e Adonias Filho e vários outros; até setores do comércio tradicional, todos basicamente nacionalistas. O integralismo favoreceu uma ide-ologia contraditória, simpática ao fascismo italiano, que rompera com a Igreja Católica, identificando-se mais com o conservadoris-mo católico da Ação Francesa de Charles Maurras. No Brasil pré- industrial, houve a tentativa de procurar substituir a luta de classes por organizações corporativistas. Essa ideologia da harmonia social se aproximava do positivismo dos fundadores da República, pondo- se a favor de um controle social adequado para essa sociedade de ex- escravos turbulentos e animistas. Na Bahia, mais do que em outras

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regiões menos integradas no sistema escravocrata, a sociedade pós- escravista tinha grande dificuldade para se adaptar ao ambiente de trabalho contratado.

A dominação social interna tinha os dois aspectos: de rejeição a tudo que representasse a identidade dominada e de reconhecimento de relações efetivas dessas mesmas bases culturais no plano individual e que não ameaçava as relações de poder. Observe-se que, até os anos de 1950, os ritos africanos foram assunto de polícia nos jornais de Salvador. Pessoalmente, Rômulo Almeida manteve uma atitude cla-ramente avançada nessas relações raciais ao longo de sua vida.

A juventude de Rômulo Almeida foi atraída por essa ideologia inte-gralista à qual foram simpáticos diversos dos integrantes do tenentis-mo e muitos dos que lutaram contra a Coluna Prestes. A juventude liberal da época estava literalmente em busca de uma opção dou-trinária e de um projeto nacional. O tema projeto Brasil ressurgiria depois do Estado Novo como uma afirmação da intelectualidade dos grandes centros, concentrando-se no Rio de Janeiro e não só registrando outros aspectos da diversidade nacional, como também afirmando a identidade do Nordeste através de textos de autores como Ignácio Rangel e Celso Furtado. Na prática, surgia uma nova compreensão de Nordeste: identificava-se com o reconhecimento da problemática das secas, diferindo da visão culturalista de Nordeste apresentada pelo ensaio de mesmo nome e da autoria de Gilberto Freire. O Nordeste passava a ser um símbolo de reivindicação com uma unidade de interesses que nunca houvera e com uma platafor-ma de reivindicações comum a todos os estados da região.

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O desafio alcançava interlocutores inesperados. Nos idos da Repú-blica Velha, o governo inexpressivo de Epitácio Pessoa deu o primei-ro alerta sobre a brecha do comércio exterior, antecipando as polí-ticas de substituição de importações. Mas o sistema político estava comprometido com a defesa do setor exportador, que se ampliava de modo irracional estimulado pelas compras de café pelo governo3. Na realidade, a economia brasileira convivia com duas crises sobrepos-tas: a do esgotamento de seu potencial de exportação e a de pressão por um aumento de suas importações.

Na Bahia, o quadro de crise foi mais simples e mais profundo. Hou-ve a crise causada pelo fechamento do mercado europeu a produ-tos tradicionais de exportação e uma pauta de importações de baixa tecnologia4. A produção baiana para exportação era praticamente litorânea e a crise das exportações resultava em desligamento entre o litoral e o interior. O isolamento tornou-se um traço fundamental e determinante da estagnação prolongada da economia baiana. Alguns livros de autores baianos descreveram esse ambiente de isolamento do Sertão, propiciando uma das versões mais nítidas de coronelismo armado, como o de Walfrido Guimarães, Jagunços e heróis, e o de Rui Palmerio, Chapadão do bugre.

No plano nacional, o projeto de modernização do Estado Novo re-presentava uma opção pela economia paulista, que voltara ao poder depois de 32 e desenvolvera uma classe empresarial alimentada por uma conexão entre a produção cafeeira e uma indústria de bens de

3 Ver Gustavo Franco, em Ordem e progresso, Paiva Abreu Ed. Rio, Campus, 2002.4 Até 1950 os principais itens de importação da Bahia eram bacalhau e cerveja. A maior parte das exportações era de itens de extração animal e vegetal e grande parte da produção de cacau provinha de plantação natural.

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consumo duráveis. Os efeitos na Bahia desse mecanismo de polariza-ção regional foram tratados por Rômulo Almeida em seu ensaio Fi-nanças públicas e assuntos fazendários (1956), em que mostrou, pela primeira vez, o papel dos bancos como captadores de recursos na Bahia para aplicação no Sudeste. O aumento do assalariamento for-neceu uma ampliação do mercado interno necessária a esse processo em que pesou a modernização do serviço público. Este último, de fato, seria o traço de união entre conservadores e liberais e adiante tornar-se-ia o ponto de partida do planejamento.

Esses debates internos corresponderam ao enquadramento interna-cional do Brasil. No ambiente do pós guerra, acentuou-se a contro-vérsia em torno da transformação da economia brasileira, alinhan-do-se os interesses da industrialização em torno da Confederação Nacional da Indústria liderada por Roberto Simonsen e os interesses dos exportadores, tendo Eugenio Gudin como figura principal. Foi a primeira etapa do conflito entre monetaristas e estruturalistas em que Rômulo Almeida estreou como assessor da CNI, do lado dos estruturalistas, mantendo, entretanto, certa admiração pessoal por figuras como Otavio Bulhões e Roberto Campos, alinhados do ou-tro lado. Desde então, pesava o relativo ao profissionalismo na po-lítica econômica, em que a complexidade dos problemas exigia um conhecimento da engrenagem técnica do sistema restrita a poucos. É preciso reconhecer que a distância entre os recortes teóricos do debate e as contradições da prática da política econômica tornou muito difícil distinguir fundamentos doutrinários opostos quando, na verdade, se tratava de matizes doutrinários entre keynesianos e marginalistas, e não necessariamente entre marxistas e neoclássicos5.

5 Dentre os textos sobre esse tema, podem ser citados A economia política brasileira de Guido Mantega e O pensamento econômico brasileiro de Ricardo Bielschowsky, ambos focalizando na polarização que

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Por mais que alguns poucos desses participantes da política econô-mica fossem genericamente marxistas, as propostas de política eco-nômica contrapunham apenas correntes keynesianas com a mesma imprecisão conceitual da versão pública das ideias da CEPAL6.

Esse processo ganharia novos argumentos com a instalação da Fá-brica Nacional de Motores e com o início da produção de máquinas ferramentas. O governo Dutra foi decisivo nessa etapa do proces-so, realizando projetos concebidos no período anterior7. A criação do BNDE, em 1948, modificou as perspectivas do setor e teve seu grande rebatimento no Plano Nacional de Transportes do mesmo ano. Com essas iniciativas, o Brasil entrava na trilha, que foi seguida desde 1930 pela Argentina, que criou o Banco Industrial em 1930, e pelo Chile, que instalou sua Corporação de Fomento também em 1930 e que, em 1948, criou a Corporação de Aço do Pacífico. Cons-te que, em 1931, o México instalou sua Nacional Financeira, com-binando uma política de participações com a de financiamento em longo prazo. Esses países estavam à frente do Brasil ao criarem seus bancos centrais quando o Brasil ainda operava com as limitações de sua Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC). Em 1947, Raul Prebisch criava o Banco Central da República Argentina. A

resultou na adesão majoritária da academia brasileira aos ditames neoclássicos, consagrada pela adesão a padrões norte-americanos. O foco nos aspectos polêmicos da teoria tornou-se um modo contestató-rio ignorado pela academia oficializada.6 É sintomático que esse foi o fundamento da crítica de Ignácio Rangel ao Plano Trienal de De-senvolvimento produzido por Celso Furtado quando Ministro do Planejamento, que alegadamente deveria superar as controvérsias entre monetaristas e estruturalistas. Rangel que já naquele momento começava a adotar uma postura prática distanciada da visão crítica marxista, com isso demarcava uma mudança de patamar no debate no país, que só se tornou clara a partir de 1964. Rômulo Almeida pelo contrario, sem participar da academia, assumia um desenvolvimentismo consciente das implicações internacionais, tornando-se referência nas posições fundamentais de seu PMDB.7 Ver Reinaldo Gonçalves, Herança e ruptura, Rio de Janeiro, Civ. Brasileira, 2006.

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falta de uma solução institucional para o controle da moeda tornava- se um obstáculo para uma política competente de desenvolvimen-to industrial e para uma concepção realista das relações econômicas internacionais8.

O governo Vargas absorveu as lições das lutas da década de 20 e adotou algumas iniciativas que corresponderam a um verdadeiro re-descobrimento, que foram a Marcha para o Oeste, cuja liderança entregou ao general Rondon, e certo tipo de propaganda naciona-lista, que foi reforçada pelo ambiente da guerra. Instalou-se uma valorização da cultura brasileira, que se opunha à alienação típica das elites, que viam como melhor tudo que fosse estrangeiro e jamais acreditavam que os brasileiros fossem capazes de fazer nada útil9. Os sucessos na literatura, na pintura e na arquitetura tiveram um papel fundamental nessa valorização da cultura brasileira, reproduzindo-se na política um nacionalismo já não somente formal, mas com uma abertura para o futuro. Vislumbrava-se um Brasil idealizado pela Se-mana de Arte Moderna de São Paulo porém afirmado pela literatura nordestina. Novas afinidades se desenvolveram naquela nova repre-sentação de nordestinos na esfera federal, superando rivalidades no próprio Nordeste. De fato, forma-se uma visão nordestina no cená-rio nacional com objetivos e prioridades regionais.

8 Uma visão em retrospectiva mostra como aquele debate foi superficial não fechando o ciclo da relação orgânica entre substituição de importações e de exportações, isto é, a verdadeira disputa por exportações. Nesse sentido, cabe citar o trabalho de Heloisa Barbosa da Silva, Da substituição de impor-tações à substituição de exportações (2008).9 Para uma leitura da ideologia nacionalista do desenvolvimento, atenta às condições de internacio-nalização do capital, cabe citar A ideologia do desenvolvimento nacional e as perspectivas do capital inter-nacionalizado de Fernando Pedrão (Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, julho, 2004).

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O redescobrimento do Brasil foi um traço de união entre a cons-tatação histórica e a ideologia nacionalista. Ficou em aberto uma questão acerca do nacionalismo, quando se separaram os processos históricos da captura progressiva de uma dimensão nacional conse-quente do reconhecimento da complexidade nacional, interessada ou em uma internacionalidade igualitária, ou em um nacionalismo imobilista, reduzido a cultivar o autoritarismo tradicional. Nesse contexto, a luta pelo nacionalismo tornava-se inseparável do pleito por um desenvolvimento autônomo.

Entre o nacionalismo que apenas se abastecia de indigenismo10 e o que se nutria de enriquecimento civilizacional, há uma diferença que se traduz em projeto de futuro. Rômulo foi a figura central de uma renovação do nacionalismo baiano, tendo sensibilidade para as dimensões indígena e negra da estruturação social, assim como inaugurando um interesse pela valorização e pelo desenvolvimento do artesanato. Ou seja, uma modernização consciente da complexi-dade das tradições.

Nessa parte, cabe registrar seu empenho em criar um programa de desenvolvimento do artesanato para o qual trouxe um especialista do Rio de Janeiro, Carlos Pereira, e promoveu a vinda de prateiros

10 A risco de más interpretações, cabe examinar as diferenças entre o indigenismo associado ao nacionalismo e os movimentos de defesa dos direitos dos negros, que tende a se identificar com um internacionalismo que o aproxima de nações africanas e mesmo de aproximação com movimentos negros norte-americanos. A questão nacional, antes que a do nacionalismo, que apareceu com diversos matizes em várias partes da America Latina, que foi trabalhada por autores como Sarmiento na Argen-tina e Vasconcellos no México, corresponde à necessidade de se afirmar, mediante uma diferenciação por contraste com as próprias raízes. Em vez de afrodescendentes, são brasileiros negros e brasileiros descendentes de indígenas, tal como há brasileiros descendentes de italianos, franceses e espanhóis chegados aqui ao longo do período colonial.

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portugueses. Esses encaminhamentos dariam lugar ao aparecimen-to de uma “tradição secular” de manejo de prata. No melhor sen-tido, inaugurava-se uma prática de criar tradições. Cabe entender que essa sensibilidade à complexidade racial não se confunde com um exclusivismo de reivindicação de cultura negra, que passou a se apresentar praticamente como única diferenciação em um universo naturalmente diverso11.

11 Também nesse ponto é oportuno referenciar essa discussão com obras como Também nesse ponto é oportuno referenciar essa discussão com obras como Viva o povo brasileiro de João Ubaldo Ribeiro e O povo brasileiro de Darcy Ribeiro. Nessa perspectiva, qualquer exclusivismo parece ingênuo.

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A formação da moderna economia do Brasil

Apesar de todos esses sinais os donos do poder conti-

nuam a ser os representantes da oligarquia rural, com

o apoio de fortes camadas do comércio e da industria

tradicionalista. José Honório Rodrigues12.

Assim como a modernização chegou ao Brasil como um movimento conduzido pelos interesses em uma composição de poder da bur-guesia urbana com a grande produção rural13, a política econômica surgia com a contradição de proteger os cafeicultores e pretender se industrializar. Nesse contexto, a formação da moderna economia do Brasil é um processo cuja escala e profundidade dependem das margens de capacidade de financiamento do sistema público. Tais margens - como sabemos - tinham se esgotado por completo no final da década de 1920. O Brasil, não. A verdadeira tarefa do Esta-do Novo era a de construir uma nova plataforma econômica capaz de sustentar as transformações básicas impostas pela modernização. Não havia solução à vista. Um olhar retrospectivo mostra que a po-lítica brasileira protagonizou uma grande improvisação, com o go-verno cedendo às pressões dos grupos de proprietários rurais. Havia um ambiente de descontentamento generalizado, tanto no Nordeste como nos estados do sul, verificando-se que a criação de novos em-pregos acontecia em São Paulo e que o Rio de Janeiro concentrava o poder público e criava um movimento de migração interna das elites. Surgia o chamado eixo Rio-São Paulo.

12 José Honório Rodrigues, José Honório Rodrigues, Aspirações nacionais, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970.13 Neste ponto, cabem duas referências fundamentais a Neste ponto, cabem duas referências fundamentais a ências fundamentais a ncias fundamentais a A formação da burguesia brasileira de Nelson Werneck Sodré e a A revolução burguesa no Brasil de Florestan Fernandes.

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Nesse ambiente de autoritarismo e improvisação, os primeiros pas-sos de Rômulo Almeida foram de autodidata. Como todos os outros de sua época, era admirador dos clássicos ingleses, chegando à ou-sadia de traduzir os Princípios de Economia de Alfred Marshall. Nos embates pela política econômica, rapidamente entrou em contato com as principais figuras do cenário econômico brasileiro em que predominavam autodidatas, onde a formação econômica era iner-cialmente conservadora, pouco ou nada se conhecendo a respeito da renovação sueca ou da revolução keynesiana; tampouco registrando a diversidade da economia brasileira. Nesse ambiente, pontificavam os Princípios de Economia Monetária de Eugenio Gudin, um paredro da economia brasileira, mas de escassa criatividade. Schumpeter e Keynes tornavam-se conhecidos mediante edições mexicanas. Uma renovação da literatura viria na década de 1950 para aqueles capazes de ler as edições francesas de André Marchal, Henry Guitton, Paul Hugon e outros, logo soberanamente ignorados pelos neoclássicos adeptos da hegemonia norte-americana. A dificuldade de acesso à literatura econômica dificultava a vida dos autodidatas, que só co-meçaram a superar esse isolamento com edições de alguns poucos autores norte-americanos e franceses a partir da década de 1960. Instalava-se o credo da subalternidade, que supõe que se é incapaz de pensar teoria no Brasil e que os norte-americanos são os senhores incontestáveis da sapiência econômica. Rômulo Almeida e sua gera-ção foram os primeiros a contestar esse preceito.

Rômulo Almeida foi, acima de tudo, um brasileiro engajado na cau-sa nacional e que participou, pelos meios a seu alcance, de projetos nacionalmente significativos. A linguagem da modernização tinha seu verdadeiro epicentro na canalização de uma produção rural de mercado, que romperia com os modos patriarcais tradicionais. Era

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uma tese argumentada desde o Estado Novo, que foi esposada por ele em toda sua vida. � maior visibilidade da industrialização, ofus-� maior visibilidade da industrialização, ofus- maior visibilidade da industrialização, ofus-cava o fato de que ela dependia da modernização da produção rural e da construção de um sistema de infraestrutura de transportes e ener-gia. A diferença entre uma visão simples da industrialização como um problema setorial ou como uma característica do sistema pro-dutivo tornava-se um aspecto central do desenvolvimento da produ-ção capitalista, tal como ficou exposto em trabalhos de Rosenstein- Roden e W.W. Rostow. A controvérsia em relação à industrialização no Brasil alicerçava-se na afirmação de haver falta de capacidade da indústria brasileira para exportar, já que dependia de exportações primárias. A história oficial da indústria no Brasil, que a situa em 1930, ignora não só os movimentos iniciados na Bahia em 1880, como também as indústrias da Leopoldina no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, que, em seu conjunto, representam o ciclo da indústria têxtil afundado pelo encilhamento e pela logística de matérias-primas.

Esse foi o principal argumento da posição tomada por Rômulo em sua proposta de política industrial, que contemplava os aspectos de projetos internacionalmente competitivos e o aproveitamento de vantagens locais. O desafio de competitividade reaparece no trata-mento do planejamento regional em que ele se diferenciou em suas propostas de política para o Nordeste e para a Bahia. Seus dois pro-jetos principais, a siderúrgica e o complexo petroquímico, se combi-navam com iniciativas de industrialização de matérias-primas locais, tais como indústrias da carne e o leite, industrialização do cacau etc.

A política macrorregional e a estadual deveriam ser complementares. Um aspecto a ser ressaltado é que o Banco do Nordeste foi a primeira

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instituição de fomento a avaliar sistematicamente projetos de inves-timento utilizando critérios que seriam consagrados pela CEPAL e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, colocando-se à frente de seus congêneres latino-americanos.

Trata-se, portanto, da própria concepção de industrialização como processo intersetorial e não como um processo técnico que privilegia um ou outro setor. Esse tema já tinha sido explorado por autores da corrente de economia crítica como Michal Kalecki e Oskar Lange, que trouxeram as noções de grau de monopólio e de insumos di-ólio e de insumos di-lio e de insumos di-fundidos. O financiamento de projetos do BNB se antecipava às propostas da CEPAL transmitindo esses critérios para a industriali-zação do Nordeste14. Na década de 50, a análise macroeconômica no Brasil era muito precária e as diferenças de precisão entre as análises da indústria, da agricultura e dos transportes continham margens de erro muito desiguais, obrigando, na prática, a se restringir a análise industrial à da indústria de transformação e aceitar margens de erro intoleráveis na agricultura. Somente na década de 1960, o Banco do Nordeste começou a elaborar dados de PIB da região, também com indícios de margens de erro que os desqualificavam. Na realidade, há boas razões para supor que essas informações, necessárias ao planeja-mento, continuam sendo de qualidade insuficiente até hoje. Dados sobre o valor adicionado aos sistemas de transportes tornam-se mais graves pelo aumento dessas atividades.

Sobre essa fragilidade da base empírica da análise, é inevitável en-tender que as disputas doutrinárias se apoiavam sobre bases frá-

14 Refere-se ao trabalho realizado pela equipe liderada por Heraldo Costa. Refere-se ao trabalho realizado pela equipe liderada por Heraldo Costa.

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geis15. No Brasil, na década de 1950, a disputa entre monetaristas e estruturalistas focalizava as restrições de balança de pagamentos, aproximava-se das ideias do chamado crescimento não equilibrado, inspirado no denominado grande empurrão no crescimento susten-tável16 e na remoção de pontos de estrangulamento17. A visão da pro-dução industrial era apenas setorial. O planejamento estadual baia-no, liderado por Rômulo Almeida, identificava-se com essas ideias, defendendo projetos industriais e conjuntos de projetos de impacto em tempo de ampliar a produção comercial no interior do estado.

Tratava-se de ver a modernização rural como parte do movimento ge-ral de industrialização da produção; não como uma simples questão tecnológica. A expansão de indústrias determinaria transformações tecnológicas na produção rural e ambas se refletiriam na qualificação da força de trabalho.

No contraste entre produção industrial e produção agrícola, tratava- se a rigor de combinações da produção de grandes setores com efei-tos de ampliação do mercado interno. A fragilidade dos argumentos baseados em arranjos produtivos começou a aparecer nos distritos industriais18, vistos como conjuntos indiscriminados e guiados por

15 Esse é um ponto essencial da crítica de Roberto Campos ao debate sobre a economia brasileira que Esse é um ponto essencial da crítica de Roberto Campos ao debate sobre a economia brasileira que aparece em seu prefácio à Síntese da economia brasileira de Lorenzo-Fernandez.16 Ver Paul Rosenstein Roden The big push into sustained growth, in Agarwala & Singh, The economics of development, 1958.17 Bottle necks foi uma expressão posta em circulação por Rostow e no Brasil traduzida por Roberto Campos como pontos de estrangulamento. 18 Até a década de 1980, a Bahia chegou a ter uns 35 distritos industriais dos quais somente uns 5 não fracassaram de modo imediato. A compreensão de distritos industriais passou por modificações que a aproximaram de projetos homônimos em diversos outros países latino-americanos em que pre-valeceu a visão de áreas dotadas de infraestrutura pelo governo esperando que os custos de transporte fossem aliciantes o suficiente para novas empresas.

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vantagens de proximidade. A primeira experiência de distrito indus-trial no planejamento baiano, que foi o Centro Industrial de Aratu, foi concebido como um polo perrouxiano, organizado por uma in-dústria motriz, desenhado para aproveitar vantagens sistêmicas de infraestrutura como um complexo sidero-metalúrgico. Nele, o fun-damental é a organicidade; e não as vantagens por proximidade. Para a primeira, Rômulo trouxe um grupo de consultores do Rio de Ja-neiro – a SPL – liderado por Américo Barbosa de Oliveira em 1955. O projeto da USIBA foi concebido para alcançar uma produção de 300.000 tons de aço, avançando até a produção de trefilados e utili-zando um método de gás natural desenvolvido no México pela Hylsa. A escala e a composição da produção seriam essenciais para sua via-bilidade econômica. Diversos problemas de garantia de suprimento de matérias primas e de logística teriam que ser superados e a falta de acessibilidade seria um obstáculo quase insuperável. A realização em tempo e escala adequados seria essencial para o novo planejamento industrial da Bahia, tanto por sua participação estratégica no propos-to polo industrial de Aratu; mas também por seu papel na articulação com um distrito industrial urbano, previsto para a instalação em São Caetano; como ainda por sua influência na constituição do distri-to industrial do Subaé em Feira de Santana. Observe-se que, para a concepção de um novo sistema industrial na Bahia, Rômulo Almei-da atribuía grande importância ao papel de Feira de Santana como contraponto ao núcleo de Salvador e como inicio de outros empre-endimentos no interior do estado. Na CPE, já tinha sido criada uma subcomissão para estudar um plano de desenvolvimento para a Bacia do Rio Paraguaçu, que era algo similar ao que foi pensado para a Ba-cia do Rio Itapicuru, tendo sido realizados seminários em Itapicuru e Esplanada em articulação com a Associação Baiana de Municípios.

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A demora na realização do projeto da USIBA foi fatal, porque ele foi obstruído pelos interesses que chegaram ao poder em 1964.

No relativo ao complexo petroquímico, estudos e consultas come-çaram em 1959 quando Rômulo conseguiu a missão de um técnico da UNIDO, Wilfredo Pflükker, para os estudos iniciais de locali-zação do complexo industrial. Foram realizados estudos sobre oito alternativas de localização, ficando Camaçari escolhida por ser a que tinha menos inconvenientes a curto e médio prazo apesar de graves objeções pelo acuífero ali existente. Outros problemas surgiram em decorrência da resistência em relação à constituição de um modo multimodal de transportes devido à ocupação de uma área de águas termais contígua.

As implicações urbanas dessa localização apareceram mais tarde e em seu retorno à Bahia, quando Rômulo encabeçou um projeto de urbanização em Dias D’Ávila, município onde se localizavam as águas termais. O polo seria um quisto industrial ou sustentaria um planejamento regional? Ficaria limitado a Camaçari ou alcançaria um autêntico significado regional? Desde então, o distanciamento entre as políticas econômicas do estado e a gestão dos municípios levou ao isolamento regional do polo, com os municípios da região reduzidos à posição de anfitriões de investimentos. Na visão de Rô-mulo, que pretendia transformar o eixo Salvador-Feira de Santana em matriz ampliada para a economia baiana, esse planejamento re-gional compreendia a formação de novos espaços diferenciados e nova concepção de urbanização do espaço regional que seria alterado pelo polo petroquímico.

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A tendência geral de concentração de capital colocaria a questão in-dustrial como consequência de um conjunto de opções de negócios, dependendo de tecnologia e financiamento. Assim, já se configurava uma diferença entre a análise setorial da indústria e a que colocava a política industrial como um problema estrutural do sistema produtivo, tal como foi colocado por Hollis Chenery19. Por isso e diferente do que pareceu mais tarde ser um simples problema de eficiência individual dos investimentos, houve uma controvérsia em torno da legitimidade de políticas baseadas na atração indiscrimina-da de investimentos. O desafio de conceber uma política industrial regional acentuava esse problema.

O encadeamento das políticas revela-se tão importante quanto o per-fil de cada uma delas. A república positivista procurou desqualificar o Império que se tornara liberal demais para o gosto dos cafeiculto-res escravistas. A república substituía o gosto afrancesado do Império por uma adesão, que representava mais que uma simples aliança com os Estados Unidos20. Os projetos do Império - tais quais Brasília e as hidrovias - foram arquivados durante décadas. Mas a questão básica de se instrumentalizar a modernização, que foi parte essen-cial dos projetos de Mauá21, continuava em aberto e a República representava um fracasso em matéria de transportes, com uma ma-rinha extremamente frágil, portos antiquados, ferrovias insuficientes e precárias e praticamente sem estradas. Na perspectiva dos órgãos

19 Refere-se a dois trabalhos de Chenery, especialmente de Structural Change and Development Policy (World Bank, 1979).20 Ver de Bradford Burns, The unwriten alliance relatando as relações do Barão do Rio Branco com os Estados Unidos.21 No relativo a Mauá, é preciso citar os trabalhos de Alberto de Faria e de Ligia Besouchet. O mito do grande empresário ousado na Bahia era adicionalmente alimentado pela figura de Luiz Tarquínio visto como principal figura daquela produção têxtil do começo do século.

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representantes da indústria, a modernização passava a se identifi-car com o aparelhamento da infraestrutura. Assim, a Confederação Nacional da Indústria teve um papel decisivo no movimento que resultou nos dois principais eventos de 1948, que foram a criação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e o Plano Nacio-nal de Transportes. Daí vai surgir a chamada Assessoria Econômi-ca do segundo governo Vargas, coordenada por Rômulo Almeida e que nunca foi oficializada, mas que teve uma presença marcante na modernização do Estado e na criação de instituições especializadas, como a PETROBRAS, a Eletrobrás e o Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico.

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A questão Nordeste

Vale ressaltar que o conceito econômico e político de

região... é de natureza dinâmica, fundamentado no

movimento de reprodução do capital e das relações de

produção. Francisco de Oliveira22

A primeira grande iniciativa de Rômulo Almeida foi a criação do Banco do Nordeste do Brasil no início da década de 1950, como uma espécie de compensação pela instalação do BNDE, que tende-ria a favorecer a concentração no Sudeste23. O Nordeste, que foi a região mais rica do país durante mais de duzentos anos, passou a ser considerado como região problema desde a seca de 1877, quando D. Pedro II criou a Inspetoria Geral de Obras Contra as Secas. A seca de 1915 mobilizou a República, ainda escaldada pela experiência de Canudos, que transformou a Inspetoria em Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, igualmente dedicado à construção de bar-ragens em grandes propriedades.

Em 1947, o governo Dutra pôs em prática o projeto de Vargas de uma Superintendência do Vale do Rio São Francisco, com a missão de gerar uma visão de conjunto da bacia do Rio São Francisco e de procurar soluções para a economia da região. Na prática, esse órgão foi apropriado pelo sistema político. Mas, na Bahia, havia um problema muito mais profundo: o desmantelamento resultante das indústrias instaladas entre 1880 e 1920 na Bahia, em Sergipe, em

22 Francisco de Oliveira, Elegia para uma re(li)gião, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967.23 Curiosamente o próprio Rômulo Almeida citaria esse papel do BNDE sem referir a papel seme-lhante, calado porém mais importante, do Banco do Brasil.

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Pernambuco e no Maranhão24. Tratava-se de um processo de atraso que aparecia na desindustrialização; na frustração de culturas de ex-portação como algodão, fumo, café e cacau; na permanência de uma produção açucareira decadente. O desastre econômico somava- se à eternização de uma elite tradicional conservadora e favorecida pe-las políticas federais25. A questão do semiárido tornava-se dramática porque ele gerava excedentes de trabalhadores que pressionavam as grandes cidades da região. A literatura da década de 1950 sobre êxo-do rural não deixa dúvidas sobre o fato de que a preocupação dos grupos com o poder regionais era muito mais com a pressão social no litoral que com soluções de desenvolvimento para o semiárido26.

O problema do Nordeste seriam as secas ou a higrometria desfavorá-vel. A problemática do retrocesso econômico desmontava essa visão de pobreza de recursos físicos, que volta periodicamente e nega o fundamento histórico da sociedade sertaneja. Essa tese foi reconheci-damente contestada pelo relatório de Hans Singer, técnico da ONU em 1948. É sintomático que a literatura de autores nordestinos, como José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Raquel de

24 O episódio de Delmiro Gouveia é sempre lembrado mas houve um desmantelamento de um setor industrial que já ultrapassara a produção têxtil e tinha diversos tipos de fábricas de bens de consumo e oficinas de metal-mecânica. 25 Já na década de 2000, a dissertação de mestrado de Manuel Vitorio da Silva Filho mostraria a concentração dos recursos do FINOR entre pequeno número de demandantes que se repetem com pleitos de financiamento.26 A tradição de estudos sobre êxodo rural, que contou com belos ensaios na década de 1950, como de Tomás Pompeu Borges, simplificou um problema mais profundo de incapacidade das cidades pe-quenas e mesmo das de médio porte para reterem seu crescimento vegetativo. Dá-se lugar a um com-plexo movimento de esvaziamento do interior, hoje apenas contradito pelo crescimento de algumas cidades de porte médio. Rômulo Almeida foi dos primeiros a ver as migrações como uma componente orgânica de nosso capitalismo dependente. A seca de 1949 teve um efeito marcante nas concepções de políticas regionais, mostrando como essa drenagem de força de trabalho afetava ao Nordeste em seu conjunto.

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Queiroz, não tivesse tido esse efeito, embora fosse a primeira cor-, não tivesse tido esse efeito, embora fosse a primeira cor- não tivesse tido esse efeito, embora fosse a primeira cor-, embora fosse a primeira cor-rente literária regional engajada. A inadequação dos órgãos públicos regionais era notória, mas correspondia à articulação entre o bloco político prevalecente e o governo federal. A seca de 1949 forneceu o argumento imediato para a mobilização que seria acionada por Rô-mulo Almeida para a constituição de um mecanismo compensatório do BNDE.

Enfrentou notórias resistências dos órgãos federais instalados na re-gião tal como voltaria a acontecer com Celso Furtado quando da inauguração da SUDENE. A criação do Banco veio junto com um acordo com o Ministério de Relações Exteriores por cujo intermédio foi feito um convênio de cooperação técnica com AID/Ponto IV. Por esse canal, veio o economista Stefan Robock, que teve um papel fundamental na formação de quadros para o Escritório Técnico do Nordeste (ETENE) e para o Instituto de Economia e Finanças da Bahia. Robock. Vinha ele de uma experiência no programa do New DEAL, tendo sido economista da Tennessee Valley Authority, além de que participara da ocupação do Japão. Aqui fez coro com a tese de Hans Singer de que o problema do Nordeste era subdesenvolvi-mento e não as secas. Vieram outros técnicos das Nações Unidas, destacando–se Hermann Scholtz, que fez o primeiro estudo abran-gente da mandioca. Ao mesmo tempo, é imprescindível ressaltar a participação de cientistas brasileiros como Guimarães Duque, Ruy Menezes e Mario Lacerda de Melo, todos contribuindo para avalia-ção e valorização dos recursos da região.

Desde então, definiu-se a questão central do desenvolvimento do se-miárido, que estaria entre duas alternativas: a construção de um sis-tema produtivo compatível com solo, clima e água e a possibilidade

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de seguir com a política de barragens e irrigação, cujo alcance estaria predeterminado pelo próprio suprimento de água27. Os aspectos téc-nicos e políticos dessas duas opções se alternariam, mas a inércia da máquina institucional de elaboração de projetos de infraestrutura suplantaria a busca pela produção adequada, que ficaria relegada aos projetos de produção rural. O semiárido ficaria identificado com a produção rural, apesar da crescente presença da mineração: primeiro, o ouro, o mármore e o granito; depois, o ferro. Persistiu a exploração de recursos nas cabeceiras dos rios assim como se continuou a permi-tir projetos de produção irrigada não controlada. No Nordeste, em geral, perder-se-ia o elo entre produção e comercialização rural, que foi o eixo da política rural conduzida por Rômulo na Bahia.

No relativo à indústria, verificou-se uma ambiguidade entre a prefe-rência de novas indústrias, que abririam espaço para novas aplicações de capital, e o compromisso com o salvamento de indústrias tradi-cionais tecnologicamente superadas. O financiamento do Banco foi primeiro para o reequipamento da indústria têxtil e, mais adiante, para a petroquímica. Em 1963, a Bahia ficou com 40% do financia-mento do Banco do Nordeste, dos quais 40% foram para o reequi-pamento da indústria têxtil reconhecidamente superada. Mas a in-sistência no salvamento da indústria têxtil teria o mesmo destino que o da produção fumageira. Os acontecimentos relativos ao Centro Industrial de Aratu mostraram a improcedência daquela abordagem assistencialista, que se repetiria com o mesmo insucesso com as cha-madas incubadoras de empresas. Os aspectos de mercado e de custos

27 Grande parte da região semiárida tem solos pouco profundos. O desmatamento da caatinga agra-vou a escassez de condições de solo, clima e água. Novas formas de exploração baseadas em uso maciço de água agravam esse quadro.

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de produção só vieram a ser tratados na década seguinte quando os projetos iniciais de polarização sucumbiam perante a ascensão nacio-nal da grande indústria.

Continuou em aberto o relativo à política de desenvolvimento rural que tinha sido abordado por Rômulo Almeida por meio do sistema Fundagro, mas que foi entregue a burocratas no governo de Loman-to Junior e liquidado. O fundamento do programa consistiria em fortalecer as relações de mercado de pequenos capitais no semiárido, desenvolvendo mecanismos de inclusão social.

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O Instituto de Economia e Finanças da Bahia

O Instituto de Economia e Finanças da Bahia (IEFB) foi um projeto nacionalmente original de um centro de pesquisa concebido para combinar esforços do governo estadual e da Universidade Federal da Bahia, dando à pesquisa universitária um sentido de aplicabilida-de ao tempo em que contribuiria pensando o desenvolvimento do estado. Foi uma iniciativa de Rômulo Almeida, que avaliava que os processos de desenvolvimento dependiam de uma combinação de formação de recursos humanos, capacidade de pesquisa e qualidade das políticas. Essa foi a filosofia depois adotada por Celso Furtado para a SUDENE, para a qual levou técnicos do sistema formados na Bahia e no Banco do Nordeste28. A pretensão de combinar qualida-de técnica e reflexão teórica correspondia à inquietação do próprio Rômulo, que almejava fundamentar as políticas de desenvolvimento sobre bases teóricas capazes de fazer frente às tendências conservado-ras prevalecentes no cenário federal.

Os antecedentes desse projeto estavam na assessoria econômica de Vargas e no Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Mas o Insti-tuto também respondia a pleitos locais pela modernização. No pós- guerra, o governador Otavio Mangabeira, rotulado como liberal, re-presentou o primeiro momento de revalorização de tradições como ferramenta de modernização. A fundação da Universidade Federal da Bahia, com a concepção culturalista do reitor Edgard Santos,

28 Dentre os nomes que ocuparam posição de maior destaque na SUDENE, estão os de Nailton Santos e Antonio Cabral de Andrade,chefe e sub-chefe do Departamento de Recursos Humanos da-quele órgão.

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valorizando arte junto com ciência, abriu espaços tanto em geolo-gia e engenharia como em música e teatro. Na prática, tornava-se a Bahia o lugar de um discurso pós-escravista esclarecido, procurando uma identidade alternativa àquela imposta pelo Rio de Janeiro. Rô-mulo aproximou-se de Edgard Santos com seu projeto original de combinar a reforma do Estado com uma atividade universitária. O instrumento encontrado foi a reativação do Instituto de Economia e Finanças, que fora fundado em 1937 por um grupo de economis-tas e financistas formados na antiga Fundação Visconde de Cairu. Desde então, o Instituto ficara reduzido a uma biblioteca cuidada pelo economista Daniel Quintino da Cunha. Rômulo reativou o Instituto por meio de um convênio entre o governo da Bahia e a Universidade Federal da Bahia, prevendo contribuições paritárias. Na prática, o governo jamais honrou seu compromisso e o Instituto tornou-se um projeto da universidade. No entanto, foi desenhado como um centro de pesquisas com as seguintes finalidades: realizar estudos básicos sobre a economia baiana, gerar pesquisas de apoio ao planejamento estadual e contribuir para o melhoramento do en-sino de economia. Mediante acordo com o Banco do Nordeste, a formação de pessoal técnico do Instituto foi associada à do pessoal do banco. O programa de formação foi conduzido pelo economista norte-americano Stefan Robock e o especificado grupo do Instituto pelo economista Aníbal Villela29, que, em um segundo momento, se retirou e foi substituído pelo planejador físico John Friedmann30. O objetivo de especialização continuou com a participação de mem-bros da equipe nos cursos da CEPAL.

29 Villela foi o introdutor das ideias da corrente keynesiana e do grupo sueco nos estudos de econo-mia na Bahia com destaque para os estudos das obras de Knut Wicksell e Gunnar Myrdal.30 Em 1956, Friedmann realizou o primeiro curso sobre planejamento urbano na Bahia, trazendo as ideias do grupo de Chicago em que tinha sido aluno de Harvey Perloff.

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Rômulo se retirou da diretoria do Instituto em 1960, mas as ati-vidades de pesquisa prosseguiram até 1961 quando Edgard Santos não foi reconduzido por Janio Quadros, abortando diversos projetos avançados para a Bahia. Nesse período, o Instituto constituiu uma equipe multidisciplinar31, que desempenhou diversas das principais iniciativas de planejamento no Nordeste. Em seu portfólio, contam- se as primeiras estimativas de produto social e de renda do estado, pesquisas sobre indústrias e sobre finanças públicas, além de estudos regionais sobre a região cacaueira e sobre o Recôncavo32. Seus efeitos no ensino de economia tornam-se claros ao se constatar que toda sua equipe se converteu em professores da Universidade Federal da Bahia. Finalmente, o Instituto trouxe para a Bahia a primeira versão internacional do curso de planejamento econômico da CEPAL.

31 Economistas Deraldo Jacobina Brito, Fernando Pedrão, Helio Sento Sé; advogados, Augusto Silvany, Nailton Santos, Luiz Machado Neto; estatístico, José Leal, Carlos Salles. 32 No relativo ao Recôncavo, o IEFB realizou um estudo sobre o sistema sócio-produtivo das embar-cações da Baía de Todos os Santos e uma pesquisa sobre a produção fumageira.

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O planejamento estadual baiano

A reivindicação de um projeto baiano de desenvolvimento vem do começo do século XX com as iniciativas de Joaquim Seabra e de Calmon de Góis. Foram, porém, temporariamente abandonadas na primeira fase do Estado Novo e retomadas com a interventoria de Landulfo Alves, que promoveu um plano de transportes e a moder-nização da pecuária. As iniciativas do Estado Novo para enfrentar a crise cacaueira de 1930, com uma tentativa de implantação de serin-gueiras e de modernização da produção fumageira, não foram muito longe e só se veriam outros sinais de inovação com a implantação da produção industrial de dendê depois da Segunda Guerra Mundial. O quadro geral da economia baiana em 1950 era de decadência pro-longada da produção litorânea com as comunicações com o interior restritas às ferrovias.

Pouco depois da morte de Vargas, Rômulo voltou à Bahia e fez uma conferência na Associação Comercial, que inaugurou um novo discurso, trazendo a questão nacional do desenvolvimento econômi-co. A Bahia vivera isolada do debate nacional e só quem falava em Keynes era o Prof. Edgard Matta na Faculdade de Ciências Econô-micas. Pouco depois, Rômulo tornou-se Secretário da Fazenda do governo de Antonio Balbino de Carvalho. Trazia uma visão nacional do problema baiano com um projeto de modernização, desta vez sob bases econômicas atualizadas, ignorando, entretanto, as iniciativas anteriores do governador Otavio Mangabeira. Este, além de realizar algumas obras públicas para abrir a Bahia ao mundo dos negócios, encarregou Inácio Tosta Filho, especialista em cacau, de elaborar

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uma proposta de política para a economia baiana33. Significaria pra-ticamente tentar recuperar espaço nas mercadorias tradicionais de exportação. As diferenças entre Tosta Filho e Rômulo Almeida não poderiam ser maiores, porém ambos se viram frente a uma economia constituída de setores exportadores tradicionais em decadência, com uma produção rural estagnada, uma indústria têxtil arcaizada e um sistema de transportes precário34. O desafio mais evidente era o do comércio exterior, todavia o de comércio de vias internas era decisivo e Rômulo foi o primeiro a ocupar-se desse assunto, encomendando estudos específicos dos fluxos inter-regionais de comércio. Desde en-tão, ficou claro que o sistema era desfavorável à Bahia e favorável a estados produtores de bens de capital - principalmente São Paulo – e a Minas Gerais, que já se tornara um importante centro logístico.

Esse virtual bloqueio correspondia a um imobilismo da elite baiana, caracterizada por um beletrismo separado das transformações da so-ciedade brasileira: na literatura, a ironia de Silvio Valente; na política e no direito, as figuras de Nestor Duarte e Orlando Gomes destacando- se em um ambiente de mesmice. Em economia, um retrógrado ape-gado a noções pré-industriais do funcionamento do sistema econômi-co. O cenário era dominado por um acordo entre a elite de Salvador, com alguns remanescentes do Recôncavo açucareiro, e representantes dos grandes proprietários do Sudoeste e do Vale do Rio São Francisco.

33 É revelador que o mesmo Tosta Filho foi convocado pelo governador Juracy Magalhães para comandar a Comissão de Planejamento Econômico em substituição de Rômulo Almeida quando este deixou aquele cargo em 1961.34 Não havia estrada alguma entre Salvador e o Rio de Janeiro e São Paulo. Tampouco havia comuni-cações com Recife e Belo Horizonte. A Viação Férrea Leste Brasileiro prestava serviços com uma linha a Juazeiro e outra a Aracaju. Com o torpedeamento de 32 navios, o transporte marítimo fora reduzido a sua mínima expressão. A BR-116 só foi inaugurada em 1967 e a BR-101 em 1972. Nesses primeiros tempos dos transportes aéreos, uma viagem de Salvador ao Rio de Janeiro significava pelo menos seis horas com duas escalas.

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Para avaliar o significado do planejamento renovador da Bahia, é preciso reconhecer que ele consistiu em duas fases: a primeira, no governo de Antonio Balbino de Carvalho, foi mais reivindicativa e lançou as bases de um sistema estadual de cooperação; enquanto a segunda etapa foi dedicada à elaboração e operacionalização do plano. Nessa primeira etapa, escreveu-se a coleção de ensaios co-nhecida como Cadernos Rosa, elaborou-se o documento intitulado A participação da Bahia na vida nacional e um ensaio com o título de Finanças públicas e assuntos fazendários. No plano institucional, deu-se a oficialização da Comissão de Planejamento Estadual e a reabilitação do Instituto de Economia e Finanças da Bahia (IEFB): a primeira, por decisão de governo; o segundo, mediante um con-vênio de uma entidade privada de economistas com a Universidade Federal da Bahia35. O IEFB forneceria o suporte de pesquisas básicas para o planejamento e deveria se tornar um centro de referência em pesquisas sociais aplicadas. De fato, hospedou o projeto de Atlas Geomorfológico da Bahia de Milton Santos, realizou trabalhos de consultoria ao estado de Sergipe, desenvolveu pesquisas em apoio à prefeitura de Salvador e realizou cursos de desenvolvimento econô-mico em cooperação com a SUDENE e a CEPAL em 1960 e 1961.

Em suas linhas gerais, o planejamento conduzido por Rômulo Al-meida na Bahia passou por duas fases claramente diferenciadas: na primeira, no governo Balbino, criaram-se as bases para o planeja-mento, o que resultou em estudos e documentos dando conta das

35 Foi um convênio de participações iguais do governo da Bahia com a Universidade Federal da Bahia em que o governo jamais cumpriu a parte dele, levando a dificuldades progressivas até a invia-bilização das atividades do Instituto e seu fechamento definitivo em 1964. Em sua curta existência, realizou estudos sobre a industria baiana, sobre a economia do transporte artesanal na Baía de Todos os Santos, estimativas do produto interno bruto, estudos sobre a região cacaueira.

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condições concretas da economia estadual. A segunda fase foi de planejamento propriamente dito. Na primeira fase, foi feita uma ar-ticulação de setores representativos da sociedade, envolvendo indus-triais, líderes do comércio, sindicatos, imprensa, entidades univer-íderes do comércio, sindicatos, imprensa, entidades univer-deres do comércio, sindicatos, imprensa, entidades univer-sitárias, além de estudos contratados com técnicos e com empresas do Rio de Janeiro. Nessa segunda fase, as atividades relacionadas ao planejamento incluíram cooperação com empresas privadas, tendo recebido um apoio fundamental de Miguel Calmon Sobrinho, pre-sidente do Banco Econômico da Bahia.

O planejamento foi a mobilização da máquina pública com suas di-áquina pública com suas di-quina pública com suas di-versas possibilidades, compreendendo a elaboração de projetos de investimento e de iniciativas de programas e projetos estratégicos além do próprio Plano de Desenvolvimento Econômico e Social para 1960-1963. A alegada falta de iniciativa empresarial revela a cultura de uma elite habituada a contar com privilégios e a transferir seus riscos para o estado. As teorias europeias do desenvolvimento não podiam explicar os mecanismos de perpetuação do atraso que esta-vam baseados na articulação das oligarquias com o sistema político.

Tal como preconizavam os principais autores da época, como Arthur Lewis, Tinbergen, Nurkse, o essencial é a atividade regular de planejar e não a elaboração de um plano específico. O trabalho da CEPAL deu novo alento ao planejamento, desenvolvendo uma abordagem crítica própria sobre o encontro da teoria econômica com a problemática dos países latino-americanos. A experiência latino-americana consti-tuiu um capítulo ignorado pela literatura europeia e norte- americana, mas que foi essencial nos rumos do continente. A crise detonada pelo bloqueio dos mercados europeus desmontou a prosperidade da Ar-gentina, do Uruguai e do Chile, formada sobre suas exportações de

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trigo, corned beef, algodão e cobre, revelando a dependência de seus respectivos mercados nacionais. Os movimentos políticos seguiram o mesmo caminho de criar instituições para modificar as condições de mercado. A Argentina, mais que os outros, tinha recebido impor-tantes contribuições em decorrência da imigração de trabalhadores qualificados, o que ajudou no esforço subsequente de industrializa-ção, porém continuou no ambiente de estagnação e perda de capital acumulado. No Brasil, a chamada Revolução de 30 foi uma reação ao domínio dos bancos europeus com seu controle de empréstimos para sustentação do café. Cabe considerar que a missão chefiada por Otto Niemeyer com a expropriação de tributo foi o estopim daquela virada política, que passaria a carregar o signo da industrialização. É certa a afirmação de uma mudança na composição da classe dominante no Brasil, que passa a ser conduzida pela burguesia urbana.

Esse foi o ambiente em que se formou uma nova concepção do Esta-do ator e interventor, que assume o papel de mediador de transfor-mações econômicas com suas consequências sociais. A sustentação do sistema de poder demandava mudanças essenciais nos fundamentos da economia. Rômulo era plenamente consciente de que a moder-de que a moder-nização do Estado levaria a conflitos entre os objetivos da classe mé-é-dia, que pressupunham a distribuição da renda, e os das elites, que buscavam opções para investimentos. No essencial, o planejamento trazia a lógica de uma racionalidade no manejo da coisa pública, que se tornaria contraditória com os interesses de permanência dos grandes capitalistas.

Rômulo pessoalmente elaborou os planos do sistema FUNDAGRO, que constituiu uma proposta única no Nordeste e representou uma opção de modernização rural de trazer para o mercado o universo dos pequenos produtores excluídos não só pelo controle das grandes

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propriedades, da comercialização e das informações. Esse sistema es-tava constituído de quatro empresas públicas complementares, que foram a Companhia de Silos e Armazéns (CASEB), a CASEMBA - encarregada de compras para estabilização de inventários -; uma central de abastecimento com apoio multimodal de transportes e o Instituto de Fomento da Produção. Esse sistema deveria operar com estratégias de informações dos produtores. O sistema começou a funcionar como previsto, porém, depois da saída de Rômulo, foi entregue a gestores incompatíveis com essa filosofia de planejamen-to, sendo finalmente desmantelado em 1964.

Em sua primeira etapa, esse planejamento estadual empreendeu uma reforma do sistema fazendário, compreendendo essa a implantação de orçamentos por programa e uma análise econômica do sistema tributário. A primeira foi feita por Antonio Barsanti e a segunda, por Fernando Pedrão. Havia uma queda da carga tributária efetiva em relação ao crescimento do produto. Os principais aspectos do pro-blema tributário consistiam na drenagem de recursos por cobrança em lugar de origem em transações inter-regionais e em evasões. Uma notória inadequação do sistema de cobrança foi agravada por con-troles no Sudeste da logística das cargas comercializadas e por guerra fiscal. Desde então, identificaram-se as deficiências do sistema fazen-dário, que o governo da Bahia jamais superou.

As deficiências do sistema tributário seriam o principal entrave prá-tico do planejamento, que finalmente resultou na elaboração de um plano em que o financiamento estadual não passava de 17%. A rea-lização progressiva de iniciativas do planejamento deveria ampliar a capacidade de obter financiamento. A elaboração de projetos econo-micamente viáveis seria essencial nesse processo.

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O Plano de Desenvolvimento Econômico e Social, 1960-1963. (PLANDEB). O plano estadual de desenvolvimento partia de uma base macroeconômica, historicamente provável, que seria de um cres-cimento total do produto interno bruto em 11% nos quatro anos, começando com 2% no primeiro ano e considerando um multiplica-dor ascendente dos investimentos, consequente da expansão do setor petroleiro, dos efeitos da disponibilidade de energia elétrica e de um maior aproveitamento do financiamento de indústrias. Essas hipóteses não eram infundadas, já que a Bahia captava uns 40% do financia-mento do Banco do Nordeste. No entanto, o fator incerteza era funda-mental, porque esse crescimento dependia de setores cujo desempenho era externamente determinado, isto é, preços de mercadorias primárias exportadas e de mercadorias em declínio. O plano não poderia contar com uma revitalização da produção fumageira nem com aumentos significativos em itens, tais como couros, peles, fibras. As principais opções seriam a industrialização do cacau e uma nova expansão in-dustrial. A implicação em concentração espacial da formação de ca-pital era inevitável, mas, nos debates sobre esse problema, Rômulo defendeu a tese de “desconcentração concentrada”, pensando sempre em encontrar opções para outros pontos do interior do estado. Seu plano de combinar o Distrito Industrial Urbano de Salvador com o Centro Industrial de Aratu e com o Centro Industrial do Subaé (Feira de Santana) era sua grande resposta para a concentração, transforman-do a questão local do polo de crescimento em um problema regional. Curiosamente, nesse conjunto, a BR-324 seria um projeto estratégico. No essencial, o plano apostava em uma causação circular acumulativa com uma expansão moderada, mas firme da capacidade de crescer.

Naquele ambiente de mesmice econômica, uma nova dinâmica in-dustrial significava uma produção própria de projetos industriais

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inovadores e isso foi enfrentado pela CPE com resultados que adian-te se desdobraram na economia baiana. A CPE teve uma divisão de projetos a cargo de Luiz Antonio Almeida, que gerou um leque significativo de novos projetos e começou os estudos de localização do complexo petroquímico de Camaçari.

O essencial é que, tal como ficou demonstrado nos primeiros estudos macroeconômicos, no plano estadual não se pode confundir produ-to interno com renda social. A expansão de setores externamente controlados, como petróleo e turismo, não representa efeitos pro-porcionais dos investimentos. Assim, o principal objetivo do plano, mais do que a taxa de crescimento do produto, era a internalização da renda, com a criação de uma capacidade de formação de capital. Esse movimento enfrentava uma inércia poderosa dos interesses da sociedade econômica tradicional, constituída de indústrias têxteis, casas exportadoras e empresas comerciais ligadas ao interior do esta-do. A participação de capitais internacionais estava basicamente no setor exportador de mercadorias, principalmente em cacau e fumo.

Para gestão normal da economia baiana e, quando menos, para o planejamento de sua transformação, a dificuldade provinha da pró-pria conjuntura com a produção cacaueira atravessando sucessivas crises, a produção fumageira em declínio irrecuperável e um declínio das exportações de matérias primas do extrativismo36. A decadente economia baiana precisava abrir novos canais de exportação, mas, para isso, necessitava de novos produtores.

36 As estatísticas da década de 1950, coletadas diretamente pelo Departamento de Estatística do estado, apontavam 55 itens de exportação de silvicultura, alguns dos quais foram absorvidos como produção agrícola e outros que simplesmente desapareceram das estatísticas.

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A concepção do Plano de Desenvolvimento trouxe diversas propostas de método e a técnica de planejamento inspirada na CEPAL conside-rava outras contribuições, especialmente de Oskar Lange e de Gunnar Myrdal. A elaboração do PLANDEB ofereceu a primeira oportunida-de para uma visão geral do problema de infraestrutura na Bahia, reve-lando a necessidade imperativa de um planejamento de um complexo portuário na Baía de Todos os Santos, ventilando- se, pela primeira vez, o aproveitamento do porto de Campinho em Maraú.

Ainda no relativo à composição da economia estadual, havia, por-tanto, um problema a ser necessariamente enfrentado: aceitar a tese subjacente à disputa entre modernização agrícola e industrialização acelerada ou a tese de economistas indianos como Brahamananda e Agarwala, que focalizavam as inter-relações entre esses grandes seto-res. As teses da CEPAL sobre industrialização para dentro estavam respaldadas nos estudos da brecha comercial, olimpicamente igno-rados pelos economistas neoclássicos. Na Bahia, era necessário um vetor de industrialização apoiado na transformação de produtos da agropecuária, que deveria avançar em paralelo às novas indústrias de bens de capital. Esse seria o fundamento teórico das propostas que combinavam o polo sídero-metalúrgico em Aratu com as con-centrações em Feira de Santana e em Ilhéus. Nesse contexto, para o planejamento regional, o asfaltamento e a duplicação da estrada Salvador-Feira de Santana tornavam-se o mais importante do estado.

Rômulo Almeida entendia que o fortalecimento de atividades de transformação deveria ser simultâneo em várias frentes. Os efeitos acumulados da decadência da economia regional na Bahia eram extremamente complexos devido às diferenças entre formas de

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produção fabris arcaicas, manufaturas semi-industriais37, roupas, móveis e outros utensílios domésticos. O setor público fornecia uma massa de renda assalariada essencial na região, mas incapaz de trans-mitir dinamismo pela própria fragilidade econômica do governo. Os primeiros estudos de indústria configuravam a necessidade de nova abordagem da questão industrial38.

Os problemas identificados pelos estudos de desenvolvimento no IEFB e de planejamento na CPE mostraram a complexidade do atraso através da experiência dessa sociedade pós-escravista, em que a brecha comercial era tema do segmento internacionalizado, mas onde a maioria esmagadora da população vivia de uma economia de subsistência. Ao mesmo tempo em que se buscam investimentos de grande capital e alta tecnologia, procuram-se opções para peque-na produção industrial. Essa percepção da complexidade do atraso era única no Brasil e só entraria no campo de questionamentos da CEPAL na década seguinte, através de textos inovadores de Aníbal Pinto e Oswaldo Sunkel.

Nessa perspectiva, Rômulo Almeida entendia que o desenvolvimento das atividades de transformação deveria ser atacada em várias frentes, mas que esse sistema regional só poderia ser acionado com a pro-dução de bens de capital. Daí o significado das grandes iniciativas

37 Sapatos de qualidade eram feitos por artesãos concentrados no Terreiro de Jesus; havia um fabrico de calçados em Feira de Santana empregando mais de 200 pessoas; produção artesanal de instrumentos de música inclusive de pianos etc.38 Refere-se a pesquisas realizadas pelo economista Deraldo Jacobina Brito no IEFB, em duas etapas, com um estudo específico sobre a indústria têxtil de 1957 a 1958 e um trabalho de equipe em 1960 sobre a indústria em Salvador, que foi o primeiro levantamento de estabelecimentos em atividade por bairros da cidade. Nessa segunda etapa, foi utilizada a abordagem de Hector Gonzalez na CEPAL, que focalizava nas inter-relações entre a produção de bens de capital e a de bens de consumo.

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de criar uma siderúrgica e instalar um complexo petroquímico. Na situação específica da Bahia, se essa visão industrialista tinha, por um lado, a dificuldade de alcançar uma dinâmica significativa por parte da produção rural; por outro, havia as oportunidades que surgiram da instalação da refinaria Landulfo Alves e da CHESF. Começou a haver energia e despontavam perspectivas de aumento da produção de energia. De qualquer modo, o projeto industrial dependeria da superação dos problemas de infraestrutura da Bahia, até então pra-ticamente sem estradas, com instalações portuárias precárias e com uma oferta incipiente de energia. O planejamento conduzido por Rômulo Almeida previa um esforço considerável nesse sentido, co-meçando pela liberação da Baía de Aratu.

Difundiu-se, na época, a versão de que a efetivação do plano foi impedida por sua rejeição na Assembleia Legislativa, onde tinha no-tórios desafetos na bancada da UDN, liderada pelo deputado Alio-mar Baleeiro. Na realidade, a oposição partiu do próprio governador Juracy Magalhães, que instruiu a bancada da UDN para bloquear o plano. A oposição do governador tornou-se pública com suas ma-nifestações quando da visita de uma missão da OEA chefiada pelo embaixador Noriega Morales, que ironicamente veio para apoiar o trabalho de planejamento. Fazia coro com o governador Carvalho Pinto, de São Paulo, que também mandou técnicos para cooperação. Nesse sentido, com significado internacional, destacaram-se as visitas do Secretário Geral da Comissão das Nações Unidas para o Extremo Oriente, Mordekai Ezequiel, e do recém-empossado presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Felipe Herrera.

No momento em que se abriam oportunidades para o financiamento internacional do plano, ele era obstruído por manobras políticas do mesmo governador. Foi tudo parte de uma estratégia política mais

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ampla, que tentou uma mobilização para derrubar Celso Furtado na SUDENE. Tal tentativa foi abortada por iniciativa de Rômu-lo Almeida, que desmentiu rumores da época de que teria agido por ciúme, concorrendo com Furtado por prestigio no Nordeste39. Numa leitura retrospectiva, cabe considerar que a obstrução do pla-no não se deveu a ser ele utópico como se divulgou na época, mas, pelo contrário, porque tinha fortes sinais de sucesso e representa-va uma ruptura com o sistema político da aliança conservadora na Bahia. O significado político e histórico do planejamento tinha uma expressão nacional não comentada, entretanto expressiva na época. O movimento do planejamento já tinha uma influência significati-va em municípios no interior do estado, constituindo uma base de oposição. Assim, quando o plano foi abortado, tornou-se a principal referência para a candidatura de oposição nas eleições seguintes. A derrota do candidato de oposição deu lugar a um movimento polí-tico de construção de uma frente única de esquerda com o projeto de criar um banco dos municípios de oposição para sustentar esse movimento, concretamente congregar 54 dos então 217 do Esta-do40. Estes desdobramentos que certamente não vieram a público, foram adiante cobrados em vários dos interrogatórios decorrentes dos eventos de 1964.

39 Rômulo Almeida combinou com o governador Cid Sampaio uma missão ao Conselho Nacional de Economia constituída de Fernando Mota, Fernando Pedrão e Armando Mendes para obter de Manoel Orlando Ferreira uma moção do COFECON em defesa de Celso Furtado que só soube desse movimento depois de ele ter sido realizado.40 Posteriores desmembramentos elevaram o número dos municípios da Bahia para 417.

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A integração latino-americana

O tema da integração foi colocado na década de 50 por parte da CEPAL como consequência dos estudos de desenvolvimento, como meio de superar a inércia de exportações. No Atlântico, continuava sendo um tabu, em virtude das divergências históricas entre o Brasil e a Argentina em torno do controle da bacia do Rio da Prata. Era uma grande novidade frente a um passado de rivalidades, algumas delas provenientes do sistema colonial e outras instigadas por inte-resses internacionais. como foram os casos da Guerra do Pacífico e da Guerra do Chaco.

A crise de 30 mostrou problemas comuns de alguns países junto com algumas linhas de complementaridade. Com as Nações Unidas, surgiam doutrinas apontando a necessidade de cooperação como meio de sobrevivência41 em que as conveniências comparam-se a in-teresses organizados em relações bilaterais no próprio continente ou

41 Em 1956, Myrdal lançava seu Solidariedade ou desintegração adotando uma visão destoante do ensaio de Lord Keynes sobre a escassez de dólares e Ragnar Nurkse lançava Equilíbrio e crescimento na economia mundial (1961) em que demonstrava as restrições internacionais ao equilíbrio no capitalismo avançado. Ao transferir a questão do equilíbrio para o âmbito das inter-relações internacionais, coloca--se uma nova racionalidade para os temas da integração, que deixa de ser uma opção ideológica para ser uma necessidade estratégica. Haverá uma integração a fortiori pelas empresas multinacionais ou uma integração conduzida pelos governos nacionais. Identificava-se uma distância insuperável entre a visão das relações internacionais a partir de economias nacionais individuais, na forma de uma balança de pagamentos que não identifica os atores e a visão de relações internacionalmente construídas, em que constam inter-relações entre empresas multinacionais e envios de dinheiro por parte de trabalhadores migrantes a seus países de origem. As diferenças entre os elencos de mercadorias produzidas por países altamente industrializados e os elencos das mercadorias produzidas por países semi-industrializados indicam um movimento de distanciamento entre uns e outros e não só uma brecha do comércio como arguia a CEPAL.

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com nações europeias. Os termos da questão mudaram de modo irreversível desde a Primeira Guerra Mundial e do correspondente fechamento de mercados, quando os países latino-americanos depa-raram-se com o fato de que a nova potência dominante era grande produtora de trigo, milho, fumo e carne, bem como controlava a produção de açúcar. Desapareciam as vantagens na maior parte dos produtos agropecuários, mantendo-se somente em relação ao café e a minerais. Fato pouco lembrado, a globalização da produção de matérias-primas que endureceu a concorrência com asiáticos e afri-canos, dissolveu posições de mercado que pareciam sólidas em itens, tais quais borracha, cacau, carne, bananas e vários outros.

A questão da integração, portanto, se definia como uma oposição a opções ideológicas das elites – o que se mantém até hoje - entre os que pensaram uma integração como um modo de criar um espaço próprio protegido da supremacia norte-americana e os que se con-sideram associados a ela. Mas a polêmica sobre a integração é maior que a relação com os Estados Unidos e é tão antiga quanto a própria America Latina, pois advém das relações conflitivas entre os impérios ibéricos. Além de alianças impostas - pela Inglaterra e Portugal, por exemplo - e concorrência entre a America Portuguesa e a Espanho-la, sempre pendeu à pressão imperialista inglesa adiante substituída pelo expansionismo norte-americano. As primeiras concepções de integração advindas da independência, de Miranda a Bolívar, ape-lavam para o mundo incaico, mas fracassaram, já que deram lugar a Estados nacionais virem a competir uns com os outros. O trânsito entre a etapa colonial e a moderna se fez com economias regionais dependentes da mineração e vivendo em esferas locais de subsistên-cia. A Primeira Guerra Mundial enfraqueceu a presença europeia, majoritariamente britânica, e reforçou a expansão norte-americana,

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já com grandes interesses na mineração no México, no Peru, no Chile. A crise de 1930 determinou um retrocesso econômico, que se traduziu em turbulência política, acentuando-se não apenas o dis-tanciamento entre os países, mas também sua exposição à pressão norte-americana. Com esses antecedentes, chegou-se ao fim da Se-gunda Guerra Mundial, com as elites latino-americanas divididas entre versões de nacionalismo conservador e adesão à modernização tecnológica oferecida pelos EUA.

Os meios utilizados por essa predominância são muito mais comple-xos e abrangentes que os britânicos, uma vez que envolvem cientistas, religiosos e políticos, desempenhando as universidades norte-ame-ricanas42 um papel estratégico. Consistia em um conservadorismo baseado em eficiência e praticidade, demolindo-se direitos dos tra-balhadores e apoiando-se em valores individualistas. A questão do americanismo surgia sob diferentes enfoques no cotidiano da vida da burocracia internacional e Rômulo foi parte ativa em circuitos de diálogos entre os diversos representantes das elites latino-americanas baseados em Washington. Ali apareciam as visões de republicanos espanhóis, como Javier Malagón e Angel Palerm; as de argentinos, como Oscar Carreton, Carlos Alurralde e Cecílio Morales; além de as de cubanos como Felipe Pazos e Emilio Fernández e de brasilei-ros como Evaldo Correia Lima, Cleantho Leite, Tulo Montenegro e Rubens Costa. Cabe considerar que a vida social dessa burocracia latino-americana teve um papel significativo em uma reavaliação do real significado do poderio norte-americano e das especificidades

42 Casos como os de Sylvanus Morley, pesquisador da cultura maya, de J.Normano, autor de livro pioneiro sobre a economia brasileira, de Warren Dean, historiador, são apenas alguns de uma longa serie de estudiosos que eram agentes do governo norte-americano.

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culturais que se tornavam visíveis pela proximidade. Com raras exce-ções, todos voltaram aos seus países de origem.

O novo questionamento da integração ironicamente é parte da re-volução burguesa latino-americana, que reivindicava meios para sua formação de capital. Estaria em conflito com a política internacio-nal da Doutrina Truman representada por George Kennan e Dean Acheson. Cabe avaliar que a CEPAL teve um papel relevante, não por ser, mas por representar essa nova elite que vinha da crise de 30 e identificava progresso com independência. As condições internas dos países foram determinantes. No relativo ao Pacto Andino, pesavam os antecedentes das revoluções de 52 na Bolívia e dos governos do FNR; de Belaunde Terry, no Peru; na Colômbia, o governo de Lleras Restrepo. Em suma, instaurava-se a superação de um conservadoris-mo no isolacionismo. No que se refere ao Prata, se defrontava um nacionalismo progressista e um conservadorismo assentado nas gran-des propriedades rurais. A integração surgia como parte essencial de uma estratégia de sobrevivência. Com esses antecedentes, a questão da integração aparecia em 1950 como uma questão imediata e como referência histórica, com a correspondente complexidade social.

A disputa em torno da integração latino-americana começou logo após a Segunda Guerra, com uma referência às rivalidades entre al-gumas nações latino-americanas e sua relação com os Estados Uni-dos. A questão se dividia entre uma política mais impositiva dos Estados Unidos em certas regiões como na America Central; tradi-ções e interesses comuns entre os países andinos e o principal foco de relações entre Brasil e Argentina, de maior peso no continente. O ranço da disputa por liderança começava com ressentimentos da guerra de 1850, passava por ameaças de confronto no tempo do

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presidente Hermes da Fonseca e por pretensões peronistas de domi-nar o continente43.

A doutrina Monroe representava o propósito de domínio norte- americano, que já se manifestara nas invasões ao México e nas que seguiram à guerra com a Espanha. Os ideais de Miranda e Bolívar definiam uma nova união latino-americana, diferenciando-se dos projetos nacionalistas de O’Higgins e San Martin.

Os desdobramentos regionais da ALALC junto com os efeitos loca-lizados da Guerra Fria levaram praticamente à constituição de um novo sistema interamericano com maior presença norte-americana e diminuição da influência da CEPAL. Punham-se em evidência as condições estruturais para um comércio latino-americano44. A revo-lução cubana sacudiu os Estados Unidos, que passaram a criar me-canismos para ampliar e aprofundar sua influencia no continente. A questão mais profunda do desenvolvimento como reversão de pro-cessos de subdesenvolvimento, que já tinha sido descrita por Celso Furtado (1960), foi apresentada de modo sistemático por Sunkel e Paz (1982). Definia-se o triângulo entre políticas nacionais, contex-to internacional e independência efetiva. Esta última, daí em diante, seria a representação sintética da integração latino-americana.

43 A estreita cooperação entre o regime de Perón e o nazismo só veio a público muitos anos depois, assim como o projeto de construção de um artefato nuclear em um centro secreto na ilha de Huamul. A ameaça militar efetivamente existiu e foi alimentada pelo chamado grupo colorado liderado pelo almirante Isaac Rojas.44 Naquele contexto, a CEPAL realizou estudo sobre A brecha comercial nos países latino-americanos, por uma equipe liderada por Norberto Gonzalez.

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A diplomacia econômica

O intervalo Kennedy revelou contradições do mundo latino-ameri-cano que oscilaram entre otimismo ingênuo e expectativas razoáveis, além da configuração de novos níveis de conflito. A redemocratiza-ção da Venezuela, da Argentina, da Bolívia e do Chile - nos dois pri-meiros, com a instauração de governos progressistas moderados - in-dicava melhores condições gerais de diálogo com os Estados Unidos e o Brasil desfrutava da imagem positiva do período JK. A revolução cubana, por sua vez, exibia uma dimensão mais profunda do con-flito de interesses. A resposta norte-americana em Punta del Este à iniciativa cubana do SELA levou a uma composição dos norte-ame-ricanos, agora com a influência de figuras como Sclesinger e Rostow, com setores desenvolvimentistas latino-americanos. Dessa política, surgiu uma renovação do sistema latino-americano. A União Pan- americana passou a chamar-se Organização dos Estados Americanos (OEA). Foi criado o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Finalmente, foi estabelecido um Sistema Interamericano de Planeja-mento (SIAP), que coordenaria as ações do Banco Internacional de Reconstrução e Fomento (BIRD), do Fundo Monetário Internacio-nal (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Sistema Interamericano de Planejamento (SIAP) seria o foro ao qual os países latino-americanos apresentariam seus pleitos de finan-ciamento45. Haveria um comitê superior de avaliação da situação dos

45 Observe-se que a década de 1960 foi um período de dinheiro barato, quando vários países contra-taram empréstimos para programas habitacionais, em obras de infraestrutura que não geravam expor-tações que pagassem os empréstimos internacionais calculados em dólares.

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países, que daria um aconselhamento especial sobre as necessidades e a capacidade de pagamento dos países. O SIAP realizava rodadas de negociações, país por país, apoiando-se em avaliações feitas pelos bancos de desenvolvimento e em estudos do próprio comitê. Por sua vez, os membros daquele, que tinham assessores técnicos, empreen-deram estudos de países por conta própria, eventualmente estabele-cendo posições próprias, alternativas às dos bancos, como foi o caso específico do estudo do Peru, empreendido por Rômulo Almeida e realizado pelo economista francês André Wagner.

Rômulo Almeida ganhara notoriedade na ALALC e foi convidado a integrar o Comitê dos Nove ao lado de figuras como Walt Rostow, Raul Prebisch, Felipe Pazos. Contando com a participação valiosa do economista francês André Wagner, ocupou-se principalmente dos países andinos. Desse período, saiu um estudo especialmente opor-tuno sobre a economia peruana, que inaugurou uma mudança dos estudos internacionais, focalizando na relação entre a dinâmica de grandes regiões historicamente construídas e as condições de opera-cionalização na escala nacional. Observa-se que, naquele momento, se configurava um movimento de certos grupos de políticos e téc-nicos argentinos, brasileiros e chilenos, que, com o apoio do Banco Interamericano da gestão de Felipe Herrera e com a participação fundamental de Raul Prebisch, tinha por objetivo uma solução de integração em torno de projetos de interesse comum.

Rômulo Almeida foi parte desse movimento, que se cristalizou na criação de um projeto interinstitucional da Bacia do Prata e da funda-ção do INTAL, ambos por iniciativa do Banco Interamericano. Era a substituição da diplomacia dos tratados pela dos projetos multina-cionais latino-americanos, que apontavam para um discurso alterna-tivo ao dos Estados Unidos. Esse novo movimento pró-integração

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deveu muito à participação de Cleantho Leite, que passou de diretor do banco pelo Brasil a chefe do escritório do banco em Santiago do Chile quando se davam condições de diálogo entre o governo de Arturo Ilya e o governo de Eduardo Frei no Chile. A substituição de rivalidades locais por cooperação regional seria uma tarefa especial-mente difícil, dado não apenas o contencioso da disputa pelo canal de Beagle, como também antecedentes de disputa entre Brasil e Ar-gentina. A disputa pelo controle da bacia do Rio da Prata envolvia o de recursos hídricos e o de energia. Rômulo Almeida participou desses debates com o sentido eminentemente prático, que caracte-rizou a diplomacia econômica da linha da CEPAL de Prebisch e do BID de Felipe Herrera. Discordâncias que se acumularam com os norte-americanos eram atribuídas, a princípio, a diferenças entre o Departamento de Estado e o Pentágono, mas já se deviam às diver-gências internas nos países latino-americanos, tal como apareceram no golpe de Ongania na Argentina (1967) e no de Bordaberry no Uruguai (1972). A rivalidade entre Brasil e Argentina foi alimentada pelos círculos militares dos dois países, registrando-se os desmandos da época de Perón, mas obscurecendo-se as influências das grandes potencias na região.

Em grandes linhas, Rômulo Almeida viveu os dois momentos do intervalo Kennedy: o primeiro ofereceu a Aliança para o Progresso como uma grande aproximação interamericana, que aparecia como um anticomunismo benigno, identificado com democracia. Rever-teria o patrocínio da onda golpista iniciada em 1954 na Guatemala, que criara as ditaduras de Stroessner, Somoza, Trujillo e outros. Ace-nava com cooperação para o desenvolvimento com programas como o Fundo de Garantia do Progresso Social. Já o segundo momento foi marcado pela invasão frustrada de Cuba na Baía dos Porcos e pelo aumento da presença norte-americana no Vietnam. Além disso, esses

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eventos coincidiam com o golpe de 1964 no Brasil, o que significou um alinhamento ativo do Brasil na Guerra Fria. Esvaíam-se aque-las condições da cooperação internacional. A diplomacia brasileira em Washington, encabeçada por Juracy Magalhães, tornara-se aliada explícita do intervencionismo e infensa à presença de nacionalistas e livres pensadores. Assim como Cleantho Leite perdeu seu man-dato de diretor do BID, Rômulo não poderia permanecer no siste-ma da OEA. A opção por uma diplomacia realista e tecnicamente informada foi perseguida por Cleantho Leite em seus esforços para a criação do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Adiante, com o fim da Guerra Fria, revelou-se o contraste entre a diplomacia guiada por objetivos de poder político e a economicamente sustenta-da. Os termos de uma diplomacia brasileira com essas características foram foco de interesse de Helio Jaguaribe em diversos de seus traba-lhos nesse mesmo contexto, em linhas diferentes, mas comparáveis com as de José Honório Rodrigues. Iniciativas que foram tomadas no tempo dos governos militares, tais como de missões à China e à Guiana e na África, foram assumidas como linhas regulares de traba-lho. A participação de Rômulo Almeida nessa diplomacia extraoficial gerou algumas inimizades importantes nos círculos oficiais, apesar de contar com simpatias em círculos militares com visão estratégica. A reação à ingerência norte-americana em assuntos internos, que foi a causa do rompimento de Rômulo Almeida com o embaixador Lin-coln Gordon em conferência em Buenos Aires, reaparecia sob novas luzes na Conferência de Ouro Preto no dilema entre fortalecer o MERCOSUL ou aderir à ALCA. A continuidade da política externa norte-americana na América do Sul tornava-se evidente, desde as pressões dos Kennedy sobre João Goulart até a ALCA da administra-ção Clinton. Nesse ponto específico, as ideias de Rômulo Almeida, Cleantho Leite e Felipe Herrera revelavam-se corretas.

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As peripécias da volta

O sistema interamericano sobreviveu aos Kennedy durante o gover-no de Johnson, mas já em franca retirada, tratando com ditaduras ou com governos fechados em políticas de equilíbrio, passando por uma série de planos de curto prazo como na Argentina, na Bolívia e no México, ou com modelos de crescimento apoiado em entrada de capital externo como no Brasil. A crise do petróleo de 1973, que frustrou as previsões do II PND, funcionou também como alerta para a necessidade de novo estilo de industrialização. A volta de Rô-mulo Almeida ao Brasil impunha-se, em parte, por ser um momento decisivo para sua carreira política, mas também em virtude de sua sustentação no sistema interamericano estar esgotada.

O fim do chamado milagre econômico foi marcante nos rumos se-guidos por Rômulo Almeida, que passou a procurar uma solução privada para a volta ao Brasil que lhe permitisse reintegrar-se à vida política. Aos olhos da comunidade econômica internacional, a con-clusão daquele período de euforia da economia brasileira era parte de um ciclo negativo do capital internacionalizado, que correspondia à concentração econômica dos Estados Unidos e a uma revolução tec-nológica, que atingia os países dependentes em tecnologia. Por exem-plo, a revolução do transporte marítimo significava navios de mais de 100.000 tons. e a desqualificação da maior parte dos portos bra-sileiros. De fato, no momento em que se projetava o polo petroquí-mico na Bahia, os grandes produtores de petróleo procuravam suas próprias soluções industriais. Sendo assim, o polo baiano nascia con-denado a funcionar como complemento da economia de São Paulo.

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Para a realização desse projeto aparentemente quixotesco, seria neces-sário um novo modelo de empresa, combinando a visão empresarial com a de serviço público. Daí surgiu o projeto Casaforte, para o qual praticamente convocaram-se os amigos da comunidade brasileira em Washington, vários deles entrando com pequenas participações so-cietárias. Procuraria Rômulo inserir-se nos desdobramentos do pla-nejamento industrial, ao tempo em que forjava seu espaço como po-lítico de oposição. O projeto de volta por meio de atividades privadas nunca implicou realmente uma adesão sua ao setor privado, por mais que tenha precisado construir uma base econômica própria, que se traduziu em duas fazendas de cítricos e de gado na Bahia.

Rômulo Almeida retomou sua vida política no MDB, tornando- se um articulador de política de oposição na Bahia, convertido em liderança regional. Nesse contexto, regressou a suas origens, dedi-cando-se a uma militância partidária nacional, que lhe rendeu uma diretoria no BNDES.

Adiante, o projeto Casaforte foi substituído pela empresa de consul-toria CLAN, que veio a participar de estudos para o polo petroquí-í-mico de Camaçari. De todos os modos, essas empresas foram con-dicionadas por representarem a principal voz de oposição ao sistema de poder instalado na Bahia desde 1964, dependendo, por isso, de relações desenvolvidas desde antes no meio empresarial.

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Uma percepção renovada do desenvolvimento regional

“O progresso do conhecimento, no caso das ci�ncias so-�ncias so-ncias so-

ciais, supõe um progresso do conhecimento das condi-õe um progresso do conhecimento das condi-e um progresso do conhecimento das condi-

ções do conhecimento”. Pierre Bourdieu

Os diversos processos na política e na economia que condicionaram a superação do subdesenvolvimento e a identificação de alternativas de desenvolvimento no início da década de 1970, levaram a uma atitude crítica por parte de muitos intelectuais latino-americanos, com destaque para as seguintes iniciativas: a de Raul Prebisch de substituir a teoria centro-periferia por outra que refletisse melhor a realidade latino-americana; o trabalho teórico de Celso Furtado, com sua tentativa de reconstruir as bases da Economia Política sobre a teoria do excedente. Com sua objetividade e a experiência acumu-lada no sistema interamericano, Rômulo Almeida também foi parte dessa tendência, apresentando propostas inovadoras, que refletiam uma visão crítica do planejamento regional.

Dentre os principais pensadores do desenvolvimento econômico e social, Rômulo Almeida foi um dos poucos que combinaram as experiências nacional e regional, nacional e internacional. Também foi dos poucos que tiveram sensibilidade para perceber a importân-ân-cia do fundamento histórico desse processo. Essa variedade de expe-riências, positivas e negativas, teve resultados variáveis, que nunca derrubaram aquele sentido de missão que o acompanhou até o fi-nal. Essa circunstância resultou em uma mudança fundamental em sua visão das condições políticas do desenvolvimento econômico, em que as diferenças entre o desenho institucional e a capacidade

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operativa são fundamentais, assim como o é o papel do individualis-mo e do imediatismo na política.

A opção por uma nova leitura do padrão territorial dos investimentos tornava-se necessária, dadas as novas tendências da economia brasilei-ra. Em proposta apresentada à COPENER em 1985 para a implan-tação de um polo alcooleiro no Baixio de Irecê articulado com o Polo Petroquímico de Camaçari, defendia ele uma mudança nos padrões de localização de indústrias no interior do estado. Tal como manifesta em seu último livro sobre o Nordeste, Rômulo Almeida prioriza a indústria sobre a agricultura, apontando os efeitos concentrados da primeira, procurando efeitos interativos em vez de antagonismos.

A experiência internacional influiu poderosamente na visão do de-senvolvimento regional, em parte como chegou a todos os brasileiros ao perceberem a complexidade cultural do mundo ibero-americano e da Europa. Além de que, a principal literatura sobre temas re-gionais era europeia, descobria-se a complexidade das civilizações americanas com seu modo de formar território. Em suas andanças pela América, Rômulo Almeida travou contato direto com o mundo platense e com o mundo andino, deparando-se com processos de migrações por canais habituais, com efeitos internacionais em cida-des como Buenos Aires e São Paulo, contrastando com emigrações crônicas, tais como as de bolivianos em Buenos Aires e as de perua-nos nos Estados Unidos.

A restauração da democracia pôs a nu as diferenças incorporadas no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que, ao se converter em partido político, revelava o papel das elites e as forças políticas sindi-cais e de classe media e populares. Rômulo tinha plena consciência

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da captura das posições políticas pela classe média. Agora se encon-trava em uma posição contraditória: se, por um lado, era líder nesse movimento de classe media; por outro, tinha simpatia pelas vertentes populares. Girondinos com espírito jacobino. O dilema se acentuava na Bahia, onde a polarização causada pela reação ao grupo do go-vernador Antonio Carlos Magalhães levava o novo PMDB a formar uma frente política com elementos de esquerda e com integrantes das oligarquias tradicionais, praticamente desmontando o fundamento ideológico da política. Aí estaria uma contradição fundamental entre a experiência acumulada por Rômulo Almeida e as condições visu-alizadas para políticas regionais de desenvolvimento. A alternância anterior com o Banco do Nordeste e com a SUDENE desaparecera: no primeiro, retirado de suas anteriores funções de planejamento por projeto; na segunda, com suas funções demolidas e reduzidas ao cha-mado planejamento indicativo, que nada mais era que acompanhar os interesses das empresas46. Havia, portanto, um claro retrocesso nas condições ambientais para o planejamento estadual do desenvolvi-mento. A explicação não é difícil de encontrar. Diferentemente dos estados do sul, bem como do Ceará e de Pernambuco, o governo da Bahia alinhou-se com as políticas conservadoras dos ministros Delfim e Simonsen - no período militar - e de Nóbrega - na “Nova” Repúbli-ca -, que favoreciam a concentração de capital no Sudeste. A opção por um estilo de grande capital passava a marcar a economia baiana.

46 Somente em 1985, a SUDENE produziu um documento de política social e a cartografia elabo-rada nas décadas anteriores se perdeu aparentemente sem explicação. Por sua vez, o Banco do Nordeste passou a guiar-se por critérios comerciais e perdeu sua função de órgão de pesquisa aplicada e de pensador dos problemas do Nordeste. Posteriormente, perdeu-se o acervo das avaliações de projetos que permitiam avaliações setoriais e regionais. A participação federal na região fragmentou-se entre agências com objetivos próprios na era dos “projetos de desenvolvimento rural integrado” comandados pelo Ministério do Interior. Em 1978 o próprio Ministério do Interior promoveu uma renovação do planejamento ao reunir todos os órgãos participantes de ações federais no chamado Projeto Nordeste.

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Assim como Prebisch, Rômulo Almeida, em seus últimos anos, passou por um processo seletivo de suas ideias, que o distancia-vam das práticas de planejamento no Brasil, tanto na esfera fede-ral, em que a inércia da máquina burocrática já tinha adotado a prevalência do ajuste macroeconômico, antes mesmo do Consenso de Washington; quanto na Bahia, onde o planejamento tornara-se mero exercício burocrático, condicionado por projetos federais. Em aconselhamento de política econômica ao governo de Waldir Pires, em 1987, Rômulo insistia em inter-relações internas e externas, em abordagens estratégicas, bem como cobrava maior profissionalismo do serviço público. O localismo das políticas públicas estaduais e o personalismo impediam que se colocassem questões cruciais como as do sistema de transportes e de planejamento industrial. A tese básica de Rômulo relativa à necessidade de se alcançar um novo padrão de dispersão territorial da capacidade produtiva implica rever as condi-ções de concentração dos diversos tipos de indústrias e não somente adotar uma política de localização nos velhos moldes de localização fábrica por fábrica. São as escalas de mercado e as condições de renta-bilidade, que imporão as bases da localização. A opção por uma nova leitura do padrão territorial dos investimentos tornava-se necessária, dadas as novas tendências da economia brasileira, cujo território efe-tivo tinha mais que quadruplicado em pouco mais de vinte anos e onde os fatores de concentração de capital operavam agora em escala macrorregional. Em proposta apresentada à COPENER, em 1985, para implantação de um polo alcooleiro no Baixio de Irecê articu-lado com o Polo Petroquímico de Camaçari, Rômulo preconizava que a perspectiva metropolitana deveria ser regional e que a visão regional da economia baiana deveria contemplar articulações supra-estaduais. Seria necessária uma intervenção sistemática do governo da Bahia no planejamento do complexo portuário da Baía de Todos

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os Santos. Um inevitável distanciamento entre a sua concepção de planejamento e a que se instalou no governo do estado marcou suas últimas manifestações sobre a prática da política econômica estadual.

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2 Traços da história econômica da Bahia no último século e meio1

Rômulo Barreto de Almeida

1 Mantida na íntegra a redação original.

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Traços da história econômica da Bahia no último século e meio

Conjuntura internacional

os últimos decênios do século XVIII, refizera-se a Bahia da crise que, com raras interrupções, perdurava desde a primeira metade do século XVII. É verdade que, no fim

deste, o desenvolvimento do mercado europeu para o fumo atenuou a dependência do açúcar. Mas a exportação do fumo não poderia substituir a da principal lavoura e indústria, fixadora por excelência de civilização. E o açúcar teve a sua crise agravada com a febre de mineração no século XVIII, a qual arrebatou para a aventura os seus trabalhadores livres e até mestres, leiloou os escravos que já escasse-avam e encareceu o preço de todas as utilidades, ao mesmo tempo em que, com os embargos ao comércio com as Minas Gerais, era a Bahia impedida de compensar os seus prejuízos com o lucro dos fornecimentos para os sertões do ouro. Enquanto a competição das colônias de outras potências europeias crescia, os custos de produção também se elevaram inevitavelmente.

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Costumava-se imputar a decadência da indústria açucareira à culpa dos produtores, que esbanjavam e não cuidavam de melhorar os mé-todos de trabalho. Certo, houve imprevidência por parte de muitos, não fazendo reservas nos anos bons. Falava-se também na “ganância” dos intermediários e financiadores. Além do mais, os impostos eram pesados, não considerando o estado de depressão da lavoura, sen-do lançados e coletados de surpresa e em épocas, muitas vezes, im-próprias. Mas todos esses fatores foram realmente secundários face àqueles dois que apontamos. Também não era a baixa qualidade dos produtos a responsável pela decadência das exportações.

Mestres dos engenhos brasileiros foram contratados para engenhos das Caraíbas, o que indica sua reputação. Em 1687, um arguto Vie-gas escrevia num relatório para o rei: “As causas da diminuição e total ruína em que se acha o comércio dos frutos do Brasil não pro-cede de se obrar mal, se não de ser muito o que dele das Barbadas e da Índia vai à Europa”. O Rei não “acharia remédio para que sejam mais finos” (os açúcares). Os holandeses, nos 24 anos de Pernam-buco, não acharam meios de mais perfeitamente fabricá-lo e com menor custo2.

Nesse final do século XVIII, porém, certas condições internacionais extremamente favoráveis permitiam uma nova vida ao comércio de exportação e um desafogo para os senhores de engenho tradicional-mente endividados. A guerra da independência americana e a “revo-lução industrial” abriram uma larga oportunidade para o algodão. A primeira remessa do Brasil foi em 1767 e já “a começar de 1786

2 Wanderley Pinho - História de Um Engenho do Recôncavo - Rio 1946 -pg.197-(Este livro é um dos acontecimentos mais relevantes da bibliografia nacional nos últimos anos).

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Traços da história econômica da Bahia no último século e meio

as exportações variam de 150 a 200 mil libras por ano”3. Passou a ser o algodão um fator de equilíbrio do balanço comercial da Colô-nia. Além do algodão, todos os demais produtos tiveram a procura aumentada, em consequência dos dois fatores históricos que indica-mos, e das guerras napoleônicas, que iniciavam um grande ciclo de perturbações internacionais, dos quais advieram, até a independên-cia, condições favoráveis ao nosso comércio.

A Bahia, principal centro comercial e produtor, só em anos excep-cionais ultrapassada nas exportações por Pernambuco ou pelo Rio, seria naturalmente a primeira beneficiária dessa conjuntura favorá-vel, salvo no tocante ao algodão, a maior vantagem do Maranhão e de Pernambuco, apesar de, na Bahia, já desde o início do século, segundo um exagero quinhentista, “os moradores preferiam à cana o algodão, cuja cultura se dá melhor na terra”4.

A “grande guerra” inglesa contra Napoleão reclamou maiores con-sumos, sendo este fator talvez mais importante do que o efeito res-tritivo sobre a navegação, já que nessa época a Inglaterra desenvolvia estupendamente sua frota. As Índias Ocidentais Francesas tiveram sua produção e seu comércio perturbados. O comércio do Oriente também sofreu (caso do algodão e da seda). Logo as colônias espa-nholas entraram em polvorosa.

Para se medir a importância da situação internacional sobre o nosso comércio, vamos acrescentar alguns dados, sobre o açúcar, o café e o fumo. O Brasil havia sido reduzido, no final do século XVIII, a

3 Segundo uma fonte cito J. Lucio de Azevedo, Épocas de Portugal Econômico, Lisboa 1929, pg, 456.4 P. M. Gondavo, cit. Oliv. Martins - O Brasil e as Colônias Portuguesas - 5a ed., Lisboa 1920 - pg. 33.

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pouco mais de 10% do comércio internacional do açúcar5. Quan-do menos, a metade das áreas fornecedoras esteve conflagrada, ou perturbada por dificuldades de navegação, bloqueio, etc. Quanto ao café, um dos fatores do seu desenvolvimento no Brasil foi a des-truição dos cafezais de Haiti pelos negros sublevados na guerra de independência dessa ilha francesa, os quais também destruíram os engenhos de açúcar. Haiti foi, por muito tempo, a maior produtora mundial de café e de açúcar, enquanto Jamaica e outras colônias in-glesas experimentavam uma temporária decadência açucareira.

Cuba, única colônia espanhola exportadora de açúcar, encontrou, a partir de 1763 até 1779, condições muito favoráveis, pois pas-sou a suprir as necessidades totais da Espanha, cerca de 500.000 arrobas, desde que esta levantou direitos proibitivos para o açúcar estrangeiro. Entre 79 a 85, a produção cubana de açúcar e de fumo foi prejudicada por medidas internas e pela guerra hispano-inglesa. Cuba sucedeu depois ao Haiti como primeiro produtor de açúcar, mas, já a partir de 99, se instalou uma crise que se foi agravando em consequência do conflito europeu, para só vir a ser superada a partir de 18186.

5 Estimativa das Exportações de Açúcar no final do Sec XVIII, segundo fontes americanas; em to-neladas: Colônias Francesas - 95.000; Colônias Inglesas - 80.000; Extremo Oriente - 50.000; Brasil - 35.000; Antilhas Dinamarquesas - 28.000; Cuba em 1802 - 40.000) 15.000; diversos - 3.000. (M. H. el - gamal - Le Problàrne International du Sucre - L.G.D.J. Paris, 1941 - pg. 7.O dado sobre o Brasil supera as indicações nacionais). (R. Simonsen - H. Econômica,2~ ed. quadro à pago 172 e W. Pinho - H. de um Engenho. pg. 254).6 Ramiro Guerra y Sanchez - Azucar y Poblacion en Ias Antillas - 3a ed. - La Habana 1944. Ver também Fernando Ortiz - Contrapuento Cubano dei Tabaco y dei Azucar Habana, 1940, sobre os aspectos capitalistas da indústria açucareira e popular da do fumo, semelhantes ao que aconteceu no Brasil. Ele refere também o contrato de mestres nas colônias portuguesas.

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Dessa forma a situação internacional permitiu durante um bom pe-ríodo a recuperação da nossa decadente economia colonial. Foi ela ainda que possibilitou o Alvará da Abertura dos Portos, em 1808, que, bem conhecido, dispensa maior extensão. Este ato de funda-mental importância, todavia, precisa ser balanceado sem o entusias-mo irrestrito de outrora, pois há, por exemplo, indicações de efeitos negativos sobre a navegação nacional7. Ele veio, entretanto, eliminar intermediários e assim possibilitar maior preço ao vendedor nacional e menor preço ao importador. Ele animou o comércio, introduziu novas ideias, confortos e instrumentos de trabalho, embora tivesse também fomentado as importações de novidades e bugigangas, em parte no comércio a crédito, que viriam imperceptivelmente agravar o nosso balanço de pagamentos. O seu saldo positivo deve ter sido grande, como fator de enriquecimento e progresso.

Esta quadra entre a guerra da independência dos Estados Unidos e a nossa independência, foi, assim, para a Bahia, uma época de prospe-ridade e capitalização, mas não, todavia, isenta de problemas.

7 Alvará de 21-2-1765, mandando observar na Bahia pelo Ofício de 11 de 6 de 1799 (34 anos de diferença - ap. Carta J. Diogo G. F. Castelo Branco aos Vereadores, in “Cartas Econômico-Políticas”, do Des. J. R. Brito e outros (Quanto à data do ofício, o Des. Brito dá 11- 7-1798, v. pg. 86).

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Condições internas

Enquanto isto, as regulamentações, exigências, “taxas, almotaçarias e condenações”, que caracterizavam o “regime exclusivo” (referên-cia ao mercantilismo, agravado na exploração colonial) do Século XVIII, e que “atravessavam” e oprimiam a produção, foram consi-deravelmente reduzidas com o Alvará que visava “extingui-las” e dar “liberdade ao preço”, o qual era mandado executar em 1799. Um dos consultores do Senado da Câmara da Bahia, em 1807 atribuiu a esse ato “progressivo aumento da lavoura, principalmente das fari-nhas, que são o pão da terra, e dos legumes”8, Mas as complicações e abusos não haviam acabado, como de resto até hoje não se extin-guiram dos nossos hábitos fiscais e burocráticos, ainda de acentua-da feição “patrimonialista”9. Narra o principal desses consultores as frequentes medidas contra a exportação, os vexames da obrigatória passagem dos gêneros pelo “Celeiro” da Cidade e os sofrimentos dos lavradores e barqueiros: “Fora do celeiro eles têm de mais a mais de sustentar os assaltos dos Meirinhos, e rendeiros que lhes saem ao cais a pedir conta das licenças, finanças, entradas, guias, regimentos, carlotações, visitas, e mil outras formalidades, para que o sistema regulamentário tem inventado exames, aferições ilegais, selos de pi-pas, lotações, para surpreender coisas à singeleza dos barqueiros, e

8 Referência ao regime de administração estatal, pré-democrática, bem estudada por Max Weber, que os sociólogos Guerreiro Ramos e Emílio Williams expuseram no Brasil, e que consiste em utilizar a máquina exatorial e administrativa como um adendo do patrimônio da coroa e do seu domínio priva-do sobre a coisa pública. Temos sobrevivência desse regime nas participações em multa e nas atitudes “patronais” frequentes dos funcionários, diante dos contribuintes, que são ainda meros tributários.9 Des. João Rodrigues de Brito, in Cartas Econômico-Políticas (com prefácio magnifico de Gois Calmon) ed. Gov. Estado da Bahia,1823, pg. 34 e 86.

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lavradores rústicos, que em conclusão de seus sofrimentos, e perdas, perdem até a vontade de voltar com outra carregação, e vão espalhar por toda parte o descoroçoamento”.

Outros alvarás haviam concedido liberdade de navegação e outras. “Posto que não tenham nunca tido inteira observância, contudo ser-viram para adoçar as violências dos executores fiscais e municipais”, segundo esse lúcido Desembargador João Rodrigues de Brito10.

A Mesa de Inspeção d’Agricultura e Comércio era uma instituição organizada de acordo com a lei do meado do Século XVIII para “exa-mes e qualificações”, segundo as quais os gêneros pagavam impos-tos e eram marcados contra fraudes, bem como para decidir outras questões do comércio. Havia queixas. Ferreira da Câmara disse que “se não estivesse organizada... não aprovaria sua criação”, provavel-mente em respeito às ideias da época, mas atestou “a confiança que a Mesa tem merecido do público, que é o melhor Juiz do conceito dos empregados”: negociantes e lavradores “distantes, guiados por aquela qualificação, concluem mais facilmente os seus ajustes”. O Desem-bargador Brito e Gomes Ferrão Castelo Branco coordenava a Mesa. Mas Sequeira Bulcão considerava a Mesa uma defesa do lavrador, “de comum sujeito ao negociante”11, observação esta última também de José da Silva Lisboa, em carta citada por W. Pinho12.

Homens adiantados encontravam nesse período o clima favorável para ideias novas que traziam da Europa. Felixberto Caldeira Brandt

10 “Cartas Econômicas - Políticas” cit:11 W. Pinho (História...) pg. 215.12 J. P. Calógeras - O Marquês de Barbacena, 2a ed. 1936, e Gois Calmon, prefácio às Cartas Econômico-Políticas.

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Pontes, depois Marquês de Barbacena, trouxe a primeira máquina a vapor instalada num engenho de açúcar no Brasil, tomou a si a empresa de navegação a vapor, inaugurando, em outubro de 1819, o vapor de Cachoeira, uma das maravilhas no folclore do sertão, cuja máquina, vinda da Inglaterra, foi montada num barco construído no estaleiro da Preguiça. Caldeira Brandt ainda fez parte do grupo que estabeleceu o primeiro Banco (1817), filial ao primeiro Banco do Brasil, promoveu o levantamento de uma planta do Recôncavo e iniciou a abertura de um caminho entre São Jorge dos Ilhéus e o Arraial da Conquista!”. Tivemos nessa época um outro senhor de engenho pioneiro, Pedro Antônio Cardoso. Manoel Ferreira da Ca-mara Bittencourt Sá, proprietário do Engenho da Ponta, no Iguape, que reformou fornalhas, economizando dois terços da lenha, e intro-duziu várias outras inovações da técnica industrial e agrícola. Agos-tinho Gomes trouxe também melhoramentos à lavoura e à pecuária, bem como lançou grandes projetos, um deles o de uma fundição de cobre e ferro. Todos eram versados na ciência da época, inclusi-ve na economia política, ou seja, na “nova doutrina” do “profundo Smith”. Ao lado deles, homens letrados de oficio, como José da Silva Lisboa, depois o Visconde de Cayru, secretário da Mesa de Inspeção d’Agricultura e Comércio, e o Desembargador João Rodrigues de Brito, cuja resposta ao inquérito da Câmara do Salvador, tenho a impressão, é um documento definitivo não só da história econômi-ca da Bahia, mas da história das ideias econômicas no Brasil, pela clareza com que expõe a administradores as ideias de Adam Smith, de Sismondi e de Say, bem como as aplica no exame de uma situa-ção regional. Esses homens representavam um ambiente, na época, perfeitamente atual no mundo, como aliás acontecia com Azeredo Coutinho, Arruda Câmara e outros na região de Pernambuco. Nes-se tempo, a Bahia teve grandes governadores: D. Fernando José de

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Portugal, depois Marquês de Aguiar; o Conde da Ponte; o duro e lúcido Conde dos Arcos e o Conde da Palma, homens enérgicos e influenciados pelas ideias novas. Havia um clima de iniciativas.

Uma Praça de Comércio, origem da atual Associação Comercial, foi fundada pelo Conde dos Arcos, na base de sugestões do Desembar-gador Brito e outros, como uma bolsa de mercadorias, para facilitar as operações mercantis e moralizar o comércio.

Até 1815, a mão de obra vinha facilmente da Costa da Mina. Mas a Inglaterra havia extinto, em 1807, o seu tráfico, com bons motivos de ordem econômica, e não mais lhe convinha permitir essa vanta-gem a concorrentes. Era natural que as razões sentimentais fossem exaltadas e que, mais uma vez, a Inglaterra procurasse escudar os seus interesses no interesse geral da civilização. Em 1815, consegue de Portugal um tratado abolindo o tráfico ao Norte do Equador. O tráfico, depois, cai13. Apesar da abundância de escravos, ou por isto mesmo, o rendimento do seu trabalho não parecia satisfatório. Já se falava na superioridade do trabalho livre. A ideia de obter colonos europeus se reforçava, e, já em 1818, se estabelecia a Colônia de Le-opoldina. A colonização se tornou uma preocupação de Miguel Cal-mon14. Os negros já se organizavam, faziam reivindicações, e as suas sedições e arruaças se repetiam. Não era tranquilizador. A pressão, já depois da revolta dos Malês, em 1835, se atenuou com a redução do tráfico e a exportação de braços para os cafezais do Vale do Paraíba, fluminense e paulista.

13 Luiz Viana Filho - O Negro na Bahia.14 Pedro Calmon - O Marquês de Abrantes.

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Comparava-se à produção dos trabalhadores livres, que, no fumo, já eram cerca de um terço. Mas o estado da instrução era dos mais atrasados. Deve-se, nessa quadra, ao Conde dos Arcos, um número relativamente grande de novas escolas. A situação, não obstante, de-veria ser superior à do resto do país, conforme indicações, além de outras, dos Revs. Kidder & Fletcher, já tempos depois15.

O preconceito contra o trabalho prático era rígido e tanto impedia a aplicação na produção de pessoas de padrão social, e naturalmen-te engenho mais alto, como a aprendizagem técnica. Impressionou muito a alguns viajantes, como Agassiz, esse preconceito no Brasil.

Os problemas na Bahia nessa quadra encontram uma exposição ex-celente nas quatro cartas que responderam aos quesitos do Senado da Câmara. Já nos referimos às complicações criadas pela adminis-tração pública e pelo aparelho fiscal colonial, as quais, se bem ameni-zadas, ainda continuariam (até hoje), talvez como uma consequência do próprio sistema econômico. Os transportes, se ainda hoje (1949) representam a maior desvantagem da Bahia, podemos imaginar o que eram naquele tempo! A navegação na Bahia de Todos os Santos era o grande recurso. Ao longo da costa, também. O Arsenal de Marinha fora reformado, as construções navais se desenvolveram, ao menos até o Acordo com a Inglaterra!16. Veio a navegação a vapor no Recôncavo e na Costa. O Conde da Palma tratou da navegação no Jequitinhonha. Mas o desembaraço dos navios, a atracação e o

15 Kidder & Fletcher - Brazil and the Brazilians, 1857, pg. 483 e 490.16 O. Lima- D. João VI no Brasil - sobre os efeitos da Abertura dos Portos e do Tratado 1810. Sebastião Ferreira Soares, “Esboço ... Crise Comercial da Cidade do ‘Rio de Janeiro em 19-9-1864” (apud João Carneiro da Fontoura, “Documentação para o histórico das tarifas aduaneiras no Brasil, 1808-1889” pg. 17).

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desembarque eram lentos e desanimadores. As embarcações, saveiros e sumacas, eram muito maltratadas. O transporte terrestre, então, longe ficava das “facilidades” de navegação. Na zona dos canaviais, o massapè atolava meses seguidos. A marcha do Exército Libertador foi penosamente retardada por essa circunstância. Os rios e riachos, sem pontes, criavam obstáculos sempre prenhes de imprevistos. Cla-mava-se por pontes. O sertão era servido por limitadas estradas colo-niais. As principais saíam da Cachoeira, para o Norte, via Jacobina, onde o ouro continuava a ser uma das pequenas, mas variadas fontes de proventos da Bahia; ou para Maracás, Caetité e Rio das Velhas - o velho caminho das Minas, que Martius descreveu17. O algodão, que dava com gosto nas terras altas, reclamava caminhos. C. Brandt co-meça o Ilhéus-Conquista. De Camamu para o interior, outro havia sido iniciado por D. Fernando José de Portugal.

Um dos grandes, senão o maior problema do açúcar, era a lenha para as fornalhas e a madeira para as caixas. Sequeira Bulcão, que, da Vila de São Francisco, respondeu à Câmara com muito bom senso, porém menor brilho de linguagem e nenhuma erudição (razão talvez do menor destaque que se tem dado à sua carta), nota que o preço do açúcar “animou avultar as safras”, mas “não tendo matos sufi-cientes, não podiam moer mais”. Previa que muitos engenhos “virão a não existir em breve tempo”. “As caixas são um artigo, que tendo chegado ao auge da carestia e que jamais deixarão de subir de pre-ços pela dificuldade, e distância das madeiras”... Ferreira da Câmara, na sua esplêndida Carta, quando se refere à inexequibilidade das leis intervencionistas, mesmo às “exceções”, favoráveis aos interesses gerais, como a de 1609, sobre a conservação dos bosques e matas,

17 Martius - Através da Bahia.

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ressaltava: “ora se há 198 anos, quando apenas este país tinha saído da barbaridade, havia já falta de lenha, e madeiras;... que diremos do estado presente?”18.

Passado o meio século, o geólogo Charles Fred Hartt se impressio-nava profundamente com a devastação das matas por meio das quei-madas, através do litoral baiano, e dizia coisas que têm sido confir-madas por geólogos e geógrafos modernos: “mas há um agente que tem estado em atividade no Brasil, cujos efeitos podemos difícilmen-te subestimar, e que é a queima das regiões e matas e campos pelo homem”. E conclui, adiante, com uma análise do problema: “A des-truição total e descuidada das florestas nas costas brasileiras, a menos que acabe, acabará por produzir uma ruína certa para o país. O Bra-sil deve o seu clima e a sua capacidade de produção agrícola às suas florestas, e é absolutamente necessário que essas sejam preservadas em grande parte do país, especialmente na costa. O Clima da Bahia já tem sofrido muito após a destruição das florestas do Recôncavo, e a queima das planícies. Mas receio que o Brasil venha compreender isto somente quando já for demasiado tarde”19.

Relacionado com o problema das matas, Sequeira Bulcão mostra consciência, sem traço de eruditismo, da tendência geral que seria denominada de “lei dos rendimentos decrescentes”20. “A lavoura do açúcar, bem como todas as mais, se tem aumentado”, mas sem gran-de vantagem. “Outros muitos engenhos, que, desgraçadamente, com

18 “Cartas Econômico-Políticas”. pags. 115 e 96.19 Ch. Fr. Hartt. Geologia e Geografia Física do Brasil - Brasiliana. pg. 351 Hartt fez duas viagens ao Brasil a partir de 1865. Quanto a trabalhos modernos de grande interesse para a ecologia baiana. ver P. Gouroit - Les Pays Tropicaux.20 Cartas. pgs. 115 e 116.

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o excesso dos preços, se edificaram em maus terrenos, têm causado a ruína dos seus proprietários e a infelicidade dos que já existiam, bem como daqueles que se erigiam em bons terrenos” (aludia à con-corrência na compra das caixas e ao que se depreende, também, da mão de obra). E adiante: “Os mesmos engenhos abundantes à pro-porção que se trabalham seus terrenos diminuem na sua produção, ficam mais distantes os matos e por isso cresce a despesa, fazendo-se necessário maior número de braços e de fábricas, não podendo ter interesse vantajoso os seus proprietários e lavradores, sem que haja maioria no preço do açúcar...”21.

Um outro problema era o do capital de movimento. A lavoura vivia nas mãos dos grandes comerciantes, e indiretamente dos importado-res estrangeiros – situação que continuou constante, sobretudo pela instabilidade natural dos preços dos produtos agrícolas de exporta-cão22, apesar de ter melhorado muitíssimo na quadra inicial que fo-calizamos. “A irregularidade dos preços é o flagelo da lavoura”, dizia o Des. Brito. Este fato sempre foi agravado pela ausência do crédito, a não ser os próprios adiantamentos dos comerciantes.

Naquela época, então, faltava a própria base para o crédito real: um Registro de Hipotecas. O Desembargador Brito lamentava que, em lugar de remediar a falta de capitais, se tivesse adotado “o expediente de conceder aos lavradores o privilégio de não poderem rematar-se as fábricas de seus engenhos por execução dos credores”, remédio que

21 Gois Calmon. “Ensaio de Retrospecto sobre o Comércio e a Vida Econômica na Bahia entre 1823 e 1900” – D. Oficial do Estado. ed. Comemorativa do Centenário da Bahia, (outro trabalho funda-mental). Também W Pinho – “História…”.22 Cartas. pg. 66.

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“veio agravar o mal”23. Em 1836, Miguel Calmon (futuro Marquês de Abrantes), numa espécie de Relatório da Sociedade de Agricultu-ra, Indústria e Comércio, considera também o registro hipotecário um dos problemas fundamentais da lavoura24.

Problemas de organização judiciária, política e administrativa eram apontados entre os que requeriam medidas tranquilizadoras para a produção e o espírito de iniciativa25.

23 M. Calmon du Pin e Almeida - Discurso na Sociedade d’Agricultura Ind. e Comércio da Bahia - 31-1-1836. Os trabalhos de M Calmon merecem uma reedição.24 Ver especialmente a carta do Des. Brito.25 Cartas. pg 99.

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Abastecimento

Uma situação nada lisonjeira era a do abastecimento. Vimos que os pequenos produtores, quase sempre os mesmos transportadores, en-contravam entraves descoroçoadores, no desembarque, no fisco, na compulsória entrega ao Celeiro Público, na distribuição dos talhos de açougue, na incerteza e especulação dos preços, que, entretanto, estavam sujeitos tanto a provisões quanto a máximos, apesar da cita-da medida liberadora dos preços. Os lavradores eram tratados como uma classe tributária da grande lavoura de exportação e das popu-lações urbanas, que tinham a seu serviço as autoridades. Ferreira da Câmara, liberal esclarecido, se opunha a isto: “É muito ordinário ou-vir aos que nada produzem e ainda àqueles que se dão ao gênero de cultura mais lucrativo, que é o da cana, queixarem-se da carestia da farinha, que talvez é o que menos convém a cultivar e fabricar nesta Capitania, de quem lhes faz o grande bem de comprar aqui onde ela se acha em abundância, para vender onde ela é rara, e necessária; como se os Lavradores de pão devessem ser considerados como pes-soas de inferior qualidade à sua, a quem fosse lícito de tirar partido do seu suor, e indústria”26.

O fornecimento de carne à Bahia era dificultado pela falta de man-gas perto da Capital ou no caminho das boiadas. O Desembargador Brito atribuía este mal à antiga proibição de se criar gado nas dez leguas de beira-mar (para não disputar terras à lavoura da cana; essa proibição teria prejudicado a do fumo, carente de adubo animal).

26 Cartas. pg 100.

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� velha Lei, que obrigava os lavradores do Recôncavo a plantar 500 covas de mandioca por escravo, já não se obedecia, se é que não estava incluída nas referidas revogações. Era um dos exemplos do Desembargador Brito de leis que prejudicam a todos, por contrárias “aos princípios da divisão do trabalho desenvolvidos por Smith”. F. da Câmara, que “sustentava 250 pessoas”, timbrou em declarar que não plantava “um só pé de mandioca, para não cair no absurdo de renunciar à melhor cultura do país pela pior que nela há”27. Tal o prestígio dos princípios teóricos vigorantes na época.

Apesar de ter aumentado a lavoura, a situação dos pequenos lavra-dores era má. “Fui testemunha há ano e meio, estando na povoação de Nazaré, da desgraçada sorte do cultivador de mandioca” (ainda F. Câmara, para quem a solução era a liberdade de preço e do mais).

A tragédia, porém, era que, além da diferença de poder econômico e político contra o cultivador da mandioca, outros fatores estruturais eram também desfavoráveis a uma próspera economia de abasteci-mento. Enquanto os preços de exportação estavam altos, todos os recursos se voltavam para esses produtos nobres: açúcar, algodão, fumo. Diminuíam, ao menos relativamente, as lavouras de subsis-tência: menor produção, enquanto havia mais dinheiro procurando farinhas, grãos, carnes etc.: preços altos. Estes preços, fora as arbitra-riedades desanimadoras, provocariam naturalmente maior produção pelos agricultores isolados. Consequência: os preços tinham que cair. O equilíbrio não se estabelecia, entretanto, mesmo no caso de pode-rem os pequenos lavradores de abastecimentos disputar ao máximo

27 Gois Calmon – Retrospecto. Também B. Amaral - História da Bahia da Independência à Repúbli-ca - Bahia. 1923. repositório precioso de informes e documentos.

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as vantagens do mercado, dando como consequência um suprimen-to mais ou menos regular, em vista de instabilidade dos preços e mercados dos artigos de exportação. Se estes caiam, nos próprios engenhos se cultivava mais a mandioca e o milho, reduzindo ainda mais as compras aos pequenos agricultores, quando os preços já em si seriam menores. Acrescentem-se, como fatores de desequilíbrio, a instabilidade natural das safras, tanto dos artigos de exportação, como dos gêneros de abastecimento, agravada com a falta ou impos-sibilidade de armazenagem e de crédito. Em suma: esses lavradores em regra suportavam o pior das crises de depressão e eram impedi-dos de aproveitar o melhor das crises de alta.

A situação do abastecimento não podia se regularizar, e será talvez por isto que, voltando atrás das exaltadas ideias liberais de 30 ou 20 anos antes, a Câmara da Cachoeira reinstaurava, numa postura, a obrigatoriedade das 500 covas28.

Durante o período considerado, houve um grande impulso na acli-matação e cultura de plantas exóticas, inclusive árvores frutíferas. Ao que parece, a fruta-pão e a jaqueira tiveram nessa ocasião maior difusão no Recôncavo. Os quintais, as chácaras e os jardins se terão enriquecido, e isto não terá pequena importância sobre a alimenta-ção regional.

28 Gois Calmon - Prefácio às Cartas … ci t.

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Mudanças de perspectivas

A situação favorável, apesar dos pesares, da economia baiana no co-meço do século, se altera depois profundamente, em razão principal-mente de dois fatores: os prejuízos materiais da guerra da indepen-dência e a mudança da conjuntura internacional.

A contribuição em bens, além das vidas, para a independência, “foi um golpe terrível para a vida econômico-financeira. Esta desconjun-tou-se e, desde então, começa uma série infindável das desgraças que nos perseguiram durante todo o século XIX”, diz Gois Calmon29.

Realmente a queda de produção foi sensível, “inúmeras casas, ricas de haveres antes da guerra”, caíram na miséria, como parece ter sido o caso da Torre. A lavoura da cana e a do fumo foram mais sacrifica-das, e em anos de preços maus.

Entrementes, a situação internacional já não era mais tão favorável aos nossos produtos. O algodão e o fumo haviam sido favorecidos pela nova guerra da Inglaterra com os Estados Unidos, mas isto tam-bém já havia passado. Restava o consumo crescente de algodão pela indústria inglesa, o qual nos deixava alguma oportunidade. O açúcar de beterraba se desenvolvera na Europa sob o bloqueio britânico, e os concorrentes coloniais do açúcar de cana já se restabeleciam.

29 Miguel Calmon - Discurso cit. 1836.

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Nas circunstâncias em que vimos se declarar novamente a crise in-termitente de nossos “produtos coloniais”, os governos e os parti-culares continuavam a tomar medidas progressistas. A Sociedade d’Agricultura, Comércio e Indústria, criada em 1832, sob a Presi-dência de F. da Câmara, substituído depois por Miguel Calmon, distribuía sementes, publicava memórias sobre as principais culturas em um “jornal”, ajudava a preparação e a vinda de técnicos, e até procurou acumular capital para ajudar empresas produtivas: uma delas, a Companhia de Colonização, para a qual “deliberou entrar com 20 ações”. “Se mais não tem ela feito, seja essa falta arguida à nossa habitual indiferença, à nossa apatia, e não a defeito intrínseco da instituição”30. Queixa-se Calmon, revelando, porém, que havia iniciativa e cooperação.

Em toda a parte, os pioneiros são minoria. Se o espírito de empresa e de associação era fraco, devemos buscar a razão numa economia aleatória, vagando nas incertezas da produção natural e, sobretudo, do comércio estrangeiro.

Focalizemos a nova situação dos principais produtos:

Açúcar

A indústria do açúcar foi se aperfeiçoando, mas os mercados con-tinuavam muito inseguros: havia uma esperança - que parece ter

30 Wanderley Pinho - “Cotegipe e seu tempo” pgs. 687 e 697, onde há um quadro da situação do Recôncavo Açucareiro do meado do século passado. A “Hist. de um engenho do Recôncavo” dá um excelente registro dos esforços técnicos da indústria açucareira baiana.

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sido vã - (1836) numa lei francesa abrindo a importação do açúcar bruto. A crise se tornaria secular, apenas com hiatos de melhores safras ou de melhores preços. Mas a tendência geral dos preços era a queda (em 1837, em libras esterlinas, um terço do preço de 1821, cujo nível só se estabeleceu, passageiramente, exatamente um século depois). Depois de C. Brandt, ou Pêdro Antônio Cardoso, muitos outros instalaram máquinas a vapor, melhoraram as variedades da cana. Certamente o esforço técnico poderia ter sido maior, além de continuado como foi: pouco cooperativo, mas tanto privado como público. Realmente, se era difícil se reunirem em associação, vemos que os baianos não desanimavam: os Calmons, os Gonçalves Mar-tins, os Cotegipes se repetiriam. Não faltou iniciativa e arrojo. As últimas invenções eram ex- perimentadas com avidez. Muitas foram feitas lá mesmo no Recôncavo. O engenho de Manoel Jacinto de Sampaio e Meio, de tão inovador, passou a ser reputado fantasista e conhecido como o “engenho da Filosofia”. Melhorou-se extraordi-nariamente o rendimento da lavoura, com a “caiana” (de 1 para 4), economizou-se lenha com novos processos, as novas máquinas redu-ziram as necessidades de animais e de braços, que já não vinham da África, e ainda eram vendidos para o Sul. E porque os pioneiros não eram imitados? Porque o novo engenho importado pelo governo do Presidente Gonçalves Martins (antes de 1852) para venda não en-controu comprador? É que certas condições internas desanimavam, como a dos transportes no massapê, e aquela apontada por Sequeira Bulcão (o número de engenhos crescera numa média de 3 anual-mente entre 1728 e 1827). Com a lei deste ano, liberando completa-mente, a média subiu a 23, até 1834, segundo Gois Calmon. Ainda há a acrescentar a ostentação de muitos senhores. Mas, sobretudo, as condições desfavoráveis do comércio internacional vinham se acen-tuando. O sucesso desses senhores mais adiantados era relativo e não

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raro duvidoso. Se os preços do açúcar e a competição favorecida de outras fontes não permitiam, por um lado, a capitalização essen-cial aos novos empreendimentos privados e públicos; por outro, não abriam perspectivas claras de amortização dos investimentos novos. O conselho do Marquês de Abrantes (Miguel Calmon) a Cotegipe, quando este tomou posse dos engenhos, ilustra a situação: “apenas ocorre-me um cuja eficácia abono. Nada compre fiado. Ainda ou-tro - vá lentamente (quero dizer sem comprar máquinas e aparelhos dispendiosos) empregando os meios, já mais ou menos conhecidos de poupar o excesso braçal...”

A insegurança era o signo do açúcar. Honra a Cotegipe, que, dese-jando como tantos outros empreendedores, mais o gosto da experi-ência e do exemplo do que a segurança do patrimônio, se lança em instalações modernas e dispendiosas; um serviço para a indústria do açúcar de todo o Brasil, pois, dessa experiência, “começo da deca-dência da fortuna particular do seu fundador”, o Instituto Flumi-nense de Agricultura publicou um folheto de utilidade geral31.

O principal fator de tudo era o comércio internacional. O pequeno Portugal já não nos comprava com preferência, a não ser talvez o das ligações tradicionais ou de sangue entre as casas de negócio daqui e de lá.

A Espanha tinha suas colônias, que também (Cuba e Filipinas) reco-meçavam a fornecer aos Estados Unidos e agora com progresso cres-cente. A Inglaterra tinha as Indias Ocidentais e a própria Índia. A França tinha as suas Antilhas. A Holanda acabava de desenvolver o

31 Pratt International Trade in Staple Commodities. Mc. Graw – 1928. Pg. 277.

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parque açucareiro de suas Índias Orientais. É claro que esses parques, tendo mercados assegurados pelas tarifas aduaneiras, pela navegação, pelo aparelhamento comercial e financeiro das grandes potências, po-diam ainda imobilizar capitais em grandes conjuntos de produção e realizá-la numa escala tal que seria de todo impossível vencermos nós a concorrência. (A exceção foi o café, favorecido pelo desastre de Haiti, mais exigente de terreno, porque não se encontraram áreas coloniais tão propícias como as do Vale do Paraíba e a terra roxa de São Paulo). Na Europa Continental, o açúcar de beterraba, terrivelmente protegi-do, elevava a sua produção de 4% da produção mundial de açúcar no meado do século a 68% na safra 1900-1, caindo embora depois, mas continuando sempre acima dos 30%, nos períodos normais”.

Nossa posição, apenas se aliviava, em anos de excepcional procura, de safras ruins ou perturbações nas áreas concorrentes, como parece ter sido o período de lutas em Cuba pela independência. A força da produção cubana avultou depois com a “preferência cubano-ame-ricana”, a partir da última década de século – mais outro fator de consolidação da crise açucareira no Brasil. O Recôncavo não podia se salvar no mercado interno, dada a limitação deste e a localização mais favorável dos canaviais de Pernambuco e de Campos e Baixada Fluminense, além de outras circunstâncias.

Entre 1873 e 1890, a crise no Recôncavo açucareiro, que já vinha de antes, se tornou aguda. Ela inspirou, em 1888, a isenção total de impostos para o açúcar. Em meio da crise, 1879, o Presidente da Província contratou 6 “centrais”.

Outros empreendimentos se sucederam, sobretudo de 1892 em diante, com a relativa reanimação nos preços internacionais, e quiçá

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também a expansão monetária interna, com o seu efeito de capitali-zação forçada.

Assistimos, nesse período, a um esforço maior de reequipamento, com a instalação de várias “centrais”. Foi a época encabeçada por um grande empreendedor prematuramente falecido, Jayme Vilas Bôas.

Fora anos excepcionais, a lavoura da cana pôde se manter um pouco mais pela queda do câmbio, mas nem isto a salvou. Sua nova opor-tunidade foi a guerra de 1914-1918.

Fumo

Quanto ao fumo, “elemento certo, constante, e de todos os tempos, desde os coloniais32, cultura que era “uma das mais valiosas desta Província33, apesar de ter sido sempre antes do pobre que do rico, sofreu com a redução do tráfico uma queda vertical: de 767 mil ar-robas em 1815, para 64 mil em 1934 (tendo excepcionalmente no período atingido 800 mil em 1821). Cerca de metade da safra, em fumo negro, rolo, era o pagamento na África dos escravos, que, em si mesmo, era um grande negócio.

O fumo se desenvolvera, a princípio, nos “campos areuscos de Ca-choeira”, mas especialmente São Gonçalo, Inhambupe, que parece ter sofrido o maior golpe, e Brejões.

32 G. Calmon – Retrospecto.33 Miguel Calmon (memorias sobre o Tabaco – 1835).

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Perdemos, além disso, o comércio continental europeu, com a In-dependência e o péssimo tratado com Portugal. O fumo em folha tinha garantido o mercado português, através do qual ia à Espanha, a alhures. Não soubemos conservá-lo. Depois da Independência, em 1835, Miguel Calmon reclamara ainda, como oportuna, a re-negociação do Tratado, fazendo o confronto nosso com o comércio florescente entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Todos os gê-neros coloniais ficaram sem o apoio da preferência lusa, importante na escala da época, enquanto eram excluídos ou desfavorecidos no comércio de outros países, particularmente da Inglaterra, que, apesar do tratado de 1810, “não consome produto algum nosso, afora o algodão”, segundo o testemunho de Miguel Calmon34.

Os esforços que vinham de Pombal35 para enfrentar a concorrência do tabaco havanês prosseguiram. A Inglaterra preferia os fumos da Virgínia; a França, o das Antilhas. Nós estávamos com a nossa prin-cipal rota de comércio para o “fumo branco” cortada. Sofria ainda o comércio fumageiro das especulações em Gilbraltar, e ainda os reflexos da episootia entre 1829 e 1832, que devastou os rebanhos próximos e sacrificou o exterco necessário às malhadas. Acrescentava ainda Miguel Calmon, como um dos fatores secundários da crise, o “doce prurido do ganho”, e mostrava que a importância vulgarmen-te atribuida aos impostos não era considerável.

34 Idem - Segundo a cláusula XX desse Tratado baseado na “reciprocidade” e “mutual conveniência”. A Inglaterra ressalva sua proibição de importar açúcar, café e outros produtos, permitindo porém a Portugal (cl. XXII) impor direitos proibitivos sobre tais produtos das Colônias britânicas.35 Roberto Simonsen - Hist. Econômica do Brasil. p.203 e 216.

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A situação do fumo só veio a melhorar e estabilizar mais tarde, com o desenvolvimento das fábricas de rapé, de charutos e de cigarros36, que, aliás, importavam fumos: a fábrica de Areia Preta “preferia com-prar aqui as 300 a de Virginia”, diz Miguel Calmon, que apresentava um programa de aperfeiçoamento da lavoura fumícola.

As malhadas foram melhorando o produto e fornecendo mais às in-dústrias crescentes. Ao lado disso, a guerra de Secessão favoreceu nossa exportação. A expansão do consumo mundial, no final do sé-culo, foi outro fator favorável, dando margem para todos, apesar da superioridade de Virgínia, de Cuba e das Índias Orientais Holande-sas, além do próprio desenvolvimento da produção europeia na faixa mediterrânea. Uma outra guerra nos favoreceu: a da independência de Cuba. Com o desenvolvimento do comércio alemão, desprovi-do ao menos relativamente de colônias, chegamos a consolidar o mercado da Europa Central. O consumo mundial se ampliou. E as peculiaridades dos fumos baianos contribuíram para manter a pre-ferência de muitos fumantes. E assim, ampliado o consumo interno e restaurado o mercado mundial, depois de longo processo e várias peripécias, chegou o fumo no final do século a ser o nosso principal produto de exportação, atingindo em 1902 a sua maior exportação.

Mas, tal como outros produtos tropicais - a exceção única, no nosso caso, foi a do café - encontraram-se nas colônias terrenos favoráveis. A técnica e o capital dos grandes países mercantis haviam certamente de voltar-se para elas e não para os “Campos de Cachoeira”. Assim,

36 Miguel Calmon - Mem. sobre o Ta-baco. 1835.

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nas Índias Orientais Holandesas as culturas do fumo se desenvolve-ram largamente. Em Sumatra, de 50 fardos em 1864, já em 1903 produziam 255.000. Java passava de 182 em 1890 para mais de 400.000 em 191037.

Algodão

O algodão, em 1835, estava estacionário, se não regredindo, segun-do Miguel Calmon, e prosseguiu aproveitando algumas oportuni-dades ocasionais, nenhuma, porém, como a da Guerra de Secessão dos Estados Unidos, quando o algodão atraiu tudo, mas foi um mal depois38. A indústria terá favorecido, depois do meado do século e já antes, a indústria mineira, desenvolvida sob a proteção da distân-cia dos portos, a produção do algodão no sertão baiano. O Sertão de Caiteté fornecia mais a Minas que à Bahia, para cujas fábricas o algodão importado era mais acessível.

Pequeno o mercado interno, continuava o produto na dependência do externo, incerto, em geral adverso, pelas mesmas razões aponta-das ao tratarmos do fumo e do açúcar, apesar do aumento do con-sumo mundial.

No começo deste século, o algodão baiano havia declinado a ponto de não chegar a suprir as próprias fábricas no Estado. O transporte para o sertão devia ter sido o grande fator negativo.

37 Miguel Calmon - Fatos Econômicos – Rio 1913.38 Gois Calmon - Retrospecto.

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Café e cacau

Hartt observa, na fase de prosperidade do café no sul país, que, na região costeira e Recôncavo, a irregularidade das estações não o favo-recia39. O café que, em quantidade relativamente pequena, foi sendo exportado vinha a princípio quase exclusivamente da extremo sul do Estado, da Colônia alemã para cima de Caravelas, a qual teria fracassado com a abolição da escravatura40. Depois ganhou o café os municípios da orla do Recôncavo e algumas roças isoladas aqui e acolá, como as que criaram esplêndida variedade do “café da Chapa-da” (Diamantina). Mas só excepcionalmente se observou o regime de maiores plantações como as do Vale do Paraiba.

A produção foi pequena, mas das que contribuíram, pela variedade, para reduzir o desequilíbrio na economia exportadora do Estado. Essa produção, porém, chegou a avultar nas quadras dos preços al-tos, preponderando em parte entre 1893 e 1903, sendo a maior safra em 1898. Sua importância comercial foi sustentada pelos esquemas de valorização posteriores ao Convênio de Taubaté, mas isto não impediu a decadência das lavouras.

O cacau surgiu aos poucos, tomando vulto depois de 1890. E foi providencial. Abriu uma nova fase em nossa economia. As expor-tações sofriam uma crise cada vez maior. A exportação do cacau só em 1838 - 39 superou 1.000 sacas (1.322). No período inicial parecem ter tido influência considerável os alemães da fracassada

39 Har t t, op. cit. 273 - Zehntner. citando J. R. Souza. refere colonos espanhóis que abandonaram o café pelo cacau. pg.35.40 Informação que o A. ouviu de Braz do Amaral. A colônia efetivamente adquirira a feição de uma “plantation” tropical com escravatura (ver Handelmann - História do Brasil. 475 e 646).

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colônia estabelecida no Rio Almada, por ocasião da independência, bem como espanhóis fixados no rio Cachoeira, ao lado do elemento nacional. Garimpeiros das “Lavras” precisavam de emprego. A po-pulação crescente do Recôncavo e municípios vizinhos encontrou uma esperança. A zona cacaueira, sobretudo Ilhéus e Itabuna, mas também desde a Barra do Rio de Contas até Belmonte, atrai os mais enérgicos aventureiros disponíveis, inclusive de Sergipe.

Em 1893, se registrou uma exportação superior a 100.000 sacos. Em 1911, superou 500.000 sacas. A Bahia sucedeu ao Equador em 1905 como maior produtor mundial, competindo com S. Tomé. Para o fim do século em diante, as tradicionais plantações do Pará se haviam desorganizado até o quase aniquilamento pelas cheias e pela atração da borracha. Mas as plantações coloniais africanas concorrentes co-meçaram a se preparar. Não obstante exportar cerca de 1.000.000 de sacas em 1920, a participação no comércio mundial diminuía.

Na região que se abria, depois de três séculos de inospitalidade da floresta e do indígena, as condições ecológicas eram excelentemente propícias ao cacaueiro, mas o custo e a dificuldade dos transportes, difíceis pelo terreno, salvo o aproveitamento de alguns trechos flu-viais, como o Jequitinhonha, e descuidados pelo caráter sinecurista dos orçamentos públicos, retiravam grande parte do que a terra ofe-recia aos pioneiros e estimulavam os intermediários.

Não faltaram tentativas de racionalização da cultura e do tratamento da amêndoa do cacau, muitos fazendeiros procuraram inovar, adap-tar processos usados em outras circunstâncias, inventar melhores sis-temas de barcaças, tabuleiros e até estufas41. Muito precária, ou ao

41 L. Zehntner - Le cacaoyer dans I’Etat de Bahia - Berlin, 1914.

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menos lenta, é a experimentação individual e isolada, que frequen-temente leva ao desânimo e ao descrédito, pela perda de dinheiro.

Este fato deve explicar, ao menos em parte, a resistência do nosso lavrador comum às inovações. É que faltou a experimentação pelas estações oficiais e um trabalho de informação e de assistência técni-ca, além do crédito e estímulos para essas instalações.

O transporte, as condições gerais de negócio e a ignorância de gran-de parte dos plantadores, o número destes, impediam um melhor tratamento do cacau. A qualidade sempre foi baixa na grande massa das exportações. Cerca de 3/4 não atingiam o tipo “superior”. A pa-dronização era difícil, quase inexistente, apesar da manipulação dos depósitos de exportação. Não parece, porém, que a fraude tenha sido um fator importante, como em outros produtos.

Entrementes, a procura mundial crescia. A Bahia foi vencida pela Costa do Ouro, depois de 1910. Este fato, porém, e a própria insta-bilidade dos preços não anularam a vantagem do cacau relativamen-te a outras culturas, e a produção baiana foi também crescendo. Em 1935, estava duplicada a cifra de 1920. Mas, nessa época, a Costa do Ouro já atingia mais do duplo da produção brasileira.

Destaquemos, como traços característicos dessa história atual, que é outro episódio admirável de desbravamento, em que o comércio e o homem do povo não foram assistidos de orientação e facilidades: as flutuações de preços e mercados que, associados à falta de transpor-tes, de comunicações, de crédito e à impossibilidade de armazena-mento, permitiam o fácil controle pelos importadores estrangeiros e o melhor proveito dos grandes intermediários e únicos financiadores

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e informantes; a imprevidência e megalomania de grande parte dos lavradores nas épocas boas: o completo abandono das produções de abastecimento em razão do próprio sistema, o que poderia ter sido suprido em parte por uma política corretiva; e, afinal, o fato de que, numa zona despreparada, em vez de promover o Estado as inver-sões públicas necessárias a utilizar toda a produtividade potencial da zona, ele lançou mão avidamente das receitas do cacau para cobrir as aperturas crônicas de um orçamento sobrecarregado com um grande território carente de pequenos e estéreis auxílios e, sobretudo, com a necessidade de dar empregos públicos a desempregados de todas as categorias. Foi o Estado um fator de descapitalização e, até hoje, a zona do Sul, que é o novo núcleo econômico do Estado, não superou certas precariedades iniciais, nem mesmo a melhor integração com o Sudoeste e o Recôncavo.

Minerais

Na exportação, um fato novo foi de grande importância: a redesco-berta do diamante. Diamantes haviam sido achados na Bahia, no pe-ríodo colonial. Há referência, por exemplo, às minas de Jacobina, em 1755, mas foram todas interditadas. “Delas se perdera a memória, até que em 1822, Spix e Martins tornaram a achar as jazidas de Sin-corá. Em curto prazo, toda a Chapada Diamantina revelou suas pro-digiosas riquezas em gemas; novos “placers” foram encontrados”42.

42 R. Simonsen - H. Econômica do Brasil - II pg. 83 Ver também Calógeras – Formação Histórica do Brasil.

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Foi, em 1842, que a Lavras Diamantinas se revelaram. E a explo-ração ali foi mais importante do que as cifras revelariam, porque grande parte se exportava de contrabando43.

A lei de 6-9-1852, facilitando o regime de exploração mineira, e a de 26-9-1867, revogando a proibição aos estrangeiros, parecem ter estimulado a mineração.

A prosperidade das lavras e esse grande esteio para a Bahia só fo-ram abalados, mas então seriamente, com a descoberta das grandes minas da África do Sul, a partir de 1867. Depois deste fato, ainda continuou, porém mais modesto e muito incerto, o comércio de diamantes, aliás até hoje. Os carbonados vieram aliviar a situação. Encontravam-se com os diamantes, mas não tinham valor. A partir de 1870, começaram a ser comprados por preço modesto para corte de diamantes, polimentos, etc. Depois, sua aplicação industrial avul-tou, sobretudo a partir da perfuração do Túnel de São Gotardo e por ocasião da abertura dos canais de Suez e do Panamá. Tornou-se en-tão um negócio altamente lucrativo, de que a Bahia era praticamente o único detentor, pois a contribuição de Bornéo foi muito pequena. Os carbonados começaram a rarear e a queda de produção, por volta de 1900, era sensível, enquanto a procura mundial crescia. O preço entre 1895 e 1908, embora variando desde 25 dólares, chegou à al-tura de 85 dólares o quilate. Esses preços de monopólio perduraram com a primeira guerra, mas pouco se encontrava para exportar e, logo depois, os carbonados quase desapareciam das cotações, substi-tuídos no seu emprego por produtos industriais.

43 Fato acentuado por G Calmon analisando o balanço comercial da Bahia in “Retrospecto”, bem como Hartt , 337. Diz este “Tanto quanto posso asseverar a produção anual de diamantes da Província não pode ter sido inferior a três milhões de dólares” (6.000.000$) A exportação segundo os dados oficiais, foi, no exercício 62-63, de 1.647 contos e no 64-65, de 1.381 contos.

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Seu grande acontecimento foi o achado em Brejo da Lama, em 1895, vendido nas lavras por 114 contos; na Bahia, por 121 contos e nos Estados Unidos, por 32.000 dólares44.

Calculavam-se os embarques anuais de carbonados da Bahia, na en-trada deste século, entre 4 e 5 miIhões de dólares, enquanto toda a exportação de diamantes do Brasil em 1906 teria sido de 5 milhões.

Fora dos diamantes, a contribuição das demais minas foi muito se-cundária; o ouro sempre pingou alguma coisa. Outras muitas e va-riadas jazidas, distantes e mal conhecidas (ainda hoje), eram riquezas em potencial. Os depósitos de turfa de Maraú, “que têm atraído tan-ta atenção”, determinaram a organização de uma companhia inglesa, depois de animadoras análises nos Estados Unidos e Europa e de cuja constituição Hartt já dá a notícia45. Vemos depois que essa Compa-nhia Internacional de Maraú produzia no fim do século, ao lado de velas em larga escala, o “petróleo” (querosene) de marca “Brazolino”. Sua história, se está feita, não conheço, e seria quiçá uma das mais interessantes monografias para a história econômica da Bahia. Em que medida fatores internacionais resolveram a sua sorte?

A tradição local, segundo dois depoimentos autorizados que ouvi, é de que o fracasso da refinaria se deveu a um desentendimento do gerente inglês John Grant, denominado no local como João Branco, com os operários, do que resultou um ambiente de terror e o aban-dono da empresa tropical, apesar de ser ela remunerativa.

44 Artigo da Revista Internacional das Repúblicas Americanas. tr . e outros informes “Boletim da Agricultura”, Bahia jan -março 1909 - pg. 123.45 Hartt. op. cit. 292. em nota posterior ao texto.

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Antes, porém, teriam os ingleses verificado que as retortas instaladas segundo um modelo desenvolvido para as tufas duras e pobres da Escócia, eram inadequadas para a marauita, pois só retiravam cerca de 5% de um minério com teor acima de 30%. A companhia desti-lou então, longo tempo, óleo cru importado. Foi assim, de qualquer maneira, a primeira destilaria de óleo no país.

Liquidada a Companhia Internacional, depois do incidente, ficou o seu acervo com a Companhia Extrativa Mineral Brasileira, fundada em 1891 e que passou ao controle do Com. Augusto Ferreira, um grande empreendedor baiano que teve grande influência de Mauá.

Anos depois, o Com. Ferreira procurou associar novos capitais na Europa, tendo seu intento frustrado com a I Guerra. Retomou-o logo depois do Armistício, trazendo um especialista americano e tentando voltar a produzir, mas o rendimento das máquinas não o permitiu. Encarregou a uma firma de Hamburgo o estudo de novas instalações. A morte, porém, o levou e, desde então, sucessivas difi-culdades impediram aos herdeiros e ao próprio Governo do Estado de reviver o empreendimento46.

Ainda hoje, porém, avultam no cenário, devolvidas à condição pri-mitiva, ruínas impressionantes desse empreendimento.

No começo do século atual, surgiu uma fase, a das areias monazíti-cas, as quais, já antes da guerra de 1914, exportavam das praias do sul do Estado uma quantidade pequena registrada nas estatísticas,

46 Agradeço ao Prof Manoel J Ferreira. Ilustre sanitarista e filho do Com. Ferreira o acesso que me permitiu a uma interessante documentação a respeito.

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mas a tradição oral referia longas quantidades carregadas como lastro pelos navios, sobretudo alemães, nas praias desertas.

Já perto, na guerra de 1914, houve um surto de manganês (Santo Antônio e Jacobina), para não entrar nos mais recentes aconteci-mentos no setor da mineração.

Certo é que não faltaram ideias e iniciativas, desde a de Agostinho Gomes nos primeiros anos do século.

No meado, Antônio de Lacerda, figura que ainda não conquistou o relevo a que faz jus em nossa história, é uma expressão de ciência e de empreendimento, voltada para os recursos da Bahia. Ele é o homem a quem os cientistas estrangeiros se dirigem e que a eles fornece uma série de revelações sobre a geologia baiana. É o homem também dos maiores empreendimentos industriais da época. Não visando fruir, mas produzir, suas sucessivas empresas não serviram a ele nem aos seus.

Outras catas

Coincidiu com o surto do cacau um outro, menos considerável embo-ra, e que favoreceu outras zonas nos últimos anos do século passado e primeiros deste: o da borracha. O sertão possuía maniçobeiras e man-gabeiras, das quais também se extraía precioso leite que, embora infe-rior ao da seringueira da Amazônia, ainda obtinha preços fabulosos.

A principal espécie explorada na Bahia era a chamada maniçoba de Jequié, existente no Sul do Estado, cujo produto era o primeiro cotado em Londres depois da borracha de seringueira. O quilo do

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produto seco rendia para o produtor cerca de cinco cruzeiros em 1909. Um homem cortava por dia até 300 árvores, com rendimento médio de 100 a 200 gramas por árvore, o que dava um pouco menos da quarta parte em produto seco47. A produção diária de um traba-lhador chegava a 10 K, para mais, ou seja, era superior a 50 cruzeiros daquela época no ano melhor. Desde 1890, porém, os preços foram muito favoráveis, declinando depois de 1910.

As condições do trabalho nos maniçobais baianos eram mais favorá-veis do que as da Amazônia. O número de árvores cortadas, quando havia densidade, o terreno, a coagulação ao ar livre e o custo da vida eram mais baixos. Apesar do preço menor (8 s. para a maniçoba; 9, para a hévea no final de 1908), sua extração era talvez mais rentosa que a da seringueira. Mas sua frequência era pequena.

Apesar de certo esforço de cultivo48, a Bahia não podia contribuir com muito para o mercado. A fraude imperou nesse comércio49, como aconteceu também na Amazônia. Mas não foi este o fator do fracasso, e sim a competição da hévea do Oriente. Os preços caíram e, com a abundância do produto melhor, a crise para a maniçoba veio antes do que para a seringueira.

Muitos outros produtos extrativos - como sal, araroba, azeite de ba-leia, peles de cabra (além das de boi), carnaúba, ipeca, tucum, pia-çava - figuravam sempre numa grande variedade e numa frequência irregular nas exportações baianas.

47 G Dutra - Maniçobeiras de Jiquié - in “Boletim de Agricultura” Bahia - Vol XIV out-dez. 1909 pg 170.48 L. Zehntner - op. ci t.49 B. Amaral - Hist. da Bahia.

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Abastecimento

Retomando o quadro que bosquejamos para o período inicial, a si-tuação do abastecimento terá melhorado no final do século. Mas continuava sujeita às irregularidades crônicas.

Os rebanhos se desenvolveram na Bahia desde o início do século. As regiões pecuárias continuaram a expandir-se, apesar das secas, pra-gas, salvo talvez a do São Francisco, durante o período considerado.

A Bahia se autoabastecia e exportava gado pelas divisas Norte, embo-ra o importasse para engorda do Norte de Minas. É provável que seu balanço de carne fosse favorável, apesar de continuar durante todo o período a importação de charque do Rio Grande.

Para alimentação, se desenvolvera também um rebanho ovino nu-meroso (o segundo do Brasil), conquanto de pequeno porte. Era o gado do pobre, como a cabra. Esta chegou a proliferar, como uma providência, nos sertões agrestes, constituindo o primeiro rebanho do Brasil. Sua influência na alimentação popular foi e é sensivel, não obstante os rebanhos caprinos serem de baixa característica para carne e para leite. Ofereceram eles, ainda, um produto reputado de exportação, graças à secura do ar do Nordeste - as suas peles, notada-mente a variedade denominada “Uauá”.

A exportação de couros e peles, um esteio da economia regional, constituiu um subproduto regular dos rebanhos.

A pesca foi outro grande recurso. Para a rala população da costa e da boca dos rios, ela foi abundante. No Rio São Francisco também não faltava pescado.

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A pesca da baleia foi uma importante indústria, e ela não fornecia apenas óleo. Pescava-se, ainda no começo deste século, de 350 a 450 baleias por ano. A pesca da garopa chegou a ser florescente em Porto Seguro. Na costa, a impressão dos viajantes era de vida fácil. Ainda hoje o é em lugares mais saudáveis e com pouca gente.

Mas é fora de dúvida que eram empregados tradicionalmente mé-todos distribuidores. E não se desenvolvia, se não muito limitada-mente (caso do surubim, no S. Francisco, e o do camarão seco, no Recôncavo), a prática da conserva. Importavam-se então grandes quantidades de bacalhau português, que também atendiam a hábitos culinários tradicionais.

A crise dos produtos de exportação e o aumento das populações te-riam levado ao desenvolvimento das economias fechadas de auto-abastecimento, fomentada pela cultura de quintais e chácaras. Há também uma razão ecológica. Culturas que se adequavam fàcilmente à região costeira, úmida e florestal, não encontravam escoamento no comércio: jaqueira, fruta-pão, e outras fruteiras, inclusive a laranja e a banana, que hoje são comerciáveis. O café, com a irregularidade das estações, não progredia muito. O cacau veio depois. O resultado é que as condições locais, favorecidas ainda pela pesca, fomentavam a pequena economia fechada.

Quase toda a alimentação consumida não passava pelo mercado e, quando aparecia nas feiras municipais, se cotava a preços muitos mais baixos do que os vigorantes nos centros maiores.

As matas são um fator de suficiência local, salvo em algumas zonas. O comércio das madeiras, florescente em outras épocas, sobretudo

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do “brasil”, se reduzira. Mas as matas forneciam lenha, carvão, mate-rial para casa e todos os utensílios para as construções navais.

Essa variedade de produção tornava relativamente fácil a vida no Recôncavo e litoral, bem como no sertão menos assolado pelas secas.

A variedade de recursos de abastecimento, num sistema de econo-mias fechadas e de serviços domésticos, perturba até hoje as com-parações de padrões de vida, particularmente de alimentação; bem como falseia a comparação da renda social.

Entretanto, continuava o abastecimento a sofrer a precariedade e irregularidade de certos fatores, principalmente dos seguintes: - os grandes preços dos produtos de exportação, que desviavam traba-lhadores e fazendeiros das culturas de abastecimento; - as secas nos Estados do Nordeste, que provocavam intensa procura por farinha e outros gêneros na Bahia e resultavam em carestia; - as secas e as epidemias no próprio Estado (a febre amarela, a varíola, e o cólera, que devastou no meado do século, além do paludismo), diminuindo a produção; - as deficiências de transportes de armazenagem e de crédito, impossibilitando estoques e fomentando a especulação dos intermediários; - o baixo padrão social e político da agricultura de abastecimento, subordinada ao prestígio dos senhores de engenho e das populações consumidoras urbanas, que forçavam medidas arbi-trárias ou imediatistas em prejuizo dos pequenos agricultores. Talvez dos únicos atos que revelem uma reação seja um que, apoiado ou inspirado na campanha abolicionista, dá preferência à produção de trabalhadores livres, na segunda metade do Século50.

50 Miguel Calmon. “Memória sobre o Tabaco” 1835 e “Discurso” 1836.

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O normal, porém, é a sucessão de gritas dos consumidores e de gritas dos produtores, enquanto nas zonas mais prósperas, como se tor-nou o caso típico da cacaueira, os trabalhadores ganham mais, mas passam relativamente pior, embora sejam mais capazes de importar confortos convencionais e superfluidades.

Do lado do interior, que fornecia farinha e outros gêneros, do menos protegido e que pagava mais caro as importações, a queixa era per-manente e nunca poupava o governo:

Governo novo tá na Bahia. Matando o povo na mercadoria51

No final do século, o dramático episódio de Canudos desorganizou a produção do Nordeste, agravando quiçá o seu empobrecimento. Mas as tropas e os fornecimentos militares espalharam muito di-nheiro, em proveito ao que parece do comércio da capital e outras cidades. Resultou a carestia e mais uma vez a farinha ficou pela “hora da morte”. Foi esse também um dos fatores ocasionais de crise de abastecimentos.

51 Uma das trovas cantadas tradicionalmente na roda das casas de farinha do Recôncavo e colhida pelo Autor.

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Obras públicas

As grandes obras ou serviços públicos requeridos para o desenvolvi-mento da Bahia encontravam frequentes iniciativas, mas arrojadas e temerárias, face ao vulto dos capitais locais, Também as tendên-cias econômicas, e quiçá as más administrações (pois melhores de-viam ser em face daquelas condições gerais menos animadoras), sem embargo de figuras excepcionais como Gonçalves Martins e J. M. Wanderlei, não atraíam o capital forasteiro, como o Sul, lá pelo fim do século. É enorme e admirável, porém, a lista de projetos e de realizações, em que avultaram: as obras do porto na quadra de 1830-40; a Estrada de Ferro visando o São Francisco (1858 em diante); novo aterro em 1867; companhia de carris, 1869; a estrada de ferro (Central da Bahia), que deveria alcançar Santa Isabel do Paraguassú e a ponte sobre o Rio Paraguassú (1884); Estrada de Ferro Nazaré, concedida em 1870; o novo projeto de docas, objeto de uma com-panhia fundada em Londres por Mauá, a qual se dissolveu em face de “moras e complicações da administração” (1870); as companhias sucessivas de navegação no Recôncavo e litoral ao longo do século; o Serviço de Navegação do São Francisco; a Cia, de Gás, autorizada em 1861; os planos inclinados e os elevadores; a estrada de ferro de Santo Amaro, mais tarde a de Ilhéus-Conquista; afinal; as vultosas obras do porto da Bahia, a partir de 1911. Os faróis da Bahia, Mor-ro de São Paulo e Abrolhos, ao lado de melhoramentos nos portos, caminhos no Interior e linhas telegráficas, foram trabalhos do século passado, não continuados quiçá, na mesma progressão, neste século. Muitas dessas obras pioneiras se fizeram concluindo a redução dos indígenas nos sertões da Ressaca e da Conquista, onde, ainda no

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começo deste século, se subjugavam e extinguiam aldeiamentos sel-vagens. Essas realizações materiais contribuíram consideravelmente para dominar a paisagem difícil do Estado, abrindo caminho para realizações presentes, e, se mais não puderam alcançar, não se deve tanto às más administrações, mas sobretudo às condições econômi-cas gerais da Província e Estado, que não asseguravam a amortização dos capitais requeridos.

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Indústria52

Além da do açúcar, vemos o florescimento das de produtos do fumo, estas urbanas (Capital e Cachoeira a principio). Em 1835, falava- se na “indústria nascente de fazer charutos”, antes importados da Ha-vana, Nova York e Gibraltar. Mas a de rapé já era ampla e a Bahia tinha monopólio. Contava a Bahia três fábricas, e já no ano seguinte referia o mesmo informante mais uma.

Um suiço teria aperfeiçoado a técnica indígena53. A fábrica de ci-garros Leite & Alves, filial do Rio, foi estabelecida em 1856, e a de charutos Danemann, em 1873, mas antes havia pequenos fabricos54.

Na indústria de tecer, Calmon (1836) se refere a uma, “a braço”, no Cabeça. A importação, só de tecidos de algodão, em 1835, era de 3.984 contos: 47% da importação baiana, em que todos os tecidos participavam, com 65% de Pernambuco, que já tinha uma fábrica “em grande escala”.

Depois se foram instalando outras na Bahia, para panos grossos, as quais cresceram em número e certamente em qualidade de artigos, depois da revogação do Tratado Inglês em 1810, pela clarividente ação do Ministro Alves Branco, que era um baiano, em 1844. Uma dessas fábricas, a de Valença, ficou conhecida, no meado do século,

52 Estas as informações a seguir sobre indústrias são retiradas de Gois Calmon, “retrospecto”. Péricles Madureira de Pinho “Luiz Tarquínio”, Bahia, 1944. Além de M. Calmon. “Discurso”... 1836.53 Kidder. op. ci t . pg 497.54 Op. cit. - A fábrica era do mesmo Dr. Bernardino. fundador da de tecidos.

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como “a melhor em todo o Império e talvez Sul América”55. Terá sido sucedida, na importância do empreendimento, pela Fábrica Luís Tarquinio, na Boa Viagem, de que trataremos adiante.

Até 1890, há notícia de mais nove fábricas instaladas na Bahia. Mas as condições locais não poderiam, por um lado, ser muito favoráveis, dada a crise na maior parte da década de 70 e quase toda a de 80.

Em 1890 e 1891, criam-se cinco companhias do ramo textil: a União Fabril, consórcio de cinco fábricas existentes, uma de capitais baianos, estabelecida em Sergipe, Estância; outra - a poderosa Companhia Pro-gresso Industrial da Bahia -, com 10.000 contos de capital, é a mais notável de todas; a empresa de Luís Tarquinio: a Companhia Empó-rio Industrial do Norte. Esta empresa construiu o conjunto fabril que terá sido o mais moderno naquele momento, e a experiência social mais avançada da época. Luís Tarquínio, tendo o apoio de um outro homem esclarecido, Leopoldo José da Silva, ambos enriquecidos no comércio, começou ele realizando uma larga obra de saneamento; planejou sua fábrica, rejeitando as comuns ofertas de fábricas com-pletas e escolhendo a melhor em cada centro ou de cada experiência; bem como, ao mesmo tempo, projetou a vila operária, que já teria sido inaugurada (naturalmente a primeira parte) em 1892, na qual, utilizando as sugestões de ideias e experiência socialistas do Seco XIX, institui realmente um sistema original de valorização do trabalhador e de estímulo à eficiência. É uma experiência realmente admirável, espantosa. (O livro de Péricles Madureira de Pinho deve ter maior divulgação, inclusive em versões para a infância e a juventude)56.

55 Gois Calmon - “Retrospecto” de que são geralmente os informes a seguir.56 Madureira de Pinho “Luiz Tarquínio” - pg. 36.

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Em outros ramos, encontramos em Miguel Calmon (1836) referên-cia a fabricos de cerveja, de vinagre e de livros em branco, além de ferrarias, cujos produtos, mais caros naturalmente que os ingleses, eram, porém, como os portugueses, preferidos a eles57. As telhas e louças de Nazaré e Aratuipe já tinham fabrico regular e reputado de há longo tempo.

Kidder fala numa boa serraria de Valença, que faria materiais mais elaborados58.

Em 1841, uma “Companhia para introdução e fundação de fábri-cas úteis” não vingou, pois “faltava o indispensável aparelhamen-to bancário”59. No mesmo ano, com um privilégio provincial, em 1843, houve uma iniciativa de fábrica de papel. Teve que vender os maquinismos pouco depois.

Em 1869, Aristides Novis & Cia. obtém um outro privilégio para uma fábrica de papel.

57 Quanto aos números, G Calmon - “Retrospectos”; deve-se, porém, advertir sobre a variação do conceito Fábrica. A política do Ministro Ruy Barbosa. que sempre encontrou mais o desfavor que o aplauso. Mesmo entre ruistas, precisa ser melhor examinada. Raros historiadores. como Caio Prado Jr. e Roberto Simonsen. reconheceram o seu alcance. Recentemente. o sr. Humberto Bastos. “A Econo-mia Brasileira e o Mundo Moderno”, pg. 167. teve o mérito de pô- la em foco. Em uma monografia especial que já anuncia estar em provas promete desenvolver a tese de que “Ruy Barbosa foi o Ministro da Independência econômica do Brasil”.58 Dados do Ministério da Fazenda apud “Annuaire du Brésil Économique” 1913 p.234. O total brasileiro desses grandes era de 3.664 enquanto o total geral dos estabelecimentos industriais que pa-gavam o imposto de consumo era de 11.335. O inquérito promovido pelo Centro Industrial do Brasil em 1907 parece ter falhado inteiramente na coleta. A. cifras desse inquérito só aparecem melhores quanto ao D. Federal.59 Ver Góis Calmon e Madureira de Pinho.

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Em 1860, inaugurou-se a fábrica de chapéus Bastos & Cia., com 250 operários60.

Em 1891, cria-se outra empresa de chapéus com 1.500 contos. Em 1872, havia quatro fundições destacáveis. Em 1877, privilégio da Companhia Salinas de Margarida. Em 1861, houve uma Exposi-ção em que os produtos industriais baianos figuravam. Entre 1890 e 1891, fundam-se, para outros ramos, afora os referidos, uma sé-rie enorme de empresas, para serraria e mobiliário, biscoitos, álcool, carruagens, etc. Nessa fase, chamada do “encilhamento”, ainda mal estudada no Brasil, as empresas estabelecidas na Bahia apresenta-ram um coeficiente de solidez relativamente elevado. Foi uma época construtiva, em suma. Depois, contavam- se no Estado 123 fábricas. Certo é que a expansão monetária foi a excessos desastrosos, mas atendia inicialmente a necessidades do país, que, por um lado, saía do trabalho escravo para o regime das “folhas de pagamentos”, que requeria mais numerário em circulação; por outro, precisava abrir novos meios de vida para substituir a crise das lavouras e das exporta-ções. Ruy Barbosa teve o mérito de bem compreendê-lo, superando os preconceitos de raiz colonial: sua política monetária e aduaneira partia dessa consciência. Pena é que, na sua curta e agitada gestão, não tivesse levado a cabo sua experiência, bem como que a inflação tivesse sido deixada a excessos que ele procurava prevenir61.

60 Roberto Simonsen, “Evolução Industrial do Brasil’: abre o caminho, mas não chegou a fazer o 3° volume de su.!’ “História”.61 Miguel Calmon: “Discursos” – 1836. Desconhece-se geralmente no Brasil a tarifa cobrada pela Inglaterra para a maioria dos nossos produtos, as limitações de navegação e a proteção inglesa para os seus produtos. Os tecidos por exemplo. Ricardo, consolidador da economia política clássica, foi no Parlamento um “oportuno” protecionista.

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Em 1912, os estabelecimentos industriais reputados “grandes” (uni-camente, ao que parece, os sujeitos ao imposto de consumo) eram 83 na Bahia (12° no Brasil), mas com um capital de cerca de 28.000 contos (7° lugar), uma produção de 25.000 contos (8° lugar), e 10.009 operários (8° lugar)62.

A indústria baiana também se aproveitou da 1a Guerra Mundial, mas numa escala menor, pelo estado de desânimo em que estava anteriormente. A porcentagem da Bahia, no total da indústria nacio-nal, apurada no Censo de 1920, em capital aplicado (3,5%), força motriz (4,0%), operários (5,7%) e produção (2,8%) caiu no Censo de 1940 para respectivamente 1,9%; 2,3%; 3%; e 1,3%.

O desenvolvimento da indústria no Sul não encontrava paralelo na Bahia. As razões principais parece-nos terem sido: ritmo fraco de capitalização, decadência política da Bahia na República, efeito e novamente causa, dificuldades de transportes e carência de energia. Para vencê-las, não se encontravam recursos na economia colonial baiana. Elas terão sido também causa de outra carência, a quase nula imigração. Todas estas causas estão intimamente relacionadas entre si e ainda com outro fator, que é frequentemente personalizado nas figuras de Pedroso de Albuquerque e Pereira Marinho, bem como de outros ricos comerciantes, salvo talvez Aristides Novis, antes e depois deles: os quais, sendo os financiadores e acumulando capital em só-lidos estoques e em seguras operações, acostumados aos azares dos negócios na Bahia, eram os arrematantes de lavradores e industriais nas crises intermitentes, os grandes compradores por “10 réis de mel cuado“, nos frequentes momentos de apertura. Deles recebiam

62 Gois Calmon “Retrospecto”. Na integra Braz do Amaral - Hist. da Bahia.

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terras, os engenhos e as ações das fábricas63. O interesse deles nos em-preendimentos de produção era secundário, quando não fosse nulo. Não tinham tirocínio industrial. O espírito de iniciativa e indústria, tão vivo e tenaz na história ainda recente da Bahia, havia de desenco-rajar-se e evadir-se em grande parte. E, com isto, a natural perda da experiência industrial; enquanto a indústria evoluía noutras partes.

A história industrial da Bahia e mesmo do Brasil, porém, está por fazer-se.

Infelizmente não encontramos mais amplas fontes de documentação sobre as pequenas indústrias, naturalmente variadas, que deveriam existir na Bahia no começo do século XIX, e como elas foram afeta-das pelas alterações econômicas do novo século, particularmente o Tratado de 1810 com a Inglaterra (tarifa aduaneira básica de 15%, que vigorou até 1844). As observações referentes a outras partes do Brasil não deixarão de ser válidas para a Bahia.

Mas a influência é evidente. E a referência de M. Calmon à concor-rência das enxadas britânicas às baianas, que eram preferidas, embo-ra mais caras, como não podia deixar de ser, esclarece o problema. Nessa quadra e até recentemente, a tarifa aduaneira dos Estados Uni-dos impedia a concorrência de similares ingleses muito mais baratos.

Parece-nos claro que não pode deixar de ter desencorajado, quando não impossibilitado, o desenvolvimento do artesanato e da indústria na Bahia, a política livre-cambista imposta pela Inglaterra e favoreci-da pelas ideias acadêmicas e pela falta de informação sobre os fatos,

63 O Brasil e as colônias portuguesas. 5a. edição, p.174.

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na época. Miguel Calmon, senhor de engenho de visão geral, porém, reclama: “Alguma proteção de mais às fábricas, que a despeito de tantos inconvenientes, estão sendo fundadas, entra igualmente na classe dos meios favoráveis ao nosso intento. A indústria nascente carece dessa proteção: os povos mais cultos deram antigamente, e ainda hoje oferecem exemplos do que vos digo. Não apliquemos os princípios da liberdade do Comércio, até o ponto extremo de estor-var, que se avigore a nova Indústria Nacional”64. Era uma manifesta-ção de quem contrariava fortes preconceitos da época.

Só revolucionários, como os “federalistas” do Forte do Mar, (1833), depois de condenar a permissão de estrangeiros no comércio a re-talho, avançavam: “e também devem sofrer grandes direitos todas as obras feitas importadas para esta Província, a fim de em nada prejudicar as fábricas e oficinas de marcineiros, alfaiates, sapateiros e a todos que tiverem estabelecido qualquer ramo de indústria na Província, mesmo sendo estrangeiro”65.

Embora a tarifa de 1810, cobrada sobre pautas de valores, tivesse sido às vezes de incidência realmente maior, quando ocorreu baixa de preços, a regra parece ter sido o inverso, segundo Palmela, citado por Oliveira Lima: dos direitos não se percebia senão “metade ou menos” em consequência da fraude nas avaliações; o pior da tarifa, segundo um documento francês, era o sistema “odioso, vexatório”, o qual obviamente dificultava também as importações essenciais, como de resto ainda hoje, e assim não tinha efeito protetor.

64 Boletim Estatístico – Exposição. 1908, p.167.65 Dados do Ministério da Fazenda 1913.

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Oliveira Lima aponta o efeito ruinoso do Tratado sobre as incipien-tes manufaturas nacionais, citando o lúcido Hipólito da Costa e seu “Correio Brasiliense”. Deve-se ainda prestar atenção ao efeito desse ato sobre a imigração: suas possibilidades seriam limitadas face à concorrência dos produtos importados. O mesmo O. Lima, con-quanto não a propósito do Tratado, cita Tollenare sobre as poucas profissões (serviços locais por sua natureza), únicas para as quais ha-via oportunidade para estrangeiros.

No final do século, Oliveira Martins, estudando a experiência bra-sileira, acentua o “caráter colonial” de nossa economia, fazendo pa-ralelo com os Estados Unidos. Diz ele: “Abandonando pelo plantio d’esse arbusto enriquecedor (o café) a cultura e o fabrico dos gêneros essenciais à vida interna de uma nação, prostrai a sua vida colonial, adia para mais tarde a sua definitiva constituição econômica. As teo-rias da livre-troca, olhando apenas para o lucro imediato, esquecem as necessidades futuras66.

66 P. Madureira de Pinho, - Luiz Tarquínio, pg. 23.

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Comércio, finanças e condições gerais

O comércio da Bahia avultou com o desenvolvimento da navegação a vapor e a abertura dos portos. Já em 1824 contavam-se 19 trapi-ches, situação talvez só igualada pelo Rio, então porto do café. Os negociantes estrangeiros afluíram em grande número frequentemen-te como agentes de grandes casas, sobretudo inglesas, mas também francesas e alemãs, e trazendo crédito. De sua influência, sem falar nos portugueses (não creio que da falta de comerciantes brasileiros), parece ser uma expressão os 4 nomes anglo-saxões numa comissão de 6, nomeada pelo governo da Sabinada para gerir os armazéns tomados aos “marotos”.

Já vimos a posição do comércio no crédito e no controle da lavoura e de indústria.

Não se pode, entretanto, desprezar o papel que ele teve com os lon-gos adiantamentos que fazia ao Interior até há bem pouco tempo. Ele era o batedor dos caminhos e o correio das notícias e das ideias: (A história do caixeiro-viajante ainda está por ser escrita, e não tem pouco de romântica, ao lado de sua grande importância econômica e cultural). Pela falta de crédito e pelas outras condições internas e externas de nossa economia, o comércio, se em parte financiava fregueses, mesmo na crise, e os aliviava do pior, em parte se locuple-tava dos paradeiros e das aperturas. É certo também que muitas das queixas sobre ele vinham dos devedores imprevidentes e pródigos. Todavia, as fortunas foram feitas pelo comércio.

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Contudo, apesar de terem estas atingido em alguns casos um vul-to considerável, o comércio baiano, acompanhando as condições da economia geral da Província e depois do Estado, foi decaindo de sua importância relativa, sem embargo de seus capitais ainda se-rem consideráveis no começo deste século. Supomos que as grandes aplicações baianas em apólices, que ficaram famosas, provinham de reservas do comércio.

Uma estimativa oficial da circulação monetária em 1907 atribui à Bahia 96 mil contos, num total brasileiro de 743 mil, tendo apenas na frente Minas e São Paulo (103 mil). É provável que a velocidade de circulação em São Paulo já fosse bem maior, exigindo relativamente menor massa de moeda, mas a cifra da Bahia é expressiva do capital existente em reservas de gavetas e pés de meia (Pernambuco 53 mil)67.

Gois Calmon apresenta uma lista dos bancos, dos quais, pela sobre-vivência, destacamos o Banco Econômico e o Banco da Bahia. Mas houve numerosos outros de grande projeção em suas épocas. A vida bancária na Bahia teria que sofrer dos excessos e desorientações, nos dois sentidos, da política financeira do poder central, sob a pressão de uma economia débil e flutuante, sofrendo as crises internas de cres-cimento e, ainda mais, pela sua situação reflexa, as crises oriundas de fora; política crescentemente formulada sem atenção aos interesses da Província e do Estado, que ia cedendo terreno na economia e na força política.

Também é de destacar, entre as grandes casas estabelecidas na Bahia, e que existem hoje (1949), a Cia. Aliança, Morais & Cia., e, depois

67 G. Calmon - Retrospecto, pg. 394, do D. Of. do Centenário.

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de 1890, Magalhães & Cia. As casas de comércio em 1912 eram 16.094, sexto lugar no Brasil, sendo as casas atacadistas 257, quinto lugar, no total brasileiro de, respectivamente, 251.221 e 2.91066. Ainda nessa época, e por algum tempo mais, numa tendência decres-cente, o comércio baiano alcançava todo o norte de Minas, Goiás e o sertão de Pernambuco e Piauí, além de Sergipe.

Na falta de dados sobre a renda social ou produção total líquida do Estado, e ainda sobre entrada e saída de capital e outros pagamentos, que nos permitissem um balanço geral das contas, a melhor aferi-ção numérica da situação de uma região econômica, mormente tão sujeita ao intercâmbio com o Exterior e depois com outros Estados do Brasil, é o balanço de comércio (também chamado balança co-mercial). Mesmo os dados sobre este são falhos. G. Calmon e outros logo ressaltam que o valor das exportações e das importações era diminuído para escapar dos impostos. É provável que as deduções se equivalessem, salvo, porém, nas épocas de exportação de pedras preciosas, mais fáceis de subtrair da fiscalização.

Miguel Calmon “não tem escrúpulos”, segundo diz, de estimar a exportação de 1835 (quando ainda não havia diamantes) em 10.000 contos, quando, segundo os dízimos, teria sido de 5.800. Mas con-vém notar que uma das razões porque assim estimava (além da re-baixa dos preços, do contrabando, das “guias de outros portos”) era a ideia de equilíbrio que supunha deveria haver com a importação de 9.000, em cifras oficiais. (A propósito da origem das importações, de um total de 8.813 provenientes do estrangeiro, 5.657 eram inglesas).

Com aquela reserva, podemos ressaltar, pela sua fundamental im-portância, o constante déficit no comércio durante o século passado. Raros exercícios eram favoráveis.

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Só na última década se registrou saldo, mas pequeno. Além do dé-ficit, é importante acentuar a estrutura das importações. Ainda em 1816, os escravos constituíam mais de 25% do total. Considera-dos na importação, são eles bens de produção. Antes dos “liberais princípios”, as atividades internas exigiriam relativamente mais bens de produção: ferramentas, matérias primas, etc. Depois, entrariam preponderantemente artigos de consumo. Assim, na importação do exterior, em 1835, estes representavam quando menos 88%, assim mesmo se computarmos entre os bens de produção os 6% de artigos não especificados.

Tenho a impressão de que se deve estudar a influência que terá tido no futuro o “crédito em mercadorias” que o comércio importador, sobretudo inglês, proporcionou à Bahia, já desde antes da abertu-ra dos portos, segundo o testemunho do Des. Brito, e talvez mui-to mais depois: influência benéfica na medida em que representou bens de produção, e, quiçá, maléfica na extensão em que fomentou o padrão de consumo suntuário de uma minoria de senhores e de doutores, o qual estava acima das possibilidades normais, gravando a futura balança de pagamentos e concorrendo para as quedas de câmbio. Esses hábitos suntuários contribuíram (e ainda hoje) para agravar as crises, impedindo a formação de melhores reservas nos anos bons. Constituem, em suma, um fator de maior descapitali-zação, além de desequilíbrio no balanço de pagamentos, Ele era, aliás, encorajado a princípio pelo liberalismo aduaneiro, e depois pela tarifa anti-econômica e de inspiração aristocrática, como bem observou Luis Tarquínio O que aliás também acontecia com o res-tante sistema fiscal.

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O déficit no comércio com o exterior sanou-se, passando a Bahia, com o cacau e a variedade de pequenas exportações, a contribuir para a receita líquida de cambiais do país.

O saldo no comércio exterior resultou da melhoria das condições in-ternacionais para os nossos produtos (fim do século), mas, sobretu-do, da transferência do déficit para o comércio interno; e coincidiu com a queda do prestígio político da Bahia no país e o surto do café e das atividades criadas com os seus lucros e a imigração, chamando para São Paulo todas as energias. A não ser a episódica sedução do “ouro negro”, era inevitável que a produtividade sem paralelo de São Paulo nessa quadra atraísse os capitais e a mão de obra, sobretudo num país tão afeito à mobilidade e particularmente de zonas onde as atividades fixadoras já estabelecidas eram reduzidas (indústrias e agricultura com elevados capitais fixos e empregos estáveis).

Assim, a Bahia, produtora que passou a ser de moedas estrangeiras, era indiretamente uma das financiadoras das importações essenciais à industrialização de outras áreas, às quais pagava ainda preços mais caros do que os dos artigos importados, e isso enquanto continuava sujeita às instabilidades dos mercados exteriores para sua produção. Nem as suas vendas ao resto do país nem o orçamento federal ti-nham o papel de compensar a desvantagem.

O comércio interno passou a fornecer não só o charque, ou quase somente ele, como na primeira metade do século XIX, mas uma va-riedade e quantidade maior de produtos manufaturados e primários. Não tendo desenvolvido a indústria do açúcar antes da limitação, nem as manufaturas, como Pernambuco ao menos, a Bahia passou a grande freguês da indústria e da agricultura do Sul e mesmo de Pernambuco. Essa produção nacional protegida se levantou sob o

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guante do desequilíbrio crônico nos pagamentos internacionais do Brasil, o qual determinou as quedas de câmbio sucessivas, e criou uma necessidade de menor dependência do exterior. A 1ª Guerra Mundial veio trazer-lhes um grande impulso.

Embora as quedas de câmbio tivessem “estimulado nossa amortecida capacidade de trabalho”, como observou G. Calmon, referindo-se às exportações baianas, elas não foram suficientemente utilizadas, ao lado das tarifas de intenção ou efeito protecionistas que se iam ocasionalmente adotando, para a criação na Bahia de atividades pro-dutivas visando o seu próprio mercado e os mercados nacionais. As outras condições da nossa economia explicarão o fato.

Enquanto isso, as indicações são no sentido de que a evasão de capi-tais foi muito maior que as entradas, mesmo sob a forma ilusória de grandes empréstimos públicos de duvidosa aplicação. Além disso, a Bahia sempre foi altamente tributária ao orçamento federal.

A principal característica das finanças da Província, depois do Esta-do, é uma constante em economia similar em todo o mundo: basear- se em impostos indiretos, particularmente sobre as exportações.

Houve reduções de direitos de exportação para facilitar ao açúcar enfrentar a crítica competição mundial. No caso do cacau, isento até 1860, daí em diante subindo de 6% até atingir 18% no começo do século, quando só o imposto de exportação sobre o cacau, ex-plorando as condições excepcionais da Bahia no mercado mundial e estimulando certamente os concorrentes, já representava cerca de 28% da receita tributária do Estado. O imposto de exportação foi crescendo a partir do fim do século, para só declinar ultimamente.

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A flutuação nas receitas, se bem que ligeiramente atenuada na Bahia por uma certa variedade das exportações (o que sempre tornou me-nos aguda a crise estrutural), refletia sensivelmente a sorte dos gran-des produtos (ainda hoje e do cacau). Daí a incerteza e os déficits, agravados pela imprevidência.

O que sempre agravou o defeito estrutural do sistema tributário, retardando a sua superação, que deve vir de uma economia mais in-tensiva e diversificada, é a baixa produtividade das despesas públicas. Este fator transforma a receita pública em processo de descapitaliza-ção e empobrecimento, como é patente na zona cacaueira. É de in-terrogar, porém, se, face à carência de recursos para obras e serviços, nas condições do Estado, e diante da pressão por empregos públicos, decorrente da falta de absorção em atividades lucrativas e atraentes (entra aqui também o preconceito contra as atividades comerciais e industriais, particularmente artesanais), poderiam as administrações públicas refrear essa tendência.

Não se tem estudado ainda a natureza e a experiência do nosso apa-relhamento fiscal. Mas é de supor, por exemplo, que ele venha tendo na história o efeito de acelerar as altas e de agravar as baixas, ora aplicando sofregamente receitas não previstas naquelas ocasiões, ora retraindo-se de aplicações, pelo fracasso das previsões orçamentárias, quando as despesas públicas deveriam ter um papel regulador. Esses desequilíbrios foram acentuados pelos empréstimos para “tapar bu-racos”, para obras destinadas a “inglês ver”, isto é, a mostrar “melho-ramentos” ou “progressos” figurativos, em que encontrava derivação um complexo de nobreza sem dinheiro... ou quiçá um certo traço litúrgico da nossa cultura.

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Condições mais favoráveis de aplicações no Sul do país determina-ram um fluxo de transferências de lucros auferidos nos anos bons. Carências elementares de transportes e de energia (elementares, por-que ainda abaixo dos sofriveis padrões nas melhores zonas do pais) terão sido, e continuam sendo, as principais razões desta evasão.

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Conclusão

Concluindo o panorama esboçado, relembremos, embora sem insis-tir neles, alguns fatos relevantes. Depois da Guerra da Independên-cia e de um recesso nos negócios internacionais, recrudesceram as desordens e rebeliões, ora de escravos e negros forros, ora de nativis-tas (mata-marotos) e de “federalistas”.

Na década de 1840, registrou-se certa reanimação. Na de 1850, sem-pre em altos e baixos, houve maiores iniciativas, mas veio o cólera de 1855, a seca entre 57 e 61, e o descontrole de crédito, que deu em falências. Entre 60 e 65, a Guerra de Secessão veio salvar, mas logo a Guerra do Paraguai exigiu muito da Bahia. O desgaste foi grande, “Negros para o café” e soldados para a guerra. A Bahia não pôde aproveitar os lucros do período anterior, embora se registrassem vá-rios empreendimentos. Logo a seguir, vem a moléstia da cana em 1873, a concorrência dos diamantes do Cabo, a escassez de gêneros, o êxodo de escravos para o Sul. Esta crise, segundo Gois Calmon, se prolonga até 1890. Em 1880, há muitas falências, seguidas de “con-tínuo abatimento e desânimo”. Reanima-se a economia no começo dos anos 90. Com melhores preços, o cacau que aparece, a borracha e carbonado, o crédito, até demasiado, a “febre” de iniciativas. Logo vem a seca de 1893. Em 1900, o cacau avulta, e num crescendo, mas sofre também frequentes flutuações e sobressaltos. O fumo se havia restabelecido. O açúcar veio a ter uma nova oportunidade com a Guerra de 14. O café ganhou preços bons. Enquanto isso, sempre continuaram as crises de origem climatérica e as especulações nos preços internacionais. A Bahia não conseguia capitalizar. A única

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“fronteira” era o cacau. O sertão manda excesso de braços para São Paulo: 50% da população de alguns municípios entre 1920 e 1940.

Numa curva de longa tendência (médias móveis em longos perío-dos), poderíamos figurar esse período da história da Bahia por uma alta no começo do século, uma baixa nas décadas 20 e 30, uma recu-peração no meado (décadas 40 e 50), logo interrompida, uma ligeira reanimação no começo dos 60, para cair em seguida com a guerra do Paraguai até 1890, quando se registra nova alta.

Nessa sucessão de crises, que não correspondiam às crises do sul do país e cuja história precisa ser feita com mais vagar e melhor análise, a Bahia se foi recolhendo no tempo.

A variedade de exportação lhe assegurou, apesar de tudo, um grau menor de instabilidade que outras regiões e estados do país. A varie-dade de produções de consumo interno, apesar das crises de abaste-cimentos se terem sucedido intermitentemente, lhe manteve um pa-drão de vida não monetário que, embora baixo, ainda se compararia favoravelmente com o de outras regiões brasileiras aparentemente em melhor situação. Mas, face à fraqueza das exportações, reduzia-se sua capacidade de importar os confortos que se iam impondo nos hábitos modernos, enquanto as condições econômicas gerais não fa-voreciam a criação e manutenção de atividades industriais no Esta-do. Eis aqui o recuo no tempo.

Os obstáculos naturais aos transportes, a carência de energia, numa época em que a eficiência passou a ser medida pelo fator H. P. de que dispõe o homem, deficiências que refletem a descapitalização, mas que, se vencidas, criam as condições para superar outras dificuldades,

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viriam retardar a recuperação da Bahia, convidando os capitais e muitos homens de iniciativa a buscar emprego fora.

Por condições históricas, teve a Bahia que pagar tributo ao Sul. Du-plo tributo de comprar mais caro as mercadorias (tecidos e artefatos de São Paulo, queijos e manteigas de Minas), e de fornecer braços e capitais. Só condições muito melhores de transportes e energia alia-dos à reanimação do fim do século teriam podido resistir à absorven-te atração de São Paulo.

A decadência relativa da educação não é mais do que uma decorrên-cia da situação geral, refletida nas finanças do Estado, embora possa ser um motor do desenvolvimento econômico, na medida em que se antecipe a este (como é o caso ainda dos dispendiosos programas de saúde pública). Sem outras condições de desenvolvimento, e assim de emprego, os recursos tradicionais de boa educação acadêmica na Bahia contribuíram mais para fornecer pessoal às zonas mais pro-gressistas do país do que para levantar a Bahia; e foram, sem dúvida, minados por uma certa sonolência, a do alheamento do sistema pro-dutivo atual e da vida moderna.

O apanhado histórico mais realista, porém, não autoriza o ceticismo quanto à energia do homem. Nunca lhe faltou bravura para enfren-tar as situações, embora lhe tivesse falecido frequentemente o “saber fazer”. Os fracassos trouxeram, nas zonas mais velhas, o espírito da poupança e o temor, aliado à falta de experiência para iniciativas arrojadas, mas as zonas novas continuaram a despertar o espírito do empreendimento e do risco, talvez levado até ao exagero do puro aventureirismo e do jogo, estimulados pelas instabilidades da econo-mia colonial de exportação.

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3 Estado atual da integração latino-americana

A origem, a estrutura, o funcionamento e os problemas da Associação Latino-Americana de Livre Comércio1

1 O autor agradece ao economista André Wagner, integrante do Comitê dos Nove, pela sua colabora-ção na preparação da versão francesa [traduzida para o portugu�s] deste artigo e também pelas sugestões que fez sobre o tema.

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A ideia da integração latino-americana e a constituição da ALALC2

A) Contexto histórico do comércio intra-regional3

A desintegração política, que envolveu a independência das antigas colônias ibero-americanas, não foi uma consequência da geografia: ela resultou das condições históricas do momento; neste caso, aque-las foram um efeito, em sentido inverso, das colônias britânicas na América do Sul. Não se pode dizer que faltou a vontade da unidade na América Latina. Bolívar e San Martín dedicaram-se ativamente a este ideal. Miranda, que queria acreditar num único grande país do

2 Embora a tradução francesa leva para a sigla ALALE, foi mantida a abreviatura espanhola ALALC que é mais conhecida nos ambientes internacionais (N.d.e.R).3 Não conhecendo as contribuições que serão feitas neste livro sobre a história da integração da Amé-rica Latina; permito-me esboçar muito sucintamente o contexto histórico no qual ela se situa. Vide: CEPAL El Mercado Latino-americano, Nações Unidas, julho de 1959; também: Miguel Wionczek, La Historia del Tratado de Montevideo, Integración Económica de América latina, Fondo de Cultura Econômica, México, 1964.

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Mississipi até a Patagônia, propôs esta ideia para Pitt, sob a reserva de que esta unificação não ia contra o princípio sacrossanto da di-visão internacional do trabalho. Mas a Inglaterra, grande potência manufatureira de então, que fomentou a independência do conti-nente contra a Espanha e, mais discretamente, contra Portugal, não deu apoio a este projeto audacioso, que não lhe trazia tranquilidade, mesmo sob esta condição.

Aquilo que se buscou conseguir com a independência dos territórios latino-americanos foi, como se sabe, a abertura dos seus portos ao comércio internacional daquela época, isto é, principalmente para o comércio inglês, no qual as atividades baseavam-se, para os britâ-nicos, na importação das matérias primas e na exportação dos pro-dutos manufaturados. Não se considerou o artesanato e as pequenas indústrias de bens de consumo já extraordinariamente prósperas e desenvolvidas nas colônias ibero-americanas.

Nestas condições, a independência assistiu à implantação de forças econômicas dissolventes, cujo efeito foi impedir a integração política e retardar a integração dos respectivos meios econômicos, tal como, por exemplo, a integração dos sistemas de transporte. Foi assim que, em vez de ajudar no desenvolvimento das comunicações interiores, como ocorreu, até um certo ponto, durante o período colonial, para estreitar os laços políticos e favorecer as correntes de comércio entre as capitanias e os vice-reinos, os transportes interiores orientaram- se para a interconexão dos portos com os centros de produção de matérias-primas. Estabeleceu-se um sistema de transporte feito para assegurar a penetração do continente e sua “drenagem” para o exte-rior. Como era de se esperar, as ambições dos caudilhos locais e das

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forças tradicionais da autonomia provincial traduziram-se em limi-tadas manifestações de independência e soberania nacionais.

A exceção brasileira ocorreu em decorrência, acima de tudo, do es-tabelecimento da monarquia na época da independência. Por outra parte, a unidade política não significou a criação de um mercado único e a adoção de una política nacional de desenvolvimento indus-trial. Alguns brasileiros de grande visão compreenderam bem cedo as vantagens de tal possibilidade, mas, como no caso da América espanhola e sob a cobertura do “apoio inglês” e do prestígio correla-tivo da “salutar” teoria do livre comércio, os numerosos esforços da industrialização ficaram reduzidos a nada.

E se os Estados Unidos da América do Norte puderam constituir sua unidade política e econômica e criar um mercado interno integrado, isto foi fruto, acima de tudo, da feliz circunstância histórica que fez com que sua independência fosse alcançada, precisamente, com o respaldo da grande potência industrial dominante da época, e do fato de que a guerra de 1812-1815 foi, novamente, contra a Ingla-terra. Há, então, coincidência entre o nacionalismo econômico deles e seu nacionalismo simplesmente.

Nestas condições, apesar da identidade de língua, de religião, de há-bitos e mesmo de legislações civil e comercial, os países da América Latina desenvolveram-se de uma maneira dispersa sob regimes dife-rentes para a moeda, as trocas comerciais e as alfândegas e suas dife-renças aumentaram ainda mais quando foram obrigados a proteger suas atividades internas a fim de substituir as importações. Então, a desintegração regional se acentuou.

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Embora houvesse uma complementaridade natural quase perfeita entre certos países latino-americanos - como, por exemplo, no co-mércio de frutas tropicais e da madeira do Brasil contra o de frutas de clima temperado e o trigo argentino – desenvolveu-se apenas um intercâmbio comercial relativamente reduzido e, ainda assim, graças ao jogo de acordos bilaterais de pagamentos e às facilidades de co-municação resultantes das linhas transoceânicas ou das condições de vizinhança muito específicas. Não se tratava de pensar em alavancar o comércio de produtos manufaturados, que o excesso de protecio-nismo interno e a impossibilidade de escapar da aplicação da cláusu-la da nação mais favorecida tornou ilusória, beneficiando os grandes países industriais.

B) O papel da CEPAL4 nas tentativas de reagrupamento

Assim que as perspectivas do comércio exterior e as entradas de ca-pitais não mais permitiram o aumento das importações necessárias para os países latino-americanos, como ocorreu antes da Primeira Guerra Mundial, houve, naturalmente, um esforço de substituição de importações. Os estudos posteriores, elaborados pela CEPAL, de-ram a este processo um fundamento racional. Mas, já no seu relató-rio econômico de 1949 sobre a América Latina, a CEPAL chamou a atenção para a insuficiência desta política implementada no nível nacional e a respeito da necessidade de trocas preferenciais entre os países da América Latina.

4 Lista de abreviaturas de siglas no fim do texto, Anexo A.

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Na reunião da CEPAL em Quitandinha, em 1953, no Brasil, um projeto de resolução devia levar a um acordo específico entre os paí-ses do Cone Sul5. Este poderia ter sido aprovado por outros países da região se alguns dentre eles não tivessem desconfiado da política pre-valecente na Argentina naquela ocasião. Segundo uma fonte autori-zada, a primeira expressão definida acerca da ideia de um mercado regional encontra-se no documento Pagamentos e Mercado Latino-americano Integral6. Em novembro de 1956, o Comitê do Comércio da CEPAL solicitou à Secretaria do órgão a criação de dois grupos técnicos de estudos, um sobre o mercado regional, o outro sobre os pagamentos multilaterais.

A CEPAL desenvolveu a ideia de um projeto de Mercado Comum para a América Latina, acompanhada de um projeto de união de pagamentos ou pelo menos de câmaras de compensações para as li-quidações dentro da América Latina. Como estas ideais não tiveram sucesso7, a CEPAL explorou duas outras linhas de ação focalizadas uma para a criação de um Mercado Comum por grupos de pro-dutos, e outra orientada para a constituição de mercados comuns regionais. A primeira fórmula não funcionou. A segunda resultou num movimento que criou o Mercado Comum Centroamericano, consagrado pelo Tratado de Livre Comércio de Tegucigalpa, em 10 de junho de 1958, e consolidado pelo Tratado Geral de Integração Econômica de Manágua, em 13 de dezembro de 1960.

5 A denominação « Cone Sul » refere-se à Argentina, o Uruguai, o Brasil e o Chile. 6 Preparado pelos economistas Garrido TORRES e Eusèbe CAMPOS com a colaboração da Secre-taria da CEPAL, em 1956. Vide: CEPAL, Los problemas actuales del Comercio latino-americano, 1957, e Informes del Grupo de Trabajo del Mercado Regional Latino-americano, 1958-1959, em El Mercado Comùn Latino-Americano, 1959, pág. 23.7 Neste último caso, de fato, as resistências do FMI e do governo dos EUA.

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O grupo de Grande Colômbia ou do antigo vice-reino da Nova Granada8 também esboçou um movimento integracionista, mas este atingiu apenas resultados limitados, relativos, sobretudo, aos trata-mentos alfandegários especiais e à criação de uma frota marítima da Grande Colômbia.

Os acertos comerciais e de pagamentos bilaterais, entre os países do Cone Sul, constituíram uma experiência que foi salva graças à adesão de alguns deles ao GATT. Estes acordos eram restritos. Entretanto, pelo fato da perfeita complementaridade natural e das facilidades dos transportes, em 1960, estes países realizavam mais de 70% do comércio intralatino-americano.

Isto fez surgir a ideia de estabelecer uma área de livre comércio para o Cone Sul com a possibilidade de obter a adesão de todos os outros países latino-americanos. Assim foi a origem da ALALC e do Tra-tado de Montevidéu, cujas negociações foram realizadas, primeiro, pela Argentina, Brasil, Chile e o Uruguai; depois, pela Bolívia, Mé-xico, Paraguai e o Peru. Com a exceção da Bolívia, todos estes países ratificaram o Tratado.

Os nove países9, participantes do Tratado, representavam, em 1963, aproximadamente 219 milhões de habitantes, 82% da população e 85% do Produto Interno Bruto da América Latina10.

8 A Venezuela, a Colômbia e o Equador.9 A Colômbia e o Equador uniram-se, posteriormente, ao grupo anterior. Cuba depositou os docu-mentos de adesão em 1962, mas ela não foi considerada apta por não apresentar as condições a fim de permitir negociações, o que é necessário para a adesão tornar-se efetiva. Por outro lado, a Venezue-la anunciou que a autorização de assinar o Tratado de Montevidéu foi solicitada ao Parlamento em Caracas.10 A população da Área de Livre Comércio é maior do que a da Comunidade Econômica Europeia, mas seu PBI representa somente 30% daquele da CEE.

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O comércio intracontinental, em 1961, atingia o valor de US$ 660 milhões, isto é, 6% do total do comércio exterior dos países. Em 1953, isto representava 11,3% do comércio total e, durante o perío-do 1952-1961, uma média de 8,4%.

A forte tendência para a baixa, em razão, em parte, da eliminação dos acordos comerciais e dos pagamentos bilaterais, foi invertida, direta ou indiretamente, pela criação da ALALC.

As repercussões da evolução do comércio internacional na América Latina provocaram um clima de alarme graças ao qual a “conspira-ção” dos funcionários públicos nacionais e internacionais resultou no Tratado de Montevidéu. Mas, na própria ocasião da constituição da ALALC, os governos latino-americanos também compartilhavam a esperança, talvez ilusória, de que, com limitados esforços técnicos e políticos, eles obteriam mais vantagens imediatas superiores dentro da estrutura da Aliança para o Progresso.

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A estrutura institucional da ALALC e sua função

A assinatura do Tratado de 18 de janeiro de 1960 permitiu a consti-tuição da Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC). A ALALC estabeleceu-se em Montevidéu, em julho de 1961, e rea-lizou suas primeiras negociações alfandegárias no segundo semestre de 1961.

Enquanto instituição, a ALALC tem uma estrutura relativamente flexível, que pode ser utilizada segundo as necessidades da aplicação do Tratado. O órgão deliberativo da ALALC é a conferência das par-tes contratantes, que se reúne ordinariamente a cada ano, durante o quarto trimestre, de modo que os países possam fazer vigorar as alterações alfandegárias a partir de 1º de janeiro seguinte.

Atualmente, os órgãos permanentes são o Comitê Executivo Perma-nente (CEP) e a Secretaria da ALALC. Ao lado destes, tem-se uma série de conselhos, comissões técnicas, grupos de trabalho, grupos setoriais por ramo de indústrias etc., que funcionam, em geral, de uma maneira intermitente11. Estes órgãos atuam em torno do CEP e da Secretaria.

O CEP compõe-se de representantes dos governos. Prepara as con-ferências ordinárias e extraordinárias. Toma as decisões determina-das pela administração da Associação, ou por decisões normativas, quando recebe uma delegação expressa de poder da Conferência.

11 Vide o Anexo D onde consta a enumeração dos seus órgãos e aqueles relativos ao setor privado.

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Diante do CEP, a Secretaria da Associação não tem um estatuto bem definido. O próprio secretário executivo é escolhido pela Con-ferência e não está vinculado diretamente aos governos dos países membros. Considerando a lógica dos fatos, o secretariado tem-se convertido na parte desta organização encarregada de realizar as ta-refas de ordem técnica que resultam do programa de ação fixado pela Associação no Tratado de Montevidéu. Entretanto o pessoal, de excelente nível profissional, é reduzido. Resume-se a uma dúzia de especialistas, técnicos ou acadêmicos permanentes12. No entanto, este secretariado não pode fazer todos os trabalhos, estudos ou mis-sões que seriam necessários para assegurar o máximo da eficácia às cláusulas do Tratado.

Alguns dos seus trabalhos somente foram possíveis graças à colabo-ração dos órgãos internacionais que lhe dão suporte. A participação dos funcionários públicos dos Estados Membros ou ainda de téc-nicos ou especialistas do setor privado, que são também deslocados das delegações permanentes dos Estados para a sede da Associação, especificamente para auxiliar o secretariado, tem também contribuí-do com a entidade.

Para a Secretaria, esta colaboração temporária e, às vezes, fugaz, não é suficientemente eficaz. Se é verdade que, para os governos, seria menos custoso financiar um pessoal mais numeroso para o secreta-riado, antes de separar seus próprios funcionários; doutro lado, não obstante, este procedimento permite não só ter contatos mais am-plos e mais diversificados entre pessoas que, na volta aos seus países, ocupam frequentemente cargos chaves; como também possibilita

12 O orçamento anual para funcionamento atingiu o valor de US$ 730.000 em 1964 e 1965.

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promover as ideias da Associação nos círculos públicos e privados que têm influências.

A quantidade e a qualidade dos trabalhos realizados pela Secretaria e pelos outros órgãos, nestas condições, são realmente impressio-nantes. Entretanto, como se pode esperar, e segundo será analisa-do mais à frente, os meios limitados da Secretaria, frequentemen-te, não permitem aumentar nem acelerar a coleta de informações e dados, ou ainda de melhorar suas recomendações técnicas. Estas limitações reduzem as possibilidades de fazer estudos mais aprofun-dados, necessários para justificar e orientar as decisões dos governos a respeito das questões para implementação do Tratado de Montevi-déu, especialmente quanto à aceleração da integração. Com efeito, quando consultadas, as cláusulas do Tratado de Montevidéu forne-ceram um procedimento e uma série de instrumentos que consti-tuem, realmente, os meios de ação dos governos e da ALALC para conseguir uma integração crescente do comércio e das economias latino-americanas.

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O tratado de Montevidéu e o funcionamento da ALALC

A) Os instrumentos e o procedimento fornecidos pelo Tratado

Este Tratado visa constituir uma área de livre comércio. Aceitando-o, os governos signatários declaram-se também “decididos a criar, gra-dativamente, um Mercado Comum Latino-americano” e “conjugar seus esforços de maneira a obter uma complementaridade e uma integração crescentes das suas economias”13.

O Tratado estabelece os instrumentos dentre os quais os principais são: o programa geral de liberalização, composto das listas comum e das listas nacionais; o regime especial aplicado aos países de menor desenvolvimento econômico relativo; os acordos de complementari-dade; e os acordos de harmonização e de coordenação das políticas.

O objetivo explícito, que se estabelece no Tratado, é o de eliminar gradualmente, num período de doze anos, os impostos de comér-cio exterior e as restrições de todos os tipos que se impõem sobre as importações dos produtos provenientes de cada um dos países membros, para o “o essencial” do comércio recíproco que realizam dentre eles. As reduções das tarifas alfandegárias ou outras não são feitas automaticamente a partir dos prazos estabelecidos, como é o caso do Tratado de Roma ou do instrumento político que criou a

13 Preâmbulo do Tratado.

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Área Europeia de Livre Comércio. No Tratado de Montevidéu, o procedimento é constituído por uma negociação produto a produto.

B) As listas nacionais

Durante as conferências anuais ordinárias, são adotadas as listas de produtos nacionais segundo as quais cada país membro concede aos demais reduções das tarifas alfandegárias, equivalentes a pelo menos 8% da média ponderada das tarifas aplicáveis aos países terceiros para os produtos que representam o essencial das suas importações da área.

Poderia resultar deste processo a quase eliminação das barreiras al-fandegárias na área. Entretanto, este regime poderia afetar somente uma parte reduzida das importações totais se os países, como hipó-tese, não quisessem negociar os produtos para os quais não tivessem ainda comercialização entre eles. Neste nível mínimo, o aumento do comércio recíproco dever-se-ia limitar somente às operações resul-tantes da liberalização da quase-totalidade dos produtos do comér-cio da época e pela substituição das importações destes mesmos pro-dutos provenientes de países terceiros. Dado o número limitado de itens que são objeto do atual comércio dentro da área e o fato de que as matérias-primas (que são a maioria) têm uma elasticidade fraca de vendas em comparação com os produtos industriais, poder-se-ia concluir que esta hipótese resultaria apenas em um aumento reduzi-do da participação, dentro do comércio entre os países membros, do comércio total dos países latino-americanos, mesmo após doze anos de aplicação do Tratado de Montevidéu.

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Este não é o espírito do Tratado. Esta possibilidade é uma traição, simplesmente, quanto ao caráter extremamente restrito dos objeti-vos modestos estabelecidos no seu texto. Nunca devemos esquecer as dificuldades das negociações produto por produto, nas quais os pa-íses ou os grupos privados mais coerentes dominam e restringem as negociações, exceto quando os outros países fazem concessões unila-terais. Por outra parte, dá para ver que o Tratado permite a suspensão ou a retirada graças à substituição (por compensação) de concessões já acordadas para as listas nacionais.

Assim, as Listas Nacionais não são uma via segura para impulsionar o crescimento da área de livre comércio: elas não garantem, mesmo para as empresas, a continuidade das reduções obtidas.

Durante as duas primeiras Conferências14, foram esgotados, prati-camente, todos os produtos tradicionais de troca entre os países da área. Acrescentam-se poucos produtos às listas nacionais. Portanto, certos regimes, em vigor nos tratados bilaterais, foram consolidados e estendidos para os outros países. Em muitos dos casos, elimina-ram-se praticamente as tarifas alfandegárias sobre os produtos para os quais se tinha pouca ou nada de produção nacional.

As concessões foram aceitas, principalmente, para os produtos agrí-colas que ofereciam aos países uma cláusula de escape durante o pe-ríodo de liberalização de doze anos, permitindo-lhes limitar as im-portações e alinhar os preços dos produtos importados aos preços dos produtos nacionais, nos casos em que estes produtos tivessem

14 Chamada Períodos de Sessões Ordinárias da Conferência das Partes Contratantes do Tratado de Montevidéu.

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uma importância grande para sua economia, desde que as medidas não sejam discriminatórias e que elas não resultem na diminuição do consumo nem no aumento das produções antieconômicas. As listas abrangeram poucos produtos industriais. Não obstante, estimava-se que, no início de 1963, as listas nacionais cobririam em torno de 35% (em vez dos 16% obrigatórios) do valor do comércio entre as partes signatárias15.

Ainda que as primeiras reduções de tarifas alfandegárias representas-sem margens de preferência, elas mantinham também as barreiras internas ainda relativamente elevadas para muitos dos produtos ne-gociados dentro da área.

Durante a Terceira e a Quarta Conferências, as negociações avança-ram pouco, tanto para a inclusão de produtos novos como quanto à redução dos níveis das tarifas alfandegárias. Ainda considerando as manifestações políticas, em favor de uma intensificação do processo de integração, prevaleceu uma atitude relativamente “circunspecta”.

C) A lista comum

O Tratado prevê que a cada três anos ocorrerão negociações para estabelecer uma Lista Comum de produtos sobre os quais os países membros deverão eliminar, integralmente, as tarifas alfandegárias ao fim dos doze anos do período chamado de liberalização. A inclusão destes produtos, na Lista Comum, é irrevogável.

15 Anexo B.

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A Lista Comum é composta de produtos cuja participação no valor total do comércio entre as partes atinge, pelo menos, as seguintes percentagens: no fim do primeiro período de três anos, 25%; do segundo, 50%; do terceiro, 75%; e, no fim do quarto, o essencial das trocas comerciais.

Daí, como consequência, pode-se ver que a área de livre comércio começa a se estruturar com mais nitidez, embora este mecanismo não contribua, automaticamente, para um aumento da participação do comércio entre os países membros dentro do comércio exterior geral dos países da área. Contudo, o acordo indispensável de todos a respeito de uma Lista Comum, envolve uma negociação durante a qual cada país impõe a inscrição dos artigos de seu interesse. Este mecanismo deveria aumentar, portanto, o processo de liberalização de muitos dos produtos que não figuram dentro da lista atual do comércio entre os países membros.

Não obstante, este processo se mostrou penoso. Quando foi adota-do, numa primeira etapa, a Lista Comum, em 1964, foi convocada especialmente para isto uma Conferência Extraordinária, que termi-nou sem atingir algum resultado. A negociação teve continuidade durante a Conferência Ordinária. No final, ainda houve um país (o Uruguai), que, não contente pela não inclusão dos produtos que o interessavam, rejeitou aprovar a lista que os outros oito países ti-nham aceito, após terem superado numerosas dificuldades. Foi acer-tado um prazo adicional a fim de se chegar a um acordo. Finalmente, o Uruguai aceitou a Lista.

A Lista Comum, que foi adotada, abrangia muito poucos produtos industriais e agrícolas, embora a Resolução 97 (IV) tenha autorizado

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a aplicação da cláusula escapatória para os produtos agrícolas, após o período de transição.

D) O regime especial concedido aos países de menor desenvolvimento econômico relativo (PMDER)

Tem-se um procedimento especial para ampliar o processo de libe-ralização. Este se aplica, unilateralmente, aos países de menor desen-volvimento econômico relativo na área. Todo país pode conceder a um país de menor desenvolvimento econômico relativo às vantagens que não se aplicam, automaticamente, aos outros. Estas concessões não podem ser alteradas, num sentido desfavorável para os países beneficiários, sem o acordo deles16.

Os PMDERs podem utilizar estas normas para executar um progra-ma de redução das tarifas alfandegárias nas condições mais favoráveis e adotar as medidas de proteção das suas balanças de pagamentos, bem como a defesa dos produtos essenciais para seu desenvolvimen-to, conforme previsto no programa de liberalização.

A exceção quanto à cláusula da nação mais favorecida (CNMF) so-mente é autorizada quando é necessária, mas com caráter transitó-rio17. Doutro lado, as medidas referentes aos PMDER não devem ter um caráter discriminatório.

16 Resolução 103 (IV).17 A concessão, dada inicialmente para nove anos, foi ampliada pela recente Resolução 98 (IV) para abranger todo o período de transição.

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As listas especiais de concessões não extensivas, adotadas após a Pri-meira Conferência, comportam um grande número de itens para os quais são livres as importações nos países que lhe são concedidas, para o Equador e o Paraguai18. As listas são individuais para cada um destes países. São as listas concedidas para o Paraguai e o Equa-dor pelos países maiores que são mais importantes. Por exemplo, é livre a importação, na Argentina e no Brasil, sem falar do longínquo México, de centenas de produtos cuja produção é possível no Pa-raguai. Uma resolução recente permite também o estabelecimento de concessões não extensivas e temporárias para facilitar a venda de excedentes de produtos manufaturados originários dos PMDERs19.

Na Conferência Ordinária de 1963, foi aprovado um plano de operações e de medidas especiais que os países membros poderiam adotar em favor dos PMDERs e sob sua demanda20. As operações incluídas abrangem uma ajuda financeira e técnica para os estudos, a promoção e a execução dos projetos de infraestrutura, de educa-ção, de atividades de produção e, mesmo, para conceder os fundos de capital de giro necessários para os países que os solicitem a fim de empreender atividades de interesse regional. As outras medidas abrangem as negociações coletivas junto às instituições financeiras, a elaboração de estudos para a identificação das indústrias que produ-zem os bens exportáveis destinados ao mercado regional, assim como uma isenção antecipada que assegure o funcionamento das indús-trias planejadas e garanta as margens de preferência durante um certo tempo, no que concerne a certos produtos finais, que seriam conce-

18 Bolívia, que tem o estatuto de PMDER, não assinou o Tratado de Montevidéu. Vide o Anexo B.19 Resolução 107 (IV).20 Resolução 74 (III).

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didas visando reservar os mercados para as exportações dos PMDERs que o solicitem. Em 1964, foram acrescentadas as recomendações para o financiamento das exportações e também para as importações provenientes de, ou indo para os PMDERs21. Como será analisado, o resultado, em termos do comércio, é reduzido por enquanto22.

E) Os acordos de complementaridade23

Um outro mecanismo é constituído de acordos de complementari-dade para os setores industriais24. Eles devem ser assinados somente entre dois países, a partir da data na qual a Associação, por interme-diação do CEP, aceita sua compatibilidade com os princípios e os ob-jetivos do Tratado de Montevidéu. Não obstante, estes acordos estão abertos para todos mediante negociação ou uma adesão posterior.

Estes acordos poderiam permitir dar um dinamismo maior ao pro-cesso de liberalização, fundamentado na iniciativa dos países ou das empresas privadas mais interessadas em aumentar o comércio regio-nal. Desta maneira, o programa de liberalização não ficaria limitado aos países timoratos.

21 Resolução 105 (IV) e Resolução 108 (IV), respectivamente.22 Anexo C.23 Vide: Plácido Garcia REYNOSO, Problemas de Industrialización Regional e Integración de América Latina, FCE, México.24 A complementaridade agrícola será tratada na seção de coordenação e harmonização das políticas econômicas.

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O campo ideal da aplicação destes acordos seria, sobretudo, na pro-moção de investimentos coordenados nos setores novos ou pouco desenvolvidos; ou nos de especialização, de uma escala mais alta de produção, de uma melhor utilização da capacidade de produção, o que permitiria obter a máxima produtividade nos pequenos mer-cados nacionais isolados. A tradição latino-americana é fértil em exemplos de investimentos que não atingiram um lastro de eficácia suficiente. Estes acordos ofereceriam, como consequência, uma via para desenvolver o programa de liberalização e acentuar seus efeitos econômicos em termos de investimentos, de mudanças tecnológicas, de diversificação, de integração e de ampliação dos sistemas e dos complexos industriais, aumentando-se o nível de verticalidade da substituição das importações.

Os acordos de complementaridade devem assegurar as “condições equitativas de concorrência”25, mas evidentemente seu papel princi-pal é o de evitar a concorrência destrutiva dos investimentos ou dos projetos entre eles e também estimular, assim como dar uma maior segurança aos novos investimentos e mudanças tecnológicas na in-dústria, além de estimular um uso melhor da capacidade produtiva do capital total existente.

Estes acordos abririam também a via para um mercado comum dos setores, já que podem e devem (também como tem demonstrado a experiência), para serem eficazes, comportar não somente a harmo-nização dos tratamentos aplicados aos itens aos quais eles se referem,

25 Resolução 99 (IV) de 8-dezembro-1964, já salientada na Resolução 48 (II) revogada por esta nova Resolução.

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mas também às matérias-primas e às peças complementares que sua produção exige quando é necessário importar de países não signatá-rios dos acordos.

Graças a estes acordos, abriria-se também como consequência, di-reta ou indiretamente, a via para a harmonização dos regimes de importação e exportação, dos tratamentos quanto aos capitais, bens e serviços, assim como a coordenação das políticas voltadas para o mercado comum26.

A regulamentação inicial dos acordos de complementaridade27 está fundamentada no fato de que o Tratado de Montevidéu não de-veria criar exceções para a CNMF, salvo no caso dos PMDERs, e determinado a incorporação das concessões feitas pelos acordos de complementaridade, nas listas nacionais, com caráter irrevogável. Como consequência, os membros da ALALC que não participavam dos acordos de complementaridade, poderiam ter os benefícios das vantagens acordadas entre eles. Supunha-se, segundo a cláusula de reciprocidade, que aqueles que não integram o acordo deveriam pa-gar uma compensação aceita pelas outras partes. Desta maneira é que o programa poderia funcionar graças, simplesmente, à iniciativa de alguns países audaciosos, signatários dos acordos de complemen-taridade. A outra suposição é que se um dos países tomasse para si uma iniciativa que gerasse prejuízo para um acordo de comple-mentaridade, ele colocaria em perigo a execução do Tratado e ficaria subordinado ao regime geral de consultas e correções.

26 Artigos 15 e 54 do T.M. e Resolução 99 (IV).27 Resolução 15 (I) revogada pela Resolução 48 (II), por sua vez, substituída pela Resolução 99 (IV).

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O recente regulamento conservou a extensão automática das vanta-gens estabelecidas nos acordos, independentemente dos princípios de contrapartida e de negociações, apenas para as PMDERs. Os outros países membros entraram expressamente em acordo quanto a não usufruir das concessões estabelecidas nos acordos de complementa-ridade enquanto não houvesse a negociação de uma compensação adequada. Esta modificação resultou, acima de tudo, do temor, por parte dos PMDERs e dos países com mercados de porte médio ou incipientes, de que as vantagens dos acordos de complementaridade estabelecidas em favor deles não fossem utilizadas por países que não faziam parte do acordo. Suponhamos, por exemplo, que uma indústria seja reservada ao Uruguai pela Argentina e o México, em um acordo de complementaridade e, doutra parte, o Brasil, não sig-natário do acordo, constitua este mesma indústria no seu território para se beneficiar das concessões de importações; graças ao jogo da CNMF, os efeitos de coordenação dos acordos serão então anulados.

Até o novo regulamento, há apenas dois acordos de complementari-dade28, que entraram em vigor e foram negociados durante o primei-ro ano de vida da ALALC.

Temia-se também que, por falta de informações, de estudos suficien-tes e de uma coordenação melhor das políticas, as vantagens conce-didas pelos acordos de complementaridade não fossem usufruídas por grandes empresas estrangeiras, o que colocaria numa situação desvantajosa as empresas nacionais dos membros da ALALC. Assim, o fato de não se querer que os acordos de complementaridade levem

28 Os acordos de complementaridade, em vigor, referem-se aos equipamentos eletrônicos, estatísticos e de contábeis, e às lâmpadas de receptores de televisão ou de rádio.

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a um aumento das diferenças dos níveis de desenvolvimento entre os países, especialmente naquilo que concerne à diversificação e à integração industrial, provocou reações que se traduziram por uma paralisia das negociações.

Embora não se tenha alcançado um novo acordo negociado, obteve- se um número relativamente importante de entendimentos e nego-ciações preliminares que, por vezes, resultaram em novas correntes comerciais e em novas negociações nas Listas Nacionais. A respeito dos estudos, eles prosseguem com a finalidade de dar sustentação para atingir os acordos de complementaridade mais importantes.

Deve-se esperar que o novo regulamento, evitando o automatismo da extensão das vantagens e sua irrevogabilidade, trará mais confian-ça para os países e as empresas, de modo que eles possam utilizar estes acordos de complementaridade e o dinamismo intrínseco a eles a fim de conseguir um desenvolvimento industrial integrado, assim como o crescimento do programa de liberalização do Tratado de Montevi-déu visa uma forma mais avançada de integração econômica.

Os acordos negociados, com base na antiga regulamentação, teriam permitido um dinamismo acima do esperado de liberalização, en-tretanto o número de acordos assinados, de acordo com este regu-lamento, ficou restrito em decorrência de uma certa desconfiança dos países. Pode-se esperar que, com o novo tipo de regulamento, tendo eliminado esta desconfiança, se compensará a perda de di-namismo potencial por um número maior de acordos efetivamen-te negociados. Não obstante, fica uma dúvida quanto a saber se os

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acordos de complementaridade multiplicar-se-ão rapidamente29 na falta de um conjunto de estudos que demonstre as possibilidades de complementaridade para todos os países. Antes de responder a esta questão, vamos examinar aquilo que tem sido feito, dentro da estrutura do Tratado de Montevidéu, no campo da harmonização e da coordenação das políticas econômicas.

F) A harmonização e a coordenação das políticas econômicas30

Além do que está previsto setorialmente nos acordos de complemen-taridade, os países membros podem decidir, para garantir as condi-ções equitativas de concorrência e facilitar uma integração e uma complementaridade crescentes entre eles, para tentar, na medida de possível, harmonizar os regimes das importações e das exportações assim como os regimes aplicáveis aos capitais, aos bens e aos servi-ços provenientes do exterior e para obter, assim, “uma coordenação progressiva e crescente das políticas de industrialização” e de desen-volvimento agrícola31.

29 A rapidez é importante, considerando-se que os acordos ficam limitados ao período de liberaliza-ção geral de doze anos, a partir da entrada em vigor do Tratado; quase quatro anos já transcorreram.30 Vide: Integración Económica de América Latina, México, 1964, em especial: Sydney BELL, Aprecia-ciones sobre el funcionamiento del Tratado de Montevideo, Gustavo MAGARINOS, Los Instrumentas de la lntegración y la Experiencia de la ALALC; Raul PREBISCH, Obstáculos al Mecrcado Comûn; CEPAL, Realizaciones y Perspectivas en el Progreso del Mercado Regional, Mar del Plata, abril 1963; A. CALDER-TÔN MARTÎNEZ, De la ALALC al Mercado Común Latino-americano, México, 1964.31 Artigos 15, 16, 27 do Tratado de Montevidéu.

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Finalmente, os países membros comprometem-se a dedicar o máxi-mo de esforço possível para criar as condições favoráveis ao estabele-cimento de um mercado comum “e, para esta finalidade, o Comitê realizará os estudos e considerará os projetos e os planos possíveis”32. Entretanto, não consta no Tratado um objetivo ou um programa específico suscetível de direcionar a formulação destas medidas.

As preocupações iniciais da ALALC foram, acima de tudo, adotar uma nomenclatura alfandegária comum para as estatísticas e as ne-gociações: a NABALALC33. Ao lado dela, foi elaborado um estudo comparativo das definições alfandegárias e legais dentro dos países membros assim como dos regulamentos ou práticas comerciais que têm uma importância direta para facilitar a utilização das concessões e as negociações de tarifas ou outros obstáculos alfandegários.

Posteriormente, as dificuldades principais levaram, em 1962, a or-ganizar, antes da Conferência de 1963, reuniões especializadas de representantes dos órgãos nacionais de política comercial, dos órgãos de planejamento e de desenvolvimento industrial, dos bancos cen-trais, e a criação de uma Comissão Técnica de Transportes. As Co-missões Técnicas (comissões assessoras) foram estabelecidas para acom-panhar as questões alfandegárias, industriais, agrícolas e monetárias.

Na Terceira Conferência, sentiu-se demais a rigidez imposta pelas negociações de liberalização. A necessidade de encontrar as vias late-rais ficou evidente! Foi decidido dar início aos trabalhos destinados a coordenar as políticas, harmonizar os instrumentos regulamentares

32 Artigo 54 do Tratado de Montevidéu.33 Sigla derivada proveniente da Nomenclatura Alfandegária de Bruxelas, Resolução 42 (II).

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do comércio exterior, terminar a constituição das comissões técni-cas e colocá-las em atividade durante o primeiro semestre de 1964. Devia-se analisar, depois, os relatórios destas comissões por uma co-missão especial de especialistas de alto nível.

O relatório desta Comissão serviu como base para os debates da Quarta Conferência, que resultaram no primeiro programa conjun-to de estudos sobre as medidas necessárias para assegurar a comple-mentaridade e a integração econômicas, assim como uma melhor organização das instituições dedicadas a estas finalidades34.

a) Harmonização dos instrumentos de política comercial. — Em 1963, durante a Terceira Conferência, já foi debatido mais aprofundada-mente os problemas que resultavam da multiplicidade e da hete-rogeneidade das tarifas e restrições alfandegárias, da assimetria das margens de preferência e da dificuldade de aplicar, assim, o princípio da reciprocidade, o das distorções das condições normais de con-corrência, da diversidade dos custos quanto aos produtos importa-dos de fora da área, da extrema complexidade para a determinação das denominações de origens e do controle de sua aplicação. Numa primeira etapa dos trabalhos, foram analisados os instrumentos al-fandegários, obtendo-se assim a conversão de direitos alfandegários, taxas e restrições às importações em equivalentes ad valorem, sendo os valores obtidos comparados para estudar a possibilidade de uma tarifa externa comum. Atualmente, a NABALALC está sendo atua-lizada e, com base nestas modificações, criar-se-á uma nomenclatura

34 Resoluções 100 (IV) e 101 (IV) de 8-dezembro-1964.

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alfandegária comum. Outros estudos de harmonização das técnicas e procedimentos alfandegários também estão em andamento.

Recentemente, foi determinado um prazo de seis meses para a Secre-taria35, a partir da data de recebimento das informações provenientes dos países (a maior parte delas já foi coletada), para finalizar a compa-ração das tarifas de alfândega, assim como um prazo adicional prová-vel para apresentar um projeto de nomenclatura comum. Pode ser que se terminem as duas tarefas em 1965, antes da Quinta Conferência.

Neste ano, deveriam ser realizados os estudos de coordenação e de harmonização a respeito dos aspectos das técnicas alfandegárias prio-ritárias: a determinação do valor, do drawback; as questões resul-tantes da admissão temporária, das subvenções, do reembolso dos impostos internos e da admissão das amostras comerciais. Uma vez realizados estes estudos pela Comissão Técnica de Assuntos Alfan-degários, a Secretaria preparará um relatório sobre os problemas do programa de harmonização e os instrumentos regulatórios do co-mércio exterior.

b) No setor da indústria. — Esta questão foi abordada, discretamente, em 1963, em Lima, na reunião dos órgãos de planejamento e desen-volvimento. Requereu-se, então, do ILAPES36 que faça um estudo dos critérios necessários para a coordenação dos programas industriais.

35 Resolução 100 (IV).36 Vide o Anexo A.

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As reuniões dos representantes dos setores produtivos, que deveriam ser de maior interesse para processos de integração e de aceleração do programa de liberalização, não deram resultados importantes, es-pecialmente pela falta de informações e de estudos de base. Também foram criados grupos de trabalhos nos quais as condições de funcio-namento técnico são extremamente sumárias. Entretanto, para cer-tos setores e quanto a alguns pontos, os trabalhos já foram realizados por outros órgãos como o CEPAL ou a ILAFA, por exemplo, para a siderurgia (com a colaboração do BID). O Departamento Industrial da CEPAL, conjuntamente com a ILAPES, também está dedicado a realizar os estudos a fim de atingir um nível de preparação que permita conseguir um avanço nas negociações regionais e tomar as iniciativas concretas. Na região, algumas instituições de pesquisa econômica também trabalham, de maneira continuada, sobre um estudo coordenado de custos comparados de certas indústrias37.

Assim, foi criado um programa de ação entre a ALALC e os órgãos colaboradores, que deverá contribuir para a identificação das indús-trias de interesse regional e as atividades produtivas que não foram ainda abordadas ou que estão se iniciando. Também serão estuda-das as possíveis complementaridades, sem limitar isto aos acordos já existentes nessa área.

Pode-se esperar que, daqui a um ano ou dois, um conjunto impor-tante de informações e de estudos estará disponível. Mas, pelo que tenho conhecimento, os recursos técnicos, em geral, para este pro-grama são insuficientes e a coordenação deles é ainda muito precária. De tal sorte, parece improvável que, neste lapso de tempo, se possa

37 Coordenação pela Brookings Institution, Washington, sob a direção do PR J. GRUNWALD.

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reunir elementos suficientes para permitir elaborar uma programa-ção das possibilidades que satisfaça a todos os países e lhes dê mais confiança para avançar na via da coordenação das políticas econômi-cas e do programa de liberalização das trocas comerciais.

c) No setor agrícola. — A complementaridade agrícola (permanente, sazonal ou ocasional) é uma norma do Tratado38 que já tem sido objeto de uma experiência, de resultados animadores. Quase todos os acordos entre países foram assinados, a fim de cobrir déficits oca-sionais. Entretanto, o mais importante é ter começado um sistema de intercâmbio de informações e estudos que deveriam levar a resul-tados significativos.

Esses acordos seriam uma contrapartida positiva das medidas de sal-vaguarda da produção ou das empresas nacionais no setor agrícola.

De acordo com o Tratado, as partes contratantes deveriam dar pre-ferência entre elas nas importações de produtos agrícolas “em con-dições normais de concorrência, tendo sempre em consideração as correntes internas tradicionais do comércio”.

O problema da coordenação das políticas é abordado atualmente com mais realismo ao reconhecer a necessidade de manter, após o período de transição, as cláusulas de escapes indicadas acima, tam-bém levando em conta a substituição das importações no âmbito da estrutura dos “tratamentos preferenciais eficazes”39.

38 Artigo 29 do Tratado de Montevidéu. 39 Resolução 97 (IV) e Resolução 100 (IV).

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Sobre estas bases, os trabalhos de pesquisa e os debates oficiais pre-liminares foram orientados para: o exame das projeções do conjun-to da demanda, a coordenação dos programas agrícolas nacionais, a fim de obter, segundo as condições específicas de cada país, uma reorganização das produções relativamente marginais, para desen-volver e diversificar a produção e estimular o aumento do consumo de alimentos. Estão em andamento estudos sobre a comercialização coordenada e a criação de um esquema possível de excedentes agrí-colas utilizados, especialmente, em favor dos países economicamente menos desenvolvidos, mas os recursos técnicos disponíveis são mui-to limitados.

A tendência é, portanto, a substituição das importações projetadas no nível regional, assim como a organização de uma concorrência devidamente concordada dentro da área, visando assegurar, no nível nacional, empregos agrícolas suficientes e um processo moderado de mudança do sistema de produção agrícola e de deslocamento da força de trabalho excedente para outros setores.

A coordenação das políticas de comércio exterior da ALALC foi consi-deravelmente estipulada pelo espírito de integração com a antiga Con-ferência de Genebra. Reciprocamente, esta coordenação encorajou os esforços de coordenação interna visando à integração. Não obstante, este avanço nos posicionamentos políticos exteriores não se traduziu ainda na coordenação dos programas de produção e de exportações para o exterior em geral, exceto no caso do café. Neste campo, são evidentes os perigos da concorrência destrutiva involuntária entre os diversos países da América Latina a respeito de vários produtos40.

40 O Comitê dos Nove salientou este perigo, fundamentando-se nas informações consolidadas nas avaliações dos planos nacionais.

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d) No setor dos transportes. — Dentro da organização da ALALC, foi constituída uma Comissão Técnica dos Transportes e, doutro lado, foi estimulada a criação da Associação Latino-americana dos Arma-dores (ALAMAR). A principal atividade destes dois órgãos foi deba-ter um projeto de acordo do transporte marítimo estabelecendo, de acordo com a recomendação anterior41, o tratamento nacional para as operações portuárias e alfandegárias, as tarifas e as taxas sobre a navegação, assim como uma « reserva de carga dentro do comércio na área. Registrou-se uma forte oposição por parte dos armadores estrangeiros, causando um certo atraso na adoção deste acordo42. Uma reunião, no nível dos governos, foi programada para o próximo mês de abril, a fim de considerar os diversos aspectos da política dos transportes marítimos dentro da área.

e) No setor financeiro. — Após o impasse a que se chegou na reunião da CEPAL no Panamá, em 1959, diante da oposição entre os proje-tos que foram propostos e a política defendida pelo FMI e pelos Es-tados Unidos, os problemas de pagamento dentro da área desapare-ceram por uma espécie de inibição política43. As reuniões dos Bancos Centrais, estimuladas pela ALALC, sofreram diante desta situação. Este estado de coisas está em vias de se modificar lentamente graças

41 Resolução 46 (II).42 BNCE, México, Comercio Exterior, Suplemento, nov. 1964.43 Os projetos apresentados pela CEPAL buscando fazer dos mecanismos de pagamentos um ins-trumento de reciprocidade para o comércio entre os países membros. O posicionamento dos EUA e do FMI consiste em evitar as « distorções comerciais » e os inconvenientes possíveis para a livre convertibilidade dos pagamentos. CEPAL, Documentos sobre los problemas financieros preparados por la Secretaria para la ALALC, 1961 (E./CN. 12/569), p. 56, mimeografado e El Mercado Común Latino- americano, Nações Unidas, 1959 (59.II.G.4.), Miguel S. WIONCZEK, op. cit., p. 86.

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à habilidade com a qual o CEMLA retomou o problema durante a reunião realizada no México, em setembro de 196244. O CEMLA e a CEPAL continuam impulsionando os estudos e as reuniões na ALALC Após outubro de 1963, entrou-se na etapa de implementar as fórmulas de compromisso45. O sucesso da Câmara de Compen-sações, constituída na América Central, e o acordo recente visando a união monetária centroamericana, contribuíram para suscitar um aumento do interesse dos países da ALALC e da Venezuela para ado-tar um mecanismo de compensações que poderia levar a uma unifi-cação dos pagamentos.

Contudo, a ALALC ainda não está envolvida no estudo deste pro-blema, exceto naquilo que concerne a vagos estudos gerais e isto diante das inibições residuais que persistem: seja pela falta de im-portância dada para a representação da ALALC, seja pela autonomia ciumenta dos Bancos Centrais. Para atingir seu objetivo inicial que é o de conseguir o máximo de inter-relação possível entre os sistemas monetários e financeiros, a Associação dedicar-se-á a preparar os es-quemas de financiamento do comércio entre os países membros, da cooperação entre os bancos privados; a analisar a influência das taxas de câmbio sobre as correntes entre os países membros46; a estudar a

44 CEMLA, Relatoria de la VII Reunión Operativa. A reunião foi realizada no México em paralelo à Segunda Conferência da ALALC a ACEMLA teve a Oitava Reunião Operativa em Caracas de 24 de novembro até 2 de dezembro sobre o tema: O mercado dos capitais a vista da integração econômica. — Vide CEMLA, Cooperación Financiera en América Latina, México, 1963; Problemas de Pagos en América Latina, México, 1964. Boletín Quincenal, doc. 1964, sup. n° 12, e Coordinación y Cooperación Financieras en América Latina, em: Boletín Quincenal, Agosto, 1964, sup. n° 8.45 Sétima Reunião de Especialistas dos Bancos Centrais da América Latina, Rio de Janeiro, outubro de 1963. Vide: CEMLA, última obra citada na nota anterior e FMI, Staff Papers, nov. 1963; KEE-SING e BRAND, Possible Role of a Clearing House em: L.A. Regional Market.46 A Secretaria da ALALC já fez um estudo preliminar demonstrando o efeito perturbador da insta-biliade e da falta de coordenação das taxas de câmbio estrangeiro.

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eliminação das restrições de tipo monetário impostas às importações entre os países membros, assim como a harmonização deste tipo de restrições sobre as exportações dos não integrantes; a estudar o tra-tamento a ser dado aos capitais estrangeiros e as medidas a serem tomadas para facilitar a circulação dos capitais dentro da área e a organização das empresas regionais, elaborar os estudos referentes ao desenvolvimento das Bolsas de Valores e de certas formas de coope-ração financeira interna e externa para a integração47.

Quanto àquilo que concerne ao financiamento do comércio intra-latino-americano, um plano foi estabelecido pelo BID. As linhas de crédito já foram concedidas aos órgãos de financiamento das expor-tações da Argentina, do Brasil, do Chile e do México.

47 Resolução 100 (IV), art. 8 e 19.

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Os problemas identificados na aplicação do tratado

Nesta seção, será tratada brevemente a execução do Tratado de Mon-tevidéu (TM) e os problemas que este suscita. É difícil enxergar algo novo a acrescentar ao que já foi escrito pela CEPAL, ALALC e pelo BID48. Aquilo que interessa examinar é a importância relativa das dificuldades e a estratégia a ser adotada para solucioná-las.

A) Algumas diferenças com o Mercado Comum Europeu

Parece interessante ressaltar, primeiro, neste ponto, algumas das inú-meras diferenças que existem entre a experiência de integração euro-peia e a latino-americana.

Ainda que muitos já tenham salientado, levando em conta que na Europa já existia um sistema de comunicações, uma capacidade pro-dutiva importante e uma tradição de trocas comerciais regionais, o que bastava ser restaurado ou intensificado, o TM buscou criar uma

48 Não se faz questão de esgotar o tema deste assunto que deverá ser o objeto de outros capítulos deste livro. Vide: CEPAL, Hacia una dinámica del Desarrollo Latino-americano, E/CN/2/680. ALALC, Secretaria, Negociación de la Lista Común, 1964; e relatórios das Comissões Técnicas e da Comissão Especial criada pela Resolução 75 (III), 1964 ( mimeografado ). BID, Felipe HERRERA, diversos discursos e Aldo FERRER, Helio JAGUARIBE, Eduardo FI-GUEIRÃO: relatório sobre Integração Econômica da América Latina, 1964 (mimeo). Este relatório tem alguns anexos; num deles, o autor deste artigo dá um resumo das dificuldades atuais das trocas comerciais e da liberalização do mercado regional.

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nova rede de trocas comerciais e não apenas revitalizar um comércio de importância secundária que, por sinal, estava minguando em ter-mos relativos.

Embora os países latino-americanos não apresentem grandes diferen-ças culturais ou psicológicas (os conflitos, que surgiram entre eles, fo-ram em geral o resultado de disputas entre caudilhos e praticamente de guerras civis), estes países estavam mais orientados para o exterior do que para os países vizinhos. Foi assim que os transportes e as rela-ções comerciais ou as informações recíprocas não poderiam facilitar a obtenção de resultados rápidos dentro do movimento da integração.

Uma outra diferença tem origem na urgência política da integração econômica para constituir uma linha de defesa, para evitar que se repitam os antigos conflitos e, finalmente, para obter uma reafirma-ção da personalidade comum, diante das superpotências do mundo na atualidade, que não se faz sentir na América Latina49. Somente uma elite restrita teria consciência do aumento da distância entre os países latino-americanos e os grandes países industrializados, mas os interesses desta elite, nem sempre estão orientados para a aceitação do desafio inerente a esta dinâmica. As classes dominantes sentem-se protegidas pelo sistema político-militar ocidental e não aceitam por si próprias a necessidade de um desenvolvimento econômico real mais profundo.

49 As testemunhas autorizadas salientam que, mesmo na Europa, os setores privados opuseram, por uma razão ou outra, uma forte resistência quanto à integração econômica e isto em todos os países. É desta maneira que a CECA ou a CEE não puderam ser constituídas, unicamente, por razões econômicas.

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Enquanto, na Europa, a colaboração dos Estados Unidos, para a reconstrução, foi focalizada efetivamente para a coordenação das políticas e a integração dos mercados pelos próprios Europeus; na América Latina isto funcionou somente de uma maneira bilateral e como um freio no processo de integração latino-americana50.

Enquanto na Europa as informações estatísticas e técnicas são de boa qualidade e é fácil encontrar, em grande número, pessoal qualificado e especialistas, o quadro é diferente na América Latina. As informa-ções periódicas são quase inexistentes. Esta circunstância foi um dos fatores mais negativos: pois, mesmo que se tenha uma vontade de ação e decisão, as informações são insuficientes.

Na Europa, além dos recursos e dos mecanismos financeiros nacio-nais, os mecanismos comunitários especiais foram estabelecidos para assegurar um processo mais regular de ajustamento, de reconversão, de modernização e de aumento das escalas das empresas, e mesmo de readaptação de certas áreas ou grupos de trabalhadores para novas atividades. Na América Latina, onde as diferenças de produtividade são maiores na maior parte dos casos, especialmente no setor indus-trial, este mecanismo não existe. Ainda que se deva levar em conta os desequilíbrios comerciais, talvez inevitáveis, durante um longo perí-odo, desequilíbrios gerados pela liberalização acelerada e ampliada, não é possível adotar qualquer coisa de similar à UE ou um sistema de investimentos compensatórios (ainda que tenha sido o caso no Sul da Itália ou na África); este é o sistema que a ALPRO deveria incorporar ao seu mecanismo.

50 A criação recente do CIAP, como órgão promotor externo ao lado do Comitê dos Nove, traduzir- se-á, sem dúvida, por um mecanismo multilateral de eficácia crescente para a colaboração intra-ame-ricana e o ajuste da Aliança para o Progresso a respeito das necessidades da integração. O BID já se esforça a fim de dar prioridade para os projetos que têm um efeito de integração.

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B) As decisões políticas

Apesar de tudo, os resultados dos processos de integração, inicia-dos em Montevidéu, não são tão desprezíveis como se considera habitualmente51.

Não é necessário determinar a diferença entre as correntes comer-ciais resultantes das negociações formais e aquelas decorrentes de outras circunstâncias. Além de uma recuperação do crescimento do comércio entre os países membro, as condições que têm sido criadas durante as negociações formais e o ambiente instaurado graças ao Tratado de Montevidéu estão em via de produzir novas possibili-dades de produção e de comércio, que necessitam de tempo para se chegar a um certo grau de maturidade. Entretanto, elas têm neces-sidade de certas condições complementares, tais como sistemas de transportes e de financiamentos adequados.

Isto, apesar de tudo, é extremamente pouco, levando em conta os problemas econômicos e políticos que apresenta a integração da América Latina.

A necessidade de se enfrentar, no seu conjunto, os problemas do comércio internacional e a evidência da paralisia quase total do Pro-grama de Liberalização de Montevidéu, especialmente o primeiro, foram os fatores importantes para reavivar a vontade de tomar as decisões de ordem política a fim de acelerar o processo de integração.

51 Vide os Anexos B e C.

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É evidente que se tem necessidade de decisões de ordem política porque a experiência demonstra que os setores privados são mais induzidos a criar resistências e provocar atrasos, em vez de aceitar a concorrência e estimular a integração (como deveria ser o caso para aqueles cujas condições de exportações são favoráveis, estas possibi-lidades sendo, no caso latino-americano, mais futuras que atuais).

Que tipo de decisões políticas deveria-se tomar? O problema tem a ver com as limitações institucionais do TM ou com as restrições políticas e técnicas para sua execução mais acelerada e equilibrada?

Não me parece que a adoção da automaticidade das reduções no atu-al Programa de Liberalização possa ter consequências importantes. Não creio também que, nas circunstâncias atuais, possa-se aplicar este método ao conjunto da lista de produtos, das tarifas alfandegá-rias e para todas as taxas de importações, mesmo que sejam harmo-nizados os instrumentos alfandegários e as políticas comerciais.

No primeiro caso, o comércio existente não seria, por ele próprio, suficientemente importante e o efeito negativo de uma quase estag-nação nas concessões das listas nacionais seria desprezível se os seto-res dinâmicos fossem o objeto de acordos de complementaridade. Em outras palavras, se isto ocorresse, seriam criadas condições para que as negociações, produto a produto, do programa geral de libera-lização, sejam mais amplas ou para que os países adotem o método do automatismo das concessões lineares. É possível que, então, não seja necessário alterar o TM.

A extensão do sistema automático para o conjunto das tarifas alfan-degárias, não é possível antes de se chegar a uma harmonização dos

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instrumentos e dos tratamentos alfandegários para o comércio fora da área. E esta harmonização, por sua vez, dificilmente pode ser de interesse dos países antes que estes tenham enxergado as vantagens que poderiam resultar, rapidamente, do processo de integração.

Não é por outras razões que o Programa de Complementaridade e de Integração Econômica da ALALC52 indica que não se deve espe-rar, primeiro, que ocorra a harmonização dos instrumentos de po-lítica alfandegária a fim de harmonizar, posteriormente, as políticas econômicas e os programas de produção. O programa salientava que eles estavam vinculados entre si. E que isto correspondia, justamen-te, ao objetivo essencial.

Não é apenas a parte instrumental, isto é, a nomenclatura e a defini-ção dos critérios alfandegários de estatísticas, que possam avançar de maneira autônoma e se tornar um fator que facilite as negociações como já tem acontecido.

A harmonização das políticas econômicas, embora corresponda a uma vontade comum, obterá apenas resultados fracos enquanto os programas de produção não forem coordenados a fim de dar a todos os países as condições satisfatórias de desenvolvimento.

Doutra parte, o esforço técnico, que requer a harmonização das po-líticas e das legislações, é por demais gigantesco, considerando as possibilidades dos países, ainda que uma parte deste trabalho possa ser reduzida pela excelente colaboração da CEPAL. Consequente-mente, não basta uma intenção política ou um objetivo, que parece

52 Resolução 100 (IV).

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já existir: é necessário um potente interesse motor para mobilizar, em prol desta frente de ação, os limitados recursos técnicos disponíveis.

C) Os problemas no setor industrial

O planejamento industrial da região é uma tarefa enorme que, cer-tamente, poderia ser cumprida mais facilmente no exterior53. Acre-dito, não obstante, que, politicamente, este método seria artificial e negativo. O método eficaz consistirá em realizar, dentro da própria região, um máximo de esforço de cooperação entre os países e os ór-gãos internacionais que se interessem mais diretamente pelo progra-ma de integração. Também, poder-se-ia utilizar a cooperação técnica do exterior como um complemento.

Para se limitar ao campo do possível, seria necessário restringir o trabalho inicial aos setores ou programas que são especialmente prio-ritários. Portanto, teoricamente, isto deveria levar a delimitar um número menor de setores industriais ou agrícolas.

Não obstante, a partir de um ponto de vista prático, se fossem limi-tadas a alguns setores chaves, as possibilidades de desenvolvimento seriam restritas e pouco distribuídas geograficamente, e se tornaria difícil mobilizar os interesses de todos os países. Portanto, será neces-sário elaborar um número suficiente de estudos de setores e de proje-tos conjuntos que permitam distribuir, de uma maneira equitativa e

53 Por exemplo, como uma espécie de exercício acadêmico para os centros de desenvolvimento ou os cérebros eletrônicos das universidades norte-americanas.

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interessante para todos os países, as possibilidades de investimentos. Em todos os casos, estes estudos deverão apontar as melhores locali-zações dos investimentos assim como as outras localizações aceitáveis e as possibilidades concretas de complementaridade, o que facilitará o andamento satisfatório das negociações e, como consequência, fará progredir o processo geral de integração.

D) Os problemas no setor agrícola

Uma vez adotadas as salvaguardas para os produtos agrícolas, após o período de transição, e considerando que, exceto em alguns casos raros, não se tem grandes diferenças nos níveis de produtividade dos países e que há uma tendência natural para uma localização dispersa da produção na América Latina, não haveria obstáculos econômicos para uma complementaridade organizada neste setor. Esta afirmação se fundamenta na suposta existência de uma elasticidade de rendi-mentos relativamente altos para os produtos alimentares, especial-mente para as proteínas ou, em geral, os produtos de melhor quali-dade (considerando o fraco nível atual do consumo na maior parte dos países) e uma demanda por matérias-primas — geograficamente dispersa — que continuará sendo mais importante em consequência dos efeitos dinâmicos do processo de integração sobre o desenvolvi-mento industrial.

É possível que, em vez de criar problemas, a integração da América Latina exige somente um avanço sério e sem precedentes para au-mentar a produção e a produtividade, de maneira a poder enfrentar a crescente demanda interna de produtos agrícolas. Este campo é

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também um daqueles que requer que a integração regional e a refor-ma das estruturas econômicas interiores estejam vinculadas.

Um problema de origem externa surge da existência do programa bilateral de excedentes agrícolas dos Estados Unidos (Lei PL 480). Já foi sugerido que os mecanismos da Aliança deveriam ser utilizados de maneira a orientar o uso destes excedentes de modo a financiar a complementaridade agrícola na América Latina54.

E) O problema da reciprocidade

Para acelerar o funcionamento da ALALC, seria necessário que cada país pudesse, razoavelmente, esperar uma vantagem. Acredito que a maior parte dos países admite, em princípio, que não é essencial para a reciprocidade obter um equilíbrio das balanças comerciais de-les ou dos seus balanços de pagamentos com o resto da área, e que os países também aceitem o princípio do Tratado segundo o qual se deve buscar a reciprocidade graças a um comércio cada vez mais importante. O que os países necessitam é que se assegure que eles vão participar de um comércio crescente, e que, no âmbito de um mercado integrado, eles encontrarão as condições dinâmicas que vão favorecer seu próprio desenvolvimento no curto prazo. Para muitos países, isto não é evidente.

54 O próprio autor o fez isso quando era Secretário Executivo da ALALC em 1961-1962.

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F) As diferenças entre países

Pode-se afirmar que, considerando o isolamento e as importantes barreiras alfandegárias dos mercados pequenos, o ganho potencial de um país em favor de um mercado integrado é tão grande quanto sua população, seu Produto Interno Bruto ou sua renda por habi-tante e a variedade dos seus recursos nacionais, são insignificantes. Entretanto, este ganho é de longo prazo, não aparecerá até que sejam efetivas as condições de produção e de comércio possíveis somente a partir da consolidação da integração econômica.

Por outra parte, os países que, isoladamente, usufruem de um mer-cado nacional de dimensões suficientes, que dispõem de uma acu-mulação de capital produtivo diversificado e de toda uma série de recursos, e, por consequência, cujo crescimento depende menos dos mercados ampliados pela integração, podem, no seu nível, encon-trar vantagens imediatas importantes. Eles poderiam, utilizando os recursos ociosos e os investimentos marginais menores, desenvolver, mais rapidamente, sua produção visando o mercado regional e assim melhorar sua produtividade, graças às economias de escala, à espe-cialização e à integração nacional dos seus complexos de produção. Estas vantagens poderiam se acumular de uma maneira permanente.

Poderia ocorrer que as condições potenciais ou teóricas, não consi-derando a dimensão do mercado nacional, fossem mais satisfatórias para a localização de complexos industriais em um país de menor importância. Mas estas condições não vão se materializar no médio prazo (e talvez nem mesmo, necessariamente, no longo prazo) com a integração regional (exceto se a produtividade dos recursos disponí-veis, abrangendo também a dos empreendedores fosse excepcional).

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Para isto acontecer, necessitar-se-ia de uma política focalizada de promoção.

A experiência dos países cuja dimensão é satisfatória, e que represen-tam as verdadeiras uniões alfandegárias, leva a pensar que o processo de descentralização das atividades é muito lento e que seu funciona-mento apresenta, frequentemente, características inesperadas e logo, agravam as diferenças entre as rendas regionais.

Para obter um melhor equilíbrio regional, simplesmente, não basta estimular a instalação de determinadas indústrias nos países médios e pequenos, ainda que sejam dinâmicas, deve-se também prever a instalação de complexos produtivos autossuficientes (mesmo para as atividades que não são necessariamente dinâmicas na escala regional) para que os efeitos do vínculo (linkage) e as economias externas pos-sam, em geral, exercer plenamente seu efeito dinâmico55.

Estes polos ou complexos industriais dinâmicos56, no mercado in-tegrado, não seriam necessariamente vinculados às fronteiras nacio-nais - e seria mesmo desejável que ultrapassassem estes limites; no entanto, será indispensável, no começo mesmo da integração, levar em conta a persistência do espírito nacional. Isto implica que, pelo

55 Parece-me que, a respeito deste ponto, o programa atual dos setores dinâmicos da CEPAL (nota da Secretaria sobre as atividades da Comissão em Matéria de Integração Econômica, de outubro de 1964) é insuficiente, mesmo supondo há possibilidades para todos os países, possibilidades suficientemente interessantes mesmo diante do prestígio das indústrias referidas.Seria possível, no entanto, que os complexos nacionais de produção, dos países de menor desenvolvi-mento, pudessem ser programados pelos órgãos nacionais de planejamento e elaboração de projetos, com a colaboração de missões tripartites de apoio (OEA - CEPAL ou ILAPES - BID), exceto no que concerne aos mercados de produtos exportáveis para outros países.56 F. PERROUX, L´économie du XXe siècle, Presses Universitaires de France, 1961.

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menos, dever-se-á ter um polo de desenvolvimento ou complexo industrial em cada país.

As condições institucionais, oferecidas ao Paraguai e ao Equador no Tratado de Montevidéu57, são relativamente amplas. No entanto, a situação destes países não lhes permitem se beneficiar, automatica-mente, destas vantagens. Os países que têm mercados insuficientes (os países de dimensão média, o Uruguai, o Chile, o Peru e a Co-lômbia) também reclamaram um tratamento especial, que lhes foi concedido, por reconhecer a dificuldade de se obter a reciprocidade das negociações58.

G) A responsabilidade dos “Três Grandes”

Também acontece que o desenvolvimento insuficiente do processo de liberalização comercial, de harmonização e de coordenação das políticas, para chegar à integração dos mercados, resulta de contradi-ções entre os interesses imediatos dos três grupos de países e da falta de viabilidade de um posicionamento mais firme da parte dos países que têm um mercado nacional suficientemente grande.

Um acordo relativamente grande entre os três principais países da ALALC é fundamental para o sucesso deste órgão. Este acordo de liberalização deveria ser implementado sem se preocupar com a

57 Anexo B e seção do texto sobre os países de menor desenvolvimento econômico relativo.58 Resolução 71 (III), Res. 99 (IV) e Res. 100 (IV). Quando era o Secretário Executivo da ALALC, o autor insistia sobre o reconhecimento destas diferenças estruturais e acerca da necessidade de uma política adequada para começar a adotá-lo.

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reciprocidade oferecida pelos países dos outros dois grupos, exceto em alguns setores especiais. É possível, por outra parte, que os países de economias médias e pequenas sejam aqueles que possam, em cer-tos casos, ser os maiores beneficiários das vantagens acordadas entre os países grandes. Eles pagariam a posteriori e o processo de libera-lização se ampliaria. Eu diria que os países maiores deveriam abrir, deliberadamente, as possibilidades de comércio para os outros no seu próprio mercado. Esta decisão animaria os outros países a uma liberalização mais acelerada.

Entretanto, a Argentina foi afetada por crises internas durante este período inicial da ALALC; o Brasil, especialmente pela instabilidade do câmbio e de política; e o México, por sua vez, tem desconfianças quanto às consequências da integração regional sobre a integração vertical das suas próprias indústrias. Em todos estes países, o interes-se imediato — em geral, mal fundamentado — de grupos particu-lares tem-se oposto ao interesse geral; o conforto das situações con-solidadas, a resistência às mudanças e aos ajustes que são necessários para uma coordenação dos investimentos e uma concorrência dos interesses recíprocos, freiam o crescimento da Associação.

A outra possibilidade de um sistema progressivo de integração re-gional, a partir da constituição de pequenos mercados sub-regionais, que, ainda na atualidade, é mencionada de novo em certos círculos, não me parece simplificar muito o problema, especialmente levando- se em conta a perda do impacto e de tempo que isto representa diante de uma liberalização mais ampla no âmbito do mercado regional. O processo de integração latino-americana em duas etapas, que resul-tariam da generalização dos mercados sub-regionais (tipo a América Central) seria mais difícil do que a integração direta. Com efeito, o

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fato de as distâncias entre os complexos de produção espalhados atu-almente pelo continente latino-americano — São Paulo, Santiago, Lima, Bogotá, México, etc. — e os problemas de transporte, os in-dustriais de um centro não têm muito a temer quanto à concorrência dos outros centros. Por outro lado, é perfeitamente conveniente para eles que a concorrência brutal que lhes é imposta pelos grandes países industrializados, seja reduzida e, se possível, afastada do mercado, em benefício da concorrência menos perigosa dos outros produtos do continente. Portanto, pode-se ver também que a concorrência poderá ocorrer, gradativamente, dentro do continente à medida que se organizarão as correntes comerciais transversais até então inexis-tentes. A integração por etapa não permite o funcionamento deste mecanismo mais flexível de adaptação da concorrência para a produ-ção e vice-versa. Entretanto, certos acordos de complementariedade fronteiriça constituem uma contribuição à integração global e devem ser considerados desde um ponto de vista pragmático59.

59 O caminho foi aberto graças ao estudo fronteiriço colombiano-venezuelano com a colaboração do BID Diversos projetos multinacionais de infraestrutura estão em andamento de estudos ou estão sendo estimulados nesta data. O mais conhecido, dentre eles, é aquele da rota marginal da Floresta, lançado pelo Presidente Belaúnde do Peru, que deverá ligar a Colômbia, o Equador, o Peru, a Bolívia e a Venezuela. O CIAP tem incluído, no seu programa atual, um recenseamento das suas ideias ou projetos a fim de promover o estudo e a sua realização. Embora a América Latina tenha uma capacida-de de produção de excelentes navios, um dos estudos fundamentais a ser elaborado, mas que até esta data tem sido mantido atrasado por razões políticas e técnicas, é aquele da ampliação da capacidade do transporte marítimo introlatino-americano. Corresponde salientar que a América Central vai entrar como uma unidade alfandegária dentro da estrutura da ALALC e talvez com o status de um PMDER.

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H) A próxima reunião de Ministros

Programou-se uma reunião dos Ministros das Relações Exteriores e daqueles que estavam ligados diretamente com à ALALC a fim de tomar decisões de ordem política. Parece que o momento seja opor-tuno para se adotar um programa de debates mais amplo, similar ao conteúdo do documento recente emitido pelo BID60.

Seria desejável que resultassem disso decisões concretas quanto àqui-lo que concerne à automatização da liberalização, às tarifas externas comuns e à harmonização das políticas econômicas. Mas algumas destas decisões não poderão ter eficácia se os três grandes países não se entendem sobre a base de uma decisão conjunta, assim como já salientei anteriormente, e se eles não abrem assim as perspectivas comerciais para os outros países médios e pequenos.

A definição destas perspectivas, por sua vez, depende de um meca-nismo muito mais amplo do que aquele que está disponível atual-mente, especialmente naquilo que concerne aos recursos financei-ros e às possibilidades de coordenação. A Secretaria da ALALC e os meios dos quais dispõe devem ser reforçados substancialmente. Um órgão de desenvolvimento, que seria complementar do BID, parece

60 Esta reunião foi sugerida, inicialmente, pelos Ministros Martínez Montera do Uruguai e Santiago Dantas, do Brasil, no começo de 1962, vinculada ao Secretário Executivo da ALALC. Posteriormente, ela foi objeto de uma declaração pública dos Presidentes Alessandri e Goulart, na ocasião da visita deste último ao Chile em 1963. Esta declaração recebeu o apoio público de outros Presidentes. A reunião não pôde ser realizada em 1964. Na Resolução 112 (IV) foram definidas as medidas preparatórias para convocá-la no período entre o mês de abril até o mês de agosto de 1965. Uma carta recente, do Presidente Frei do Chile para os Srs. Raúl Prebish, J. A. Mayobre (CEPAL), Felipe Herrera (BID) e C. de Santamana (CIAP) propôs a realização de estudos urgentes para fundamentar as decisões políticas que devem ser tomadas. O documento do BID foi citado no começo da Seção 4.

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ser necessário e, já que diversas instituições têm proposto isto, come-çando pela CEPAL61. Este órgão poderia ser constituído de maneira a coordenar a cooperação dos órgãos nacionais de desenvolvimento, de capitais privados da região e de investimentos diretos exteriores; e fazer calar os temores dos empreendedores latino-americanos e das forças da esquerda que veem o Mercado Comum se convertendo em um domínio favorável ao estabelecimento do monopólio de gran-des empresas multinacionais; diante do fato, de que estes terão mais capacidade de grandes investimentos e já dispõem de uma rede de produção e distribuição em escala continental.

A harmonização dos regimes para os capitais estrangeiros, cuja au-sência contribui um obstáculo à integração, depende quiçá da pos-sibilidade de superar esta desconfiança. A harmonização do câmbio, que seria um outro avanço, depende da estabilização da moeda, isto é, do controle da inflação e de mais atenção para a balança de paga-mentos, mas isto, em muitos casos, não poderá ser conseguido até que as esperanças de desenvolvimento sejam asseguradas graças à im-plementação dos planos de desenvolvimento no comércio exterior e à colaboração financeira externa. Entretanto, poderia ser dado um grande passo à frente adotando-se uma moeda estável e um mecanis-mo de compensações e de créditos limitados.

Foram obtidos grandes avanços no estudo destas decisões e uma eli-te, atualmente mais numerosa, tem mais conscientização, mas ainda não em escala suficiente para que se possa vencer as resistências de

61 CEPAL, Integración Económica de América Latina, preparado para a reunião do CIES, agosto de 1961, H. PERLOFF e R. ALMEIDA, L´intégration économique régionale et le développement de l›Amérique latine, 1963 (CIES/345).

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alguns e a ignorância de outros nos setores-chaves das classes diri-gentes e da opinião pública dos países latino-americanos. Na rea-lidade, a ALALC é resultado de uma “conspiração” de funcioná-rios públicos nacionais e internacionais, e de alguns empresários. A ideologia da integração ainda não ultrapassou os limites de grupos cívicos vinculados a certos interesses econômicos minoritários, para poder se transformar numa plataforma dos políticos nacionais dos países latino-americanos.

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ANEXO A Abreviaturas utilizadas neste trabalho

AC Acordos de complementariedade para o setor industrial.

AL América Latina.

ALALC Associação Latino-americana de Livre Comércio.

ALPRO Aliança para o Progresso.

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento.

BNCE Banco Nacional de Comércio Exterior, México.

CEE Comunidade Econômica Europeia.

CEMLA Centro de Estudos Monetários Latino-americanos.

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina.

CIAP Conselho Interamericano da Aliança para o Progresso.

CIES Conselho Interamericano Econômico e Social.

CNMF Cláusula da nação mais favorecida.

CEP Comitê Executivo Permanente.

Conferência Chamada oficialmente como Período de Sessões (ordinária ou extraordinária) da Conferência das Partes Contratantes do Tratado de Montevidéu.

EU Estados Unidos da América.

FMI Fundo Monetário Internacional.

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ILAFA Instituto Latino-americano do Ferro e do Aço.

ILAPES Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social.

MCCA Mercado Comum Centro-americano.

PC Partes Contratantes do Tratado.

PIB Produto Interno Bruto.

PMDER Países de menor desenvolvimento econômico relativo; objeto do artigo 32 do Tratado de Montevidéu.

Res Resolução da Conferência. O número romano, entre parêntesis, indica o número da Conferência Ordinária Anual; assim: I = Conferência de 1961. [Nota: usou-se o número como termo completo, primeira, segunda, etc.]

TM Tratado de Montevidéu.

UEP União Europeia de Pagamentos.

Área Área de aplicação do Tratado, isto é, a ALALC [Nota: prefere-se não usar: Zona].

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ANEXO B62

I. As concessões do programa de liberalização (no fim de 1963)

Listas nacionais (concessões concordadas)

País 1961 1962 1963

Argentina 414 1.072 1.280

Brasil 619 1.250 1.312

Colômbia 268 619 709

Chile 343 833 864

Équador 1.714 1.677

México 288 607 727

Paraguai 520 589 664

Peru 227 299 355

Uruguai 567 610 664

TOTAL 3.246 7.593 8.247

62 O autor não tem conhecimento detalhado sobre as alterações adotadas em dezembro de 1964, aumentando as Listas I e II (a partir de janeiro de 1965). Segundo as informações disponíveis, as mudanças têm pouca importância.

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II. As concessões feitas para os PMDER não extensiva aos outros países (no fim de 1963)

Listas especiais para o Paraguai Listas especiais para o Equador

Argentina 994 Argentina 143

Brasil 1.334 Brasil 241

Colômbia 252 Colômbia 101

Chile 289 Chile 105

Equador 301 México 250

México 959 Paraguai 150

Peru 167 Peru 700

Uruguai 491 Uruguai 86

4.787 1.146

TOTAL GERAL: 5.933

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ANEXO C Estatísticas63

Tabela I Comércio entre os países da ALALC

Ano Exportações da área

Importações da área

Total da área

Índice 1952-100

Participação do comércio

total dos países da

ALALC (%)

1952 359 449 808 100,0 8,4

1953 509 525 1.034 127,9 11,3

1954 495 539 1.034 127,9 10,3

1955 508 574 1.082 133,9 11,0

1956 358 408 766 94,8 7,6

1957 396 441 837 103,6 8,1

1958 374 403 777 96,1 8,2

1959 324 355 679 84,0 7,2

1960 340 375 715 88,6 6,9

1961 299 360 659 81,5 6,0

Após Tratado de Montevidéu

1962 355 420 775 95,9 7,0

1963 42 526 95 111,7 8,4

63 Os dados parciais para 1964 indicam um aumento importante do comércio total e dos produtos industriais entre os países da ALALC.

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Tabela II Importações dos países da ALALC provenientes dos outros membros

1961 1962 1963

De acordo com o relatório das importações totais dos países da ALALC

6,0 7,1 9,1

Dados do relatório das importações dos países da ALALC com origem em toda a América Latina (AL)

61,1 65,3 77,0

Segundo o relatório das importa-ções totais da AL provenientes da AL

52,5 54,5 62,0

Fonte: I e III. ALALC, Secretaria, El Comercio entre los Paises de la ALALC, em Comercio Exterior, México, suplemento, junho de 1964; II. Dados para os cálculos, OEA, América en Cifras.

Tabela III Comércio dentro da área nos primeiros anos de operações da AEAEC, EFTA e a CEE (Em milhões de dólares; índice 100 para o ano anterior da entrada em vigor

de cada Tratado)

Ano ALALC Índice EFTA Índice CEE Índice

1957 13.871 100,0

1958 13,312 95,9

1959 7.117 100,0 16.051 115,7

1960 8.399 118,0 20.403 147,1

1961 659 100,0 9.170 128,8 23.507 169,9

1962 775 117,6 9.727 136,7

1963 951 144,3

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ANEXO D A estrutura da ALALC e dos órgãos vinculados com a integração

I. — Conferências.

II. — Comitê Executivo Permanente: funções como constam no texto.

III. — Secretaria Executiva.

IV. — Conselhos:De Política Financeira e Monetária. Compõe-se de Presi-dentes e Diretores de Bancos Centrais e coordena os estudos da Comissão Técnica sobre Assuntos Monetários. Deve favorecer a consolidação, a coordenação e a harmonização das políticas monetárias (criado pela Resolução Rés. 100 (IV)).

Outros Conselhos:Conselho de Política Agrícola;Conselho de Política Comercial;Conselho de Desenvolvimento Industrial;Conselho de Comunicação e de Transportes.(O C.E.P. foi autorizado para criar estes Conselhos pela Reso-lução 100 (IV). Têm a mesma estrutura do que o Conselho de Política Financeira e Monetária).

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V. — As Comissões Técnicas Governamentais (Comissões Assessoras):

— para as Estatísticas; — para o Desenvolvimento Industrial;— para os Transportes; — para os Assuntos Alfandegários;— para os problemas de origem das mercadorias;— para os Assuntos Monetários;— para a Nomenclatura;— para os Assuntos Agrícolas.

Para avaliar, no seu conjunto, os trabalhos realizados por estas Co-missões Técnicas, em 1964, foi criada uma Comissão Técnica de Es-pecialistas de nível.

VI. — Grupos setoriais das indústrias, para o intercâmbio de in-formações e dados e o estudo dos problemas referentes aos setores industriais, com a participação ativa dos empresários. Chamam- se assim: « reuniões setoriais ».

Existem para os seguintes setores:— petroquímica; — das fibras sintéticas;— químico-farmacêutica; — dos fertilizantes;— do papel e da celulosa; — do material ferroviário;— do vidro; — dos equipamentos agrícolas;

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— da mecânica; — dos equipamentos da construção;— alimentar; — das máquinas-ferramentas;— da madeira e da produção com madeira; — dos equipamentos de base industrial; — da indústria automotriz; — dos produtos de caucho; — dos plásticos;— da indústria têxtil abrangendo os equipamentos das indús-trias têxteis;

Diversos setores industriais têm realizado espontaneamente as “reuniões”.

VII — As Comissões Consultivas, previstas no artigo 43 do Tratado de Montevidéu; estas são compostas de diversos setores das ativida-des econômicas de cada uma das partes contratantes. Estas comis-sões ainda não foram constituídas.

VIII. — Os órgãos internacionais de Assistência Técnica:

— a CEPAL e o CIES (de acordo com o Tratado de Montevidéu);— la BID (segundo uma Resolução);— o ILAPES, o CEMLA, a FAO, a OIT e o Conselho de Cooperação Alfandegária de Bruxelas (do qual se pode solici-tar a colaboração, caso esta for necessária).

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IX. — As Comissões Nacionais. Geralmente, constituídas nos pa-íses com diversos nomes, são as comissões interministeriais, com os representantes do setor privado; em outros casos, uma diferença é feita entre o setor público da comissão e o setor privado, neste caso, tem-se então uma comissão mista entre o setor público e o privado.

X. — Os órgãos privados. Criados para coordenar os empresários quanto à colaboração deles com a ALALC; são os seguintes:

— a AILA : Associação de Industriais Latino-americanos;— AELPALALC : Associação de Empreendedores Latino- americanos da ALALC;— a Associação Latino-americana das Indústrias das Conser-vas Alimentares;— a Associação Latino-americana dos Produtos de Vidro;— a Associação Latino-americana dos Produtos de Papel e Celulosa;— a Associação Latino-americana do Couro e do Curtume (ALAIC);— a Associação Latino-americana de Vinhos e Uvas-Passa (ALAVU);— a Associação Latino-americana das Indústrias Elétricas e Eletrônicas;— a Associação Latino-americana de Armadores (ALAMAR);

- o ILAFA, Instituto Latino-americano do Ferro e do Aço, que é o mais importante de todos e que realiza os estudos sobre a progra-mação e a coordenação da indústria siderúrgica em colaboração com a CEPAL e o BID;

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- o CICEP Conselho Interamericano do Comércio e da Produção, que existia já antes da criação da ALALC;

- a ARPEL, Associação Petroleira de Assistência Recíproca (órgão que reagrupa as empresas petroleiras governamentais).

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4 O desenvolvimento industrial do Nordeste e seus possíveis fatores de rigidez*

* Originalmente publicado na Revista Economia e Desenvolvimento, Rio (3), dezembro de 1967.

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O governo reafirmou o propósito de persistir no programa de estímulos fiscais (exclusivos, quanto à extensão territorial) para o Nordeste e o Norte. Esta política parece essencial,

posto que:

Primeiro, as duas regiões estão manifestando capacidade de absor-ver investimentos e seria uma imprudência paralisar um dinamismo regional que está evitando maior estagnação no desenvolvimento nacional;

Segundo, devem persistir, ainda por algum tempo, condições de mar-cante diferença em relação aos níveis de vida no Sul, apesar de tais distâncias estarem sendo diminuídas. Não seria, portanto, interes-sante interromper este saudável processo de redução de distâncias;

Terceiro, o desenvolvimento nordestino, sendo uma economia aberta (sem defesas aduaneiras e restrições às transferências), documenta, apesar dos pequenos subsídios indiretos no custo do dinheiro/renta-bilidade (isenções), a tese de que lhe faltavam apenas economias ex-ternas e estímulos para que realizasse a vocação de desenvolvimento industrial ditada pela estrutura dos seus recursos;

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Quarto, os recursos aplicados no NE não representam, senão margi-nalmente, perda da capacidade de inversão no Centro-Sul, menos di-nâmico, no momento, por motivos estruturais; antes, pelo contrário, a ativação do desenvolvimento no NE tende a dar maior densidade e complementação ao sistema econômico nacional e, assim, melhorar os transportes internos e acelerar a integração do mercado interno.

Efetivamente, no impasse (desestímulo às inversões e aumento do desemprego) a que chegou o sistema produtivo nacional com o es-gotamento das substituições fáceis de importação e a demora das re-formas de estrutura, estão toldados os horizontes de investimento no setor privado, salvo petroquímica e não ferrosos, no Centro-Sul do País. O aproveitamento das possibilidades de mercado e dos recursos nas regiões periféricas constitui uma fronteira de expansão, prolon-gando o padrão tradicional. Este prolongamento leva vantagens sobre o processo anterior, no Sul: aproveita a experiência deste; é feito num regime de competição nacional irrestrita, sendo, ainda, condicionado pela elaboração e escrutinização de projetos técnicos e econômico- financeiros. Estas condições asseguram um nível tecnológico e admi-nistrativo, na nova indústria do NE, mais elevado que o da indústria média nacional, o que compensa a menor tradição e integração in-dustrial, ou seja, o mais pobre elenco de economias externas.

No Nordeste, em decorrência da população maior e mais densa, da variedade de recursos e da acumulação já respeitável de infraestru-tura, as possibilidades desse prolongamento são bastante amplas. E, assim, o impacto da industrialização do NE na economia nacional como um todo será maior que o de qualquer outra origem.

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Entretanto, supor que o NE já está experimentando um surto gran-de de progresso e, sendo assim, que não necessitaria dos estímulos fiscais, é não perceber que os crescimentos absolutos são menores, per capita; bem como que o processo nordestino ainda é muito inci-piente, distanciado, portanto, do estágio de autossustentação.

Haveria que se interrogar em que medida esse processo está em via de esgotar as possibilidades fáceis de substituição de importação ou as ditadas pelas vocações mais visíveis, se está sendo conduzido vi-sando simplesmente a absorver recursos financeiros mais fáceis em grandes projetos destinados ao mercado nacional, os quais não apre-sentariam as localizações mais econômicas do ponto de vista da eco-nomia do País.

A escrutinização dos projetos pela SUDENE e pelos bancos financia-dores ocorre de modo a reduzir a taxas residuais o risco de distorções na aplicação de capital, do ponto de vista microeconômico e, em gran-de parte, macroeconômico. Entretanto, pode caber alguma dúvida.

O Nordeste, na medida em que desenvolva cm conjunto um grande número de projetos que se completem, irá automaticamente adqui-rindo condições para maiores escalas e maior especialização. Isto de-verá ocorrer num ritmo sem precedentes no País.

Além das indústrias orientadas pelo mercado regional potencial, o processo pôs em relevo as vocações especiais para indústrias de ex-portação regional e, entre estas, as mais importantes estariam: na indústria química, graças à produção do petróleo e às condições es-peciais para fertilizantes; na indústria dos não ferrosos, de minerais não metálicos e de óleos e fibras vegetais e couro.

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Espontaneamente, muitas dessas virtualidades estão sendo desco-bertas pela iniciativa privada. Atualmente, há uma demanda por recursos dos estímulos fiscais maior que os depósitos novos do art. 34/18. Mas os desajustes de cálculos econômicos já se manifestam nos projetos e os próprios critérios do setor público (SUDENE) são hesitantes, quando não conflitantes. Falta, evidentemente, um estu-do do impacto dos estímulos fiscais e mesmo dos novos projetos já aprovados ou em exame.

Qual a viabilidade da efetiva complementação dos recursos financei-ros complementares aos dos estímulos fiscais? Quais as possibilida-des de que as inversões financeiras se traduzam em inversões reais, ou, em outras palavras, quais os pontos de rigidez que dificultariam as inversões reais e fariam com que as inversões financeiras fossem, em parte, anuladas pela inflação regional, ou simplesmente se deti-vessem, antes de lançadas, pela antecipação das dificuldades?

Eis as questões que devem ser respondidas, inclusive para que se programem as inversões e as atividades de infraestrutura, bem como os projetos diretos que venham flexibilizar as ofertas de que depen-dem o pleno êxito e a própria manutenção (viabilidade política) do regime dos estímulos fiscais.

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Viabilidade das poupanças e inversões

Até junho de 1967, os projetos aprovados pe1a SUDENE represen-tam uma inversão total de NCr$ 1.087 milhões, dos quais 36,7% são recursos dos estímulos fiscais; 24,7% são oriundos de emprésti-mos bancários e 38,6% são recursos próprios e livres. Ultimamente, se verifica uma tendência a subir da porcentagem de recursos aos estímulos fiscais (no período 1966-VI-1967 foi de 42,7%).

As inversões efetivas são indicadas pelas liberações dos depósitos. (Estes desembolsos são condicionados pela aplicação de recursos próprios livres, condição esta que prevalece também para a liberação, pelos bancos, dos empréstimos.) A liberação dos depósitos alcançou em junho de 1967 pouco mais de NCr$ 100 milhões, correspon-dendo a uma inversão total de NCr$ 250 milhões em projetos apro-vados pela SUDENE.

Partindo de uma hipótese de crescimento nominal, para 1967, de 50% (que seria superado conforme as primeiras indicações) e de um crescimento real de 10% entre 1968 e 1970 e de 5% em 1971, os depósitos acumulados até 1971 (manutenção prevista pelo regime durante o governo Costa e Silva, conforme assegurou o Presidente) representarão NCr$ 2.914 milhões em moeda de 19671.(Os qua-dros anexos apresentam melhor os números.)

1 Na verdade, dever-se-iam inflacionar os recursos da SUDNE já aplicados até 1966 para se terem os valores em 1967. Dado o pequeno volume de desembolsos até 1966, é negligível o erro. Quanto aos recursos não desembolsados, não sendo feita a correção monetária dos depósitos, não haveria por que fazê-la para o propósito de medir a inversão potencial em moeda de 1967.

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Tomando a participação dos recursos dos estímulos fiscais como 40% das inversões e uma defasagem de 2 anos entre depósitos e desembolsos, ou inversões eletivas, teremos, até 1973, um investi-mento total de NCr$ 7.285 milhões. Este total supõe que cerca de 25% seriam cobertos pelos bancos (NCr$ 1.821 milhões) e 35%, por inversões livres (NCr$ 2.550 milhões).

Em outras palavras, as inversões em 1973 seriam 29 vezes maiores que as realizadas até junho de 1967, com um crescimento, portanto, de 2.810%. E, já em fins de 1969, poderiam atingir NCr$ 2.227 milhões, ou seja, seriam 8,8 vezes maiores que as de junho de 1967 (crescimento de 780%!). Estes números parecem fantásticos. Para os últimos, basta a manutenção, por mais um ano, do ritmo atual de submissão de projetos (que se tem intensificado), para que haja, sob este aspecto, uma possibilidade efetiva. Não parece haver, neste curto prazo, dificuldades dos outros aportes financeiros, nem inflexibilidade no suprimento de fatores reais: algumas tensões setoriais representa-rão o estímulo para que a oferta se ajuste à nova demanda, bem como que novos projetos se apresentem e, enquanto isto, a importação de bens e serviços, do Sul ou do estrangeiro, equilibraria o mercado.

No prazo médio, os problemas já se podem vislumbrar. O primeiro é saber da viabilidade desses aportes financeiros complementares.

No que se refere aos recursos de empréstimo, as possibilidades não são muito claras, eis que o fluxo dos recursos normais de capitalização do BNB — o depósito conversível em capital, do Tesouro Nacional, derivado dos recursos do art. 198, § 1º, na Constituição de 1946 — cessou com a nova Constituição de março de 1967. É verdade que a capacidade de repasse e aval aumentou consideravelmente. Por outro

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lado, o BNDE se dispõe a financiar os projetos de maior tamanho e seus recursos tendem a se ampliar, com a nova política. Ele dis-põe contabilmente de recursos importantes destinados legalmente ao NE e N. O desenvolvimento dos bancos de investimento abre novas possibilidades; e, possivelmente, o baixo custo de capital dos estímulos fiscais permitirá aos projetos do NE remunerar melhor o capital vertido por esses bancos. Assim, embora esta fonte resulte em elevar o custo do capital, possivelmente contribuirá para completar o volume de capital de empréstimo necessário. Seja através destes, seja pelos mecanismos tradicionais, as fontes de financiamento externo deverão crescer e, normalmente, não terão limite no que se refere à cobertura de importações necessárias aos projetos.

No que se refere ao capital livre (cerca de 35%), o correspondente às inversões de 1967 equivaleria a uma significativa porcentagem da Formação Interna Bruta de Capital no NE, tomando a taxa de cresci-mento de 7% em 1966 e admitindo a prevalência da taxa de poupan-ça admitida nos cálculos da contabilidade nacional. Provavelmente em 1966, e tanto mais para os anos subsequentes, a taxa marginal de poupança será crescente, hipótese plenamente plausível, dada a taxa elevada de crescimento da renda nos últimos anos, a qual deverá crescer ainda mais em consequência dos investimentos que se acu-mulam, bem como da maior utilidade marginal do capital livre, dado seu poder de catálise sobre capitais de baixo custo de outras fontes.

A elevação da taxa marginal de poupança e inversão, na região, po-derá ser estimulada através da organização do mercado. Para isto, os bancos oficiais, especialmente o BNB, através dos recursos de que dis-põem para aplicar a prazo médio, podem exercer um papel decisivo.

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Como fontes possíveis de capital livre, devem-se mencionar:

a. reinversão dos lucros das próprias empresas titulares de projetos;

b. propensão à inversão dos dividendos distribuídos;

c. inversão de recursos da dedução fiscal do ICM;

d. recursos derivados do artigo 14, da lei 4.357;

e. fundos de capital livre suficientemente confiáveis, com finan-ciamento da compra e venda de ações ao público;

f. participação direta (nos fundos ou em empresas principais) de recursos públicos regionais, pela constatação de que, em deter-minadas circunstâncias, a PMC é mais alta nessa aplicação que em infraestrutura ou financiamento bancário (possivelmente este tipo de operação seria ligado ao item e);

g. lucros de algumas atividades (não objeto de projetos apoiados pelos estímulos fiscais) que tendem a se desenvolver na região, e não requerem reinversão, como será, sobretudo, o caso da construção civil, do sistema financeiro e de alguns produtos agrícolas;

h. poupanças de particulares com o crescimento da classe média e as vinculações com oportunidades empresariais e de empregos.

Não seria bastante, todavia, a poupança interna regional. Já uma dose importante de poupança extrarregional, nacional, e mesmo ex-terna, estará participando do chamado capital livre, nos projetos da

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SUDENE. Quanto significa e quanto passará a significar na pou-pança de outras áreas nacionais, não se sabe.

Provavelmente haveria certa elasticidade na oferta de capital de em-préstimo e de capital livre. Em outras palavras, não haveria dificul-dade na inversão financeira projetada. Nada disso está quantificado, mas o deveria ser, ao menos aproximadamente.

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As limitações reais e a autossustentação do desenvolvimento

Não se parte do mito do desenvolvimento equilibrado. As limitações quanto à antecipação perfeita nos mercados para todos os produtos e para todos os insumos (sobretudo nos sistemas de mercado e ini-ciativa livre), a impossibilidade de controle do comércio exterior (ao menos de mecanismos compensativos) e até mesmo da política eco-nômica e da conjuntura no Sul do País, a impossibilidade de flexibi-lizar e substituir os fatores e, afinal, as implacáveis indivisibilidades, tornam o processo de desenvolvimento forçosamente desequilibra-do. Mas parece claro que, sem temer os desequilíbrios dinâmicos, o maior desenvolvimento reside em combinar sua aceitação e até sua promoção (investimentos e atividades germinativos) com a redução do tempos e das magnitudes dos desequilíbrios anteriores.

Neste sentido é que se impõe, para equilibrar relativamente o proces-so, dado um suposto investimento financeiro:

a. verificar em que medida, e a que preço, com importações, se pode suprir deficiências de recursos regionais;

b. antecipar as carências de insumos (no sentido amplo) não im-portáveis normalmente e verificar em que medida é possível e conveniente importá-los a sobrecustos, ou substituí-los, e/ou é possível ampliar o suprimento na própria região;

c. verificar como os recursos regionais ou vocações (recursos po-tenciais) podem ser mais bem utilizados num modelo mais

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aberto de exportação, elevação de capacidade regional de im-portar e maior produtividade, com divisão inter-regional do trabalho;

d. antecipar a correção das indivisibilidades, através de projetos complementares, ou seja, de acelerada agregação do processo industrial, em complexos.

No caso específico do programa da SUDENE, examinada a viabili-dade financeira das inversões, impõe-se efetuar um melhor inventá-rio dos recursos (reais) regionais e da respectiva elasticidade de ofer-ta, e igualmente investigar que condições novas de mercado, globais e específicas, são criadas pelos projetos já aprovados e pela massa de inversões no NE, levando-se em conta as vocações dos recursos e as magnitudes e localizações convenientes.

Parece evidente que as inversões novas, na base dos estímulos fiscais, se dão de modo a alterar, radical e violentamente, a estrutura econô-mica da região, resultando num aumento da demanda por bens in-termediários e por bens de consumo final, tanto no período intenso de construções e instalações que se inaugurou, quanto, ato seguido, no da operação.

Na medida em que esta demanda é prevista, inversões para atender grande parte dela poderão estar integradas ao processo e, assim, as inversões financeiras têm maior possibilidade de se realizar em in-versões reais, pela existência de maior complementaridade entre os projetos industriais (e outros). Em outros termos, os tempos e as magnitudes dos desajustes se reduziriam, acelerando-se o desenvol-vimento, antecipando-se o momento da autossustentação. Ou ain-da, em outras palavras, reduzir-se-ia o período de marginalidade de

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muitas atividades, por deficiências de insumos e de mercados e pelo peso de capacidades não utilizadas; ou se conduziria a escalas e linhas de especialização mais econômicas.

Verifica-se no NE que mesmo a demanda derivada dos projetos já aprovados ou em estudos não está totalizada e algumas indústrias estão iniciando sua construção numa escala que já não atende à de-manda imediata dos seus produtos: é o caso da unidade de amônia da PETROBRAS, na Bahia, projetada há longo tempo e só agora iniciando a fase de implantação.

Ora, uma coisa é projetar na base de um crescimento moderado, de raízes tradicionais; outra o é para uma estrutura que se cria quase do nada, através de investimentos maciços. Supondo-se que o investi-mento global é possível, uma pergunta se impõe: Quais as escalas de produção, o grau de especialização, os novos produtos que podem ser projetados a fim de ganhar a melhor produtividade em termos de economia de capital, de pessoal qualificado e de custos, para que, afinal, todos os fatores considerados, a industrialização regional se torne, por um lado, mais realizável na sua potencialidade e, por ou-tro, contribua para maior concorrência e elevação da produtividade do País? Em outras palavras, supondo as inversões (financeiramente) possíveis, pergunta-se: qual a estrutura de produção que maximiza-ria o desenvolvimento ou o levaria ao ponto ótimo, se consideramos também elementos qualitativos referentes à distribuição?

Dentro de determinados supostos ou hipóteses, é perfeitamente pos-sível calcular as demandas diretas e indiretas derivadas das inversões industriais; demandas que, em grande parte, se revelam recíprocas.

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Essa antecipação das demandas global e específica (tanto quanto possível) importaria guiar os empreendedores privados, salvá-los de erros de projeção, bem como orientar o poder público na avaliação dos projetos e, em certos casos, na própria promoção direta dos mais germinativos ou urgentes, excluindo os de menor interesse para o se-tor privado. A investigação dos recursos reais abrange levantamentos:

a. da flexibilidade da oferta atual e futura de serviços de infraes-trutura física;

b. da flexibilidade da oferta dos insumos diretos para a fase de investimento, como materiais de construção, pessoal qualifi-cado para construção e montagem, terrenos urbanizados para adequada localização industrial;

c. da flexibilidade de oferta de insumos na fase de operação — o que é examinado para a aprovação dos projetos específicos, mas de forma limitada do ponto de vista macroeconômico: aqui se trataria também de verificar que matérias-primas e outros insumos tendem a ter oferta flexível e assim a orientar inver-sões (com a conjugação natural dos dados de mercado); bem como quais poderiam representar, na sua escassez, limitações do processo;

d. da flexibilidade da oferta de bens de consumo e duráveis e de investimentos de consumo, sobretudo abastecimentos alimen-tares, habitação, infraestrutura urbana geral para habitação e serviços;

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e. da oferta derivada dos projetos já aprovados e dos que são pos-síveis e indicáveis na base das inversões financeiras possíveis, das vocações regionais e do próprio mercado previsto.

O fato de que, por um lado, a maior massa de recursos dos estímulos fiscais vem da área mais desenvolvida do País e das empresas maiores e, por outro lado, tais recursos podem ser aplicados em qualquer empresa com projeto aprovado, resulta no estímulo, por um lado, à transfusão da experiência tecnológica e empresarial e, por outro, à capacidade empresarial local ou de fora com pouco capital próprio — resultados que flexibilizam a oferta referida no último item.

A limitação das inversões reais por falta de projetos deve ser con-siderada. Presentemente, o ritmo de apresentação de projetos, em termos de recursos solicitados da SUDENE, supera os recursos que vão sendo depositados. Entretanto, se as oportunidades mais fáceis de substituição de importações ou de mobilização de recursos para indústrias de exportação regional (sobretudo químicas e algumas outras baseadas no custo da mão de obra) se esgotam, poderá haver recessão no ritmo da elaboração de projetos. Outra possibilidade, neste sentido, consistirá numa perda de confiança em que os recur-sos financeiros complementares e os reais se realizem. Uma inflação regional, ao elevar os custos dos insumos e da mão de obra, resultaria no mesmo efeito desestimulador de novos projetos (sobretudo numa economia regional crescentemente aberta), além de realizar ex-post o papel de reduzir a inversão real relativamente à projetada, por enca-recimento e esgarçamento dos calendários de inversão, sem falar na deterioração da eficiência relativamente à projetada.

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Entretanto, à medida que a confiança no suprimento dos fatores se estabelece e, assim, se remove a limitação do conhecimento do impacto do programa de industrialização, bem como à medida que, pelo contrário, se indicam possibilidades, dimensões, linhas de es-pecialização, tecnologia e localizações, a elaboração dos projetos e as decisões dos empresários se tornam muito mais fáceis.

Naturalmente, poderia haver medidas educacionais e institucionais indicáveis para desenvolver o espirito empresarial ou prepará-lo em faixas sociais e áreas onde ele estiver ausente ou lento.

Nesta altura, cabe observar que a limitação do processo não resul-taria da magnitude das inversões e do número de projetos, o que pressuporia ser desejável retardar o ritmo ao “possível” e limitar o número de projetos ao “absorvível”; a limitação resultaria, sim, da falta de uma coordenação macroeconômica do processo e, assim, talvez mesmo da falta de projetos em número suficiente, além de outras condições, para que os projetos sejam complementares e se ajudem reciprocamente. Mais que isto, a limitação do ritmo pode-rá prejudicar seriamente a consecução, em menor tempo, da força de autossustentação do processo — o que justificará plenamente o regime dos estímulos fiscais e os tornará, depois de alguns anos, gra-dativamente dispensáveis.

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As limitações institucionais à autossustentação e ao impacto nacional do programa2

Caberia referir, para complicar realisticamente o quadro, fatores institucionais que poderiam refrear o processo de autossustentação e desenvolvimento industrial no NE e sua integração competitiva no sistema nacional.

Pode ocorrer, muito plausivelmente, que as inversões industriais não sejam suficientemente empregadoras, direta ou indiretamente (serviços, agricultura e mineração), resultando em que não criem suficiente demanda interna, de maneira que, coincidindo com a re-duzida expansão autônoma do emprego e do volume de distribuição da renda na agricultura, bem como com débil aumento da demanda externa, importem afinal em rápida acumulação de capacidade ocio-sa. Nessa hipótese, a solução não será a de pretender criar emprego de qualquer maneira, com perda de produtividade e de capacidade competitiva. Há algo a se fazer no setor público e no privado, con-ciliando os dois objetivos. Mas o esforço tecnológico e de organi-zação e assistência administrativa a se fazer para alcançar o objetivo emprego amplamente é muito mais difícil do que o de transplantar tecnologias e organização baseadas em maior intensidade de capital. Preparar-se para esse esforço se impõe, porém é necessário um plane-jamento cuidadoso e não se podem esperar resultados rápidos.

2 Algumas ideias afloradas nesta parte foram sugeridas pelo economista J.O. Knaack de Souza, asses-sor do Ministro da Indústria e do Comércio, mas nenhuma responsabilidade tem ele pela forma como se as apresentou.

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As condições da economia agrária podem constituir séria limitação. Assim, a estrutura das relações de propriedade e de trabalho tem relação, por um lado, com a absorção do desemprego e a dimensão do mercado; por outro, com a capacidade de utilização dos recursos, com a produtividade e, em consequência, com a oferta agrícola ne-cessária para permitir melhores níveis de produção industrial e com a melhoria dos salários reais, sem pressões que desequilibrem o nível relativo dos salários nominais na indústria regional face à nacional.

O impulso da industrialização do NE e seu impacto nacional vai depender também do real grau de competição no processo. Já vi-mos como este se faz sem barreiras aduaneiras ou limitações de transferências.

Aquela primeira condição é conducente à concorrência; portanto a uma busca de níveis elevados de produtividade. O Nordeste conta apenas com menor custo do capital. Mas este, se é um favor no mo-mento de investir, gerando naturalmente uma capacidade de resistir a um nível menor de rentabilidade, não representa uma defesa con-tra importações. O diferencial de favorecimento é menor do que o de moderados níveis aduaneiros3. E a facilidade de capital está longe de compensar diferenças sérias de produtividade e custos de produ-ção, em razão das diferenças nos conjuntos regionais de fatores: o do NE vis-a-vis os do Centro-Sul. Portanto, o processo instaura-se de molde a: I — ampliar a oferta no NE a preços menores, nas in-dústrias substitutivas de importações, explorando os altos custos de transporte desde o Sul; II — desenvolver produtos que competem

3 O prof. Albert O. Hirschmann observou muito bem este ponto. Ver “Industrial Development in the Briazilian Northeest and the tax credit mechanism” — mimeografado — julho 67.

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nos mercados do Centro-Sul. (Nos dois casos, o efeito de competi-ção é favorável à economia nacional, sem falar na mudança de es-trutura das importações regionais, com vantagens para as indústrias com maior capacidade de expansão no Centro-Sul).

A defesa que representam os atuais fretes altos entre o NE e o Centro- Sul, para as importações, e o “subsídio” do frete de retorno menor em direção NE-SUL tendem a reduzir-se, na medida em que o maior comércio recíproco vai forçando transportes inter-regionais mais efi-cientes, adensando econômica e demograficamente a área entre os polos das duas regiões e, dessa forma, integrando o mercado interno.

Assim, no primeiro tempo, o que se fará é, antes, integrar um mer-cado regional nordestino, que se comportará com apreciável autono-mia como uma grande ilha, comerciando sem barreiras aduaneiras com a outra — a do Centro-Sul. Entretanto, na medida em que se desenvolvem indústrias de exportação no NE, a integração nacional se antecipa — e deve ser este um dos objetivos do programa regio-nal. Com o modelo aberto de desenvolvimento regional, o comércio e as comunicações inter-regionais vão se acelerar rapidamente.

Do ponto de vista regional, se o desenvolvimento se faz em bases novas e competitivas, haveria a tendência a uma alta lucratividade e, assim, à reinversão dos lucros na região — essencial à autossustenta-ção do processo.

Entretanto, em grande parte, essas vantagens regionais se podem perder, e igualmente as nacionais, conforme o grau de monopoliza-ção nesse processo de difusão industrial.

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Já vimos que um dos fatores do processo é o estímulo que as firmas do Centro-Sul, sobretudo as maiores, têm para manter suas subsidi-árias no NE, representando transfusão de técnica e capacidade em-presarial. Mas, pode ocorrer que empresas oligopólicas no mercado nacional desejem ter suas subsidiárias no NE; seja para poder firmar melhor posição no mercado nacional em benefício de suas matrizes, dificultando a concorrência; seja para utilizar largamente a liberdade de transferência, depois do período de 5 anos de intransferibilidade, e, antes disto, realizar transferências, por sub e superfaturamento, da remuneração de serviços fictícios ou desnecessários. Assim, a extrar-regionalidade de comando do processo levaria à sua paralisia.

Os receios devem ser levados em conta na escrutinização dos proje-tos, porém não são para alarmar: primeiro, já é frequente e estimu-lante o sucesso dos empresários novos, com pouco capital, de dentro ou de fora, mas dispostos a impor sua empresa; segundo, num mer-cado em crescimento, vai-se reduzindo o impacto da indivisibilida-de, ou seja, pode viver um maior número de empresas num mesmo ramo, com capacidade econômica mínima e utilização adequada da capacidade; em terceiro lugar, possivelmente o controle à distância seja incapaz de enfrentar, mesmo com meios mais poderosos de ca-pital, de técnica e de comercialização, o dinamismo dos empresários independentes e radicados na região.

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Os estudos a fazer

E num estudo integrado, ou em vários estudos setoriais e regionais integrados, ter-se-ia que fazer, em resumo, o seguinte:

I. Análise macroeconômica regional e do impacto do programa da SUDENE nas projeções, dentro de certas hipóteses de recursos dos estímulos fiscais e de inversões de infraestrutura,

II. Estudo especial da viabilidade de inversões financeiras com-plementares para tornar possível o potencial financeiro dos estímulos fiscais.

III. Análise do mercado regional, já levando em conta as hipó-teses - de crescimento e de estrutura possíveis - do sistema produtivo; ou seja, a demanda derivada, direta e indireta-mente, do próprio processo de desenvolvimento industrial e agrícola para indústrias sediadas na região, principalmente as químicas.

IV. Avaliação da possibilidade de industrialização baseada nos recursos conhecidos e nas vocações regionais, incluindo os recursos industriais representados pelos insumos que o pro-cesso passaria a oferecer a outras indústrias (este e o estudo anterior combinam o detalhamento setorial das projeções, com o teste dos recursos reais, conduzindo à produção de insumos estatísticos e técnicos para a elaboração de projetos).

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V. Um estudo especial da indústria química pesada, ou estudos sub-regionais, que se completem, relativos à Bahia-Sergipe, Pernambuco-Alagoas, Rio Grande do Norte (sal), etc. A jus-tificação de um estudo especial está em que, por um lado, não há setor mais dinâmico na economia moderna e, por outro lado, nele o NE apresenta condições excepcionais. Esse setor seria a base da consolidação do processo do desenvolvi-mento industrial no NE.

VI. Identificação dos gargalos ou pontos de rigidez na infraestru-tura social, em determinados insumos industriais e agrícolas, que poderiam reduzir a viabilidade dos investimentos pos-síveis financeiramente (estudos indicados pela pesquisa das demandas derivadas), com o objetivo de orientar programas e projetos no setor público e no setor privado (complementar do item IV).

VII. Síntese das possibilidades de industrialização regional, con-siderados os diferentes níveis e estruturas do mercado de-rivado, as possíveis soluções para os pontos de rigidez, as vocações regionais, e, afinal, uma definição do conceito da industrialização do NE no contexto nacional e da ALALC;

VIII. Definição de padrões de industrialização, estudo das alter-nativas de concentração e de localização das inversões e das políticas mais adequadas para compatibilizar o maior cresci-mento e a mais rápida consecução do caráter autossustentado do desenvolvimento regional com a melhor distribuição de oportunidades em termos sociais e espaciais (complemento do item VII).

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Os estudos necessariamente demandam uma boa base de informação nacional e internacional. Ainda mesmo que se parta da hipótese de um sistema econômico regional altamente integrado internamente e consideravelmente autônomo, o objetivo é conduzir a sua realização de forma mais rápida e mais ampla, com crescente integração no sis-tema econômico nacional e internacional, sobretudo da ALALC. O autor admite esta hipótese, porque os objetivos citados não são anta-gônicos, como pareceria à primeira vista; são, antes, condição um do outro. Em síntese, a integração nordestina se derivaria: da oportuni-dade de uma diversificação e complementaridade interna na região muito maior, em consequência das atuais dificuldades e custos dos transportes inter-regionais; da mais rápida superação (programada e em curso de execução pela SUDENE) dessas dificuldades no âm-bito intra-regional; e, afinal, da massa de investimentos possíveis e facilitados, em tempo curto, no NE. A integração no sistema econô-mico nacional e da ALALC resulta do “modelo aberto”, sem tarifas internas, e com crescente melhoria dos transportes e comunicações — processo que, por sua vez, o maior comércio recíproco entre os sistemas do Centro-Sul e do NE irá acelerar - ; bem como das escalas de investimentos e da especialização que o programa de estímulos fiscais permitirá no NE, incentivando indústrias de exportação re-gional que aproveitem as vocações regionais mais marcadas e, desta forma, venham a caracterizar o sistema produtivo regional e dar-lhe um impulso auto sustentado.

A necessidade dessa informação “externa” indica a conveniência de se entrosar o corpo técnico regional com o do Centro-Sul, ou de âmbito federal, para realizar os estudos, sem limitações políticas, ad-ministrativas e técnicas, embora com definição precisa de supostos

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de política econômica nacional e coordenação política superior coe-rente; sem pressa de resultados, mas com definição clara de objetivos e a utilização de um método flexível de aproximação simultânea em vários setores e “tempos” ou graus de utilização prática dos estudos; permitindo assim que sejam feitos os estudos até mesmo através de projetos separados, administrados isoladamente, caso seja inviável o consórcio de recursos financeiros e técnicos para conduzi-los em co-mum, mas, em qualquer caso, sem prejudicar um mínimo de coor-denação. Esta seria assegurada por um planejamento conjunto; por uma divisão, a melhor possível, das tarefas e troca de informações, mesmo as parciais e provisórias ou aproximadas; e por reuniões de coordenação entre as várias autoridades e grupos técnicos.

O trabalho deve combinar estudos gerais e estudos específicos dos setores industriais. Aqueles compreendem um modelo de desenvol-vimento regional, do qual se derivam a demanda e a oferta global e sua estrutura, bem como um balanço de recursos financeiros e reais, e comporão um quadro que globalize o processo econômico e dê sistema ao estudo, colocando a indústria num conjunto. Entretanto, como os dados para uma análise macroeconômica são insuficientes, dar-se-á a maior atenção à análise direta dos recursos. No final, levan-do-se em conta este balanço de recursos e os estudos de ramos indus-triais, serão confrontadas e compatibilizadas as duas “aproximações”.

O estudo dos ramos industriais consistirá em uma avaliação dos recur-sos industriais e, mais amplamente, em um diagnóstico da situação, para se ver como a indústria atual se insere no processo do desenvol-vimento no futuro próximo, tendo em vista as modificações estrutu-rais que resultarão dos programas da SUDENE e da PETROBRAS.

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E, por fim, com base nos estudos gerais (inclusive recursos gerais) e nos dos ramos de indústria, serão traçadas as indicações de plausibi-lidade e de viabilidade do desenvolvimento conjunto, das estruturas de produção e de projetos industriais específicos, sobretudo no que toca aos ramos dinâmicos, como petroquímica, minerais não metá-licos básicos, não ferrosos e óleos vegetais.

SUDENE — Inversões em Projetos — Sistema 34-18

ANOS Depósitos Aprovações Desembolso Inversão TOTAL

Estímulo Fiscal

Art. 34 SUDENE D = 2,5 (acumulado)

A B C C

1962 6

1963 7 7,3 0,09 0,225 0,225

1964 36 26,4 3,3 8,25 8,475

1965 172 33,0 8,0 20,0 28,475

1966 268 152,4 37,4 93,50 121,975

1967 402 172 430,0 551,975

1968 442 268 670,0 1.121,975

1969 486 402 1.005,0 2.226,975

1970 534 442 1.105,0 3.331,975

1971 561 486 1.215,0 4.546,975

1972 590 534 1.335,0 5.881,975

1973 260 561 1.402,5 7.284.475

1974 273 590 1.475,0 8.759,475

1975 286 260 650,0 9.409,475

FONTES: Publicações oficiais mimeografadas da SUDENE para colunas B. Quadros datilografados SUDENE A e C.

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NOTAS:

1. D calculada na base de 40% do I com 34-18 no período 1966-1967 até VI foi 42,7. Em 1966 = 45,4 e em 1967 até VI = 40,0 (Projetos aprovados). Supõe-se que o desembolso das outras fontes é pari-passu.

2. Supõe-se que o desembolso se faz 2 anos depois dos depósitos (experiência até 1967).

3. O crescimento dos depósitos foi calculado assim:

• 1967x1,50(0,04inflação;0,10crescimentoreal).Desembolsadoem 5 meses. • 43(VI)15,2=58,2.Aatualevasãoécercade24%dopotencial. • 1968x1,10(0,05crescimentorealdatributação,0,5decrescimento da coleta para SUDENE). • 1969idem. • 1970idem. • 1971x1,05(0,05crescimentoreal). • 1972idem. • 1973reduçãoestímuloàmetadecrescimentoreal0,05.

4. BNB — previsão demanda recursos financiamento longo prazo, em 1967 — (Cisnando) NCr$ 164 milhões.

5. A inversão até agora (junho 1967) nos projetos de programa de estímulos fiscais da SUDENE, na base de cerca de NCr$ 100 milhões de desembolso pela SUDENE (total 250), representará apenas 11% do que será investido até 1969 e 3,4% das inversões novas até 1973.

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SUDENE — Projetos Aprovados

Anos ARTIGO 34 Bancos enquadrados

TOTAL

Valor % Valores correntes

Moeda 1967

1963 7,3 18,4 36,4 170,9

1964 26,4 37,0 133,4 327,0

1965 33,0 23,7 35,4 138,9 225,5

1966 152,4 45,4 38,1 335,4 400,2

**1967 180,5 40,4 109,6 443,4 687,8

TOTAL 339,6 36,7 288,5 1.087,5 1.814,4

63 -67**

*Fonte da coluna: A. O. Hirschmann —Ind. Dev. In the Br. NE and tax credit mechanism — preliminar — julho, 1967 — Tabela 7. Hirschmann tomou os projetos aprovados e os em análise até maio como indicativos do total de projetos “aprovados” em 1967, neste ano o investimento total é de 687,8, já corrigido o valor monetário aos preços de 1967.

**Os números referentes a 1967 são até junho, salvo os da última coluna.

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5 Industrialização da Bahia e sua repercussão no

desenvolvimento industrial brasileiro*

* Comunicação à Reunião Anual da SBPC realizada em Salvador, Bahia, julho 1970.

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Industrialização da Bahia e sua repercussão no desenvolvimento industrial brasileiro

tese básica desta comunicação é a de que a industrialização na Bahia dará contribuição importante ao desenvolvimen-to nacional, tanto diretamente como através do seu papel

na consolidação do processo de desenvolvimento do Nordeste. Re-tardar a efetivação das vocações industriais da Bahia, consequente-mente, será retardar o desenvolvimento nacional.

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Supostos sobre desenvolvimento regional e desenvolvimento nacional

O Brasil é uma unidade econômica nacional, por força de uma rea-lidade política que é providencial, pois nos permite as vantagens de um grande mercado. Tem, portanto, que se desenvolver a partir de uma consciência de unidade. Essa unidade é, contudo, policêntrica por força da geografia, que nem ao menos facilita os transportes.

O processo do desenvolvimento, sem dúvida, requer centralização, acumulação espacial de investimentos, massa crítica. Tal centraliza-ção tem um limite como alternativa mais eficiente para o desen-volvimento nacional, além do qual continuará acontecendo a acu-mulação, por causação circular, não por produtividade intrínseca, resultando num desequilíbrio de tal ordem que o aparente desenvol-vimento (crescimento global ou na média estatística) passa a gerar mais problemas ao invés de solucionar os já existentes.

Há que se corrigir, por intervenção deliberada, essa perversa tendência acumulativa concentradora e desequilibrante, que termina não sen-do vantagem nem mesmo para a região aparentemente beneficiada.

Descentralizar deliberadamente é o processo de correção. Mas como descentralizar? Deve este processo ocorrer concentradamente, ou seja, concentrando esforços, sucessivamente, em um centro ou num conjunto limitado de centros ou polos (o número vai depender das condições geográficas, da dotação local de recursos naturais e huma-nos e dos limites dos recursos nacionais). O essencial é que cada polo empreendido possa alcançar sua maturidade num tempo menor do

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que se houvesse dispersão de recursos. A partir do amadurecimento de um polo ou de um conjunto, passa-se a outros, sucessivamente.

O que seria um polo? Isso vai depender dos recursos e mercados de sua área de influência, bem como da interação com os outros polos. O essencial é que, em matéria de desenvolvimento regional, não se pretenda fazer tudo para todos, ao mesmo tempo e em toda parte — que é uma ilusão funesta das decisões de compromissos ou de pura emoção.

A seletividade e sucessividade dos polos não implicam o abandono do resto. Há necessidades irredutíveis a atender no tocante à saúde, educação e emprego para as populações inamovíveis, das áreas sem perspectivas imediatas. É mister, pois, preparar condições para seu futuro desenvolvimento e, até mesmo, para a transferência eficaz dos excedentes populacionais, que constituem uma reserva nacional. Donde serem os investimentos compensatórios em educação, saúde e alimentação (agricultura) — e num mínimo de infraestrutura que os complete, nessas áreas postergadas — não só um imperativo de justiça distributiva, mas um investimento de interesse econômico nacional.

Acrescente-se a estas necessidades o preço que se deve pagar para manter o território, o que requer um mínimo de povoamento descen-tralizado. A ideia de preço implica a de minimizá-lo, mas minimizar não é necessariamente gastar menos. No caso, será provavelmente realizar maiores aplicações, porém num programa racional, que per-mita chegar à massa crítica em cada situação, ou seja, à complemen-taridade necessária num sistema produtivo, no sentido de combinar o povoamento estável com o menor distanciamento possível entre a produtividade dos recursos aplicados nessas regiões fronteiras e a sua aplicação alternativa em áreas de maior produtividade no País.

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Em outras palavras, o problema da descentralização se apresenta em dois níveis e, em certo sentido, em dois tempos:

I. O dos investimentos em populações inamovíveis ou delibera-damente retidas ou encaminhadas, o qual se impõe num mí-nimo, porém, salvo os recursos gerados pelas próprias econo-mias locais, deve ser objeto de transferências com um cálculo econômico cuidadoso. A leviandade com que a esse respeito se tem atuado no Brasil reduzirá não só o crescimento imediato do País, mas também o potencial de crescimento conjunto, a prazos médio e longo.

II. O sucessivo aparelhamento de polos de desenvolvimento, isso não no sentido apenas de indústrias ou complexos indus-triais isolados, mas de áreas de alta densidade urbano-rurais, na base normalmente de grandes complexos ou conglome-rados industriais, com capacidade polarizadora, irradiadora, metropolitana.

O nível I se aplica onde ou enquanto não é viável o nível II.

Como eleger os polos do nível II? Isso deve ocorrer com base nas van-tagens comparativas dinâmicas, levando em conta a dotação de recur-sos naturais e humanos (a posição está integrada nessa dotação, posto que o que importa não é a fertilidade natural, mas a econômica, que é função também dos transportes para os mercados), o grau de aglome-ração (ou acumulação), que o tornará eficiente (em termos de relação produto/capital), e a capacidade nacional de mobilização de recursos para alcançar, no tempo conveniente, tal grau de aglomeração ou maturação. Esta última é, exatamente, a razão da sucessividade, e não simultaneidade, na implantação de muitos centros.

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Estabelecidos assim esses polos sucessivos, é o comércio entre eles que dará uma nova dimensão à economia nacional, através de competição interna intensa, de escalas maiores de produção e de especialização.

Antes de passar adiante, focalizemos o problema do emprego nas áreas menos desenvolvidas, pois se levantou a crítica quanto aos investimentos na área da SUDENE, que produz poucos empregos diretos. Sem considerar o efeito emprego indireto imediato desses projetos - através, inclusive, da maior tributação estadual - e sem dis-cutir que se deve buscar a melhor relação emprego/capital, algumas observações devem ser feitas sobre a complexidade do problema:

Primeiro, empregar sem condição de competição é potencialmente desempregar, ou, pelo menos, condenar à mera subsistência. Uma economia nessa base não tem condições de progresso e, portanto, de expansão das possibilidades de emprego produtivo. Assim, muito cuidado com o romantismo da pequena empresa e da abertura de frentes de agricultura extensiva longe dos mercados.

Segundo, deve ser planejado o emprego de tecnologias com uso mais intenso de trabalho, mas em todo o País e não apenas nas áreas peri-féricas. É um absurdo pensar que São Paulo deve ter investimentos de capital intensivo e o Nordeste, de trabalho intensivo.

Este esquema só é viável numa economia centralmente planificada, ou seja, socialista. Qualquer programa interino de absorção de mão de obra requer uma organização mais madura, tanto ao nível da em-presa quanto ao nível social, para ser eficiente1.

1 Não é sem razão que o projeto da rodovia Transamazônica, inspirado pela saudável ideia de abrir horizontes de emprego, vai ser um problema de emprego... das máquinas ociosas dos grandes emprei-teiros... do Sul.

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Terceiro, se os projetos com baixo coeficiente de empregos diretos têm um papel decisivo em criar condições para a economia regional, eles são dinamicamente os verdadeiros projetos empregadores.

Outra observação que deve ser feita diz respeito à ideia que tem cur-so até em rodas influentes do Centro-Sul, segundo a qual o Nordeste deveria limitar-se às atividades que não repetissem investimentos já existentes no País ou, quando muito, deveria limitar-se a substituir importações inter-regionais. Exatamente as indústrias capazes de ex-portação são as que possibilitam um crescimento regional mais vigo-roso, que aproxima a região atrasada da mais adiantada, posto que a taxa de crescimento dessas indústrias é maior do que a das atividades de consumo. Portanto, são elas que puxam o desenvolvimento regio-nal e o consolidam, sobretudo quando incluem também a produção de bens intermediários e a de bens de capital.

O efeito desse desenvolvimento regional não é negativo - como uma primária análise estática poderia induzir a supor -, mas altamente positivo: é o próprio papel do comércio no desenvolvimento, só pos-to em dúvida quando afeta ou balanço de pagamentos gravemente, ou o emprego ou ainda as chances de desenvolvimento. Ora, este não é o caso: o desenvolvimento de uma área periférica só faz abrir mais mercado para a área metropolitana.

O que se esperava e o que aconteceu

Segundo o modelo de desenvolvimento implícito (ou vagamen-te explicitado) na ideologia prevalecente no processo nacional de

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industrialização até há pouco, esperava-se um efeito de irradiação do desenvolvimento da área metropolitana (São Paulo ou eixo São Pau-lo - Rio) crescentemente para todo o País, tanto pelo maior mercado para produtos da periferia, como pela transferência de capital da área geradora, como ainda através de transferências via governo central. Apesar de ainda haver os que repetem a célebre frase de que “S. Pau-lo é uma locomotiva puxando 20 vagões vazios” (frase, creio, de um ilustre baiano), a experiência histórica teria mostrado outra coisa: a transferência líquida de capital humano (não só de excedentes) e de capital financeiro da periferia para a área metropolitana. Três meios podem ser apontados para este fluxo:

I. — Os saldos das exportações das áreas periféricas foram apli-cados, e ainda o são, praticamente, na compra de produtos da área metropolitana (esses saldos foram, no decênio de 1959/68, de 1.526,5 milhões de dólares);

II. — Os investimentos na área metropolitana são mais rentáveis que os na área periférica, porque nesta a expansão das exporta-ções para o exterior é limitada e a própria produtividade agrí-cola foi resultando em cada vez menor que a da área metropo-litana. Então, as áreas periféricas ficaram com cada vez menos o que vender à área metropolitana e com dependência cada vez maior de comprar nesta. Isso não teria importância se: a) as exportações para o exterior crescessem; b) a substituição de importações do exterior por importações domésticas não hou-vesse resultado numa queda brutal nos termos de intercâmbio das regiões periféricas. Donde, a transferência implícita de ca-pital das áreas periféricas para a área metropolitana;

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III. — A sangria do capital humano: o mesmo fenômeno interna-cional do brain drain, sem contar a emigração da mão de obra.

As transferências via Governo Federal não se deram, compensato-riamente, pelos menos no Nordeste2, salvo a partir da ampliação do sistema de incentivos fiscais (Lei de 1963, cujos efeitos começaram a ser sentidos em 1965 e que serão drasticamente reduzidos a partir de 1971, por decreto recente).

Recentemente, a implementação da reforma tributária (sob outros aspectos, um dos maiores atos depois da Revolução de 1964), sem que talvez houvesse intenção, agravou esse sistema de transferências das áreas periféricas para a área metropolitana, ao estabelecer a taxa de ICM sobre mercadorias de exportação interestadual, numa base de 15%. Ora, o ICM é transferido para os consumidores, sendo pago afinal por estes, mas os Estados produtores, que já levam as outras vantagens por serem produtores, ficam com a parte do leão na tributação estadual. A própria irradiação espacial do desenvolvimen-to, a partir do polo ou área metropolitana (o “derrame do óleo”), está-se dando cm velocidade inversa e não direta ao desenvolvimento da tecnologia dos transportes, pois:

2 Reconheço a precariedade de não ter números no momento para apresentar, mas tenho estudado o problema de longa data e posso lazer esta afirmação. O economista Rubens Costa, presidente do BNB, fez interessante contribuição a respeito. Aliás, é típico do estágio primitivo da consciência e da tomada de decisões sobre problemas regionais no Brasil que não haja estudos oficiais sobre o assunto. Por exem-plo, em balanços feitos com ligeireza, não se considera que o IPI arrecadado nos Estados produtores sobre mercadorias vendidas no Nordeste foi pago afinal por este.

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a. cada vez a maior produtividade agrícola em torno dos centros industriais torna menos interessante buscar áreas de terras e trabalho mais baratos. Restam apenas as possibilidades de fon-tes de matérias-primas com localizações rígidas;

b. a capacidade de investir nas áreas metropolitanas remove, com certa facilidade, os inconvenientes mais gritantes da saturação (e, aos inconvenientes menos gritantes da saturação, as popula-ções se adaptam, embora com quebra de padrões “humanos” de vida ou com a perda da oportunidade de um padrão melhor).

Conclusão: a concentração territorial do desenvolvimento, num re-gime protecionista3, parece inevitável como processo automático, e se traduz numa transferência de recursos das áreas periféricas para a metropolitana. Donde, numa unidade nacional que não é ape-nas uma região econômica homogênea, ser imperioso como justiça e saudável como política econômica orientar compensações eficientes para essa concentração.

Seria essa concentração, apesar da consequência social indesejável, a linha do máximo desenvolvimento nacional? Ainda há os que acham que sim, e, então, concedem magras e esporádicas compensações ao resto do País. Creio, porém, que o desenvolvimento econômico nacional será mais bem servido por uma descentralização racional, uma descentralização concentrada ou um sistema multipolar meto-dicamente implantado.

3 Que, de resto, era e ainda é indispensável para possibilitar a substituição de importações, ao nível nacional, embora pudesse ter sido mais racional.

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Essa multipolaridade irá favorecer, no caso do Brasil, a especialização de São Paulo em indústrias mecânicas, eletrônicas e as mais requin-tadas de consumo, o que, para São Paulo mesmo, é mais interessante que a crescente taxa de participação em todos os ramos da indús-tria nacional, numa autossuficiência também crescente e concentra-da territorialmente, cuja solução teórica, em termos nacionais, seria a transferência, quase total, da população para a área mais próxima de São Paulo, gerando-se problemas de distribuição de renda e de emprego.

O modelo da exacerbada concentração não só é tendente a monstru-osos desequilíbrios sociais e políticos, que, por si só, tornariam menos desejável um maior crescimento econômico conjunto a esse preço; mas também representa uma utilização menos eficiente dos recursos nacionais, uma perda de crescimento potencial e de poder nacional.

Por outro lado, o caminho do crescimento regional equilibrado tem suas condições de eficácia. Aliás, evitamos usar a expressão crescimen-to equilibrado, porque tecnicamente é muito discutível — ou, pelo menos, requer muitas qualificações -. Talvez seja o caso de preferir crescimento harmonioso.

O essencial é considerar que, da mesma maneira como ocorre com o desenvolvimento social e cultural, nem sempre o crescimento é sub-produto do desenvolvimento econômico, pelo menos medido este em termos agregados de produto e renda, sem considerar a distribui-ção eficiente em termos produtivos, além de valorizadora e integra-dora das massas; também não se podem pretender programas sociais e regionais à custa da redução na capacidade produtiva do País, pois a melhor distribuição não supre a limitação do que distribuir. Assim, não se deve comprometer a relação produto/capital na economia

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nacional, embora se considere o critério não apenas em termos de relação incremental imediata, mas em termos dinâmicos, potenciais e de mais largo prazo, uma vez que, se o efeito acumulativo é impor-tante e começa no dia de hoje, não é menos certo que nem sempre o maior crescimento de hoje será o maior poder de amanhã.

Condições para industrialização na Bahia

Na sub-região brasileira que tem seu centro cm Salvador, os recursos mais característicos são o petróleo, o gás natural e os não ferrosos. O manganês também representa um recurso importante, bem como, no reino animal, o gado e, no vegetal, uma variedade de, sobretudo, possíveis produtos tropicais. A diversificação de ecologias e recursos indicaria a possibilidade de uma industrialização também diversifica-da, mas as condições de mercado reduzem esta possibilidade e con-duzem a uma industrialização na base das vocações para a indústria química e a metalurgia primária. A partir daí, a demanda dos dois setores, bem como sua capacidade de oferta de variadas matérias-primas industriais, abrirão caminho para alguma indústria mecânica subsidiária ou complementar das de São Paulo e Minas. Uma indús-tria diversificada de bens de consumo ou intermediários certamen-te se irá desenvolvendo, não só compreendendo aquelas atividades que se localizam normalmente em função do mercado, mas também outras que, favorecidas pela reunião dos insumos e pela posição do Recôncavo, terão condições de competir nos mercados nacionais.

Em suma, a industrialização da Bahia se fará dominantemente com des-tino às exportações interestaduais e, em certos casos, para fora do País.

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Dessa característica, resultará seu importante papel na consolidação do processo de desenvolvimento do Nordeste e na integração da eco-nomia brasileira.

Recursos

Examinemos os recursos e o efeito da posição. Apresentar-se-á ape-nas um quadro sumário, já que essa geografia dos recursos é bem conhecida, já estando até algo mitificada.

Quanto ao óleo e ao gás natural, Recôncavo e Sergipe constituem praticamente as únicas reservas no continente brasileiro. Portan-to, em termos de combustíveis e de matéria-prima para a indústria química, é a região favorecida pela natureza. (Adiante referiremos o papel da política de preços únicos de combustíveis líquidos.) Essas reservas, embora pequenas em termos das necessidades nacionais de combustíveis, são o bastante para uma grande e eficiente indústria química, a qual, pelo custo das matérias-primas, não terá competi-dor no Brasil. Extraídas, porém, como vêm sendo há mais de um de-cênio, com sacrifício da taxa de recuperação, para atender ao desejo de mostrar progressos na produção do petróleo, elas se esgotarão ra-pidamente. Estou certo de que a PETROBRAS, com a consciência que sempre houve em seu quadros, superará essa velha política im-previdente de produção e procurará poupar gradualmente as reservas atuais do óleo baiano para a indústria química nacional, importando mais óleo estrangeiro, aliás, de menor preço, para as refinarias.

Dos não ferrosos, o Brasil é carente. A sub-região baiana, definida em termos de influência dominante potencial, seria, em continuação

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ao norte de Minas, a área de maiores promessas. Com um conhe-cimento ainda muito rudimentar dos recursos minerais, nesta sub- região se situam as maiores jazidas de cobre, no Nordeste baiano — já objeto de um projeto da ordem de US$ 120 milhões do grupo Pignatari —, e de chumbo, perto do médio S. Francisco, cuja re-dução se faz em Sto. Amaro. Como fontes de magnésio, existem a taquidrita e a carnalita, em Sergipe (a 250 km de Salvador) e a mag-nesita de Brumado e de Sento Sé. Quanto ao cromo, se encontra em Jacobina. Há numerosos indícios de outros não ferrosos, porém sem pesquisa suficiente. Note-se que o níquel de Vasante não está longe da divisa baiana.

Na área dos ferrosos, as jazidas de manganês têm condições favo-ráveis (Jacobina, Urandi, S. Antônio), mas o desaparelhamento da Leste-Brasileiro impede o atendimento da demanda atual com a ca-pacidade de oferta existente, ocorrendo muito mais os projetos de expansão4. Quanto ao ferro, existem boas jazidas, mas sem significa-ção atual face às do Vale do Rio Doce ou do Paraopeba ou da Serra de Carajás. A minissiderurgia que se está implantando na Bahia — USIBA — em condições competitivas, na base do gás natural (e que poderá se expandir à base do coque de petróleo, sem perturbar o uso prioritário do gás na indústria química), receberá minério do porto de Tubarão mais barato que do interior da Bahia, por condições di-ferenciais de infraestrutura e escala de produção.

Numerosos outros minerais são abundantes na sub-região: materiais para cerâmica no próprio Recôncavo, calcário na costa e em grandes depósitos no Interior, baritina, berilo, titânio, ilmenita, etc.

4 O minério para duas indústrias insumidoras na Bahia e para exportação vem em grande parte de caminhão. Ocorre isso com os demais minérios.

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Devemos uma referência especial aos depósitos de potássio e de sal- gema de Sergipe (associados ao minério de magnésio a que nos re-ferimos). Indústrias de potássio e de soda-cloro e de barrilha em Sergipe constituirão complementos importantes do parque químico do Recôncavo. Já antes disso, a produção de cloro de Alagoas poderá propiciar uma associação com álcool e gás natural, bem como com a indústria petroquímica na Bahia, sem paralelo no Centro-Sul.

Os recursos de eletricidade devem ser de logo mencionados pela sua importância nas indústrias metalúrgicas e químicas. O potencial de cerca de 20 milhões de kW da CHESF tranquiliza no futuro previ-sível e os custos de produção do kWh representam uma vantagem comparativa relevante da região.

Quanto ao rebanho bovino na área Bahia-Sergipe, é da ordem de 9 milhões de cabeças, sem falar no caprino e no ovino, em relação aos quais só o Estado da Bahia ocupa, respectivamente, o 1º e o 2º lugar, embora se deva levar em conta a rusticidade e baixo peso dos animais.

No reino vegetal, é conhecida a posição da Bahia no que diz res-peito ao cacau e à mamona. O potencial para gorduras vegetais é brilhante. A posição de liderança existe no que diz respeito ao fumo para charuto e ao sisal, mas, com a crise deste e a débil, embora ascendente, produção do algodão, os recursos do setor têxtil não são importantes. Estima-se que o potencial da fruticultura, depen-dendo de indústrias que se começam a implantar, é importante no Recôncavo, em Sergipe e em faixa litorânea sul, bem como em certas zonas do interior. Já o balanço da produção de alimentos correntes, com exceção da mandioca e do persistente saldo de gado fornecido a Pernambuco, é precário. Queremos nos referir a cereais, tubérculos,

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aves e leite. Parece haver autossuficiência na média de longo período. Há um aspecto positivo: safras de milho e feijão em duas estações. Mas o crescimento deixa a desejar.

Quanto ao potencial, depende de estudos sobre recursos e condições comparativas noutras regiões, o que inclui a perspectiva dos custos de transportes5. Não temos, pois, elementos para avaliar.

A população, como recurso, não apresenta problemas maiores em termos brasileiros. Nós nos aventuramos a opinar que a própria de-ficiência no nível de escolaridade, relativamente a algumas outras áreas do país, é compensada pela riqueza dos elementos da cultura tradicional e da tradição urbana na área.

O capital de formação interna só chega praticamente a assegurar uma taxa conveniente de crescimento das atividades tradicionais. A formação potencial de capital na região tem sido anulada pelo tradicional desequilíbrio nos termos de intercâmbio, a que já nos referimos. Uma certa drenagem de capital para o Sul, declinante em termos relativos, não significa grande coisa. O capital teria que vir de fora, atraído pelas oportunidades de investimento. A solução se encontrou praticamente no regime dos estímulos fiscais6.

5 Certas opiniões que têm sido omitidas sobre um suposto desequilíbrio (negativo) do desenvolvi-mento da agricultura nordestina, no Sul, inclusive de fonte do Ministério da Agricultura, ilustram a ligeireza com que se opina e até se tomam decisões graves no Brasil. Na verdade, se as estatísticas estão corretas, ou pelo menos seus erros são constantes no tempo e no espaço, o crescimento da agricultura nordestina tem sido superior ao da agricultura brasileira. Que se deve desenvolver mais a agricultura nordestina, inclusive para dar emprego, é óbvio. Mas, além das inversões e serviços de irrigação, é fundamental a infraestrutura técnica, que a União abandonou, tanto não dando recursos aos seus institutos na região quanto deixando sem dinheiro a própria SUDENE.6 Não podemos avaliar ainda os efeitos dessa redução para 30% no volume dos incentivos aplicáveis no Nordeste quando a experiência ia começando a apresentar os resultados mais promissores. A medida

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Mercado e posição

Esses recursos permitiriam, se bastassem eles, como já adiantamos, uma industrialização diversificada. Certamente, isso se dará progres-sivamente. Mas há duas limitações para uma diversificação mais rá-pida: o mercado sub-regional atual e a posição da Bahia. Quanto ao mercado sub-regional, considerando o índice de população vezes renda, é pequeno. Mas nem é ele unificado no momento. Desagre-gou-se com os recentes projetos de transporte desenvolvidos a partir de outros centros e como base de influência destes. Grandes áreas da Bahia transacionam hoje diretamente com outros centros industriais e comerciais. Mas a reunificação do mercado sub-regional está em vias de fazer-se com as novas rodovias que, dentro de 3 anos, deverão conectar todo o Estado por pistas pavimentadas7. Afinal, o tamanho do mercado rapidamente avultará se persistir a atual taxa de cresci-mento por um decênio. E assim se tornará rapidamente suficiente para um conjunto de indústrias de consumo. Entretanto, note-se que nossa industrialização regional não dispõe de tarifas proteto-ras. Deve fazer-se sem nenhum entrave à competição interna, isto é, num modelo aberto. É aí que a posição da Bahia não ajuda uma

ditada por uma sensacional inspiração parece ilustrar a imaturidade do nosso sistema de tomada de de-cisões, apesar dos progressos recentes expressos no Miniplan e noutros setores da administração federal.7 Tem faltado, sim, de parte do Ministério dos Transportes, sensibilidade não apenas para os proble-mas sub-regionais (que seria demais pedir), mas para o próprio atendimento da demanda existente de transporte na Bahia, até para exportação ao exterior. Assim, a Leste não tem vez; a BR-101, no territó-rio baiano, pelas metas do governo, já devia ter sido implantada desde 1961 com pavimentação parcial (sua implantação ainda depende de importantes obras-de-arte e a pavimentação é uma promessa para 1973); e a própria Bahia-Feira não tem prioridade para duplicação, apesar de ser a única via de entrada em Salvador. A incapacidade nacional para coordenar decisões e para estabelecer prioridades econô-micas nas inversões (apesar de se gesticular com “Orçamento Programa” e com o meritório trabalho do GEIPOT) é ilustrada no fato de que o Estado haja feito o esforço de Aratu sem apoio federal para infraestrutura, sendo prejudicado esse esforço pelo congestionamento da Bahia-Feira, sem falar nos sacrifícios diários de vidas no tráfego entre Salvador e Aratu, de apenas 20 km.

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Industrialização da Bahia e sua repercussão no desenvolvimento industrial brasileiro

nucleação diversificada de indústrias de consumo, pois está entre São Paulo e Recife8. As vantagens já acumuladas nesses locais contam muito. No Nordeste, trata-se da área que já está mais industrializada e/ou que, pela maior distância, está mais protegida para as Indústrias de consumo, em relação a São Paulo. Mas, por outro lado, a posição geográfica da Bahia - entre o centro do grande Nordeste e o Centro- Sul -, ajudada por um porto de águas profundas — o de Aratu —, contribui para nucleação de indústrias de base.

O modelo sub-regional e a política nacional

Em consequência, na Bahia, se desenvolverão mais as indústrias ba-seadas nas vocações naturais e visando ao mercado nacional. Veremos adiante como essas indústrias básicas, poderíamos dizer, ajudarão a diversificação da indústria nordestina, desenvolvida fora da Bahia.

O quadro que podemos vislumbrar para o modelo sub-regional de industrialização, é o seguinte: as vantagens comparativas regionais, em termos de matérias-primas e de eletricidade, ao lado do esforço promocional do Governo do Estado, através do Centro Industrial de Aratu e do regime de estímulos fiscais, conduz a uma nucleação de indústrias químicas e metalúrgicas primárias, ao lado de outras como as de cerâmica industrial. E a demanda, primeiro de reposição, logo a original, dessas indústrias, deverá induzir a certo desenvolvimento da indústria mecânica, mas esta sem possibilidade de competição

8 São Paulo aqui simboliza o Centro-Sul; onde se lê Recife, leia-se também Fortaleza.

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maior com São Paulo, dadas as vantagens já acumuladas ali e o cará-ter aglomerativo desse ramo. A partir daí, o suprimento de insumos industriais locais permitirá outras indústrias de bens intermediários ou de consumo para exportação interestadual. As indústrias mera-mente para consumo local virão mais lentamente, salvo as de mate-riais de construção e algumas alimentícias localizadas normalmente em função do mercado local, nas condições conhecidas.

Existem condições para que as vantagens comparativas operem, se elas não forem anuladas por políticas federais que favoreçam locali-zações menos eficientes.

Assim, se se estabelece um regime de preços únicos de matérias-pri-mas para a indústria petroquímica, a consequência óbvia é anular as vantagens de quem tem matéria-prima e transferi-las todas para quem tem o mercado à porta. Há quem defenda essa política, por um impróprio paralelismo com a política de preços de combustíveis líquidos, contra os critérios de política econômica estabelecidos pelo governo, conforme veremos adiante.

Se for estabelecida uma reserva de mercado para quem mais avançou num projeto petroquímico, evidentemente se anula a possibilidade de competição, mesmo que o projeto competidor seja mais eficiente em termos de custos reais.

Se a tarifa de energia fixada pelo Governo Federal elimina a vanta-gem do custo da energia da CHESF, destrói-se essa vantagem com-parativa para os projetos industriais baseados em elevado fator de car-ga e alto consumo de eletricidade. Foi, aliás, o que aconteceu com a tarifa baixada recentemente.

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Política de matérias-primas

No caso da política de preços únicos de combustíveis líquidos, a vantagem comparativa sub-regional é distribuída para todo o Brasil. Aos Estados e municípios produtores, fica apenas a participação sob a forma de regalia, que corresponde a pouco mais de 50% da taxa do ICM para exportações interestaduais9.

Por mais que se justifique a política como uma exceção, o certo é que, na avaliação dos custos reais ou “nacionais” dos projetos in-dustriais dependentes de alto coeficiente de combustíveis, deve- se começar indagando qual seria o custo se os combustíveis partissem do custo real das suas matérias-primas e não dos preços únicos, base-ados no preço médio dos óleos importados nas refinarias do País. Se o óleo e o gás, ou seus derivados, são matéria-prima para indústria química, os custos devem ser baseados nos custos efetivos daqueles, e não no absurdo paralelismo com o regime de combustíveis líquidos em que a sub-região produtora sofre realmente a pena de um verda-deiro imposto, que corresponde a cerca de metade do preço básico do óleo para todas as refinarias.

Parece difícil que se possa levantar dúvida quanto ao critério dos reais custos comparativos para a localização dentro de uma unidade econômica. Nisso estão inteiramente de acordo o sistema capitalis-ta e o sistema socialista. A única dúvida que se coloca é, no caso de planejamento espacial ou regional, a da prevalência dos custos

9 Não desejo discutir esse regime, que o próprio autor, quando Assessor do Presidente da República, considerando a conveniência de subvencionar o custo dos transportes para as regiões distantes, propôs fosse estendido. Ademais, há razões técnicas de operação do sistema de refinarias que recomendariam o regime, embora ele também favoreça localizações inadequadas destas e um sensível desperdício nacio-nal nos transportes de óleo cru e derivados.

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comparativos atuais ou estáticos em confronto com os futuros ou “dinâmicos’, isto é, os que resultarão do próprio desenvolvimento, da própria implantação e aglomeração dos novos núcleos. Ocorre que essa questão se coloca exatamente em favor das áreas menos de-senvolvidas e não das mais desenvolvidas, ou seja, para evitar que o efeito das vantagens acumuladas no passado se autoperpetue e nunca mais sejam possíveis novos polos, mesmo que, em termos dinâmi-cos, prometam ser mais eficientes. Em consequência dessa política é que a redução no preço do dinheiro, dos serviços de infraestrutura e das próprias matérias-primas controladas por fontes governamentais se faz em benefício das áreas em desenvolvimento, como é o caso do gás em favor do sul da Itália.

No Brasil, estabeleceu-se, com o ora ameaçado regime de estímu-los fiscais, o primeiro incentivo, através de uma invenção das mais importantes na história da política do desenvolvimento, conforme o julgamento do prof. A. Hirschmann10. Mas, além de mutilar-se severamente o regime dos incentivos a favor do Nordeste e em vez de oferecer vantagens na infraestrutura e nas matérias-primas básicas, há quem pretenda anular as vantagens naturais do Nordeste.

Na política econômica geral, os governos da Revolução têm insistido na realidade dos custos e preços. Este é um princípio geral muito lúcido11. No caso das matérias-primas petroquímicas naturalmente como corolários daquele principio geral, o governo estabeleceu:

10 O prof. Hirschmann mostrou que o “subsídio” no custo do dinheiro não tem comparação com a proteção aduaneira que favoreceu a indústria do Sul.11 Apenas nos permitiríamos registrar nossa reserva quanto ao exagero expresso, por exemplo, do corte dos subsídios aos transportes aéreos, tendentes a dificultar a integração das regiões periféricas.

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a. expressamente, a distinção entre matéria-prima petroquímica e matéria-prima para o refino de combustíveis líquidos;

b. implicitamente, tanto na legislação quanto nas declarações so-bre o princípio geral, bem como no critério estabelecido para o fornecimento de nafta a um projeto petroquímico em S. Paulo, o critério do custo industrial efetivo12.

Além disso, também se considera o objetivo de aproximar — quando não equiparar — os custos dos produtos e os das matérias-primas aos internacionais. A propósito, convém observar que esta última diretriz é tecnicamente impossível de cumprir-se através de matérias- primas importadas; enquanto isso, por sua vez, pode-se esperar que seja pos-sível na área que produz as matérias-primas naturais, no caso a Bahia.

Quanto aos outros princípios e critérios, são os que seguramente serão aplicados em relação ao óleo e ao gás natural produzidos no Recôncavo, pois não é possível admitir nem política discriminató-ria - exatamente contra uma região que se quer desenvolver - , nem incoerência com as diretrizes de política fixadas pelo governo. Nesse suposto, um grande complexo petroquímico se desenvolverá na Bahia e, salvo mudança na atual estrutura de recursos, terá condições de dis-putar a primazia com os estabelecidos em função do mercado à porta.

A outra possibilidade seria a de impedir o estabelecimento do com-plexo potencialmente mais eficiente em favor da reserva de mercado para os projetos que já avançaram. É um problema teórico e prático do desenvolvimento: o da validez de uma tal política em termos de

12 Na realidade implicando certos itens de subsídio, que não interessa no momento discutir.

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desenvolvimento nacional (desde que se saia do curto prazo). Mas não desejamos discuti-la aqui. O levantamento dessa hipótese de política parece difícil em face de três razões:

a. ela só seria admissível, no que se refere ao complexo petroquí-mico da Bahia, se o crescimento da economia nacional fosse projetado a 6% ao ano. Agora, com os resultados dos últimos anos e a nova meta governamental de crescer entre 7% e 9%, as metas da produção da indústria química básica deverão ser reajustadas coerentemente, e não há dúvida de que tal reajuste comporta a imediata implantação do complexo básico na Bahia;

b. em qualquer hipótese, o complexo na Bahia, graças aos custos reais das matérias-primas e à associação com cloro mais barato, poderia ter certas chances de exportação para o exterior. Di-ficilmente o retardamento dessas chances se compatibilizaria com a política agressiva de exportações industriais, que é um dos êxitos do governo;

c. certamente também as autoridades federais não deixarão de le-var em conta os efeitos sobre a consolidação da industrialização no Nordeste e sobre a integração nacional do parque de indús-trias básicas na Bahia.

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O caso da tarifa de energia13

Os recursos hidrelétricos do baixo-médio São Francisco e a eficiên-cia da CHESF permitiram um custo de eletricidade muito baixo, o qual, desde cedo, atraiu projetos grandes insumidores de kWh. Assim, já no começo dos anos 50, antes de inaugurada a Usina de Paulo Afonso, a Reynolds e a Kayser se interessaram por financiar uma ampliação de cerca de 200.000 kV na capacidade instalada des-sa usina para montar uma fábrica de alumínio no Nordeste, para exportação. Interesses de ordem nacional é que dissuadiram as auto-ridades de apoiar o projeto.

O custo da eletricidade, na tensão de 220 kV, com a remuneração legal do capital e com imposto, será, hoje, no máximo, de 4,5 mills de dólar por kWh. Entretanto, recentemente, foi baixada uma tarifa que o fixou em cerca de 6,5, ao que parece para evitar disparidade em relação a certas tarifas do Centro-Sul. No preço da energia de baixa tensão, a vantagem se manteve e até se ampliou, mas geral-mente tal se aplica a atividades em que o coeficiente da eletricidade nos custos é baixo.

Ora, o interesse da região e da própria CHESF é o de atrair indús-trias grandes insumidoras de energia e com elevado fator de carga — eletroquímicas e eletrometalúrgicas —, as quais, se, por um lado, permitem crescente produtividade do sistema CHESF e assim maior capacidade potencial de oferecer tarifas mais favoráveis para todos os consumidores; por outro lado, propiciam “indústrias motoras” para o desenvolvimento regional autossustentado.

13 O autor utilizou dados de um estudo do engenheiro Luis Almeida, presidente da Empreendimen-tos da Bahia S.A. e da SIBRA — Eletro-Siderúrgica Brasileira SA.

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A anulação da vantagem comparativa natural no preço da eletrici-dade no Nordeste priva a região de uma das condições que tem para lazer face a várias desvantagens, como: suprimento de máquinas (in-clusive elétricas) produzidas em São Paulo a maior preço que no Centro-Sul; idem de artigos de consumo e mercados mais distantes.

Um exemplo concreto: há anos um grupo baiano-argentino proje-tou uma fábrica de ferro ligas para exportação — a SIBRA. Pelas tarifas vigentes da CHESF, o custo de energia em 220 kV e com 90% de fator de carga era de cerca de 3 mills, exclusive imposto. Essa tarifa demonstrara-se realística, na base dos dados globais de custo da CHESF e dos critérios legais de fixação de tarifas. Esse pre-ço equivale a cerca de 50% da tarifa na segunda área de tarifa mais favorável no Brasil. Agora, com a nova tarifa, a vantagem se perdeu em termos de mercado interno e a competitividade da indústria para exportação foi seriamente afetada, prejudicando seus planos de rá-pida expansão.

Note-se que há países que dispõem de kVh por menos de 3 mills para as indústrias eletroquímicas e eletrometalúrgicas.

Portanto, além do interesse regional prejudicado por uma vantagem comparativa natural, há uma contradição com a política nacional de custos internacionais, exportações e abertura gradual do sistema econômico nacional.

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Repercussão no desenvolvimento industrial brasileiro

A repercussão da industrialização da Bahia no desenvolvimento industrial brasileiro se faz em dois estágios: o da consolidação do processo nordestino e o da contribuição direta e indireta para a integração nacional.

Consolidação da industrialização do Nordeste

Partindo da já apontada especialização dentro do Nordeste — Bahia mais propícia para as indústrias de exportação para o Sul, em regra básica; as áreas do Recife (que inclui Campina Grande) e de Forta-leza caracterizadas pela indústria diversificada de consumo —, po-demos perceber que a complementaridade é perfeita, e o que cabe é torná-la intencional e planejada. Nesse quadro, o papel da Bahia em relação aos outros centros indicados é o de fornecer insumos não só mais baratos (CIF) do que os que Recife e Fortaleza recebem hoje do Centro-Sul, mas também, provavelmente, mais baratos do que ocorre em São Paulo mesmo. A explicação é a seguinte: se os projetos na Bahia não se podem basear no atual mercado nordestino, mas no mercado do Sul, seus preços FOB (PB) têm que ser, no máximo, iguais aos preços de SP (PSP), menos o custo do transporte da Bahia a SP (tSP). Ora, como as distâncias da Bahia para Recife (tR) e para For-taleza (tF) são muito menores do que para SP (tSP), a consequência

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será que os preços desses insumos em Recife e Fortaleza poderão ser menores do que em S. Paulo14.

Assim PB = PSP — tSP. Ora se tR < tSP e tF < tSP segue-se que PR = PB + tR < PSP. Paralelamente, PF < PSP, embora > PR.

Mesmo na hipótese de que o PB = PSP (para competir apenas em pon-tos intermediários), ou que tSP não seja tão maior que tR e tF ( graças à utilização do “frete de retorno”), ainda assim os custos dos insumos em R e F serão muito menores que hoje. Ora, a debilidade da indus-trialização diversificada no Nordeste reside em sua alta dependência de insumos vindos do Sul, para resistir à competição do NE das indústrias do Sul, favorecidas também pelas escalas econômicas de aglomeração, além de produção de mercado e poder financeiro. A redução dos custos relativos no Nordeste significará maior capacida-de de competição dentro e fora do Nordeste.

Além dessa contribuição, a Bahia oferecerá um mercado ampliado à indústria do Nordeste, favorecida pelo “frete de retorno” de Forta-leza e Recife até Feira de Santana, além de menores distâncias que a de S. Paulo.

14 Distâncias rodoviárias em km: Salvador—S. Paulo 1960, Salvador— Recife 930, Salvador—Forta-leza 1290. Por mar, em milhas: Salvador—Santos 955, Salvador—Recite 456, Salvador—Fortaleza 876.

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Contribuição para a integração nacional

A posição das indústrias de base na Bahia, à beira de um porto de águas profundas e sem contar com uma variada indústria de trans-formação “a jusante”, parece muito favorável para a difusão dos seus efeitos por todo o País.

Comparando com a indústria similar situada no planalto paulista, esta já conta com uma indústria local pronta a ampliar-se para ab-sorver produtos - tanto os básicos como os intermediários - e dificil-mente será mais econômica a transformação destes fora de São Pau-lo. Com efeito, além dessa condição, a partir do planalto, os custos de transporte serão carregados pela baldeação no porto de Santos e talvez pela limitação das tonelagens dos navios. Assim, considerando também as vantagens de custos de matérias-primas, provável é que muitos produtos básicos e intermediários produzidos em Salvador possam ser entregues, não só no Norte, mas também no extremo Sul, com custo mais barato do que o faria o produtor paulista. Como exemplo, uma unidade de amônia projetada na Bahia, com gás na-tural, deverá entregar os produtos no porto do Rio Grande a preço bem menor que o preço de fábrica paulista, baseado em nafta impor-tada, considerada a mesma escala de produção.

Outro papel integrativo direto é o de realmente gerar fluxos de carga básica entre o Nordeste e o Sul, em reciprocidade ao fluxo tradicio-nal de sentido contrário, o qual será aumentado. Não é preciso dizer que toda a industrialização nordestina começa sendo tributária da indústria mecânica de São Paulo e logo abre mercado para produtos intermediários e mais bens de consumo do Sul, substituindo-se um determinado valor de bens menos refinados sempre por valor maior

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de bens mais refinados, ou seja, mais intensivos de técnica mais pre-nhes de efeitos desenvolvimentistas no Centro Sul. Formulamos a hipótese de que a demanda nordestina de máquinas em São Paulo, nos anos recentes, foi um dos fatores de superação da crise de estag-nação pela qual passamos.

Por fim, o maior efeito integrativo nacional da industrialização na Bahia é consequência da contribuição dela para a consolidação e autossustentação do processo de desenvolvimento do Nordeste. Um Nordeste industrializado, com a maturação, nos próximos 5 a 10 anos, do processo recém-iniciado (e já duramente perturbado pela “breve análise”, em vez de avaliado, retificado e reforçado), significa-rá o verdadeiro grande passo da integração nacional. Será uma região de 30 milhões em intercâmbio intenso com os 50 milhões do Cen-tro-Sul, Será uma nova dimensão do mercado interno e do Brasil.

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6 Planejamento Regional*

* Trabalho apresentado no VIII Congresso Interamericano de Planificación, Salvador—Bahia, 13 a 18/09/1970.

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Planejamento Regional

Estas notas se baseiam na experiência brasileira, da qual re-colhem ilustrações, mas não representam análise exaustiva. Adicionalmente, fez-se uso do estudo direto de casos em ou-

tros países e de uma certa fonte da literatura sobre desenvolvimento regional e planejamento. Foram materiais sedimentados numa longa preocupação do autor em relação ao assunto, inspirada menos por objetivos acadêmicos que pela busca de fórmulas operativas.

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Motivação positiva e negativa

O interesse hoje universal pelos problemas regionais e pelo planeja-mento regional se deriva:

• das reivindicações regionalistas;

• da política de justiça e solidariedade nacional;

• de ideias de maximizar o uso dos recursos naturais e humanos;

• da preocupação de prevenir o agravamento dos problemas cria-dos nos grandes centros pelas migrações do campo e das cida-des periféricas.

A resistência, ou motivação negativa, ao desenvolvimento regio-nal provém do receio quanto aos efeitos negativos do regionalismo contra o interesse nacional de alcançar um crescimento ótimo, ou máximo. A ideologia e o esquema teórico do desenvolvimento na-cional geralmente incorporam o suposto da concentração espacial dos esforços, a fim de assegurar depois uma expansão territorial do processo de desenvolvimento. Logo, naturalmente, os interesses acastelados na área privilegiada pelo modelo de desenvolvimento concentrado tendem a exacerbar essa resistência e autoperpetuar as suas vantagens, criando, inclusive, um tipo especial de “regionalis-mo”. Este regionalismo de autoperpetuação chega a manifestar-se em pruridos separatistas das “locomotivas” em relação aos “vagões”, pruridos estes que se desvanecem face ao interesse maior da área do-minante no que toca à unidade.

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Planejamento Regional

O regionalismo é uma mobilização psicológica e ideológica para a luta por uma parcela local maior na distribuição da renda, ou me-lhor, da despesa nacional, buscando equalização. Ele só se ajusta a objetivos nacionais de crescimento ótimo ou máximo na medida em que se justifica com o desenvolvimento tempestivo e suficiente dos recursos (suficiente em termos de capacidade competitiva, o que pode requerer escala ou aglomeração, ou seja, massa crítica de inver-sões). Fora dessas condições, é conflitivo com o planejamento nacio-nal do uso dos recursos em âmbito nacional, que conduza a uma taxa de crescimento ótima. O regionalismo apresenta aspectos positivos, mesmo na sua luta pela equalização utópica, tal como já mostrou John Friedman. Creio que se poderia acentuar a importância do re-gionalismo como capacitação regional para a participação e para a iniciativa. Estas condições, tal como no caso do espirito de comu-nidade e da capacidade empresarial, são suscetíveis de superar certas desvantagens marginais quanto à produtividade de outros fatores.

A política de desenvolvimento regional inspirada na ideia de justiça e no interesse de assegurar melhor a solidariedade nacional através de maior satisfação das populações periféricas — política administrada por um poder arbitral, mesmo em condições de mais débeis pressões regionalistas -, ainda que tenha origem quase paternalista, é paralela ao regionalismo nos seus efeitos, sem a vantagem salientada do úl-timo, mas com a possível vantagem de melhor ajustar os programas regionais aos objetivos totais do país.

Nestes dois casos, é saliente o propósito de justiça social entre re-giões, sendo paralelo e, às vezes, confluente com o de justiça social entre classes. Também a ideia de expansão deliberada da “fronteira” (no sentido econômico), com o objetivo de ampliar ou maximizar o

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uso de recursos naturais e humanos, tem sido motora de muitos pro-jetos de desenvolvimento regional. Esta abertura para o desenvolvi-mento regional tende a ser até promovida pelos grupos sediados na área de economia metropolitana, sempre que se trate de projetos “de fronteira” fornecedores de insumos ou imediatamente insumidores de produtos dessa área dominante. Por outro lado, essa linha de de-senvolvimento regional é conflitiva com o desenvolvimento máximo se conduz à dispersão de projetos, impedindo as aglomerações de investimentos em torno de polos mais dinâmicos, ou seja, se não se orienta no sentido da revelação e plena habilitação de focos de maior produtividade no sistema econômico. O acentuado crescimento re-cente dos “camponeses nas cidades’ - ou seja, das cidades reservató-rios de migrantes sem perspectivas de trabalho regular - se expressa no problema de investimentos e serviços públicos sem o crescimento das receitas públicas, resultando em forçar a uma divisão de recursos com essas massas de marginais infraurbanos. Com efeito, a cidade, ainda que inchada e quase rural, é inexorável quanto às exigências mínimas de infraestrutura. E, por outro lado, o desemprego ou subemprego dessas “franjas” urbanas é mais visível e articulável em manifestações, geralmente caóticas ou pré-organizacionais, mas com considerável eficácia na luta distributivista. Parece, entretanto, que o problema da aglomeração urbana não gera um impasse em termos materiais, no caso das metrópoles das regiões mais ricas. Para estas, em regra é mais fácil ter recursos para superar, em termos materiais, os grandes problemas de investimentos gerados por essa expansão urbana indesejável — os problemas de saturação - do que as áreas de origem dos migrantes terem meios para resolver problemas muito rudimentares, em decorrência de que se poderiam gerar condições melhores de fixação. O problema é a perda de qualidade na vida des-ses centros maiores e a incomodidade dos grupos dominantes, face

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Planejamento Regional

aos problemas que lhe são criados. Isto, provavelmente, é o que con-duz a uma atenuação das resistências, nas metrópoles econômicas, ao desenvolvimento regional e mesmo a acender tênues interesses positivos na esperança de gerar um anteparo às migrações excessivas. Carecemos de uma análise sobre variáveis políticas que condicionam a viabilidade dos planejamentos regionais, seus tipos, características e formas afinal adotadas, tanto no planejamento formal quanto em sua efetivação. Basicamente, o problema é saber em que medida os pla-nejamentos regionais variam entre um desafio à estrutura de poder e o ajustamento aos interesses expansionistas da área dominante - tal como no caso dos desenvolvimentos “nacionais” em condições de dominação. Não tendo possibilidade de intentar tal análise nem atre-veria avançar nada diante dos especialistas reunidos neste congresso.

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Regiões, polarizações e cidades

As considerações gerais sobre esta parte serão simplesmente de re-ferência, em virtude do desenvolvimento que o tema ganhou em outros trabalhos apresentados no Congresso. O objetivo dessas con-siderações será apenas situar as experiências típicas do Brasil e con-duzir às seções seguintes da comunicação.

A classificação Perroux-Boudeville parece satisfatória aos objetivos do autor.

Quanto às regiões homogêneas, serão tecidas considerações sobre experiências realizadas em bacias hidrográficas e o intento de dividir o país em microrregiões. Neste último caso, se adverte que a deli-mitação das mesmas levou em conta as condições tradicionais de micropolarização. Por outro lado, o esquema das microrregiões pare-ce estar inspirando programas seletivos, mas ainda geograficamente muito dispersos, de desenvolvimento urbano, tal como o Programa de Ação Concentrada - PAC.

Os programas dos vales constituem uma experiência, em alguns casos, antiga, mas em todos os casos muito rudimentar, oscilando entre a ideia de desenvolvimento polarizado em torno de determinadas uni-dades hidrelétricas e a dispersão de esforços por toda uma vasta área. Neste sentido, o desenvolvimento se aproximou das regiões- programa.

O caso das regiões-programa se apresenta antes que o das regiões polarizadas nas tentativas de planejamento. Três casos típicos mais importantes devem ser focalizados na experiência brasileira:

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Planejamento Regional

a. o dos estados;

b. o das grandes regiões periféricas;

c. o artifício máximo: o caso da fronteira sudoeste.

Serão focalizados, especialmente, os casos de planejamento no Esta-do da Bahia e na região nordeste.

Quanto às regiões polarizadas e que não se deve confundir com as áreas metropolitanas, embora às vezes coincidam, a experiência do Brasil é muito incipiente. Focalizaremos o caso do Recôncavo, que se introduz vigorosamente num processo tradicional de planejamen-to de duas regiões- programa superpostas, mas que ainda não adqui-riu uma conceituação madura.

A seguir, serão feitas algumas considerações sobre o conceito de po-larização e suas relações com o planejamento espacial.

Todo planejamento regional tenderia a ser baseado nas regiões polari-zadas e nos seus polos, focos ou eixos de desenvolvimento. O “espaço econômico” da polarização, ou do sistema de forças atrativas e irra-diantes a partir dos polos, espaço que é abstrato, passa a condicionar a área geográfica da região, mas a delimitação dessas regiões polari-zadas é menos nítida à medida que se amplia o raio a partir do polo.

Se é certo que a existência de recursos naturais favoráveis e de boa localização, além de outras condições acumuladas historicamente, favorecem a polarização; por outro lado, cada vez há uma menor de-pendência dessas condições, desde que seja bastante a concentração dos fatores “artificiais”, planejados.

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Em outras palavras, os “complexos tecnológicos” criam regiões ar-tificiais. Mas, provavelmente, à medida que ninguém dispuser de recursos naturais, posição e outras condições tradicionais, maior concentração de investimentos será necessária. O extremo é o que se poderia chamar de “modelo da fundação” lembrando Manheim.

Confluência entre o planejamento econômico-social e o planeja-mento espacial (além do institucional, na medida em que possa ser realmente planejado).

O planejamento econômico-social, através dos sistemas de transpor-tes, da localização dos projetos propulsores e da caracterização dos polos, induz à investigação da variável espacial e, logo, ao planeja-mento espacial mesmo. Nas áreas de recente colonização e mesmo nas de desenvolvimento incipiente, o sistema moderno de transpor-tes é criado praticamente ab ovo. Seu impacto, portanto, quer na delimitação e caracterização das regiões, quer na superação de fatores tradicionais, é evidentemente muito mais importante que em áreas econômicas mais desenvolvidas.

Afinal, só muito recentemente as cidades passaram a ser objeto do planejamento econômico-social a nível nacional, depois de ganha-rem importância nos planejamentos nacionais.

Assim, em termos muito esquemáticos, o planejamento econômico e social se orientou no sentido de integrar planejamento espacial e físico.

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Planejamento Regional

A cidade no desenvolvimento regional

No sentido inverso, o planejamento das cidades partiu de um en-foque físico limitado à área para considerar a integração da cidade com a sua imediata área de influência, logo como sistema de trans-portes, com as áreas econômicas de polarização e com o sistema geral de cidades. Assim, foi conduzido a desembocar no planejamento econômico-social geral.

A experiência do Brasil ainda é muito, diria, preliminar quanto aos mecanismos operativos, nos dois sentidos, embora conceitualmente já se tenha avançado um pouco mais. Entretanto, o importante es-forço recente de conceitualização e de programação efetiva das áreas metropolitanas parte de três objetivos:

a. preparar as metrópoles para a solução coordenada ente os vá-rios municípios que a compõem, bem como a ação supletiva do Estado e da União na área;

b. preparar as metrópoles para manejar os problemas críticos da hiperurbanização;

c. preparar uma oferta de infraestrutura física e social urbana, no sentido de competir na atração e fixação de capitais e recursos humanos qualitativos. (obs: em grande parte coincide com b).

Entretanto, esse esforço pioneiro de planejamento urbano e me-tropolitano vem a ser isolado e, principalmente quando não tem

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relação com o planejamento de polos de desenvolvimento, é precário na sua eficácia preditiva, pois a demanda das infraestruturas urbanas, das condições gerais, ou seja, a demanda de cidade, não é dada por condições tradicionais ou autônomas, mas pelo sistema de cidades. Isto é, sobretudo, importante numa fase de mudanças violentas na tecnologia e num país ou região de desenvolvimento incipiente.

O planejamento dispersivo dos núcleos urbanos que se está verifi-cando não considera as mudanças em perspectiva ou possíveis, nas condições locacionais, inclusive os câmbios nos requerimentos de aglomeração da economia moderna, sem falar nas mudanças opera-das pela própria abertura de novos sistemas de transporte. Pode ele, assim, constituir uma experiência negativa, não só de dispersão de recursos, se não também de inflexibilização de estruturas urbanas, com efeito sobre o desenvolvimento geral da região e do país.

Algumas considerações se justificaram adicionalmente quanto às condições extrínsecas e intrínsecas de potencial das cidades. Aqui são apresentadas a titulo de meditações, para provocar os especialistas.

I. Seriam condições intrínsecas à cidade mesma:

a) a qualidade da oferta de infraestrutura urbana, ou seja, as condições das economias e deseconomias urbanas no pro-cesso de desenvolvimento;

b) certas condições gerais urbanas insuscetíveis de quantificação;

c) posição em face a condições geográficas não suscetíveis de superação tecnológica.

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II. Seriam condições extrínsecas à cidade mesma, mas intrínsecas à sua área de influência:

a) recursos naturais;

b) população e renda da área polarizada;

c) competição com outros centros dentro da região.

III. Seria condição extrínseca à própria região: a competição no sistema nacional e internacional de cidades, o que corresponde à competição da região com as outras e à própria competição ente as nações.

O potencial urbano, por decisão autônoma, é muito limitado, pois existe a tendência de competir no item I.a, bem como através da superação tecnológica de desvantagens existentes em outros locais, correspondentes ao item I.b. Por outro lado, entretanto, certas con-dições naturais e culturais talvez sejam irredutíveis no seu valor relativo, bem como, pelo contrário, talvez tenham crescente signi-ficação, como seria o caso de um patrimônio histórico e artístico irreprodutível ou de clima e paisagem excepcionais.

Não há dúvida de que a competição nas condições I, desde que não resulte numa superoferta ou, noutro extremo, numa oferta dispersa, pode representar uma contribuição para o desenvolvimento regional ou nacional, não só importante em si mesma pela melhoria da qua-lidade da vida urbana, mas também de grande alcance na elevação da produtividade do sistema econômico geral. Mas essa oferta em si mesma tem limitados efeitos germinativos locais tal como, em geral,

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o suprimento prévio de infraestruturas excedentes à demanda efetiva imediata. Tal oferta pode, sim, reforçar o efeito motriz dos polos de desenvolvimento.

O item II.a vai perdendo o valor como o desenvolvimento da tecno-logia ou, simplesmente, das inversões em transportes.

O item II.b, num esquema planejado de longo prazo, perde também a importância, pois o planejamento, ou, automaticamente, o pró-prio desenvolvimento básico (neste caso com maior custo), incita ou implica transferências populacionais para onde se criam as condições de emprego e vida urbana.

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Planejamento Regional

Política de estratégia do planejamento nacional das regiões

O objetivo do desenvolvimento regional dificilmente é viável po-liticamente se não existe uma consciência de sua compatibilidade com um desenvolvimento ótimo do país. (O ótimo, aqui, conside-rado não apenas no limite quantitativo da máxima produtividade marginal, mas também no sentido qualitativo que admite um certo preço de crescimento quantitativo para alcançar metas políticas, sociais e culturais). Essa consciência pode ser - e é - frequentemen-te desavisada, refletindo uma cândida despreocupação em relação ao cálculo econômico em países menos desenvolvidos, como é o próprio caso do Brasil.

O problema é saber em que medida o desenvolvimento regional é eficaz para esse objetivo de crescimento ótimo do país. Portanto, a definição de crescimento ótimo é um elemento preliminar na fixação de objetivos e de uma estratégia para o planejamento regional.

Já se está superando a ideia de que nenhuma alternativa seria mais eficaz que a do crescimento máximo, em termos quantitativos, ainda que a preço inicial de desequilíbrio social e espacial acentuado:

- um maior crescimento imediato nem sempre é o mais condu-cente ao crescimento contínuo e à sua aceleração no largo prazo;

- certos gastos correntes, quando valorizam recursos, se equipa-ram a investimentos, como é o caso da educação e da pesquisa

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sobre recursos naturais e a tecnologia mais adequada a estes e ao projeto da sociedade;

- objetivos sociais, culturais e políticos podem ser, em certa medi-da, mais importantes que os econômicos para um desenvolvi-mento que poderíamos classificar humanisticamente de autên-tico, além de que podem estar capitulados naqueles objetivos — meio de desenvolvimento econômico maior a longo prazo.

- O aproveitamento melhor dos recursos naturais, além de con-centração de capital e, em certos casos, aglomeração de empre-endimentos diversos, também depende de um período mais longo de maturação, quando se trata de áreas menos desenvol-vidas. Durante esse tempo, com frequência, a relação produto/capital marginal se deteriora em relação a aplicações nas áreas mais desenvolvidas.

Parece haver um ponto básico na filosofia política e social do Oci-dente: a proteção à saúde, a que se poderia estender à segurança de mínimos vitais de consumo, habilitação educativa. Aliás, essa “valo-rização” dos recursos humanos pode constituir uma meta mínima de planejamento regional disperso, posto que estará também preparan-do reservas para as áreas mais dinâmicas e dominantes.

Dever-se-ia acrescentar, entre esses objetivos mínimos de planeja-mento regional disperso, os estímulos ao esforço próprio: a capaci-tação das comunidades, da liderança local, da “competência empre-sarial” coletiva e individual, nos limites em que ela possa compensar desvantagens marginais.

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Planejamento Regional

Há um campo, portanto, para racionalizar as pré-inversões nacionais em todo o país. Mas isto não basta para caracterizar uma política re-gional, baseada na criação de condições competitivas e dinâmicas de novas regiões em relação à região ou às áreas já desenvolvidas.

Sabemos que o processo de desenvolvimento requer centralização, acumulação espacial de investimentos, massa crítica. E, por defini-ção, uma sociedade subdesenvolvida está longe de ter possibilidade de muitos projetos regionais simultâneos nessas condições. Daí, a seletividade e sucessividade no desenvolvimento regional como um requisito de eficácia. O processo modelo assim poderia se definir como de desconcentração concentrada.

Por outro lado, o processo de centralização tende a se autoperpe-tuar, por causação circular, não necessariamente por produtividade intrínseca e potencial. Essa concentração acumulada - por força de produtividade marginal imediata, ou simplesmente aparente, e de deformações no sistema de poder e no funcionamento das institui-ções, inclusive fiscais -, depois de certo limite, estará certamente re-duzindo o potencial de crescimento da economia nacional, sem falar no desenvolvimento da sociedade, mas os projetos ali são em regra mais lucrativos e fáceis a curto prazo, ou isoladamente.

A consequência é que dificilmente pode haver desenvolvimento re-gional no sistema de preços. Há que existir intervenção deliberada para descentralizar.

O cálculo econômico para isso é, porém, indispensável. Frequen-temente, a evidência da necessidade de intervenção faz olvidar esse requisito de eficiência.

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O cálculo econômico certamente deverá ter critérios para determi-nar os custos comparativos dinâmicos, cuja técnica está longe de haver atingido suficiente madureza.

Possivelmente um planejamento regional, na base de complexos produtivos integrados, pode aproximar-se mais rigorosamente desses custos comparativos dinâmicos, naturalmente formulando hipóteses sobre o comportamento das áreas ou complexos competitivos e o desenvolvimento da tecnologia.

Os preços-sombra, ou preços de conta, podem constituir também um exercício útil, inclusive para incorporar a um modelo quantitativo objetivos de produtividade social, ou meramente metaeconômicos.

Uma outra observação importante se refere ao sistema fiscal, fre-quentemente negligenciado no que se relaciona ao planejamento regional. Antes de promover deliberadamente inversões em regiões a desenvolver, deve ser examinado se, em parte, tais decisões seriam dispensáveis mediante correções economicamente justificáveis no sistema tributário; ou imperativas por questão de justiça. É o que se verifica no Brasil, no que toca aos impostos indiretos. Na últi-ma reforma fiscal — talvez sem que se tenha pretendido esse efeito —, agravou-se o desequilíbrio regional pela transferência tributária implícita no sistema do ICM (Imposto sobre Circulação de Merca-dorias) para os estados e os centros urbanos mais industrializados ou mais importantes no comércio. Com efeito, “a parte de leão” desse imposto, que incide afinal sobre o consumidor, é retida naquelas áre-as. Um ponto fundamental, portanto, numa política regional, seria alterar radicalmente as bases dessa distribuição.

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Planejamento Regional

Um outro problema fundamental se refere à estrutura e funciona-mento do modelo de organização constitucional: federalismo, au-tonomia local. O que já se disse sobre o estímulo, a participação e a capacidade local de iniciativa, parecia conduzir logicamente ao coro-lário do federalismo e da autonomia local. Mas esta é uma questão que pomos em dúvida. Certas condições mínimas de autonomia são convenientes àquele propósito, ao interesse nacional de uma par-ticipação mais ativa e dinâmica ou, ainda, ao desenvolvimento do maior número de agentes de decisão que assegurem uma competição dinâmica saudável. É como se considerasse um modelo de “livre em-presa” entre as entidades públicas.

A dúvida está, porém, nos limites da autonomia que sejam compa-tíveis com o desenvolvimento nacional ótimo, sobretudo nos países de menor desenvolvimento.

O federalismo e a autonomia não podem, neste caso, conduzir a recursos muito avultados, que sejam de aplicação autônoma. Parece- me inevitável que o poder central concentre maior massa de recursos e, por outro lado, que, através das inversões diretas - das transfe-rências para as entidades locais, do planejamento indicativo como condição para essas transferências e do uso dos controles de crédito e câmbio - , balize o uso da autonomia pelos poderes locais.

Um planejamento regional, por conseguinte, não pode amplamente ser autônomo, embora se deva estimular, e até exigir, o hábito do planejamento municipal, provincial e regional, dentro das pautas do planejamento nacional.

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Afinal, cabe especular que tipo de planejamento regional se pode indicar como o mais convincente a conciliar a redução possível de desequilíbrio regional com o crescimento ótimo nacional.

Não creio que haja uma receita absoluta. As condições de cada es-trutura econômica, geográfica e institucional, é que definem o tipo de planejamento mais adequado em cada área e em cada momento. Porém parece-me que já se tem elementos para concluir que, ao lado de normas e critérios gerais de política regional e compensação de desequilíbrios mais chocantes, o desenvolvimento regional intensivo deve basear-se num modelo de desconcentração concentrada. Este modelo conduz a desenvolver as regiões na base de polos e áreas me-tropolitanas, modelo no qual se integra o planejamento econômico- social e o espacial, embora os limites do espaço geográficos sejam só convencionalmente fixáveis. Na prática, certamente, esse modelo será condicionado pelos limites de regiões-programa estabelecidos por condições institucionais de difícil ou desnecessária correção.

(Ilustração do caso baiano, a partir do Recôncavo e, neste, basica-mente do petróleo e da metalurgia).

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Planejamento Regional

Projeção continental do desenvolvimento regional intranacional

Dúvidas têm sido levantadas em vários países quanto à compati-bilidade ou viabilidade simultânea entre desenvolvimento regional interno e integração latino-americana. O primeiro, como uma for-ma de integração nacional, ao lado de uma maior diversificação do sistema produtivo interno, constituiria um objetivo prioritário e ex-cludente de uma imediata integração regional latino-americana.

Creio haver nessa tese um equívoco fundamental, quando não seja a simples incapacidade de manejar um modelo teórico e operativo mais complexo.

A conveniência da integração latino-americana para o desenvolvi-mento regional interno mais equilibrado me parece, pelo contrário, muito clara. Com efeito, num modelo mais aberto de desenvolvi-mento, os desequilíbrios regionais seriam menores, posto que, pelo menos, se reduziria o efeito da dominação única, ou seja, haveria sobre as áreas inevitavelmente periféricas (em termos econômicos), e inclusive limítrofes geograficamente, a competição de maior número de polos e áreas metropolitanas. Dois efeitos resultariam disso:

1. reduzir as perdas pela deteriorização dos termos de intercâm-bio entre as áreas periféricas e as áreas metropolitanas. Tais perdas se acentuam no regime de substituição horizontal de importações;

2. reduzir a própria condição periférica de tais áreas à me di da que elas passem a estar em eixos de comunica-

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ção mais vivos entre áreas metropolitanas de vários países. Pos si velmente, o policentrismo seria assim ajudado pela inte-gração regional latino-americana. E, possivelmente, sem perda absoluta para as áreas econômicas metropolitanas atuais, gra-ças aos ganhos de produtividade de um mercado mais amplo. Caminharíamos, assim, para a hipótese mais auspiciosa de in-tegração entre um planejamento regional interno e o planeja-mento do desenvolvimento latino-americano, admitindo, na-turalmente, regiões multinacionais não apenas fronteiriças.

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7 Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional*

* Revista Econômica do Nordeste, BNB, Fortaleza, abril/junho 1979.

* Ao ser solicitado para um trabalho sobre Polo

Petroquímico e Nordeste, verificou o autor que um tex-

to de dezembro de 1972, praticamente inédito, sob o

título acima (apenas divulgado em limitada edição dos

anais do Simpósio Franco Brasileiro de Petroquímica,

reunido então em Salvador), cobria grande parte do

tema proposto. Por isso, adotou a opção de apresentá-

lo como naquela ocasião, apesar de estar este traba-

lho marcado por certa nota pol�mica de defesa de um

projeto então contestado como inviável, efetuando as

seguintes alterações e acréscimos: a) ligeiras correções

de redação para tornar mais claro; b) adição, ao texto

original, de notas de 1979, para atualizá-lo.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Introdução

papel da petroquímica na economia nacional será consi-derado nas condições concretas da época em que se vive. Há dois aspectos a focalizar: o impacto que pode ter esse

novo ramo dinâmico da indústria e da tecnologia numa economia que procura sair do subdesenvolvimento; a oportunidade que, no caso específico do Brasil, oferece a petroquímica de possibilitar um desenvolvimento espacialmente mais equilibrado no País, ou seja, alcançando, mais cedo que normalmente, um dos objetivos mais desejados em todo o mundo, no esforço do desenvolvimento — o de reduzir as desigualdades regionais — ao lado de dar nova dimensão ao sistema econômico nacional.

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Uma fronteira tecnológica

Será preciso dizer algo sobre a petroquímica como setor novo e di-nâmico da tecnologia atual? Ou sobre o papel da inovação no de-senvolvimento? Registra-se apenas que, entre os grandes ramos, só a eletrônica compete com ela em ritmo de expansão.

A fertilidade da criação tecnológica parece reverter a racionalidade ao mundo mágico ou ao sonho da alquimia: criar materiais novos numa espantosa velocidade. A curva de Gompertz da criação tecno-lógica ainda está longe de se horizontalizar.

Um aspecto quiçá importante, do ângulo nacional, está em que a tecnologia nesse campo é menos fechada que em outros. Muitas rotas estão sendo abertas para os mesmos produtos. A competi-ção aumenta. Os segredos diminuem. Assim, embora as “frentes” de pesquisa mobilizem exércitos de pesquisadores, há sempre uma chance de competir na criação, a partir, naturalmente, de um pro-cesso ativo de absorção e adaptação. Larguíssima é a oportunidade desta transferência preliminar, a custo baixo, se os agentes nacionais forem capazes - como sem dúvida o serão -, sob a coordenação da PETROBRAS — PETROQUISA. Nesse particular, a petroquímica é uma fronteira mais acessível do que a da energia atômica e outras.

Parece apropriado destacar, na petroquímica, duas características econômicas: primeira, sua elasticidade-renda, que é altíssima, pelo

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menos 1,7 para o conjunto da indústria1; segunda, sua altíssima taxa de integração ao sistema industrial. Por mais minuciosa que seja uma tábua de insumos-produtos, dificilmente há um ramo de atividade econômica que prescinda de produtos petroquímicos. Isto quanto aos efeitos para diante.

O estudo da CLAN já mostrava a adequação da indústria petro-química à estrutura diversificada da industrialização que resultou da política de substituição de importações.

“Se a estrutura da demanda dos produtos químicos depende da di-versificação industrial, a recíproca também é verdadeira: o desenvol-vimento da indústria química promove uma industrialização diver-sificada, se há potencial para esta; e, se já existe uma industrialização diversificada em condições baixas de eficiência, o efeito é de elevar a produtividade do sistema. Em outras palavras, por induzir a uma maior diversificação industrial e por melhorar a produtividade da indústria existente, a indústria petroquímica pode ter um papel es-tratégico no desenvolvimento econômico, embora se devam levar em conta outros problemas relacionados à sua expansão, como os decorrentes da intensidade de capital.

Pelo visto, num modelo de industrialização extensiva, como o do Brasil, por efeito da política seguida de substituição de importações, verifica-se um mercado potencial maior para produtos químicos do

1 Estudo da ONU, baseado em comparações internacionais, achou 1,66 para indústria química em geral, devendo ser quiçá bem maior para a petroquímica. UN — Patterns of Industrial Growth —, 1958. V. tb. Hollis B. Chennery, “Patterns of Industrial Growth”, A. E. R., set. 1960. Ver CLAN, De-senvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia (Estudo para CONDER), Bahia (1969), vol. I — p. 19, Segundo este estudo, a elasticidade/renda verificada para plásticos num curto período no Brasil chegou a 3,8.

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que numa industrialização seletiva no mesmo nível de renda (supon-do que esta não tivesse efeitos maiores sobre a renda)”2.

Esse mercado diversificado pela política de substituição de impor-tações (que agora poderá ir compensando o seu alto custo social) é ainda diversificado naturalmente pelo tamanho (medido em termos de população). A elasticidade/população encontrada para a indústria química em geral (certamente maior para a petroquímica, que se beneficia ainda mais da escala) foi de 1.393.

Para trás, as demandas da petroquímica por outras atividades que não petróleo e gás ou seus produtos são de baixo coeficiente, mas ad-quirem importância na escala da indústria. Pelos produtos com que se associa, na fase dos produtos básicos e intermediários e na fase da transformação, as demandas de outros setores são numerosas. Assim, dir-se-ia que, num ramo tão diferenciado e tão “sociável”, os efeitos “para os lados” são, como os “para frente”, muito diversificados. No que se refere aos efeitos para trás, convém insistir num ponto impor-tante: os requerimentos de pessoal de alta qualificação na pesquisa e adaptação, no planejamento e engenharia e mesmo — em menor coeficiente — na operação. Isto indica que, se associada a um proje-to consistente de desenvolvimento de tecnologia nacional, a implan-tação da petroquímica poderá ter um papel dinâmico muito maior. A demanda por agentes capazes e políticas dinâmicas também é de molde a produzir impacto indireto no processo do desenvolvimento; bem como a por equipamentos, numa indústria com alta taxa de reposição e vocação para expansão.

2 CLAN, op. cit., vol. I, p. 20.3 UN - Patterns, op. cit., CLAN, op. cit, p. 19.

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A combinação das duas características permite supor que a petroquí-mica, tendo um mercado potencial vigoroso como consequência do crescimento da economia brasileira, poderá ser um motor, na medi-da em que esse mercado potencial se torna efetivo por uma oferta oportuna e por um marketing adequado, ou seja, pela apropriada engenharia de vendas e, ainda mais, se uma organização tecnológica lhe segue os passos com presteza e audácia.

Deve superar o fascínio pelas marcas usuais do crescimento quan-titativo. Os objetivos sociais e qualitativos são essenciais ao desen-volvimento. Por outro lado, não é sedutora a imagem de um país de matéria plástica para consumo supérfluo de um pequeno grupo ou mesmo para derivativo da falta do essencial à vida e à valorização do grande número. Entretanto, seria absurdo que a dúvida quanto ao problema do destino da produção – seu papel de liberar das necessi-dades e abrir novos horizontes de criação, ou o de simplesmente au-mentar a dependência do homem - viesse trazer inibições face à tec-nologia moderna, tanto mais num campo em que a criação de novos materiais e a possibilidade de novos usos e funções, absolutamente imprevistas até há pouco, permitem esperar uma contribuição im-portante e genuína ao real desenvolvimento do povo brasileiro.

Ora, como já se vislumbra nos variados usos de consumo, a versati-lidade dos produtos petroquímicos é fantástica, também na elabo-ração de bens de produção, com utilização na indústria mecânica e nos setores de transportes, obras públicas, edificação e agricultura, de que tanto depende uma economia nova como a brasileira. Além disso, materiais mais leves que os tradicionais oferecem muito me-nor resistência às imensas distâncias virtuais do Brasil. E, no caso do Nordeste, compensam a menor oferta regional de madeira e ferro.

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Dir-se-á que somos produtores de variados materiais da própria na-tureza, os quais ficariam marginalizados pelos da petroquímica, de-vido ao fato de que esta se subordina a uma tecnologia dependente. Sim, há certos casos de deseconomias a considerar. Mas pode-se ficar atrás? A quanto importa não acompanhar as inovações? Há uma dis-tinção a fazer entre inovação de produção e inovação de consumo, numa política de transferência e adaptação tecnológica. Mas a dis-torção da atual distribuição de renda e da filosofia consumista não deve nos perturbar na introdução da tecnologia produtiva. O des-tino da produção é outro problema: está relacionado à estrutura da indústria de transformação, muito pouco influenciada pela estrutura da produção petroquímica básica.

No modelo viável no momento, esses casos de deseconomias são superados pelo efeito positivo que tem a petroquímica, por um lado, ao puxar a demanda por materiais naturais através de sua associação aos sintéticos e, por outro lado, ao ajudar a produção agrícola através da oferta de insumos modernos e de crescimento da demanda urba-na, consequente do multiplicador de renda do novo setor industrial. Assim, a velha dúvida sobre as fibras naturais é resolvida pelo duplo fato de que, por um lado, a nova indústria têxtil reclama a associação delas com as sintéticas e, por outro, de que a tecnologia destas e a da moderna indústria têxtil está transformando as fibras naturais cm “fibras químicas” pelo alto tratamento que as condiciona para novos padrões. Aliás, de que adiantaria ser fiel ao algodão, em condições de retardo face à indústria mundial?

Os materiais da natureza não perdem a significação, avultam na ri-queza da nova variedade de materiais. A produção sintética tem o efei-to de provocar uma maior produtividade na produção dos produtos

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competitivos da natureza, um novo processo de nobilitação destes, ainda que regularize os seus preços, impedindo altas espasmódicas comuns nos tradicionais mercados de matérias-primas; com isso, possivelmente, o mercado externo para os produtos da natureza, já favorecido por maior excedente, ganharia maior regularidade.

É bem provável que a maior contribuição da indústria petroquímica seja a de suprir deficiências na disponibilidade de materiais metálicos e na própria indústria metalúrgica. Os produtos substitutivos, base-ados em resinas sintéticas e materiais combinados, permitem maior flexibilidade nas funções de produção e apresentam menor resistên-cia aos transportes, como já se disse. Isso não vai retardar a indústria metalúrgica, cuja demanda derivada da petroquímica, na fase de in-versão e manutenção, bem como na de transformação, é gigantesca.

Que contribuição poderia dar a petroquímica brasileira para o esfor-ço de exportação? Seria essa uma pergunta normal numa fase domi-nada pela ideia de abrir a economia e baseá-la nos efeitos dinâmicos das trocas internacionais.

Certa é sua importante contribuição na substituição de importações atuais e potenciais que, de outra forma, comprometeriam altamente a capacidade do Brasil de importar bens de mais difícil ou imprati-cável produção nacional. Mas, além disso, não é difícil que, com os estímulos à exportação vigentes, exportações substanciais se possam fazer, pelo menos em regime de quase trocas ou em esquemas transi-tórios (“excedentes e faltantes”), para a América Latina.

Note-se que a produção petroquímica não induz a importações subs-tanciais. Se baseada no gás natural ou no óleo produzido no País, as

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importações adicionais são mínimas; se baseada em nafta com petró-leo importado, já hoje, na atual estrutura de consumo de derivados, os produtos leves apresentam excedentes relativamente aos pesados (tem havido exportações de gasolina).

Afinal, as apontadas condições do mercado nacional permitem es-calas internacionais4. A limitação está no preço das matérias-primas e no custo da inversão fixa, numa indústria de alto coeficiente de capital. Devem-se, assim, descartar fantasias: as chances permanen-tes de exportações são pequenas, devido ao fato de que a indústria está superdimensionada no mundo industrial e exportando a “preços de sacrifício” ou a custos marginais5. Isso decorria, por um lado, da posição otimista de não haverem descontado os reflexos da crise de liquidez internacional - a crise do dólar — no comércio; por outro, da corrida dos países e grupos industriais para não ficarem atrás num setor tão dinâmico, um dos que hoje se identificam com a imagem da expansão e do poder.

A exceção a esse ceticismo quanto às possibilidades de exportação da petroquímica brasileira poderia estar no caso da combinação de petroquímica com cloro — o que favoreceria o Nordeste. Essa pos-sibilidade resultaria do seguinte quadro: No mundo industrial, o cloro é produto nobre, o produto de grande demanda, e a soda é o coproduto que se procura vender pelo preço que der. Ocorre que os grandes importadores de soda em todo o mundo, ou seja, a Rússia,

4 O fator de potência para investimento fixo na petroquímica em função da escala, é entre 0,5 e 0,8. Ver CLAN, op. cit.5 E agora, os países produtores de petróleo procuram casar a exportação do bruto com a de refinados e petroquímicos.

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a Jamaica, por causa da alumina, a Índia, o Brasil e a Austrália, que estão instalando grandes unidades de soda-cloro, provavelmente vão independer ou depender de quantidades muito menores de impor-tação de soda.

Disso vai resultar uma situação difícil para os países industriais: te-rem que produzir o cloro a um preço cada vez mais alto, pelo fato de não terem mercado para a soda. Provavelmente, isso permitirá produzir cloro, não para exportá-lo diretamente, porque ainda não foi resolvido o transporte transoceânico em termos econômicos, mas para produzir e vender cloro contido nos produtos clorados, geral-mente associados a produtos petroquímicos, para o que se dispõe das outras condições. Dessa forma, se abriria um horizonte promissor para a demanda de cloro no Nordeste, não somente para abastecer um mercado nacional expansivo, mas para suprir os mercados inter-nacionais de produtos mais processados6.

Por fim, não se pode prever, mas se pode confiar no desenvolvimento da tecnologia própria, associada à implantação criteriosa e à rápida expansão petroquímica num mercado variado pelo seu tamanho. Esse benefício não será imediato, mas poderá resultar da associação de esforços do Centro Tecnológico da PETROBRAS — CENPES, com o CEPED e as novas indústrias7.

6 Rômulo Almeida, Perspectivas de um Complexo de Indústria de Base em Sergipe, conferência em Aracaju. CONDESE, 1972. CLAN, Possibilidades da Indústria Química e Petroquímica em Sergipe, 2 vo1s., mimeo., 1972.7 O prof. Kurt Politzer falará sobre tecnologia neste simpósio.

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Efeitos de integração nacional

Mais importante que esse efeito geral é o que a petroquímica no Brasil permite alcançar, por uma circunstância feliz, na promoção do desenvolvimento regional e da expansão geográfica do mercado nacional. A esse, pode-se chamar o efeito de integração nacional. Poder-se-ia arguir esta denominação de pouco séria, pelo aparente oportunismo de aproveitamento de uma expressão, uma ideia-força, um slogan da moda8. Mas parece legítimo atribuir ao desenvolvi-mento da petroquímica nordestina esse papel.

Com efeito, a integração nacional se pode conceber sob dupla di-mensão e enfoque: na dimensão espacial, o enfoque geográfico-mi-litar ou o econômico; na dimensão funcional e política, a integração por ocupação ou dominação e a integração por participação.

Não se desmerece a importância das inversões de ocupação territo-rial, que se poderiam traduzir numa inversão em história (o encargo de ocupar o vazio para não perdê-lo) e que se fazem como alternativa a outros gastos militares ou para evitar maiores inversões e gastos de segurança no futuro. Mas, sem dúvida, o poder nacional, inclusi-ve o de ocupar efetivamente o vazio setentrional, depende dos dois últimos enfoques: o da integração econômica e o da integração por participação, não só concebida esta como participação nos frutos do desenvolvimento (enfoque distributivista), mas como participação

8 Em 1972 a integração nacional estava em foco com o projeto da rodovia Transamazônica.

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nas decisões e na expansão dinâmica do conjunto da economia nacio-nal. Esta integração só é efetiva com a dinamização do Nordeste, seja pelo vulto de sua população (o maior “país” da América Latina, neste particular, depois do resto do Brasil e do México), seja por sua posi-ção geográfica no conjunto brasileiro (passo para a Amazônia) e no mundo atlântico (distâncias menores que o Sul para Europa e EUA).

Essa integração só se faz por intermédio de um processo ativo de desenvolvimento regional que atinja a autossustentação, obviamente num modelo aberto, em que o papel das indústrias de porte para o mercado nacional marque o caráter de participação e a redução da dependência.

Ora, na integração do Nordeste, a petroquímica desempenha um papel decisivo, pela chance que existe de ser ela uma indústria de base de vocação regional, capaz de dar sustentação ao processo re-gional e, por outro lado, de ser uma atividade na fronteira da tecno-logia, fazendo, portanto, o Nordeste participar de um dos setores de ponta da economia brasileira, através de agentes que são empresas de grande porte.

O papel da petroquímica no desenvolvimento do Nordeste se pode resumir assim: dada a dependência apontada, que quase todas as atividades econômicas têm da petroquímica, o diversificado parque industrial nordestino passa a ter, de origem regional, suprimentos que de outra forma teria que receber do Sul do País9. Os produtos

9 Em conferência na SBPC, “Industrialização da Bahia e sua repercussão no desenvolvimento bra-sileiro”, l970, o Autor mostrou que os centros industriais do Nordeste terão insumos petroquímicos possivelmente a menor preço que São Paulo, enquanto hoje seus custos são: preço, mais transporte, mais custos temporais. A razão é que os custos de produção no Nordeste para produtos petroquímicos

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petroquímicos, por outro lado, se associam ao cloro e a fertilizan-tes básicos, tornando mais econômicas a produção destes na região, bem como a de outros produtos associados, como é o caso da soda e do magnésio. Os produtos de transformação derivados da petro-química e da associação destes com o cloro e fertilizantes permitem uma variada gama de exportações inter-regionais (além da hipótese já formulada das internacionais). Por sua vez, a instalação e a manu-tenção dessas indústrias criarão um mercado tal que tornará possível um considerável desenvolvimento, na região, da indústria mecâni-ca, cuja dificuldade de implantação é menor, mas cuja capacidade de aglomeração e difusão é, sob certo ângulo, mais ampla que a da

devem ser menores que em São Paulo, e seus preços também, a fim de permitir à produção nordestina competir no Centro-Sul, e, por outro lado, a distância entre Salvador e São Paulo é maior que de Salvador a FortalezaNa prática de hoje (1979), os custos no Nordeste (em Camaçari e em Maceió os da SALGEMA) não são mais baixos que os de São Paulo porque: a) a capacidade produtiva não está plenamente utilizada, pela recente inauguração e dificuldade de transporte, face a mercados ainda distantes (inclusive por se haverem retardado os programas da Rede Ferroviária do Nordeste e o portuário); b) há investimentos em off site que permitem capacidade maior em módulos de produção; e sobretudo porque c) os custos de investimentos recentes, em termos reais, nos países industriais, foram mais de 100% superiores aos efetivos antes da crise do petróleo; e d) os investimentos recentes suportam um coeficiente bem maior de nacionalização dos equipamentos, a preços reais bem mais elevados que os dos importados, que os realizados no final da década dos 60. E a fixação de preços pelo CIP nas instalações antigas, no Centro-Sul, não considera os custos de reprodução dos equipamentos. Este fator é importante porque os custos relativos ao capital são muito elevados na indústria química de base. Entretanto, as condições essenciais para um menor custo no Nordeste que no Centro-Sul existem: matérias-primas (gás natural, óleo e sal-gema) próximas à indústria e, no caso de Camaçari e da DOW em Aratu, economias de aglomeração em complexos integrados. O custo do transporte é ainda tecnologicamente proibitivo no caso de gás natural e muito oneroso no caso do sal. No caso do petróleo, ele é suportável, o que permite a implantação de petroquímica nele baseado perto dos mercados. E, na situação institucional brasileira, os preços dos derivados de petróleo foram unificados nas bases de abastecimento, o que permite, por exemplo, que o óleo combustível tenha o mesmo preço para a fabricação do cimento em Belo Hori-zonte e em São Paulo ou em Salvador (zona produtora de óleo) ou num porto. Acrescente-se ademais que o cálculo de custo da nafta para Capuava (Petroquímica União, São Paulo) foi fixado de forma que subsidia também o custo do transporte desde Cubatão. Em parcial compensação há um sistema de preços de matérias-primas para o Complexo de Camaçari. (ver nota 30).

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petroquímica10. Os efeitos diretos da petroquímica sobre emprego são decepcionantes em número, mas significativos em qualidade; en-tretanto os efeitos indiretos são importantes também no emprego, em termos quantitativos, diria mesmo transcendentes, dado o papel na elevação da produtividade e da renda regional, bem como na for-mação interna de capital.

A tese, que parece tranquila, é esta: a sustentação do processo nordes-tino (Programa SUDENE) se dará com a implantação do grande con-junto básico petroquímico - fertilizantes - não ferrosos, a que se segui-rá ou se emparelhará, se houver planejamento adequado, a indústria mecânica; isso sem desprezar a importância das indústrias de frutos tropicais, desde a têxtil até a de confecções, a de óleos e até a de alguns produtos primários de exportação. Nesse conjunto, o mais importante é o chamado polo petroquímico. Será uma “indústria motriz”. E ou-tros complexos químicos poderão desenvolver-se no Nordeste11.

Isso não quer dizer que o modelo nordestino implícito na experi-ência da SUDENE estivesse errado12. Esse “modelo” era compatível com as condições de livre câmbio, por um lado; já por outro, de defi-ciência tanto de informações sobre recursos regionais quanto de pa-râmetros nacionais de um planejamento integrado inter-regional da

10 Ver Italconsult — Étude pour la crreation, d’un pôlo industriel de développement en Itallie Meridional (para a CEE) — Bruxelas, 1966.11 Realisticamente a siderurgia, velho sonho regional, é menos impactante, porque, por um lado, os produtos siderúrgicos são de mais fácil transporte e, por outro, o Nordeste, salvo o caso da ainda excên-trica Itaqui, não tem condições competitivas ( A USIBA, na Bahia, baseada no gás natural, deveria tê-la mesmo como minissiderurgia, porém suporta investimentos para uma escala muito maior e se defronta com insuficiente suprimento de gás cujo destino preferencial é a indústria química).12 Não consideramos aqui erros menores de operação ao nível das decisões oficiais e da eficiência das empresas.

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economia nacional. Nessas limitações, que a SUDENE não poderia suprir (salvo a primeira, com certo tempo), a solução encontrada caracteriza-se pelos seguintes elementos:

1. O empresário escolhe e é obrigado a elaborar um projeto; o governo (SUDENE) julga as condições de mercado nacional, o cálculo de rentabilidade, o maior ou menor grau de benefício social do projeto, resultando este julgamento num tratamen-to diferencial quanto à porcentagem de recursos de incentivos fiscais permitida;

2. Aproveita-se a experiência dos empresários do Centro-Sul, mas, através do sistema de incentivos, estimula-se o revigora-mento ou a criação de uma classe empresarial regional;

3. A localização é escolhida pelo empresário, embora a SUDENE estimule e premie localizações menos desejadas pelos empre-sários, porém mais recomendáveis do ponto de vista de uma distribuição espacial mais equilibrada das iniciativas (tanto na indústria quanto nos projetos agropecuários);

4. Critério análogo se adotou quando à dimensão dos estabeleci-mentos e ao seu coeficiente de emprego;

5. A industrialização seria acompanhada de uma política agrícola e agrária, bem como de inversões públicas;

6. As empresas teriam facilidade no levantamento do capital ini-cial (art. 34/18 e art. 14) e facilidades especiais para acumular capital de reinversão (incentivos no ICM; e no Imposto de Renda quando dessem lucro);

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7. Nessas linhas, à medida que a diversificação e expansão do pro-duto industrial e da renda, bem como da capacidade e rein-versão, os efeitos de aglomeração e escala se fizessem sentir, progressivamente novos produtos intermediários, bens de pro-dução e bens de consumo mais sofisticados teriam lugar.

Numa situação em que as limitações para um planejamento indus-trial, mesmo na escala nacional, eram patentes, esse modelo não es-tava errado. Pode-se dizer mais: ele provou que estava certo, apesar de erros tópicos, se se considera que, a despeito da decadência das indústrias tradicionais (açúcar, têxtil e couro), o crescimento do pro-duto industrial foi de 2,7% a.a no período 1960-65, enquanto, no final do último período (1965-70), a taxa subiu a 10%; bem como que a projeção do processo em curso, pelo Banco do Nordeste, sem considerar plenamente as inversões na Bahia e em Sergipe, são para 15% na década 70-80. Note-se também que a agricultura cresceu entre 1965-70, apesar da seca no final do período, à excelente taxa anual de 6,3%13.

Mas é certo que esse modelo foi ameaçado pela onda de descrédito que, emocionalmente (seca, pouco emprego), se levantou contra ele; e, afinal, pelos lamentáveis desvios ou cortes nos incentivos fiscais, sem avaliação criteriosa dos efeitos.

O que se poderia dizer é que o funcionamento do modelo deveria ser ajustado com correções e diretrizes positivas, a fim de ganhar tempo, aumentando a produtividade conjuntural. Isso conduziria

13 Rubens V. da Costa, “Problemas do Nordeste”, mimeo. 1971. BNB, Relatório Exercício 1971, introdução.

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ao planejamento de possibilidades industriais, em linhas verticais, explorando os efeitos de aglomeração e escala, conforme as vocações regionais (recursos naturais, recursos humanos, posição).

Esta diretriz se faz mais urgente quando o sistema sofre um abalo enorme de confiança com a escassez de recursos de incentivos em relação à demanda (suponha-se de início que não haveria projetos), donde os altos custos de captação pela via do mercado e a perple-xidade em que se encontram algumas personalidades em face desse caso de “imoralidade”! Está-se vivendo um período que se espera que se encerrará em 1974 (o crescimento nacional continuando, como se presume. e não havendo novos cortes de incentivos fiscais), no qual o maior custo para os projetos nordestinos não são as comissões altas de captação do art. 34/l8, mas a escassez dessa fonte de finan-ciamento e os custos muito maiores ainda das outras fontes de curto e médio prazo.

O modelo sudeniano foi afetado sensivelmente14. Assim, os aper-feiçoamentos que ele requeria agora são ainda mais essenciais à sua eficiência e autossustentação. Tal é a importância do planejamento do conjunto de indústrias de base na região15.

14 Bem como pelo não cumprimento dos seus objetivos agrários.15 Depois da elaboração deste artigo, não foi cancelado o desvio de recursos de incentivos para PIN e PROTERRA em 1974, conforme prometido pela lei que o efetivou; nem recentemente quando se cumpriu o novo prazo; nem praticamente o desvio para outros fins. A quota da SUDENE no bolo dos incentivos, de 100% no início, está em cerca de 20%. Apenas de positivo se registra o estabelecimento do FINOR, que melhorou a administração dos incentivos e modestos complementos da captação voluntária, aportados pelo Governo Federal. Continua a insuficiência de recursos, o desequilíbrio nos projetos tradicionais sobretudo por falta dos desembolsos aprovados pela SUDENE e o desestímulos a novos projetos. O insuficiente apoio do FINOR para os projetos do Polo Petroquímico, para compen-sar as desvantagens de uma localização pioneira (cerca de 5% na Central Petroquímica e de 15% nos projetos de 2.ª e 3.ª gerações, participantes do COPEC), está sendo motivo de reclamações de parte

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As condições de êxito nesse papel regional e nacional

Para atingir esses efeitos, é preciso que a indústria básica no Nordeste tenha êxito. E o êxito não depende apenas de uma vocação geográfi-ca, de condições potenciais. Depende de uma política que torne efe-tivas ou antecipe essas condições. Isto é verdadeiro, mesmo em países altamente integrados. Não há desenvolvimento em região retardada, por mais promissora que seja, que independa de um período de sus-tentação através de uma política cujo custo não pode ser atribuído a uma indústria ou conjunto de atividades, mas à abertura de condi-ções novas ao futuro da região e ao desenvolvimento efetivo do País.

A proposição já é óbvia: vem dos estudos pioneiros do começo do sé-culo passado que justificaram a proteção para as indústrias infantes, ao nível nacional, e tem sido confirmada nas análises e nas políticas intensificadas em todo o mundo, no sentido de reduzir os desequilí-brios regionais dentro de cada área nacional.

O quadro é hoje muito claro. Existem duas limitações iniciais num processo de desenvolvimento que se procura implantar numa área nova: a limitação de mercado regional e a de economias externas. E os círculos viciosos se estabelecem16: não há produção, porque não há mercado; não há mercado, porque não há produção; faltam eco-nomias externas, porque não há produção em escala e diversificação

dos interessados nos projetos menores. � indústria de base foi lançada a culpa que resulta da política que castrou recursos da SUDENE.16 V. os clássicos de G. Myrdal, Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, ISEB — Rio, 1960, e A. O. Hirschmann — The Strategy of Economic Development, Yale, 1959.

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e esta não é fácil, porque escasseiam aquelas. Romper esse processo perverso de causação circular, que é positivo para os países e regiões que “já têm”, é um problema de política. Não há automatismo que corrija essas tendências, tanto mais numa época em que a tecnologia industrial conduz cada vez mais a maiores escalas, especializações e aglomeração, portanto a concentrações industrial e urbana; bem co-mo, juntamente com a tecnologia dos transportes, torna a indústria menos orientada pela fonte da matéria-prima principal e mais pelo mercado e pelo ambiente industrial. Só a consciência e a ação política rompem essa tendência ao desequilíbrio17. O potencial de mercado e de oferta de uma região é apenas um dado para uma política.

Dito em outros termos, essas duas desvantagens iniciais, que são pa-râmetros para as empresas, se não forem corrigidas pela sociedade, tornam incorrigíveis os desníveis regionais.

Alcançar os efeitos de escala e aglomeração não é um processo imedia-to. Por isso é que os resultados do modelo da SUDENE (o de inicia-tiva livre estimulada) são lentos, embora progressivos, e sua eficiência maior se dará com o planejamento de integrações verticais, onde as vantagens de aglomeração e escala se antecipem e se ganhe efeito dinâ-mico (multiplicação e aceleração) na maior capacidade exportadora.

Mas o mero planejamento vertical nessas linhas ditadas pelas voca-ções, como é o caso da petroquímica e indústrias associadas no eixo Salvador — Aracaju — Maceió — Recife — Rio Grande do Norte,

17 J. G. Willemsen, “Regional Inequality and the Process of National Development: a description of the patterns”. Ec. Dev. and Cult. Change - vol. 13, 1965, ao verificar que, acima de certo nível de renda, as diferenças regionais per capita tendem a se reduzir, em primeiro lugar, não conflita com a opinião de outros autores de que acima desse nível interfere a correção política; em segundo lugar, não analisa os efeitos das mudanças na tecnologia e na estrutura produtiva, no sentido de maior aglomeração e concentração.

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não pode, por um fiat, realizar o milagre de alcançar o grau de aglo-meração e o volume de efeitos que as torne autossustentáveis.

O planejamento de um complexo, por definição, antecipa o tempo normal em que se alcança, quando se pode alcançar, num processo espontâneo, a aglomeração necessária. O bom planejamento pode realizar muito. Mas não pode evitar um certo tempo irredutível de maturação do novo sistema, que não depende, afinal, apenas das economias internas a ele (externos a cada unidade), mas também das outras economias fora do seu comando e que reagem ao seu impac-to, porém mais lentamente.

Nessa política de possibilitar o desenvolvimento regional — e, no caso brasileiro, com o impacto nacional de integração descrito —, há três políticas essenciais: a reserva de mercado, a redução do custo da inversão inicial e a diminuição do custo dos fatores de produção, avultando, neste ponto, no caso regional em foco, uma política de ma-térias-primas. Essas políticas podem ser substitutivas ou cumulativas.

Numa economia nacional, a barreira aduaneira equaliza custos e re-serva, automaticamente, um mercado para a produção infante. No caso brasileiro, além dessa proteção, também se verificou um duplo subsídio no custo das inversões fixas, através do câmbio favorecido e dos financiamentos sem correção monetária18. No caso de uma região intranacional, em que as barreiras alfandegárias não cabem, as técnicas devem voltar-se para o subsídio.

18 Esses favores não discriminavam regiões, mas, obviamente, só foram efetivos para a área que teve condições de se desenvolver naquele momento. Ademais, eles não têm paralelo nos estímulos dados ao Nordeste, no período recente. Rômulo Almeida, “A experiência da SUDENE no Decênio, Problemas Atuais a Soluções”. Seminário sobre o Programa de Estímulos e Incentivos ao Desenvolvimento do Nordeste, CNI, julho 1971, como subsídio para a COCENE (mimeo.). O vol. IV (Brasília, 1977) do Estudo nº 1 da COCENE publicou o debate nesse Semanário.

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A reserva de mercado

Este assunto mereceria tratamento mais analítico, para o que não há espaço nesta comunicação. Se o mercado regional potencial leva tempo para se tornar mercado efetivo e resulta da própria implanta-ção das novas atividades, é preciso assegurar, inicialmente, a quota do mercado nacional que torne viável esta implantação.

Ademais, as atividades mais dinâmicas num processo de desenvolvi-mento regional são, em regra, as de exportação, e não as que visam ao mercado local.

Um penetrante ensaio sobre o assunto19 mostrou que, se prevale-ce o argumento qualitativo da necessidade de valorizar o potencial humano e produtivo, é essencial desenvolver as regiões periféricas e, para isso, o caminho não é a ajuda, mas o comércio, tal como na luta dos países do Terceiro Mundo contra a dependência. Então, se impõe “a repartição planejada do mercado industrial, que leve ao autofinanciamento e ao mútuo apoio” (em termos inter-regionais). A condição é que as regiões periféricas tenham potencial.

Adverte que a tentativa de reproduzir a estrutura das regiões adian-tadas em regiões desprovidas de potencial contraria as realidades tecnológicas fundamentais: escala, aglomeração e urbanização. Mas, afinal, observa que “as desvantagens de custos (iniciais, para

19 T. Vietorisz, “The Planned Inter-regional Location of Industry: Argument in Favour of a Trade--not-Aid Approach”, in U.N. — Industrial Location and Regional Development (Seminar of Minsk), ago. 1968.

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condenarem um esquema de planejamento regional com reserva de mercado) devem ser suficientemente pesadas para ultrapassarem não só as economias potenciais de escala e especialização, mas, também, as poupanças e investimentos e o crescimento (do produto) resultan-te” do esquema.

Convém acrescentar que, pelo menos, a preferência no mercado ofi-cial tem sido dada, na Itália e em outros países, para a produção das áreas periféricas.

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Custo de capital

O custo da inversão inicial é importante, sobretudo em atividades em que o capital fixo incide fortemente sobre o custo de produção20. Essas atividades de capital intensivo — as indústrias de base ou pesa-das — são essenciais para que o sistema regional ganhe dinamismo e produtividade para, por sua vez, gerar maior capacidade de emprego em outras atividades.

O problema é que as inversões iniciais tendem a ser mais elevadas, nas regiões a desenvolver, pela insuficiência do suprimento de equi-pamentos, materiais e serviços especializados na região subdesenvol-vida21. Isso se agrava quando já se registrou no País uma substituição ampla de importações no setor de bens de produção, com concen-tração da produção na região que se desenvolveu primeiro. Está- se diante de um fator de desigualdade de poderoso efeito circular cumulativo, se não for corrigido. Desigualdade que se acentua quan-do se considera a tecnologia moderna cada vez mais intensiva de ca-pital. Seria esse mais um argumento (perverso) para privar as regiões periféricas das atividades intensivas de capital? Qual a solução? Para corrigir essa situação e/ou outras desvantagens, Estados europeus costumam utilizar - como seu principal apoio ao desenvolvimento

20 Em escala nacional, é essencial considerar que a redução do custo relativo do capital estimula tecnologias menos empregadoras sempre que haja tecnologias alternativas total ou parcialmente, mas, a nível regional, não se pode levar a sério uma política que induza a uma tecnologia menos eficiente na área metropolitana.21 Quando há deseconomias de escala e aglomeração em regiões maduras, elas são escamoteadas no cálculo do custo das novas inversões pelas dificuldades de apropriação e pela capacidade política de mobilizar recursos para superá-las.

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de áreas em reajuste ou a desenvolver - subsídios correspondentes a vultosas porcentagens do capital fixo das empresas. A condição é que obedeçam a requisitos de eficiência, inclusive na localização (as áreas industriais indicadas), com o objetivo de alcançarem mais cedo a maturidade em termos de crescimento e aglomeração22.

Aqui no Brasil, essa desvantagem natural no período de demarragem se torna maior com a aberração institucional do regime chamado de “similaridade nacional”, tal como é administrado, e que resulta em penalizar os investimentos à medida que os projetos são mais capital intensivo e se situam mais longe do atual centro produtor do equi-pamento ou material cuja importação é substituída. O regime se re-sume assim: compara-se o preço CIF mais impostos do equipamento importado com o FOB do nacional similar. A negociação para obter a declaração de não similaridade (que permita importação) é feita praticamente com os produtores de equipamentos, em São Paulo, sendo assim normalmente mais fácil para as empresas aí sediadas23.

22 O Autor não desenvolve este ponto que é focalizado na exposição do eng. Otto Perroni, neste Simpósio.23 O Autor não insiste sobre este ponto que já vem focalizando há muito. O instrumento é válido para reserva do mercado nacional, mas da forma como é manejado torna-se um poderoso estímulo da concentração espacial.

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Política de matérias-primas

Todo esquema de produção num mercado integrado deve tender à perfeita competição. A capacidade competitiva de um projeto re-gional não necessita ser atual, mas potencial precisa ser, e a prazo não muito longo. Como já se viu, o mercado regional aumenta e as economias externas se ampliam como consequência do projeto. Ou seja, as condições de demanda e de oferta vão melhorando até atingir a plena capacidade competitiva. A situação é dinâmica, mas na de-marragem até o momento de autossustentação é essencial o apoio. O custo social deste apoio no período de consolidação é justificado pelo valor descontado desse potencial e pelos efeitos indiretos do projeto.

Nos custos da inversão fixa, importam os recursos industriais acu-mulados (inclusive serviços) da região. Nos de produção, além des-ses, ou mais que esses, quando se consideram as vocações regionais, são decisivos os recursos próprios da região (população, matérias- primas e fontes de energia, posição). Mas estes recursos, por melhor potencial que tenham, não se realizam em plena eficiência de um momento para outro. Dependem de investimentos, escalas, experi-ência, algum tempo de sedimentação e acumulação.

O conjunto de desvantagens iniciais, ainda que haja potencial, pode ser compensado pelas políticas referidas anteriormente. Mas, se esses estímulos não são suficientes, caberia considerar subsídios especiais e decadentes nos preços de insumos, durante um período de consoli-dação dos projetos, em áreas industrialmente novas.

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No caso europeu (que não é similar, pois se trata de grande região e de países incomparavelmente mais integrados que o Brasil), a polí-tica regional procura evitar favorecimentos nos preços dos insumos correntes para se ajustar ao princípio da concorrência no mercado comum, de acordo com o Tratado de Roma; e, assim, a técnica de ajuda mais usada é a do subsídio no capital fixo, como se viu. Não obstante, em casos especiais, como o do Mezzogiorno, a política de bonificação nos custos de alguns insumos ainda prevalece. Assim, no preço do gás e nas tarifas de energia e transporte, além do recente pagamento pelo governo central de 30% dos custos de previdência social. Também na Inglaterra, com caráter temporário definido, exis-te um subsídio do custo da mão de obra em projetos regionais.

No Brasil, os projetos iniciais que deram origem à ELETROBRAS, apesar de inspirados pela filosofia de remuneração do capital, previ-ram que as tarifas em zonas em desenvolvimento pudessem basear-se em remuneração até de 3% sobre o capital, ficando o restante da remuneração-padrão a cargo do Governo Federal. Era uma política correta. Presentemente, o que se verifica é o contrário dessa política: como já se mostrou24, o diferencial de custos da CHESF, que poderia favorecer a região, é anulado na tarifa, para equiparar ou reduzir a vantagem face a outras regiões mais avançadas.

Também se estabeleceu no País o regime de preços únicos de com-bustíveis líquidos nas bases de abastecimento. Interiorizados estes, permite o regime beneficiar as áreas servidas por portos menores e o interior. Esse regime, justificável em termos nacionais quando apli-

24 CLAN, op. cit., vol. I, pp. 236 e segs.

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cado aos transportes25, por coincidência, penaliza a região produtora de óleo, que ainda é subdesenvolvida. Assim, implicitamente, ele subvenciona as regiões mais avançadas26.

Mas o grave e inteiramente equivocado no regime é sua extensão à indústria, distorcendo os cálculos de custos das empresas e, assim, a localização industrial, com o efeito perverso de eliminar uma impor-tante vantagem natural da região produtora de óleo no que se refere a indústrias altamente insumidoras de combustíveis líquidos, tal o caso do cimento.

Ameaça de “escalada” maior nessa distorção institucional nos pre-ços administrativos é a ideia, ainda influente, de estender o regi-me de preços únicos de combustíveis líquidos às matérias-primas destinadas à petroquímica. Assim se chegaria à perfeita antítese da política justificável — a de favorecer a região em processo inicial de desenvolvimento.

Portanto, no caso do Nordeste, trata-se não de favorecer nos preços dos insumos, mas de corrigir e prevenir aberrações institucionais que anulam vantagens regionais.

25 E, recentemente, foi decidido o estabelecimento de uma política de tarifas únicas no País, as quais eliminam vantagens do Nordeste (por um longo período) e da Amazônia. 26 Tem-se proposto há tempo sua maior interiorização, mas fazendo restrições à maneira como favo-rece a concorrência rodoviária nas áreas mais ricas e servidas por ferrovias.

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Matérias-primas de refinaria

As matérias-primas para petroquímica saem das refinarias ou têm relação com os produtos de refinaria (relação calórica, no caso do gás). A pergunta seria: Como computar dois custos nas refinarias? A comodidade contábil de um preço único não é, evidentemente, a solução correta, em termos econômicos ou de uma política para a petroquímica, muito menos de uma política regional. Ela chega a ser injusta e absurda, na medida em que anula vantagens naturais de uma área a desenvolver. E, por outro lado, não se compreende como, na época dos computadores, encontra-se dificuldade no duplo cálcu-lo: a) para efeito do regime de preços únicos de combustíveis líqui-dos; b) para definir preços de matérias-primas para a petroquímica.

Aliás, a política nacional de matérias-primas já distingue correta-mente os preços de combustíveis dos preços de matérias-primas para petroquímica, baseados estes nos custos reais. Esta é a base da legis-lação de 196627. Segundo essa legislação, a nafta é fornecida em São Paulo, para petroquímica, na base custo óleo CIF Cubatão + custo de transformação industrial. O cálculo de custo é diferente do que se adota para combustíveis líquidos, sem falar na dispensa de remune-ração do capital aplicado e de lucro e na isenção de impostos.

27 Decreto-lei nº 61/1966. O Dec, 61.981/1967, por sua vez, declara ser objetivo da política nacio-nal na petroquímica “a segurança na obtenção de matérias-primas por preços estáveis e competitivos no mercado internacional”.

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Resta, pois, tão só aplicar as consequências lógicas dessa política às circunstâncias do Nordeste. Nesta região, o custo do óleo não é o mesmo que em Cubatão. Este é o termo que muda na equação de custos de nafta, do querosene, do GLP e outras matérias-primas da petroquímica, entre Bahia e Capuava.

A aplicação de uma política correta em termos econômicos e equâni-me em termos regionais, pode trazer para o complexo petroquímico do Nordeste condições efetivas de custos de nível internacional.

Um cálculo de custo de produção do óleo no Recôncavo28 resultaria em aproximadamente US$ 1,50/barril, já contando com 20% de remuneração sobre o capital, o que dá cerca de US$ 11,50/t. O custo correspondente29 é de:

USA 14 a 17 Oriente Médio 1,5 a 4,5Venezuela 3,5 a 7 Norte da África 3,5 a 8,5

Uma diferença de preço do óleo repercutiria entre 30 e 35% no cus-to do barril refinado; portanto, no de nafta.

Mas, se a aplicação dessa política permitir custos de produtos pe-troquímicos abaixo dos internacionais (difícil, face aos custos mais

28 Hoje, como é sabido, um barril de petróleo, no preço internacional (OPEP), está em cerca de US$ 15 (dólar corrente). Os custos de produção do óleo baiano subiram também, mas não proporcional-mente, em razão da elevação real dos custos de equipamentos, materiais e serviços no setor, bem como da decadência na produtividade da região de produção.29 J. Masseron, L’économie des hydrocarbures, Technip, Paris. 1970.

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elevados de capital, numa indústria à base de capital intensivo, bem como face à falta inicial de certas economias externas), é justo que esse benefício de produtor seja dividido com a PETROBRAS.

Na pior das hipóteses, o cálculo de custos das matérias-primas de refinaria destinadas à petroquímica poderá ser usado no custo do óleo CIF Cubatão menos frete Temadre-Cubatão, já que o próprio óleo cru baiano foi tomado como base para o cálculo aplicado em São Paulo.

Essa política é a única compatível com dois princípios da políti-ca econômica firmados depois de 1964: a realidade dos custos (que deve ser temperada com subsídios para áreas menos desenvolvidas e para atender a custos de oportunidades) e a de aproximação entre os custos no Brasil e os internacionais, base de um modelo de crescente abertura externa, ganhando eficiência (ou suprindo em parte defi-ciências da estrutura econômica interna) através de exportações. É incompatível com essa política econômica a adoção de preços únicos para os produtos de refinaria que se destinam a ser matérias-primas na indústria petroquímica30.

30 A fixação de preços hoje do óleo e gás para derivar custos das matérias-primas para petroquímica deveria levar em conta os preços de oportunidade, mas admitindo a diferença de transporte. No caso do óleo, o custo de transporte do baiano para Cubatão. No caso do gás, a competição é com o uso siderúrgico local ou como combustível que requer preço baixo. Se o preço for muito baixo justifica- se elevá-lo, para evitar estímulo à utilização maior do gás e esgotamento mais rápido das jazidas. Na realidade atual, foi estabelecido um regime de ligeira vantagem nos preços das matérias-primas para petroquímica em Camaçari, de cerca de 5%, em relação a São Paulo, a qual não traduz a diferença real de custos. Quanto à observação de que os menores custos seriam transitórios em consequência do próximo esgotamento dos campos de petróleo e gás do Recôncavo, deve dizer-se que essa diferença é, sobretudo, importante na fase até a consolidação da indústria.

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No caso do gás natural, não parece ter sentido manter, para a pe-troquímica, o critério de preço baseado numa relação de preço com outros combustíveis líquidos, tomando o valor calórico como parâ-metro. Admite-se que continuam válidas as observações já feitas no estudo da CLAN31. Os critérios devem ser semelhantes aos aponta-dos para o óleo. O preço do gás poderia, assim, ser reduzido a menos da metade.

31 Op. cit., vol. I, pp. 175-7.

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Observações adicionais sobre matérias-primas

Finalmente, vale mencionar dois aspectos, quando se considera a contribuição da petroquímica para o desenvolvimento nacional: o papel geral da matéria-prima numa política de desenvolvimento re-gional e a questão de escassez atual do óleo e gás.

No estudo “O Impacto dos Recursos Naturais na Formação das Re-giões Econômicas”32. reconhece o prof. soviético A. Mints que, à medida que a economia se desenvolve, o papel dos recursos naturais e das indústrias conectadas com eles decresce gradualmente no seu impacto sobre a localização das atividades econômicas e, pois, o de-senvolvimento regional. Passam a ter prevalência a concentração de população, o mercado, a posição, o potencial econômico acumula-do. Observou ainda, topicamente — o que interessa ao caso brasi-leiro - , que, enquanto o carvão se mobiliza, o óleo e o gás, não, pela facilidade de transporte. Partindo daquela premissa, que se afigura indiscutível, por um lado, mas, por outro, da conveniência política e econômica de evitar os efeitos de concentração resultantes, mostrou que as “peculiaridades das combinações de recursos” e o “complexo de recursos locais” foram uma base a partir da qual o GOSPLAN desenvolveu programas de complexos descentralizados, dependendo da função que poderiam ter na economia nacional. Conclui como possível e recomendável estabelecer “na base de recursos locais (usan-do ocasionalmente componentes externos), os circuitos industriais verticais juntamente com a produção de produtos acabados”33.

32 In Centre Nat. de La Rech. Scientifique, Regionaisation et Développement, Paris, 1972 – 2ª ed.33 Por “produtos acabados” entendem-se produtos de consumo possíveis, sobretudo em função do mercado local ou foot loose, pois os soviéticos têm levado indústrias deste último tipo para centros em regiões remotas.

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Citando o prof. H. Bobek, referiu a importância para os países gran-des de poupar nos custos de transporte, contrastando com o caso de países menores e industrialização em que a produção é tão integrada que dificilmente se podem desenvolver regiões na base de recursos. Ainda com muita aplicação ao caso nordestino, observou que a quo-ta da produção dos novos complexos, consumida nas regiões em que se implantam, aumenta com o tempo. O professor Mints sugere uma tipologia das regiões conforme a influência (possível) dos recursos naturais, ainda que advirta no que há de aleatório em posições que poderiam ser chamadas de prospectivas, pois há mudanças no tempo na determinação de especializações regionais em função dos recursos.

O prof. J. Tricart, por sua vez, mostrou, no mesmo seminário, que é “fraco o rendimento das políticas de desenvolvimento que repousam sobre os recursos naturais”, o que explica em parte pela não consi-deração de condições tecnológicas desses recursos. Mostra que os recursos naturais não são decisivos, mas condicionam, ajudam. Um debatedor da comunicação do mestre francês, Angel Bassols Batalla, acentuou que “o mais importante princípio na regionalização eco-nômica é considerar o papel decisivo da organização social, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, que torna possível o uso dos recursos naturais”34.

O último aspecto a aflorar é o da reserva dos recursos de óleo e gás para a indústria petroquímica. Por enquanto, dispõe-se de re-servas muito pequenas. Seria sábio esgotá-las na política tradicional de economizar divisas? Por várias razões, se diria que não. Primeira, os recursos são escassos e, assim, por motivo de segurança, deve-

34 CNRS — op. cit.

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se reduzir sua exploração; segunda, sua utilização em petroquímica é muito mais vantajosa35; terceira, o óleo baiano tem condições es-peciais para petroquímica; quarta, não estão faltando dólares para importar mais óleo agora; quinta, o preço do óleo seguramente vai aumentar, então, se for o caso de produzir para economizar divisas, que se faça no futuro.

Portanto, é bem avisada a política da PETROBRAS de ir reduzin-do a produção nacional, do mesmo modo que elevando a taxa de recuperação das jazidas. Mas seria lícito admitir que, nas condições presentes do Brasil e do mundo, essa política se deve explicitar no sentido de reserva de recursos para a petroquímica36.

35 Uma unidade de óleo produz artigos de refinaria comuns entre 1,2 e 1,5 do valor daquela, e uma refinaria petroquímica (produtos principais, os básicos petroquímicos), entre 1,8 e 2,0 (a preços internacionais). Tomando-se a geração de produtos petroquímicos finais, o multiplicador será muito elevado: cerca de 17. É claro que há um custo de capital crescente em cada estádio de transformação.36 Por ocasião do estudo inicial da petroquímica na Bahia (nota 1), foi feito um estudo que previa, independente da imprevisível manobra oligopolista da OPEP, uma elevação do preço internacional do petróleo para cerca de US$ 5/b, por volta de 1975. As conclusões do estudo foram apresentadas em forma crítica no trabalho mencionado, por imperativo político, pois continha crítica à política tradicional da PETROBRAS de produzir o máximo de óleo no Recôncavo para substituir impor-tações, economizar divisas e fazer promoção de eficiência, para atender a pressões políticas externas, sem considerar as perdas futuras e o melhor aproveitamento das reservas. O estudo foi encaminhado à PETROBRAS em caráter reservado.

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O quadro atual37

A partir de 1973, registraram-se grandes mudanças: a chamada crise do petróleo, com a elevação dos preços internacionais pelo cartel da OPEP; o II PND, estabelecendo prioridades mais nítidas para as in-dústrias de bens intermediários e para a descentralização industrial, explicitando alguns projetos no Nordeste, a implantação efetiva do COPEC, da SALGEMA (término da planta de soda-cloro, operação da de DCE e início da construção da de eteno via álcool) e a DOW (Aratu), todos em processo de complementação ao lado do início de implantação da planta de amônia-uréia e do projeto dos evapori-tos (potássio) em Sergipe, bem como do projeto de barrilha no Rio Grande do Norte. Verificou-se ainda uma ampliação da capacidade utilizada da COPERBO, em Pernambuco, graças ao fornecimen-to de butadieno pela CEMAP, Camaçari, e, com isso, a liberação de capacidade para uma nova linha de ácido acético-MVA. Estudos sobre outras possibilidades de indústrias químicas foram realizados visando à localização em diversos Estados.

37 A partir daqui, neste adendo, são analisadas algumas das mudanças e colocadas em perspectiva a indústria química no Nordeste e sua importância para o desenvolvimento regional, com especial referência à inserção do Polo Petroquímico nesse processo global.

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O Nordeste na indústria química nacional

Apesar do elevado crescimento recente da indústria no Nordeste, crescimento esse que superou a tendência declinante das indústrias ditas tradicionais e a estancou, o incremento do setor no resto do País, particularmente na região Centro-Sul, foi maior a partir de 1968. Em consequência, o coeficiente de localização industrial no Nordeste, tanto nas tradicionais quanto nas “dinâmicas”. A exceção, naquelas, estaria na recuperação recente na linha têxtil — confec-ções. Nas indústrias dinâmicas (as que experimentaram crescimento significativo no período SUDENE), a grande exceção é a indústria química pesada38. Segundo números tabulados pelo BNB-ETENE, a partir dos censos e do Inquérito industrial de 1974, o VTI da in-dústria química apresentou os seguintes coeficientes:

Nordeste Brasil1949 5,6 9,41959 15,2 11,11970 15,1 13,41974 19,3 13,6

38 O Autor não conta com informações atuais sobre coeficiente de localização e sobre coeficientes de especialização nas várias regiões e coeficientes de concentração, nem com os dados para calculá-los.

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O crescimento do pessoal ocupado foi o seguinte:

1949-59 0,9 0,41959-70 2,6 4,11970-74 19,9 19,2

Nos dois quadros, destacar-se-ia mais a tendência de crescimento no Nordeste, se fosse separado o sub-ramo farmacêutico-veterinário, que teve crescimento menor na região, enquanto na química de base su-perou amplamente o crescimento nacional. Observe-se que o sub-ramo defasado vai ter condições de expansão na região, num segundo tempo, com a consolidação da oferta de produtos químicos básicos.

Os números mostram uma tendência, mas ainda não refletem a ins-talação do COPEC em Camaçari, do complexo da DOW e outras Indústrias no CIA e da SALGEMA.

O Quadro 1 anexo dá uma imagem da mudança que se efetua na geografia industrial do País39. Essa mudança está implícita na ten-dência de crescerem mais no Nordeste as indústrias de bens inter-mediários que as de consumo final, no período recente, tendência mais acentuada ainda na Bahia; e reflete as condições regionais para a indústria química, apesar de não ter havido um planejamento cen-tral nesse sentido.

39 O quadro é baseado em informações de Amilcar Pereira da Silva e Nelson Brasil (PETROQUISA) — Documento do Brasil para o II Congresso Latino-Americano de Petroquímica — Cancun, México, 1979, com complementos.

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Nos investimentos aprovados pelo CDI entre 1971-77 a distribui-ção foi, em percentagens40:

Sudeste/Sul NordesteBens de Capital 100,00 —Metalurgia 93,23 6,77Química e Petroquímica 64,82 35,18Bens Intermediários (outros) 96,16 2,56Automotiva 100,00 —Bens de Consumo 79,10 16,08TOTAL 85,78 13,54

FONTE: BNB, ETENE, com dados CDI.

Nos próximos anos, a posição ascendente do Nordeste relativamente a São Paulo e Rio de Janeiro se acentuará pelo complemento de proje-tos já em implantação, ampliações e novos projetos no “eixo químico” Bahia — Rio Grande do Norte. Nesse balanço, dever-se-ia incluir o álcool para matéria-prima, o que reduziria o coeficiente do Nordeste ligeiramente. Em 1982 ou 1983, com a inauguração do COPESUL, vai surgir uma participação importante do Rio Grande do Sul. A implantação do COPESUL, ditada por uma decisão política de des-centralização sem consideração de vocações regionais ou custos po-tenciais, retirou uma oportunidade de desenvolvimento do potencial nordestino. Mas, certamente, salvo anulação de vantagens naturais por medidas de política, a capacidade de expansão do COPESUL será menor que a das indústrias concorrentes no Nordeste.

40 Nos itens de Bens de Capital, de outros Bens Intermediários e de Bens de Consumo, escapam muitos pequenos projetos que não passavam pelo CDI.

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Com efeito, o custo real da matéria-prima para a petroquímica, mes-mo não considerando o frete marítimo, é agravado pela transferência por oleoduto do óleo para a Refinaria Gabriel Passos. E o cloro será produzido no Rio Grande do Sul a partir de sal transportado do Rio Grande do Norte. Desta forma, embora o microplanejamento do COPESUL seja ajudado pela qualidade da equipe mobilizada e pelo aproveitamento da experiência de Camaçari, não é provável que possa compensar as desvantagens locacionais. Evidentemente, a expansão da indústria química no Nordeste, apesar do potencial, depende da política nacional.

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Perspectivas de expansão no Nordeste e estratégia nacional

O Quadro 1 anexo, ao lado das indústrias instaladas, mostra os pro-jetos em implantação e outros em várias fases de estudos e nego-ciações. Os Quadros 2, 3 e 4, anexos, listam projetos possíveis em Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte, na década de 80. Ainda não completos os complexos de Camaçari, da DOW (Aratu) e da SALGEMA (Alagoas), todos eles preveem ampliações nas suas uni-dades; há novos projetos em implantação ou concebidos em Pernam-buco, Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte. Os mais importantes em implantação são o de amônia-uréia (300.000/ 363.000 t) em Ser-gipe, a operar em 1980; a unidade de 60.000 t de eteno na base do álcool em Alagoas; o de barrilha no Rio Grande do Norte (200.000 t/a) a operar em 1981; a linha MVA, para 80.000 t em 1982, como ampliação da COPERBO, sobretudo o do potássio em Sergipe.

A instalação da PETROBRAS MINERAÇÃO veio criar o instru-mento de ação para acelerar as pesquisas e o planejamento da indús-tria do potássio. O projeto de mineração, que era linha crítica, já está em fase final. O projeto prevê 1.000.000 t/a K20 para 1982 ou 1983.

Há projetos de utilização de ácido sulfúrico excedente para produ-zir ácido fosfórico e trotar rochas fosfatadas. A maior lacuna para o Nordeste ser em breve uma região privilegiada no campo dos fer-tilizantes é a do melhor conhecimento e planejamento de utiliza-ção de suas jazidas de fosfatos, ou esquema de importação, já que a dependência dos fosfatos de alto custo do oeste de Minas e sul de Goiás, agravados pelos transportes terrestres, representará uma des-vantagem considerável para a agricultura nordestina.

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Os estudos têm sido feitos a nível de Estados e revelam uma nítida vocação regional, mas não se encaminharam ainda para a compati-bilização entre eles num plano regional e para a incorporação deste num plano nacional que assegure efetivação àquele.

Conforme já foi apontado, há localizações em outras regiões ditadas por mera decisão política e que se viabilizarão pela reserva de mer-cado nacional e pelas escalas. No Nordeste, às melhores condições potenciais não corresponde a capacidade política de fazer valer sua prioridade, tanto em razão dos recursos naturais quanto da impor-tância decisiva das oportunidades químicas para o desenvolvimento regional. Nem há uma ação conjunta, verificando-se uma disputada preferência das decisões oficiais, sobretudo entre os Estados de Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e mesmo Bahia. Mas, por outro lado, já se assegurou, no âmbito da PETROQUISA, certa harmoni-zação entre os projetos da SALGEMA e do COPEC.

Embora se preveja um continuado crescimento da indústria química regional, não estão claras as definições de política que, ao nível atual do conhecimento dos fatores, nos indiquem as mudanças na partici-pação da indústria química na industrialização regional, e da região na indústria química nacional.

Formulou-se a hipótese de que a indústria química será uma especia-lização regional nítida se as decisões do Governo Federal se calcarem numa estratégia que considere:

a. o potencial de recursos e posição do Nordeste vis-à-vis a outras regiões do País, no momento;

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b. o objetivo de viabilizar a redução do desequilíbrio regional;

c. o objetivo de evitar a pressão dos custos maiores na substituição de importações de bens intermediários sobre os custos de todo o sistema produtivo, ou seja, um fator estrutural da inflação.

A petroquímica é especialmente flexível à localização descentraliza-da, em razão do fácil transporte do óleo. Daí permitir decisões arbi-trárias de localização, sob pressões políticas mais poderosas. Entre-tanto, tal localização encontra condições mais favoráveis a beira- mar (salvo as próximas a jazidas em áreas de mercado no interior, o que não ocorre no Brasil) e, especialmente, onde se conjugam as ofertas de óleo, de gás natural e de cloreto de sódio a baixo custo. Em rela-ção ao óleo e a seus derivados, não é crível que o planejador da locali-zação industrial se iluda com os preços únicos administrados através de um “fundo de fretes”, como o que permite unificar o preço dos combustíveis líquidos nas bases de suprimento.

A menos que se descubram novas fontes de matérias-primas bem localizadas, as condições do Nordeste parecem indisputáveis para a indústria química, com a única exceção do fosfato, ainda não defi-nido. Os recursos de eletricidade, por muito tempo, serão de mais baixo custo que os da energia posta nos grandes centros industriais do Centro e Sul do País. Em complemento, a localização dos recur-sos no litoral e a posição da costa do Nordeste nas rotas marítimas constituem fatores muito favoráveis da região; sobretudo para o co-mércio internacional. É, portanto, uma condição estratégica para o Nordeste aproveitar as oportunidades químicas enquanto detém o conjunto de condições favoráveis. E para a União, uma oportunida-de de superar o desequilíbrio regional.

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Ao mesmo tempo, uma diretriz da política de descentralização que assegure a preferência ao Nordeste para a indústria química concilia os objetivos sociais e econômicos, por conduzi-la à melhor opção locacional, em termos potenciais. A política de localização industrial das indústrias de bens intermediários deve levar em conta as con-dições potenciais que justifiquem enfrentar desvantagens imediatas quanto à ambiência industrial e mercado à porta, já que estas são condições que se geram no bojo do desenvolvimento derivado do planejamento integrado de grandes complexos, o qual assegure a es-tes a maturação no menor tempo possível.

Por outro lado, ao cogitar as localizações onde há mercado e faltam outros recursos, deve levar em conta os custos reais e as deseconomias geradas para o sistema produtivo e urbano e que nem sempre sensi-bilizam os cálculos de custos ao nível dos projetos isolados; além do efeito perpetuador da concentração. Essas diretrizes podem conduzir a uma eficiente desconcentração. Trata-se de uma desconcentração concentrada41 para alcançar as condições de autossustentação, com-petição e propulsão de outras atividades.

Quaisquer sobrecustos iniciais de implantação e de operação que não tenham resposta em tempo razoável em termos de custos de produ-ção mais baixos só se justificariam face a objetivos nacionais muito especiais. O normal é que os custos sejam planejados de forma a mi-nimizar a sua elevação diante dos produtos importáveis substituídos.

41 Rômulo Almeida, “Industrialização da Bahia e sua Repercussão no Desenvolvimento Industrial Brasileiro”, cap. III, pg. 39 desta coletânea. Encontrei o conceito depois explicitado em Lloyd Rodwin, Nations and Cities, H. Mifflin, N. York, 1970.

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O ideal seria que se equiparassem aos preços FOB das importações para que viessem a possibilitar intercâmbio internacional. Mas, se isso for inviável (considerada uma taxa de câmbio não valorizada como ainda está a atual), deve ser reduzida a defasagem, a fim de contribuir para a máxima produtividade e capacidade competitiva do sistema produtivo, bem como para a diminuição da pressão infla-cionária derivada da substituição de importações.

Como já se observou noutras ocasiões, enquanto a substituição de importações se dá no nível dos artigos de consumo e prevalece uma situação de oferta elástica de mão de obra, como é o caso dos artigos de consumo popular, os mais elevados custos e preços podem ser absorvidos pela queda relativa dos salários reais. Quando, porém, a substituição de importações se dá nos equipamentos, com preços maiores que os dos similares importados, há uma elevação dos in-vestimentos fixos e custos de capital, bem como dos de manutenção e reposições, que gravam os custos de produção, tanto mais quanto maior for o coeficiente de equipamentos e sua depreciação. Até certo ponto, essa elevação dos custos de investimento pode ser compensa-da com alguma forma de subsídio.

O suposto menor custo de capital dos incentivos fiscais teria em parte esse papel. Já essa solução é impraticável, se a substituição se dá nos insumos de utilização contínua e permanente. Por isso, os maiores custos dos insumos afetam todos os ramos produtivos que deles dependem. Portanto, é preciso planejar de sorte que se mini-mizem as diferenças de custos entre similares nacionais e produtos importados ou o tempo em que isso é viável.

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A conciliação ou o melhor trade-off entre a otimização nacional e os objetivos de desconcentração seria alcançada, no caso da indústria química, no aproveitamento das melhores condições potenciais, a amadurecerem a prazo médio; e isso se daria com a efetivação plena do “eixo químico do Nordeste”, implantando na região o grande distrito nacional para essa indústria.

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Complexo petroquímico do Camaçari e suas peculiaridades

O projeto do Polo Petroquímico veio trazer uma mudança revolu-cionária no padrão empresarial no Nordeste. A primeira razão está na dimensão e na complexidade tecnológica, caracterizando a firma ou a indústria motriz, conforme o conceito perrouxviano. Mais im-portante a acentuar são dois outros aspectos, no particular: o modelo tripartito, com a presença do Governo Federal como iniciador, as-sumindo o comando de um processo integrado e riscos pioneiros: a própria operação, em condições inéditas, inclusive no Brasil, de um grande complexo produtivo grass root.

Quanto ao primeiro aspecto, um conjunto de firmas de grande porte ligadas às fronteiras da tecnologia na química de base resulta numa capacidade inédita de transferência (a caminho da adaptação e de certa autonomia na inovação tecnológica)42 e de decisões de investi-mento. Levantam-se, com frequência, dúvidas sobre grupos empre-sariais realmente sediados fora e engajados em esquemas nacionais e multinacionais. Certo, o know-how pertence, sobretudo, a empresas estrangeiras associadas no modelo empresarial tripartito, adiante fo-calizado, mas a presença da PETROQUISA (PETROBRAS) asse-gura capacidade de absorção tecnológica. De outro lado, o dinheiro está, sobretudo, no Governo Federal, via PETROQUISA e BNDE, muito mais engajados em metas nacionais do que em desenvolvimen-to regional: porém os interesses expansionistas das empresas sediadas

42 A experiência do Polo Petroquímico de Camaçari encorajou com um passo adiante nas negocia-ções de tecnologia para o Polo Petroquímico do Sul.

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na região - como sistemas sociais com certa autonomia, aliados a estímulos financeiros para reinversão na região (dedução no ICM), além da pressão das forças políticas interessadas no desenvolvimento do Nordeste ou na redução dos desequilíbrios regionais - induzem à efetivação de considerável potencial motriz regional das companhias do Polo.

O segundo aspecto a ressaltar é mais concreto. Trata-se das peculiari-dades do modelo tripartito na Bahia. O “tripé” nasceu para resolver dificuldades no esquema empresarial da Petroquímica União, em São Paulo, em 1967, mas adquiriu no complexo da Bahia um outro alcance, além da magnitude com que foi aplicado. Em São Paulo, um grupo nacional teve a iniciativa do primeiro complexo petroquí-mico e buscou a associação de multinacionais.

Os acordos preliminares foram abandonados, mantendo-se a asso-ciação estritamente privada, nacional-estrangeira, somente em al-gumas empresas da segunda geração. Promoveu o grupo pioneiro (Soares Sampaio — Moreira Salles, depois UNIPAR) a mudança da legislação da PETROBRAS para permitir que, através de uma subsidiária com controle total da PETROBRAS, o sistema pudesse investir minoritariamente na petroquímica43. Mas, nesse esquema, a posição da PETROQUISA era passiva, apoiadora.

43 Esta fórmula era permitida pelo projeto original da PETROBRAS para atividades a justante e a montante, não caracterizadas como de exploração e produção de petróleo e gás natural, refino e trans-porte. Segundo a mensagem presidencial, era prevista uma presença ativa e flexível da PETROBRAS — pensada como uma holding — também nas atividades derivadas ou induzidas peto setor de pe-tróleo. Esperava-se também que o maior benefício regional da PETROBRAS seria o desenvolvimento de tais atividades, visto que o regime de preços únicos dos combustíveis líquidos retirava a priori os benefícios possíveis à região produtora de óleo, de preços menores desses derivados do petróleo.

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Os estudos da petroquímica na Bahia, levando em conta a incapaci-dade do setor privado nacional e/ou a indisposição dele e das multi-nacionais de adotarem decisões de localização numa região não indus-trializada e, imediatamente, de enfrentarem o forte grupo implantado em São Paulo, com todo o respaldo governamental, apelaram para a presença liderante da PETROQUISA, mudando-se dessa forma o estilo de atuação do sistema PETROBRAS na grande indústria44.

Depois da instituição da COPENE, a PETROQUISA veio a entrar (e controlar, face à retração de outros acionistas) na SALGEMA e na COPERBO; e foi criada a PETROMIN, comprometida inicial-mente na liderança do complexo dos evaporitos em Sergipe. Está aberto o caminho para uma atuação decisiva das grandes empresas do Estado brasileiro no Nordeste, e para a nova etapa nas iniciativas ou coiniciativas dos Estados Federados45.

Estabelecida a liderança da PETROQUISA, constituiu esta a COPENE — Companhia Petroquímica do Nordeste, e todo o pro-cesso de planejamento, seleção da tecnologia e organização empre-sarial se inverteu. Os projetos foram definidos e dimensionados me-diante pesquisa e avaliação prévias das várias fontes de tecnologia. A partir daí, foram feitas negociações com grupos particulares nacio-nais e os estrangeiros mais indicados pela tecnologia de que dispu-nham e, em casos de condições equivalentes ou muito aproximadas

44 Note-se que a PETROBRAS desenvolveu pequenos projetos petroquímicos anexos a refinarias, durante o período inicial em que só podia engajar-se majoritariamente qualquer que fosse a natureza do projeto, e não havia interesse nem dela nem de grupos privados em aventuras maiores.45 Com exceção da implantação inicial da USIBA pela SUDENE, que passou o controle à SIDER-BRÁS, e das iniciativas estaduais do sistema FUNDAGRO, na Bahia, e da COPERBO, em Pernambu-co, o Estado esteve ausente da iniciativa industrial. Posteriormente, por força de acidentes empresariais, assumiu o BNDE o controle de algumas empresas e está implantando a Caraíba Metais.

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das tecnologias oferecidas, houve concorrência seletiva (tomada de condições a firmas pré-selecionadas e convidadas).

A alternativa a esse roteiro foi a iniciativa de grupos privados nacio-nais que realizaram a seleção das tecnologias e as negociações prelimi-nares com os portadores estrangeiros das tecnologias preferidas ou do know-how de fabricação e utilização. Nestes casos, a PETROQUISA foi procurada para dar apoio, e o fez cm alguns casos, casando gru-pos nacionais que apresentaram propostas concorrentes e passando a liderar a escolha definitiva do sócio estrangeiro46. A história anterior era, sobretudo, caracterizada pela iniciativa do aportador estrangeiro da tecnologia ou, na melhor hipótese, de grupo privado nacional induzido ou condicionado por aquele — quando não, dependente. E nem sempre era a tecnologia melhor.

O esquema empresarial é bem conhecido, mas convém não omitir. A Central Petroquímica ficou sob o controle efetivo da PETROQUISA, com cerca de metade do capital distribuído entre as empresas a ju-sante, com parcelas que representam uma “joia” para ter acesso aos suprimentos dessa Central (CEMAP) e dos serviços das de Manu-tenção e Utilidades, também geridas pela COPENE, aquela através da subsidiária CEMAN e esta diretamente; nas demais empresas, com esquemas variados em torno do terço para PETROQUISA, um

46 A iniciativa regional no complexo básico se deu através do grupo Mariani (Petroquímica da Bahia, Banco da Bahia Investimentos) e de grupos organizados ou induzidos pela CLAN S.A. Consultoria e Planejamento, funcionando como empresa promotora e assessora de implantação empresarial. Quatro grupos regionais, Banco Econômico, ENGREL, Newton Rique e CIPLAN, foram induzidos pela CLAN, além da participação desta empresa e de grupos do Sul. A CLAN promoveu a criação de uma holding regional — NORDESQUIMICA — para tomar uma posição forte na indústria química regional. Alguns dos promitentes participantes mais significativos (do Ceará, de Pernambuco e da Bahia) foram desestimulados pelas condições de descrença em torno dos projetos na região (1969-70).

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terço para grupos privados nacionais e um terço para o fornecedor de tecnologia e assistência técnica47.

Dessa forma, a experiência empresarial, ao lado da absorção de tec-nologia, representa um avanço na prática de desenvolvimento. A im-plantação efetiva do COPEC veio confirmar esse avanço.

Verificou-se um êxito inédito no Brasil em termos de cumprimen-to de cronograma, apesar da complexidade também inédita do COPEC, com 25 empresas diferentes (ainda que com a associação da PETROQUISA às 21 do Complexo Básico), num período de intensificação da substituição de importações de equipamentos, e em condições grass root, ou seja, numa área sem infraestrutura e am-biência industrial. Sem dúvida, há um conjunto de circunstâncias que explicam esse sucesso de coordenação entre diferentes entidades federais, o Governo do Estado e numerosos grupos privados nacio-nais e estrangeiros: adequado planejamento, e por empresa regional, que ademais preparou um grupo de promotores muito informados e engajados no setor privado e no governamental; identificação com metas do II PND, as quais tiveram a influência desse grupo; mo-bilização do BNDE, etc. Mas nenhum fator teria sido tão decisivo quanto o engajamento da PETROQUISA, contando com os qua-dros excepcionais da PETROBRAS. Com isso, foi possível vencer a luta com grupos privados e governamentais com orientações loca-cionais divergentes.

47 Há entretanto alguma que não têm participação externa até o momento. Peter Evans, “Multinationals, State-owned Corporations, and the Transformation of Imperialism: a Brazilian Case Study”, Econ. Dev. and Cultural Change analisa a importância do modelo do tripé adotado no Brasil no sentido de autonomia de decisões e superação de riscos locacionais, mas não apreendeu a mudança qualitativa verificada em sua aplicação na Bahia.

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A inovação tecnológica, inclusive empresarial, e a implantação do conjunto empresarial de porte estabeleceram condições de dinamis-mo regional48 ainda não suficientes, porque reduzida a associação local e a capacitação das entidades financeiras e técnicas, apesar da exceção parcial do CEPED, para serem instrumentos da efetivação regional do multiplicador de demanda e de oferta da indústria básica.

48 A empresa motriz, agente das inovações e criadora e operadora das indústrias motrizes, que Lasuén e Friedmann consideram os verdadeiros atores dinâmicos no processo da demarragem do desenvolvi-mento regional.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Polo Petroquímico e estratégia para o Nordeste

O relatório do GTDN49, a propósito de siderurgia e indústrias trans-formadoras, acentuava que seu desenvolvimento “implica a assimi-lação de tecnologias avançadas e contribui para a formação de uma autêntica mentalidade industrial na região”. A observação é genera-lizável para as indústrias químicas e de não ferrosos.

Privilegiando, na sua preocupação, a indústria siderúrgica pelas in-dicações de tecnologia viável para unidades pequenas, pelo caráter germinativo da atividade na transformação metal-mecânica e ainda pelo receio de que a escassez nacional de aço no decênio pela frente sacrificasse o Nordeste, o GTDN estava preocupado mais ampla-mente com as indústrias de vocação regional capazes de aspirar fatias do mercado nacional. Indústrias exportadoras, básicas. Apontou de logo as possibilidades do cimento e dos fosfatos. A pesquisa imediata das outras possibilidades era recomendada50.

Na primeira parte deste trabalho (texto original), já se indicou a importância do polo então projetado, como indústria de base, no desenvolvimento regional. Será acrescentado algo sobre o seu papel na viabilização de um programa concreto para o Nordeste, sobre os

49 Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste — Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste — DIN — 1959.50 A não referência à indústria petroquímica decorreu do menor conhecimento a respeito e de não ter havido participação da CPE no GTDN, pois as possibilidades neste ramo já haviam sido indicadas nos estudos da CPE para o PLANDEB — Plano de Desenvolvimento da Bahia — 1959-63, elabo-rado tecnicamente, mas que encontrou obstáculos políticos para implantação. No PLANDEB, estava também indicada a minissiderúrgica à base do gás natural como redutor.

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mecanismos da ação dinâmica das indústrias de base e as limitações espaciais, temporais e institucionais desse dinamismo e, afinal, sobre as ações complementares e compensatórias que se requerem, de um lado, para estender os efeitos dinâmicos; de outro, para reduzir os desequilíbrios gerados em termos sociais e espaciais.

Num modelo econômico em que há concentração de renda, a conse-quência é concentração espacial. Por um lado, por efeito do processo tecnológico, impondo escalas e permitindo especialização, mas num sistema de aglomeração que tende a se concentrar espacialmente (o que só é atenuado por uma rede de transportes e comunicações que integre vários núcleos próximos, na verdade criando um complexo urbano maior). Por outro lado, pelo padrão de demanda que resulta do modelo da desigualdade social: bens de consumo duráveis e ar-tigos de qualidade, exigindo aquelas unidades produtivas de grande porte e aglomeração e beneficiando-se os dois da localização próxima do mercado.

O processo circular de concentração da produção e concentração do mercado se dá. Nesse quadro, as próprias pequenas e médias empre-sas, viáveis em razão de seu papel ancilar ou do seu atendimento ao mercado de qualidade, têm sua localização nas áreas de alta concen-tração industrial urbana, que, por sua vez, permite as oportunidades diversificadas em função da escala do mercado. A própria agricultura tende a se beneficiar da proximidade dos mercados e dos insumos, inclusive técnicos, das regiões de concentração industrial, salvo vo-cações especiais de exportação. A concentração espacial é o processo espontâneo na economia de mercado.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Portanto, no caso de uma região, não se pode reproduzir eficazmente o processo histórico nacional de começar pelo modelo exportador e por atividades industriais mais simples e de pequeno porte. Para romper a tendência concentradora, é preciso uma decisão política de desconcentração, a qual, para ser eficiente, tem que ser uma descon-centração concentrada.

O Polo Petroquímico e outras indústrias de base na região são viáveis na medida em que embarcam no processo nacional de acumulação, que privilegia a substituição de importação de insumos. A partir dai, elas podem ter um papel regional, que vai desde o de ser motriz de um processo autossustentado de desenvolvimento, num modelo ver-tical, em substituição à horizontalidade do processo tradicional, até o de um mero “enclave” subsidiário do poder industrial sediado na área metropolitana e até no estrangeiro; depende de certas condições. Mesmo no desenrolar espontâneo do processo, estaria excluído, no caso, o extremo mais negativo e assegurado um considerável impacto de atividade motriz, cujo efeito seria progressivo com o tempo e a escala do conjunto das indústrias de base no Nordeste.

O papel motriz é ilustrado pelo diagrama elaborado pelo autor e pelos associados da CLAN e incorporado no estudo de Estratégia do Estado da Bahia51.

Além disso, nas atuais condições, as indústrias de base têm três pa-péis: reduzir os déficits nos balanços comercial e fiscal (ICM) intra- regional e fazer a região participar do processo acumulativo nacional

51 Gov. do Estado da Bahia — Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, Economia Baiana — Subsídios para um Plano de Governo — Tomo 4 — Diagnóstico do Setor Industrial — Salvador, 1978.

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de uma forma mais efetiva, incrementando as fontes regionais de formação de capital em atividades de alta capacidade de acumulação, inclusive por sua natureza oligopólica.

A fixação desse capital acumulado na região depende do horizonte de investimentos face a outras alternativas nacionais. A possibilida-de de competição regional - nesses capitais e em outros que conti-nuem a entrar - resulta das próprias possibilidades de expansão das indústrias de base e das atividades subsidiárias e induzidas (as quais cresceriam com aglomeração e maturação do processo industrial na região). Na fase inicial, essa fixação é induzida pelo oportuno meca-nismo do incentivo do ICM.

Essa dinâmica, que inclui os efeitos indiretos dos complexos básicos, permitiria imprimir autossustentação ao desenvolvimento regional.

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EFEITOS DO COMPLEXO PETROQUÍMICO EFEITOS P/ FORA

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Levantam-se contra esse modelo muitas objeções, que se podem resumir nas principais: trata-se de atividades pouco empregadoras numa região carente de empregos; multiplicadores de renda e de em-prego operam, sobretudo, fora da região; a propriedade forânea das grandes empresas implantadas as torna enclaves na região, sujeitas a decisões tomadas longe e à exportação dos benefícios; a concen-tração de capital e a remuneração relativamente alta do pouco pes-soal empregado diretamente agrava o desequilíbrio na distribuição da renda; a concentração espacial também alarga as distâncias entre estados e zonas da própria região.

O espaço só permite breve discussão dos pontos acima.

As atividades de capital intensivo não constituem alternativa a ativi-dades mais empregadoras, na disputa dos capitais disponíveis na re-gião ou para a região. Na verdade, são um acréscimo, não conflitam com estas, ao contrário, as ajudam. Por outro lado, mesmo que por um planejamento imperativo, se alocassem os mesmos recursos para atividades diretamente mais empregadoras, seria duvidoso, pelo me-nos nos parâmetros do modelo nacional, que o efeito global sobre o emprego fosse maior do que a hipótese da estratégia vertical, baseada em indústrias de base, motoras. É preciso balancear não apenas os efeitos instantâneos e diretos no projeto ou no momento de implan-tação, mas também a capacidade de competição, de acumulação e expansão, os encadeamentos e a criação de externalidades para todo o sistema produtivo, que resultam em empregos derivados. O côm-puto estático no sistema produtivo global e o dinâmico, no tempo, certamente implicarão que a estratégia centrada em atividades de alta produtividade e capacidade de expansão (sobretudo não compe-tindo no capital com outras), embora com menor emprego direto,

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resulta afinal de contas muito mais empregadora. E isso sem consi-derar os efeitos qualitativos no mercado de recursos humanos, no processo tecnológico em geral e na organização social.

É claro que os efeitos sobre a região das indústrias de base são redu-zidos inicialmente. Os multiplicadores de renda e de emprego ope-ram fora da região, desprovida de tudo, no momento de comprar a tecnologia e a engenharia, os equipamentos e muitos materiais; e o multiplicador de oferta (indústrias insumidoras) também, numa primeira fase, está na região industrial. A periferia produtora dos no-vos insumos aparece na função de “fornecedora de matérias-primas”, ainda que mais sofisticadas. Entretanto não se podem avaliar os efei-tos regionais pelos seus sinais imediatos. A gestação dos efeitos leva tempo, que pode ser planejadamente antecipado; sem dúvida, tam-bém pode ela ser perturbada por fatores exógenos. (Como exemplo destes, as restrições criadas pelos oligopólios e por decisões de políti-ca da União para o desenvolvimento das indústrias de transformação e mecânicas na Região).

Esses multiplicadores de renda, de emprego e de oferta tendem a ser maiores com o tamanho e a diversificação produtiva da região52. Essa diversificação resulta da população, renda e tempo de maturação dos efeitos diretos dos complexos básicos.

Sem dúvida, a propriedade forânea reduz as vantagens regionais dos complexos básicos, na medida em que as decisões são toma-das sem compromissos com o desenvolvimento regional e os lucros

52 Entre outros, ver. E. M. Hoover, An Introduction to Regional Economics, A. Knopf, 1971, pp. 224 e passim.

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e remunerações de pessoal de altos salários dos escritórios centrais beneficiam outras regiões. Mas, se não há alternativa de capitais e empresários locais, trata-se de um mal menor do que não ter os in-vestimentos. Decerto, também, na medida em que os capitais são de agências federais, há uma presunção relativa de que sejam sen-síveis aos objetos de desenvolvimento regional. O inconveniente pode ainda ser atenuado se há organizações regionais, sob a égide governamental, que, em conjunto, ajudem os empresários regionais a promover e a participar.

Medidas fiscais podem ter também eficácia na fixação dos capitais, como é o caso concreto do incentivo do ICM. Se condicionado este a uma exigência razoável de localização de escritórios, seu efeito seria ampliado no multiplicador local.

Parece chegada a hora de promover dois pontos de política: I. arti-cular uma empresa de promoção e participação do BNB, tal como foi pensado primitivamente, com o FINOR e entidades semelhantes dos governos estaduais numa concepção e operação mais dinâmicas, bem como com o sistema BNDE, para apoiar empresas e empresários regionais ou realmente fixados na região e controlando as associações externas necessárias; II. Fixar, na estratégia do III PND (em elabora-ção), que a prioridade no programa nacional de industrialização é a industrialização do Nordeste e que para esta as empresas do Estado brasileiro se voltarão. Embora as prioridades nacionais sejam agricul-tura e desestatização, o que pode admitir-se na evolução capitalista da região industrial do Centro-Sul, trata-se de reconhecer que, no estágio e nas condições de recursos naturais do Nordeste, continuam essenciais a prioridade industrial (sem prejuízo de programa agrícola reforçado) e a presença do Estado nos novos complexos industriais.

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Sobre os desequilíbrios verificados na concentração de capitais e na distribuição desigual dos frutos da indústria de base, há uma di-ferença essencial entre o que ocorre na região e o que resulta no espaço nacional. Neste, salvo entrada efetiva de capital do exterior, os investimentos concentrados implicam a transferência de inver-sões alternativas em outros setores ou regiões, o que, aliás, se pode justificar pelo maior dinamismo e produtividade do novo setor. No plano regional, porém, a implantação da indústria de base se faz não competindo com outras atividades, mas com a entrada líquida de capitais que não teriam aplicação alternativa53. Assim, em vez de prejudicar outras atividades, os complexos de indústria básica vêm oferecer recursos industriais, sobretudo insumos de uso difundido, para atividades secundárias, primárias e terciárias, ou seja, criar am-plas economias externas no sistema econômico regional.

Os desequilíbrios que resultam, em termos sociais e espaciais, são os de um processo real de crescimento: desequilíbrios por elevação do nível de um reservatório sem prejudicar os níveis dos outros, transfe-rindo, ao contrário, progressivamente para estes algumas sobras. Um novo equilíbrio se vai estabelecer em níveis mais altos, sem que haja nivelamento geral. Há mudança no setor hegemônico regional. E, certamente, nova estrutura em que diferenças tendem a manter-se,

53 Os únicos capitais que se poderia arguir de terem aplicação alternativa seriam os do FINOR. Mas convém notar 1º) que o aporte para as indústrias de base até o momento foi significativo para o FINOR em alguns anos, mas não numa série temporal mais ampla; 2º) que o aporte do FINOR não foi decisivo para viabilizar as indústrias de base, talvez em nenhum caso, falhando em seu papel de compensar as desvantagens iniciais dessas indústrias na localização pioneira; 3°) que as opções do setor privado para o FINOR e as próprias decisões do Governo Federal de suplementá-las foram sabi-damente influenciadas pelos projetos das indústrias de base. A competição no uso de outros recursos, como infraestrutura e recursos humanos, é mais que compensada pelos efeitos positivos das indústrias de base em ampliar ou provocar a ampliação da oferta de tais recursos, com proveito líquido para as outras atividades.

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enquanto não alteradas por novos impactos de inversões autônomas e desequilibrantes. Mas, todo o sistema é beneficiado, direta ou indi-retamente, pela mudança: é, por um lado, um problema de tempo e de ritmo de difusão espacial; por outro, de correção de perturbações que inibem esse processo espontâneo e de promoção intencional dos efeitos locais.

O reequilíbrio não significa igualdade de condições no sistema eco-nômico, em termos de inversões e distribuição de renda. O padrão desta depende do maior ou menor controle social do sistema pro-dutivo, especialmente das atividades que estão na vanguarda e no domínio do processo de acumulação. Não se trata, pelo visto, de um problema de política regional, mas está no âmago da política econômica nacional.

Resta abordar a questão do desequilíbrio espacial no âmbito regio-nal. Na verdade, a área regional em que se concentre o investimento (a região metropolitana de Salvador no caso do COPEC), bem como o Estado e município, em razão do viciado sistema atual de arreca-dação do ICM, tendem a ganhar benefícios especiais pelo privilégio de localização de grandes complexos industriais. Sem dúvida, resulta disso uma tendência ao desequilíbrio espacial. Entretanto aplica-se a esse tipo de desequilíbrio a mesma análise feita sobre o desequilíbrio social de renda a nível regional vis-à-vis ao análogo desequilíbrio no âmbito nacional.

Na realidade, a eliminação da defasagem industrial da Bahia em rela-ção a Pernambuco e o desequilíbrio que se acentua em relação a ou-tros Estados ocorrem sem prejudicar nenhum deles. Paralelamente, o desequilíbrio maior da RMS em relação a outras zonas do Estado

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

da Bahia também não ocorre à custa de outras zonas, como no caso da preferência na aplicação dos recursos do Estado. Ao contrário, os efeitos das indústrias de base tendem a difundir-se espacialmente em toda a região, pois, além de ampliar direta e indiretamente o inter-câmbio intra-regional, o suprimento mais próximo de insumos que provinham do Centro-Sul constitui vantagem, inclusive a potencial de custos, para todas as atividades insumidoras na região54.

Não há razão de supor que outros efeitos indiretos do Polo Petroquí-mico não se difundam em todo o Nordeste. Pelo menos, o efeito de demonstração da viabilidade de projetos mais audaciosos e germina-tivos, bem como a experiência inovadora de sua implantação sob os vários aspectos já abordados.

Os vários projetos de complexos industriais de base existentes para a região, em variados graus de maturação, abrem a perspectiva de mul-tiplicação das áreas “privilegiadas” que avançarão em relação ao resto do espaço regional, mas pressionando no sentido de elevação geral do nível da economia regional e assegurando, pela primeira vez, uma redução substancial do desequilíbrio inter-regional.

Os fluxos intra-regionais, a começar por aqueles entre os próprios complexos básicos, se intensificarão. Haverá maior integração intra- regional, concomitante com maior integração nacional do Nordeste. A difusão espacial do Nordeste se fará pelos complexos agroindus-triais dispersos, pelas chances de mineração e pelas indústrias leves e toda a agricultura beneficiada pela ampliação dos mercados urbanos e pelo suprimento regional de insumos industriais.

54 Ver nota 9.

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Sem dúvida, os desequilíbrios remanescentes não devem ser abando-nados à espera da espontânea difusão social e espacial dos efeitos dos complexos motores. Impõe-se uma estratégia compensatória com dois elementos básicos: I. pesquisas intensas de recursos naturais, inclusive tecnologia do seu aproveitamento, para detectar oportuni-dades difusas agrícolas, agroindustriais e minerais; II. programa de atendimento das necessidades básicas e de promoção humana, den-tro das possibilidades da economia nacional, que permita eliminar as diferenças gritantes de oportunidades para o homem nordestino; em termos nacionais, nele estaria necessariamente um subprograma de recursos humanos55, bem como o apoio (educacional-promocional) à pequena e à microempresa urbana e ao pequeno produtor. Isto sem falar em mudanças maiores no modelo do desenvolvimento, no sentido de melhor distribuição da riqueza e da renda.

55 Essa última indicação foi apresentada pelo Autor, em conferência no Instituto Joaquim Nabuco, no Recife, em outubro de 1973.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

1. BÁSICOS PETROQUÍMICOS

1.1 ETENO PETROQUÍMICO

São Paulo — 360,00 360,00 360,00

Bahia — — 384,00 384,00

Rio Grande do Sul — — — 420,00

1.2 ETENO DE ÁLCOOL

São Paulo — 14.00 14,00 14,00

Rio de Janeiro — — — 20,00

Alagoas — — — 60,00

1.3 PROPENO

São Paulo 65,00 200,00 200,00 200,00

Bahia — 66,00 266,00 266,00

Rio Grande do Sul — — — 120,00

1.4 BUTADIENO

São Paulo ... 50,00 50,00 50,00

Rio de Janeiro ... 65,00 65,00 65,00

Bahia ... — 52,00 52,00

Rio Grande do Sul — — — 66,00

1.6 BENZENO

São Paulo 23,80 176,80 176,80 176,80

Rio de Janeiro 4,00 6,20 6,20 56,20

QUADRO

Localização Regional da indústria Petroquímica e Fertilizantes*

* Projetos em operação ou implantação. Quadro elaborado por CLAN com informações de Amilcar Pereira da Silva - Documento Nacional do Brasil ao II Congresso Latino-Americano de Petroquímica e outras fontes. Ver Quadros 2 a 4 (projetos possíveis em Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte). A informação sobre soda-cloro, barrilha, ácido sulfúrico e outros básicos não-petroquímicos deve ser ajuntada, para se ter um quadro mais completo da indústria de base. Neste particular, os baseados em sal e óleos vegetais apresentam condições favoráveis no Nordeste.

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Rômulo | Desenvolvimento regional e industrialização

344

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

Bahia — — 129,00 129,00

Rio Grande do Sul — — — 115,00

Minas Gerais 5,00 10,30 10,30 10,30

1.6 TOLUENO

São Paulo 34,80 62,80 99,80 99,80

Rio de Janeiro 2,30 2,30 2,30 72,30

Bahia — — 23,80 23,80

Rio Grande do Sul — — — 18,00

Minas Gerais 0,44 0,44 0,44 0,44

1.7 XILENO56

São Paulo 3,16 62,16 72,16 72,16

Rio de Janeiro 0,35 0,35 0,35 5,35

Bahia — — 139,60 139,60

Rio Grande do Sul — — — 25,00

Minas Gerais 0,24 0,24 0,24 0,24

1.8 METANOL

São Paulo 17,00 27,25 27,25 27,25

Rio de Janeiro 27,00 50,72 50,72 50,72

Bahia — 66,66 73,17 73,17

1.9 AMÔNIA

São Paulo 210,20 210,20 210,20 210,20

Rio de Janeiro — — — 299,00

Bahia57 60,00 365,00 365,00 365,00

Paraná — — — 396,00

Sergipe — — — 299,00

56 Orto-Xileno, P-Xileno e Xilenos Mistos.57 Em instalação.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

2. FERTILIZANTES

2.1 NITROGENADOS (em N)

São Paulo ... 159,15 159,15 159,15

Rio de Janeiro ... 2,05 2,05 165,45

Bahia — 6,15 58,67 177,07

Rio Grande do Sul — 66,00 66,00 306,00

Minas Gerais — 1,42 1,42 27,02

Paraná — — — 222,80

Sergipe — — — 163,40

2.2 FOSFATADOS (em P205)

São Paulo — 370,31 610,31 610,31

Bahia — — — 120,00

Rio Grande do Sul — 187,90 187,90 187,90

Minas Gerais — 256,62 256,62 256,62

Pernambuco58 — 8,40 8,40 8,40

Sergipe — — — 108,00

Goiás ... ... ... ...

2.3 POTÁSSICOS

Sergipe (em K2O) — — — 1.000,00

3. INTERMEDIÁRIOS

3.1 ALDEIDO FÓRMICO

São Paulo/PR — 127,20 127,20 127,20

Bahia — 10,80 40,80 40,80

Rio Grande do Sul — 28,00 28,00 28,00

Pernambuco — 8,18 8,18 8,18

3.2 FENOL

São Paulo — 65,00 65,00 65,00

Bahia — — — 65,00

58 Pernambuco e Paraíba têm possibilidades ainda não definidas.

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Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

3.3 URÉIA

Rio de Janeiro — — — 363,00

Bahia — 365,50 365,50 365,50

Sergipe — — — 363,00

Paraná — — — 495,00

3.4 MELAMINA

Bahia — 8,00 8,00 8,00

3.5 ESTIRENO

São Paulo 16,00 68,00 68,00 68,00

Rio de Janeiro — 60,00 60,00 60,00

Bahia — 100,00 100,00 100,00

3.6 ETILBENZENO

São Paulo — 68,00 68,00 68,00

Rio de Janeiro — — — 70,00

Bahia — 110,00 110,00 110,00

3.7 CLORETO DE VINILA

São Paulo — 146,00 146,00 146,00

Bahia — — 150,00 150,00

Rio Grande do Sul — — — 200,00

3.8 ACETATO DE VINILA

São Paulo — 12,00 12,00 12,00

Pernambuco — — — 70,00

3.9 ANIDRIDO FTÁLICO

São Paulo — 33,72 33,72 33,72

Bahia — 23,00 23,00 23,00

3.10 ANIDRIDO MALÉICO

São Paulo — 7,38 7,38 7,38

Bahia — 6,40 6,40 6,40

3.11 OCTANOL

Bahia — 64,00 64,00 64,00

Pernambuco 3,40 — 4,30 4,30

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

3.12 BUTANOL E ISOBUTANOL

Rio de Janeiro — 1,60 1,60 1,60

Bahia — 3,00 3,00 3,00

Pernambuco ... 0,43 0,43 0,43

3.13 ÉSTERES ACRÍLICOS E METACRÍLICOS

Bahia — 12,00 12,00 12,00

3.14 PROPILENO GLICOL

Bahia — 15,00 15,00 15,00

3.15 ÓXIDO DE PROPENO

Bahia — 90,00 90,00 90,00

3.16 POLIPROPILENOGLICOL

São Paulo — 75,00 75,00 75,00

3.17 TOLUENODIISOCIANATO

Bahia — — 23,00 23,00

3.18 ADI PATO DE HEXAME TILENODIAMINA

São Paulo — 49,80 49,80 49,80

3.19 HEXAMETILENODIAMINA

São Paulo — 15,40 15,40 15,40

3.20 ADIPONITRILA

São Paulo — 18,30 18,30 18,30

3.21 CICLOHEXANO

Bahia — 44,00 44,00 44,00

3.22 ETILENOGLICOL

São Paulo — 25,00 25,00 25,00

Bahia — — 142,00 142,00

3.23 ÓXIDO DE ETENO

São Paulo — 35,00 35,00 35,00

Bahia — — 105,00 105,00

3.24 DIMETILTEREFTALATO

Bahia — — 60,00 60,00

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Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

3.25 ÁCIDO TEREFTÁLICO

São Paulo — 75,00 75,00 75,00

3.26 CICLOHEXANOL

São Paulo — 46,10 46,10 46,10

3.27 CAPROLACTAMA

Bahia — — 35,00 35,00

3.28 ACRILONITRILA

Bahia — — 60,00 60,00

3.29 CUMENO

São Paulo — 120,00 120,00 145,00

3.30 ALCOILBENZENO

São Paulo (DDB) — 45,00 45,00 45,00

Bahia (LAB) — — — 35,00

3.31 TETRÂMERO DE PROPENO

São Paulo — 42,00 42,00 42,00

3.32 ÁCIDO ACÉTICO

São Paulo — 48,58 48,58 48,58

Rio de Janeiro — 0,55 0,55 0,55

Pernambuco ... 0,17 0,17 0,17

3.33 ALDEÍDO ACÉTICO

São Paulo — 44,20 44,20 44,20

(Coperbo) Pernambuco — ? ? ?

3.34 ÁCIDO OXÁLICO

São Paulo — 4,00 4,00 4,00

3.35 ISOPROPANOL

São Paulo — 5,30 5,30 5,30

3.36 GLICERINA

São Paulo — 8,53 8,53 8,53

Rio de Janeiro — 1,36 1,36 1,36

Rio Grande do Sul — 0,79 0,79 0,79

Pernambuco — 0,85 0,85 0,85

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

Paraná — 0,12 0,12 0,12

Santa Catarina — 0,22 0,22 0,22

4. TERMOPLÁSTICOS

4.1 POLIETILENO AD

São Paulo 10,00 35,00 50,00 50,00

Bahia — — 60,00 60,00

Rio Grande do Sul — — — 60,00

4.2 POLIETILENO BD

São Paulo 24,00 200,00 200,00 200,00

Bahia — — 100,00 100,00

Rio Grande do Sul — — — 215,00

4.3 P.V.C.

São Paulo 50,00 160,00 160,00 160,00

Bahia — — 140,00 140,00

Rio Grande do Sul — — — 200,00

4.4 POLIESTIRENO

São Paulo ... 147,00 147,00 147,00

Bahia — — 45,00 45,00

Rio Grande do Sul — — 15,00* 15,00

Paraíba — 2,40 2,40* 2,40

4.5 POLIPROPENO

São Paulo — — 50,00 50,00

Bahia — — 50,00 50,00

Rio Grande do Sul — — — 50,00

4.6 P.VA. e outras VINÍLICAS*59

São Paulo — 109,88 109,88 109,88

Rio de Janeiro — 8,88 8,88 8,88

Rio Grande do Sul — 0,84 0,84 0,84

Amazonas — 3,00 3,00 3,00

59 *Possibilidade em 1983 em Pernambuco com MVA DA COPERBO

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Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

4.7 RESINAS ACRÍLICAS E METACRÍLICAS

São Paulo — 29,20 30,92 30,92

Rio de Janeiro — 5,50 8,00 8,00

Bahia — 2,25 2,25 2,25

Minas Gerais — 0,70 0,80 0,80

4.8 RESINAS ABS

São Paulo — 3,60 3,60 3,60

Rio de Janeiro — 8,00 8,00 8,00

5. TERMOESTÁVEIS

5.1 RESINAS AMINADAS

São Paulo — 54,69 54,69 54,69

Rio de Janeiro — 4,30 4,30 4,30

Bahia — 4,35 4,35 4,35

Rio Grande do Sul — 43,55 43,55 43,55

Pernambuco — 7,87 7,87 7,87

5.2 RESINAS FENÓLICAS

São Paulo — 32,47 32,47 32,47

Rio de Janeiro — 3,50 3,50 3,50

Bahia — 1,44 1,44 1,44

Rio Grande do Sul — 20,35 20,35 20,35

5.3 RESINAS ALQUÍDICAS

São Paulo — 72,63 72,63 72,63

Rio de Janeiro — 9,30 9,30 9,30

Rio Grande do Sul — 5,94 5,94 5,94

5.4 RESINAS POLIÉSTER

São Paulo — 29,15 29,15 29,15

Rio de Janeiro — 0,48 0,48 0,48

5.5 POLIURETANA

São Paulo — 23,00 23,00 23,00

Rio de Janeiro — 29,00 29,00 29,00

Rio Grande do Sul — 7,56 7,56 7,56

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

Minas Gerais — 0,70 0,70 0,70

Pernambuco — 5,16 5,16 5,16

6. FIBRAS

6.1 NÁILON60

São Paulo — 25,01 30,89 30,89

Rio de Janeiro — 9,60 9,60 9,60

Bahia — 3,20 15,20 15,20

6.2 POLIÉSTER

São Paulo — 81,20 81,20 82,80

Rio de Janeiro — 3,20 3,20 3,20

Bahia — — 14,10 34,80

Pernambuco — 10,68 10,68 29,88

Paraíba — 10,50 10,50 10,50

6.3 POLIACRILONITRILA

São Paulo — 8,40 8,40 8,40

Bahia — 8,00 8,00 8,00

6.4 RAYON61

São Paulo — 17,40 17,40 17,40

7. ELASTÔMEROS E NEGRO DE FUMO

7.1 SBR

Rio do Janeiro 60,00 165,00 165,00 165,00

7.2 POLIBUTADIENO E SBR

Pernambuco — 27,50 76,00 76,00

7.3 BORRACHA BUTÍLICA

Rio de Janeiro — — — 50,00

7.4 LÁTEX SBR

São Paulo — 4,90 4,90 4,90

Rio de Janeiro — 3,00 3,00 3,00

60 Náilon 6 e 6.6.61 Rayon Viscose e Rayon Acetato.

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Rômulo | Desenvolvimento regional e industrialização

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Produtos/EstadosCapacidade mil t/a

1967 1977 1979 1983

7.5 NEGRO DE FUMO

São Paulo — 106,50 106,50 194,50

Bahia — 56,00 56,00 56,00

8. DETERGENTES SINTÉTICOS

8.1 ANIÔNICOS

São Paulo62 — 106,89 108,09 108,09

Pernambuco63 — 4,00 4,00 4,00

Amazonas 64 — 7,90 7,90 7,90

8.2 NÃO-IÔNICOS ETOXILADOS

São Paulo — 24,50 24,50 24,50

Bahia — — — 10,00

9. SOLVENTES E PLASTIFICANTES

9.1 ACETONA

São Paulo — 40,10 40,10 40,10

Rio de Janeiro — 1,00 1,00 1,00

Bahia — — — 39,00

9.2 METIL-ISOBUTIL-ACETONA

São Paulo — 7,20 7,20 7,20

9.3 ACETATO DE BUTILA

São Paulo — 1,50 1,50 1,50

Rio de Janeiro — 0,85 0,85 0,85

9.4 ACETATO DE ETILA

São Paulo — 11,90 11,90 11,90

Pernambuco — 0,36 0,36 0,36

9.5 PLASTIFICANTES FTÁLICOS

São Paulo — 94,90 94,90 94,90

Pernambuco — 2,40 2,40 2,40

62 Base Dodecilbenzeno Sulfonato de Sódio.63 Base Dodecilbenzeno Sulfonato de Sódio.64 Base Alcoilbenzeno Sulfonato de Sódio Linear.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

QUADRO 2

Sergipe — Projetos Possíveis para o CIIB

Projetos Capacidade t/a

Amónia/Uréia* 300.000/363.000

Clínquer/Cimento 1.000.000/500.000

Barrilha 200.000

Soda Cáustica/Cloro 170.000/150.000

Cloreto de Potássio* 1.000.000

Magnésio Metálico 40.000

Ácido Sulfúrico 350.000

Ácido Fosfórico 208.000

Fosfato de Amônia (MAP) 200.000

Fertilizantes NPK 350.000

Eteno** 150.000

Dicloretano 200.000

MVC/PVC 150.000

TOTAL 5.331.000 t/a

* Em implantação.**Produção cativa p/ fabricação de MVC/PVC.

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QUADRO 3

Alagoas — Projetos Possíveis para o CQA*

Projetos Capacidade t/a

Soda/Cloro** 500.000/440.000

Dicloretano*** 325.000

Eteno (Álcool)**** 60.000

Eteno 125.000

MVC 50.000

MVC/PVC 150.000

Policloropreno 20.000

Clorometanos 34.000

Solventes Clorados 21.000

Pesticidas 37.400

Vitamina C 2.321

Colágenos 21.600

Fosfato de Cálcio 25.000

Cloroparafinas 15.000

Hipoclorito de Sódio 5.000

Cloreto de Alumínio 2.000

Metilclorosilosane 12.800

TOTAL 1.846.121 t/a

* Condições reais de implantação** Correspondente às 2 fases de operação; atualmente opera sua 1ª fase com 50% dessa capacidade.*** Em pré-operação para 200.000 t/a.**** Cativo para fabricação de DCE.

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Petroquímica na economia nacional e seu papel numa política regional

QUADRO 4

Rio Grande do Norte — Projetos Possíveis para o CQRN

Projetos Capacidade t/a

Magnésio Metálico 30.000

Dicloretano 87.000

Cimento/Ac. Sulfúrico 181.000/187.000

Ácido Fosf./Sulf. Cálcio 69.000/233.000

Sulfato Amônia/Carbonato de Cálcio 100.000/67.000

Amônia 134.000

Ácido Nítrico 182.000

Nitrato Amônia 200.000

DAP 125.000

NPK 130.000

Barrilha* 200.000

TOTAL 1.731.000 t/a

* Em implantação.

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8 Notas sobre a industrialização do Nordeste*

* Seminário Internacional sobre Disparidade Regional, realizado entre 31 de agosto e 4 de setembro de 1981, Recife.

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Notas sobre a industrialização do Nordeste

ma confusão frequente nos debates sobre o Nordeste, que torna difícil a confrontação das propostas, é não distin-guir o que seria desejável para a região se a economia do

País tivesse o perfil a que aspiramos, em termos de distribuição de renda e de estrutura produtiva; daquilo que é possível nas condi-ções vigentes. Venho tentando alertar para esse desvio metodológico há muitos anos. E, de minha parte, estou engajado numa luta para mudanças radicais no País (radicais por mexerem nas raízes de uma sociedade construída secularmente sobre o autoritarismo e a desi-gualdade, bem como, recentemente, atrelada à internacionalização). Entretanto, tenho proposto esquemas realistas, dentro dos parâme-tros históricos nacionais, enquanto aquelas mudanças não se tornam efetivas (o que me livra do radicalismo retórico). Desejo — e para isso concretamente contribuo — que no plano político o Nordeste se mobilize para empurrar as mudanças nacionais e não que seja o maior sustentáculo do regime que se traduz na própria desigualdade e dependência regional. Mas, no plano econômico e a curto prazo, tenho sustentado que se devem aproveitar as chances no modelo nacional vigente. E aqui me parece um equívoco de imaturidade ide-ológica dizer que não existe um problema regional e que tais chances interessam exclusivamente a uma elite e não à região.

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Rômulo | Desenvolvimento regional e industrialização

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Ilustro a análise dessa hipótese com o caso extremo de indústria de capital intensivo, de tecnologia avançada, poucos empregos diretos por capital aplicado (que vêm de fora), pouca participação do empre-sário local, mercado (pelo menos na primeira fase) dominantemente fora da região, projetos “nacionais” e não regionais, como dizem os críticos. A crítica a esses projetos revela análise ligeira dos seus efeitos atuais e das condições dinâmicas, cumulativas, da internalização re-gional dos seus efeitos, que dependem de fatores conjunturais e das políticas; em parte, ao nível regional de decisão, inclusive no que se refere à maior participação do empresário regional.

Creio ser mais útil ao debate focalizar, desde logo, o caso concreto de Camaçari.

Não desejo repetir o que tenho publicado (sobre o Polo Petroquí-mico na REN, vol. 10, n.° 2, 1979 - ver capítulo V desta edição -, nem o dito ainda recentemente. Em termos mais generalizados, no Encontro da Ordem dos Advogados na Bahia, sobre o Nordeste, e no Seminário de Fortaleza, promovido pelo Centro das Indústrias e pelo Jornal do Brasil, que publicou resumo não revisto pelo autor)1.

Farei uma breve avaliação do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), também chamado Polo Petroquímico, com uso legítimo da conceituação de “polo”, como se verá.

Inicialmente cabe observar que o COPEC foi possível, não sem muita luta, a que esteve ausente a perplexa SUDENE, por inserir-se

1 A Tarde, Bahia, publicou no Caderno Econômico de 3-7-81, as contribuições principais desse Seminário.

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Notas sobre a industrialização do Nordeste

no problema nacional de substituição de importações de bens inter-mediários, que interessava ao processo de acumulação capitalista no País. Mas podia não se haver instalado na Bahia.

É certo que o COPEC está longe de haver alcançado a plena inter-nalização regional de seus efeitos por várias razões, entre as quais me ocorre alinhar algumas. Primeiro, a debilidade da política do go-verno estadual da Bahia no que respeita a: a) recursos humanos; b) apoio urbano em Camaçari e política urbana adequada em Salvador; c) organização do sistema financeiro estadual para apoiar empresá-rios locais e atividades subsidiárias e derivadas; d) perda da oportu-nidade de utilizar terras devolutas e posses de baixíssimo custo para criar facilmente uma estrutura agrária adequada ao desenvolvimento econômico-social; e) apoio ou iniciativa de núcleos agroindustriais que, juntamente com a nova estrutura agrária, propiciasse a utiliza-ção social de uma nova tecnologia no campo baseada nos insumos produzidos pelo Complexo; e, afinal, f ) mau uso dos recursos que o Complexo está gerando para o Estado e que são vultosos. Em segun-do lugar, a quase ausência ou demissão da SUDENE e a limitação de meios, ainda maior que no caso da Bahia, dos governos estaduais do Nordeste, interessados em projetos similares que se deverão in-terligar num eixo (neste particular distinguiram-se, pela seriedade dos esforços, os governos de Sergipe e do Rio Grande do Norte). Em terceiro lugar, a conjuntura nacional que se agravou no momento mesmo da entrada em produção do complexo químico baiano.

Apesar disso, é significativo registrar que o COPEC gera cerca do dobro do ICM que a economia cacaueira baiana (95% da nacional com exportação de valor muito flutuante, entre US$ 600 milhões a US$ 1 bilhão, e que tem cerca de 100 anos de ascensão).

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O sistema financeiro do Estado — banco de desenvolvimento e ban-co comercial —, que em nada contribuiu, está tendo um crescimento espetacular, porque depositário dos recursos do incentivo do ICM. Esse, por sua vez, provoca novos investimentos em expansão e diversi-ficação ou facilita a correção de problemas nas indústrias implantadas.

Certo é que, apesar dos desestímulos e até empecilhos, não são de pouca significação os efeitos indiretos já verificados.

O Complexo ainda não está completo no seu esquema original e já conta com mais de 30 empresas de porte, além de haver possi-bilitado diversas atividades, a montante e a jusante. Os efeitos no mercado de mão de obra especializada, na qualidade dos cursos e estrutura urbana de Salvador, são visíveis, e só não é mais saudável pela já apontada debilidade do governo estadual.

Hoje, Salvador apresenta a maior taxa de desemprego registrada nas capitais, onde regularmente o IBGE apura esse dado. Isso impres-siona negativamente quanto aos efeitos do “Polo”. Devem ser pes-quisadas as razões. Sugerimos a seguinte hipótese: combinação da conjuntura nacional com o refluxo das inversões diretas e das inver-sões em construção civil derivadas do COPEC e com a debilidade da política ao nível do Estado para internalizar regionalmente os efeitos do “Polo”. É provável ainda que a migração para o Centro-Sul haja diminuído no período recente, tendo a região metropolitana de Sal-vador recebido uma massa de imigrantes em todos os níveis, atraídos pela euforia dos grandes projetos. Afinal, supomos ser importante o efeito desemprego da política urbana de Salvador: afastando os núcleos habitacionais populares dos locais de trabalho e com isso também dificultando o transporte coletivo, essa política é um incen-tivo ao desemprego.

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Efeito não desprezível — supomos — é que o SINDIQUÍMÍCA está na liderança do sindicalismo baiano, que, depois do surto da década dos 20, caiu na paralisia e no condicionamento, com exceção do SINDIPETRO, antes de l964.

Um aspecto relacionado à política regional: as inversões do FINOR foram relativamente insignificantes no COPEC, mas apresentam se-guramente a maior taxa de retorno.

A estrutura empresarial adquiriu contornos novos, com inovações da maior importância em termos nacionais e, quiçá, no capitalismo, como é o chamado modelo do tripé versão Camaçari: o esquema COPENE, a original criação da NORQUISA e as ligações já exis-tentes entre esse subsistema e SALGEMA2.

A combinação de dinâmica empresarial, capacidade tecnológica, acumulação e estímulos do ICM já está gerando um inédito poder de iniciativa e de inversões, que, efetivamente, devido ao retardo dos complexos previstos em Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, no campo químico e metalúrgico, além do metalúrgico no Ceará, tenderão a determinar um avanço muito mais acelerado e já algo autônomo da Bahia relativamente aos outros Estados do Nordeste. Esse desequilíbrio entre a RMS e o resto do NE, inclusive Estado da Bahia, deve ser corrigido, acelerando-se a marcha dos de-mais e integrando intrarregionalmente os subsistemas de indústrias de base, como já começou entre Bahia e Alagoas. Esse desequilíbrio nos fez sugerir que metade dos recursos do incentivo do ICM con-cedido pelo Estado da Bahia seja utilizável em projetos em outros

2 Além dos fluxos que o ligam à COPERBO.

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Estados do Nordeste. Em valor atual, só os incentivos do ICM gera-dos pelo COPEC representam cerca de 15 bilhões anuais, e a receita tributária estadual e municipal, cerca de 10 bilhões.

A renda média alta dos novos empregos diretos, apesar do número pequeno relativamente ao capital investido, resulta num coeficiente considerável de emprego indireto. A tributação obviamente amplia a capacidade de empregar e pagar os melhores salários do Estado.

Para ilustrar a dinâmica do sistema, mesmo sem haver uma ampla política regional (e muito menos nacional, de otimizar a internali-zação dos efeitos do COPEC), citamos os projetos menores e muito mais empregadores da chamada química fina, cujo impacto tecnoló-gico pode ser considerável; e nos detemos mais nos projetos de subs-tituição energética a cargo de subsidiária da COPENE, a Copene Energética, COPENER, os quais estão adquirindo magnitude e contornos sociais surpreendentes. O principal deles é o desenvol-vimento de uma área de 285.000 ha, dos quais 220.000 a serem irrigados, no Baixo de Irecê, que é hoje um vazio demográfico3.

Esse projeto vai produzir 5.705.000 1/dia em 7 módulos industriais (e empresas), o que, num período de 270 dias, alcança 1.540 milhões de litros ano. O projeto prevê 50% da cana fornecida por colonos e ainda 30% da área irrigada total destinada à agricultura diversifica-da, fixando pequenos e médios agricultores, com suas cooperativas e agroindústrias diversas. Será o maior projeto de irrigação do Vale do São Francisco, do Nordeste e do País, com um impacto inédito nas

3 O projeto comentado se inviabilizou pela prática paralisação do programa nacional do álcool (PRO-ALCOOL). As alternativas do projeto de irrigação do Baixo de Irecê estão sendo estudadas pela Uni-versidade da Bahia, em convênio com BNB, CODEVASF e FINEP.

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condições econômicas e sociais da região e na estrutura espacial, pois sua dimensão atingirá o patamar a partir do qual o rio São Francisco terá uma nova função nos fluxos internos no País. O projeto prevê a eliminação do risco de poluição dos cursos d’água pelo vinhoto.

O projeto COPENER tem condições empresariais e financeiras para não ser sacrificado pela descontinuidade e debilidade administrativa, técnica e financeira a que o Governo Federal condena os órgãos da região. É um projeto que conta com uma poderosa empresa matriz e recursos tempestivamente viabilizáveis pelos meios próprios, pela credibilidade e capacidade de avalizar e pelo poder político. Devem ser admitidos dois percalços: o interesse mais retórico que real dos detentores do capital de efetivar o projeto com suas características sociais e ecológicas e, por outro lado, o interesse das estruturas polí-ticas dominantes de pressionarem no sentido de corromper o projeto com o clientelismo eleitoral. Entretanto, há razão para crer que, no caso, a eficiência de um projeto de colonização, com seu caráter e sua imagem social, interessa ao êxito do projeto de acumulação capitalis-ta. Nós acrescentaríamos, porém, que esse caso ilustra a importância da presença política e técnica de uma empresa do Estado nos esque-mas empresariais nas regiões periféricas, sobretudo nos promotores ou motrizes, apesar dos efeitos corruptores que o atual modelo eco-nômico e político exerce sobre as empresas estatais.

A propósito, já que o tema proposto fala em industrialização e agri-cultura, cremos que este caso sugere as possíveis relações agricultu-ra — industrialização, sendo a industrialização um processo global que abrange a agricultura, através da extensão tecnológica e oferta de insumos “modernos” e do novo mercado urbano, bem como da indução às mudanças na estrutura agrária para ampliar o mercado para indústrias e serviços urbanos.

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O exposto acima não quer dizer que esteja tudo bem, que o resto virá: seja a divisão do bolo, seja a propagação espacial e social dos efeitos em ondas significativas e tempos curtos. Nada disso se faz automaticamente, pela dinâmica do capitalismo. Aspiramos a um maior controle social dos benefícios da produtividade, portanto a um maior controle social da acumulação e do seu uso, ou seja, a um maior destino social da capacidade produtiva correspondendo a uma melhor distribuição da renda e da riqueza.

Parece fantasioso pensar que um projeto localizado na região possa ter o condão de mudar as características do chamado “modelo brasi-leiro de desenvolvimento”.

Sendo o COPEC um gerador de materiais modernos, eles serão usa-dos na produção de bens de consumo, de bens intermediários, inclu-sive para a agricultura, e de equipamentos para servir aos padrões da demanda determinados pelo perfil da distribuição da renda. Por isso, um fator final de internalização regional dos seus efeitos é exógeno: a mudança desse modelo e, no bojo dessa mudança, a do tratamento para o NE.

A propósito, não consideramos automático o efeito da mudança na-cional na correção do desequilíbrio regional — corolário da tese da redução do regional ao social, que nos parece equivocada, como já dissemos, apesar de prestigiada por excelentes cabeças, inclusive no Nordeste.

Caberia agora discutir alguns aspectos do problema da industriali-zação no Nordeste. Entretanto, deixaremos de lado o assunto, que hoje está felizmente na consciência geral, porque há gente mais

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competente falando sobre ele. O problema ecológico nos preocupa desde muito tempo, talvez desde a década dos 30, quando lemos Alberto Torres, conforme se pode ver nos trabalhos da CPE e no planejamento do C.I. Aratu.

Tentaremos, a seguir, fazer um resumo de outros pontos das nossas reflexões sobre uma estratégia de desenvolvimento para a região, a partir da industrialização, visto que os recursos agrícolas são pobres relativamente aos do Centro-Sul e relativamente aos recursos natu-rais para a indústria no próprio NE:

I. Não dá para repetir, no âmbito regional, o processo “normal”: modelo agroexportador ou mineral-exportador, com seu evolutivo efeito sobre a indústria; ou efeito acelerado, se depois complemen-tado por uma política voluntarista de substituição de importações:

a) a região não tem capacidade de exportações suficiente;

b) os excedentes da exportação e sua capacidade de compra inter-na (o multiplicador das X) não operam na região, ruas onde já se aglomerou a indústria;

c) a substituição de importações, a nível regional, só é possível competindo, pois estabelecer as defesas que constituem condição essencial dessa política seria conflitivo com o processo inexorá-vel de integração do mercado nacional. E essa mera substituição competitiva não é dinâmica, não opera como no modelo de subs-tituição de importações a nível nacional.

II. Uma política especial para a região, que estabeleça tratamento

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diferencial, é essencial, se se pretende corrigir os efeitos concentra-cionistas da economia de mercado e a disparidade inter-regional já existente. Tal política só é eficaz e viável através de subsídios ao ca-pital e nos custos, de compras garantidas pelo Estado, de inversões em infraestrutura econômica e social e em pesquisas e pela reserva do mercado nacional nos casos em que tal seja possível.

Essa política pode ter um certo caráter assistencial e de subvenção permanente, que se justifique em certos casos, como o da seca. En-tretanto, é desejável que ela opere durante determinado tempo, no qual a região beneficiada adquira capacidade competitiva no proces-so de industrialização, por um misto de especialização e complemen-tação (e expansão das economias externas), bem como de expansão do mercado regional, e, dessa forma, a região se insira e se integre, não por mera dependência, mas por participação, no grande merca-do nacional. De outra forma, esse tratamento diferencial se tornaria mais inviável politicamente ou sem magnitude para ter impacto.

III. O NE apresenta condições para uma política de tratamento di-ferencial que não seja permanente, ou seja, para responder a uma inversão nacional no seu desenvolvimento, mas duas condições pa-recem essenciais:

1. a amplitude desse tratamento diferencial e sua concentração no tempo, para alcançar massa crítica ou efeitos de escala e assim reduzir seu custo;

2. a seletividade desse tratamento naqueles setores ou ativida-des que tenham capacidade competitiva atual ou potencial, in-cluindo os efeitos de complementaridade e aglomeração. Estas

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condições existem no setor químico e metalúrgico, produção mi-neral, agroindústrias tropicais, têxtil e confecções para exporta-ção, indústrias metalúrgicas mais empregadoras.

IV. Nas atividades em que haja chance “competitiva” no NE, à re-gião deve ser atribuída a prioridade para explorá-las em relação a outras regiões que têm outras oportunidades. Para isso a reserva do mercado nacional nas atividades oligopólicas é essencial.

V. É ineficaz a política voluntarista de emprego através de priorida-des no NE para atividades intensivas de trabalho, quando nitida-mente competitivas. Tal política poderá ser até contraproducente: a) por supor, para sua eficiência, a permanência do diferencial regional de salário (indesejável, e irrealístico se houver expansão das inversões na região); b) por agravar o distanciamento em relação à região em atividades mais intensivas de capital.

VI. Por isso, uma tecnologia diferenciada para o NE é um equí-voco, se tal se entende como a adoção de processos alternativos ou intermediários, que utilizem mais mão de obra e que se apliquem só no NE. Outra coisa é se há uma política tecnológica nacional definida nesse sentido. Obviamente, se entendemos como tecnolo-gia diferenciada a baseada na pesquisa da peculiaridade dos recursos regionais e das condições culturais, tudo bem, mas sempre que dela resultem atividades competitivas. Mas é improvável que se possa de-fender a cultura regional do impacto dos meios de comunicação, da integração do mercado nacional e do poder dos grandes grupos manufatureiros, embora se deva tentar fazê-lo no que há de válido e capaz de permanecer. Por outro lado, é inteiramente destituído de viabilidade pretender uma reforma cultural ao nível regional, ainda

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que a desejemos a nível nacional, como é o caso da que supere os há-bitos da suntuosidade e do desperdício, da cultura tradicional, bem como o consumismo importado com o domínio das multinacionais ou a inserção crescente do Brasil na economia capitalista ocidental.

Um suposto geral é o de que baixar produtividade para ampliar em-prego é um equívoco. O problema está no controle social e na luta pelo benefício social máximo da elevação de produtividade ou novas tecnologias.

VII. No campo da agricultura, é enganosa a prioridade à produção de alimentos para o mercado regional. Claro que se deve pesquisar e fomentar a produção de alimentos (inclusive para evitar a pressão sobre os salários nominais, como já se apontava na estratégia for-mulada para a economia baiana pela CPE, 1955), mas subordinada ao propósito fundamental de viabilizar a agricultura regional, pela boa remuneração e capacidade de competição e expansão, e assim ampliar o emprego agrícola. Não submeter o agricultor sedentário à condição de novo servo da gleba, fornecendo, ao preço de sua mi-séria, alimentos baratos às cidades, porque as populações periféricas destas, inchadas pelos agricultores frustrados, não têm emprego e/ou salário para pagar melhor os gêneros de primeira necessidade, ou porque o sistema de intermediação espolia o lavrador e o consumi-dor. Nossa posição é a de que a oferta regional de alimentos ao mer-cado regional resultará mais de uma agricultura próspera, ainda que de exportação, do que de uma política voluntarista nesse sentido.

VIII. Em síntese, o desenvolvimento regional só pode ser baseado em produtividade e competitividade, consideradas em termos poten-ciais, a que correspondem um mercado aberto e, em consequência, a

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inexorável integração dos nódulos de mercados fechados no circuito de mercado monetário de escala nacional.

IX. Como corolário: produzir para exportar, a nível regional, é ne-cessário e não inconveniente (salvo maior vulnerabilidade à recessão relativamente às atividades competitivas situadas nas próprias áreas consumidoras). A nível nacional é que uma política de exportações que tem como custo uma redução da oferta de alimentos para o País é negativa face à instabilidade de mercados e preços para as exporta-ções e face à dimensão do mercado interno que permite competição ampla. É indiferente, portanto, ao nível regional que o coeficiente de X e M seja maior ou menor, desde que haja equilíbrio nos fluxos ou transferências compensatórias. O efeito regional do multiplicador e do acelerador do mercado regional das exportações dependerá, so-bretudo, da densificação.

Ao nível regional, ainda se deve notar o efeito das novas exportações na redução do tradicional déficit nas trocas internas.

X. As atividades exportadoras são “básicas” para uma cidade e para uma região. E, em certos casos, além do multiplicador de expor-tações, elas têm capacidade de gerar impulsos a montante e a ju-sante (sem falar dos efeitos laterais nas externalidades amplas que geram) e via tributação. Nesses casos, são mais dinâmicas, e podem caracterizar os polos de crescimento, como nos parece ser o caso do COPEC, ainda que tais efeitos dinâmicos possam sofrer obstáculos e necessitem ser escorvados. Essas atividades podem incluir serviços de exportações. Juntando tais condições, devem ser prioridade para promoção na política de desenvolvimento regional. Portanto, a opo-sição ou a suspeita contra os “projetos nacionais” no NE desconhece

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que os grandes projetos propulsores da região têm que ser nacionais. Apenas é desejável que deles a região participe mais no capital e nos benefícios.

XI. Concretamente, no NE, sugerimos o eixo químico e metalúrgi-co do NE, ideia que foi encampada pelo II PND e que ainda desafia a capacidade do NE de promover sua concretização. Já o estudo da CLAN, “Desenvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia”, dizia:

“As condições da Bahia e, complementarmente, do

eixo Salvador-Aracaju-Maceió-Recife, sendo favoráveis

para a localização da indústria química básica, numa

perspectiva nacional, constituem necessariamente o

ponto de partida para implantar na região o setor de

maior crescimento na indústria moderna, ao lado da

eletrônica. Portanto, é essa “vocação regional”, avalia-

da em condições de economia aberta, que dita uma

diretriz para o planejamento do desenvolvimento in-

dustrial da região” (vol. II, p. 439)4.

XII. Os efeitos concentradores, sociais e espaciais, dessa política, dentro do próprio NE, são compensados pela sua dinâmica: a) se forem progressivamente multiplicadas as oportunidades de “descon-centração concentrada”; b) se se evitarem, por uma política regional, os empecilhos que as políticas nacionais opõem à internalização, na região, dos eleitos dinâmicos dos complexos produtivos em que se traduz a política em foco; c) se uma política compensatória das de-

4 Para o Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo, Bahia, 1969, escapou a referência ao R. G. do Norte. Em trabalhos posteriores pessoais, ou da CLAN, foi desenvolvida a ideia do eixo químico e metalúrgico do NE.

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fasagens temporais e espaciais for adotada, consistindo — segundo o que temos proposto desde uma conferência no I. Joaquim Nabuco, em 1973, em programas de RH e de pesquisas de recursos e sua tec-nologia (conducentes a a e b) — em reforma agrária e política agrí-cola, apoio ao empresário regional, sobretudo o pequeno e médio, e, afinal, atendimento, por transferências de Centro, dos déficits de assistência das necessidades básicas (alimentação, saúde e saneamen-to, educação, habitação, transporte coletivo) pela economia local.

Isso corresponde à associação das “medidas intensivas” com as “ex-tensivas”, indicadas como base para uma política para o NE, na Mensagem Presidencial que apresentou projeto do Banco do Nor-deste do Brasil (1952).

XIII. A maior confiança num modelo vertical de industrialização, em vez do horizontal, diversificado, não importa em considerar um erro a estratégia tradicional da SUDENE. Ela foi concebida na previ-são de uma rápida implantação de um grande número de indústrias, de que resultaria atingirem uma massa crítica de complementaridade (fluxos interindustriais e demandas derivadas) e assim a sustenta-ção do sistema através da expansão rápida do mercado regional, da competitividade, afinal a expansão e a autopropulsão. Além disso, as indústrias de base completavam tal modelo, sendo objeto até de planejamento direto pela SUDENE. Entretanto, consoante aquele modelo, sem o seu complemento, além de ser difícil atingir mais o objetivo final, que é o vertical, ele foi golpeado com o “controle da natalidade” dos projetos e até com a falta de recursos para implantar os aprovados, nos cronogramas adequados; sendo os estudos sobre indústrias de base desprezados.

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XIV. Finalmente, o processo econômico não é separado do político. Mesmo a viabilidade no NE de projetos consoante o vigente “mo-delo nacional” de acumulação exige mobilização política. O NE, acomodado e governista, tende mais a obter recursos para assistên-cia, manipuláveis através de métodos de clientelismo eleitoral, ins-trumentais para manter a velha estrutura de poder; e para a mudança no País, na qual seja possível reduzir radicalmente as diferenças de oportunidades regionais, donde, numa integração por participação e não por dependência, a presença libertária e a participação política do Nordeste é essencial. Sem esta, o novo pacto social a que se aspira será vigente para o Centro e o Sul, não para a região periférica (peri-férica também politicamente) e talvez à custa desta.

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9 Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste*

* Extraído do discurso proferido pelo autor ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará, em 14-9-82.

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Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste

o lado da gratidão mais profunda pela honraria excepcional com que me está brindando a generosidade dos eminen-tes colegas da Universidade Federal do Ceará, manifesto a

surpresa de estar sendo distinguido com esse doutorado alguém que não passa de um praxista. Professor bissexto tenho sido; pesquisador e especulador acadêmico tive ambição de ser. Mas a vida me exigiu limitar-me a ir em busca de solução de problemas concretos, de maior ou menor complexidade, ao nível técnico ou ao das decisões políticas.

Meu reconhecimento pelo privilégio de participar desta Casa, que é expressão das elites do Ceará, que tantas expressões tem dado em todos os campos da atividade, nascidas que são do povo humilde desta terra, cuja extraordinária energia e criatividade tem marcado presença em todos os recantos e setores deste País. A distinção mais me prende a esta querida Terra da Luz e da Liberdade. E enaltece, ao ser recebido pela voz sábia e benemérita do fundador da Universida-de Federal do Ceará, o Magnífico Reitor Antônio Martins Filho, de-pois de um voto unânime do colendo Conselho Universitário sob a presidência do Magnífico Reitor Prof. Paulo Elpídio Menezes Neto, que tem mantido o dinamismo que caracterizou a UFC desde sua feliz implantação.

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Aceito a bondosa acolhida como homenagem dirigida a meus com-panheiros da Comissão Incorporadora do Banco do Nordeste do Brasil - Francisco Vieira de Alencar, já desaparecido, e Cleantho de Paiva Leite; bem como aos da primeira diretoria Aluísio Afon-so Campos, Gomes Maranhão, Olavo Galvão, Carlos Sabóia e José Vicente de Oliveira Martins, este já falecido; e da equipe auxiliar de implantação do BNB, grupos a que simplesmente tive o privilégio de ouvir.

Carreguei, durante toda minha vida profissional, a nostalgia da vida acadêmica. Busco agora — sem, entretanto, poder libertar-me de outras atividades cívicas — rever a experiência empírica e confrontá- la com o repositório, hoje muito mais rico, do pensamento acadêmi-co sobre os problemas do subdesenvolvimento, particularmente os de uma região periférica condicionada a uma unidade nacional. Não sei se terei condições para realizar minha tentativa tardia.

Nesse momento em que, apesar dessa riqueza de conhecimento, se questiona o realismo, a relevância e a utilidade da teoria econô-mica — e dos modelos econométricos — para deslindar esses pro-blemas do subdesenvolvimento, quero dar, como um homem da praxis, uma opinião francamente confiante na importância do es-forço de teorização sobre o sistema econômico e os problemas do subdesenvolvimento.

A abstração de variáveis essenciais simplifica a realidade, ajuda a de-cifrá-la. E dá velocidade ao nosso pensamento e aos nossos cálculos, que são sempre inerentes a um raciocínio econômico. O problema da eficácia do método está apenas na consciência do que não está incluído nas formulações teóricas. Ou seja, saber-se o que não se

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Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste

sabe, no quadro mais amplo da realidade social e humana — o que não é comum, pois é uma característica da própria sabedoria. Já Rui Barbosa dizia, numa oração aos jovens, “o sábio sabe que não sabe”.

Mesmo nas sociedades mais desenvolvidas e estruturalmente mais homogêneas, onde os parâmetros sociais e institucionais têm maior estabilidade, novos problemas revelaram a insuficiência do instru-mental teórico de explicação e de orientação de política, que ha-via sido a aparente razão do período de prosperidade mais longo da história do capitalismo. Estão aí a estagnoinflação, as perplexi-dades energéticas e ecológicas e a insurreição contra o hedonismo consumista, a anticultura no contexto capitalista. Que dizermos das particularidades do subdesenvolvimento, às voltas com uma hete-rogeneidade estrutural maior no sistema produtivo e com as com-plicações não econômicas, antropológicas e culturais, demográficas e institucionais? Quando tratamos do subdesenvolvimento numa região periférica inserida numa unidade nacional, a heterogeneida-de estrutural se amplia, bem como os aspectos não econômicos, O processo do desenvolvimento aqui ainda é mais dependente. Há um duplo problema de poder envolvido.

Enormes problemas de informação e de conceituação se colocam diante de nós. De um lado, o número e a determinação das variáveis; de outro, a definição dos parâmetros e de coeficientes técnicos. São os problemas de engenharia de produção, de um lado, e, do outro, os do consumo e da demanda, convocando sociólogos, antropólo-gos, demógrafos, biologistas.

O sistema econômico é um fluxo permanente em que a variável tempo assume uma importância maior e dificulta a construção dos

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modelos complexos e dinâmicos. Mesmo os elementos mais inva-riantes mudam, inclusive qualitativamente, observa Leontieff. E os parâmetros se tornam variáveis. A simplificação da invariância dos coeficientes técnicos é insustentável ainda no curto prazo num pro-cesso de desenvolvimento, porque a heterogeneidade estrutural que os diferenciava nas coordenadas setorial e espacial só pode ser supe-rada através de uma mudança nas funções de produção.

Os modelos formais podem ser instrumento de análise, de explica-ção e de elaboração normativa, extremamente úteis ao caso especial ou à situação parcial. Seu prestígio adveio do duplo fato histórico: de um lado, os neoclássicos, considerando os fatores sociais e insti-tucionais como dados estáveis da realidade nos países desenvolvidos. De outro, os marxistas (nem sempre de acordo com o próprio Marx, adverte o autor), considerando-os não como fatores, mas como efei-tos: a superestrutura social e cultural que reflete a infraestrutura de-terminada pelas relações de produção.

Em face das realidades novas e, sobretudo, das do mundo subdesen-volvido, há uma ânsia de elaboração de novos conceitos, particular-mente condizentes com as condições do desenvolvimento dependen-te e dos específicos problemas regionais. Sobre estes, a perplexidade é tal que muitos simplesmente põem em dúvida sua especificidade.

Em face de tudo isso, os economistas, que tinham ganho um grande prestígio, encontram-se em dificuldade para se explicar ante o públi-co que chegou a ser induzido a acreditar em seus milagres — apro-priação de fatores históricos favoráveis pelo solerte e autocrático uso dos meios de comunicação —; encontram-se em dificuldade para

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se explicar e, sobretudo, para explicar por que entre si discordam. Diria, antes de mais nada, que não é privilégio dos economistas. Independentemente da capacitação profissional, variam suas inspi-rações éticas e ideológicas, bem como a sua percepção do contex-to histórico em que se inserem as formulações econômicas. Política econômica para que e para quem, eis a grande questão ideológica, que não somente influi na aplicação de conceitos econômicos bási-cos sobre que há consenso, mas influi na própria diferenciação desses conceitos. Os economistas discordam, nos mostra Lester Thurow, simplesmente porque a economia não é uma ciência experimental. Os economistas, por isso, não podem fazer predições, porque não podem prever ou medir as elásticas variáveis não submetidas à obser-vação quantitativa. E, pela mesma razão, porque os eventos não são previsíveis, eles não são completamente controláveis.

Dessa forma, a economia como “engenharia” (a econometria) avança e - auspiciosamente - presta grande serviço, se não pretende abran-gência maior em sua validade que a de exercícios de abstração que aceleram o cálculo e fornecem aproximações ou hipóteses simplifica-das da realidade econômica, que é essencialmente social.

Daí a aspiração a uma nova economia política, voltando-se à ampla inspiração ética e social dos clássicos. Daí o nosso Celso Furtado apresentar o esquema de uma teoria social integrada que entronque: a teoria da reprodução da sociedade e a retomada do conceito de excedente; a teoria das decisões intertemporais, ou da acumulação; a teoria da estratificação social e a teoria do poder. Daí um manifesto contra a compartimentalização disciplinar, que toca profundamente nos destinos da universidade.

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Finalmente, o que queremos varia conforme o ângulo de visão e a formulação ideológica de classes e estratos sociais. Mas creio que se busca consenso em torno de algumas ideias. Uma delas é a de que crescimento econômico não é desenvolvimento. Um relatório de um grupo de eminentes especialistas convocados pelas Nações Unidas cunhou uma definição para desenvolvimento: “crescimento econô-mico com mudança social numa forma sustentada”. Restam algumas discussões: como atingir o crescimento? Que mudanças sociais são as necessárias ou desejáveis? Como chegar a elas? Como dar permanên-cia a esse processo de mudança?

Fascinante é o tema; mas curto, o tempo e respeitável, o auditório.

 

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Uma estratégia de desenvolvimento regional

Dentro da inquietação pelo desenvolvimento do Nordeste, estou tentando pular das preocupações - com a engenharia institucional, com o estabelecimento de entidades motrizes e com o encaminha-mento da solução de problemas em setores estratégicos, que carac-terizaram os esforços passados das equipes de que participei - para a busca de uma estratégia e de um “modelo” que possam orientar o desenvolvimento regional no Brasil.

Tentarei esboçar brevemente o modesto ponto a que cheguei para pe-dir a essa brilhante geração de professores e alunos da UFC que nos ajude com suas luzes. Insisto em que, apesar de ser uma forma nova de velhas ideias, não se trata de uma proposta amadurecida, mas de uma provocação ao debate e à pesquisa: de uma hipótese de trabalho.

Temos que partir do parâmetro ético do direito à igualdade de opor-tunidades entre as pessoas e, coerentemente, considerar que a região é seu povo, todo o povo, e não o benefício de uma elite ou os símbo-los do progresso local. A eliminação da pobreza - injustificável esta pelos recursos do País - é o nosso desafio. Por outro lado, outro pres-suposto político é nossa participação na unidade brasileira, o que implica compromisso com o crescimento global do País. Ou seja, uma compatibilização entre desenvolvimento regional e crescimento satisfatório da economia brasileira. O julgamento dessa compatibili-dade e o trade off entre crescimento mais acelerado imediato com alto custo social e crescimento menor, agora para reduzir desequilíbrios sociais e regionais e até assegurar mais seguro crescimento futuro,

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depende não só de estudos técnicos, mas da força dos interesses em jogo, inclusive da presença do NE, como povo, no tablado das de-cisões. Mas é certo que as forças dominantes no sistema nacional do poder não permitirão, pela simples inspiração ética, que programas de desenvolvimento regional prejudiquem o processo de produção de excedentes e de acumulação. Invocarão a questão do custo nacio-nal de um programa regional. Daí o problema da compatibilidade entre o regional e o nacional, ainda que em termos dinâmicos, e o aspecto crucial do problema do poder, em que o regional e o social se superpõem, embora, a meu juízo, não se identifiquem do ponto de vista nacional.

Uma hipótese de estratégia regional teria, assim, por objetivos:

— reduzir, de forma sensível e relativamente rápida, as diferenças nas oportunidades das pessoas, quanto ao atendimento das ne-cessidades básicas;

— aproveitamento máximo das oportunidades dos recursos na-turais e humanos para integração da região (por participação, não por dependência) à economia nacional.

As necessidades básicas (NB) são as necessidades vitais e de integra-ção social para as pessoas.

A integração nacional da região se fará de qualquer forma, salvo a indesejável separação. Está se fazendo por dependência quase impe-rial. O que se propõe é a integração, participando os nordestinos em igualdade de oportunidades dos benefícios e, para isso, das decisões.

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Identidade regional com integração política e cultural constitui, por-tanto, um outro objetivo metaeconômico, mas integrado com os objetivos econômicos, consequência e causa destes. Por um lado, sem um mínimo econômico, essa integração não se dá. Por outro lado, sem a liberação de uma atitude de submissão, além de condi-ções de compulsória dependência, não se efetivariam nem a capaci-dade de reivindicação para os objetivos da região, nem as condições pessoais e sociais de florescimento da capacidade de iniciativa, de criação, de responsabilidade, de participação e de cooperação que são indispensáveis — também como condição — num processo de desenvolvimento.

Chegaríamos a esse modelo, inspirado no caso do NE, através dos seguintes elementos:

I. desconcentração inter-regional do processo de acumulação e re-dução da heterogeneidade estrutural;

II. migrações inter-regionais;

III. desconcentração e migrações intra-regionais;

IV. suporte de certo resíduo de atividades tradicionais e informais;

V. cobertura dos déficits regionais de atendimento das necessidades básicas, antecipando no tempo os efeitos equalizadores de I, II e III.

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I — Desconcentração do processo de acumulação

A alternativa à desconcentração do processo de acumulação é manter uma estrutura tecnicamente tão diferenciada que se amplia a dispa-ridade inter-regional em termos de renda, de geração de excedentes e de poder, ou seja, a situação de dependência. Esta não será só eco-nômica, mas política e cultural. A hipótese de manter um sistema produtivo regional próprio e um isolamento da personalidade cul-tural da região é descartada pelo parâmetro da unidade nacional, na qual os grupos do poder manejam os instrumentos para impor seus padrões: a liberdade interna do comércio, a infraestrutura de inte-gração territorial, o sistema de comunicação.

O sistema de mercado não leva a essa desconcentração espacial e à redução da heterogeneidade estrutural.

A desconcentração espacial do investimento, como processo plane-jado (supondo as condições políticas para implantá-lo e operá-lo), se faz através de:

a. atividades ditadas pela localização monopólica ou excepcional-mente favorável de fatores de produção não transferíveis — re-cursos naturais e, em certos casos, recursos humanos —, sem representar uma decisão de realocação de capital em termos inter-regionais;

b. atividades de localização opcional, cuja capacidade competi-tiva na região planejada resulte (num tempo determinado) da

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aglomeração e complementaridade e de escala, ainda que com apoio, durante o período de maturação, de incentivos ou sub-sídios ou reserva de mercado, face à impossibilidade política de um regime de proteção aduaneira ou para aduaneira1;

c. atividades locais derivadas do mercado final, resultante da ren-da distribuída por “a” e “b”. Nesta categoria, estariam ainda as atividades localizadas em função do mercado, inclusive a infraestrutura para todo o conjunto “a”, “b” e “c”.

No segundo tipo de atividades, caberiam alternativas estratégicas: a horizontal, equilibrada, algo como o big push (R. Rodan e Nurkse); ou a vertical, desequilibrada, algo como a concentração em torno

1 Provavelmente as atividades do tipo “a” e mesmo do “b” se realizariam no sistema do mercado, se for suficiente o atendimento pelo Estado das inversões de infraestrutura. Seria necessário aqui antecipar o investimento para atender à demanda da infraestrutura. Se isso não for feito, um fator pode ser ex-cepcionalmente favorável, mas as desvantagens imediatas em outros fatores podem levar ao abandono das oportunidades de desconcentração espacial do investimento. Portanto, mesmo no caso dessas ati-vidades com vocação locacional marcada, são perdidas as oportunidades regionais, se não houver uma política para aproveitá-las na região periférica. No caso em que os fatores existem também em outras regiões onde o investimento incremental (isoladamente) é menor, tanto o direto no processo produ-tivo, quanto o indireto, na infraestrutura, haveria que se estabelecer uma política de preferência para a região periférica na medida em que o projeto é importante para cumprir o efeito de desconcentrar para equalizar oportunidades. Essa política estabeleceria os limites dos incentivos, inclusive reserva do mercado nacional, para que as condições competitivas potenciais se tornem efetivas.Os problemas de restrições de recursos para a desconcentração - linhas “a” e “b” - são os que exigem uma complicada quantificação. Outro é o dos efeitos ou economias e deseconomias geradas (inclu-sive as resultantes da agressão ecológica). E ainda há o do tempo e condições em que essas econo-mias externas se efetivam automaticamente ou dependendo de uma política propiciatória (caso Polo Petroquímico).Obviamente, os custos de transportes para diferentes localizações de uma unidade ou complexo pro-dutivo constituem elemento essencial. Por mais esforço que se faça ao nível de setor, a nível de progra-mação, esse elemento só poderá ser razoavelmente suprido ao nível do projeto. Mesmo assim razoavel-mente, pois é limitada a condição de previsão dos projetos, quanto a custos, numa região dependente e numa estrutura produtiva nacional altamente oligopolizada e açoitada pela inflação.

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das possibilidades produtivas com maiores efeitos para trás e para frente, ou seja, aqueles que gerem mais economias externas na re-gião: em suma, um processo de desconcentração concentrada.

Nessa categoria (b), estamos incluindo, no caso da estratégia vertical, as atividades principais ou motoras e, se planejadas em conjunto com elas, as subsidiárias e auxiliares, estas complementares e deriva-das do mercado intermediário das primeiras. As atividades derivadas da oferta de insumos pelas atividades principais, também planeja-das em conjunto com estas, se classificam nessa categoria (b) como variáveis exógenas. Mas evidentemente essas atividades subsidiárias e derivadas apresentam uma distinção algo fluida em relação à cate-goria “c”.

Na categoria “b”, incluímos serviços que ultrapassam a mera deman-da derivada “c”. É o caso de universidades, institutos de pesquisa, serviços públicos e outros serviços que podem ser desconcentrados, ultrapassando a demanda normal local, e até exercendo um papel dinamizador2.

2 Não há razão em considerar os serviços apenas atividades derivadas, que entram na categoria “c”. Há os que são de localização indiferente (assegurado um mínimo de escala e aglomeração) e portan-to podem ser planejados descentralizadoramente, com papel nacional. Alguns desses serviços podem exercer um papel dinamizador pela transferência e inovação tecnológica, contribuição para o mercado regional de trabalho e geração de outras economias externas, como a criação de condições para outras organizações.São exemplos: o papel que teve a Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro, com os professores suíços trazidos pelo Ministro Capanema; o papel que tiveram, no emprego da classe média profissional e na oferta de pessoal para universidades, a localização do BNB em Fortaleza, e da SUDENE em Recife.Provavelmente a desatenção ao papel autônomo e dinâmico que podem assumir os serviços resulta da velha classificação como atividades “improdutivas”, embora úteis, classificação que é insubsistente face à crescente substituição da produção material pela dos serviços e da transferência do emprego que era localizado nos estabelecimentos de produção de bens físicos pelas atividades especializadas de serviços que oferecem “insumos” àquelas.

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As possibilidades e limites de competitividade potencial desses in-vestimentos em “a” e “b” indicariam a necessidade de migrações, inter ou intra-regionais. A taxa de inamovibilidade da população ou a conveniência política de limitar as migrações determinariam os limites e condições dos investimentos para atenderem (em tempo possível e devido) aos objetivos de equalização.

Até aqui temos um modelo compatível com o de crescimento da economia nacional, apenas com ajustes temporais para a maturação dos projetos da categoria “b” em relação ao tempo de maturação de projetos semelhantes nas áreas mais desenvolvidas. Note-se que o possível inconveniente do maior investimento incremental em pro-jetos isolados na região periférica é superado na escala dos complexos e do desenvolvimento conjunto3.

As atividades “locais” derivadas da renda distribuída pelas atividades “a” e “b”, por sua vez, criam de-manda para insumos materiais, equipamentos e serviços funcionais, demanda que, em muitos casos, se soma à similar gerada pelas próprias atividades “a” e “b”. Na medida em que seja uma demanda intermediária específica do grupo “c”, nesse se situaria. Se coincidem com as demandas intermediárias dos grupos “a” e “b”, estariam talvez numa categoria intermediária. UN — Programming Techniques for Economic Development — Bangcoc, 1960.3 Um grupo de especialistas, reunido pelas N.U., sob a presidência de Jan Tinbergen, considerou es-sencial distinguir dois tipos de setores, partindo da distinção usual na teoria do comércio internacional: o imóvel e o móvel, conforme a condição de mobilidade dos fatores. Aquele, mineração, agricultura. O setor imóvel ele denominou de “mineração”. O setor móvel inclui a maioria das manufaturas (“têxteis” por simplificação). Este setor móvel é por tua vez distinguido conforme o custo de transporte é negli-gível (só este subsetor “completamente móvel”) ou não. Para cobrir as atividades locais, esse grupo de especialistas, que as simboliza como “serviços”, simplifica o problema, limitando-as às “determinadas pela distribuição geográfica da população”. Parece-nos que a ideia de derivação do mercado criado pelas atividades básicas (as que vendem para fora, seja via renda pessoal distribuída, seja pela deman-da intermediária) é mais funcional para um planejamento. Qualquer classificação não evita os casos fronteiriços e as mutações dinâmicas, como as atividades “a” e “b”, que também atendem à demanda local, e atividades “c”, que, sobretudo com a escala das aglomerações humanas e produtivas, se tornam exportadoras.Para simplificar o cálculo e ajustar-se à análise de insumo-produto (um setor de cada indústria corres-ponde a uma região), algum autores assumem que os insumos de um setor numa região são obtidos

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II — Migrações inter-regionais

A emigração inter-regional constitui a válvula de escape para o ex-cedente de população em face dos recursos de capital existentes na região ou para ela transferíveis; isso no suposto de que devemos pro-mover igualdade de oportunidades básicas.

Sempre esteve implícita, nas propostas para o desenvolvimento re-gional, a persistência de uma emigração líquida do NE para o Cen-tro-Sul e outras regiões do País. A SUDENE, nos seus documentos originais, a explicitou, apontando especialmente a abertura de áreas de nova colonização, algumas na periferia da própria região nordes-tina. Esta alternativa já entra em outra categoria de problema: a das migrações intra-regionais, que abordaremos adiante.

A migração inter-regional efetiva define a população do NE, cujas oportunidades se devem equalizar. Um planejamento de tais migrações constitui a forma de equalizar a população com as possibilidades do es-quema de transferências para assegurar a igualdade de oportunidades.

das outras regiões, conforme coeficientes constantes; embora os coeficientes de insumos possam variar de região para região.Havendo um plano nacional para as atividades “imóveis”, resta definir que condições de distribuição dos investimentos no setor móvel são suficientes para equalizar a renda per capita (ou atingir padrões aceitáveis de quase igualdade) entre as regiões, em suas sub-hipóteses: — a população regional ficar como está:— a população remanescente, depois de migrações para oportunidades extrarregionais. Para essa equa-lização aproximada, seriam computadas as atividades de consumo local, derivadas (“c”).

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Um problema extremamente complexo se coloca como um desafio nessa compatibilização entre o desenvolvimento regional e o nacional.

Qual é hoje a capacidade de absorção de imigrantes no Centro- Sul, que já está expelindo gente para o Centro-Oeste e até para as melhores oportunidades do NE? Que resulta da emigração para o Centro-Oeste e Amazônia, mesmo com as possibilidades do Grande Carajás? Sim, o povo deve ter condições de deslocar-se para onde ti-ver mais chances. Isso convém às pessoas e ao dinamismo da econo-mia brasileira favorecida pelas possibilidades de mobilidade espacial. Mas a situação hoje é terrível. Muitos dos migrantes nordestinos de baixa qualificação terminam só encontrando chances ao saírem do território nacional para o Paraguai, a Bolívia ou a Guiana. Os custos e os benefícios sociais das migrações e dos novos assentamentos re-clamam estudos que os quantifiquem ou os avaliem de alguma for-ma, permitindo comparação com os custos e benefícios incrementais de investimentos que fixem as populações onde elas estão. Pode ser que os subsídios para uma desconcentração de investimentos onde já há gente constituam uma vantagem sobre a dispersão territorial precária, em condições de um cruel desgaste humano, que se tem verificado, depois de saturada a fronteira agrícola e industrial em torno de São Paulo.

Em termos de desenvolvimento regional, é desejável que tais migra-ções, se não para a própria região, se destinem a áreas adjacentes que se integrem com a economia da região de origem, como seria o caso Carajás-NE.

Apesar dos estudos descritivos que vêm sendo feitos, sobretudo pelo IBGE, creio estarmos distantes de um modelo global de migrações

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inter-regionais, até porque este dependeria não só de projeções, mas do desenvolvimento de novos recursos: o do planejamento regional a nível nacional. Enquanto se trabalha para isso, certas hipóteses poderiam — suponho — ser consideradas para planejar as transfe-rências a que se refere o item I4.

4 Os custos e benefícios sociais das migrações reclamariam uma elaborada quantificação e com-paração com os custos e benefícios incrementais nas diferentes localizações de investimentos. Assim orientar-se-á a racionalidade de uma política de subsídios para a desconcentração, conciliando com o objetivo de não reduzir, pelo menos a prazo médio, o crescimento nacional.Não sei como a complexidade dos problemas ligados às migrações e assentamentos urbanos pode ser capturada nos modelos matemáticos.Tenho lido referência a numerosos ensaios de modelos urbanos, mas aparentemente com maior cre-dibilidade para os sistemas urbanos dos países industriais, onde a heterogeneidade entre as cidades e intraurbana é muito menor, além de ser também modesta a taxa de crescimento urbano. (Nosso cres-cimento é de 4%, sendo talvez de 8% o da marginalidade urbana, em comparação com cerca de 1% e talvez 0,2%, respectivamente, aos países industriais).

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III — Migrações intra-regionais e desconcentração dentro da região

As migrações intra-regionais dizem respeito ao fluxo rural-urbano e interurbano, bem como à relocalização territorial em função de projetos industriais e agroindustriais, minerais, terras de nova colo-nização e irrigação, e ainda modificações no sistema de transporte.

Essas migrações não são evidentemente essências às relações inter- re-gio nais, mas o são para a equalização das oportunidades para as pessoas.

É provável que, num primeiro estágio, salvo o papel difusor do pro-grama esboçado adiante no item V, haja concentração espacial, den-tro da região, dos programas do item I, em pontos de crescimento particularmente favorecidos, a fim de maximizar o efeito da des-concentração inter-regional. Mas programas de pesquisa de recursos agrícolas e minerais e da tecnologia a eles ajustada, de reforma agrá-ria e de colonização em áreas de ralo povoamento dentro da região, bem como de irrigação e agroindústrias, deverão também promover desconcentração dentro da região, embora com declinantes coefi-cientes de população rural.

Não descreio que modelos matemáticos possam ajudar a fazer juí-zo sobre os problemas urbanos. Desde logo, para melhor projetar a estrutura do crescimento urbano, é essencial relacioná-la com as projeções e os programas de produção rural e urbana, bem como dos serviços autônomos. Outro ponto fundamental é globalizar as projeções de inversões urbanas, tendo em vista as previsões tanto de

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crescimento quanto dos novos núcleos em função do emprego po-tencial, bem como dos custos diferenciais de infraestrutura urbana.

IV — Suporte de atividades tradicionais e informais

Pode, entretanto, ocorrer que o limite alcançado por esse conjunto “a”, “b” e “c” não seja suficiente para homogeneizar as estruturas produtivas (em relação ao padrão nacional) e para assim assegurar a equalização das oportunidades de emprego e renda para toda a população que não tenha condição de migrar. Neste caso, se o pro-grama de cobertura dos déficits de atendimento das necessidades básicas (de que se trata adiante) não for suficiente para compensar a diferença nas oportunidades quanto ao básico, certamente será ne-cessário um programa especial de sustentação, com certo subsídio permanente, de atividades tradicionais e informais, tanto na agri-cultura como nos centros urbanos. Seria um subsistema “d”, cujo programa, entretanto, deveria ser tratado como preparatório para ulterior integração no circuito competitivo.

Esse posicionamento residual das atividades tradicionais e informais é muito diferente de torná-las como o objeto da primeira fase de um programa de desenvolvimento regional.

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V — Atendimento direto das necessidades básicas

O objetivo-mestre é reduzir a desigualdades toleráveis as diferenças nas oportunidades das pessoas entre a região a desenvolver e a região mais desenvolvida ou um padrão nacional. Tal efeito, a prazo longo, resultará dos elementos I, II e III, se a emigração for suficiente para essa equalização. Mas o processo de desconcentração tem longo perí-odo de acumulação e de maturação, traduzido na geração de empre-gos indiretos e de tributação. Enquanto isso, pode até se acentuar a concentração em termos intra-regionais, e, assim, essas diferenças se manterem ou até se agravarem. E elas são intoleráveis.

E pode ser que a relativa inamovibilidade da população, combinada com a alta taxa de crescimento demográfico, frustre os próprios ob-jetivos de equalização a longo prazo, através dos elementos I a III.

Além de intoleráveis para os padrões morais e políticos, tais diferen-ças nas oportunidades das pessoas afetam a capacidade regional de absorver mais capital e tecnologia; de organizar-se; de assumir com eficiência a iniciativa, a participação e a cooperação, além da própria cidadania e poder reivindicativo.

Daí a indicação de um programa de distribuição indireta em termos de suprimento de déficits locais (não apenas regionais) de atendi-mento das necessidades básicas (NB): nutrição, educação, saúde, saneamento básico, habitação e transporte coletivo. Esse programa seria compensatório das profundas desigualdades atuais, porém, ao mesmo tempo, teria o papel de habilitar a população a novas atitu-des de desenvolvimento.

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Os déficits se mediriam pela diferença entre os padrões estabelecidos e seus custos, de um lado, e, do outro, a capacidade da economia local (renda das famílias, recursos dos municípios e do Estado) para atender a cada uma dessas necessidades básicas.

O esquema seria baseado nos padrões que fossem considerados dig-nos de uma sociedade democrática e viáveis nas condições da eco-nomia nacional, levando em conta o crescimento e a reorientação desta no sentido conjugado de melhor distribuição da renda e de ajustamento coerente da estrutura da oferta.

O esquema anteciparia os efeitos esperados progressivamente de I, II e III (em termos de emprego, renda das famílias e de tributação esta-dual e municipal) e depois seria substituído gradativamente por es-tes; mas também poderia assumir um caráter compensatório perma-nente, no caso de serem insuficientes aqueles elementos da estratégia e/ou a emigração liquida, ou de ser esta estruturalmente inadequada (por exemplo, deixarem um grande número de desqualificados para a oferta local de mão de obra).

O suprimento desses déficits locais no atendimento das NB seria crescente e não integral e imediato, como seria desejável, em face das duas restrições:

I. a velocidade no reajuste do modelo atual de distribuição de renda (e da estrutura produtiva) para atender a cada demanda de redistribuição indireta;

II. a velocidade com que se prepara a estrutura, os RH e a fun-cionalidade dos serviços que atendam efetivamente, no novo volume planejado, às necessidades básicas.

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Ao ser local e não regional o programa, seu âmbito é o do municí-pio. E o município seria o agente principal do programa. O objetivo é duplo; evitar as desigualdades intra-regionais no que toca a esse programa de necessidades básicas e reforçar a entidade municipal, fazê-la mais autônoma, o que está na lógica de uma política de des-concentração e igualdade de oportunidades. Forçosamente, o pro-grama necessitaria prever o ajustamento administrativo das munici-palidades para realizá-lo, com o apoio técnico do Estado. O Estado poderia ter um papel complementar no caso de saneamento básico e um supletivo no caso de demorado ajustamento das prefeituras para cumprir seu papel.

O modelo acima poderia utilizar as tabulações municipais do censo e outros inquéritos (despesas familiares) ou resultados extrapoláveis, bem como os números da realização orçamentária. Deveria também incorporar mudanças em períodos curtos nessas variáveis. E permi-tiria aparentemente uma computação fácil do que cabe a cada pro-grama local.

Com isso, esse programa de redistribuição acentuaria seu papel de valorizar os recursos humanos, de elevar a produtividade. Seria um investimento social substituto do investimento material.

Mas se faz necessário ponderar a respeito da conveniência de compli-cações, para ser mais eficaz a estratégia em termos sociais e nacionais. Uma, a de considerar um certo privilegio nas localidades com futu-ro, ou seja, com maior potencial de emprego. No caso de localidades sem potencial aparente, poder-se-ia suspeitar que o programa fosse um fator de estabilidade negativa, ou seja, de sustentar a estagna-ção, prejudicando o reajuste espacial dos assentamentos humanos em função de melhores condições de vida. Mesmo nessa hipótese,

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o custo de oportunidade do programa de necessidades básicas, so-bretudo em educação, saneamento e saúde, seria negligível pela mo-bilidade maior da população mais apta e pelo possível papel resi-dual desta na retomada do dinamismo local nas “cidades mortas”. Uma segunda complicação é a de privilegiar com melhor qualidade de educação, por exemplo, as áreas rurais e da periferia urbana nas quais a herança educacional familiar é mais débil. Com tudo isso, imagina-se que uma programação não encontraria intransponíveis dificuldades de informações e operação, embora ela se tornasse mais complexa ainda ao incluir toda a preparação para a oferta dos servi-ços em que se traduziria o programa.

O financiamento dos déficits teria que ser necessariamente coberto por transferências da União para ter os efeitos regionais equalizadores. Seria um passo adiante em relação ao insuficiente esquema compen-satório dos critérios de distribuição dos fundos atuais “de transferên-cia” para Estados e municípios (FPE, FPM e FE). Não se partiria de certas quotas de receitas para serem repartidas aos Estados e municí-pios, mas de um conceito de demanda social e até de direito subjetivo ao atendimento das necessidades básicas, como objetivo e condição de democracia. Só a União poderia fazer essa redistribuição, o que im-plica o paradoxo de uma concentração de arrecadação, cujos efeitos perversos seriam anulados pelos critérios de distribuição compensató-ria em favor, sobretudo, dos municípios, de forma automática e assim descentralizadora e libertadora da atual dependência municipal.

Os parâmetros éticos e políticos na fixação dos padrões e os de polí-tica econômica traduzidos na mudança da estrutura de distribuição da renda e do sistema produtivo são dados inteiramente exógenos à programação em foco e poderiam ser adotados por aproximações.

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Até porque eles não seriam invariáveis: iriam se modificando com o curso dos ajustamentos políticos e o crescimento da economia.

Todo esse modelo culminaria com o cálculo de seus efeitos sobre a renda regional, os testes de sua eficácia e consistência, e sobre os padrões de distribuição. No caso da estratégia ser conduzida ao nível de uma só região, haveria que projetar seus efeitos sobre a economia nacional como um todo, o que, em grande parte, responderia por sua viabilidade política.

Em todos os elementos de I a V e em suas inter-relações, o fator tempo está sempre presente.

Parte-se da impressão de que vários modelos parciais serão progra-máveis e manejáveis e produziriam informações muito úteis. Um modelo mais agregado seria o desafio para chegar a responder aos objetivos da estratégia esboçada. Isto é possível, em face à comple-xidade das inter-relações e ao grande número de parâmetros e coefi-cientes a fixar e a pesquisar? Propõe-se que se o tente com um esforço conjunto da universidade nordestina, já que o NE seria o principal beneficiário da estratégia esboçada5.

5 De toda maneira, os fatores não econômicos de que dependem a tomada de posições a nível regio-nal, de decisões ao nível dos órgãos decisores, em todos os níveis, especialmente o do governo nacional, a preparação das condições técnicas para implementação das políticas e condições culturais para operar o modelo são extremamente resistentes a uma tentativa de quantificação e, às vezes, até de previsão. Um modelo desse tipo seria indesejável conduzir a nível nacional para todas as regiões. Ele é particular-mente justificável para enfrentar o problema grave das disparidades do Nordeste.

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O desafio à universidade

Numerosas questões surgem a respeito de cada um dos itens abor-dados; e mais as complicações dos fatores não econômicos, ou seja, sócio-institucionais, culturais e políticos. Esta é uma outra dimensão essencial do desenvolvimento. Afinal, por essa via é que se efetuam “as mudanças estruturais, de forma sustentada”, e se possibilitam as atitudes e decisões instrumentais ao processo econômico mesmo. É certo haver aí um contínuo processo de causação mútua, interação, entre as transformações na estrutura produtiva e aquelas outras mu-danças sociais e institucionais. É importante ressaltar a dimensão política não só da capacidade de autodeterminação e gestão no ní-vel regional, mas também da participação efetiva nas decisões do poder central. Uma questão fundamental ocorre: É possível chegar a isso sem uma transformação política numa velha estrutura oligár-quica, por mais competentes e bem-intencionadas do ponto de vista pessoal que sejam muitas das lideranças que merecem toda nossa homenagem? Como funcionar essa inter-relação entre desenvolvi-mento político e desenvolvimento econômico-social? Afinal, qual o processo dinâmico de interação entre a conquista da liberdade e da desinibida promoção humana e a eliminação da pobreza? Como sair da perplexidade na questão do papel e da presença do Estado?

Por um lado, os nossos anseios democráticos nos levam a aspirar e promover a organização e a mobilização da sociedade civil, levan-do ao ideal da autogestão, ou seja, o contrário da concentração do poder; mas, por outro lado, as realidades da vida moderna - espe-cialmente as da desigualdade social e do subdesenvolvimento - não

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Sugestões para um novo modelo de desenvolvimento do Nordeste

se resolvem no sistema do mercado, e, portanto, requerem planifi-cação. Como conciliar as aspirações descentralizadoras com a ação mais ampla do Estado, não só corretiva, mas preventiva, interferente e promotora? Desembocamos num estuário em que confluem a “en-genharia” política dos controles sociais com a luta pela organização desinibida e pela ampla participação política e social.

Os problemas estão abertos ao pluralismo universitário. � universi-dade cabe produzir informações e ideias e a formação de uma nova elite. Mas, apesar do pluralismo, as universidades da região podem associar-se “numa ação comum... respaldada por uma mesma matriz de problemas”6 como a aqui proposta.

Assistimos a um auspicioso surto de pesquisa universitária com os novos quadros (não me contenho de manifestar que a CAPES é uma das organizações de cuja criação mais me sinto gratificado de haver participado no último Governo Vargas), e, nesse movimento, apesar das lamentáveis limitações dos recursos destinados à educação pelo Governo Federal, ressaltam os avanços feitos pela Universidade Fe-deral do Ceará. Grande número de estudos empíricos e de ensaios conceituais já estão sendo produzidos no Brasil, e a inspiração ética da abolição da pobreza anima a maioria dos pesquisadores, dando- nos uma grande confiança na preparação de uma nova elite, lúcida e servidora, no campo das ciências sociais.

No passado remoto, o colonialismo cultural, a partir das teorias e doutrinas geradas nos países centrais, inibia toda manifestação de autonomia em nosso pensamento econômico e em nossa decisão

6 Jacques Therrien — Helena Cartaxo in A Universidade e Desenvolvimento Regional — UFC — 1980.

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política. Ainda hoje, persiste certo autoritarismo acadêmico, agra-dável a interesses acastelados em nossa sociedade e dominando os meios de comunicação. Mas o pluralismo e a necessária autonomia da universidade hão de quebrar esse círculo de ferro, alargar o co-nhecimento de nossos recursos e de nossa sociedade e abrir cami-nhos novos para a ciência libertadora e um futuro de justiça, de paz e alegria de viver!

Essa ação comum há de partir, portanto, do compromisso ético com a região, com o povo; com, enfim, a libertação do homem. Para que se cumpra a invocação do poeta:

“Onde o espírito é sem medo e a fronte se ergue;Onde é livre o conhecimento;Onde o mundo não foi dividido em pedacinhos por paredes domésticas;Onde as palavras nascem do abismo da verdade;Onde o incansável esforço estende os braços para perfeição;Onde a torrente clara da razão não se desgarrou pelo triste deserto de areia da entorpecida rotina;Onde o espírito avança guiado por ti num pensamento e ação sempre crescentes;Dentro desse céu de liberdade, ó meu Pai, faze com que desperte uma pátria para mim”7.

7 Rabindranath Tagore — Ó Gitanjáli (trad. Guilherme de Almeida).

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Publicação produzida pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia - FIEB,

no formato 16x23cm, fontes Adobe Garamond Pro e Aller.

Tiragem: 600 exemplares.Impressão e acabamento:Gensa Soluções Gráficas

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Rômulo Almeida (1914-1988) está entre os mais in�uentes economistas nordestinos. Ele ajudou a animar o debate nacional sobre desenvolvimento regional, na segunda metade do século XX. Sua reconhecida capacidade de cercar-se de talentos ajudou-o a pensar e a tornar realidade empreendimen-tos e instituições como o Polo Petroquímico de Camaçari, Banco do Nordeste do Brasil, Chesf, Centro Industrial de Aratu e Petrobras.

Se há um homem que simboliza a inventividade do nordestino, com sua capacidade de organizar pensamentos e transformá-los em ações, de perceber oportunidades e de encarar desa�os, de dialogar e convencer pessoas, este é, sem dúvidas, Rômulo Almeida. Formulador de políticas e de projetos que mudaram a face do Nordeste e da Bahia, Rômulo concebeu e coordenou a equipe responsável pela implantação do Polo Petroquímico de Camaçari, idealizou e ajudou a criar o Banco do Nordeste do Brasil, a Chesf e a Petrobras, empresas e instituições que ajudaram a tornar o Brasil um país menos desigual. Ao pensar atalhos para o futuro, Rômulo tornou perceptível o seu sonho de um Nordeste mais competitivo e integrado ao mercado nacional. É o que se comprova em vários dos artigos presentes nesta coletânea, que integra a Série FIEB Documentos Históricos.

SÉRIE FIEBDOCUMENTOS HISTÓRICOS2

RÔMULODesenvolvimento Regional e Industrialização

“Rômulo Almeida teve uma vida plena de experiências e desa�os. Ele soube, como poucos, enfrentá-los com coragem. Assim como soube defender, de forma convincente, suas ideias. Merece destacar-se, aqui, sua incansável luta pela inserção da economia do Nordeste na dinâmica econômica nacional.” José de F. Mascarenhas

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